Buscar

sobre urbanismo - denise

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 29 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 29 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 29 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

Sobre Urbanismo
VIANA & MOSLEY
Editora
Denise Barcellos Pinheiro Machado
Organizadora
A
rq
ui
te
tu
ra
 e
 C
id
ad
e
Sobre Urbanismo
Sobre Urbanismo
Denise Barcellos Pinheiro Machado
Organizadora
Sumário
Apresentação | 7
Denise Barcellos Pinheiro Machado
Parte I Cidade e Tempo: Permanências e Rupturas | 15
Utopias urbanas modernistas | 17
Sônia Hilf Schulz
A dialética entre permanência e ruptura nos processos de transformação do espaço | 27
Cristóvão Fernandes Duarte
Percursos do urbanismo contemporâneo | 37
Jorge Moscato
Globalização e história ou atores sociais e culturas urbanas já são levados a sério? | 43
Margareth Aparecida Campos da Silva Pereira
Parte II Cidade e Espaço: Projetos Urbanos | 57
Contextos e transformações | 59
Nuno Portas
O ensino do projeto urbano entre a crise e a mutação | 65
Yannis Tsiomis
Quem debate o projeto urbano no Brasil? | 81
João Farias Rovati
Ordem e irregularidade no espaço urbano: uma perspectiva regulatória e urbanística | 89
Rachel Coutinho Marques da Silva
Qual futuro esperar para as favelas? | 103
Um debate sobre a qualidade dos espaços físicos de assentamentos populares à luz de conceitos 
de espaço público
Luciana da Silva Andrade
Parte III Cidade e Contexto | 121
Por uma mitocrítica do urbanismo: da pertinência de mitos e arquétipos na prática | 123
urbanística do Rio de Janeiro
José Almir Farias Filho
A paisagem em movimento | 149
Lucia Maria Sá Antunes Costa
Rio de Janeiro e árvores urbanas: uma paisagem afetiva | 159
Ivete Mello Calil Farah
O outro lado do Rio de Janeiro | 175
Marlice Nazareth Soares de Azevedo
Projeto Editorial
Denise B. Pinheiro Machado
PROURB - Programa de Pós-graduação em Urbanismo FAU/UFRJ
Coordenação Editorial
Marta Mosley - Editora Viana & Mosley
Diagramação
Hybris Design
Capa
Isabella Perrotta
Foto da capa
José Ripper Kós
Revisão de texto
Elisabeth Simões
Prourb – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
Avenida Pedro Calmon, 550
Edifício da FAU/Reitoria, Sala 521
Cidade Universitária - Rio de Janeiro CEP: 21941-901
Tel.: 55(21) 2598-1990 - Fax: 55(21) 2598-1991
prourb@fau.ufrj.br
www.prourb.fau.ufrj.br
Av. Ataulfo de Paiva, 1.079/ sala 704
Leblon - Rio de Janeiro, CEP: 22440-031
Tel./Fax: (21) 2540-8571
Diretor Comercial: Richard Mosley
Tel.: (21) 3204-9285
vmeditora@globo.com
www.vmeditora.com.br
VIANA & MOSLEY
Editora
Este livro1 inaugura a Coleção Arquitetura e Cidade, uma parceria entre a Editora Viana
& Mosley e o PROURB – Programa de Pós-graduação em Urbanismo (FAU/UFRJ). A Coleção
vem contribuir para a divulgação do conhecimento produzido na área de Arquitetura e
Urbanismo trazendo a público temas contemporâneos sobre a cidade e a arquitetura, discu-
tindo questões da práxis e da teoria, fundamentais no campo disciplinar.
SOBRE URBANISMO reúne um significativo conjunto original de textos2. A reflexão sobre os
métodos, as teorias e o porvir do Urbanismo é a linha transversal que conduz os diversos
ensaios. A obra se organiza a partir de quatro recortes privilegiados de análise sobre a cida-
de e sua arquitetura: tempo, espaço, contexto e futuro.
A primeira parte, CIDADE E TEMPO: PERMANÊNCIAS E RUPTURAS discute o tempo na cidade como
transformador do espaço. A partir de diversas abordagens teóricas as permanências e ruptu-
7
Parte IV Cidades e Futuro: Reflexão e Crítica | 189
A Arquitetura e o futuro | 191
Flavio Oliveira Ferreira
Viver a modernidade | 199
José Barki
Cidades e futuro: reflexão e crítica | 213
Carlos Antônio Leite Brandão
A criação no pensamento das imagens | 223
Carlos Alberto Murad
Qual futuro para um mundo urbanizado na América Latina? | 241
Roberto Segre
Sobre os autores | 258
Apresentação
Denise Barcellos Pinheiro Machado
1 Forma e Movimento (de Cristóvão Fernandes Duarte) e A Cidade pelo Avesso (de Rachel
Coutinho Marques da Silva – org.), compõem, junto com Sobre Urbanismo, os três primeiros lançamen-
tos da Coleção Arquitetura e Cidade.
2 Grande parte das contribuições deste livro tiveram origem nas apresentações feitas no
"Seminário Internacional Urbanismo 10 Anos: percursos e prospectivas", realizado no Rio de Janeiro
pelo PROURB em 2004. Este Seminário recebeu o apoio de FAPERJ, CAPES, CNPq e FUJB.
em enfatizar os tempos urbanos curtos em detrimento de tempos mais longos e de um feixe
mais complexo de dados da história das cidades, e o conseqüente silenciamento da dimen-
são histórica da cidade, fundamental nestas análises. Mostra que a globalização não é um
fenômeno novo e tampouco irreversível, mas é histórico.
Tempo e espaço se entrelaçam. Na segunda parte do livro, CIDADES E ESPAÇO: PROJETOS URBA-
NOS, os autores discorrem sobre a teoria e a prática projetual na cidade contemporânea em
seus diversos aspectos.
Nuno Portas nos brinda com uma fina digressão sobre a complexidade e ambigüidade do
que chama hoje contexto, a partir das transformações do pensamento sobre a cidade desde
o modernismo até o momento contemporâneo. Mostra que a relação entre o contexto e o
novo não é sempre igualitária e que a razão desta diferença de processos reside na força cul-
tural e de consenso das condicionantes que cada lugar impõe a um dado programa. Por fim,
alerta que os projetos urbanos para as nossas cidades necessitam incorporar as prioridades
sociais, assumindo a regeneração e continuidade das vastas áreas de assentamentos irregu-
lares periféricos e das áreas industriais com o restante do tecido urbano.
Yannis Tsiomis, ao abordar a questão do ensino do projeto urbano, nos fala da concepção
em arquitetura e da aporia. A principal razão desta aporia é a necessária distância entre aquilo
que se pratica e aquilo que se ensina. Sustenta a hipótese de que a concepção em arquitetura
se inscreve nas mutações dos mundos a construir em função da posição na história dos espa-
ços concretos. São concepções plurais e não objetivas, mas tributárias de coisas aparentemente
objetivas, entre outras a técnica. A concepção atinge o real pela construção de um método.
Mostra que as concepções e posições contraditórias se apóiam sobre as certezas que trazem a
legibilidade social e um ambiente técnico que, apesar das inovações, é controlado. É a ausência
desta legibilidade que nos faz hoje hesitar entre a crise, que alguns quiseram corrigir, e a muta-
ção através da qual outros defendem a mudança radical, não mais na política, mas no tratamen-
to do espaço e dos territórios urbanos. Assim, a concepção é um condutor e uma visão entre o
preexistente (cidade histórica, paisagem, território a urbanizar) e aquilo que desenha o porvir.
João Farias Rovati retoma as definições de projeto urbano e faz uma análise das aborda-
gens sobre o tema no âmbito acadêmico e profissional, com foco na experiência de Porto
Alegre. Mostra que apesar de temas e ações identificados com a problemática do projeto
urbano estarem presentes em trabalhos desenvolvidos na academia, não se observa um deba-
9
Apresentação
ras são analisadas como processos dinâmicos de constituição da cidade, desde as utopias
modernistas às vicissitudes do momento contemporâneo.
Num percurso teórico preciso, Sonia Hilf Schulz traça uma breve história das utopias sub-
jacentes às transformações sofridas pelas cidades modernas, cujo legado foi uma urbanidade
que nega o potencial da cidade como lugar de trocas. O fracasso dessas teorias e práticas
urbanísticas obrigaria os arquitetos das gerações seguintes a abandonar idealidades e enfren-
tar o desafio de pensar e fazer realidades urbanas.
Cristóvão Fernandes Duarte apresenta uma reflexão acerca da relação dialética entre per-
manência e ruptura nos processos de transformação do espaço urbano, tendo como eixo con-
ceitual de análise as teorias desenvolvidas por HenriLefebvre. Resgata o método de análise
regressivo-progressivo, proposto por este autor como chave de decifração daqueles proces-
sos. Tomando como referência a periodização proposta por aquele autor (era agrária, era
industrial e era urbana), e contribuições de outros autores, discute suas implicações sobre o
processo de constituição do espaço urbano ao longo da história.
Jorge Moscato discorre sobre os pressupostos e o devir do urbanismo contemporâneo a
partir da história do Movimento Moderno, que divide em dois momentos: século longo (sécu-
lo XIX) e século curto (século XX). Refere-se às posturas iniciais e às sucessivas correções que
o Movimento Moderno sofreu até entrar no período pós-século que se inicia na década de
90. É quando se assiste ao processo de mudança dos paradigmas necessários para a práxis
do século XXI, cujos pressupostos são baseados na volta da construção de projetos importan-
tes nas cidades históricas; na definição de novos projetos urbanos a partir de uma visão da
cidade como objeto; no abandono da idéia de trabalhar sobre a quadra fechada e a volta ao
bloco aberto; e na incorporação da natureza nas formulações urbanas através da noção de
paisagem. Conclui dizendo que o urbanismo atual aparece claramente liberado da carga
social e política do século passado, e destaca que embora não saibamos ao certo quais seriam
os novos paradigmas do século XXI, podemos supor que a angústia clássica sobre o futuro
seja substituída pela esperança.
Finalizando a primeira parte, Margareth da Silva Pereira nos alerta que embora os elos
entre globalização e cidades pareçam suficientemente tecidos, a forma como a dimensão his-
tórica é tratada em grande parte dos trabalhos sobre o tema constitui problema. Sua argu-
mentação é sustentada na insistência do binômio globalização-formação de cidades globais
8
Sobre Urbanismo
os papéis sociais. Pontua momentos e personalidades significativos dos diversos estágios do
urbanismo carioca, estabelecendo sua relação com imagens míticas e arquetípicas constituin-
tes do inconsciente coletivo, tal como considerado por Jung. Para Farias, assim como mitos e
arquétipos servem à compreensão da arte, eles podem também servir à história do urbanismo,
pois o urbanismo e seu objeto - a cidade - remetem à concepção de arte como transposição
de uma idéia em obra. Racional, por certo, mas também obra estética, visto que a cidade
moderna é o lugar da educação dos sentidos, da formação de novas sensibilidades.
Defendendo a inclusão das águas urbanas no projeto da paisagem, Lúcia Maria Sá
Antunes Costa traz uma contribuição específica a este debate. Argumenta que as águas são
paisagem em movimento - modelando e refazendo continuamente o contexto físico e social.
Destaca o valor das águas urbanas para as cidades e sua população e aponta a importância
de três premissas para o desenho da paisagem – visibilidade, acessibilidade e conectividade –,
sinalizando que um novo olhar sobre a questão das águas é uma atitude fundamental no
desenho da paisagem contemporânea.
Ivete Mello Calil Farah chama a atenção da importância das árvores urbanas na constitui-
ção da paisagem afetiva das cidades, mostrando o potencial afetivo que as árvores despertam
nos habitantes. Sustenta a consideração dos valores e significados referentes às árvores urba-
nas nos projetos paisagísticos, de forma que a sua potencialidade afetiva possa ser explorada.
Do outro lado do Rio de Janeiro, Marlice Nazareth Soares de Azevedo mostra que o elo
político, socioeconômico e físico-urbano entre Rio de Janeiro e Niterói sempre foi cerceado
pelas águas da baía de Guanabara. Assim, o sonho de continuidade das duas cidades sem-
pre esteve presente no imaginário fluminense. Numa abordagem histórica, Marlice Azevedo
vai desvendando a transformação da imagem de Niterói, através das marchas e contramar-
chas do processo de ocupação da orla da cidade que hoje abriga o projeto Caminho
Niemeyer, definido como área de especial interesse urbanístico, paisagístico e turístico. O sím-
bolo da cidade hoje é uma obra arquitetônica futurista voltada para a cultura.
A última parte do livro, CIDADES E FUTURO, retoma algumas questões discutidas nos capítulos
anteriores, abrindo caminhos de reflexão que passeiam pela filosofia, a história e outras discipli-
nas.A noção de futuro na contemporaneidade está atrelada ao seu contraponto no modernismo.
Para Flavio Ferreira, o núcleo do conhecimento da Arquitetura é constituído pela articu-
lação entre História, Teoria e Crítica. Mostra como as modificações em qualquer destas cate-
11
Apresentação
te conceitual sobre o projeto urbano. Ao fazer um paralelo entre o discurso acadêmico e a
prática profissional, tece considerações sobre as diferenças entre projeto urbano e planeja-
mento urbano, calcadas principalmente na formulação de um programa para a cidade; entre
o projeto de arquitetura inscrito no tempo curto, em oposição ao projeto urbano inscrito num
tempo longo com atores múltiplos, e concebido como parte de uma obra – a cidade – que
jamais será integralmente concluída. Analisa o Orçamento Participativo, experiência inovado-
ra que não tem despertado o interesse dos planejadores urbanos. Insiste, por fim, na inexis-
tência, em Porto Alegre, de um debate focalizado no projeto urbano – que não se confunde
nem com o projeto de arquitetura nem com o planejamento.
Com o foco na cidade contemporânea brasileira, imprensada entre a ordem e o caos,
Rachel Coutinho Marques da Silva propõe uma reflexão sobre a irregularidade urbana,
expressa no espaço da cidade com a aparência da não-conformidade às normas. No intuito
de compreender como a ordem e a desordem atuam na constituição do espaço da cidade
contemporânea explora a análise do papel das normas urbanísticas na construção de uma
lógica formal, salientando a monetarização destas como parte da lógica intrínseca à ordem e
à desordem.
Luciana da Silva Andrade discute a idéia de favela como solução. Tomando como obje-
to a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, foca sua análise na qualidade físico-formal dos espa-
ços. Descreve a qualidade dos percursos no interior da favela e, em seguida, com base em
debates sobre os significados da expressão espaço público, analisa as condições de vida
impostas pelo espaço físico a seus moradores. Por fim, retomando a oposição remoção versus
urbanização, enfatiza a necessidade de avançar nas políticas com vistas a superar as questões
relacionadas aos espaços de vida que são destinados à população pobre.
A cidade no tempo e no espaço implica em contexto, que na cidade contemporânea é mul-
tifacetado. A terceira parte deste livro, CIDADE E CONTEXTO, reúne olhares sobre diferentes contex-
tos e categorias da cidade, mostrando aspectos da complexidade intrínseca de nossas cidades.
A interseção entre a história do urbanismo e a psicologia analítica é o viés apontado por
José Almir Farias Filho para falar sobre a cidade. Analisando à luz da mitocritica e através de
um percurso historiográfico o urbanismo praticado na cidade do Rio de Janeiro ao longo do
século XX, cria um modelo alternativo de interpretação fornecido por uma antropologia social
menos preocupada com os recortes estruturais da sociedade do que com as representações e
10
Sobre Urbanismo
rama das formações urbanas e dos paradigmas que nortearam a atuação de arquitetos e urba-
nistas ao longo da história. Diante do quadro que se desenha, pleno de contradições e defasa-
gens, ele salienta que, antes de assumir uma visão apocalíptica sobre o futuro social e urbano,
é necessário refletir sobre a herança recebida e os instrumentos de transformação do presente
real. Segundo Segre, o desafio consiste em assumir novos paradigmas de desenho urbano, que
devem adaptar-se asolicitações reais e objetivas, distantes da busca de futuros desconhecidos.
Esperamos que as idéias aqui apresentadas possam contribuir para os estudos da cidade e
de sua arquitetura, instigando os leitores a percorrer outros e novos caminhos sobre urbanismo.
Para finalizar, expressamos nosso reconhecimento às colaborações dos autores e de
Elisabeth Simões, sem o que este livro não teria sido possível.
13
Apresentação
gorias resultam em mudanças nas demais, introduzindo o tempo como um elemento impor-
tante a ser considerado. O presente é um ponto móvel que percorre a linha do tempo dividin-
do-o em dois segmentos infinitos: o passado e o futuro. Assim, ao contrário do que aconte-
cia no Modernismo, as propostas na contemporaneidade não são feitas para um futuro dis-
tante e perfeito, mas para apoiar, o mais rapidamente possível, melhorias no ponto móvel e
imperfeito do presente. Salienta a substituição do núcleo do conhecimento da Arquitetura
entre o Modernismo e o momento contemporâneo, quando a base filosófica racionalista
sobre a qual este se assenta dá lugar a um enfoque empiricista, determinando um novo olhar
sobre a cidade e as propostas para o futuro.
Viver a modernidade de José Barki associa a utopia à noção de futuro. Mostra que as
noções de progresso e bem-estar se confundem na própria idéia da metrópole. Introduz a
questão da pós-modernidade e da modernidade, para salientar que esta última continua a
provocar controvérsias envolvendo posições filosóficas na interpretação da sociedade, da civi-
lização, da arte e da cultura. Finaliza apontando para uma razão crítica como a possibilidade
de refletir acerca da legitimação da sociedade contemporânea e recuperar a racionalidade
moderna, em que os homens se dêem conta que a preservação da humanidade ultrapassa a
busca de soluções tecnológicas, tratando-se, antes, de descobrir modos de restringir o poten-
cial destrutivo dessas mesmas soluções e reequilibrar os vínculos com a Natureza.
Na primeira parte de seu artigo Carlos Antônio Leite Brandão entrelaça cidade e universida-
de apontando as promessas e o caráter comum a ambas no início da modernidade. Em seguida,
alerta para a possibilidade de já estar em curso a desinvenção da cidade, delineando-se a cidade
do futuro como uma não-cidade, e apresenta como primeiro passo metodológico para preservar
a cidade em nosso devir, reconhecer o que é republicano na polis atual, dando-lhe passagem.
Tendo como pano de fundo o encontro entre a Filosofia e o Urbanismo, Carlos Alberto
Murad trabalha aspectos conceituais e metodológicos da fenomenologia bachelardiana da
Imagem. Apresenta procedimentos e dinâmicas objetivando uma sistematização de sua meto-
dologia filosófico-poética, visando ampliar a difusão e utilização desta metodologia por estu-
dantes e pesquisadores do Urbanismo, Design e Arte, na investigação poética de lugares,
sítios, processos criadores e objetos da criação.
Introduzindo o questionamento sobre o futuro do mundo urbanizado latino-americano,
Roberto Segre aponta perspectivas para as nossas cidades, traçando em sua análise um pano-
12
Sobre Urbanismo
Parte I
Cidade e Tempo:
Permanências e Rupturas
17
A expansão do processo de industrialização no final do século XIX modificou profunda-
mente as paisagens urbanas. As transformações nos modos de produção, o aumento das ati-
vidades agrárias, industriais e comerciais, o desenvolvimento dos meios de transporte e de
comunicação, associados ao declínio da mortalidade resultante da melhor nutrição e de avan-
ços na medicina, originaram concentrações urbanas sem precedentes. A vitória do progresso
tecnológico impôs à cidade um crescimento desmesurado que, incompatível com a capacida-
de das estruturas medievais e barrocas, provocou a saturação e a deterioração dos centros
urbanos. O industrialismo produziu, segundo Mumford, "o mais degradado ambiente urbano
que o mundo jamais vira; na verdade, até mesmo os bairros das classes dominantes eram
imundos e congestionados" (1991: 484). Sem um planejamento prévio, os novos temas arqui-
tetônicos – fábricas, estações ferroviárias, lojas de departamentos, bancos e edifícios de escri-
tórios – invadiram as cidades existentes, expondo a precariedade de seus sistemas de circu-
lação e trazendo ameaças de epidemias para a população.
Na tentativa de regenerar a degradada cidade industrial, os arquitetos propuseram estra-
tégias para não somente facilitar os deslocamentos intra-urbanos, mas também higienizar o
ambiente construído. Todavia, esses projetos revelaram-se utópicos, sem aplicação prática,
pois não respondiam às complexidades formais e funcionais do espaço urbano real. As uto-
pias urbanas foram recorrentes no mundo ocidental desde a Antiguidade, visando idealizar
Utopias urbanas modernistas
Sonia Hilf Schulz
verde agrícola permanente que impedia a fusão com outro núcleo, a cidade seria compacta,
eficiente, saudável e, conseqüentemente, bela. Ao atingir o limite de ocupação, uma nova
cidade seria construída nas proximidades e, assim, sucessivamente até finalizar a implemen-
tação da configuração planejada. Apesar de autônomas, as unidades estariam interligadas
por um sistema de transporte rápido, que diminuiria os prejuízos com a dispersão, oferecen-
do as mesmas oportunidades sociais e econômicas de uma metrópole. A cidade-jardim, res-
saltou Robert Fishman, “atrairia pessoas para fora de cidades inchadas como Londres e suas
perigosas concentrações de riqueza e poder; ao mesmo tempo, o campo seria dotado de cen-
tenas de novas comunidades onde a cooperação em pequena escala e a democracia direta
poderiam florescer” (Ibid.: 22-3).
Howard julgava que o fascínio exercido por um ambiente urbano mais equilibrado pro-
vocaria a evasão da população e a contração das grandes metrópoles. A cidade-jardim não
seria, portanto, satélite de um centro urbano nem reproduziria a organização da metrópole
na tentativa de constituir mais um espaço, em escala reduzida, para concentração de rique-
zas. A intenção de instaurar um poder descentralizado para uma sociedade democrática era
premissa inegociável, supostamente traduzida pelo desenho urbano. As cidades circulares dis-
tribuídas a partir de uma centralidade enfatizavam a perfeição do círculo, considerado a mais
bela e eficiente figura geométrica. A simetria compositiva seria causa e efeito da cooperação
e da harmonia sociais. Os diagramas da cidade-jardim, entretanto, eram análogos aos traça-
dos urbanos ortodoxos. Se os conceitos de planejamento que viabilizariam a utopia socialis-
ta de Howard eram opostos às idéias que fundamentavam os projetos despóticos, o formalis-
mo, o zoneamento funcional e a limitação espacial eram muito semelhantes. Assim, após
séculos de experimentações, até mesmo os arquitetos defensores de ideologias mais liberais
ainda sustentavam seus modelos urbanos na rigidez da geometria euclidiana.
Quase simultaneamente, estavam sendo elaboradas as premissas de um movimento que
buscava atuar sobre territórios de dimensões menores através de projetos monumentais, pro-
vocadores de forte impacto na paisagem urbana. A principal meta do City Beautiful
Movement era o embelezamento das cidades. A estetização não apenas dos ambientes cons-
truídos, mas também da arquitetura e das artes aplicadas, pressupunha a recuperação dos
cânones tradicionais e a imitação rigorosa de modelos renascentistas no intuito de combater
o ecletismo dominante e o crescente prestígio da mecanização. Influenciado pelos preceitos
19
Utopias urbanas modernistas
cidades para aplacar simultaneamente a nostalgia por um passado perdido e a ansiedade por
um futuro inatingível. No início do século XX, entretanto, ocorreu um ineditismo: ao invés de
buscarem inspiração no passado,os arquitetos procuravam prognosticar o futuro para proje-
tarem a cidade do presente. Segundo David Harvey, “o modernismo surgido antes da primei-
ra guerra mundial era mais uma reação às novas condições de produção (a máquina, a fábri-
ca, a urbanização), de circulação (os novos sistemas de transportes e comunicações) e de con-
sumo (a ascensão dos mercados de massa, da publicidade, da moda de massas) do que um
pioneiro na produção dessas mudanças” (1993: 32).
As principais utopias urbanas modernistas oscilavam entre o adensamento e a dispersão,
entre a verticalização e a horizontalização espaciais. Apesar de muitos aspectos divergentes,
todas as propostas defendiam a cidade do futuro como descontinuidade em relação às pre-
cárias e lamentáveis condições do presente. Jürgen Habermas apontou que "a vanguarda se
considerava invadindo territórios desconhecidos, expondo-se aos perigos dos encontros
repentinos e conflitantes, conquistando um futuro ainda desocupado" (1995: 5). Para os
arquitetos, a antiga ordem estava superada e somente a total redefinição do conceito de cida-
de impulsionaria transformações profundas, capazes de elevar o estágio de civilidade. "A pró-
pria completude de suas cidades ideais expressava suas convicções de que havia chegado o
momento para os programas totalizantes, e para um inteiro repensar dos princípios do plane-
jamento urbano" (Fishman 1998: 20). Em vez de melhorias graduais, era inevitável uma rees-
truturação radical, uma revolução urbana, que solucionasse a crise da urbanidade e suas dis-
torções socioeconômicas.
Na Inglaterra, onde as condições técnicas e a disponibilidade de matérias-primas tinham
favorecido a Revolução Industrial, surgiu também a primeira contestação aos malefícios tra-
zidos pela industrialização. Projetada por Ebenezer Howard, a cidade-jardim buscou conciliar
valores sociais e políticos com o tradicional gosto inglês pela natureza. Esse modelo sinteti-
zava as vantagens e eliminava as desvantagens da cidade e do campo através da criação de
núcleos contendo todas as funções urbanas, destinados à implantação de comunidades coo-
perativas auto-sustentáveis. O campo urbanizado, a cidade-jardim, seria uma alternativa pro-
missora para o congestionado centro londrino e suas miseráveis periferias. Howard previu
uma população máxima de trinta mil habitantes em um território de mil acres para garantir
densidade inferior à existente nos espaços urbanos medievais. Circundada por um cinturão
18
Sobre Urbanismo
Embora patrocinada pela iniciativa privada, a torre passou a representar a imagem do
espaço público. A torre era demonstração de progresso, símbolo do capitalismo e, portanto,
adquiriu preponderância na paisagem urbana. Assim, nas primeiras décadas do século XX,
alguns arquitetos elaboraram projetos utópicos envolvendo a verticalização do espaço urbano.
"Era contra o que lhes parecia uma limitação artificial e míope da forma do arranha-céu que
modernistas como Le Corbusier começariam a lutar nos anos 1920. Os arranha-céus eram
maravilhosos, mas não como elementos a serviço da imagem da rua tradicional" (ibid.: 259-
260). Paralelamente, a celebração do automóvel em movimento veloz exigia o traçado de ruas
retilíneas, supostamente mais adequadas às atividades racionais humanas que as ruas sinuo-
sas, consideradas caminhos dos asnos. Sempre usando a metáfora da eficiência mecânica, Le
Corbusier (1987: 131) declarou que "a rua é uma máquina de circular; é na realidade uma
espécie de fábrica para produzir um tráfego veloz.A rua moderna é um novo órgão". Nas cida-
des do passado, o tráfego de pessoas e de bens era insuficiente para congestionar os centros
urbanos, mas com o advento do trem e a inserção de estações ferroviárias nas áreas centrais,
as ruas tornaram-se muito estreitas e a única alternativa era aparentemente a abertura de ave-
nidas. Além de favorecer o tráfego motorizado, a cidade rasgada por ruas largas permitiria a
distribuição irrestrita dos componentes salubres da natureza: a circulação do ar, a penetração
da luz solar e a proliferação do verde. Ao invés da sombria cidade industrial, natureza e máqui-
na deveriam ser integradas em uma cidade higiênica e tecnologicamente eficiente.
A estratégia singular utilizada por Le Corbusier na Ville Contemporaine, a cidade contem-
porânea para três milhões de habitantes, foi combinar a menor ocupação possível do solo
urbano com a maior concentração admissível de objetos arquitetônicos. O espaço urbano era
recortado por linhas que delimitavam territórios homogêneos, impondo rigidez formal e fixi-
dez funcional. Os traçados reguladores eram a condição de possibilidade da ordem e do con-
trole sobre o ambiente construído. "A obrigação da ordem. O traçado regulador é uma garan-
tia contra o arbitrário" (Le Corbusier 1998: 41). Assim, os princípios definidores da forma
urbana eram a distribuição geométrica regular e a centralização. No entanto, nenhuma arqui-
tetura religiosa ou cívica ocuparia o ponto focal. Na interseção dos eixos principais seria
implantado um terminal intermodal com diversos níveis de circulação, inclusive subterrâneos,
conectados a ferrovias ou rodovias e na cobertura estaria um aeroporto, que agora substituía
o portão de entrada da cidade. Torres de vidro cruciformes, esvaziadas de referências históri-
21
Utopias urbanas modernistas
acadêmicos da École des Beaux-Arts de Paris, o revivalismo clássico foi um fenômeno tanto
europeu quanto norte-americano. Não por acaso, uma arquitetura e um urbanismo classici-
zantes foram os protagonistas no evento comemorativo dos quatrocentos anos de descobri-
mento da América, realizado em Chicago em 1893: a World’s Columbian Exposition. Como
todas as exposições internacionais mostravam as conquistas técnicas e científicas mais recen-
tes, Daniel Hudson Burnham, autor da chamada Cidade da Luz, explorou os efeitos da ilumi-
nação elétrica em grandes espaços públicos. Mas o arquiteto, apontou Edward Relph, "esta-
va convencido de que o elemento excepcional dessa exposição precisava ser a arquitetura, e
que tal arquitetura precisava ser clássica, todos os edifícios estando afastados, para exibir a
grandiosidade, a elegância e outras qualidades da civilização clássica" (1987: 30).
A cidade aberta dos monumentos construída para a World’s Columbian Exposition era fic-
tícia, porém mais encantadora que as cidades reais americanas. Burnham decidiu, então,
transferir estes princípios compositivos para o plano de Chicago, elaborado em 1909, o pri-
meiro projeto urbano envolvendo toda a extensão da cidade, que também incluía diretrizes
de desenvolvimento e vetores de crescimento. As fórmulas para embelezar a cidade reedita-
vam conceitos subjacentes a duas composições urbanas paradigmáticas: a Roma de Sixto V e
a Paris de Haussmann. Burnham inseriu no traçado retilíneo ortogonal de Chicago avenidas
diagonais, largas e arborizadas que, além de valorizarem os cenários perspectivados, dimi-
nuíam o percurso até os pontos focais. Nas belas avenidas seriam implantados centros cívi-
cos, instituições governamentais, museus, bibliotecas e teatros, sempre projetados a partir das
tipologias arquitetônicas tradicionais. Para evitar a contigüidade visual entre as formas clas-
sicizantes desses monumentos e os volumes geometrizados, construídos para empresas
comerciais e administrativas que também reivindicavam um espaço privilegiado da cidade,
Burnham demarcou uma área central de negócios, onde estariam concentrados os edifícios
altos e pouco ornamentados. Esse ambiente permeável, fragmentado pelos vazios existentes
entre as construções afastadas e verticalizadas, contrastava com o espaço público delimitado
pelas fachadas contínuas e horizontalizadas das arquiteturas beaux-arts. Segundo SpiroKostof, a setorização funcional e principalmente formal era a solução do City Beautiful
Movement para defender os edifícios cívicos e culturais de interesses meramente financeiros
(1991: 325). Embelezar implicava distribuir seletivamente os objetos arquitetônicos na cida-
de. Através da ordem urbana, a beleza ganharia visibilidade.
20
Sobre Urbanismo
fícios residenciais. Elevadas sobre pilotis para garantir a continuidade do espaço urbano, e
coroadas com terraços para instalações de lazer, as unités d'habitation não mais refletiam as
desigualdades entre elite e classe trabalhadora existentes nos espaços de produção, pois
deveriam estar ajustadas à escala humana e atender as necessidades de cada família, inde-
pendente de sua posição na hierarquia social. A Ville Radieuse tornou-se, finalmente, o para-
digma da cidade funcional modernista. A CARTA DE ATENAS, documento elaborado pelos mem-
bros do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna para regulamentar a forma urba-
na, era mera reprodução do urbanismo dogmático de Le Corbusier. A cidade seria composta
de edifícios isolados, implantados em um jardim retalhado por um sistema viário para tráfe-
go em alta velocidade.
Um anti-urbanismo mais ligado à dispersão que ao adensamento surgiria nos Estados
Unidos. Impulsionado pela indústria automobilística e pela decorrente construção de vias
expressas, o processo de suburbanização gerou, em poucos anos, uma forte mutação na pai-
sagem das cidades. Após 1920, a expansão da periferia suburbana já superava o crescimen-
to dos centros urbanos, mas ainda seriam necessárias algumas décadas para estes subúrbios
adquirirem autonomia em relação às cidades centrais. Embora a tecnologia para fabricação
de veículos motorizados tenha sido desenvolvida no início do século XX, os altos custos res-
tringiam a aquisição dessas máquinas, consideradas não mais que objetos recreativos. Nesse
contexto, as primeiras rodovias americanas, as parkways, foram construídas para uso exclusi-
vo de automóveis, literalmente de passeio. Somente com a introdução do taylorismo nas
linhas de montagem de Henry Ford, os carros, sobretudo o Model T, seriam produzidos em
massa e as rodovias seriam espalhadas sobre um território maior. Inicialmente utilizada em
projetos paisagísticos, a parkway foi adaptada a uma nova função. "Prolongando-se 10 ou
20 milhas campo adentro (…), dava acesso rápido da cidade-base congestionada tanto para
os novos subúrbios quanto para as áreas de lazer rurais e litorâneas" (Hall 2005: 330).
A construção de um sistema de freeways transformou o automóvel no meio de transporte
predominante e, conseqüentemente, intensificou movimentos e fluxos. "O advento do carro ace-
lera o declínio do transporte público e do espaço público aberto, e gera um ambiente urba-
no/suburbano interiorizado" (Gandelsonas 1999: 32). Nem o trem modificou tanto a paisagem
urbana quanto essa recente tecnologia de deslocamento que, não apenas reduzia os percursos,
mas também estava subordinando e até mesmo anulando acidentes geográficos. O crescimento
23
Utopias urbanas modernistas
cas, seriam construídas no entorno deste centro, compondo um conjunto administrativo
monumental, e os edifícios residenciais se espalhariam regularmente em um parque cenográ-
fico. A zona industrial e os subúrbios para operários estariam muito afastados, marcando a
distinção entre o poder hegemônico centralizado, exercido pelos dirigentes da sociedade, os
agentes do progresso para todos, e as classes populares dispersas.
O Plan Voisin para Paris traduzia a vontade de introduzir a Ville Contemporaine ideal com
seus símbolos de modernidade em uma cidade real, que Le Corbusier considerava assombra-
da pelo passado.A antiga organização da cidade precisava ser desfeita para se construir auto-
ritariamente um espaço urbano que refutava toda reminiscência histórica. A obsessão sanitá-
ria em demolir as ruas-corredores e abrir imensas vias de tráfego evidenciava o desprezo pela
urbanidade do presente e pela memória do passado. Os edifícios sobre pilotis restituiriam a
permeabilidade suprimida pelas ruas tradicionais, predominantes nas áreas poluídas e insalu-
bres dos cortiços parisienses do século XIX. A proposta de destruir quadras inteiras do centro
de Paris era comparada a uma cirurgia para extirpar uma doença maligna. Ignorando os ves-
tígios urbanos, Le Corbusier (1987: 116) argumentava que "os centros existentes devem ser
demolidos. Para se salvar, cada grande cidade deve reconstruir seu centro". Contudo, não
tendo conseguido tornar realidade sua cidade ideal, o arquiteto se afastou das ideologias
capitalistas e projetou outra utopia urbana, desta vez, instigado a resolver o dilema sindica-
lista entre autoridade e participação. A solução seria a Ville Radieuse, estruturada para uma
sociedade hierarquizada que, entretanto, somente funcionaria com a cooperação de todos.
"Em seu esforço para compreender os elementos contraditórios do sindicalismo, Le Corbusier
fez a cidade radiante simultaneamente mais autoritária e mais libertadora que sua anteces-
sora" (Fishman 1998: 57).
A transição da Ville Contemporaine para a Ville Radieuse foi estimulada pelos contatos
de Le Corbusier com arquitetos estrangeiros, especialmente da Alemanha e União Soviética,
onde os projetos tinham um enfoque socialista. A cidade radiante ainda se fundava na noção
de circulação livre e verde, ainda tinha como tipologias dominantes os edifícios altos para
administração e habitação coletiva. Apesar da simetria axial, o traçado não previa um poder
centralizado, mas associava uma imagem antropomórfica a uma linearidade. Le Corbusier
propôs um modelo racional descentralizado, onde as torres das corporações tecnocráticas
foram deslocadas para a periferia e a posição privilegiada era ocupada por democráticos edi-
22
Sobre Urbanismo
Tendo como premissas as conquistas tecnológicas e a arquitetura orgânica, o projeto previa
a multiplicação de propriedades com área de aproximadamente um acre, onde seriam implan-
tadas casas usonianas. A arquitetura orgânica se referia à integração com a paisagem natu-
ral e à utilização de materiais regionais para viabilizar economicamente as construções. A tec-
nologia incluía a eletricidade e a mobilização mecânica, consideradas forças capazes de trans-
formar a civilização ocidental. A eletrificação, como fonte silenciosa de energia, desenvolveria
os meios de comunicação e permitiria a permanente iluminação dos espaços urbanos. Os
meios de transporte, representados pelo automóvel e pelo avião, gerariam um movimento ili-
mitado anulando distâncias e ampliando o contato entre seres humanos. Broadacre era a ten-
tativa de, através de uma ordem social mais eqüitativa e mais justa, reconciliar liberdade e
dignidade individuais com os benefícios da mecanização.
Os ideais das principais utopias urbanas modernistas foram parcialmente realizados. As
cidades construídas ou transformadas segundo os conceitos e métodos do urbanismo das pri-
meiras décadas do século XX não materializaram, entretanto, a ambição dos arquitetos de cri-
ticar radicalmente a cidade industrial. Os discursos sobre a metrópole e as experimentações
envolvendo formas urbanas totalitárias não passaram de desejos frustrados de regenerar os
ambientes degradados pela inexorável industrialização e pela divisão do trabalho. O equívo-
co dos funcionalistas foi compactuar com os modos de produção e reprodução que, finalmen-
te, dominaram a arquitetura e o urbanismo. A recuperação revelou-se destruição da textura
urbana existente, que precisou ser convertida em tabula rasa para a inserção dos novos obje-
tos arquitetônicos, os arranha-céus cartesianos, ícones do modernismo. Não foi maior o êxito
dos defensores do antiurbanismoao proporem, inversamente, uma ocupação territorial dis-
persa que, embora tenha aproximado o campo da cidade, desertificou o espaço urbano, inten-
sificando o individualismo e, sobretudo, o isolamento. As conseqüências da máxima urbaniza-
ção e da máxima suburbanização são aparentemente coincidentes. O legado das utopias
modernistas foi uma urbanidade que nega o potencial da cidade como lugar de trocas. O fra-
casso dessas teorias e práticas urbanísticas obrigaria os arquitetos das gerações seguintes a
abandonar idealidades e enfrentar o desafio de pensar e fazer realidades urbanas.
25
Utopias urbanas modernistas
desordenado e possivelmente infinito ao longo de uma avenida de extensão indeterminada pro-
voca uma monotonia desesperadora, pois a mesmice dos espaços urbanos destrói seus valores
tradicionais. Assim, as questões mais discutidas pelos arquitetos eram a falta de definição da
forma, o tamanho e os limites da cidade suburbana. Como aponta Mumford, no “movimento
coletivo em direção às áreas suburbanas, produziu-se uma nova espécie de comunidade, que
constituía uma caricatura assim da cidade histórica como do refúgio suburbano arquetípico: uma
multidão de casas uniformes, identificáveis, alinhadas de maneira inflexível, a distâncias unifor-
mes, em estradas uniformes, num deserto comunal desprovido de árvores, habitado por pessoas
da mesma classe, mesma renda, mesmo grupo de idade, assistindo aos mesmos programas de
televisão, comendo os mesmos alimentos pré-fabricados e sem gosto, guardados nas mesmas
geladeiras, conformando-se, no aspecto externo como no interno, a um modelo comum, manu-
faturado na metrópole central” (1991: 525).
Antes desta suburbanização em grande escala se tornar realidade, Frank Lloyd Wright
tinha idealizado ou profetizado um território fragmentado, como desdobramento da cultura
nacional de espaços abertos reticulados pela matriz de uma milha quadrada. "A retícula con-
tinental, que estrutura a maioria do território americano, é um plano pós-revolucionário e
exclusivamente americano, proposto por Jefferson e não diretamente relacionado a qualquer
das origens do traçado urbano reticulado" (Gandelsonas 1999: 50). Essa diferenciação envol-
veu uma modificação radical nas dimensões urbanas, antecipando a rede de tráfego de uma
megacidade como Los Angeles, dependente do automóvel.Ao contrário do urbanismo da con-
centração de edifícios altos, dominado pela máquina, a cidade ideal wrightiana pressupunha
descentralização, baixa densidade e edifícios de pouca altura, onde a máquina seria apenas
um instrumento utilitário para os seres humanos. Como os desurbanistas soviéticos dos anos
1920, Wright pretendia lutar contra a tirania do centralizado capitalismo urbano e adotou os
preceitos do Manifesto Comunista, que defendiam a dissolução gradual das distinções entre
cidade e campo mediante uma dispersão homogênea da população sobre o espaço urbano.
O processo de suburbanização em Broadacre City visava espalhar a igualdade da residên-
cia unifamiliar através da fluidez da rodovia contínua. Kenneth Frampton (1991: 189) sugeriu
que "o carro enquanto a modalidade democrática de locomoção seria o deus ex machina do
modelo antiurbano de Wright, seu conceito de Broadacre City, em que a concentração da
cidade do século XIX seria redistribuída pela rede de um traçado rural regional" (2003: 227).
24
Sobre Urbanismo
Continuidades e descontinuidades: conceituação inicial
Apenas do ponto de vista analítico se pode justificar uma oposição conceitual entre os
termos ruptura e permanência. Ruptura indica uma descontinuidade, uma mudança súbita de
orientação no curso previsível dos acontecimentos, um corte com relação a um conjunto de
valores e expectativas estabelecidos numa determinada época, acompanhado de um salto em
direção a uma nova conjuntura, a ser instituída a partir da superação da conjuntura preceden-
te. Em todos os casos, é sempre sobre o pano de fundo das permanências, isto é, sobre o eixo
temporal da continuidade dos processos estudados, que se pode pretender identificar e assi-
nalar as rupturas. Uma não existe sem a outra: dialeticamente unidas, ruptura e permanência
constituem um mesmo movimento, através do qual se opera a transformação dos processos
em curso e que equivale, em última análise, ao próprio movimento da História.
Os períodos de transição nos ajudam a clarificar a interdependência estabelecida entre
ruptura e permanência. Em tais períodos, experimentamos a sensação de viver em dois mun-
dos simultâneos. Trata-se da transição entre o que já foi e o que ainda não é. Aquilo que se
encontra em processo de superação, se opõe e resiste ao novo que se anuncia. Ao mesmo
tempo, é a partir do velho mundo que são engendradas as condições necessárias para a sua
superação. Na superação, por sua vez, o que é superado não é eliminado de uma vez por
27
Referências Bibliográficas
Fishman, R. (1998). Urban Utopias: Ebenezer Howard and Le Corbusier. In: Campbell, S.,
Fainstein, S. (Ed.) Readings in planning theory. Massachusetts: Blackwell. p. 19-67.
Frampton, K. (2003). História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes.
Gandelsonas, M. (1999). X-urbanism: architecture and the American city. New York: Princeton
Architectural.
Hall, P. (2005). Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto
urbanos no século XX. São Paulo: Perspectiva.
Harvey, D. (1993). A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cul-
tura. São Paulo: Loyola.
Habermas, J. (1995). Modernity – an incomplete project. In: Foster, H. (Ed.) The anti-aesthe-
tic: essays on postmodern culture. Seattle: Bay, 1995. p. 3-15.
Kostof, S. (1991). The city shaped: urban patterns and meanings through history. Boston:
Bulfinch.
Le Corbusier. (1998). Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva.
Le Corbusier. (1987). The city of to-morrow and its planning. New York: Dover.
Mumford, L. (1991). A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São
Paulo: Martins Fontes.
Relph, E. (1987). The modern urban landscape. Baltimore: The Johns Hopkins.
26
Sobre Urbanismo
A dialética entre permanência 
e ruptura nos processos de
transformação do espaço
Cristovão Fernandes Duarte
permitindo que se vá dos processos mais gerais, que incluem continuidades e descontinuida-
des, aos processos mais específicos em curso na realidade urbana, e reciprocamente, das par-
ticularidades ao seu contexto global: “a cidade, mediadora ela própria das articulações entre
o geral e o particular, coloca em evidência, através da sua forma, o movimento contraditório
e conflitual das transições sem, contudo, dissolvê-las” (Duarte 2006: 44).
A periodização geral do tempo histórico, proposta por Lefebvre, divide a história do
homem em três grandes eras: a era agrária (relacionada à sacralização do solo e ao espaço
mítico), a era industrial (relacionado ao espaço como valor de troca) e a era urbana (relacio-
nado ao processo de construção da sociedade urbana). A cada uma dessas eras o autor asso-
cia a constituição de um espaço específico. Temos assim, respectivamente, o espaço absoluto
(era agrária), o espaço abstrato (era industrial) e o espaço diferencial (era urbana). Tomando
como referência esta periodização e, ainda, considerando as contribuições de outros autores,
discutiremos, a seguir, suas implicações sobre o processo de constituição do espaço urbano
ao longo da história.
Da cidade ao urbano: permanência e ruptura nos processos
de transformação do espaço
Para Lefebvre (1972: 129), a urbanização está prenunciada como germe desde o início.
Desde os primeiros tempos da vida humana estiveram presentes as práticas sociais da reu-
nião e do encontro que caracterizam a forma urbana.Sobre esta questão, vale a pena acom-
panhar a exposição de Lewis Mumford acerca do advento histórico da cidade como criação
humana. Para este autor, muito antes de qualquer agrupamento em aldeias, os santuários
paleolíticos já fornecem os primeiros indícios de vida cívica. Mais do que um mero ajuntamen-
to de pessoas e objetos destinado a suprir as necessidades humanas básicas (alimento, aca-
salamento), nesses centros cerimoniais tinha lugar:
...uma associação dedicada a uma vida mais abundante; não simplesmente um
aumento de alimentos, mas um aumento do prazer social, graças a uma utilização
mais completa da fantasia simbolizada e da arte, com uma visão comum de uma
vida melhor e mais significativa ao mesmo tempo que esteticamente atraente, uma
boa vida em embrião... (Mumford 1998: 14)
29
A dialética entre permanência e ruptura
todas, mas conservado no processo de transformação. Por isso é tão difícil assinalar sobre um
eixo cronológico a data precisa em que se processou uma determinada ruptura. Pois, como
nos diz Lefebvre (1983: 231), superação implica, também, numa espécie de retorno ao pas-
sado que é, em cada etapa do desenvolvimento, reencontrado, mas superado e por isso
mesmo aprofundado, liberado de suas limitações.
A presente reflexão acerca da relação dialética entre permanência e ruptura nos proces-
sos de transformação do espaço urbano será desenvolvida a partir das contribuições teóricas
de Henri Lefebvre (1901-1991), resgatando, particularmente, o método de análise regressivo-
progressivo, proposto pelo autor como chave de decifração daqueles processos.
O método regressivo-progressivo, cuja concepção (como o próprio Lefebvre assinala)
deve ser atribuída a Marx, visa compreender a gênese do presente, partindo sempre do atual
em direção ao passado, não apenas para explicar o passado mas, sobretudo, para esclarecer
os processos em curso no presente que apontam para o futuro.A dialetização do método, per-
seguida por Lefebvre, impõe a consideração de duas dimensões temporais entrelaçadas: a
dimensão horizontal ou sincrônica, que permite estudar a inserção do objeto de estudo no
contexto de sua época, e a dimensão vertical ou diacrônica, que estuda a coexistência de pro-
cessos históricos diferentemente datados. O conhecimento deve ser submetido a um “movi-
mento de duplo sentido: regressivo (do virtual ao atual, do atual ao passado) e progressivo
(do superado e do terminado, ao movimento que determina aquela conclusão e que anuncia
e faz surgir algo novo)” (Lefebvre 1972: 30). Esta operação metodológica, à qual Lefebvre dá
o nome de transducção, visa construir o objeto teórico como um objeto virtual, aberto ao devir
e ligado, portanto, a um processo e a uma prática concreta (Idem: 9 e 171). Nesse sentido, a
transducção não se confunde com os procedimentos clássicos da indução e da dedução, nem
com a construção de modelos ou simulação de cenários futurísticos (Lefebvre 1991: 108).
A aplicação do método regressivo-progressivo pressupõe a construção simultânea de
uma periodização do tempo histórico, capaz de identificar descontinuidades temporais e
espaciais no continuum da história. Cada acontecimento deve ser estudado, não como uma
sucessão linear de fatos ocorridos, mas, como processos articulados no quadro de forças em
conjunção seletiva existente no presente (Santos 1999: 265). De acordo com Lefebvre (1991:
52): “evitar a confusão numa continuidade ilusória, bem como as separações ou descontinui-
dades absolutas, esta é a regra metodológica”. Estabelece-se assim uma via de mão dupla,
28
Sobre Urbanismo
controlar e dominar o campo, captando o sobre produto da sociedade rural. De acordo com
Lefebvre (2000: 271), a cidade protege o campo ao mesmo tempo em que o explora e o
explora protegendo.
A sociedade rural é (ela ainda não desapareceu completamente) a sociedade da escas-
sez, da penúria, do medo, marcada, sobretudo, por estreita ligação com a natureza. As forças
da natureza (os cataclismos, as estações do ano) regulam, como dádiva ou castigo, a vida da
sociedade rural. O espaço-tempo absoluto, cuja origem remonta à natureza consagrada pelos
mitos fundadores e dominada por poderes divinos, continua na cidade como instrumento de
legitimação das forças políticas aí instituídas. Através dos templos, dos palácios, dos monu-
mentos, o espaço absoluto adquire existência social e eficácia política. Toma forma, assim, a
cidade política (ligada ao modo de produção asiático) que controla e organiza uma vizinhan-
ça agrária, dominando-a. A propriedade é ainda coletiva (comunitária); o excedente da pro-
dução e o trabalho coletivo concorrem para “o culto da Unidade humana e divina, real e ima-
ginária, o Soberano” (Lefebvre s.d.: 91), que personifica a própria coletividade.
No Ocidente, em face do intenso nomadismo e dos movimentos migratórios então em
curso, as comunidades agrárias desenvolveram as comunas urbanas tendo como grande tare-
fa comum a guerra, fosse para a conquista e expansão do território, fosse para defendê-lo dos
agressores (Lefebvre s.d.: 95). A sociedade começa a se organizar militarmente e não admi-
nistrativamente como no Oriente. A partir dessas condições iniciais terá lugar, neste período
histórico, a cidade antiga (antiguidade greco-romana), ligada ao modo de produção escrava-
gista. A propriedade comunitária se desdobra em propriedade privada do cidadão e proprie-
dade pública, que corresponde à cidade e assegura as necessidades coletivas. A cidade orien-
tal e a cidade antiga (ocidental), em que pesem as diferenças e a diversidade de casos por
elas compreendidas, tiveram em comum o seu caráter essencialmente político (Idem: 96).
O declínio do Império Romano, seguido das invasões bárbaras, produziu um quadro de
miséria e flagelos levando ao quase desaparecimento da cidade antiga. Inicialmente, como
mostra Pirenne (s.d.: 21-22), as cidades sobrevivem como lugar físico das dioceses da Igreja,
sediadas nas circunscrições das antigas cidades romanas. O modo de produção feudal se esta-
belece tendo como base grandes propriedades agrícolas; os palácios e os castelos dos novos
senhores da terra estão localizados no campo. Entretanto, ainda segundo Pirenne, a partir do
século XX assiste-se a um renascimento comercial que produzirá, nos séculos seguintes, um
31
A dialética entre permanência e ruptura
Segundo Mircea Eliade (s.d.: 58), a sacralização do mundo, que pressupõe a ruptura com
o espaço natural, coincide com a descoberta de um centro, um ponto fixo para a orientação
cosmogônica do homem sobre a terra: “assim como o universo se desenvolve a partir de um
Centro e se estende na direção dos quatro pontos cardeais, assim a aldeia se constitui em
volta de um cruzamento”. Desse modo, o ponto de encontro que permitirá reunir periodica-
mente pessoas em torno de objetivos compartilhados e/ou convergentes já contém o embrião
da cidade, daquilo que ela virá a se tornar. “O ímã precede o recipiente”, diz Mumford (1998:
16). Lefebvre, por sua vez, identificará aí o nascedouro da forma da centralidade e da simul-
taneidade, que caracterizará, a partir de então, a própria essência do fenômeno urbano.
Nos primórdios da civilização urbana, o território habitado era entendido em sua oposi-
ção ao espaço desconhecido (informe) que o cerca. Como propõe Mircea Eliade (s.d.: 43 e 45-
46), o território habitado:
...é o mundo (mais precisamente: o nosso mundo), o Cosmos; o resto já não é um
Cosmos, mas uma espécie de outro mundo, um espaço estrangeiro, caótico, povoa-
do de espectros, de demônios, de estranhos (...). Porque, da perspectiva das socie-
dades arcaicas, tudo que não é o nosso mundo não é ainda um mundo. Não se faz
nosso um território senão criando-o de novo, quer dizer consagrando-o. Este com-
portamento religiosoem relação às terras desconhecidas prolongou-se mesmo no
Ocidente, até à aurora dos tempos modernos.
A recriação do território, através da consagração de fragmentos da natureza, institui o espa-
ço absoluto. Aí, neste espaço subtraído à natureza, instala-se o poder do sagrado, mas também
poderosas forças políticas. Para Lefebvre (2000: 272-273), o espaço absoluto torna-se o guar-
dião da unidade cívica, sendo compartilhado por opressores e oprimidos como o espaço-tempo
verdadeiro, aquele que reúne todos os lugares e todas as dimensões do Cosmos (a terra, o céu,
as profundezas). Mais vivido (espaços de representação) do que concebido (representação do
espaço), o espaço absoluto tende a perder o seu prestígio (sua transcendência) no momento em
que é concebido e, assim, laicizado (e, logo em seguida, profanado pela cidade).
A lenta transformação da paisagem natural em paisagem arquitetônica, verificada duran-
te a era agrária, produz a cidade como um centro de acumulação de riquezas, de conhecimen-
tos, de técnicas e de obras (criações artísticas) que se distingue, sem se desligar, do campo. A
relação campo-cidade é uma relação de simbiose, de co-dependência, mas também de con-
flitos e dominação. Como centro religioso e político, a cidade detém o poder que lhe permite
30
Sobre Urbanismo
que se sucedem ao longo do ano, o valor de uso da cidade. Nessas festas, uma outra parte,
não menos significativa, da riqueza acumulada é consumida improdutivamente, sem nenhu-
ma outra vantagem além do prazer e do prestígio. As festas conservam a unidade e a coe-
rência entre os usos do tempo e do espaço; elas celebram um tempo manifestado no espaço.
Ainda nesse período, os códigos do espaço coincidiam com os códigos do tempo (Lefebvre
2000: 279). O tempo do comércio ainda não havia se divorciado do tempo da liturgia religio-
sa que impregnava as práticas sócio-espaciais; o espaço abstrato ainda não havia se instala-
do. Uma prática cotidiana e inconsciente mantinha ainda a regulação do acordo entre o
tempo e o espaço, “limitando os desacordos das representações e as distorções na realida-
de” (Idem: 279). Por isso, períodos históricos marcados pela opressão coincidem com a cria-
ção de grandes obras, sendo a própria cidade a obra por excelência. De acordo com Lefebvre,
até a instauração do capitalismo as formas de opressão cumpriam um papel extra-econômi-
co na acumulação. A partir de então, a violência assume um papel preponderantemente eco-
nômico, a obra (valor de uso) é substituída pelo produto (valor de troca), a opressão dá lugar
à exploração e o econômico se torna dominante (Ibidem: 318).
O desenvolvimento da cidade comercial, surgida a partir do florescimento da cidade medie-
val, marca o fim da era agrária, preparando o advento da indústria. Nesse sentido, a cidade
comercial representa a transição para o espaço do capitalismo e para a era industrial. Quando
inicia a era industrial, as indústrias são implantadas, preferencialmente, fora das cidades. Elas
são, no entanto, filhas dos progressos verificados na cidade comercial. O capital e os conheci-
mentos necessários para a instalação das indústrias, são gerados na cidade. Nas cidades con-
centram-se os capitais, o mercado consumidor dos produtos industriais, a residência dos capita-
listas e dos políticos, as reservas de mão-de-obra.A reaproximação entre indústria e cidade logo
se fará sentir e com ela os seus efeitos devastadores sobre o tecido urbano tradicional.
De acordo com Lefebvre (1972: 20 e 174), a aceleração do crescimento das forças pro-
dutivas, alcançado pela revolução industrial, provocou na cidade um processo de “implosão-
explosão” (metáfora tomada da física nuclear), seguido da fragmentação, homogeneização e
hierarquização do espaço. Após a grande concentração de capitais, pessoas e bens, iniciada
já na cidade comercial e levada ao paroxismo pela cidade industrial, os núcleos urbanos
explodem, estendendo-se em todas as direções do território. A suburbanização da cidade pos-
tula a perda da antiga centralidade dos núcleos preexistentes. A oposição campo-cidade dis-
33
A dialética entre permanência e ruptura
novo florescimento das cidades. As origens desse renascimento comercial devem ser busca-
das nas caravanas de mercadores que, utilizando-se das antigas estradas do Império Romano,
cruzavam a paisagem da Europa medieval. As estradas romanas, que no passado ligavam as
cidades do Império, permitiam agora aos mercadores acessarem o que subsistiu daqueles
antigos núcleos urbanos, estabelecendo, nas suas cercanias, feiras para a comercialização de
suas mercadorias. Elegendo as cidades como pontos fixos para suas atividades, o comércio
produziu um significativo reaquecimento das economias locais, e a retomada do desenvolvi-
mento urbano. A chegada dos mercadores, vindos do estrangeiro, introduziu um elemento
perturbador no estratificado mundo feudal. A servidão era uma condição de berço da qual o
camponês não poderia se libertar. Os estrangeiros viajantes não tinham origem conhecida e,
portanto, não se poderia atribuir-lhes outro status senão o de homens livres (Pirenne s.d.:
106-108). Está aí o embrião do que virá a se tornar uma nova classe social, que fará da cida-
de o seu habitat natural e cuja ascensão se mostrará decisiva para o advento do modo de pro-
dução capitalista: a burguesia.
As cidades voltam a ser o centro da vida social e política, em detrimento dos feudos. A
cidade medieval, ainda que sem abdicar de seu caráter político, foi, sobretudo, uma cidade
comercial. A propriedade da terra passa progressivamente para as mãos dos novos grupos
dirigentes, representados principalmente pelos comerciantes e banqueiros. A afirmação da
cidade e da sua morfologia coincide com o objetivo estratégico de afirmação da burguesia
como nova classe social, sediada na cidade. Uma parte significativa da riqueza acumulada é,
então, invertida na própria construção e embelezamento da cidade. A arquitetura se incumbe
da tarefa de representar o poder da cidade. A cidade é encarada como uma obra no sentido
de uma obra de arte. Segundo Carlo Aymonino (1984: 10), o poder, acumulando num único
lugar as energias e os capitais, cria as condições necessárias (embora não suficientes) para a
representação arquitetônica: “um salto qualitativo, a passagem da necessidade à possibilida-
de, o desejo ou a vontade de representação – que é a característica mais evidente, de um
ponto de vista arquitetônico, da própria existência das cidades”.
A intensificação e a generalização das trocas comerciais não devem obscurecer o fato de
que a cidade é também sede do valor de uso, local do encontro, da reunião, da festa. Para
Lefebvre (1991: 4), o uso principal das ruas e das praças, dos edifícios e monumentos da cida-
de tradicional é a festa. Opressores e oprimidos celebram nas festas do calendário religioso,
32
Sobre Urbanismo
vel, a criação humana por excelência, a apropriação (para e pelo homem) do espaço e do
tempo, e o produto, produzido em série, resultado dos gestos repetitivos que remetem, em ulti-
ma análise, à reprodução automática e alienante das relações sociais (Lefebvre 2000: 485).
O despertar (possível/impossível) da utopia
A dialética entre permanência e ruptura nos processos de transformação do espaço, tal
como se pretendeu demonstrar, nos convoca a uma reflexão sobre o movimento da História,
ele próprio, feito de idas e vindas, de marchas e contra-marchas. As implicações teóricas da
análise regressiva-progressiva são de fundamental importância para a compreensão dos pro-
cessos aqui estudados, desfazendo os equívocos oriundos do determinismo histórico.
A irreversibilidade do tempo histórico, cujo sentido de orientação vai do passado ao futu-
ro, não nos autoriza a considerar estemovimento como uma simples sucessão de aconteci-
mentos datados, linearmente dispostos sobre um eixo cronológico. As épocas se interpene-
tram, estabelecendo vínculos recíprocos que alteram a trajetória e os significados do cami-
nhar. A dialética entre ruptura e permanência se torna assim muito mais complexa.
De acordo com Walter Benjamim (1982: 59. Apud Rouanet 1993: 55), “cada época não
somente sonha a seguinte, como ao sonhá-la a impele a despertar”. O passado é resgatado
como uma das condições para a realização do presente que, por sua vez, vive, pressente e
antecipa o futuro.
Lefebvre, analisando o movimento de vir a ser do urbano, esboça um projeto e uma estra-
tégia de ação: a urbanização completa da sociedade humana e a instauração do direito à cida-
de, como o direito à diferença, à centralidade e ao movimento. Não se trata de uma profecia,
mas de um processo possível/impossível, comandado pelo futuro. Um futuro já em construção.
O futuro não é obra do acaso, embora eventuais surpresas não estejam, de antemão, des-
cartadas. Desde finais do século passado e início deste novo milênio aprendemos a descon-
fiar do futuro e, sobretudo, a temê-lo. Os descompassos verificados entre projeto e realização
provocaram um generalizado desencantamento, paralisando momentaneamente a nossa
capacidade de sonhar. Tal situação, entretanto, não muda o fato de que só o sonho (e o dese-
jo) pode antecipar o que ainda nos falta.
35
A dialética entre permanência e ruptura
solve-se, assumindo novas formas: centro-periferia, inclusão-exclusão, integração-segregação.
As aglomerações urbanas atingem dimensões inéditas, possibilitadas (e induzidas) pelo trans-
porte motorizado. A circulação de pessoas e mercadorias assume a condição de função urba-
na preponderante e peça-chave do circuito produtivo.
A racionalidade industrial submete a cidade à lógica do lucro capitalista; rebaixa a obra,
entendida como domínio do valor de uso e de livre fruição, à condição de produto para o con-
sumo, instrumento do valor de troca. O espaço e o tempo passam a ser condições gerais de pro-
dução; devidamente medidos e quantificados, tornam-se mercadorias valiosas e escassas.A lógi-
ca da equivalência abstrata busca eliminar as diferenças, produzindo uma homogeneização do
espaço. Assim, a negação da cidade, produzida pela era industrial, instala o espaço abstrato. É
o espaço da dominação, “a temporalidade do inferno, do eternamente idêntico”, de que nos
fala Rouanet (1993: 55). A abstração implica numa violência que lhe é inerente; ela age pela
devastação, pela destruição (Lefebvre 2000: 333). Este é, como se sabe, o modus operandis do
capitalismo: a violência da abstração do valor de troca, generalizada na forma do dinheiro.
A cidade não é, entretanto, eliminada de uma vez por todas. Tomada de assalto, saquea-
da, negada, resiste ao se transformar (Lefebvre 1991: 12). O valor de uso não desaparece. O
valor de uso, que implica em apropriação, reaparece nas práticas sócio-espaciais cotidianas, em
contradição dialética com o valor de troca, que implica em propriedade (Lefebvre 2000: 411).
A era urbana surge do processo de industrialização. O crescimento (quantitativo) da produção,
que parecia absorver, anulando, o desenvolvimento (qualitativo) da vida social, cria um campo
de novas possibilidades (contradições) e instaura a problemática do urbano, como uma proble-
mática mundial. Algo novo se anuncia: o espaço diferencial. Sob a aparente homogeneidade
do espaço abstrato, manifestam-se conflitos, oposições, superposições, diferenças. A forma do
urbano centraliza, reunindo e confrontando as diferenças. “A centralidade se descobre lugar
comum para o conhecimento, para a consciência, para a prática social” (Lefebvre 2000: 459).
A retomada do direito à cidade, implícita (como possibilidade) no processo de urbaniza-
ção da sociedade humana, implica no direito à diferença (Lefebvre 1972: 155). Para Lefebvre
é, portanto, na direção de um novo humanismo que se deve caminhar, “na direção de uma
nova práxis e de um novo homem, o homem da sociedade urbana” (Lefebvre 1991: 107).
A “revolução mundial” se fará no e pelo urbano (Lefebvre 1972: 150), tendo como orienta-
ção principal a superação da dissociação entre a obra, que representa o único, o irreproduzí-
34
Sobre Urbanismo
O século XX: Movimento Moderno e as duas correções
A modernidade como paradigma do conhecimento reconhece a história somente como
um processo que deve culminar na própria modernidade, entendida como etapa de supera-
ção em termos políticos e sociais da evolução da humanidade.
Deste modo a história – e a história do urbanismo em particular – viria a ser somente a
ante-sala da modernidade, o caminho necessariamente percorrido pelos homens até chegar
à etapa de redenção política e social.
É a idade da ilustração – a idade da maturação – a que deve chegar a sociedade tal como
nos fala Kant ou a futura sociedade socialista – que representa o fim da exploração e a eman-
cipação humana – de que trata o marxismo.
Ao mesmo tempo, a modernidade como período histórico apresenta duas fases claramen-
te definidas e distintas: a primeira é o período que vai da Revolução Francesa ao início da
Revolução Russa (1789-1917), que constitui o século longo – o Século XIX; a segunda, o
período de luta ideológica contínua, que chega até a queda do Muro de Berlim (1917-1989),
que constitui o século curto, que é o século XX.
Em quaisquer dessas duas fases, a modernidade se apresenta como um modo rígido e
inflexível de entender a História e, portanto, de intervir nela, sem concessões nem desvios
37
Os sonhos são como flechas disparadas pelo presente na direção de alvos que só adqui-
rem existência depois que as flechas são postas em movimento. A pontaria certeira depende,
em primeiro lugar, da força do desejo de quem sonha, pois que os alvos não são estáticos,
mas dotados de grande dinamismo. Outra característica peculiar dos sonhos é a de que os
sonhos são compartilháveis e quanto maior o número de sonhadores, maior a precisão da fle-
chada. Acontece também, às vezes, de acertarmos no alvo errado. Faz parte do jogo.
Referências Bibliográficas
Aymonino, C. (1984). O significado das cidades. Lisboa: Editorial Presença.
Benjamim, W. (1982). Das Passagen-werk. Frankfurt: Suhrkamp.
Duarte, C.F. (2001). Espaços de convergência e utopia: um diálogo entre as obras de Milton
Santos e Henri Lefebvre. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XV, N. 1, p. 137-146.
Duarte, C.F. (2002). Circulação e cidade: do movimento da forma à forma do movimento. Tese
de Doutorado. Rio de Janeiro: IPPUR-UFRJ.
Duarte, C.F. (2006). Forma e movimento. Rio de Janeiro: Viana & Mosley e PROURB.
Eliade, M. (s/d). O sagrado e o profano, a essência das religiões. Lisboa: Edição Livros do Brasil.
Léfèbvre, H. (1983). Lógica formal. Lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Léfèbvre, H. (s/d). O pensamento marxista e a cidade. Póvoa de Varzim: Editora Ulisseia.
Léfèbvre, H. (1972). La revolución urbana. Madri: Alianza Editorial.
Léfèbvre, H. (1991). O direito à cidade. São Paulo: Ed. Moraes.
Léfèbvre, H. (2000). La production de l’espace. Paris: Ed. Anthropos.
Mumford, L. (1998). A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São
Paulo: Martins Fontes.
Pirenne, H. (s/d). As cidades da Idade Média (Coleção Saber). Mem Martins (Portugal):
Publicações Europa-América.
Rouanet, S.P. (1993). A razão nômade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
Santos, M. (1999). A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção. São Paulo:
Hucitec.
Sartre, J.P. (2002). Crítica da razão dialética: precedido por Questões de método. Rio de
Janeiro: DP&A.
36
Sobre Urbanismo
Percursos do urbanismo 
contemporâneo
Jorge MoscatoTradução: Cristovão Fernandes Duarte
o estudo da história urbana e do urbanismo como modo de ação. Período no qual se produ-
zem conceitos como o de pós-modernismo que retomará parcialmente o Movimento
Moderno, considerado agora como uma etapa não-finalista da história.
Em síntese, o século XX e o Movimento Moderno se explicam por essa postura inicial e
as sucessivas correções necessárias.
O período pós-século e a transição conceitual
Podemos considerar que o século XX terminou em 1989, com o fim do conflito ideológi-
co, o que permitiu ao urbanismo e à arquitetura posterior desprender-se da carga ideológica
do século e do conflito do Movimento Moderno com a história. Portanto, quando falamos do
que sucedeu nos últimos anos estamos falando do estranho período pós-século que se inicia
na década de 1990, no qual assistiremos ao processo de mudança dos paradigmas necessá-
rios para a práxis do século XXI recém começado.
A década de 1990 se inicia com o auge dessa cultura morfotipológica baseada especial-
mente nos projetos espanhóis para a renovação de suas cidades, nos quais se destaca a expe-
riência da Barcelona Olímpica de 1992, através da qual a cidade vai conservar e completar as
diretrizes básicas previstas no ensanche da cidade de meados do século XIX do Plano de Cerdá.
Com o transcorrer da década, se passou particularmente do respeito rigoroso às diretrizes
básicas para a autonomização progressiva do urbanismo, buscando chegar ao cour d’ objets.
Visando alcançar esses objetivos se solicita a um conjunto de arquitetos estrelas que procurem
determinar um espaço através de um repertório de formas mais ou menos exitosas.
Neste ponto do percurso podemos supor, seguindo a citação de Tafuri sobre Marx, que o
mais avançado explica o menos desenvolvido e que se isso é o mais certo nos temas sociais,
também há de sê-lo naqueles relativos ao urbano; e que, por ser Barcelona o lugar em que
se materializam as novas propostas urbanas, a mudança das posturas sobre os projetos urba-
nos emblemáticos que se expressam nas diferenças evidenciadas entre os projetos dos anos
1980 como o Moll de la Fusta e os novos paradigmas de desenho incorporados no Fórum
2004, seguramente hão de ser incorporadas como novos princípios válidos por nossas Escolas
e Faculdades e pelas cidades que seguem esse modelo de atuação.
39
Percursos do urbanismo contemporâneo
populistas, tratando sempre de eliminar o mau gosto das posturas românticas no urbanismo
que tentavam mediar o processo de transformação ou fazê-lo mais compreensível através do
resgate dos valores do passado.
O Movimento Moderno propôs o urbanismo como um espaço livre, un terrain vague. Fez
tábula rasa das cidades históricas e só pensou em termos de solos de nova planta, e é lógico
que assim o fora, ao considerar a si mesmo como o fim da história – a história a sério ou a his-
tória real -, já que, produto da modernidade, a história entrava em uma época de racionalidade.
A modernidade foi a teoria que forneceu a base de ação dos Mestres do século XX.
Do passado não há nada demasiadamente memorável para ser resgatado, salvo algumas
grandes obras da arquitetura antiga que não tenham sido consideradas ruins, mas de nenhum
modo se considerará como valioso o espaço comum ambiental da cidade histórica. Um exem-
plo deste entendimento é o Plan Voisin de Le Corbusier concebido para Paris durante o perío-
do heróico do Movimento Moderno anterior à Segunda Guerra Mundial.
Deste modo, na primeira geração do Movimento Moderno a intervenção parte sempre de
um plano novo, um plano limpo, em branco ou vazio de cidade.
Mais recentemente, com a segunda geração do Movimento Moderno, se materializará a
ruptura com os CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna), produzida em fins
da década de 1950, pondo fim a um longo período de hegemonia teórica das posições de
ruptura com o passado.
É então que se descobre que algo não andava bem com o urbanismo. Aparece a crítica
aos postulados teóricos do CIAM, iniciando-se com a recuperação do valor do local, do bair-
ro e da rua para a construção de um novo urbanismo, com uma carga social mais consciente
de tudo aquilo que, justamente, fazia parte dos conteúdos da arquitetura histórica. Isto será
possível com o início da influência inglesa, sempre atenta à tradição e à cultura local. A hege-
monia teórica passará ao Team X, às revistas inglesas; e teremos uma constelação de teóri-
cos e de exemplos que falam, constroem e se inserem na Cidade Histórica, particularmente
nos bairros populares onde habitava a classe trabalhadora inglesa.
É, no entanto, a partir da publicação do livro A ARQUITETURA DA CIDADE de Aldo Rossi que
começa um período sério e fundamentado de estudo da cidade e sua evolução histórica. A
modernidade a partir deste momento entra decididamente em revisão, embalada pela crítica
morfotipológica de origem italiana e espanhola aos postulados de tábula rasa, reiniciando-se
38
Sobre Urbanismo
A multiplicidade e o pensamento collage
Estas mudanças não são arbitrárias, são produtos de um novo modo de pensar o mundo
e, como conclusão, podemos presumir que o urbanismo atual aparece claramente liberado da
carga social e política do século passado, o que talvez indique simplesmente a possibilidade
de um novo começo da história com novos parâmetros.
Este é o ponto sobre o qual devemos refletir. Quais serão os novos paradigmas do sécu-
lo XXI? Como hão de ser exatamente não sabemos, mas, em meio a tanta confusão, talvez
possamos encontrar a resposta no conceito de rapidez-leveza-light de que nos fala Ítalo
Calvino nas suas SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO.
Neste caso, em um texto tão citado quanto pouco compreendido, podemos nos referir à
interpelação de Gui Bonsiepe (Envidia, Revista de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo de
la Universidad de Chile, No. 1, 2000), quando sugere que o século XXI pode ser um período
de rapidez, no sentido de nos livrar do peso das idéias do século XX com a possibilidade de
deixar para trás os conflitos que o caracterizaram, mas, sobretudo, significa uma abertura a
um novo universo quase infinito de idéias, onde prevalece a multiplicidade de idéias ou de
pontos de apoio, que é o que habitualmente se denomina cultura-collage. É ele:
o salto ágil do poeta-filósofo, elevando-se sobre o peso do mundo e mostrando
que aquilo considerado por muitos como sendo a vitalidade dos tempos – ruido-
sa, agressiva, acelerada e estrondosa – pertence ao reino da morte, como um cemi-
tério de velhos automóveis enferrujados.
(ÍTALO CALVINO)
Em todo caso, poderíamos supor que a angústia clássica sobre o futuro, refletida no
poeta argentino Leopoldo Marechal para quem “no número dois nasce a pena, o sofrimen-
to”, é substituída pela esperança de Teilhard de Chardin sobre a nova dimensão cósmica da
terra no século que começa: “todas as partes se unem e recompõem a verdade”.
41
Percursos do urbanismo contemporâneo
A construção dos novos paradigmas no século XXI
É evidente, então, que esta transição dos últimos anos que exemplificamos com a mudan-
ça de atitudes projetuais nos grandes empreendimentos de Barcelona, havia de se constituir
sobre novos princípios teóricos e que estes novos princípios seriam autônomos em relação aos
conflitos do século XX.
E quando falamos de princípios teóricos, estamos pensando que estes são novos pressu-
postos, já que, embora ainda não constituam teorias definitivamente conformadas, podem se
resumir em quatro atitudes mais ou menos simultâneas:
• Mudou novamente nossa noção sobre a história e por isso se volta a construir nas cidades
históricas projetos importantes que não respeitam a massa, nem a tipologia do entorno. Isso
se torna evidente nos projetos de Gehry para Bilbao, de Zaha

Outros materiais