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Interpretação da LeI nº 11.638/07 dIreIto trIbutárIo, SocIetárIo e a reforma da LeI daS S/a – VoL. III Direito Tributário Societário Vol. III.indd 1 29/5/2012 18:02:04 “A Quartier Latin teve o mérito de dar início a uma nova fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas. Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras Editoras seguiram seu modelo.” ives Gandra da siLva Martins Editora Quartier Latin do Brasil Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001 Rua Santo Amaro, 316 – CEP 01315-000 Vendas: Fone (11) 3101-5780 Email: quartierlatin@quartierlatin.art.br Site: www.quartierlatin.art.br Direito Tributário Societário Vol. III.indd 2 29/5/2012 18:02:04 Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, outono de 2012 quartierlatin@quartierlatin.art.br www.quartierlatin.art.br coordenação: SergIo andré rocha Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio. Advogado Interpretação da LeI nº 11.638/07 dIreIto trIbutárIo, SocIetárIo e a reforma da LeI daS S/a – VoL. III Direito Tributário Societário Vol. III.indd 3 29/5/2012 18:02:04 Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro, 316 – Centro – São Paulo RochA, Sergio André (coord.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. III – Interpretação da Lei nº 11.638/07 – São Paulo: Quartier Latin, 2012. ISBN 85-7674- 1. Direito Tributário e Societário. I. Título Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito Tributário e Societário Coordenação editorial: Vinicius Vieira Diagramação: Victor Guimarães Sylvio Revisão gramatical: Capa: contato: quartierlatin@quartierlatin.art.br www.quartierlatin.art.br ToDoS oS DiReiToS ReSeRVaDoS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 4 29/5/2012 18:02:05 Sumário capítuLo I – combInação de negócIoS: o ganho por compra VantajoSa, 17 aLexandre couto SILVa & otáVIo VIeIra barbI 1. A convergência das normas contábeis ao IFRS .................................. 19 2. A combinação de Negócios e o cPc n. 15. ...................................... 20 3. caracterização da combinação de Negócios .................................... 22 a. Identificação da Adquirente .......................................................... 23 b. Aquisições reversas ....................................................................... 24 c. operações societárias .................................................................... 25 d. Determinação da ata da realização da combinação de negócios e seu valor ..................................................................... 26 e. o sentido da expressão “negócio”. ................................................. 27 f. Identificação e mensuração dos ativos .......................................... 28 4. Reconhecimento e mensuração do ágio ou ganho em uma compra vantajosa ........................................................................... 29 a. compra Vantajosa e reconhecimento do ganho ............................ 29 b. Período de mensuração ................................................................. 32 5. Divulgações ....................................................................................... 33 6. Deságio ou ganho na compra vantajosa ............................................. 33 a. compra vantajosa ......................................................................... 35 b. compra vantajosa e resultado de deságio ...................................... 36 7. conclusão ......................................................................................... 37 capítuLo II – o aproVeItamento fIScaL do ágIo e aS aLteraçõeS à LegISLação SocIetárIa, 39 antonIo reInaLdo rabeLo fILho & thaLLeS eduardo SILVa graceLacIo da paIxao Introdução ............................................................................................. 41 Regras Tributárias – A Amortização Fiscal do Ágio: da Mensuração e Fundamentos Econômicos do Ágio: .......................... 54 o Tratamento Fiscal do Agio Antes da Lei Nº 9.532/97: ..................... 58 As Alterações Introduzidas pela Lei Nº 9.532/97: ................................ 61 critérios Fiscais X critérios contábeis: ................................................ 67 Da Prevalência das Normas de Natureza Tributária Vigentes: ............. 68 o Regime Tributário de Transição: ....................................................... 76 conclusões: ............................................................................................ 80 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 5 29/5/2012 18:02:05 capítuLo III – aSpectoS trIbutárIoS e SocIetárIoS/contábeIS da deprecIação de benS do atIVo ImobILIzado à Luz do regIme trIbutárIo de tranSIção, 83 carLoS henrIque tranjan bechara & LetícIa borgeS rocha LIma 1. Introdução ......................................................................................... 85 2. As regras tributárias e societárias/contábeis sobre a depreciação de bens do ativo imobilizado ......................................... 86 (i) Regras Tributárias ........................................................................ 86 (ii) Regras societárias/contábeis ........................................................ 94 (ii.a) Aspectos Societários/contábeis anteriores à Lei nº 11.638/07 ................................................................................ 94 (ii.b) Aspectos Societários/contábeis posteriores à Lei nº 11.638/07, ao cPc 01 e cPc 27 ........................................... 94 3. A neutralidade tributária na mudança do padrão societário/contábil brasileiro e o RTT .............................................. 97 4. Alteração da taxa de depreciação entendida como alteração de critério contábil ............................................................................ 102 5. conclusão ......................................................................................... 106 6. Bibliografia ........................................................................................ 107 capítuLo IV – oS poSSíVeIS efeItoS trIbutárIoS reLacIonadoS com oS crItérIoS contábeIS para reconhecImento do atIVo ImobILIzado e SuaS peçaS de repoSIção, 109 danIeL dIx carneIro & marcIo oLIVeIra 1. Introdução ......................................................................................... 111 2. A definição do IFRS como padrão contábil internacional a ser seguido2 ................................................................................... 112 3. o conceito de ativo imobilizado e o seu reconhecimento pela contabilidade ............................................................................ 115 4. A conceituação das partes e peças de reposição (sobressalentes) para fins do seu reconhecimento contábil ......................................... 117 5. o tratamento conferido pela legislação do IRPJ e da cSLL às partes e peças sobressalentes ......................................................... 120 6. Breves considerações sobre os encargos de depreciação dos itens que compõem o ativo imobilizado e a eventual aplicação do Regime Tributário de Transição – RTT..................................... 123 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 6 29/5/2012 18:02:05 7. Apropriação e desconto dos créditos das contribuições PIS/coFINS ................................................................................... 129 8. A apropriação dos créditos de IcMS sobre o ativo imobilizado e suas peças sobressalentes ............................................ 134 9. o IPI e os bens destinados ao ativo imobilizado e suas peças de reposição ..................................................................... 143 10. considerações finais ........................................................................ 145 capítuLo V – regIme trIbutárIo de tranSIção – rtt: que neutraLIdade?, 147 edISon carLoS fernandeS Introdução ............................................................................................. 149 Repercussões tributárias das normas contábeis ...................................... 150 Disciplina do Regime Tributário de Transição – RTT .......................... 151 Repercussões tributárias não abrangidas pelo RTT ............................... 152 capítuLo VI – noVoS aSpectoS do dIreIto contábIL: LeI nº 11.638/07, SuaS aLteraçõeS e VarIaçõeS Sobre a Interpretação da norma contábIL, 155 eLIdIe paLma bIfano 1. Apresentação do tema ........................................................................ 157 2. As diferentes dimensões do IFRS, no Brasil ...................................... 158 3. Breve análise do conteúdo e autonomia do Direito contábil ............. 160 3.1 o que é o Direito contábil? ....................................................... 160 3.2 Reflexos da aplicação da L. 11.638/07 ........................................ 161 4. Decorrências da aplicação da L. 11.638/07: verificações de fato para obter conclusões de direito................................................. 162 4.1 Aplicação dos novos padrões contábeis: obrigatoriedade legal .... 162 4.2 Dificuldades práticas na adoção dos novos padrões e reflexos jurídicos .......................................................................... 165 4.2.1. Não conformidade dos critérios adotados, no Brasil, com os critérios internacionais adotados para fins de convergência contábil ............................................................ 165 4.2.2 Falta de alinhamento entre os órgãos reguladores............... 166 4.2.3 Falta de regras para reflexos advindos do uso dos novos padrões .................................................................. 166 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 7 29/5/2012 18:02:05 4.2.4 Falta de critérios compatíveis com atividades sem fins lucrativos .................................................................. 167 4.2.5 Reflexos do afastamento de conceitos jurídicos: neutralidade tributária ............................................................ 167 4.2.6 conclusão sobre as dificuldades práticas na adoção dos novos padrões e seus reflexos jurídicos ............................. 170 5. Ampliação do debate entre Direito e contabilidade: a interpretação do Direito contábil ................................................... 171 5.1 Quais são as regras de interpretação aplicáveis ao Direito contábil? ........................................................................ 171 5.2 o Pronunciamento do cPc é norma integrante do Direito contábil? ....................................................................... 172 5.3 A adoção dos Pronunciamentos do cPc pelo cFc: conflito com agentes reguladores? ............................................... 173 5.4 cabe interpretar o Pronunciamento do cPc? A quem cabe? .... 174 5.5 o Pronunciamento cPc incorporado ao Direito contábil: a quem cabe sua interpretação? ................................... 175 5.6 A interpretação dos Pronunciamentos: a grande distinção entre a interpretação contábil e a jurídica ..................... 176 5.7 conclusão ................................................................................... 177 capítuLo VII – o regIme trIbutárIo do conSórcIo de empreSaS, 179 fábIo martInS de andrade 1. Introdução ......................................................................................... 181 2. Arcabouço legislativo ......................................................................... 183 2.1. LSA ........................................................................................... 183 2.2. Atos regulamentares .................................................................. 184 3. Jurisprudência e orientações ............................................................... 190 3.1. Administrativa ........................................................................... 190 3.2. Judicial ....................................................................................... 200 4. A MP 510, o trâmite legislativo e a sua conversão na Lei nº 12.402/11 .............................................................................. 206 4.1. A MP 510 .................................................................................. 206 4.2. o trâmite legislativo do PLV nº 6/11 ........................................ 208 4.3. A Lei nº 12.402/11 .................................................................... 210 5. considerações finais .......................................................................... 214 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 8 29/5/2012 18:02:05 capítuLo VIII – deprecIação de benS e a neutraLIdade fIScaL do regIme trIbutárIo de tranSIção – rtt, 217 gILberto de caStro moreIra junIor & rogérIo ceSar marqueS 1. Introdução ......................................................................................... 219 2. Regime Tributário de Transição – RTT ............................................ 221 2.1. considerações Iniciais ............................................................... 221 2.2. Instituição .................................................................................. 224 2.3. Neutralidade Fiscal .................................................................... 230 3. Depreciação ....................................................................................... 234 3.1 considerações Iniciais ................................................................ 234 3.2. Regras de Depreciação – Aspectos contábeis ........................... 235 3.3. Regras de Depreciação – Aspectos Fiscais ................................. 238 3.4. Alterações Trazidas pelas Leis nº 11.638/07 e 11.941/09 .......... 241 3.5. Neutralidade Fiscal dos Impactos por meio do RTT ................ 249 Bibliografia ............................................................................................ 254 capítuLo Ix – dIScuSSão Sobre a apLIcabILIdade, para fInS trIbutárIoS, da prImazIa da eSSêncIa Sobre a forma, 255 guStaVo brIgagão & carLoS cornet ScharfSteIn 1. Introdução ......................................................................................... 257 2. A Primazia da Essência sobre a Forma: conceituação e origem. ........ 258 3. Aplicação, para fins tributários, da Primazia da Essência Sobre a Forma. ................................................................................. 267 3.1. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma seria inviável. .................................................................... 268 3.2. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma é desnecessária. ................................................................. 276 3.3. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma é indesejável. ..................................................................... 279 4. conclusão .......................................................................................... 283 capítuLo x – o contrato de conSórcIo e a LeI nº 12.402, 287 Ian munIz & marco antonIo moreIra monteIro comentários Introdutórios ....................................................................289 Dificuldades Jurídicas do consórcio ...................................................... 290 Do objeto do consórcio ....................................................................... 291 Da Lei nº 12.402/11.............................................................................. 295 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 9 29/5/2012 18:02:06 capítuLo xI – conSIderaçõeS geraIS Sobre a adaptação da LegISLação do ImpoSto Sobre a renda àS noVaS normaS contábeIS, 305 jImIr donIak jr. I – considerações introdutórias ............................................................. 307 II – considerações gerais sobre o conceito de renda e de lucro real e suas limitações ......................................................................... 309 III – considerações gerais sobre a chamada nova contabilidade ............ 316 IV – Diferenças iniciais entre a apuração fiscal e a apuração contábil .... 320 V – A primazia da substância sobre a forma .......................................... 324 VI – Teste de “impairment” – Valor recuperável de ativos ..................... 328 VII – Depreciação ................................................................................. 332 IX – Ágio e deságio ............................................................................... 335 X – conclusão geral .............................................................................. 340 capítuLo xII – determInação e fundamentação econômIca do ágIo apurado na aquISIção de InVeStImentoS: regImeS fIScaL e contábIL, 343 joão francISco bIanco & bruno fajerSztajn 1. Introdução. ......................................................................................... 345 2. Fundamentos econômicos do ágio na perspectiva do Decreto-lei n. 1598/77. .................................................................... 346 2.1. Valor de mercado dos bens do ativo da empresa adquirida. ....... 349 2.2. Expectativa de rentabilidade futura. ........................................... 350 2.3. Fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas ...... 351 3. Apuração do ágio na contabilidade: perspectiva do cPc. ................. 356 4. conclusões. ........................................................................................ 359 capítuLo xIII – ágIo Interno: refLexõeS Sobre SeuS aSpectoS reguLatórIoS e trIbutárIoS, 367 joSé andréS LopeS da coSta & danIeLa pereIra phILboIS 1. Nota Introdutória .............................................................................. 369 2. Aspectos Regulatórios ....................................................................... 371 2.1 A relevância do ágio em matéria de regulação do mercado financeiro e de capitais .................................................. 371 3. Aspectos tributários ........................................................................... 384 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 10 29/5/2012 18:02:06 3.1 Ágio – Um conceito em crise ..................................................... 384 3.2 A questão do aproveitamento na incorporação: ponderações sobre a relação “legalidade vs. norma antielisiva” ......................... 389 4. conclusão .......................................................................................... 395 capítuLo xIV – o futuro do fcont, 399 kIeran mcmanuS Introdução ............................................................................................. 403 histórico ............................................................................................... 403 os livros estatutários ............................................................................. 406 o desafio do FcoNT ........................................................................... 407 Alternativas futuras................................................................................ 409 Questões a serem analisadas na avaliação de alternativas ao sistema de imposto de renda brasileiro incluem: .......................... 410 Utilização das demonstrações financeiras baseadas em cPcs para fins de tributação ...................................................................... 411 IFRS nos livros individuais na União Européia (UE) ............................ 413 Implementação da IFRS em contas estatutárias na UE ......................... 414 Diferenças nos regimes tributários da UE ............................................. 416 capítuLo xV – aS aLteraçõeS da LegISLação SocIetárIa e ImpLIcaçõeS no cáLcuLo doS juroS Sobre o capItaL próprIo, 419 LuIz SergIo VIeIra fILho & rodrIgo munhoz 1 – objetivo deste Artigo ...................................................................... 421 2 – As alterações das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 e a suposta neutralidade fiscal ............................................................... 421 3 – Da Finalidade e da Natureza dos JcP ............................................. 427 4 – Do cálculo do JcP ......................................................................... 433 capítuLo xVI – regIme jurídIco daS contIngêncIaS LegaIS, 439 marcoS andré VInhaS catão & LucIana de aSSIS Serra aLVeS I – Introdução. Relevância do Tratamento Fiscal das contingências Legais. ...................................................................... 441 II – contingências Legais. Seu Escopo. ................................................ 442 III – Avaliação de contingências. Regime Jurídico. .............................. 444 IV – o Tratamento Fiscal das contingências. ....................................... 474 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 11 29/5/2012 18:02:06 V – conclusão ....................................................................................... 476 Bibliografia ............................................................................................ 477 Sites consultados.................................................................................... 477 capítuLo xVII – o regIme trIbutárIo de tranSIção e a eScrIturação para fInS fIScaIS, 479 marIana marqueS da cunha & cLaudIo YukIo Yano Introdução ............................................................................................. 481 1 – o Processo de Alinhamento às Práticas contábeis Internacionais no Brasil .................................................................... 482 1.1. A convergência contábil .......................................................... 482 1.2. contexto Legislativo Anterior À Lei 11.638, De 2007 ............. 483 1.3. A Lei 11.638, De 2007, Marco Legal Das Mudanças Na Seara contábil ....................................................................... 486 2 – Do Regime Tributário de Transição (RTT) .................................... 492 2.1. Definição Legal do Regime ....................................................... 492 2.2. Importância da Existência de um Balanço para Fins Tributários ........................................................................... 495 2.2.1. Equivalência Patrimonial ................................................... 495 2.2.2. Ágio ................................................................................... 496 2.2.3. Eventos Especiais .............................................................. 496 2.2.4. Diferenças Nas Taxas De Depreciação .............................. 497 2.2.5. contabilidade de custos ................................................... 497 2.2.6. Lucros Auferidos No Exterior ........................................... 499 2.2.7. Regras De Subcapitalização ............................................... 500 2.2.8. Preços de Transferência ..................................................... 500 2.2.9. Distribuição de Lucros ...................................................... 500 2.2.10. Juros sobre o capital Próprio ........................................... 501 2.2.11. Subvenção Para Investimentos E Doações Recebidas Do Poder Público ..................................................502 3. conclusão .......................................................................................... 503 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 12 29/5/2012 18:02:06 capítuLo xVIII – contabILIzação de InVeStImento em SocIedadeS objeto de acordo entre acIonISta controLador e mInorItárIo reLeVante, 505 neLSon eIzIrIk & marcuS de freItaS henrIqueS I – Introdução ........................................................................................ 507 II – A caracterização Legal do Acionista controlador em Sociedades com Acordos de Acionistas .............................................................. 508 III – Das Regras sobre a contabilização de Investimentos em Participações Societárias ................................................................... 511 IV – os conceitos Jurídico e contábil de controle .............................. 515 V – conclusão ....................................................................................... 516 capítuLo xIx – aLteraçõeS naS taxaS de deprecIação de atIVoS em face doS noVoS parâmetroS contábeIS braSILeIroS (LeI nº 11.638/07) e SeuS efeItoS trIbutárIoS, 519 rodrIgo maIto da SILVeIra & rIcardo maIto da SILVeIra I. Introdução e escopo de análise ........................................................... 521 II. Análise jurídica das questões suscitadas ............................................ 522 II.1. critério geral de depreciação de ativos na legislação fiscal ........ 522 II.2. Mudanças nos parâmetros contábeis brasileiros e o RTT ......... 524 II.3. Impactos dos novos parâmetros contábeis para o cálculo da depreciação de ativos ................................................... 528 II.3.1. Primeira interpretação possível: ausência de critério contábil novo ............................................................. 529 II.3.2. Segunda interpretação possível: artigo 17 da Lei nº 11.941 ................................................................................ 530 III. conclusões ...................................................................................... 536 capítuLo xx – aS noVaS regraS contábeIS trazIdaS peLa LeI nº 11.638/2007 e o arrendamento mercantIL, 539 Sacha caLmon naVarro coêLho & eduardo junqueIra coeLho 1. Introdução. A Lei nº 11.638/2007 e o IFRS. .................................... 541 2. Breves apontamentos sobre a origem e a natureza jurídica do leasing. ........................................................................... 543 3. Da Lei nº 6.099/74 e o tratamento tributário por ela conferido ao arrendamento mercantil. .............................................................. 547 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 13 29/5/2012 18:02:07 4. As modalidades de Leasing. ............................................................... 553 4.1. Arrendamento mercantil financeiro ........................................... 558 4.2. Lease back ................................................................................ 560 4.3. Arrendamento mercantil operacional. ........................................ 562 4.4. Self leasing. ................................................................................ 564 5. A tributação do arrendamento mercantil no âmbito do PIS/coFINS não cumulativo. ......................................................... 568 6. Alterações contábeis promovidas pela Lei nº 11.638/2007 e o cPc 06. A prevalência da essência econômica sobre a forma jurídica é critério de contabilização, e não de tributação, do arrendamento mercantil. ................................................................... 569 7. A neutralidade tributária em face das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009. .................................................................................... 579 8. conclusão. ......................................................................................... 581 capítuLo xxI – trIbutação do reemboLSo de deSpeSaS e do compartILhamento de cuStoS e o cpc 30, 583 SergIo andré rocha & ana caroLIna barreto 1. Introdução ......................................................................................... 585 2. Tratamento fiscal dos reembolsos de despesas entre empresas residentes ........................................................................... 585 2.1. caracterização dos reembolsos como receita ............................. 585 2.2. A dedutibilidade da despesa reembolsada ou sua consideração como custo ............................................................. 591 3. Reembolso de despesas em operações com não residentes ................. 591 3.1. Despesas pagas, no Brasil, em favor de empresa brasileira, por não residente ......................................................................... 591 3.2. Reembolso a não residente por pagamento feito a terceiro no exterior em benefício de residente .......................................... 593 4. contratos de rateio de custos e despesas entre empresas ................... 596 4.1. contratos para o rateio de despesas no âmbito de um grupo de empresas nacional ......................................................... 597 4.1.1. Tributação dos reembolsos recebidos ................................. 597 4.1.2. Apropriação dos custos e dedutibilidade das despesas ....... 600 4.2. contratos para o rateio de despesas entre empresas nacionais independentes .............................................................. 601 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 14 29/5/2012 18:02:07 4.3. Reembolso a não residente em razão de atividades desenvolvidas pelo mesmo em benefício de residente, componente de um mesmo grupo econômico .................................................. 602 a) Reembolsos referentes a serviços contratados junto a terceiros no exterior ................................................................ 603 b) Prestação de serviços que constituem a atividade-fim da empresa controladora ......................................................... 604 c) Reembolsos referentes aos custos de atividades desenvolvidas pela própria controladora não residente .................................. 604 5. o cPc 30 e o tratamento contábil dos reembolsos de despesas ....... 606 6. conclusão .......................................................................................... 609 capítuLo xxII – oS ImpactoS daS noVaS regraS contábeIS Sobre o regIme jurídIco do ágIo gerado naS operaçõeS de fuSão e aquISIção, 611 VaLter de Souza Lobato & fernando danIeL de moura fonSeca 1. Delimitação do Tema ......................................................................... 613 2. A aparente tensão entre o Direito e a contabilidade. Independência entre as ciências e os efeitos da Lei 11.638/07. ........ 615 3. os conceitos em matéria tributária e o artigo 109 do cTN. ............. 618 4. A necessidade de uma interpretação sistemática da questão. os efeitos decorrentes das mudanças dos conceitos em sua origem e os possíveis reflexos tributários........................................... 621 5. o impacto das novas regras contábeis sobre o ágio gerado nas operações de fusão e aquisição.34 .............................................. 624 5.1. os conceitos contábil e jurídico de ágio. ......................................... 624 5.2. As recentes alterações decorrentes da Lei 11.638/07. .................... 626 5.3. A amortização fiscal do ágio. .......................................................... 628 5.4. os efeitos (ou ausência deles) das novas normas contábeis sobre o regime jurídico do ágio. ........................................................ 630 7. conclusões. ........................................................................................ 635 capítuLo xxIII – notaS Sobre o modeLo ÚnIco de reconhecImento de receIta propoSto peLo IaSb, 637 WaIne domIngoS peron & andré Stéfano chrIStoV 1. Introdução .........................................................................................639 2. Atual Método de Reconhecimento de Receitas ................................. 640 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 15 29/5/2012 18:02:07 2.1. Estrutura e Principais Elementos .............................................. 642 2.1.1. conceito de Receita ........................................................... 642 2.1.2. Venda de bens .................................................................... 644 2.1.3. Prestação de serviços .......................................................... 647 2.2. contratos de Longo e curto Prazos .......................................... 655 2.2.1. contrato de longo prazo .................................................... 656 2.2.2. contrato de curto prazo .................................................... 657 2.3. contratos firmados com Entidades Públicas ............................. 658 2.4. Determinação do Preço da Transação ....................................... 659 2.4.1. Preço pré-determinado ...................................................... 660 3. Modelo Único de Reconhecimento de Receita Proposto pelo IASB 661 3.1. Identificação do contrato com o cliente ..................................... 662 3.2. Identificação das obrigações de performance ............................. 662 3.3. Determinação do preço da transação ......................................... 663 3.4. Alocação do preço da transação às performance obligations ...... 664 3.5. Reconhecimento da receita quando a performance obligation é satisfeita ................................................................... 664 3.6. Status do novo modelo .............................................................. 664 4. Exemplos Ilustrativos ........................................................................ 665 4.1. – Exemplo 1: Descontos com base em cumprimento de Metas ... 665 4.2. Exemplo 2: Programa de Vantagens ............................................ 668 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 16 29/5/2012 18:02:07 Capítulo I Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa alexandre Couto Silva Mestre e Doutor em Direito Comercial pela UFMG. Advogado. otávio Vieira Barbi Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela UFMG. Advogado. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 17 29/5/2012 18:02:08 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 18 29/5/2012 18:02:08 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 19 1. A convergênciA dAS normAS contábeiS Ao iFrS com a promulgação da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que acrescentou o §5º ao art. 1771, da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários passaram a ser de observância obrigatória pela comissão de Valores Mobiliários (cVM), a quem cabe expedir normas sobre as demonstrações financeiras das companhias abertas2. Referido comando do art. 177, da Lei das S.A., pode ser considerado o marco legislativo do processo de convergência das práticas contábeis brasileiras às normas internacionais de contabilidade, que constituem o sistema do IFRS – International Financial Reporting Standard – Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS, na sigla em inglês). o sistema do IFRS é um conjunto de normas e pronunciamentos contábeis internacionais, publicados e revisados pelo International Accounting Standards Board – conselho de Normas Internacionais de contabilidade (IASB, na sigla em inglês). Muitas das normas do IFRS são conhecidas por IAS – International Accounting Standards –, e foram publicadas pela antiga organização denominada International Accounting Standards Committee entre 1973 e 2001 (ano em que fora substituída pelo IASB). No Brasil, por seu turno, em 1 de setembro de 2010, pela Deliberação nº 485, a cVM acrescentou à Instrução nº 457/2007, dentre outras disposições, a determinação de que as demonstrações financeiras consolidadas das companhias abertas deveriam ser elaboradas com base em pronunciamentos plenamente convergentes com as normas internacionais, emitidos pelo cPc e referendados pela cVM (art. 1º, §1º). Assim, coube ao comitê de Pronunciamentos contábeis (cPc) estudar, pesquisar, discutir, elaborar e deliberar sobre o conteúdo e a redação 1 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §5º – As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o §3º deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários. 2 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §3º – As demonstrações financeiras das companhias abertas observarão, ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 19 29/5/2012 18:02:08 20 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA de Pronunciamentos Técnicos contábeis, a serem normatizados pela cVM3. o cPc foi criado pela Resolução nº 1.055, de 7 de outubro de 2005, do conselho Federal de contabilidade (cFc), a partir da união de esforços e objetivos da ABRAScA, APIMEc, BoVESPA, FIPEcAFI, IBRAcoN e do conselho Federal de contabilidade. o objetivo do cPc, segundo dispõe o art. 3º da referida Resolução nº 1.055/2005, é “o estudo, preparo e emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da contabilidade brasileira aos padrões internacionais”. Desse modo, os Pronunciamentos Técnicos do cPc, que correspondem às normas internacionais do IFRS, irão permitir à cVM que emita as normas cuja finalidade é possibilitar a convergência dos padrões contábeis brasileiros ao IFRS. E cuidou a cVM – em sua Instrução nº 457, de 13 de julho de 2007, art. 1º – de determinar que as companhias abertas, a partir do exercício findo em 2010, deveriam apresentar suas demonstrações financeiras consolidadas adotando o padrão contábil internacional, de acordo com os pronunciamentos emitidos pelos IASB e FASB. 2. A combinAção de negócioS e o cPc nº 15 Seguindo, portanto, a determinação dos §§ 3º e 5º do art. 177 da Lei das S.A., bem como do §1º do art. 1º da Instrução cVM nº 457/2007, em 31 de julho de 2009 a cVM expediu a Deliberação nº 580, que aprovou e tornou obrigatório, para as companhias abertas, o Pronunciamento Técnico nº 15, emitido pelo cPc (cPc 15), que cuida da combinação de Negócios, sendo aplicável aos exercícios encerrados a partir de dezembro de 2010 e às demonstrações financeiras de 2009, a serem divulgadas em conjunto com as demonstrações de 2010 para fins de comparação. Sua observância pelas companhias abertas, como dito, tornou-se obrigatória. Para as companhias fechadas, os Pronunciamentos do cPc são facultativos4. 3 O caput do art. 10-A da Lei nº 6.385/1976, acrescido pela Lei nº 11.638/2007, permite à CVM celebrar convênio com o CPC: Art. 10-A. A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio com entidade que tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas. 4 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §6º – As companhias fechadas poderão optar por observar as normas sobre demonstrações financeiras expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários para as companhias abertas. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 20 29/5/2012 18:02:08 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 21 o cPc 15 corresponde à norma internacional do IFRS 3 (Business combination). A primeira Revisão aocPc 155 encontrava-se, na data da redação do presente trabalho, em Audiência Pública (Edital de Audiência Pública SNc nº 01/2011), até o dia 3 de junho de 2011. Em razão disso, cuidou-se do tema de acordo com o Pronunciamento Técnico em vigor à época da redação dessas notas, sem que nos desincumbíssemos de observar e fazer referência à minuta sujeita à Audiência Pública, ressaltando os pontos que se pretendia revisar. A Norma Internacional de Relatório Financeiro IFRS 3 – combinações de Negócios (IRFS 3) é resultado do esforço conjunto do IASB e da US Financial Accouting Standards Board – conselho de Normas de contabilidade Financeira dos EUA (FASB). Tanto o IASB quanto o FASB decidiram tratar da combinação de negócios em duas fases. A primeira fase foi tratada separadamente por cada um desses conselhos: o FASB emitiu, em junho de 2001, o Pronunciamento FASB 141 – combinações de Negócios; e o IASB, em março de 2004, emitiu o IFRS 3 – combinação de Negócios (versão anterior). Ambos os conselhos concluíram que praticamente todas as combinações de negócios são aquisições, decidindo exigir o uso de um método de contabilização de combinações de negócios – o método de aquisição. A aplicação do método de aquisição exige (i) a identificação; (ii) a determinação da data de aquisição; (iii) o reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias de não controladores na adquirida; e (iv) o reconhecimento e a mensuração do ágio por rentabilidade futura ou do ganho proveniente da compra vantajosa. A orientação da aplicação do método de aquisição foi tratada na segunda fase do projeto, em que ambos os conselhos, em esforço conjunto, em prol da melhoria no relatório financeiro, concluíram, com a emissão do atual IFRS 3 e do FASB 141, revisada em 2007, alterando-se o IAS 27 – Demonstrações Financeiras consolidadas e Separadas e FASB 160 – Participações não-controladoras em Demonstrações Financeiras 5 Segundo consta do Edital de Audiência Pública SNC nº 01/2011, “o Comitê de Pronunciamentos Contábeis assumiu o compromisso de revisar e atualizar todos os documentos por ele emitidos, a fim de que estejam totalmente convergentes com as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB – International Accounting Standards Board”. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 21 29/5/2012 18:02:08 22 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA consolidadas. Tais pronunciamentos teriam aplicação nos relatórios anuais iniciados após o período de 1º de julho de 2009, entretanto, a aplicação poderia ser antecipada desde que a IAS 27 fosse aplicada ao mesmo tempo. A combinação de Negócios foi definida no cPc 15 como “uma operação ou outro evento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou mais negócios, independentemente da forma jurídica da operação”. A minuta de revisão em Audiência Pública não modifica essa definição. 3. cArActerizAção dA combinAção de negócioS No IFRS 3, a combinação de negócios é a junção de entidades ou atividades empresariais separadas numa única entidade. A entidade deverá determinar se os ativos adquiridos e passivos assumidos constituem um negócio. o resultado das concentrações de negócios é que uma entidade, a adquirente, obtém o controle de uma ou mais atividades empresariais diferentes, as adquiridas. Se uma entidade obtiver o controle de uma ou mais entidades que não sejam negócios, a junção dessas entidades não é uma combinação de negócios. Quando uma entidade adquire um grupo de ativos ou de ativos líquidos que não constitua um negócio, ela deve imputar o custo do grupo entre os ativos e passivos identificáveis individuais do grupo com base nos valores justos na data da aquisição. o pronunciamento referente à combinação de negócios teve a finalidade de buscar um aumento da relevância, confiabilidade e comparabilidade das informações fornecidas nas demonstrações financeiras de uma determinada entidade referente à combinação de negócios e seus efeitos. Desta forma, busca-se padronizar a forma de (i) reconhecimento e mensuração, nas demonstrações financeiras, de ativos adquiridos, passivos assumidos e qualquer participação não-controladora na adquirida, (ii) reconhecimento e mensuração do ágio ou do ganho na compra vantajosa; (iii) determinação de quais informações divulgar nas demonstrações financeiras para avaliação financeira da natureza e efeitos da combinação de negócios. Assim sendo, as denominadas reestruturações societárias, que compreendem as operações de fusão, cisão, incorporação de sociedades e de ações (art. 226 a 229, e 252 da Lei das S.A.), poderão resultar na combinação de Direito Tributário Societário Vol. III.indd 22 29/5/2012 18:02:09 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 23 Negócios conceituada pelo cPc 15, sempre que houver aquisição de controle6 de um negócio7 . A. identiFicAção dA Adquirente A intenção do cPc 15 é a de que as transações que resultem em combinação de Negócios sejam contabilizadas considerando-se a sua essência econômica, independentemente da forma jurídica da operação (incorporação, fusão, aquisição, etc.). Além disso, deverá ser sempre identificada a entidade adquirente e o negócio adquirido. Será utilizada a orientação da IAS 27 – Demonstrações Financeiras consolidadas e Separadas (IAS 27) para se identificar o adquirente que obteve o controle da adquirida. A IAS 27 define controle como o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade de forma a obter benefícios das suas atividades. Se a identificação do adquirente não for possível pela IAS 27, dever-se-á verificar o exercício do controle de outras formas: (i) se a combinação de negócios foi efetuada pela transferência de caixa ou outros ativos ou assunção de passivos, a adquirente será a entidade que transferiu caixa, outros ativos ou assumiu passivos, e (ii) se a combinação de negócios foi efetuada pela troca de participações patrimoniais, o adquirente será a entidade que emitiu suas participações patrimoniais, entretanto, (a) a adquirente poderá ser a entidade combinante cujos proprietários, como um grupo, detêm a maioria do direito de voto na entidade combinada, ou (b) a adquirente, no caso de controle difuso, será a entidade combinante cujo único proprietário ou grupo organizado detiver a maior participação minoritária com direito a voto na entidade combinada, ou (c) a adquirente será a entidade combinante cujos proprietários têm a capacidade de eleger, nomear ou destituir a maioria dos membros da administração da combinada, ou (d) se a adquirente por meio de sua administração exercer o domínio da administração da combinada, ou (e) a adquirente será a entidade 6 Controle é definido no CPC 15 como sendo “o poder para governar a política financeira e operacional da entidade de forma a obter benefício de suas atividades”. Não há modificação dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública. 7 Negócio é definido no CPC 15 como sendo “um conjunto integrado de atividades e ativos capaz de ser conduzido e gerenciado para gerar retorno, na forma de dividendos, redução de custos ou outros benefícios econômicos, diretamente a seus investidores ou outros proprietários, membros ou participantes”. Não há modificação dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 23 29/5/2012 18:02:09 24 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA que paga prêmio sobre o valor justo antes da combinação das participações patrimoniais da outra entidade ou entidades combinantes. outra forma de se definir a adquirente é pelo porte relativo (de ativos, receitas ou lucros) que será significativamente superior ao da outra entidade ou das entidades combinantes; ou em caso que envolva mais de uma entidade combinante, a adquirente poderá ser aquela que começou a combinação, levando-se em consideraçãoo porte relativo das combinantes. Por outro lado, a entidade criada com o propósito de realizar a combinação de negócios não é necessariamente a adquirente do controle, que, nesse caso, será aquela que se enquadre em um dos pontos acima mencionados. b. AquiSiçõeS reverSAS Exemplo claro de aquisição reversa ocorre quando uma companhia fechada que quer abrir o capital tem suas ações incorporadas (ou adquiridas na linguagem genérica adotada na combinação de negócios) por uma companhia aberta. Nesse caso, a companhia aberta legalmente adquire a companhia fechada. Entretanto, para fins contábeis, a adquirente será aquela que se enquadra nas formas de controle mencionadas no parágrafo acima. A adquirente contábil, do exemplo acima, será a companhia fechada, e a adquirida contábil a companhia aberta. Deve-se acrescentar ainda que a adquirida contábil deverá atender à definição de negócio para que a transação seja contabilizada como uma aquisição reversa. Na aquisição reversa, a adquirente contábil não emite contrapartida pela adquirida. A adquirida contábil emite ações aos proprietários da adquirente contábil. A determinação do valor justo na data de aquisição da contrapartida transferida pela adquirente contábil, por sua participação na adquirida contábil, será baseada no número de participações patrimoniais que a controlada legal teria que ter emitido para dar aos proprietários da controladora legal o mesmo percentual de participação patrimonial na entidade combinante que resulta da aquisição reversa. Assim, o valor justo do número de participações patrimoniais calculado dessa forma pode ser usado como o valor justo da contrapartida transferida em troca da adquirida. Em diversos casos, alguns dos proprietários da adquirida legal (adquirente contábil) podem não trocar participações patrimoniais por participações patrimoniais da controladora legal (adquirente contábil). Nesse caso, esses proprietários são tratados como participação não-controladora. As demonstrações financeiras elaboradas após uma aquisição reversa são emitidas em nome da controladora legal (adquirida contábil), constando nas Direito Tributário Societário Vol. III.indd 24 29/5/2012 18:02:09 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 25 notas explicativas a continuação das demonstrações financeiras da controlada legal (adquirente contábil), com um ajuste retroativo no capital legal da adquirente contábil para refletir o capital legal da adquirida contábil. As demonstrações financeiras consolidadas deverão representar a continuação das demonstrações financeiras da controlada, exceto na estrutura de capital. c. oPerAçõeS SocietáriAS A obtenção do controle de um negócio pode ser alcançada de diversas formas, quais sejam: (i) pela aquisição de participação (originária ou derivada) societária que garante o controle do capital social de outra entidade; (ii) pela compra de todos ou parte dos seus ativos com assunção ou não de parte ou do todo de seus passivos; (iii) pela incorporação das ações de uma entidade; (iv) pela incorporação de uma entidade; (v) pela fusão; (vi) pela cisão para atingir as hipóteses anteriores ou, ainda, (vii) pela aquisição, por qualquer outra forma, de alguns dos ativos líquidos que, em conjunto, formem um ou mais negócios. A combinação de Negócios pode tornar-se também efetiva por meio (i) de emissão de títulos representativos do capital próprio (emissão de ações como forma de pagamento) para entrega aos acionistas ou cotistas da entidade adquirida; (ii) de transferência de ativos (caixa, equivalentes de caixa ou outros ativos líquidos); (iii) de operações de cisão, fusão, incorporação ou incorporação de ações; (iv) de simples aquisição de participação societária mediante o pagamento em caixa ou assunção de obrigações e, ainda, (v) de uma combinação dessas ou outras alternativas. Assim, dito de outra forma, a combinação de Negócios pode ser estruturada de diversas formas por razões legais, podendo envolver (i) a compra por parte de uma entidade do capital próprio de outra entidade; (ii) a compra de todos os ativos líquidos de outra entidade; (iii) a assunção de passivos de outra entidade, ou (iv) a compra de alguns dos ativos líquidos de outra entidade que em conjunto formem um ou mais negócios. Pode tornar-se efetiva (i) pela emissão de ações; (ii) pela transferência de caixa; (iii) pela transferência de equivalentes de caixa ou outros ativos, ou (iv) por uma combinação destes. A transação pode ser (i) entre os acionistas das entidades sob controle comum ou (ii) entre uma entidade e os acionistas de outra entidade. Pode envolver o estabelecimento de uma nova entidade para (i) controlar as entidades sob controle comum; (ii) deter os ativos líquidos transferidos, ou (iii) realizar Direito Tributário Societário Vol. III.indd 25 29/5/2012 18:02:10 26 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA a reestruturação de uma ou mais das entidades concentradas. A combinação de Negócios pode resultar em relação entre controladora e contraladas, na qual a adquirente é a controladora e a adquirida a controlada. Nessas circunstâncias, a adquirente aplicará o IFRS 3 nas suas demonstrações financeiras consolidadas. Deverá ser incluído o interesse na adquirida como um investimento numa controlada em qualquer demonstração financeira separada que emita8. d. determinAção dA dAtA dA reAlizAção dA combinAção de negócioS e Seu vAlor A data efetiva de aquisição de uma combinação de negócios é aquela em que a adquirente obtém o controle da adquirida ou dos negócios. Em regra, é a data em que a adquirente transfere ao antigo proprietário da adquirida, como forma de pagamento, os valores negociados para a aquisição, mediante pagamento em caixa, assunção de obrigações, emissão de instrumentos patrimoniais (podendo ser em forma de emissão de ações) ou de dívida, ou outros, adquire os ativos e assume os passivos da adquirida, denominada normalmente como a data do fechamento. Por outro lado, a adquirente poderá obter controle em uma data anterior ou posterior à data de fechamento. Nesse caso, a data de aquisição será anterior ou posterior, devendo refletir exatamente o momento da aquisição do controle. A adquirente é a entidade que obtém o controle da adquirida, enquanto a adquirida é o negócio ou são os negócios sobre o(s) qual(is) a adquirente obtém controle em uma combinação de negócios. o valor justo de determinado ativo é o valor pelo qual esse ativo pode ser negociado entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação da transação ou que caracterizem uma transação compulsória. Assim, o adquirente de um negócio deve reconhecer os ativos adquiridos pelos seus valores justos na data de aquisição e divulgar informações que permitam avaliação financeira pelo mercado da natureza e efeitos da aquisição. Em caso de combinação de negócios, dever-se-á aplicar o método de aquisição, exceto em se tratando de combinação de negócios que envolvam entidades ou negócios sobre controle comum. 8 Ver IAS 27 Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 26 29/5/2012 18:02:10 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 27 e. o Sentido dA exPreSSão negócio. Negócio, em sentido amplo, seria o conjunto integrado de atividades e passíveis de serem conduzidos e administrados com a finalidade de fornecer diretamente, para investidores e/ou outros proprietários, acionistas ou participantes, retorno sob a forma de dividendos, redução de custos ou outros benefícios econômicos. Assim, formações de um empreendimento em conjunto ou aquisição de um ativo ou grupo de ativos que não constituem um negócio não caracterizam combinação de negócios. Negócio consiste em insumos ou processos aplicados a esses insumos, que possuem capacidade de gerar produção que não necessariamente através de umconjunto integrado. Assim, insumo seria o recurso econômico que gere ou que tenha a capacidade de gerar produção quando um ou mais processos são aplicados a ele. o processo seria o sistema, padrão, protocolo, convenção ou regra que, quando aplicados a um insumo ou insumos, ferem ou tenham a capacidade de gerar produção. o conjunto de atividades ou ativos para serem conduzidos e gerenciado spara um fim deverá conter dois elementos, quais sejam, insumos e processos que, aplicados, serão utilizados para gerar produção. Um negócio não precisa incluir todos os insumos e processos utilizados pela adquirida na sua produção, mas a parcela que for capaz de gerar produção. os negócios estabelecidos em geral possuem poucos insumos e processos, e uma única produção ou produto. A existência de passivo não é essencial para a definição de negócio. Em sua obra Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia, JoSÉ LUIZ BULhÕES PEDREIRA ensina, em diversas passagens, que “os recursos naturais e de capital são usados como fontes de serviços produtivos e de consumo.”9 [...] “A atividade produtiva consiste em combinar serviços de fatores de produção para criar bens econômicos e seu exercício pressupõe a organização de unidades de produção, ou conjuntos de recursos humanos, de capital e naturais, empregados, de modo permanente ou duradouro, com 9 BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e demonstrações financeiras da companhia: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 63. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 27 29/5/2012 18:02:10 28 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA esse fim.”10 [...] “A palavra produção significa tanto a atividade produtiva quanto seu efeito – que são bens econômicos. A atividade produtiva é a ação que cria fluxos de serviços desde os recursos originais (naturais e humanos) até os bens de que o indivíduo ou grupo social pode extrair mediante ato de consumo – serviços utilizados como meios.” [...] “Em hipótese-limite, a atividade produtiva pode consistir apenas na ação do agente que, sem utilizar recursos naturais ou de capital, cria serviços pessoais consumidos por ouro indivíduo ou por grupo social.”11 De forma brilhante, BULhÕES PEDEREIRA resume a função instrumental dos sistemas abertos: “Quando procuramos identificar a característica comum aos diversos tipos ou modelos de sistema em relação aos quais empregamos a palavra ‘economia’, verificamos que todos são abertos, isto é, mantêm relações de troca com o ambiente, do qual recebem ‘inputs’ que utilizam para produzir ‘outputs’”.12 Destarte, na definição de negócios para fins da combinação deve-se verificar se os inputs (insumos) aplicados pelo processo na atividade produtiva são capazes de produzir os outputs. Em caso positivo, estaremos diante de um negócio. F. identiFicAção e menSurAção doS AtivoS Na combinação de negócios identifica-se um adquirente, que é a entidade que obtém o controle do outro negócio, neste caso, a adquirida. os ativos e passivos deverão ser identificados e mensurados, bem como qualquer participação não-controladora na adquirida, e deverão ser reconhecidos conforme os princípios do Pronunciamento. A classificação ou designação desses itens deve ser feita de acordo com os termos contratuais, com as condições econômicas, políticas, operacionais ou contábeis da adquirente e demais fatores existentes na data da aquisição. cada ativo ou passivo deve ser identificsdo e mensurado pelo seu valor justo na data da aquisição. Qualquer participação não-controladora em uma adquirida é mensurada conforme valor justo ou como a parcela proporcional da participação não- controladora sobre ativos líquidos identificáveis. 10 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 63. 11 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., pp. 261–262. 12 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 17. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 28 29/5/2012 18:02:11 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 29 No IFRS 3, existem exceções limitativas ao princípio de reconhecimento e mensuração, tais como: (a) arrendamentos e contratos de seguros que devem ser classificados com base nos termos contratuais e em outros fatores existentes no momento da celebração do contrato (ou quando os termos forem alterados), e não com base em fatores existentes na data da aquisição; (b) passivos contingentes, assumidos em uma combinação de negócios, que constituam uma obrigação presente e que possam ser mensurados de forma confiável, são reconhecidos; (c) ativos e passivos que devem ser reconhecidos ou mensurados de outra forma em outro pronunciamento13 e não pelo valor justo; (d) quando há requisitos especiais para a mensuração de um direito readquirido, e (e) ativos de indenização são reconhecidos e mensurados de uma forma que seja consistente com o item sujeito à indenização, ainda que essa mensuração não represente o valor justo. 4. reconhecimento e menSurAção do ágio ou gAnho em umA comPrA vAntAjoSA A adquirente, tendo reconhecido os ativos identificáveis, os passivos e quaisquer participações não-controladoras, deverá identificar: (a) o total da contrapartida transferida, qualquer participação não-controladora na adquirida e, em uma combinação de negócios realizadas em etapas, o valor justo na data da aquisição da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida, e (b) os ativos líquidos identificáveis adquiridos. o excedente entre “a” e “b”, ou seja, se “a” for maior que “b”, será geralmente reconhecida como ágio. Por seu turno, se a adquirente tiver obtido um ganho em razão de compra vantajosa, ou seja, se houver um excedente entre diferença de “b” menos “a”, esse ganho será reconhecido no lucro ou prejuízo na data de aquisição. o ganho deverá ser atribuído à adquirente. A. comPrA vAntAjoSA e reconhecimento do gAnho Pode ocorrer que a adquirente realize uma compra vantajosa, que consiste na combinação de negócios em que o valor dos ativos líquidos identificáveis 13 Os ativos e passivos afetados são aqueles enquadrados na IAS 12 – Imposto sobre Renda, na IAS 19 – Benefícios aos Empregados, na IFRS 2 – Pagamento baseado em ações e na IFRS 5 – Ativos não correntes mantidos para venda e operações descontinuadas. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 29 29/5/2012 18:02:11 30 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA adquiridos exceda o valor total da contrapartida transferida, qualquer participação não-controladora na adquirida e, em uma combinação de negócios realizadas em etapas, o valor justo na data da aquisição da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida. Antes de reconhecer o ganho na compra vantajosa, a adquirente deverá reavaliar os ativos adquiridos e passivos assumidos, reconhecendo quaisquer por ventura ativos ou passivos adicionais identificados. Se esse excedente subsistir após a reavaliação pela adquirente, o ganho será atribuído à adquirente. o objetivo da revisão é garantir a mensuração adequada de todas as informações disponíveis na data da aquisição. Assim, a adquirente deverá revisar os procedimentos utilizados para mensuração dos valores na data da aquisição referente (i) aos ativos identificáveis adquiridos e passivos assumidos; (ii) à participação não-controladora na adquirida, se houver; (iii) à participação patrimonial detida anteriormente no caso de combinação realizada em etapas, bem como (iv) à contrapartida transferida. A contrapartida ou contraprestação transferida em uma combinação de negócios será mensurada pelo valor justo, calculado pela soma dos valores justos na data de aquisição (i) dos ativos transferidos; (ii) dos passivos incorridos pela adquirente devidos aos antigos proprietários das adquirida, ou (iii) das participações patrimoniais emitidas pela adquirente. A contraprestação transferida poderá incluir ativos ou passivos da adquirente, cujos valores contábeis sejam diferentes dos valores justos na datade aquisição, como, por exemplo, transferência de um negócio da adquirente ou ativos não-monetários – intangíveis. A adquirente deverá, nesse caso, mensurar os ativos e passivos transferidos a seus valores justos na data da aquisição e, assim, reconhecer os ganhos ou perdas adicionais resultantes, se houver lucro ou prejuízo. Quando os ativos ou passivos permanecerem dentro da entidade combinada (e.g.: os ativos permanecem na adquirida e não vão para os antigos proprietários), a adquirente mensurá-los-á por seus valores contábeis imediatamente antes da data de aquisição, e não reconhecerá no lucro ou prejuízo um ganho ou perda adicionais sobre os ativos ou passivos que controlar, tanto antes quanto após a combinação de negócios. Não se deve reconhecer ganho ou perda sobre ativos ou passivos que a adquirente já controlava antes e continua a controlar após a combinação de negócios. A contrapartida para a adquirente pode incluir qualquer ativo ou passivo que tenha uma contrapartida contingente. Nesse caso, a adquirente reconhecerá Direito Tributário Societário Vol. III.indd 30 29/5/2012 18:02:11 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 31 o valor justo na data da aquisição da contrapartida contingente como parte da contrapartida transferida em troca da adquirida. A obrigação de pagamento será classificada como um passivo ou como patrimônio. A adquirente classificará o direito à devolução de uma contrapartida anteriormente transferida como ativo se as condições preestabelecidas forem atendidas. o valor justo poderia ser definido como o valor pelo qual um ativo poderia ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e interessadas em uma transação em condições de mercado. Pode ocorrer casos em que a adquirente obtém o controle de uma adquirida sem transferir contrapartida. Nesse caso, o método de aquisição é aplicado. Nessas circunstâncias incluem: (a) a recompra das próprias ações para que um investidor existente (adquirente) obtenha o controle; (b) a perda de direitos de veto minoritários que impediam o controle pela adquirente, apesar de deter a maioria das ações, e (c) a combinação de negócios concertada por contrato entre adquirente e adquirida – a adquirente não transfere nenhuma contrapartida em troca do controle da adquirida e não detém nenhuma participação patrimonial na adquirida, seja na data de aquisição ou anteriormente a essa data, tal como no caso de acordo de associação. Na combinação de negócio sem transferência de contrapartida inicial, a adquirente deve substituir o valor justo na data da aquisição de sua participação na adquirida pelo valor justo na data de aquisição da contrapartida transferida para mensurar o ágio ou ganho em um compra vantajosa. Na combinação de negócios na qual o adquirente e a adquirida (ou seus antigos proprietários) trocarem apenas participações patrimoniais, o valor justo, na data de aquisição das participações patrimoniais da adquirida pode ser mensurado de forma mais confiável que o valor justo na data de aquisição das participações patrimoniais da adquirente. A combinação de negócios realizada em etapas ou estágios é aquela em que a adquirente já tinha uma participação patrimonial (que foi adquirida em uma ou mais transações), que não lhe garantia o controle e, em determinada data, a adquirente acresce, à sua participação inicial, uma participação adicional que lhe garanta o controle da adquirida. Nesse caso, ocorre combinação realizada em etapas ou estágios. A adquirente deverá mensurar a sua participação patrimonial inicial na adquirida pelo seu valor justo na data da aquisição e deverá reconhecer o ganho ou a perda, se houver, no lucro ou prejuízo. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 31 29/5/2012 18:02:12 32 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA A mudança da posição de investimento não-controlador para investimento controlador é significativa na natureza desse investimento e nas circunstâncias econômicas que o envolvem. É necessário que a adquirente remensure o investimento na adquirida por seu valor justo na data da aquisição, para reconhecimento de qualquer ganho ou perda nos ganhos, desde que claramente divulgado nas demonstrações financeiras ou nas notas explicativas. o reconhecimento do ganho ou perda em uma compra é consequência natural, conforme auferido ou incorrido. A não-exigência de aplicação do valor justo tem por consequência o reconhecimento econômico tardio do ganho ou da perda. Se esse ativo fosse mensurado pelo valor justo ao final de cada período de relatório, o ganho ou a perda teriam sido reconhecidos conforme auferido ou incorrido. Sua mensuração por valor justo na data da aquisição não resultaria em nenhum ganho ou perda adicionais. b. Período de menSurAção o período de mensuração ocorrerá após a aquisição. É um período razoável para a adquirente levantar informações necessárias para identificar e mensurar os ativos identificáveis adquiridos, a contrapartida transferida e o ágio resultante ou o ganho em uma compra vantajosa. Se essas informações não estiverem disponíveis na data da aquisição, a adquirente deverá determinar e reconhecer valores provisórios até que as informações necessárias se tornem disponíveis. Esse período se encerra a partir do momento em que a adquirente recebe as informações necessárias sobre fatos e circunstâncias existentes na data de aquisição ou toma conhecimento de que as informações não podem ser obtidas. Entretanto, esse período não deve exceder um ano da data de aquisição. os ajustes ajudam a resolver as preocupações referentes à qualidade e à disponibilidade de informações na data da aquisição quanto aos valores justos. A preocupação é ainda maior quanto a passivos contingentes e à contrapartida contingente, que podem afetar o valor do ágio ou do ganho reconhecido em uma compra vantajosa. o objetivo do período de mensuração é proporcionar um período para obtenção de informações necessárias para mensurar o valor justo do ativo na data de aquisição. A determinação de liquidação final de contingência ou de outro item não são essenciais, pois incertezas sobre a época e o valor de fluxos de caixa fazem parte da mensuração do valor justo de ativos e passivos. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 32 29/5/2012 18:02:12 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 33 5. divulgAçõeS A adquirente deverá divulgar as informações referentes à combinação de negócios, de forma que o mercado em geral possa avaliar sua natureza e o efeito financeiro ocorrido durante o período de relatório financeiro ou após a data do relatório. Mas, tudo isso, antes da emissão das demonstrações financeiras. os ajustes decorrentes de combinação de negócio ocorridas no período corrente ou em períodos anteriores deverão ser divulgados ao mercado. Quando a data da aquisição de combinação de negócios for posterior ao final do período de reporte, mas antes de as demonstrações contábeis estarem autorizadas para publicação, o adquirente deve divulgar as informações requeridas conforme exporemos em seguida, a menos que a contabilização inicial da combinação estiver incompleta no momento em que as demonstrações contábeis forem autorizadas para publicação. Nessa situação, o adquirente deve descrever quais divulgações não puderam ser feitas e as respectivas razões para tal. 6. deSágio ou gAnho nA comPrA vAntAjoSA o ágio reconhecido em uma combinação de negócios é a diferença entre o valor pago ou compromissos por pagar (ou valores a pagar, podendo ser também a aquisição por meio de emissão de ações da adquirente) e o montante líquido do valor justo dos ativos e passivos da entidade e/ou negócios adquiridos. o ágio representa um pagamento realizado entre partes independentes vinculado à efetiva alteração de controle e corresponde a uma antecipação dos benefícios econômicos futuros a serem gerados por ativos, por fatores que não podem ser identificadosindividualmente e reconhecidos separadamente. Assim, os benefícios econômicos podem advir da sinergia entre os ativos identificáveis adquiridos ou de ativos que, individualmente, não se qualificam para reconhecimento em separado nas demonstrações contábeis, mas pelos quais a adquirente efetuou um pagamento (em caixa ou por meio de emissão de instrumentos patrimoniais ou de dívida) por ocasião da combinação de negócios. Por seu turno, o deságio reconhecido em uma combinação de negócios é representado pela diferença negativa entre o valor pago (ou valores a pagar) e o montante líquido do valor justo dos ativos e passivos adquiridos. A compra vantajosa é uma aquisição de oportunidade onde o valor global de aquisição suplanta a soma algébrica dos valores justos dos ativos líquidos adquiridos, Direito Tributário Societário Vol. III.indd 33 29/5/2012 18:02:12 34 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA por ser uma transação em condições de venda forçada ou outra razão, mesmo que a transação se dê entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação da transação ou que caracterizem uma transação compulsória. Determinou o art. 20 do Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, que o custo de aquisição de participação em uma sociedade por outra deve ser desdobrado, apontando-se o valor de Patrimônio Líquido contábil (PLc) do investimento, e a diferença entre esse número e o custo de aquisição14. Referida diferença constituía o ágio (quando custo de aquisição for maior que o PLc) ou deságio (quando o custo de aquisição for menor que o PLc). Quando o custo de aquisição era maior que o PLc, gerando, portanto, ágio, este se justificava pela expectativa de rentabilidade futura.15 o ágio (valor pago – PLc) transformava-se, então, “em um ativo diferido da incorporadora, o qual continuava a ser amortizado mensalmente no mesmo ritmo previsto para a amortização do ágio que lhe deu origem.”16 Quando o custo de aquisição era menor que o PLc, gerava-se um deságio, presumindo-se que a companhia adquirente fez um bom negócio, denominado, portanto, compra vantajosa. o deságio, por sua vez, ocorre quando o valor líquido dos ativos identificáveis e passivos assumidos exceder (i) a contraprestação transferida em troca do controle da adquirida, para a qual se exige o “valor justo na aquisição”, somada ao (ii) montante de qualquer participações de não controladores na adquirida, se houver, e ao (iii) valor justo, na data da aquisição, da participação do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação, em caso de combinação de negócios realizada em estágios. Por outro lado, com a convergência com o IFRS, o ágio passou a ser a diferença entre o valor efetivamente pago e o “valor justo” do bem adquirido. 14 A norma foi reproduzida no art. 385 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 (Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99). 15 Nos termos exatos do CPC 04: “O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) reconhecido em uma combinação de negócios é um ativo que representa benefícios econômicos futuros gerados por outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, que não são identificados individualmente e reconhecidos separadamente”. 16 BRIGAGÃO, Gustavo, e SCHARFSTEIN, Carlos. Aproveitamento fiscal de ágio fundamentado em perspectiva de rentabilidade futura, in ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 257. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 34 29/5/2012 18:02:12 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 35 A. comPrA vAntAjoSA As compras vantajosas são consideradas operações anômalas. Normalmente, não há transações em que proprietários vendem consciente e voluntariamente ativos ou negócios a preços abaixo de seus valores justos. Por seu turno, podem existir hipóteses em que isso ocorra, tais como liquidação forçada ou venda por necessidade na qual os proprietários precisam vender um negócio com mais rapidez, o que pode resultar em um preço inferior ao valor justo. o ganho econômico é inerente em uma compra vantajosa. Isso ocorrerá quando, na data da aquisição, a adquirente tem um ganho no valor pelo qual o valor justo do que é adquirido excede o valor justo da contrapartida transferida. Entretanto, a aparência de uma compra vantajosa sem evidência das razões subjacentes é preocupante, pois poderia ser decorrente da existência de erros de mensuração do ativo ou negócio. Em razão disso, sugere-se que seja verificado se houve erros na mensuração dos valores justos da contrapartida paga pelo negócio e dos ativos adquiridos ou dos passivos assumidos. Nesse sentido, deve-se distinguir entre o que seja compra vantajosa ou erros de mensuração. os erros de mensuração, intencionais ou não, podem ser minimizados por controle interno e uso de peritos ou empresas avaliadoras e auditores externos. o IFRS optou por normatizar, pois normas para evitar abusos inevitavelmente cancelariam a neutralidade. Exige-se que a adquirente reavalie se tinha identificado corretamente todos os ativos adquiridos e passivos assumidos antes de reconhecer o ganho de uma compra vantajosa. Tal reavaliação compreenderia os ativos adquiridos e passivos assumidos, bem como a participação não-controladora na adquirida (se houver), além da contrapartida transferida; e na combinação realizada em etapas, a reavaliação da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida. o objetivo é garantir que as informações disponíveis tenham sido adequadamente consideradas na identificação dos itens a serem mensurados e reconhecidos e na determinação dos valores justos. o ganho da compra vantajosa e o ágio não podem ser reconhecidos em uma mesma combinação de negócios. Assim, uma compra vantajosa é mensurada com o excedente do valor líquido dos valores na data de aquisição dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos sobre o valor justo na aquisição da contrapartida transferida, somados ao valor reconhecido de Direito Tributário Societário Vol. III.indd 35 29/5/2012 18:02:13 36 - ComBinAção de negóCioS: o gAnho por ComprA vAntAjoSA qualquer participação não-controladora na adquirida. Isso tudo se a transação for uma aquisição realizada em etapas, com valor justo na aquisição da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida. Assim, nenhum ágio poderá ser baixado se houver ganho. b. comPrA vAntAjoSA e reSultAdo de deSágio A questão relevante que se apresenta é saber se após a convergência com o IFRS poderia-se configurar a possibilidade de ocorrência de deságio vis-à-vis a compra vantajosa. Nesse sentido, pode-se afirmar que o deságio permanece como uma possibilidade (ainda que remota), tendo-se em vista que continua-se a exigir que determinados ativos adquiridos e passivos assumidos sejam mensurados por outros valores que não os seus valores justos na data da aquisição. Entretanto, por deficiência das exigências, no passado contabilizações de combinações de negócios levaram a resultados de deságio, ou seja, à aparência, mas não à essência econômica, de uma compra vantajosa. Nenhum passivo era reconhecido em pagamentos contingentes na data de aquisição, o que poderia resultar na aparência de uma compra vantajosa pela subavaliação da contrapartida paga. os passivos, agora, devem ser mensurados e reconhecidos por seus valores justos na data da aquisição. o deságio também pode ocorrer quanto às expectativas de uma compradora em relação a perdas futuras e sua necessidade de incorrer custos futuros para tornar um negócio viável. Nessa hipótese, a compradora estaria disposta a pagar um valor inferior ao valor justo da adquirida (ou ativos líquidos identificáveis) para obtenção de retorno justo sobre o negócio; a compradora precisaria efetuar investimentos adicionaisno negócio para levá-lo à condição de valor justo. os valores justos são mensurados por referência a compradores e vendedores não relacionados que sejam conhecedores e tenham um entendimento comum sobre os fatores referentes para o negócio e para a transação e que também desejem e estejam preparados para a realização do negócio com capacidade legal e financeira. A coação para a realização, apesar da preocupação da possibilidade de sua ocorrência, seria mitigada em razão da aplicação cautelosa das exigências de mensuração do valor justo, o que levaria à interpretação adequada do deságio; ao invés de levar a uma transação de compra vantajosa. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 36 29/5/2012 18:02:13 AlexAndre Couto SilvA & otávio vieirA BArBi - 37 7. concluSão o ganho referente à compra vantajosa foi introduzido nas práticas contábeis brasileiras em razão do processo de convergência dessas práticas contábeis com normas internacionais de contabilidade do IFRS. Foi um passo importante, pois, no passado, mesmo em se tratando de processos de combinação de negócios envolvendo partes conhecedoras, independentes entre si e interessadas em uma transação em condições de mercado (merge of equals), havia um entendimento da cVM e das práticas contábeis de que essa diferença resultante da combinação de negócios por compra vantajosa deveria ser registrada como deságio na adquirente. com o processo de convergência com as normas internacionais de contabilidade, o adquirente passou, diferentemente do tratamento anterior, a ter a obrigação de reconhecer o ganho resultante no resultado na data da aquisição, devendo esse ganho ser atribuído ao adquirente. A entidade adquirente, ao contabilizar combinação de negócios anteriores à vigência do cPc 15, poderá ter reconhecido um deságio por expectativa de prejuízos futuros (diferença negativa entre o custo da participação adquirida e a parte da adquirente no valor justo dos ativos líquidos da adquirida) ou por compra vantajosa. Se isso ocorrer, a entidade adquirente deverá baixar o valor contábil desse deságio no início do primeiro período de reporte anual em que o cPc 15 foi aplicado e fazer o ajuste correspondente em lucros acumulados no balanço patrimonial de abertura naquela data. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 37 29/5/2012 18:02:13 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 38 29/5/2012 18:02:13 Capítulo II O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da antonio Reinaldo Rabelo Filho Especialista em Direito Tributario pelo IBET Especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC-RJ Mestre em Direito Tributario pela PUC/SP Membro da ABDF Advogado Thalles eduardo Silva Gracelacio da Paixão Membro da ABDF Advogado Direito Tributário Societário Vol. III.indd 39 29/5/2012 18:02:13 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 40 29/5/2012 18:02:14 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 41 introdução como é cediço, a Lei nº 11.638/07, resultante do Projeto de Lei nº 3.741/001, introduziu importantes alterações no texto da Lei nº 6.404/76, tendo por objetivo principal adequar as práticas contábeis brasileiras àquelas ditadas pelo International Accounting Standards Board (IASB) e observadas internacionalmente. A conclusão de tal processo de harmonização das práticas contábeis, dentre os seus principais efeitos, será o aumento da transparência das informações divulgadas pelas companhias em geral, o que possibilitará a comparabilidade das demonstrações financeiras das empresas nacionais com aquelas divulgadas por empresas estrangeiras. Isso, sem dúvida, será um importante facilitador da análise das informações por seus usuários. Por outro lado, por conta do lapso de tempo necessário à tramitação do projeto no congresso Nacional, as alterações promovidas ao texto da Lei nº 6.404/76, a par dos inegáveis avanços, não eliminaram todas as barreiras que se impunham ao processo de convergência. De fato, as normas internacionais avançaram, enquanto o projeto manteve- se fiel às regras vigentes alhures à época de sua proposição, como bem advertem Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke2: “um problema surgiu do largo tempo que no então Projeto de Lei nº 3.741/00 levou no congresso para se transformar na Lei nº 11.638/07: as normas internacionais evoluíram, e sofreram grandes modificações em função inclusive da adesão da União Europeia, mas o projeto de Lei não capturou essas inovações. Assim, a Lei nº 11.638/07 trouxe grande evolução nas práticas contábeis no sentido da convergência internacional, mas com algumas defasagens e alguns conceitos ultrapassados.” 1 Sobre os objetivos buscados pelo referido projeto de lei, Hugo Rocha Braga e Marcelo Cavalcanti Almeida, atestam o seguinte: “A finalidade maior do Projeto de Lei nº 3.741/2000 era possibilitar a eliminação de algumas barreiras regulatórias que impediam a inserção total das companhias abertas no processo de convergência contábil internacional, além de aumentar o grau de transparência das demonstrações financeiras em geral, inclusive em relação às chamadas sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de sociedades por ações.” (BRAGA, Hugo Rocha e ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti In: Mudanças Contábeis na Lei Societária – Lei nº 11.638, de 28-12-2007. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 2.) 2 IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu e GELBCKE, Ernesto Rubens In: Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações (Aplicável às Demais Sociedades) – Suplemento Rumo às Normas Internacionais. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 5. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 41 29/5/2012 18:02:14 42 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA Nesse contexto de reforma, pontuado por um histórico em que a legislação contábil era pensada para refletir conceitos tributários, um dos pontos que mais chamaram a atenção dos seus críticos foram justamente os efeitos fiscais que poderiam advir dela. Não se pode negar que a Lei nº 11.941/09 avançou nesse sentido, além de haver, em seu corpo, instituído o Regime Tributário de Transição (RTT), permitindo a eliminação do maior dos obstáculos ao processo de convergência a partir da inserção de dispositivo expresso que garante a neutralidade da reforma em relação aos seus efeitos fiscais. Em que pese a clareza das regras que compõem o Regime Tributário de Transição – muito mais assertivas que aquela inserta no § 7º3, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.638/07 e revogado pela Lei nº 11.941/09 –, muitas discussões têm sido empreendidas quanto aos efeitos fiscais decorrentes do novo padrão contábil adotado no País. É justamente ao objetivo de analisar, de forma mais profunda e sem se descuidar dos motivos históricos e dos conceitos contábeis aplicáveis, que se dedica este estudo. com efeito, grande parte das sociedades anônimas valeu-se da autorização constante da Deliberação nº 603/094, da comissão de Valores Mobiliários (cVM), para apresentar os seus Formulários de Informações Trimestrais – ITR, no curso do exercício de 2010, conforme as normas contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2009. Não é por outro motivo que tendem, agora, a intensificar-se as discussões em torno dos pretensos efeitos fiscais das alterações contábeis aqui comentadas. 3 “Art. 177. (...) § 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.” 4 “Art. 1º Facultar às companhias abertas apresentar os seus Formulários de Informações Trimestrais – ITR durante o exercício de 2010 conforme as normas contábeis vigentes até 31 de dezembro de 2009. Art.2º As companhias abertas que fizerem uso da faculdade prevista no art. 1º devem: I – divulgar esse fato em nota explicativa aos ITR de 2010, com uma descrição das principais alterações que poderão ter impacto sobre as suas demonstrações financeiras do encerramento do exercício, bem como uma estimativa dos seus possíveis efeitos no patrimônio líquido e no resultado ou os esclarecimentos das razões que impedem a apresentação dessa estimativa; e II - reapresentar os ITR de 2010, comparativamente com os de 2009 também ajustados às normas de 2010, pelo menos quando da apresentação do primeiro ITR de 2011.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 42 29/5/2012 18:02:15 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 43 Nesse contexto, seja pela relevância das importâncias geralmente envolvidas, seja pelo histórico de autuações fiscais que vêm sendo formalizadas pelas autoridades fazendárias nos últimos anos ou simplesmente por conta da complexidade do tema, tem-se observado intensos debates quanto às novas regras5 incidentes sobre as operações que se enquadrem no conceito de “combinação de negócios”, principalmente no que tange à apuração do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura (goodwill). Sem esgotar o tema, que certamente ainda carecerá de muitos debates, intende, também, este trabalho, contribuir para a formação e a consolidação de um entendimento que parece ser aquele que melhor conforma as normas em vigor. Inovações quanto à Apuração do Ágio para Fins Societários como dito, o comitê de Pronunciamentos contábeis (cPc) editou o Pronunciamento Técnico nº 15, aprovado pela cVM por meio da Deliberação nº 580, em 31 de julho de 2009, com o objetivo de harmonizar o BRGAAP às normas editadas pelo IASB (notadamente a IFRS 03 – Business Combinations), no que se refere às operações que importem em combinação de negócios. Muitas foram as alterações empreendidas por esse pronunciamento, com impactos relevantes na apuração do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura (goodwill), para fins societários e comerciais. As alterações são de tal sorte profundas que, em certos casos, alargam o rol de operações aptas a fundamentar o registro de ágio por expectativa de rentabilidade futura, enquanto que, em outros, o restringem. A própria quantificação (mensuração inicial) e a amortização do goodwill (contábil) sofreram relevantes impactos. comenta-se, a seguir, algumas dessas alterações que, em nosso entendimento, têm despertado insegurança no meio jurídico, inseguranças que, como se disse, este estudo ousa contribuir para dissipar: 5 Especificamente sobre o Pronunciamento Técnico de nº 15, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, aprovado pela Resolução CVM nº 580/09. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 43 29/5/2012 18:02:15 44 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA inovações atinentes ao alcance: o cPc 15 (especificamente em seu item B5 e seguintes) “define uma combinação de negócios como uma operação ou outro evento em que o adquirente obtém o controle de um ou mais negócios”, sendo certo que, para tal fim, “um negócio consiste de inputs e processos (os processos são aplicados aos inputs) os quais têm a capacidade de gerar outputs.”. Especificamente quanto ao seu âmbito de aplicação, a nova norma contábil distancia-se de forma relevante das normas aplicáveis a sociedades anônimas que lhe antecederam, notadamente da Instrução cVM nº 247/96. Agora, não é só da aquisição de participações societárias que pode decorrer o registro de ágio por rentabilidade futura, mas também do controle de um negócio em sentido amplo. Por outro lado, o cPc 15 só é aplicável às operações que importem em aquisição do controle de um negócio. Assim é que a aquisição de participações societárias que não representem a aquisição do controle de um negócio, mesmo que permitam o registro e a mensuração do investimento pelo método da equivalência patrimonial, não está no âmbito de aplicação do referido pronunciamento técnico. As aquisições que não importem na aquisição do controle de uma sociedade (e que sucedam a aquisição do controle) constituem, sob a égide das regras contábeis internacionais e a teor do disposto nos itens 30 e 31 do cPc 36 (Demonstrações consolidadas)6, 65 e 66 do IcPc 09 (Demonstrações contábeis Individuais, Demonstrações Separadas, Demonstrações consolidadas e Aplicação do 6 “30. As mudanças na participação relativa da controladora sobre a controlada que não resultem em perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital (ou seja, transações com sócios, na qualidade de proprietários), e não no resultado ou no resultado abrangente. 31. Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da participação dos não controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas suas participações relativas na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação dos não controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser reconhecida diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora.” 7 “65. (...) as negociações subsequentes em que a controladora adquire, dos sócios não controladores desse mesmo patrimônio, novos instrumentos patrimoniais (ações ou cotas, por exemplo) de uma controlada, passam a se caracterizar como sendo transações entre a entidade e seus sócios, a não ser que seja uma alienação de uma investidora que caracterize a perda de controle de sua controlada. Ou seja, trata-se de operações que se assemelham àquela em que a entidade adquire ações ou cotas de seus próprios sócios. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 44 29/5/2012 18:02:15 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 45 Método de Equivalência Patrimonial)7, transações de capital. Da mesma forma, o cPc 15, em analise, de acordo com seu item 2, também não é aplicável à formação de empreendimentos controlados em conjunto (joint ventures) e à combinação de entidades ou negócios sob controle comum. Diante de tais alterações, é possível, por exemplo, a apuração de ágio por expectativa de rentabilidade futura (contábil) em operações que envolvam a aquisição de um estabelecimento comercial, desde que atendidas as demais condições impostas pelo cPc 15. Aqui já se percebe a nítida diferença dos objetivos das regras postas. como se disse acima, visa-se facilitar a analise das demonstrações financeiras e harmonizá-las em nível internacional. Para tanto, não se pode olvidar dos impactos que precisam ser refletidos nessas informações, por ocasião da ocorrência de operações societárias que alterem o controle de um negócio e, consequentemente, tragam ou tenham a aptidão de trazer reflexos relevantes na adquirente. Em outras palavras, as novas normas contábeis, conquanto subjetivizem mais a análise dos efeitos das operações societárias, a elas conferem uma maior transparência quanto aos seus reais efeitos. alterações Quanto à Mensuração inicial: A Instrução cVM de nº 247/96, em seu item 138, determinava o desdobramento do custo de aquisição de um investimento avaliado pelo método da equivalência patrimonial em sub-contas distintas destinadas ao registro dos seguintes componentes: 66. Por isso o Pronunciamento Técnico CPC 36 – Demonstrações Consolidadas requer, em seus itens 30 e 31, que as mudanças na participação relativa da controladora sobre uma controlada que não resultem em perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital (ou seja, transações com sócios, na qualidade de proprietários) nas demonstrações consolidadas. Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da participação dos não-controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas participações relativas das partesna controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação dos não-controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser reconhecida diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora, e não como resultado.” 8 “Art. 13 - Para efeito de contabilização, o custo de aquisição de investimento em coligada e controlada deverá ser desdobrado e os valores resultantes desse desdobramento contabilizados em sub-contas separadas: (i) Equivalência patrimonial baseada em demonstrações contábeis elaboradas nos termos do art. 10; e (ii) Ágio ou deságio na aquisição ou na subscrição, representado pela diferença para mais ou para menos, respectivamente, entre o custo de aquisição do investimento e a equivalência patrimonial.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 45 29/5/2012 18:02:16 46 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA (a) parcela do Patrimônio Líquido contábil (PLc) da investida equivalente ao percentual das ações/cotas representativas de seu capital social detido pelo investidor (equivalência patrimonial), e (b) ágio ou deságio, conforme o caso, correspondente à diferença entre o custo de aquisição e a importância contabilizada em conformidade com o item “a”, acima (equivalência patrimonial). Vale ressaltar que o ágio deveria (e ainda deve) ser ajustado em virtude das alterações no patrimônio líquido da investida decorrentes da harmonização das práticas contábeis adotadas por esta e pela adquirente. o ágio, tema central do presente estudo, nos termos do item 149, da referida Instrução cVM, deveria ser contabilizado com a indicação do fundamento econômico que lhe deu causa (dentre aquelas previstas nos §§ 1 º e 2º, do referido item), ou baixado, de imediato, como perda no resultado, se carente de uma das razões econômicas previstas no referido dispositivo. Em linhas gerais, o ágio poderia encontrar fundamento, para fins societários, nas seguintes razões de ordem econômica: (a) mais-valia dos ativos, realizável na proporção da amortização/depreciação/baixa do item 9 “Art. 14. O ágio ou deságio computado na ocasião da aquisição ou subscrição do investimento deverá ser contabilizado com indicação do fundamento econômico que o determinou. Parágrafo 1º O ágio ou deságio decorrente da diferença entre o valor de mercado de parte ou de todos os bens do ativo da coligada e controlada e o respectivo valor contábil, deverá ser amortizado na proporção em que o ativo for sendo realizado na coligada e controlada, por depreciação, amortização, exaustão ou baixa em decorrência de alienação ou perecimento desses bens ou do investimento. § 2º O ágio ou o deságio decorrente da diferença entre o valor pago na aquisição do investimento e o valor de mercado dos ativos e passivos da coligada ou controlada, referido no parágrafo anterior, deverá ser amortizado da seguinte forma: a) o ágio ou o deságio decorrente de expectativa de resultado futuro – no prazo, extensão e proporção dos resultados projetados, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento, devendo os resultados projetados serem objeto de verificação anual, a fim de que sejam revisados os critérios utilizados para amortização ou registrada a baixa integral do ágio; e b) o ágio decorrente da aquisição do direito de exploração, concessão ou permissão delegadas pelo Poder Público – no prazo estimado ou contratado de utilização, de vigência ou de perda de substância econômica, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento. § 3º O prazo máximo para amortização do ágio previsto na letra “a” do parágrafo anterior não poderá exceder a dez anos. Parágrafo 4º Quando houver deságio não justificado pelos fundamentos econômicos previstos nos parágrafos 1º e 2º, a sua amortização somente poderá ser contabilizada em caso de baixa por alienação ou perecimento do investimento. Parágrafo 5º O ágio não justificado pelos fundamentos econômicos, previstos nos parágrafos 1º e 2º, deve ser reconhecido imediatamente como perda, no resultado do exercício, esclarecendo-se em nota explicativa as razões da sua existência.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 46 29/5/2012 18:02:16 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 47 correspondente registrado na investida; (b) expectativa de rentabilidade futura, amortizável na proporção dos resultados projetados, em até 10 (dez) anos; ou (c) direitos de exploração, concessão ou permissão outorgados pelo Poder Público, amortizáveis no prazo estabelecido no instrumento que o formaliza. Assim é que, dito de forma sintética, antes da edição do cPc 15 o ágio registrado contabilmente, desde que fundamentado em uma das razões econômicas referidas nos §§ do item 14 da Instrução cVM de nº 247/96, deveria corresponder à diferença positiva entre os recursos empregados pelo adquirente na transação (custo de aquisição) e o percentual do patrimônio líquido contábil da sociedade investida atribuível à participação adquirida (uma vez harmonizadas as práticas contábeis aplicadas pela investidora e pela investida). com a edição do cPc 15, a apuração, para fins societários, do ágio (em geral) e, mais especificamente, do goodwill, não mais decorre do cotejo entre o custo de aquisição e o Patrimônio Líquido contábil (PLc) da investida. com efeito, o cPc 15 impõe às operações que se enquadrem no conceito de “combinação de negócios” uma avaliação com base no método da aquisição (purchase method)10, que compreende, nos termos dos itens 4 e 5 do referido pronunciamento, os seguintes procedimentos: “Método de aquisição 4. A entidade deve contabilizar cada combinação de negócios pela aplicação do método de aquisição. 10 Em que pese o método da aquisição importar na mensuração dos ativos e passivos que compõe o negócio adquirido pelo seu valor justo, para fins de apuração do montante a ser registrado em linha de investimento no ativo da adquirente e eventual goodwill (ou, conforme o caso, ganho por compra vantajosa), a combinação de negócios não afeta o valor do patrimônio líquido da sociedade adquirida. Ao contrário, as regras contábeis internacionais (editadas pelo IASB) não contemplam o chamado “push down accounting”, isto é, a transferência, para a contabilidade da sociedade investida, dos resultados obtidos na mensuração do valor justo de seus ativos e passivos em conexão a uma combinação de negócios. Esta constatação pode ser extraída do item 45, da Interpretação Técnica ICPC 09: “45. (...) internacionalmente, os princípios contábeis geralmente aceitos em alguns países admitem o tratamento do push down accounting, sempre em situações muito restritas, mas as regras internacionais de contabilidade do IASB não prevêem essa forma de contabilização. (...) Do ponto de vista contábil, e no nível de apresentação das demonstrações contábeis individuais da entidade adquirida, a troca de acionistas controladores não deve implicar no estabelecimento de uma nova base contábil dos ativos e passivos da adquirida ou na contabilização de ativos intangíveis antes inexistentes, ficando essa nova base de mensuração aplicável apenas no nível das demonstrações contábeis (individuais e consolidadas) da adquirente.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 47 29/5/2012 18:02:16 48 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA 5. A aplicação do método de aquisição exige: (a) identificação do adquirente; (b) determinação da data de aquisição; (c) reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias de não--controladores na adquirida; e (d) reconhecimento e mensuração do ágio por rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa.” [grifos nossos] com relação à identificação do adquirente e da data de aquisição do controle (letras “a” e“b”), via de regra, as operações não despertam maiores dificuldades ou discussões sob o prisma tributário. Adquirente é a entidade que obtém o controle11 do negócio adquirido (item 7 do cPc 15). Dúvidas podem surgir quanto à definição do adquirente, na hipótese em que se verifica a troca de participações societárias. No mais das vezes, em tais situações o emissor de instrumentos de participação societária deve ser apontado como adquirente (salvo nas aquisições reversas12). Data de aquisição, em linhas gerais, é “a data em que o adquirente obtém o controle da adquirida. Geralmente é a data em que o adquirente legalmente transfere a contraprestação pelo controle da adquirida, adquire os ativos e assume os passivos da adquirida – a data de fechamento do negócio” (cPc 15, item 9). 11 Consoante o disposto no item 4, do CPC 36 (Demonstrações Consolidadas): “Controle é o poder de governar as políticas financeiras e operacionais da entidade de forma a obter benefício das suas atividades.”. De forma mais detalhada, o item 13, do mesmo pronunciamento técnico, dispõe sobre as hipóteses em que se presume a existência do controle: “13. Presume-se que exista controle quando a controladora possui, direta ou indiretamente por meio de suas controladas, mais da metade do poder de voto da entidade, a menos que, em circunstâncias excepcionais, possa ficar claramente demonstrado que tal relação de propriedade não constitui controle. O controle também pode existir no caso de a controladora possuir metade ou menos da metade do poder de voto da entidade, quando houver: (a) poder sobre mais da metade dos direitos de voto por meio de acordo com outros investidores; (b) poder para governar as políticas financeiras e operacionais da entidade conforme especificado em estatuto ou acordo; (c) poder para nomear ou destituir a maioria dos membros da diretoria ou conselho de administração, quando o controle da entidade é exercido por esses órgãos; (d) poder para mobilizar a maioria dos votos nas reuniões da diretoria ou conselho de administração, quando o controle da entidade é exercido por essa diretoria ou conselho.” 12 Os itens B14 a B27 do CPC 15 fornecem os parâmetros para a definição do adquirente, inclusive nas aquisições reversas – operações em que a emissora dos instrumentos de participação societária figura como adquirida. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 48 29/5/2012 18:02:16 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 49 No que tange à mensuração do goodwill, as alterações mais drásticas e relevantes para os fins pretendidos no presente estudo, são aquelas que decorrem dos procedimentos indicados nas letras “c” e “d” do item 4 do cPc. com relação ao item “c”, devem ser reconhecidos pelo seu valor justo na data da aquisição, separadamente do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos assumidos e as participações detidas por não-controladores13. Mister se faz tratar cada um desses elementos de forma separada, a fim de facilitar sua compreensão: a) Reconhecimento de ativos identificáveis: como visto, o cPc 15 determina o reconhecimento, pelo adquirente, no âmbito de uma combinação de negócios, dos ativos identificáveis do negócio adquirido pelo seu valor justo. Quando a norma alude ao termo “identificáveis”, está referindo-se não só aos ativos registrados na contabilidade da adquirida, como também aos ativos não contabilizados. Eis o conceito atribuído ao termo “identificável”, pelo Apêndice A, do cPc 15: “Identificável: um ativo é identificável quando ele: (a) for separável, ou seja, capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou em conjunto com outros ativos e passivos ou contrato relacionado, independentemente da intenção da entidade em fazê-lo; ou (b) surge de contrato ou da lei, independentemente de esse direito ser transferível ou separável da entidade e de outros direitos e obrigações.” Nesse sentido, a parcela correspondente à diferença entre o valor contábil dos itens registrados no ativo da sociedade investida e o seu valor justo na data da aquisição, antes alocada na sub-conta de ágio fundado na “mais-valia de 13 Esta é a orientação que se extrai da conjugação dos itens 10, 18 e 19, do CPC 15: “10. A partir da data de aquisição, o adquirente deve reconhecer, separadamente do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos assumidos e quaisquer participações de não-controladores na adquirida. O reconhecimento de ativos identificáveis adquiridos e de passivos assumidos está sujeito às condições especificadas nos itens 11 e 12. 18. O adquirente deve mensurar os ativos identificáveis adquiridos e os passivos assumidos pelos respectivos valores justos da data da aquisição. 19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar qualquer participação de não-controladores na adquirida pelo valor justo dessa participação ou pela parte que lhes cabe no valor justo dos ativos identificáveis líquidos da adquirida.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 49 29/5/2012 18:02:17 50 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA ativos”, passa agora a compor o valor do próprio investimento registrado pela investidora. o valor de ativos não registrados na contabilidade da sociedade adquirida, eminentemente os intangíveis desenvolvidos internamente, de igual sorte, passam a compor o valor do investimento registrado pela adquirente pelo seu valor justo, desde que atendam ao requisito legal-contratual ou de separação. os requisitos não são cumulativos, o que significa dizer que intangíveis protegidos por lei (marcas, patentes, etc.) ou fundados em contratos (arrendamentos contratados em condições favoráveis, dentre outros)14, devem ser mensurados e reconhecidos no âmbito de uma combinação de negócios. De igual sorte, os intangíveis que possam ser separados ou divididos da sociedade e negociados no mercado devem ser mensurados pelo adquirente pelo seu valor justo. Vê-se, pois, que, para fins societários, não há mais registro, em conta de ágio, da mais-valia dos ativos adquiridos no âmbito de uma combinação de negócios, que passam a compor, na data da aquisição, o valor do investimento adquirido nas demonstrações individuais da adquirente. De fato, nesse particular, a adoção do cPc 15 potencialmente reduz o valor total do ágio (em sentido amplo) em comparação àquele apurado em conformidade com a Instrução cVM nº 247/96. Melhor dizendo, pode-se afirmar que, em razão da subjetividade que as novas normas contábeis trouxeram à avaliação de negócios, optou-se por ampliar o espectro das possibilidades que pudessem impactar o valor de um negócio, atribuindo no seu valor, neste intuito, efeitos mais aderentes à realidade do mercado. De fato, termos como “valor justo” ou “ativos intangíveis”, ou mesmo “ativos identificáveis fora da contabilidade da empresa”, todos, são termos de uma polissemia ímpar. como tais, abrem ao intérprete e ao aplicador da norma, uma função mais marcante em relação à interpretação e integração que se faz necessária para melhor aplicação da regra ao fato subjacente. 14 O item 33, do Apêndice B do CPC 15, traz os contornos do critério de separação: “B33. O critério de separação implica que o ativo intangível adquirido seja capaz de ser separado ou dividido da adquirida e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado individualmente ou junto com contrato, ativo ou passivo relacionado. O ativo intangível em que o adquirente é capaz de vender, licenciar ou trocar por outro recurso de valor, atende ao critério da separação, mesmo que o adquirente não pretenda vender, licenciar ou trocar esse ativo. O ativo intangível adquirido atende ao critério de separação quando existir evidênciasde operações de troca para esse tipo de ativo ou similar, mesmo que essas operações não sejam frequentes e independentemente de o adquirente estar, ou não, envolvido nessas operações.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 50 29/5/2012 18:02:17 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 51 A menor densidade normativa de referidos signos, realmente, abre nova dimensão para a sua interpretação e aplicação, o que, por certo, demandará, ao menos neste início, um maior acompanhamento e controle dos órgãos competentes. Por outro lado, não há como se negar que, no intuito de harmonizar as normas societárias internacionalmente e com a crescente globalização, o Brasil não poderia pretender isolar-se, mantendo-se o império dos registros contábeis e seus consectários como verdade absoluta e objetivo na avaliação de negócios. b) Reconhecimento dos Passivos assumidos: os passivos, a teor do já citado item 18 do cPc 15, devem ser reconhecidos pelo seu valor justo na data da aquisição. Note-se, nesse sentido, que, em conformidade com o disposto no item 22 da referida norma, o adquirente deve reconhecer passivos contingentes que constituam obrigações presentes decorrentes de eventos passados, cujos respectivos valores justos possam ser mensurados com confiabilidade, ainda que o risco correspondente não seja classificado como provável15. A aplicação do item 22 do cPc 15, portanto, potencialmente reduz o valor do patrimônio líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo, o que tem por efeito um proporcional aumento do goodwill (ou redução do ganho por uma compra vantajosa16) registrado numa combinação de negócio. c) Reconhecimento de Participações de Não-controladores: como já referido, a mensuração das participações detidas por não- controladores pode ser empreendida pelo adquirente com base no valor justo destas na data da aquisição. Isto é, tais participações atribuíveis a não- controladores (antes referidos como minoritários) podem ser mensuradas com base em sua cotação em mercado ativo – bolsa de valores, por exemplo – (item 19, item 44 e seguintes do Apêndice B, do cPc 15). Sendo opção do adquirente, as participações detidas por não-controladores podem ser mensuradas com base no percentual correspondente no patrimônio líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo. Sobre esses dois critérios 15 Vê-se que, nesse caso particular, os critérios de reconhecimento de passivos contingentes no âmbito de uma combinação de negócios sujeita aos ditames do CPC 15 são menos restritivos que aqueles veiculados pelo CPC 25. 16 Sobre o ganho decorrente de uma compra vantajosa (barganha), vide item 34 e seguintes do CPC 15. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 51 29/5/2012 18:02:17 52 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA de mensuração, confira as conclusões extraídas do Manual de Normas Internacionais de contabilidade, resultado de estudo levado a efeito por Ernst & Young e FIPEcAFI17: “A participação dos não controladores (minoritários) deve ser mensurada, ou pelo seu valor justo na data da aquisição ou pela aplicação do seu percentual de participação sobre o valor justo dos ativos líquidos identificáveis da adquirida. A diferença entre os métodos de mensuração ocorre quando a adquirente optar por mensurar o valor justo das ações dos não controladores, como por exemplo com base nos preços de cotação de um mercado ativo. Esse valor pode diferir do valor da participação dos não controladores sobre os ativos líquidos da adquirida, cujos valores justos foram avaliados pela adquirente.” [sic] Assim é que, uma vez mensurada a participação atribuível a não- controladores pelo sua cotação em mercado ativo, o valor justo por ação integrante do bloco de controle será maior18. Nas hipóteses em que o valor unitário por ação integrante do bloco de controle for maior que aquele atribuível às ações detidas por minoritários, em decorrência de sua mensuração com base em sua cotação em mercado ativo, o valor do goodwill tende a ser reduzido (ou, conforme o caso, o ganho pela compra vantajosa tende a aumentar). A Instrução cVM nº 247/96 não abria essa possibilidade, na medida em que, em qualquer caso, a participação atribuível ao controlador era mensurada pelo valor patrimonial das ações integrantes do bloco de controle. d) Reconhecimento do Goodwill: Para fins contábeis, em conformidade com Apêndice A do cPc 15, o ágio fundado em rentabilidade futura (goodwill) é definido como “um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos em combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos.” 17 MACHADO, Paulo José; MORAES, Wilson José Osório e RELVAS, Tânia Regina Sordi. In: Manual de Normas Internacionais de Contabilidade, Capítulo 15: “IFRS 3 – Combinações de Negócios”, Editora Atlas, São Paulo: 2009, p.193. 18 Essa conclusão pode ser extraída do item 45 do Apêndice B, do CPC 15: “B45. O valor justo por ação da participação do controlador pode ser diferente do valor justo por ação da participação de não-controladores. A principal diferença, provavelmente, decorre do prêmio pelo controle incluído no valor justo por ação da participação do adquirente na adquirida ou, de forma contrária, do desconto por ausência de controle no valor justo por ação da participação de não-controladores.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 52 29/5/2012 18:02:17 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 53 o goodwill é, pois, representado por intangíveis que não atendam ao requisito legal-contratual ou de separação, sinergias entre os negócios combinados e outros elementos tendentes a resultar em benefícios econômicos futuros. o goodwill, nos termos do item 32 do cPc 15, é mensurado pelo adquirente da seguinte forma: “32. o adquirente deve reconhecer o ágio por rentabilidade futura (goodwill), na data da aquisição, mensurado como o valor em que (a) exceder (b) abaixo: (a) a soma: (i) da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida, mensurada de acordo com este Pronunciamento, para a qual geralmente se exige o valor justo na data da aquisição (veja item 37); (ii) do valor das participações de não controladores na adquirida, mensuradas de acordo com este Pronunciamento; e (iii) no caso de combinação de negócios realizada em estágios (veja itens 41 e 42), o valor justo, na data da aquisição, da participação do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação; (b) o valor líquido, na data da aquisição, dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos, mensurados de acordo com este Pronunciamento.” [sic] Por fim, o goodwill, registrado em conta integrante do ativo intangível, não deve ser amortizado, sujeitando-se, contudo, à realização periódica de testes de imparidade regulados pelo cPc 01 (Redução ao Valor Recuperável de Ativos). Essa é a orientação que se subsume do item 50 do Pronunciamento cPc 13 (Adoção Inicial da Lei nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/09)19. Diante das regras acima referidas (mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, passivos assumidos, participação de não-controladores e do goodwill ou ganho decorrente de uma compra vantajosa, é possível constatar que a 19 “50. À luz da necessidade de equalização mencionada no item anterior, determina este Pronunciamento que o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) passe a deixar de ser sistematicamente amortizado a partir do exercício social que se inicia em 1º de janeiro de 2009 ou após. Ressalta-se, todavia, que esse ágio está submetido ao teste de recuperabilidade a que se refere o Pronunciamento Técnico CPC 01 Redução ao Valor Recuperável de Ativos.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 53 29/5/2012 18:02:18 54 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio eAS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA aplicação das regras constantes do cPc 15, em comparação àquelas insertas na Instrução cVM nº 247/96, pode ter como consequência, para fins societários, as seguintes hipóteses: (i) registro de goodwill em operações antes não-qualificáveis, como, por exemplo, a aquisição de uma unidade de negócios; (ii) ausência do registro de goodwill em operações antes qualificáveis, a saber, as operações que se qualifiquem como transações de capital; (iii) redução do valor do ágio (em sentido amplo, inclusive o goodwill) em decorrência, por exemplo, do reconhecimento de ativos identificáveis adquiridos pelo seu valor justo e/ou mensuração das participações atribuídas a não-controladores com base em sua cotação em mercado ativo; ou (iv) aumento do valor do goodwill em virtude, dentre outros, do reconhecimento de passivos assumidos pelo seu valor justo, sobretudo os passivos contingentes. como se disse alhures, as alterações introduzidas nas normas contábeis têm como objetivo a harmonização de regras nacionais a padrões internacionais e a maior transparência e aderência à realidade na avaliação de negócios. Nesse diapasão, parece evidente que o seu intuito não foi o de promover a mesma alteração quanto à determinação dos fatos geradores de tributos e seus efeitos. Primeiro, por um motivo óbvio: cabe apenas à lei esse condão. Segundo, porque há regra expressa na nova Lei nº 11.941/09, neutralizando os efeitos decorrentes das alterações contábeis no arcabouço tributário. É o que se passará a demonstrar: regrAS tributáriAS – A AmortizAção FiScAl do ágio: dA menSurAção e FundAmentoS econômicoS do ágio: A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a despeito de tratar da avaliação de investimentos relevantes com base no método da equivalência patrimonial20, não trouxe em seu texto original qualquer disposição que orientasse o reconhecimento de ágio ou de deságio na aquisição de tais investimentos. 20 “Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos relevantes (artigo 247, parágrafo único) em sociedades coligadas sobre cuja administração tenha influência, ou de Direito Tributário Societário Vol. III.indd 54 29/5/2012 18:02:18 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 55 Por sua vez, o Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, além de regular o tratamento fiscal a ser conferido aos ajustes decorrentes da avaliação de investimentos com base no referido método, dispôs sobre o reconhecimento de ágio ou deságio na aquisição de participações societárias. com efeito, o artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/7721 determinou o desdobramento do custo do investimento em valor do patrimônio liquido e ágio ou deságio, conforme o caso. o referido dispositivo legal determinou, ainda, o registro do ágio ou deságio com fundamento em: (i) mais-valia de que participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital social, e em sociedades controladas, serão avaliados pelo valor de patrimônio líquido, de acordo com as seguintes normas: I - o valor do patrimônio líquido da coligada ou da controlada será determinado com base em balanço patrimonial ou balancete de verificação levantado, com observância das normas desta Lei, na mesma data, ou até 60 (sessenta) dias, no máximo, antes da data do balanço da companhia; no valor de patrimônio líquido não serão computados os resultados não realizados decorrentes de negócios com a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia, ou por ela controladas; II - o valor do investimento será determinado mediante a aplicação, sobre o valor de patrimônio líquido referido no número anterior, da porcentagem de participação no capital da coligada ou controlada; III - a diferença entre o valor do investimento, de acordo com o número II, e o custo de aquisição corrigido monetariamente; somente será registrada como resultado do exercício: a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada; b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos; c) no caso de companhia aberta, com observância das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários. § 1º Para efeito de determinar a relevância do investimento, nos casos deste artigo, serão computados como parte do custo de aquisição os saldos de créditos da companhia contra as coligadas e controladas. § 2º A sociedade coligada, sempre que solicitada pela companhia, deverá elaborar e fornecer o balanço ou balancete de verificação previsto no número I.” (grifos nossos) 21 “Art 20 - O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I. § 1º - O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento. § 2º - O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico: a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade; b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros; c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas. § 3º - O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 55 29/5/2012 18:02:18 56 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA ativos; (ii) rentabilidade futura; e (iii) fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas. De início, é importante afirmar que o dispositivo acima referido não impõe qualquer ordem de prevalência entre as razões econômicas que podem servir de fundamento para o registro do ágio. De fato, o contribuinte deve fundamentar o ágio na razão econômica que efetivamente o levou a pagar determinado sobrevalor por determinada participação societária. Não raro poderiam (e ainda podem) surgir hipóteses em que, em tese, o ágio possa restar fundamentado, de uma só vez, em mais de uma razão econômica, até mesmo porque, como é cediço, o fluxo de caixa futuro que se espera obter a partir da exploração econômica de determinado bem (tangível ou não) constitui método amplamente utilizado de mensuração. Tal situação ocorre, no mais das vezes, diante da existência de intangíveis em relação aos quais não se tenha notícia de um mercado ativo em que itens análogos sejam comumente negociados. Em casos tais, a rentabilidade futura do intangível exsurge como possível método de mensuração. Em casos tais, parece-nos evidente que o ágio pode ser qualificado em mais de um dos itens a que alude o § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, sendo certo que, diante da inexistência de uma ordem legal que imponha a prevalência de quaisquer dos fundamentos possíveis, cabe ao contribuinte apontar, com base em documentos hábeis e idôneos22, aquele que efetivamente deu causa ao pagamento do ágio ou ao deságio. Essa é posição defendida por grande parte da doutrina especializada23. José otavio haddad Faloppa, Fábio Alves Maranesi24 asseveram que: “a 22 O § 3º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 determina a elaboração e o arquivo de laudo demonstrando a rentabilidade que se espera auferir em relação ao investimento adquirido. 23 Em sentido contrário, Marco Aurélio Greco defende o seguinte: “No caso de ‘compra’ de participação societária pode existir como item autônomo, mas, neste caso, seu montante será o residual do valor do ágio depois de alocadasas parcelas que corresponderem ao valor de mercado de bens corpóreos, ao valor dos intangíveis identificados e do fundo de comércio (na medida em que for identificável).” In: Ágio por Expectativa de Rentabilidade Futura: Algumas Observações, Fusão, Cisão, Incorporação e Temas Correlatos, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2009, pp. 287/288. Não concordamos, com a devida vênia, com esse entendimento, na medida em que, como visto, o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, não determina a prevalência de qualquer dos fundamentos sobre os demais. 24 FALOPPA, José Otavio Haddad e MARANESI, Fábio Alves. In: Ágio na Aquisição de Investimentos – Divergência entre Normas Contábeis e Fiscais, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, pp. 348/349. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 56 29/5/2012 18:02:18 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 57 legislação fiscal não estabelece que a justificativa econômica do ágio precisa ser exclusivamente uma daquelas três hipóteses. Pelo contrário. Pode ser que, em uma aquisição, o ágio pago tenha diversos fundamentos (...). Muitas vezes, dentre as várias razões para se realizar o pagamento do ágio, uma pode ter mais relevância que outra, sendo, até mesmo, determinante para a operação.” Em igual sentido, Jimir Doniak Jr.25 esclarece que: “Com efeito, a diferença entre os valores de mercado e contábil dos bens do ativo pode ser um dos elementos que propiciam a rentabilidade futura esperada. O mesmo se diga de um ativo intangível: uma marca ou uma patente pode suscitar uma perspectiva de futura lucratividade especial. Se assim é, a menos que existisse previsão de uma espécie de hierarquia entre os fundamentos, nada impede que o ágio seja registrado como fundamentado em rentabilidade futura, desde que isto seja demonstrado, como requer o § 3º do artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (...)”. Note-se, por oportuno, que a função residual, se cabível a quaisquer das alíneas do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, pode ser atribuída não à alínea “b” (expectativa de rentabilidade futura), mas à alínea “c”, que comporta em seu bojo a expressão “outras razões econômicas”, que visa justamente alcançar as parcelas do ágio que não possam restar fundadas nas hipóteses descritas nas alíneas “a” e “b”. A própria sequência enumerada pelo § 2º do dispositivo legal em questão poderia levar a essa conclusão, sob uma perspectiva lógica, na medida em que não faria sentido ter como fundamento residual hipótese geograficamente disposta “no meio” das demais e não ao final delas. Interpretação em sentido diverso colidiria frontalmente com o disposto no artigo 1126, da Lei complementar nº 95/98, que impõe como técnica de redação de atos normativos a utilização de uma ordem lógica. Enfim, a regra tributária é de clareza meridiana. E, como será mais bem demonstrado a seguir, permanece vigente. havendo aquisição de investimento por valor superior ao patrimônio líquido contábil ajustado (PLc) da sociedade 25 DONIAK JR., Jimir. In: Análise da Amortização de Ágio frente às Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, p. 312. 26 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...)” [Grifos nossos] Direito Tributário Societário Vol. III.indd 57 29/5/2012 18:02:19 58 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA adquirida, haverá ágio, cuja amortização será passível de dedução fiscal, uma vez observados os requisitos impostos pela legislação tributária. Qualquer construção que se pretenda fazer acerca da existência de sobreprincipios que orientam ou graduam a aplicação de quaisquer regras legais, prescinde da verificação de espaço normativo para tanto. Ali, onde houver regra de densidade normativa absoluta, não há que se falar em espaço para integração, ao menos na dimensão que parte minoritária da doutrina pretenda27. o que se pode e deve avaliar, em cada caso, é a correção e a legitimidade dos instrumentos utilizados para a avaliação do negócio e, consequentemente, do ágio, bem como os critérios para a sua aferição. Aliás, não há como se negar que, se a lei contábil traz conceito novo, de valor justo, como forma de avaliação de ativos e passivos, nada impede, ao contrario, impõe-se que estes sejam utilizadas nos estudos e laudos que suportem o sobrevalor pago por determinada participação societária28. o trAtAmento FiScAl do ágio AnteS dA lei nº 9.532/97: Em sua redação original, o artigo 25 do Decreto-Lei nº 1.598/7729, já determinava, como regra geral, a neutralidade fiscal da amortização do ágio 27 Vide, nesse diapasão, a nota nº 21. 28 João Dacio Rolim e Cristiano Viotti já escreveram que “A relativa autonomia da norma tributaria, nesse caso, assim como a aplicação pura e simples da norma geral de neutralidade não permitem que se mantenha a apuração do ágio como se a nova sistemática societária-contábil não estivesse em vigor. Isto porque a norma fiscal anterior era aberta no sentido do ágio ter fundamento econômico de rentabilidade futura, sem especificar os critérios econômicos para a sua apuração. Se estes critérios econômicos vieram à tona com mais clareza, e desde que razoáveis, então eles podem prevalecer.” In: A Autonomia Relativa das Normas Tributárias em Face das Alterações dos Métodos e Critérios Contábeis pela Lei 11.638/07 – Teste de Compatibilidade Sobre as Normas de Amortização e Dedução Fiscal do Ágio Fundamentado em Rentabilidade Futura (Goodwill), Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, p. 328. 29 “Art 25 - O ágio ou deságio na aquisição da participação, cujo fundamento tenha sido a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil dos bens do ativo da coligada ou controlada (art. 20, § 2º, letra a), deverá ser amortizado no exercício social em que os bens que o justificaram forem baixados por alienação ou perecimento, ou nos exercícios sociais em que seu valor for realizado por depreciação, amortização ou exaustão. § 1º - A contrapartida da amortização do ágio ou deságio nos termos deste artigo somente será computada na determinação do lucro real pela diferença entre o montante da amortização e o da participação do contribuinte: a) no resultado realizado pela coligada ou controlada na alienação ou baixa dos bens do ativo cujo valor tenha constituído o fundamento econômico do ágio ou deságio; ou Direito Tributário Societário Vol. III.indd 58 29/5/2012 18:02:19 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 59 ou do deságio. Excepcionava-se, apenas: (i) a diferença entre o produto da amortização do ágio ou deságio fundamentado em mais-valia de ativos e a participação do investidor no resultado da alienação do ativo correspondente ou na sua realização por depreciação, amortização ou exaustão; e (ii) o computo do valor do ágio ou deságio no valor contábil do bem, para fins de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do investimento (artigo 3330, do mesmo diploma legal). o Decreto-Lei nº 1.730/79 conferiu nova redação31 ao artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77, para manter como exceção a neutralidade fiscal da amortização contábil do ágio ou deságio apenas a composição do valor contábil do investimento como parâmetro para apuração de ganho ou perda de capital na alienação de participações societárias. Todavia, na hipótese de incorporação de sociedade adquirida com ágio, com avaliação do acervo absorvido pelo investidor com base em seu valor de b) no valor realizado pela coligada ou controlada na depreciação, amortização ou exaustão desses bens. § 2º - As contrapartidas da amortizaçãode ágio ou deságio com os fundamentos das letras b e c de § 2º de artigo 20 não serão computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto no artigo 33.” 30 “Art 33 - O valor contábil, para efeito de determinar o ganho ou perda de capital na alienação ou liquidação do investimento em coligada ou controlada avaliado pelo valor de patrimônio líquido (art. 20), será a soma algébrica dos seguintes valores: I - valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade do contribuinte; II - ágio ou deságio na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na escrituração comercial do contribuinte, excluídos os computados, nos exercícios financeiros de 1979 e 1980, na determinação do lucro real. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979); III - ágio ou deságio na aquisição do investimento com fundamento nas letras b e c do § 2º do artigo 20, ainda que tenha sido amortizado na escrituração comercial do contribuinte; (Revogado pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979) IV - provisão para perdas (art. 32) que tiver sido computada na determinação do lucro real. § 1º - Os valores de que tratam os itens II a IV serão corrigidos monetariamente. § 2º - Serão computados na determinação do lucro real: a) como ganho de capital, o acréscimo do valor de patrimônio líquido decorrente de aumento na porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, resultante de modificação do capital social desta com diluição da participação dos demais sócios; b) como perda de capital, a diminuição do valor de patrimônio líquido decorrente de redução na porcentagem da participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, em virtude de modificação no capital social desta com diluição da participação do contribuinte. § 2º - Não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor de patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda de capital por variação na porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.648, de 1978).” 31 “Art. 25 - As contrapartidas da amortização do ágio ou deságio de que trata o artigo 20 não serão computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto no artigo 33.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 59 29/5/2012 18:02:19 60 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA mercado, o artigo 34, do Decreto-Lei nº 1598/7732, garantia a dedutibilidade da diferença negativa entre o resultado da avaliação e o valor contábil do investimento apurado em conformidade com o artigo 33, do mesmo diploma legal, como perda de capital. como se vê, aquela altura, a despeito do tratamento uniforme dispensado pelo artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77, com a redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 1.730/79, apenas a escrituração de ágio ou deságio fundamentados em valor de mercado de ativos ou rentabilidade futura demandava a elaboração de laudos que lhe desse suporte (art. 20, § 3º, do DL nº 1.598/77). Vê-se, pois, que, como bem observaram Ricardo Mariz de oliveira e João Francisco Bianco33, até este momento a fundamentação do ágio em expectativa de rentabilidade futura ou fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas não gerava maiores controvérsias entre o Fisco e os contribuintes, eis que uniformes os efeitos fiscais daí decorrentes: “Até o advento da Lei nº 9.532 a exigência legal de identificar a causa econômica dos ágios e deságios não trazia controvérsias entre o fisco e os contribuintes, uma vez que, qualquer que fosse a causa, não variava o tratamento perante o lucro tributável pelo imposto de renda e pela contribuição social sobre o lucro.” 32 “Art 34 - Na fusão, incorporação ou cisão de sociedades com extinção de ações ou quotas de capital de uma possuída por outra, a diferença entre o valor contábil das ações ou quotas extintas e o valor de acervo líquido que as substituir será computado na determinação do lucro real de acordo com as seguintes normas: I - somente será dedutível como perda de capital a diferença entre o valor contábil e o valor de acervo líquido avaliado a preços de mercado, e o contribuinte poderá, para efeito de determinar o lucro real, optar pelo tratamento da diferença como ativo diferido, amortizável no prazo máximo de 10 anos; II - será computado como ganho de capital o valor pelo qual tiver sido recebido o acervo líquido que exceder o valor contábil das ações ou quotas extintas, mas o contribuinte poderá, observado o disposto nos §§ 1º e 2º, diferir a tributação sobre a parte do ganho de capital em bens do ativo permanente, até que esse seja realizado. § 1º O contribuinte somente poderá diferir a tributação da parte do ganho de capital correspondente a bens do ativo permanente se: a) discriminar os bens do acervo líquido recebido a que corresponder o ganho de capital diferido, de modo a permitir a determinação do valor realizado em cada período-base; e b) mantiver, no livro de que trata o item I do artigo 8º, conta de controle do ganho de capital ainda não tributado, cujo saldo ficará sujeito a correção monetária anual, por ocasião do balanço, aos mesmos coeficientes aplicados na correção do ativo permanente. § 2º O contribuinte deve computar no lucro real de cada período-base a parte do ganho de capital realizada mediante alienação ou liquidação, ou através de quotas de depreciação, amortização ou exaustão deduzidas como custo ou despesa operacional.” 33 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de e BIANCO João Francisco. In: Imposto de Renda Alterações Fundamentais – 2º volume, São Paulo: Editora Dialética, 1998, p. 192. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 60 29/5/2012 18:02:19 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 61 AS AlterAçõeS introduzidAS PelA lei nº 9.532/97: Em 10 de dezembro de 1997, foi editada a Lei nº 9.532, que, em seus artigos 7º e 8º, trouxe relevantes alterações do regime tributário aplicável ao ágio decorrente da aquisição de participações societárias, nas hipóteses que especifica. Veja-se: “Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977: I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa; II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização; III34 – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b ” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados em até dez anos-calendários subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração; IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração. 34 A redação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 foi alterada pela Lei nº 9.718/98: “Art. 7º (...) III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2, do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuraçãode lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (...)” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 61 29/5/2012 18:02:20 62 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA § 1º o valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão. § 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar: a) o ágio, em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista no inciso III; b) o deságio, em conta de receita diferida, para amortização na forma prevista no inciso IV. § 3º o valor registrado na forma do inciso II do caput: a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital; b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa. § 4º Na hipótese da alínea “b” do parágrafo anterior, a posterior utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos e contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente. § 5º o valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta do ativo, como custo do direito.” “Art. 8º o disposto no artigo anterior aplica-se, inclusive, quando: a) o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor de patrimônio líquido; b) a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária.” como se vê, o artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, excepcionou da regra geral veiculada pelo supratranscrito artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77, as hipóteses em que o contribuinte promover a absorção do patrimônio de sociedade na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, em decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 62 29/5/2012 18:02:20 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 63 Nos casos em que o ágio ou o deságio apurados tenham sido determinados com base em fundamento econômico consistente em expectativa de “rentabilidade futura” do investimento (alínea “b ” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977), aquele que absorver o patrimônio de sociedade na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, em decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão, poderá amortizar os referidos montantes à razão de 1/60 (um sessenta avos) por mês, a partir do mês subsequente à data do evento. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que se verifica a chamada incorporação reversa, por expressa determinação nesse sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97). Além de alterar de forma significativa a disciplina de aproveitamento do ágio no âmbito de operações de reestruturação societária, a Lei nº 9.532/97 reforça a conclusão no sentido de que o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, não impõe uma ordem legal para a alocação do ágio decorrente de aquisição de participações societárias. Explica-se: como é de conhecimento geral, a década de noventa foi marcada pelo intenso processo de privatização de empresas estatais regulado pelo Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei nº 8.031/90 e alterado pela Lei n º 9.491/97. Não por acaso, que, a Lei nº 9.532/97, ao alterar as regras atinentes ao aproveitamento fiscal do ágio, teve por objetivo primordial incentivar o referido processo, alavancando, por via de consequência, o ágio obtido nos leilões de empresas estatais, sobretudo das concessionárias de serviços públicos – carro-chefe do programa. corroborando tal assertiva, é de se transcrever trecho da justificativa do Projeto de Lei nº 2.922/00, de autoria do Deputado Federal Valdemar costa Neto, que tinha por objetivo a revogação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97: “Visa o presente projeto de lei revogar o inciso III do art. 7º da Lei nº 9.532/97 por ser completamente absurdo o benefício fiscal que ela concedeu às empresas vencedoras dos leilões de privatização de empresas estatais. Ele autoriza a amortização do ágio pago com o fundamento na rentabilidade futura da empresa adquirida a razão de 1/60 por mês, prevendo um prazo máximo de 10 anos após a incorporação. (...) Trata-se aqui, em suma, de combatermos a dedutibilidade no imposto de renda dos valores pagos pela compra de empresas privatizadas, e, para tanto, necessitamos desta revogação. (...)” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 63 29/5/2012 18:02:20 64 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA o Deputado Luiz Antonio Fleury, ao propor emenda ao referido projeto de lei em questão, também é claro ao fazer referência à intenção da norma veiculada no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97: “como se sabe, os processos de privatização de empresas estatais e concessão dos serviços públicos têm justamente o objetivo de fortalecer a economia, transferindo aos particulares o controle e a administração de companhias estatais. Desta forma, andou bem o Estado ao promover a privatização de suas empresas, visando justamente incrementar a situação financeira- econômica do país. Inclusive, a forma de contabilização atualmente prevista no inciso III do art. 7o da Lei n.º 9.532, de 10 de dezembro de 1997, representou um incentivo para que as empresas privadas participassem dos programas de desestatização. Neste sentido, podemos até dizer que um dos principais incentivos apresentados pelos processos de privatização está inserido na seara fiscal, eis a razão pela qual o benefício fiscal do inciso III do Art. 7o da Lei nº 9.532, de 1997, se faz necessário.” Ricardo Mariz de oliveira35 também já se manifestou no sentido de que as regras insertas nos artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, foram editadas com o claro objetivo de favorecer as privatizações levadas a efeito no âmbito do PND: “Portanto, essa norma de concessão do direito à dedução fiscal da amortização é uma norma excepcional, baseada em motivações extra-tributárias de (1) conveniência da política fiscal no sentido de favorecer as privatizações, à época promulgação da Lei nº. 9532, e também de (2) justiça econômica contida na amortização do ágio pago na aquisição do negócio, paulatinamente à geração dos lucros que tenham dado lastro a ele, eis que estes são sujeitos à tributação quando surgidos. Este último dado é que justifica a extensão da norma a quaisquer aquisições, mesmo às feitas fora do programa de privatizações que estava em andamento na data da Lei n. 9532.” Em recentíssimo precedente, a seguir comentado com mais detalhes, o conselho Administrativo de Recursos Fiscal (cARF) ratificou esse entendimento, conforme se pode aduzir de trecho extraído da ementa do Acórdão nº 1402-00.342: 35 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. In: Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008, p. 770. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 64 29/5/2012 18:02:20 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 65 “a legislação fiscal editada no contexto de incentivo às privatizações e que permaneceu em vigor nos períodos objeto de autuação não condicionou a dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva apuração de lucro (...)” [Grifos nossos] Assentada a premissa, a conclusão é quase que intuitiva:ágio pago na aquisição de uma participação societária, por vezes, pode ser qualificável em mais de um dos fundamentos indicados no § 2º, do artigo 20, do Decreto- Lei nº 1.598/77, cabendo ao adquirente indicar aquele que efetivamente o motivou, com suporte em demonstrativos elaborados em cumprimento ao § 3º, do mesmo dispositivo legal. ora, se o ágio pago nos leilões de privatização das concessionárias de serviços públicos – carro-chefe do PND – não atribuível à mais-valia de ativos registrados contabilmente tivesse que, necessariamente, ser alocado no fundamento da alínea “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (intangíveis), em razão dos contratos de concessão respectivos, a Lei nº 9.532/97 jamais teria alcançado o seu objetivo extrafiscal. Essa, contudo, não é a realidade dos fatos. como bem destacou o então Presidente da Telebras36, o Sr. Ronaldo Rangel de Albuquerque, o leilão de privatização das concessionárias de telecomunicações, por exemplo, foi um negócio significativo para União Federal, eis que atingido ágio de mais de 63% em relação ao preço mínimo fixado pelo Governo. Veja-se: “A privatização das 12 controladoras regionais, por intermédio de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro realizado em 29 de julho de 1998, foi considerado um negócio significativo para a União Federal, na medida que o preço de venda alcançou R$ 22,057 bilhões, representando um ágio de 63,74% em relação ao preço mínimo fixado pelo Governo, que era de R$ 13,470 bilhões. o objeto da alienação, via leilão em bolsa, foi constituído de ações ordinárias, representativas dos 19,26% correspondentes à participação acionária da União Federal no capital social de cada uma das 12 companhias criadas como conseqüência da cisão parcial da TELEBRAS.” (Mensagem do Presidente da Telebras) [sic]. 36 Parte integrante do Relatório da Administração da Telebrás para o ano de 1998, disponível em www.telebras.com.br. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 65 29/5/2012 18:02:20 66 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA É certo que o leilão das concessionárias atingiu considerável ágio em relação ao preço mínimo fixado por conta da regra fiscal em comento, que permitiu a amortização deste ágio, nas hipóteses referidas nos artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97. Assim é que, como já referido, havendo hierarquia entre os fundamentos elencados pelo artigo 20, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77, que obrigasse o reconhecimento desse ágio como decorrente da aquisição de um intangível (contrato de concessão), a par da expectativa de rentabilidade projetada para a concessionária arrematada, certamente o resultado do PND, ao menos no caso das operadoras de serviços de telecomunicações, não teria sido tão expressivo. Tampouco haveria a necessidade de se pretender a revogação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, para, com isso, obstar os efeitos fiscais nele preconizados – como, de fato, pretendeu-se por meio do Projeto de Lei nº 2.922/00 –, na medida em que, não raro, o ágio pago na aquisição de um investimento pode ter fundamento em perspectiva de rentabilidade futura de elementos patrimoniais não registrados na contabilidade da sociedade adquirida (por exemplo, carteiras de clientes, marcas, patentes e outros itens teoricamente identificáveis como intangíveis). Bastaria ao Fisco invocar a pretensa hierarquia para alterar a fundamentação do ágio. Essa, contudo, não é a realidade! Pois bem. As regras fiscais que regulam a apuração e o aproveitamento do ágio encontram-se consolidadas no artigo 385 e seguintes do Regulamento do Imposto e Renda para 1999 e refletem as disposições constantes dos artigos 20, 25, 33 e 34, do Decreto-Lei nº 1.598/77, e 7º e 8º, da Lei nº 9.532/95, já comentados no corpo do presente estudo. Em suma, das regras e considerações acima expostos, podemos concluir, com relação à mensuração inicial e tratamento fiscal do ágio pago na aquisição de participações societárias, o seguinte: (i) apuração do Ágio: (i.1) o ágio corresponde à diferença positiva entre o valor pago e o valor do patrimônio líquido contábil atribuível à participação adquirida, nos termos dos incisos I e II, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77; (i.2) o ágio apurado em conformidade com o item (i.1), acima, deve estar fundamentado com base nas razões econômicas indicadas nas alíneas “a”, “b” e/ou “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, a Direito Tributário Societário Vol. III.indd 66 29/5/2012 18:02:21 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 67 saber: (a) mais-valia de ativos; (b) rentabilidade futura; e (c) fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas; (i.3) não há hierarquia entre os fundamentos econômicos indicados no § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, de modo que o ágio pago na aquisição de uma participação societária pode ser qualificável em mais de um desses fundamentos, cabendo ao adquirente indicar aquele que efetivamente o motivou, desde que suportado documentalmente. (ii) aproveitamento Fiscal do Ágio: (ii.1) via de regra, a amortização do ágio não deve ser computada para fins de apuração do lucro real, nos termos do artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77. (ii.2) no caso de alienação do investimento, o ágio, ainda que amortizado, deve compor o valor contábil do investimento para efeito de cômputo de ganho ou perda de capital, nos termos do artigo 33 do mesmo Decreto-Lei; (ii.3) nos termos do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura poderá ser amortizado à razão de, no máximo, 1/60 (um sessenta avos) por mês, a partir do mês subsequente à data em que houver incorporação, fusão ou cisão, de sociedade adquirida com ágio. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que se verifica a chamada incorporação reversa, por expressa determinação nesse sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97). critérioS FiScAiS x critérioS contábeiS: como demonstrado, as novas regras contábeis atinentes à apuração do ágio, notadamente aquelas veiculadas pelo cPc 15, distanciam-se de forma vante das regras fiscais aplicáveis. De fato, o ágio qualificado nas hipóteses das alíneas “a” e “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (mais-valia de ativos e fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas), passam a compor, para a contabilidade societária, o valor do investimento, subsistindo, para esse mesmo fim, o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura37(p.seg.). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 67 29/5/2012 18:02:21 68 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA o próprio montante registrado como goodwill no intangível do adquirente, em atenção às disposições do cPc 15, pode sofrer relevantes alterações (para mais ou para menos) em comparação à regra de mensuração a que alude a legislação tributária (artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77). Nada disso, contudo, como já se disse, com consequências fiscais. Explica-se: dA PrevAlênciA dAS normAS de nAturezA tributáriA vigenteS: A apuração das bases de cálculo do IRPJ e da cSLL, para as empresas tributadas com base no lucro real, tem como ponto de partida o resultado contábil. Todavia, é fato que os conceitos de lucro real e de lucro contábil não são coincidentes. o artigo 6º, do Decreto-Lei nº 1.598/77, é claro ao impor ajustes ao resultado contábil (adições, exclusões e compensações prescritas pela legislação tributária), para, com isso, permitir a valoração do lucro tributável. Veja-se: “Art 6º – Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.” como se vê, a legislação tributária vale-se de institutos veiculados pela legislação comercial (receita bruta, despesas operacionais, lucro líquido, etc.) para, no interesseda arrecadação, atribuir-lhes efeitos fiscais próprios. Assim é que, por vezes, a legislação tributária determina que seja conferido a determinado fato um tratamento diverso daquele imposto pela legislação comercial. Muitos são os exemplos de regras tributárias que afastam os conceitos de lucro contábil e de lucro real. A observância da lei comercial em relação a determinado fato não impede que a ele sejam atribuídos os efeitos fiscais próprios, conforme se extrai da exposição de motivos do Decreto-Lei nº 1.598/77: “A lei das sociedades por ações seguiu a orientação de manter separação nítida entre a escrituração comercial e a fiscal, porque as informações sobre a posição e os resultados financeiros das 37 De se notar que, ainda sob a égide da Instrução CVM nº 247/96, o ágio qualificável, para fins fiscais, na alínea “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas), não mais subsistia para fins societários (art. 14, § 5º, da ICVM nº 247/96). Apenas o ágio fundado em mais-valia de ativos ou rentabilidade futura, inclusive atrelada a contratos de concessão, permissão ou direitos de exploração, poderia ser registrado e, consequentemente, amortizado. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 68 29/5/2012 18:02:21 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 69 sociedades são regulados na lei comercial com objetivos diversos dos que orientam a legislação tributária, e a apuração dos resultados e as demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial não devem ser distorcidas em razão de conveniências da legislação tributária.” Vale citar, nesse sentido, o disposto na alínea “a”, do § 3º, do artigo 6º, do Decreto-Lei nº 1.598/7738, que permite seja conferido efeito próprio de uma despesa a importâncias não computadas na determinação do lucro líquido, apurado em observância à legislação comercial. A própria previsão da existência do Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR) corrobora a conclusão que se pretende chegar (artigo 8º39, do Decreto-Lei nº 1.598/77). Uma despesa tida por desnecessária nos termos da legislação tributária, por exemplo, afetará o resultado contábil da empresa, reduzindo, com isso, o montante passível de distribuição aos acionistas na forma de dividendos e de destinação a reservas de lucros. Tal dispêndio, contudo, deverá ser neutro para efeito de apuração do lucro real40 (artigo 299, do RIR/9941). o mesmo se pode dizer dos bens sujeitos à depreciação acelerada incentivada, cujo efeito para fins de apuração dos tributos incidentes sobre o 38 “Art. 6º (...) § 3º - Na determinação do lucro real poderão ser excluídos do lucro líquido do exercício: a) os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não tenham sido computados na apuração do lucro líquido do exercício; b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com a legislação tributária, não sejam computados no lucro real; c) os prejuízos de exercícios anteriores, observado o disposto no artigo 64.” 39 “Art 8º - O contribuinte deverá escriturar, além dos demais registros requeridos pelas leis comerciais e pela legislação tributária, os seguintes livros: I - de apuração de lucro real, no qual: a) serão lançados os ajustes do lucro líquido do exercício, de que tratam os §§ 2º e 3º do artigo 6º; b) será transcrita a demonstração do lucro real (§ 1º); c) serão mantidos os registros de controle de prejuízos a compensar em exercícios subseqüentes (art. 64), de depreciação acelerada, de exaustão mineral com base na receita bruta, de exclusão por investimento das pessoas jurídicas que explorem atividades agrícolas ou pastoris e de outros valores que devam influenciar a determinação do lucro real de exercício futuro e não constem de escrituração comercial (§ 2º).” 40 Não há regra análoga que regule a dedutibilidade de despesas tidas por desnecessárias para fins de apuração da base cálculo da CSLL. 41 “Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47). § 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º). § 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º). § 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a designação que tiverem.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 69 29/5/2012 18:02:21 70 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA lucro concentra-se no período atribuído pela norma tributária, a par de sua regular realização contábil com base em sua vida útil econômica. Talvez o mais emblemático dos exemplos seja o da amortização do ágio fundado em perspectiva de rentabilidade futura, apurado em uma operação que envolva a aquisição de uma concessionária ou permissionária de serviço público: como visto, de um lado, a norma societária vigente antes da edição do cPc 15 (IcVM nº 247/96), determinava que o ágio atribuído a concessões, permissões ou direitos de exploração deveria ser amortizado no prazo outorgado pelo poder concedente. De outro, a norma tributária (Lei nº 9.532/07) determinava (e ainda determina) o aproveitamento fiscal desse ágio em período não inferior a 60 (sessenta) meses. como não poderia deixar de ser, o conselho Administrativo de Recursos Fiscal já teve a oportunidade de ratificar o entendimento aqui exposto, no sentido de que as normas comerciais não se prestam a produzir efeitos fiscais. o Acórdão nº 140.200.342, prolatado em processo de interesse de Diagnóstico da América S/A, tem como pano de fundo justamente o pretenso conflito entre a IcVM nº 247/96 e a Lei nº 9.532/97: “LUcRo REAL. GLoSA DE AMoRTIZAÇÃo DE ÁGIo. EXPEcTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA. Reconhece-se que o ilícito fiscal limita-se à desconsideração da natureza jurídica do fundamento econômico do ágio e que a demonstração arquivada como comprovante do fundamento econômico do ágio, traduz a avaliação dos ativos, pela expectativa de rentabilidade futura. LUcRo REAL. GLoSA DE AMoRTIZAÇÃo DE ÁGIo. coNDIÇÃo DE EFETIVIDADE Do LUcRo. A legislação fiscal editada no contexto de incentivo às privatizações e que permaneceu em vigor nos períodos objeto da autuação não condicionou a dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva apuração de lucro, e nem estabeleceu prazo para a geração de lucros. a instrução CVM 247/96 alterada pela 285/98 não pode ser aplicada para efeitos fiscais.” (Acórdão nº 140.200.342, 4ª câmara / 2ª Turma ordinária do cARF, julgado em 15.12,2010) [Grifo nosso] Ainda mais contundente é o voto condutor do Acórdão de nº 1101-00.354, da lavra do conselheiro José Ricardo da Silva, que deu provimento ao recurso voluntário interposto pela Vivo S/A. Veja-se: Direito Tributário Societário Vol. III.indd 70 29/5/2012 18:02:22 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 71 “(...) a citada instrução cVM foi editada tão somente para a normatização dos procedimentos contábeis das sociedades de capital aberto, sem qualquer efeito para as empresas de capital fechado e muito menos, sem competência para alterar as bases de cálculo do IRPJ e da cSLL, o que somente é factível com a edição de lei. É importante destacar que as instruções emanadas pela cVM são atos administrativos, portanto, infralegais, que não geram quaisquer efeitos fiscais, visto que têm por objeto a regulação das normas contábeis e são endereçadas as companhias de capital aberto. (...) Não vejo nenhum empecilho para as empresas sujeitas as determinações da cVM ematenderem aos dois dispositivos (a instrução cVM e a norma legal), visto que no caso da instrução, para fins de apuração do lucro contábil, não existe um prazo pré- estabelecido para a amortização do ágio, visto que o mesmo fica vinculado ao prazo da concessão, enquanto que a lei fiscal prevê a amortização em 60 meses, independentemente do prazo de concessão. com isso, fica bem claro que as determinações emanadas pela cVM não possuem qualquer cunho tributário, visto que objetivam regular o mercado de ações e, em especial a relação dos investidores com as empresas.” [sic] E, também, em diversas outras oportunidades, o extinto conselho de contribuintes do Ministério da Fazenda julgou no sentido de afastar alegados efeitos fiscais de normas contábeis. Tal é o caso das normas editadas pelo Banco central para regular a contabilidade de instituições financeiras: “IRPJ – cUSToS/DESPESAS oPERAcIoNAIS E ENcARGoS – PRoVISÃo PARA cRÉDIToS DE LIQUIDAÇÃo DUVIDoSA – INSTITUIÇÕES FINANcEIRAS. Nos anos- calendário de 1995 e 1996 vigorava o artigo 43 e seus §§ da Medida Provisória n° 812/94, convertida em Lei n° 8.981/95. A Resolução n° 1.748/90 do Banco central do Brasil dizia respeito apenas aos aspectos contábeis e estatísticos das instituições financeiras, sem qualquer efeito na determinação do lucro real.” (Acórdão nº 101-93.519, 1ª câmara do 1º conselho de contribuintes, conselheira Relatora Sandra Maria Faroni, julgado em 11.10.2001) Em que pese, como visto, não estarmos diante de uma discussão nova, a mesma aparente antinomia normativa tem sido discutida por conta da edição Direito Tributário Societário Vol. III.indd 71 29/5/2012 18:02:22 72 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA do cPc 15. A pretensa antinomia já existia mesmo antes da edição do referido ato normativo, mas agora possui um espectro mais amplo por atingir, não apenas o prazo de amortização do ágio (agora sujeito, apenas, a testes de imparidade), mas a sua própria apuração. Não há, contudo, qualquer antinomia, na medida em que as normas – fiscal e comercial, possuem objetivos marcadamente distintos, devendo o intérprete integrá-las de modo a conformar seus âmbitos de aplicação. Não se pode, pois, cogitar a derrogação por parte da Lei nº 11.638/07 de quaisquer disposições veiculadas na legislação tributária. Essa é a conclusão que se chega a partir da análise do disposto no artigo 2º, da Lei de Introdução ao código civil (LIcc): “Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.” Atendo-se à regra constante do § 1º do dispositivo legal supratranscrito, vê-se que a lei posterior só revoga a lei anterior em três hipóteses, a saber: (i) quando expressamente o declare; (ii) quando com ela seja incompatível; ou (iii) quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior. Pois bem. No caso sob análise, a lei nova (Lei nº 11.638/07) não revogou expressamente as disposições constantes da legislação tributária. Não há que se falar, também, em incompatibilidade, na medida em que, como demonstrado, a lei comercial e a lei fiscal prestam-se a objetivos distintos, devendo sua aplicação ater-se ao campo que lhes é dado regular. Tampouco a Lei nº 11.638/07 regulou integralmente a matéria, na medida em que em seu âmbito de aplicação não estão inseridos os efeitos fiscais decorrentes das alterações orientadas a permitir a harmonização das práticas contábeis brasileiras (BRGAAP) aquelas observadas internacionalmente (IFRS). Tanto é que, como se verá, a Lei nº 11.941/09 é expressa ao afirmar que o Regime Tributário de Transição “vigerá até a entrada em vigor de lei que Direito Tributário Societário Vol. III.indd 72 29/5/2012 18:02:22 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 73 discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária” (artigo 15, § 1º, da Lei nº 11.941/09). Se isso já não fosse suficiente, a regra veiculada no § 2, do artigo 2º, da LIcc, é ainda mais contundente na hipótese sob estudo. Isso porque, como visto, a Lei nº 11.638/07, alterou a Lei nº 6.404/76 no que concerne às regras contábeis de observância obrigatória por sociedades anônimas e as consideradas de grande porte42. A legislação tributária, noutro giro, tem por objetivo regular os fatos que fazem nascer a obrigação de pagar determinado tributo, fornecendo ao destinatário as normas que lhe permitirão quantificá-lo. ora, não se pode negar que estamos diante de leis especiais que se destinam a regular matérias eminentemente distintas. Não é crível conceber a revogação de uma lei especial por outra de igual natureza que venha a dispor sobre questão diversa. Ainda que os obstáculos acima relatados – de todo intransponíveis – pudessem ser superados, no caso das disposições atinentes à mensuração inicial e a amortização do ágio, um último argumento ainda subsiste: o da afronta ao princípio da legalidade. como se sabe, o cPc 15, a par de sua inegável força normativa atribuída pelos agentes reguladores que o aprovaram, não possui força de lei. Tais normas revelam-se meros atos administrativos, não constituindo meio idôneo a impor a majoração de tributos, sob pena de afronta ao disposto no artigo 150, inciso I43, da constituição Federal de 1988, que prevê expressamente a reserva absoluta de lei formal para a definição dos elementos indicadores da obrigação tributária (fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo e alíquota). Assim, pode-se concluir que, diante da inexistência de lei que imponha ao ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura tratamento fiscal diverso daquele que se extrai da conjugação das disposições dos artigos 20, do Decreto- Lei nº 1.598/77 e 7º, da Lei nº 9.532/07, qualquer exigência fiscal nesse sentido 42 Nos termos do § único, do artigo 3º, da Lei nº 11.638/07. “considera-se de grande porte, (...) a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).” 43 “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 73 29/5/2012 18:02:22 74 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA está coberta pelo manto da inconstitucionalidade, por violação ao princípio da legalidade, como inclusive já for reconhecido pelos tribunais administrativos44 e pela própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional45 Diante desses argumentos, a outra conclusão não se chega senão à de que as regras de mensuração do ágio fundado em perspectiva de rentabilidade futura (goodwill) veiculadas pelo cPc 15, aprovadas pela Resolução cVM nº 580/09, têm seu escopo de incidência limitado à apuração do lucro contábil e à elaboração das demonstrações financeiras elaboradas após uma combinação de negócios. os efeitos fiscais da aquisição de uma participação societária com ágio permanecem regulados pelo Decreto-Lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/97, face à sua inegável vigência. Em conclusão, as normas tributárias vigentes adotam dois conceitos chave para a identificação do ágio ou deságio, quais sejam, os conceitos de “patrimônio liquido” e “custode aquisição de investimento”. Ali onde houver diferença entre os mesmo, haverá ágio ou deságio. o ponto a ser realçado é justamente este. A regra inserta no enunciado do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 não foi editada, como entende parte da doutrina, para estabelecer mero limite temporal para a dedutibilidade de uma despesa registrada na contabilidade comercial46. Ela foi editada para estimular o pagamento de preço maior que o patrimônio líquido contábil do investimento adquirido, no âmbito do PND. 44 “IRPJ - PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - LIMITE PARA O INCENTIVO - Atos administrativos regulamentares limitando o custo individual máximo de refeição. Ofensa ao princípio da legalidade. Recurso provido.” (Acórdão nº 103-22.459, 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, Conselheiro Relator Marcio Machado Caldeira, julgado em 25.05.2006) 45 A própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, após inúmeras derrotas em âmbito judicial, editou ato declaratório, com força vinculante (o Ato Declaratório 13/08, c/c artigo 19, §§ 4º e 5º, da Lei nº 10.522/02), dispensando a interposição de recursos em casos em que se discutia justamente a inconstitucionalidade e a ilegalidade de atos infralegais que extrapolaram o conteúdo da Lei nº 6.321/76. 46 Vide, nesse sentido, Gustavo Brigagão e Carlos Scharfstein: ”4.8. A nosso ver, os dispositivos em análise apenas autorizam (obedecidas certas condições, como a observância de limites máximos) a dedutibilidade de uma despesa registrada na contabilidade, ou seja, a legislação fiscal tão somente disciplina as consequências fiscais atribuíveis a um evento registrado na escrituração comercial das pessoas jurídicas. Assim, sem o prévio registro contábil da despesa, não há que se admitir seu efeito para fins fiscais como se tivesse ocorrido.” In: Aproveitamento Fiscal de Ágio Fundamentado em Perspectivas de Rentabilidade Futura Após o Advento das Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2010, pp. 258/259. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 74 29/5/2012 18:02:22 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 75 E, nesse sentido, é digno de registro que o conceito de patrimônio líquido contábil, conceito contábil de que se valeu o legislador tributário, ainda exista47, a par da necessidade de se avaliar o negócio adquirido pelo seu valor justo. os ajustes que a norma contábil impuseram na representação da contabilidade comercial visaram, como se disse, melhor demonstração, para o mercado, do valor do negócio adquirido e dos efeitos societários daí decorrentes (apuração de um ganho por uma compra vantajosa, por exemplo). As regras de mensuração e realização (agora por meio de testes de imparidade) do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura editadas pelo comitê de Pronunciamentos contábeis, são, assim, atinentes à apuração e demonstração do resultado contábil e divulgação e publicação de demonstrações financeiras. obviamente, como se apontou anteriormente, a demonstração com a qual o contribuinte comprovará o fundamento do seu ágio, nos termos do § 3o, do artigo 20o, do Decreto-Lei nº 1598/77, pode, e é de todo recomendável, ser aderente aos novos critérios contábeis de identificação e avaliação de resultados futuros de um negócio. Isto, contudo, não significa dizer que a contabilização de determinado item que, sob a égide da legislação tributária, possa sustentar a apuração de 47 O conceito de patrimônio líquido não sofreu alterações relevantes, conforme se constata da comparação entre as definições veiculadas pela Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00” - regra nova) e pela NBC T 3.2 (regra antiga): Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00”) “Posição Patrimonial e Financeira 49. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração da posição patrimonial financeira são ativos, passivos e patrimônio líquido. Estes são definidos como segue: (a) Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade; (b) Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos capazes de gerar benefícios econômicos; (c) Patrimônio Líquido é o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos os seus passivos.” [Grifos nossos] O NBC T 3.2 “3.2.2 – Conteúdo e Estrutura 3.2.2.1 – O balanço patrimonial é constituído pelo ativo, pelo passivo e pelo Patrimônio Líquido. a) O ativo compreende as aplicações de recursos representadas por bens e direitos; b) O passivo compreende as origens de recursos representadas por obrigações; c) O Patrimônio Líquido compreende os recursos próprios da Entidade, ou seja, a diferença a maior do ativo sobre o passivo. Na hipótese do passivo superar o ativo, a diferença denomina--se “Passivo a Descoberto” [Grifos nossos] Direito Tributário Societário Vol. III.indd 75 29/5/2012 18:02:23 76 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA ágio fundado em rentabilidade futura, em linha de investimento da adquirente por força dos ditames do cPc 15 (contratos de concessão, por exemplo), tem por efeito impedir o seu aproveitamento fiscal. De fato, o ágio fundado em rentabilidade futura a ser aproveitado fiscalmente, para produzir seus efeitos quanto à apuração do lucro tributável, não precisa necessariamente coincidir com o goodwill registrado no intangível do adquirente. como bem apontado por Jimir Doniak Jr.48, “não é impeditivo no registro de um montante de ágio fundamentado na rentabilidade futura superior ao registrado na contabilidade”, sendo certo que “ocorrendo uma incorporação, a integralidade do ágio por expectativa de lucros futuros registrado para efeitos fiscais poderá ser amortizada na apuração do lucro real, nos termos da legislação tributária”. E arremata, em nota de rodapé: “É possível concluir que a própria cVM tem a mesma opinião (assim como o cPc), com base no item B64 do Pronunciamento cPc 15. Determina-se que o adquirente deve divulgar várias informações da operação de combinação de negócios. Entre elas consta ‘(k) o valor total do ágio por rentabilidade futura (goodwill) que se espera que seja dedutível para fins fiscais; (...)’. ora, se é necessário divulgar tal valor, é porque ele não é o mesmo daquele do ágio por rentabilidade (goodwill) divulgado na contabilidade. Sendo assim, a cVM e o cPc parecem reconhecer a possibilidade de montantes distintos para a apuração contábil e para a apuração fiscal. o Pronunciamento Técnico cPc nº 32 (...) leva à mesma conclusão, pois faz referência à possibilidade de valores distintos, cogitando especificamente da possibilidade de o ágio por rentabilidade futura ser inferior ao fiscal: ‘32A Se o valor contábil do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) que surgir de uma combinação de negócios for menor do que a sua base fiscal, a diferença dá margem a um ativo fiscal diferido.’ (...)” o regime tributário de trAnSição: Por fim, entendemos relevante ressaltar que a Lei nº 11.638/07 teve como objetivo não alterar normas de tributação, mas eliminar entraves legais ao processo de harmonização das normas contábeis brasileiras àquelas observadas 48 Op. Cit. pp. 310/311. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 76 29/5/2012 18:02:23 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 77 internacionalmente. Nesse sentido, o legislador optou por fazer referência expressa à neutralidade fiscal dos ajustes de harmonização, conforme se extrai da leitura do § 7º, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, inserido pela Lei nº 11.638/07: “Art. 177 (...) § 7º os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termosdo § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.” A despeito da clareza do dispositivo legal em questão, o qual, a nosso ver, apenas positivava conclusão que, como visto no tópico anterior, pode ser extraída do próprio sistema legal-tributário em vigor, as alterações promovidas pela Lei nº 11.638/07 despertaram insegurança em muitos contribuintes. Tal insegurança jurídica motivou a instituição de um Regime Tributário de Transição, inicialmente previsto na Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941/09. É o que se extrai da leitura de sua exposição de motivos: “8. A Lei nº 11.638, de 2007, foi publicada no Diário oficial da União de 28 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2008, sem a adequação concomitante da legislação tributária. Esta breve vacatio legis e a alta complexidade dos novos métodos e critérios contábeis instituídos pelo referido diploma legal – muitos deles ainda não regulamentados – têm causado insegurança jurídica aos contribuintes. assim, faz-se mister a adoção do RTT, conforme definido nos arts. 15 a 22 desta Medida Provisória, para neutralizar os efeitos tributários e remover a insegurança jurídica. 9. o processo de harmonização das normas contábeis nacionais com os padrões internacionais de contabilidade – objetivo maior da Lei nº 11.638, de 2007 – deve prolongar-se pelos próximos anos, razão pela qual, há necessidade de que o RTT não seja aplicável apenas no ano de 2008, mas também no ano de 2009, e, se necessário, nos anos subseqüentes, quando, então, ao se descortinar o novo padrão da contabilidade empresarial a ser adotado no País, possa-se regular definitivamente o modo e a intensidade de integração da legislação tributária com os novos métodos e critérios internacionais de contabilidade. Nesse contexto, o § 1º do art. 15 da proposição em tela prevê a aplicação do RTT até que seja editada lei regulando definitivamente os efeitos tributários das mudanças nos critérios contábeis, a qual pretende-se que seja neutra, ou seja, que não afete a carga tributária.” [Grifo nosso] Direito Tributário Societário Vol. III.indd 77 29/5/2012 18:02:23 78 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA o artigo 16, da Lei nº 11.941/09 é claro no sentido de que o contribuinte deve apurar o lucro real e as bases de cálculo da cSLL, do PIS e da coFINS em conformidade com as regras vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07 (1o de janeiro de 2008), precedendo os ajustes fiscais necessários por meio das obrigações acessórias competentes, nos termos do artigo 17, do mesmo diploma legal49. “Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de 49 “Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e dos arts. 37 e 38 desta Lei, e pelas normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e demais órgãos reguladores, a pessoa jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento: I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para apurar o resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput do art. 187 dessa Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do mesmo artigo, com a adoção: a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; e b) das determinações constantes das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela sua observância; II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado nos termos do inciso I do caput deste artigo, no Livro de Apuração do Lucro Real, inclusive com observância do disposto no § 2º deste artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos do art. 16 desta Lei; e III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real, de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto. § 1º Na hipótese de ajustes temporários do imposto, realizados na vigência do RTT e decorrentes de fatos ocorridos nesse período, que impliquem ajustes em períodos subsequentes, permanece: I – a obrigação de adições relativas a exclusões temporárias; e II – a possibilidade de exclusões relativas a adições temporárias. § 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas constantes deste Capítulo, fica dispensada de realizar, em sua escrituração comercial, qualquer procedimento contábil determinado pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais ou de resultado quando em desacordo com: I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, alterada pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no uso da competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores.” Direito Tributário Societário Vol. III.indd 78 29/5/2012 18:02:24 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 79 apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas expedidas pela comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.” como resultado, ainda que as alterações promovidas na legislação societária pudessem produzir efeitos tributários, o que só se admite para fins de argumentação, o Regime Tributário de Transição garantiria a aplicação do mesmo tratamento fiscal vigente em 31.12.2007, seja no que se refere à mensuração do ágio (artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77), seja no que se refere à sua dedutibilidade após os eventos indicados no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97. Em igual sentido, Natanael Martins e Daniele Souto Rodrigues50 consignaram o seguinte: “ainda que em razão das novas regras contábeis em curso o ágio venha a ter tratamento diverso do que até então vigente em 31 de dezembro de 2007, seja pela impossibilidade futura de sua amortização, seja pela eventual necessidade de sua segmentação em ativos intangíveis identificáveis, de maneira que apenas o valor residual seja atribuível a ágio de rentabilidade futura (goodwill), não há que se falar em alteração do tratamento fiscal da amortização do ágio formado segundo as antigas práticas contábeis.” E não poderia ser diferente. o Regime de Transição, em verdade, reflete a preocupação que se tinha, na produção da norma que viesse a alterar conceitos contábeis e societários. Porém,a verdade é que a regra tributária, como já dito à saciedade, é expressa ao prever as condições para caracterização de um valor como ágio. São elas apenas duas: (i) aquisição de investimento por valor superior ao seu patrimônio líquido ajustado; e (ii) correta fundamentação deste sobrevalor pago, dentre as possibilidades insertas na legislação tributaria de regência, devidamente suportada por laudos idôneos. 50 MARTINS, Natanael e RODRIGUES, Daniele Souto. In: O Direito à Amortização Fiscal do Ágio, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2010, pp. 478/479. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 79 29/5/2012 18:02:24 80 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA Em outras palaras. Não há, no que se refere ao ágio para fins fiscais, subsunção direta à legislação societária ou contábil. As regras tributarias têm sentido completo e não foram revogadas. como já se mencionou, o objetivo das alterações na norma societária tem justificativa na harmonização e transparência para a melhor avaliação de negócios. A regra tributaria, noutro giro, tem fundamento na necessidade de incentivar operações societárias que fortalecessem o mercado de capitais e a economia nacional51. Seja como for, sem a necessária revogação das normas insertas nos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97 e artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77, não se pode alegar alteração nessa sistemática por ofensa reflexa de uma legislação contábil produzida e implementada com objetivos totalmente diversos daqueles que justificaram a regra fiscal. concluSõeS: Em conclusão, pode-se afirmar que as alterações promovidas na legislação societária e nas regras para demonstrações financeiras foram fundadas na necessidade de harmonização dessas normas, com aquilo que vige internacionalmente. Essa harmonização, também influenciada pela recente crise financeira de 2009, teve como principal característica a melhor divulgação e reflexo da realidade de negócios na contabilidade das empresas, de maneira a que o mercado possa melhor avaliar o valor de uma sociedade ou os efeitos que a combinação de empresas pode gerar para o negócio e o mercado, como um todo. No Brasil, até o advento da Lei 11.638/07, a contabilidade societária e tributária ligavam-se umbilicalmente, a ponto de diversas regras contábeis e societárias terem sido editadas com nítidas motivações fiscais. como se disse, o cenário foi alterado. A contabilidade tem o seu objetivo e as regras tributárias idem. Nesse diapasão, a nova lei societária e a sua regulamentação, tanto em nível contábil quanto em nível societário, precisam ser corretamente estudadas e conhecidas, pois, como se disse, é a partir do seu correto conhecimento que 51 Argumento que pode ser levantado, ainda, funda-se no fato de que o valor pago na aquisição do negócio, que sobejar o PL ajustado da adquirida (ágio), necessariamente, gera ganho de capital para os acionistas vendedores. Ganho de capital, esse, sujeito a regular tributação. Em outras palavras, poder-se-ia, ainda, afirmar, que a regra introduzida pela Lei nº 9.532/97, em verdade, apenas reconheceu que, aquele que paga antecipadamente por resultados que espera auferir, deve e precisa, se reembolsar do imposto que vier a apurar, a partir da realização desta sua expectativa. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 80 29/5/2012 18:02:25 Antonio reinAldo rABelo Filho & thAlleS eduArdo SilvA grACelACio dA pAixão - 81 se conseguirá melhor traçar as regras de convivência entre elas e as normas de direito tributário, reconhecendo, necessariamente, a autonomia de ambas. Quanto ao ágio, especificamente, este estudo demonstrou a sua regulamentação para fins societários e tributários. Para estes últimos, parte- se de um conceito de valor da diferença paga em relação ao patrimônio líquido contábil ajustado do investimento realizado, fundamentado em estudo técnico que o reflita de maneira legitima. Percebeu-se, ainda, que o objetivo da regra vigente que permite a dedução, como despesa, para fins de apuração do IRPJ e da cSLL, da amortização do ágio, é a de estimular a combinação de negócios e o fortalecimento de grupos empresariais. Até que as normas insertas nos artigos 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97 venham a ser alteradas (isso acontecerá, obviamente, quando os motivos ensejadores das mesmas não mais prevalecerem na sociedade brasileira), estas vigem e precisam ser observadas. como não poderia deixar de ser, e de forma a pacificar as discussões e inseguranças que poderiam surgir a partir da publicação da referida norma societária nova, fez ainda questão de se inserir ali regra expressa, que afastasse qualquer pretensão tendente a entender alteradas ou derrogadas as normas tributarias a partir da norma societária. A essa regra de neutralidade deu-se o nome de Regime Tributário de Transição – RTT. Enfim, por todo o exposto, percebe-se que qualquer tendência da doutrina minoritária ou da Fazenda, em interpretar a realidade por outro prisma, só reforça o sentimento da sociedade de que na relação Fazenda X contribuinte sempre se preza, por linhas tortas, no sentido de amesquinhar os direitos dos últimos, aproveitando-se, a sorrelfa, de qualquer alteração normativa que possa, indireta ou remotamente, servir de base para tanto. Não se pode esquecer que desde a edição do Decreto-Lei nº 1598/77 a legislação tributária sobre o ágio sofreu poucas alterações em seu conceito. A jurisprudência administrativa sobre o tema, por quase trinta anos, também não demonstrou maiores controvérsias a respeito. Mas o que pode ter alterado tanto o entendimento pátrio sobre esse assunto de quatro anos para cá? Nada. Apenas a tendência de a Fazenda buscar impedir que os contribuintes se utilizem dos recursos que o ordenamento jurídico põe à sua disposição para melhor organizar os seus recursos, na busca do fortalecimento dos seus resultados. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 81 29/5/2012 18:02:25 82 - o AproveitAmento FiSCAl do ágio e AS AlterAçõeS dA legiSlAção SoCietáriA Não se pode, mais uma vez, nesse assunto, penalizar aqueles que agem ao encontro dos interesses da norma, valendo-se de estruturas legítimas, em função de negócios praticados de forma simulada ou viciada por parte de alguns contribuintes, esses sim passíveis de dura repressão por parte das Autoridades Fiscais. o ordenamento jurídico, de há muito, municia a Fazenda com as ferramentas necessária para coibir esse tipo de prática condenável. Essas práticas, porém, não podem levar a Fazenda a pretender restringir ou amesquinhar os conceitos e os objetivos da norma tributária que expressamente estimula a relação de negócios, através da permissão de dedução da amortização do ágio. Melhor seria, em se querendo atacar esse direito vigente, seguir o processo legislativo próprio e alterar as regras do jogo. A revogação dos artigos 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, ou ao menos a alteração dessas regras, de forma a que as mesmas albergassem diretamente os novos conceitos da legislação comercial, teriam o condão de impedir a utilização da amortização do ágio como despesa dedutível, desde que respeitado o direito adquirido pelos contribuintes diante do preenchimento dos requisitos impostos pela legislação tributária, preservando-se, com o isso, a segurança jurídica que deve nortear as relações entre estes e o Estado. Isso bastaria aos propósitos do Fisco e preservaria, ao menos, o sistema jurídico vigente. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 82 29/5/2012 18:02:25 Capítulo III Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo Imobilizado à Luz do Regime Tributário de Transição Carlos Henrique Tranjan Bechara Professor de Direito Financeiro e Tributário da PUC-RJ. Mestre em Direito Tributário pela Universidade CândidoMendes. Advogado. Sócio do Escritório Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária. Letícia Borges Rocha Lima Advogada Associada do Escritório Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 83 29/5/2012 18:02:26 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 84 29/5/2012 18:02:26 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 85 1. introdução o avanço do processo de globalização e o aumento dos investimentos no país levaram à necessidade de se conferir maior segurança para os investidores estrangeiros, bem como maior transparência na contabilidade das empresas brasileiras. Diante desse cenário, o Brasil iniciou o processo de convergência de suas normas contábeis para o padrão internacional, conhecido como International Financial Reporting Standards – IFRS. As modificações nas regras contábeis brasileiras foram basicamente introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28.12.2007 (Lei nº 11.638/07), que alterou e revogou dispositivos da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (Lei das S/A) e da Lei nº 6.385, de 7.12.1976 (Lei nº 6.385/76). Todavia, em 3.12.2008, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 449 (MP nº 449/08), com o objetivo de neutralizar os impactos fiscais decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis, na apuração das bases de cálculo de tributos federais, de modo a reduzir a insegurança jurídica gerada nos contribuintes. cumpre ainda mencionar que a MP nº 449/08, posteriormente convertida na Lei nº 11.941, de 27.5.2009 (Lei nº 11.941/09), criou o Regime Tributário de Transição (RTT), cuja aplicação era opcional para os anos de 2008 e 2009. No entanto, a partir de 2010, a adoção do RTT passou a ser obrigatória, até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis. o RTT foi criado com a finalidade de se preservar o princípio da neutralidade fiscal das mudanças inseridas no padrão contábil brasileiro, devendo ser aplicável às pessoas jurídicas sujeitas ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de acordo com a sistemática de apuração pelo lucro real ou lucro presumido. Não obstante, ao adotar o RTT para o IRPJ, a pessoa jurídica também ficará obrigada a aplicar o regime para: (i) a contribuição Social sobre o Lucro Líquido (cSLL); (ii) a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); e (iii) a contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (coFINS). o presente estudo foca-se na análise da nova sistemática de depreciação dos bens do ativo imobilizado, bem como nos efeitos fiscais e contábeis da aplicação dos novos critérios definidos pela Lei nº 11.638/07, que provocaram alterações na vida útil dos ativos e, por consequência, modificações nas taxas de depreciação. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 85 29/5/2012 18:02:26 86 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... Assim sendo, é imperioso examinar se, para fins tributários, a apuração das despesas de depreciação deve observar as novas regras societárias/contábeis brasileiras ou se tais despesas devem ser apuradas de acordo com os critérios anteriores à edição da Lei nº 11.638/07, por força da aplicação do Regime Tributário de Transição (RTT). 2. AS regrAS tributáriAS e SocietáriAS/contábeiS Sobre A dePreciAção de benS do Ativo imobilizAdo (i) regrAS tributáriAS Inicialmente, vale lembrar J. L. BuLhões Pedreira,1 no sentido de que a depreciação dos bens do ativo imobilizado pode ser compreendida como a diminuição de valor oriunda do “desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolência normal”. Dessa forma, estão submetidos a depreciações periódicas, portanto, os bens integrantes do ativo imobilizado sujeitos a desgastes e obsolescência que impliquem a redução de seu valor patrimonial. Em outras palavras, o valor depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da sua vida útil estimada. os efeitos tributários da depreciação de bens do ativo imobilizado são regidos pelos artigos 305 a 323 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99). confira- se abaixo o teor do citado artigo 305: “Art. 305. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada período de apuração, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57). § 1º a depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar o encargo econômico do desgaste ou obsolescência, de acordo com as condições de propriedade, posse ou uso do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 7þ).” [Grifos nossos] o artigo 307 do RIR/99, por sua vez, define os bens que são passíveis de depreciação fiscal pelas empresas, a saber: 1 PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a Renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969, pp. 6-56. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 86 29/5/2012 18:02:26 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 87 “Art. 307. Podem ser objeto de depreciação todos os bens sujeitos a desgaste pelo uso ou por causas naturais ou obsolescência normal, inclusive: I – edifícios e construções, observando-se que (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 9þ): a) a quota de depreciação é dedutível a partir da época da conclusão e início da utilização; b) o valor das edificações deve estar destacado do valor do custo de aquisição do terreno, admitindo-se o destaque baseado em laudo pericial; II – projetos florestais destinados à exploração dos respectivos frutos (Decreto-Lei nº 1.483, de 6 de outubro de 1976, art. 6º, parágrafo único). Parágrafo único. Não será admitida quota de depreciação referente a (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, §§ 10 e 13): I – terrenos, salvo em relação aos melhoramentos ou construções; II – prédios ou construções não alugados nem utilizados pelo proprietário na produção dos seus rendimentos ou destinados a revenda; III – bens que normalmente aumentam de valor com o tempo, como obras de arte ou antiguidades; IV – bens para os quais seja registrada quota de exaustão.” [Grifos nossos] Importa citar ainda o artigo 310 do RIR/99, que regula as taxas segundo as quais o contribuinte poderá tomar despesas de depreciação: “Art. 310. a taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 2º). § 1º a Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 3º). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 87 29/5/2012 18:02:27 88 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... § 2º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).” [Grifos nossos] como se vê, o artigo 310 do RIR/99 dispõe, em seu caput que, a taxa anual de depreciação deverá ser tomada pelo contribuinte “em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem”. Nesse sentido, o § 3º do artigo 57 da Lei nº 4.506, de 30.11.1964 (Lei nº 4.506/64) assegura ao contribuinte o direito de computar a quota adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotartaxa diferente da estabelecida pela administração do imposto de renda. cabe ressaltar que o parágrafo primeiro do artigo 310 do RIR/99 atribui à Secretaria da Receita Federal, atualmente denominada Receita Federal do Brasil, a competência para divulgar a vida útil admissível para cada espécie de bem. Assim, na esfera tributária, ainda que o contribuinte tenha o direito de fazer prova de uma condição distinta de depreciação para seus bens, como regra geral, as taxas anuais de depreciação serão definidas segundo os prazos de vida útil periodicamente divulgados pela Receita Federal do Brasil. A esse respeito, a Instrução Normativa SRF nº 162, de 31.12.1998 (IN nº 162/98), alterada pela Instrução Normativa SRF nº 130, de 10.11.1999 (IN nº 130/99), estabeleceu taxas anuais de depreciação para cada tipo de bem, variando desde 4% a 50%. A título exemplificativo, máquinas utilizadas na indústria são geralmente depreciáveis à taxa tributária de 10% ao ano, ou seja, as autoridades fiscais entendem que a vida útil média desse tipo de bem pode ser estimada em 10 anos, para fins de dedutibilidade tributária dos encargos de depreciação. Dessa maneira, ainda que um determinado tipo de máquina possa ter vida útil consideravelmente inferior ou superior a 10 anos, esse será o prazo admitido para fins de sua depreciação tributária. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 88 29/5/2012 18:02:27 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 89 Todavia, caso o contribuinte pretenda adotar taxa de depreciação superior àquela admitida pela regulamentação tributária, nos termos do Parecer Normativo cST nº 192, de 29.6.1972 (PN nº 192/72)2, deverá demonstrar devidamente a adequação de suas taxas especificamente adotadas, por meio de laudos periciais do Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica. 2 PN nº 192/72: O desgaste provocado pelo uso intensivo ou anormal dos bens pertencentes ao ativo imobilizado das pessoas jurídicas de direito privado poderá determinar a adoção de taxas especiais de depreciação, devendo as interessadas comprovar a adequação das taxas que utilizarem, ou, em caso de dúvida, justificá-las com base em laudo técnico expedido por órgão oficial competente. As empresas que empreguem os coeficientes de depreciação acelerada em decorrência de expressa previsão legal poderão também utilizar taxas especiais de depreciação, quando estas se fizerem necessárias, observadas as regras pertinentes, desde que o seu montante não ultrapasse em qualquer tempo o custo de aquisição dos bens, atualizado monetariamente. As taxas anuais de depreciação a serem calculadas pelas empresas com base no custo de aquisição dos bens atualizado monetariamente são as resultantes da jurisprudência administrativa nos termos do item 63 da Instrução Normativa nº 2 de 12.9.69. 2. Sendo estas taxas determinadas em função dos prazos considerados ideais para a utilização econômica dos bens, em condições normais, aplicam- se indistintamente a todas as empresas. 3. Entretanto, quando os bens são submetidos a condições anormais de utilização, o desgaste decorrente poderá justificar a majoração das taxas. Para tanto, o emprego de taxas especiais de depreciação deve proceder da necessidade comprovada de submeter os bens a condições anormais de uso, sendo de fundamental interesse a existência de prova cabal da ocorrência do desgaste ou inutilização prematura destes mesmos bens. Tal é o sentido dos §§ 3º e 4º do artigo 186 do RIR (Decreto 58.400, de 10.05.66). 4. Considerando-se que a majoração das taxas de depreciação decorre de situação especialíssima, o próprio legislador admitiu que, nas casos de dúvida, as empresas e a própria autoridade lançadora poderão solicitar perícias ao Instituto Nacional de Tecnologia ou a outras entidades oficiais de pesquisa científica ou tecnológica, acatando-se as opiniões destes órgãos, as quais prevalecerão enquanto não forem modificadas por decisões das autoridades competentes, conforme o disposto no § 5º do artigo 186 do RIR. 5. De se notar que esta providência também se aconselha às empresas que exerçam atividades técnicas e que em virtude desta condição estejam aptas a realizar estudos com a finalidade de adotar, nos termos do § 5º do artigo 186 do RIR., taxas especiais de depreciação já que as suas conclusões em causa própria não preenchem os objetivos do citado dispositivo. 6. Outro tipo de depreciação prevista em lei é a acelerada - (art. 57., § 5º da Lei 4.506, de 30.11.64), destinada a aplicação somente quanto a atividades ou indústrias expressamente previstas em atos do Poder Executivo (vide Decretos 54.298, de 29.09.64; 60.943, de 5.7.67; 61.083, de 27.7.67 e 61.979, de 28.12.67). 7. A depreciação acelerada é restrita aos casos especialmente previstos e tem por finalidade exclusiva estimular a renovação e modernização dos equipamentos utilizados por determinados tipos de indústrias ou atividades, independendo, para a sua aplicação, do desgaste anormal dos bens, por força do que dispõe o artigo 186 § 6º do RIR. 8. Desta afirmativa se infere que as empresas alcançadas pela faculdade da depreciação acelerada, e enquanto esta durar, podem utilizá-la tomando por base as taxas especiais de depreciação. 9. Por todo o exposto conclui-se que as empresas podem adotar taxas adequadas de depreciação dos bens independentemente de prévia audiência da Repartição, cabendo se valer, quando não tiverem absoluta certeza do acerto do seu procedimento, de perícia do Instituto Nacional de Tecnologia ou de outras entidades oficiais de pesquisa científica ou tecnológica. 10. Em qualquer situação, entretanto, as empresas não poderão contabilizar como custo ou despesa operacional, em face das taxas adotadas, cotas de depreciação superiores ao custo de aquisição dos bens atualizados monetariamente e as que se utilizarem dos coeficientes de depreciação acelerada, nas condições estabelecidas pela legislação específica, poderão, quando for o caso, aplicá-los, tomando por base as taxas especiais de depreciação. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 89 29/5/2012 18:02:27 90 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... Por outro lado, o Parecer Normativo cST nº 79, de 1.11.1976 (PN nº 79/76)3, esclarece que é facultado ao contribuinte aplicar taxas menores de depreciação, sem que isso represente renúncia ou perda futura do direito à utilização das taxas de depreciação. contudo, embora de maneira controversa, o PN nº 79/76 dispõe que as importâncias não apropriadas não poderão ser recuperadas, posteriormente, através da utilização de taxas superiores às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial. Adicionalmente, a própria legislação tributária, nos artigos 312 e 313 do RIR/994, prevê hipóteses de depreciação acelerada, em que o contribuinte poderá diminuir os prazos médios de depreciação, com base nos números de horas 3 PN nº 79/76: Indaga-se se o direito à depreciação acelerada dos bens do Ativo Imobilizado pode deixar de ser exercitado, em um ou mais exercícios, inclusive para possibilitar o uso, alternadamente, da depreciação à taxa normal ou a taxas inferiores a esta, assegurado à empresa a possibilidade de postergar tais encargos para exercícios posteriores à vida útil prevista para o bem. 2. A depreciação dos bens do Ativo é uma faculdade, não uma obrigação, conforme se depreende da análise literal dos dispositivos do Regulamento do Imposto de Renda que tratam da matéria: artigo 193, § 2º (normal), § 3º (por turnos de trabalho), §§ 4º e 5º (uso em condições anormais), e 194 e §§ (por incentivo fiscal). Essa afirmativa é fundada nos vocábulos “poderá” e “poderão”, insertos no início dos artigos citados. Assim, não há obrigatoriedade de se efetuar a depreciação em todos os exercícios financeiros de atividade da empresa. A legislação tributária fixa percentuais máximose períodos mínimos de depreciação, não proibindo a empresa de apropriar quotas inferiores às permitidas, ou mesmo deixar de depreciar. 3. Além disso, como a incidência do Imposto de Renda é baseada em espaços de tempo perfeitamente delimitados (artigo 127 caput, § 1º do artigo 135 e 221 caput do RIR/75), é de se admitir que a opção por qualquer das formas de depreciação seja efetuada em cada um dos exercícios. Logo, a empresa poderá utilizar-se ora da depreciação normal, ora da depreciação acelerada, se a esta tiver direito. 4. Porém, se a empresa adotar qualquer taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias não apropriadas não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas superiores às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial. Deverá, outrossim, ser observado que a taxa de depreciação a ser aplicada ao montante da variação do valor original dos bens (conta “correção monetária” ou semelhante) deve ser exatamente igual à aplicada ao custo original do bem que lhe deu causa. Tal afirmação decorre do § 1º do artigo 193 do RIR/75, que determina que a taxa anual de depreciação será aplicada “... sobre o custo de aquisição dos bens depreciáveis, atualizado monetariamente...”. O fato de o custo original e sua correção serem contabilizados em contas distintas, no Ativo Imobilizado (alínea “b” do art. 243. do RIR/75), não autoriza a interpretação de que a correção monetária e custo original tenham natureza diferente; ao contrário, são um todo indissociável que representa o custo atualizado do bem objeto da depreciação. Além disso, deverá, também, ser sempre observado o limite previsto no § 17 do artigo 193 do RIR/75, bem como o disposto no § 10 do mesmo artigo. 5. Ressalte-se, por fim, que, embora a depreciação seja facultativa, a correção monetária dos bens do Ativo Imobilizado é obrigatória (art. 239.). Assim, ressalvadas as exceções e observados os demais dispositivos legais pertinentes, a empresa deverá efetuar a correção monetária dos bens do Ativo em todos os exercícios de sua atividade, mesmo quando não efetue a depreciação ou a efetue a taxas inferiores às permitidas. 4 Art. 312. Em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em função do número de horas diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação acelerada (Lei nº 3.470, de 1958, art. 69): I - um turno de oito horas...1,0; II - dois turnos de oito horas...1,5; III - três turnos de oito horas...2,0. Parágrafo único. O encargo de que trata este artigo será registrado na escrituração comercial. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 90 29/5/2012 18:02:28 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 91 diárias de operação dos bens móveis considerados, como forma de incentivar a implantação, inovação ou modernização de instalações e equipamentos. Neste sentido, o Parecer Normativo cST nº 95, de 1.9.1975, esclarece que as cotas anuais de depreciação dos bens móveis do ativo imobilizado podem ser computadas aplicando-se, cumulativamente, os coeficientes de aceleração em razão dos turnos de trabalho e aqueles concedidos a título de incentivo fiscal. Verifica-se, portanto, que, além da depreciação normal dos bens do ativo imobilizado, prevista no artigo 305 do RIR/99, e da depreciação acelerada contábil, descrita no artigo 312 do mesmo dispositivo, a Lei nº 8.191, de 11.6.1991 (Lei nº 8.191/91), concede a setores específicos a chamada depreciação acelerada incentivada, que consiste na depreciação integral dos bens adquiridos ou na utilização de taxas maiores que as usuais, cujo efeito é a antecipação de custos/despesas. Saliente-se que a referida antecipação de custos e despesas é feita pela via da exclusão do lucro líquido para fins de determinação do lucro real. Portanto, a diferença entre os valores dos encargos contabilizados e os admitidos pela legislação que concede o incentivo será controlada no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR). Importante notar que o total da depreciação acumulada, incluindo a contábil e a fiscal, não poderá ultrapassar o custo do bem depreciado. Por essa razão, a partir do momento em que for atingido o custo do bem depreciado, as quotas da depreciação registradas na escrituração comercial serão adicionadas ao lucro líquido, para efeito da determinação do lucro real e da base de cálculo da cSLL, com a concomitante baixa na conta de controle do livro fiscal de apuração do lucro real. Art. 313. Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e equipamentos, poderão ser adotados coeficientes de depreciação acelerada, a vigorar durante prazo certo para determinadas indústrias ou atividades (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 5º). § 1º A quota de depreciação acelerada, correspondente ao benefício, constituirá exclusão do lucro líquido, devendo ser escriturada no LALUR (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 8º, inciso I, alínea “c”, e § 2º). § 2º O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá ultrapassar o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º). § 3º A partir do período de apuração em que for atingido o limite de que trata o parágrafo anterior, o valor da depreciação normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de determinar o lucro real. § 4º As empresas que exerçam, simultaneamente, atividades comerciais e industriais poderão utilizar o benefício em relação aos bens destinados exclusivamente à atividade industrial. § 5º Salvo autorização expressa em lei, o benefício fiscal de que trata este artigo não poderá ser usufruído cumulativamente com outros idênticos, exceto a depreciação acelerada em função dos turnos de trabalho. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 91 29/5/2012 18:02:28 92 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... Resta a análise dos setores específicos que poderão usufruir da depreciação acelerada incentivada. A Lei nº 11.196, de 21.11.2005, em seu artigo 37, prevê que as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de geração de energia elétrica poderão desfrutar da referida depreciação em relação aos bens novos do ativo imobilizado, exceto terrenos adquiridos ou construídos a partir de 22.11.2005 e até 31.12.2013. A Lei nº 11.727, de 23.6.2008, por sua vez, concede à pessoa jurídica que explore a atividade de hotelaria o direito de utilizar a depreciação acelerada incentivada para os seus bens móveis integrantes do ativo imobilizado, adquiridos a partir de 3.1.2008 até 31.12.2010. As empresas industriais fabricantes de veículos e de autopeças e as pessoas jurídicas fabricantes de bens de capital também terão direito à depreciação acelerada, calculada pela aplicação da taxa de depreciação usualmente admitida, multiplicada por 4 (quatro), sem prejuízo da depreciação normal, conforme previsto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 11.774, de 17.9.2008.5 Ademais, de acordo com os artigos 31 e 32 da Lei nº 11.196/05, as pessoas jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação, modernização ou diversificação enquadrado em setores da economia considerados prioritários para o desenvolvimento regional, localizadas nas áreas das extintas SUDENE e SUDAM e que gozem da redução de 75% (setenta e cinco por cento) do imposto sobre a renda e adicionais, usufruirão do direito à depreciação acelerada incentivada. cumpre mencionar ainda que o referido incentivo também foi estendido às pessoas jurídicas que explorem a atividade rural. Nesse caso, conforme previsão do artigo 314 do RIR/99, os bens do ativo permanente imobilizado, exceto a terra nua, adquiridos para uso na atividade rural, poderão ser depreciados integralmente no próprio ano de aquisição. Por fim, as empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação que investirem em atividades de pesquisa e desenvolvimentoem tecnologia da informação farão jus aos benefícios da 5 A depreciação acelerada se aplica às máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, novos, relacionados nos Anexos I e II do Decreto nº 6.701 de 18.12.2008, adquiridos entre 1.5.2008 e 31.12.2010, destinados ao ativo imobilizado e empregados em processo industrial do adquirente. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 92 29/5/2012 18:02:28 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 93 depreciação acelerada incentivada6. No entanto, tais empresas deverão investir, anualmente, em atividades de pesquisa a serem realizadas no país, no mínimo 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de informática.7 com relação a todos os casos de depreciação descritos, conclui-se que, na esfera tributária – ou seja, para fins de dedutibilidade das despesas de depreciação da base de cálculo do IRPJ e cSLL –, a regra geral é a de que o contribuinte deverá adotar as taxas de depreciação especificamente estabelecidas pela regulamentação tributária em vigor, que não necessariamente corresponderão ao efetivo prazo de vida útil de cada classe de bens do ativo imobilizado. Por outro lado, as normas societárias/contábeis sobre depreciação de bens do ativo imobilizado, especialmente após a edição da Lei nº 11.638/07, adotaram critérios distintos, que poderão gerar diferenças significativas em relação aos resultados das despesas de depreciação dos mesmos bens tomadas para fins tributários. cumpre destacar que o comitê de Pronunciamentos contábeis (cPc), criado pela Resolução do conselho Federal de contabilidade nº 1.055, de 7.10.2005 (Resolução cFc nº 1.055/05) passou a emitir Pronunciamentos Técnicos para orientar os novos procedimentos contábeis brasileiros tendo em vista o processo de convergência aos padrões globais8. A esse respeito, cabe mencionar que os Pronunciamentos Técnicos do cPc de nº 01 (cPc 01)9 e o de nº 27 (cPc 27)10, estabeleceram, respectivamente, os procedimentos relativos ao chamado teste de recuperabilidade (ou impairment test) de ativos e as regras a serem observadas na escrituração contábil da depreciação de bens do ativo imobilizado de uma sociedade. 6 Artigo 4º da Lei nº 8.248 de 23.10.1991 (Lei nº 8.248/91). 7 Artigo 11 da Lei nº 8.248/91 dada pelo artigo 1º da Lei nº 11.077, de 30.12.2004. 8 De acordo com o artigo 3º da Resolução CFC nº 1.055/05, o CPC tem por objetivo: “O estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”. 9 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.292, de 20.8.2010 (Resolução CFC 1.292/10) e pela Deliberação da CVM nº 639, de 7.10.2010 (Deliberação 639/10). 10 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.177, de 24.1.2009 (Resolução CFC 1.177/09) e pela Deliberação da CVM nº 583, de 31.7.2009 (Deliberação 583/09). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 93 29/5/2012 18:02:29 94 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... (ii) regrAS SocietáriAS/contábeiS (ii.A) ASPectoS SocietárioS/contábeiS AnterioreS à lei nº 11.638/07 De forma geral, embora as regras societárias/contábeis brasileiras não tivessem qualquer obrigação de seguir as regras previstas na legislação tributária a respeito da sistemática de depreciação, na prática, era isso que acabava ocorrendo. Isso porque, em linhas gerais, a legislação societária determinava, de forma relativamente ampla, que as empresas deveriam registrar periodicamente a diminuição do valor dos elementos do ativo imobilizado nas contas de depreciação, amortização ou exaustão, conforme o caso. Assim, para facilitar seus controles, gerenciais, societários/contábeis e tributários, via de regra, as empresas acabavam optando por unificar as taxas de depreciação e tomá-las de forma conjunta, tanto para fins societários/contábeis, como para fins tributários. (ii.b) ASPectoS SocietárioS/contábeiS PoSterioreS à lei nº 11.638/07, Ao cPc 01 e cPc 27 com a edição da Lei nº 11.638/07, que alterou a Lei das S/A e, com ela, o padrão contábil brasileiro, as sociedades por ações e as sociedades de grande porte passaram a aplicar critérios mais específicos e rigorosos no tratamento dos efeitos contábeis da depreciação dos bens do ativo imobilizado. Ressalte-se que as sociedades limitadas também estão sujeitas às novas regras contábeis brasileiras, mesmo quando não estiverem enquadradas como sociedades de grande porte. Nesse sentido, cumpre expor os ensinamentos de LYGIA cARoLINE SIMÕES cARVALho: “Mesmo que as sociedades limitadas não tenham seu estatuto jurídico regrado pela Lei 6.404/76, os dispositivos do código civil não dispõem sobre padrões contábeis mais detalhados. Devido à tal ausência, devem ser observados os dispositivos da Lei das Sociedades por Ações (lei 6.404/76). Ademais, os sócios quotistas poderão prever no contrato social a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, obrigando a aplicação das regras contábeis previstas na lei 6.404/76 (...) Portanto, as sociedades limitadas, mesmo que não enquadradas como sociedades de grande porte, não estão excluídas das regras dos novos padrões contábeis brasileiros. as normas contábeis instituídas pela lei Direito Tributário Societário Vol. III.indd 94 29/5/2012 18:02:29 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 95 11.638/07 devem ser aplicadas e observadas por todas as sociedades sediadas no país independente da espécie societária.”11 [Grifos nossos] Especificamente, o artigo 183, § 2º, da Lei das S/A, em sua redação atual, dispõe ainda que as sociedades devem registrar periodicamente a diminuição do valor dos elementos do ativo imobilizado, estendendo também esse tratamento aos bens do ativo intangível. confira-se: “Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo os seguintes critérios: (...) § 2º a diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009) a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência; b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado na aquisição de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer outros com existência ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização por prazo legal ou contratualmente limitado; c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos minerais ou florestais, ou bens aplicados nessa exploração.” [Grifos nossos] Por sua vez, o parágrafo terceiro, inciso II, do mesmo artigo 183 passou a determinar que essas sociedades procedam ao chamado teste de recuperabilidade (ou impairment test) para esses mesmos bens, confira-se: “§ 3º a companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a fim de que sejam: I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que 11 CARVALHO, Lygia Caroline Simões. Os novos critérios contábeis do ativo imobilizado e os reflexos tributários. Fiscosoft. 2011/2012, p. 1. Disponível em: <http://www.fiscosoft. com.br//main_online_frame.php?home=federal&secao=1&page=/bf/bf.php?s=1¶ms=F:: expressao=os%20novos%20crit%E9rios%20cont%E1beis%20do%20ªtivo %20imobilizado%20 lygia>. Acessado em 20.5.2011. Direito TributárioSocietário Vol. III.indd 95 29/5/2012 18:02:30 96 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir resultados suficientes para recuperação desse valor; ou II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.” [Grifos nossos] com base nessas disposições, o cPc 01 definiu as regras para as empresas procederem ao teste de recuperabilidade, avaliando ao menos uma vez por ano, quando da elaboração de suas demonstrações contábeis anuais, se há alguma indicação de que seus ativos ou o conjunto deles, porventura, teriam perdido representatividade econômica relevante. Nesse sentido, o próprio cPc 01 enumera algumas possibilidades de indícios de perda no valor dos ativos, tais como: (i) o valor de mercado do ativo diminuiu sensivelmente, mais do que se esperaria com a passagem do tempo ou do uso normal; (ii) mudanças significativas no cenário tecnológico, econômico ou legal no qual a entidade opera; (iii) obsolescência ou dano físico dos ativos; dentre outros. caso o valor recuperável exceda o valor contábil do ativo, não haverá desvalorização nem necessidade de estimar outro valor para o bem. Entretanto, no caso do valor recuperável do ativo ser menor do que o valor contábil do bem, a diferença existente entre tais valores deverá ser ajustada pela constituição de provisão para perdas, conta redutora do valor dos ativos, em contrapartida ao resultado do período. Ademais, a empresa deverá seguir as disposições do cPc 27 relativamente ao tratamento contábil das despesas de depreciação dos bens do seu ativo imobilizado. Em linhas gerais, o cPc 27 prevê diferentes métodos para o tratamento contábil de despesas de depreciação, sendo que o método de depreciação utilizado deve refletir o padrão de consumo, pela entidade, dos benefícios econômicos futuros do ativo a que se refere. Essencialmente, a sociedade deve adotar taxas de depreciação que reflitam de forma efetiva a vida útil de cada um dos bens do seu ativo imobilizado. Assim, após o reconhecimento da provisão para perdas resultantes do teste de recuperabilidade, as despesas de depreciação dos ativos desvalorizados devem ser calculadas em períodos futuros pelo novo valor contábil apurado, ajustado ao período de sua vida útil remanescente. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 96 29/5/2012 18:02:30 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 97 como se vê, à luz das novas regras societárias/contábeis em vigor, o tratamento da depreciação de bens do ativo imobilizado ficou sujeito a critérios mais específicos e distintos daqueles estabelecidos pela legislação tributária. No entanto, a introdução das novas regras societárias/contábeis no país se deu sob o chamado princípio da neutralidade tributária, conforme expressamente veiculado na MP nº 449/08, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/09. Infere-se, portanto, que as novas regras contábeis estabelecidas no cPc 01 e no cPc 27 para a depreciação dos bens do ativo imobilizado não devem ter efeitos tributários para os contribuintes que as adotam. 3. A neutrAlidAde tributáriA nA mudAnçA do PAdrão Societário/contábil brASileiro e o rtt Inicialmente, as mudanças nas regras contábeis trazidas pela Lei nº 11.638/07 geraram dúvidas a respeito dos eventuais efeitos tributários delas resultantes. Em outras palavras, caso ocorressem divergências entre o disposto na legislação tributária e nas novas regras societárias/contábeis, discutir-se-ia quais regras deveriam prevalecer, para fins tributários. Todavia, a análise do processo legislativo que levou à aprovação da Lei nº 11.638/07 nos permite afirmar que as mudanças trazidas por essa lei tiveram por objetivo exclusivo harmonizar a legislação contábil brasileira aos padrões contábeis internacionais, sem qualquer reflexo tributário. A esse respeito, confira-se o ensinamento de ELIDIE PALMA BIFANo: “Durante a discussão do projeto de lei que se transformou na L. 11.638/07, tomou-se como premissa, consignada na própria Exposição de Motivos da lei, que a adoção dos padrões contábeis internacionais não teria qualquer reflexo tributário, seja de acréscimo de encargo, para o contribuinte, seja de redução da receita para o Estado brasileiro. Esse pressuposto orientador permitiu que, pela primeira vez, no Brasil, a contabilidade pudesse ser praticada em toda a pureza de suas regras e as disposições tributárias pudessem ser cumpridas em sua inteireza gerando, para o contribuinte, os efeitos que delas são esperados.”12 12 BIFANO, Elidie Palma. O Direito Contábil da Lei Nº 11.638/07 à Lei Nº 11.941/09. In: ROCHA, Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, Capítulo VII, p. 172. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 97 29/5/2012 18:02:30 98 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... o Governo Federal confirmou expressamente esse entendimento ao sancionar, em 27.5.2009, a Lei nº 11.941/09, fruto da conversão em lei da MP nº 449/08. Nos termos de sua Exposição de Motivos, um dos objetivos da referida lei é justamente o de “neutralizar os impactos dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, na apuração das bases de cálculos de tributos federais”, removendo assim a insegurança jurídica causada nos contribuintes com a edição da Lei nº 11.638/07. Nesse contexto, a Lei nº 11.941/09 criou o chamado RTT, por meio do qual se neutralizam os efeitos tributários decorrentes da adoção das novas regras de harmonização do padrão contábil brasileiro com o internacional. Para os anos-calendário de 2008 e 2009, a adoção do RTT era opcional, sendo que, a partir de 2010, a adoção desse regime passou a ser obrigatória e automática, sendo aplicável até a entrada em vigor de lei que discipline especificamente os efeitos tributários de cada um dos novos métodos e critérios contábeis aplicáveis a partir da edição da legislação em referência. o artigo 16 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da própria Lei nº 11.941/09, que “modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício” não terão efeitos para fins de apuração do lucro real (IRPJ) das empresas sujeitas ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007. Nos termos dos artigos 15, § 3º e 20 da Lei nº 11.941/09, o RTT será também aplicável à apuração da base de cálculo da cSLL, bem como do PIS e da coFINS. Isso quer dizer que, na vigência do RTT, para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ, cSLL, PIS e coFINS, deverão ser aplicados os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007, sem se considerar as alterações nas práticas contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07 e pelos artigos 37 e 38 da Lei nº 11.941/09. Para esse fim, o artigo 17 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as pessoas jurídicas deverão apurar, primeiramente, o resultado do exercício de acordo com as disposições da Lei das S/A., com as modificações introduzidas pela Lei nº 11.638/07 e pela própria Lei nº 11.941/09. As companhias abertas e outras que optem pela observância das regras a elas aplicáveis deverão ainda Direito Tributário Societário Vol. III.indd 98 29/5/2012 18:02:30 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 99 observar as normas emitidas pela comissão de Valores Mobiliários (cVM). Ato contínuo, as pessoas jurídicas sujeitas ao RTT deverão proceder a ajustes específicos no lucro líquido do período apurado no LALUR, de modo a reverter o efeito da utilização de critérios contábeis diferentes daquelesvigentes em 31.12.2007. Por fim, serão realizados os demais ajustes no LALUR para a adição, exclusão e compensação dos valores prescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto. A esse respeito, convém citar os esclarecimentos sobre os ajustes no LALUR lançados no Manual de contabilidade Societária, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/ USP – FIPEcAFI, in verbis: “Para fins contábeis, porém, não se deve simplesmente aceitar e adotar as taxas de depreciação fixadas como máximas pela legislação fiscal, ou seja, deve-se fazer uma análise criteriosa dos bens da empresa que formam seu Imobilizado e estimar sua vida útil econômica e seu valor residual, considerando suas características técnicas, condições gerais de uso e outros fatores que podem influenciar em sua vida útil. como conseqüência, quando determinado bem ou classe de bens tiver vida útil provável diferente da permitida fiscalmente, deve-se adotar a vida útil estimada como base para registro da depreciação na contabilidade, e a diferença entre tal depreciação e a aceita fiscalmente deve ser lançada como ajuste no Livro de apuração do Lucro Real. o ajuste alcança tanto a hipótese de depreciação registrada na contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará em uma adição à base tributável referente à parcela considerada não dedutível) quanto a da depreciação registrada na contabilidade ser menor que a admitida para fins de apuração do imposto. Nessa última possibilidade, a entidade poderá excluir da base tributável a parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares. Pode acontecer, tendo como base essa última situação, de um ativo imobilizado estar completamente depreciado para fins fiscais e ainda estar sendo depreciado na contabilidade societária.” [Grifos nossos] Em suma, pode-se dizer que a vida útil de um ativo imobilizado, estimada por meio de um laudo técnico, deve ser registrada para fins societários/contábeis, independentemente da legislação tributária. No entanto, caso a taxa de depreciação Direito Tributário Societário Vol. III.indd 99 29/5/2012 18:02:31 100 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... registrada contabilmente seja maior que a taxa recomendada pelo Fisco, gerando um aumento nas despesas e diminuição do lucro líquido, a base tributável do imposto deve ser aumentada a fim de corrigir as distorções tributárias decorrentes de uma alteração na contabilidade. Por outro lado, há a possibilidade de a taxa de depreciação contábil ser menor do que a taxa admitida para fins tributários e, nesse caso, deve-se diminuir a base tributável do imposto. Esse procedimento foi ainda detalhado e regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 949, de 16.6.2009 (IN nº 949/09), que criou também o chamado controle Fiscal contábil de Transição (FcoNT). o FcoNT faz o papel da escrituração fiscal em um sistema de partidas dobradas, feita de modo auxiliar e separado da escrituração contábil das empresas na aplicação do RTT. No que tange à finalidade do FcoNT, convém mencionar as lições de IAN MUNIZ: “o objetivo do FcoNT é registrar as diferenças existentes entre o resultado apurado, em conformidade com os métodos e critérios contábeis aplicáveis à legislação tributária, ou seja, aqueles vigentes em 31 de dezembro de 2007. Assim, deverão ser registradas, em partidas dobradas, os valores que afetem as contas patrimoniais e de resultado, de forma a reconciliar o resultado apurado entre os métodos e critérios contábeis e aqueles aplicáveis à legislação tributária.”13 com efeito, nos termos do artigo 16, parágrafo único da Lei nº 11.941/09, todos os comentários acima referentes à neutralização promovida pelo RTT aplicam-se igualmente às normas expedidas pela cVM, bem como aos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade, tais como o cPc, o conselho Federal de contabilidade (cFc), dentre outros. Em resumo, para as empresas sujeitas ao RTT, a determinação das bases de cálculo do IRPJ, da cSLL, do PIS e da coFINS será efetuada com base na legislação tributária atual, conforme aplicada sobre os critérios contábeis vigentes em 31.12.2007, ou seja, sem se levar em conta os efeitos das alterações societárias/contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07, pelos artigos 37 e 38 13 MUNIZ, Ian e MONTEIRO, Marco Antonio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA, Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, Capítulo XIII, p. 273. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 100 29/5/2012 18:02:31 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 101 da Lei nº 11.941/09, ou ainda pelos normativos da cVM ou pronunciamentos do cPc. Nesses termos, convêm destacar a Solução de consulta da Receita Federal nº 15, de 18.2.2011, pela qual se reconhece, sob a égide do RTT, o direito de uma sociedade manter os mesmos índices de depreciação que eram usados antes das alterações da norma contábil, implementadas pela Lei nº 11.638/07. “MiNiSTÉRio Da FaZeNDa SeCReTaRia Da ReCeiTa FeDeRaL SoLUÇÃo DE coNSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011 aSSUNTo: contribuição Social sobre o Lucro Líquido – cSLL e M e N Ta : BA S E D E c Á L c U L o. E N c A R G o S DE DEPREcIAÇÃo. AJUSTES DEcoRRENTES DA LEGISLAÇÃo SocIETÁRIA. EFEIToS TRIBUTÁRIoS. os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007, e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins de apuração da base de cálculo da contribuição Social para o Lucro Líquido (cSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.” Por tais razões, a nosso ver, na vigência do RTT, permanece válida a atual sistemática de depreciação dos bens do ativo imobilizado prevista na legislação tributária. Além do acima exposto, deve ainda ser considerado que a Lei nº 11.638/07, assim como as normas posteriores que a alteraram, não revogaram expressa ou tacitamente as disposições contidas no RIR/99 ou na legislação tributária que disciplinam a depreciação dos bens componentes do ativo. Em outras palavras, por mais que tenha sido editada uma nova legislação disciplinando aspectos societários/contábeis, as normas tributárias que regulam a sistemática e o tratamento aplicáveis às depreciações não foram revogadas. Dessa forma, ainda que não houvesse sido editado o RTT conforme acima exposto, as disposições dos artigos 305 a 323 do RIR/99 e a legislação tributária aqui mencionada permaneceriam válidas e eficazes, possibilitando a depreciação tributária nos termos anteriormente detalhados. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 101 29/5/2012 18:02:31 102 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... 4. AlterAção dA tAxA de dePreciAção entendidA como AlterAção de critério contábil conforme anteriormente mencionado, as alterações introduzidas pela Lei no 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da Lei nº 11.941/09, que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computados na apuração do lucro líquido do exercício, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007. Urge então identificar o que se entende por alteração de critério contábil de reconhecimento de receitas, custos e despesas. A esse respeito, convém destacar oposicionamento do cPc 13, o qual trata da adoção inicial da Lei nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/08: “3. As exigências de ajustes trazidos pela Lei nº 11.638/07 e Medida Provisória nº 449/08 não se enquadram como mudança de circunstâncias, estimativas ou evento econômico subseqüente, pois decorrem de processo normativo em direção às Normas Internacionais de contabilidade. assim, este Pronunciamento considera que os ajustes devem ser contabilizados de acordo com as disposições contábeis aplicáveis à mudança de critério (ou prática) contábil. (...)” [Grifos nossos] Infere-se, pois, que os novos ajustes contábeis trazidos pela Lei no 11.638/07, os quais refletem o processo de convergência às Normas contábeis Internacionais, são tratados pelo cPc 13 como mudança de critério contábil. Portanto, parece claro que, quando a Lei no 11.638/07 prevê a análise periódica da vida útil do imobilizado e o ajuste da sua taxa de depreciação, temos uma mudança no critério contábil de apuração do lucro líquido que se encontra sujeita à neutralidade assegurada pelo RTT. Vale ressaltar que, enquanto durar o RTT, a mudança dos critérios societários/contábeis não gera qualquer efeito na apuração do lucro real, pois, para fins tributários, são aplicados os critérios contábeis anteriores à edição da Lei no 11.638/07. Todavia, parte da doutrina adota um entendimento diferente do ora exposto, considerando que a alteração da taxa de depreciação do ativo imobilizado não representa uma mudança no critério contábil de reconhecimento de receitas, Direito Tributário Societário Vol. III.indd 102 29/5/2012 18:02:31 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 103 custos e despesas. A esse respeito, vale mencionar os ensinamentos de EDMAR oLIVEIRA ANDRADE FILho: “o dever de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida útil econômica estimada dos bens não decorre, propriamente, uma norma introdutória de um novo critério ou método contábil. a rigor, a norma (o mandamento que proíbe, permite ou obriga) já estava pressuposta no ordenamento jurídico contábil da Lei nº 6.404/76, porquanto esse critério contábil constitui verdadeiro ‘princípio contábil geralmente aceito’ aos quais faz expressa referência o caput do artigo 177 da citada Lei. Se assim é – e estou convicto disto – a Lei nº 11.638/07 tem, neste particular, caráter meramente interpretativo na medida em que dá nova roupagem formal (texto normativo) a uma norma (mandamento, proibição, obrigação) já existente na ordem jurídica ao tempo da edição da lei citada. Se o dever criado pelo texto da nova Lei já existia antes do seu advento, parece claro que não há a novidade requerida pela Lei nº 11.941/09 para submeter os efeitos contábeis respectivos ao regime do RTT. A prova cabal da tese que estou a sustentar pode ser encontrada na norma do artigo 310 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99) que estabelece – com todas as letras – que: ‘a taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos’. Essa regra foi introduzida no ordenamento jurídico vigente por uma Lei de 1964. Portanto, a regra contábil já fora expressamente adotada pela lei tributária e isto serve de prova cabal de que novidade não há nesta matéria.”14 [Grifos nossos] conforme leciona EDMAR oLIVEIRA ANDRADE FILho, o dever de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida útil econômica dos bens já se encontrava previsto no caput do artigo 177 da Lei das S/A, e no caput do artigo 310 do RIR/99, in verbis: 14 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933, p. 2. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br//main_online_frame.php?home= federal&secao=1&page=bfbf.php?s=1¶ms=F::expressao=ajuste%20da%20taxa%20 de%20 deprecia%E7%E3º>. Acessado em 20.5.2011. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 103 29/5/2012 18:02:32 104 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... “Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.” “Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 2º).” Assim, de acordo com tal entendimento, o preceito da Lei nº 11.638/07, que dá nova redação ao § 3º do artigo 183 da Lei das S.A, possuiria caráter meramente interpretativo, ao determinar que a companhia efetue “periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a fim de que sejam: (...) II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.” Pelo exposto, concluir-se-ia que a regra instituída pela nova lei societária/ contábil, sobre o ajuste da vida útil e da taxa de depreciação do imobilizado, não representaria novo critério contábil, logo, o eventual efeito produzido no lucro líquido não estaria sujeito à neutralidade temporal do RTT. Não obstante, a nosso ver, o objetivo principal da Lei nº 11.638/07 foi o de promover profundas alterações nas normas brasileiras de contabilidade, a fim de adequá-las aos padrões internacionais. Assim, se foi a Lei nº 11.638/07 que incluiu o inciso II no §3º do artigo 183 da Lei das S/A, o qual prevê expressamente a revisão e o ajuste da taxa de depreciação, tal inciso não deve ser encarado como uma mera norma interpretativa. Ademais, se o referido dispositivo não alterasse um critério contábil e fosse somente uma norma interpretativa, não haveria razão para a redação do § 3º ter sido alterada pela Lei nº 11.941/09, editada com o objetivo de conferir neutralidade às alterações promovidas pela adoção dos novos métodos e critérios contábeis. Ressalte-se ainda que tanto o artigo 177 da Lei das S/A como o artigo 310 do RIR/99 preveem a forma de definição da taxa de depreciação dos bens do ativo imobilizado, todavia, não dispõem de maneira expressa sobre Direito Tributário Societário Vol. III.indd 104 29/5/2012 18:02:32 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 105 a necessidade de revisão dos critérios utilizados para determinação da vida útil desses bens. Pelo exposto, é possível depreender que os ajustes nos “critérios utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação” são alterações nos critérios contábeis de avaliação do ativo imobilizado, instituídas pela Lei nº 11.638/07 e submetidas à neutralidade do RTT. corroborando esse entendimento, LYGIA cARoLINE SIMÕES cARVALho assim se posiciona: “Uma das alterações dos critérios contábeis é o tratamento para o ativo imobilizado e o critério para sua depreciação, abordado pelo cPc 27 que será objeto de nossos comentários. (...) Sabemos que a mudança de critério contábil para a depreciação do imobilizado influencia diretamente o lucro da pessoa jurídica. No entanto, não deverá influenciar o lucro real e a base de cálculo da CSLL, já que o RTT – Regime de Transição Tributária assegura tal neutralidade tributária. (...) Caberá ao contribuinte analisar os métodos de depreciação adotados antes do advento da lei 11.638/07 e adequá-los às regras contábeis e à legislação tributária.”15 [Grifos nossos] Por fim, convém destacar que as Autoridades Fiscais Federais acolheram o entendimento de que os novos critérios de depreciação de ativos introduzidos pela Leinº 11.638/07 não produzirão efeitos para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e da cSLL das pessoas submetidas ao RTT. É nesse sentido que dispõe o Parecer Normativo da Receita Federal do Brasil nº 1, publicado em 29.7.2011, do qual se transcreve a ementa: “PAREcER NoRMATIVo REcEITA FEDERAL Do BRASIL – RFB Nº 1 DE 29.7.2011 As diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado decorrentes do disposto no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da cSLL da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.” 15 CARVALHO, op. cit., p.1 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 105 29/5/2012 18:02:32 106 - ASpeCtoS triButárioS e SoCietárioS/ContáBeiS dA depreCiAção de BenS do Ativo... 5. concluSão com base no acima exposto, conclui-se que, apesar de o tratamento da depreciação de bens integrantes do ativo imobilizado ter passado a se sujeitar a critérios societários/contábeis mais específicos e distintos dos que vinham sendo praticados, anteriormente à edição da Lei nº 11.638/07, a nosso ver, tal fato não acarretará conseqüências tributárias para os contribuintes. com efeito, à luz do RTT instituído pela Lei nº 11.941/09, a determinação das bases de cálculo do IRPJ, da cSLL, do PIS e da coFINS permanece sendo feita com observância da legislação tributária atual. Assim, o contribuinte pode utilizar os prazos de depreciação previstos na IN nº 162/98, para fins tributários, independentemente da nova sistemática de depreciação utilizada para fins societários/contábeis. Isso significa que, na prática, o contribuinte deverá manter, para fins tributários, a sistemática de depreciação prevista nos artigos 305 a 323 do RIR/99, e para fins societários/contábeis, será obrigada a tratar a depreciação do seu ativo imobilizado segundo as disposições do cPc 01 e do cPc 27. No entanto, a empresa deverá se utilizar do FcoNT para reverter, no LALUR, o efeito da utilização de critérios societários/contábeis diferentes, daqueles vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07. Todo esse processo de conversão das normas contábeis brasileiras aos padrões internacionais tem como finalidade o aumento da transparência nas demonstrações contábeis, principal fonte de informação da saúde financeira e econômica das empresas. o objetivo maior de todas essas transformações é contribuir para a real expansão dos negócios das empresas brasileiras, facilitando o ingresso de capitais estrangeiros e o desenvolvimento do país como um todo, o que é de se louvar. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 106 29/5/2012 18:02:33 CArloS henrique trAnjAn BeChArA & letíCiA BorgeS roChA limA - 107 6. bibliogrAFiA ANDRADE FILho, Edmar oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br//main_online_frame.php?home=federal &secao=1&page=/bf/bf.php?s=1¶ms=F::expressao=ajuste%20da%20taxa%20 de%20 deprecia%E7%E3o>. Acessado em 20.5.2011. BIFANo, Elidie Palma. o Direito contábil da Lei Nº 11.638/07 à Lei Nº 11.941/09. In: RochA, Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, capítulo VII. cARVALho, Lygia caroline Simões. Os novos critérios contábeis do ativo imobilizado e os reflexos tributários. Fiscosoft. 2011/2012. Disponível em:<http://www.fiscosoft.com.br//main_ online_frame.php?home=federal&secao=1&page=/bf/f.php?s=1¶ms=F::expressao =os%20novos%20crit%E9rios%20cont%E1beis%20do%20ativo%20imobilizado%20lygia>. Acessado em 20.5.2011. MUNIZ, Ian e MoNTEIRo, Marco Antonio. o RTT e a Neutralidade Fiscal. In: RochA, Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, capítulo XIII. PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a renda. Rio de Janeiro: APEc, 1969. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 107 29/5/2012 18:02:33 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 108 29/5/2012 18:02:33 Capítulo IV Os possíveis efeitos tributários relacionados aos critérios contábeis para o reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças de reposição Daniel Dix Carneiro Mestrando em Direito Internacional na UERJ. Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV e em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Bacharel em Direito pela UFF. Advogado e consultor tributário no Rio de Janeiro. Marcio oliveira Economista formado pela UFRJ. Professor nos cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário da UFF e da Universidade Cândido Mendes. Professor na Universidade Petrobras, através de convênio firmado com a PUC-RJ. Consultor tributário no Rio de Janeiro. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 109 29/5/2012 18:02:34 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 110 29/5/2012 18:02:34 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 111 1. introdução o presente ensaio pretende identificar as principais consequências tributárias, no que tange aos novos critérios contábeis para o reconhecimento do ativo imobilizado e suas eventuais peças sobressalentes, que devem ser observados a partir do advento da Lei n.º 11.638/2007, diploma que inseriu alterações pontuais, porém, extremamente significativas no regramento contábil nacional. No intuito de atingirmos os anseios perquiridos por este estudo, analisaremos mesmo que de forma breve, as razões que deram origem à aprovação da Lei n.º 11.638/2007, além de identificarmos qual será o novo padrão contábil que deverá ser observado pelas sociedades nacionais (companhias abertas e sociedades denominadas como de grande porte)1. Passada essa abordagem inicial, analisaremos as principais alterações, no que se refere aos critérios contábeis para reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças de reposição, fato que nos possibilitará apontar as eventuais consequências tributárias resultantes dessas mudanças. Devemos frisar, entretanto, que não temos, com este trabalho, a pretensão de esgotar toda a matéria relativa aos efeitos contábeis e tributários relacionados aos critérios de reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças sobressalentes, isso porque o referido tema, ainda se encontra bastante incipiente, especialmente, no mundo jurídico, tendo sido objeto, até o momento, apenas de abordagens doutrinárias jurídicas e contábeis esparsas. 1 A Lei nº°11.638/2007 estabeleceu, em seu art. 3.°, que as disposições da Lei nº°6.404/1976 (que dispõe sobre as sociedades por ações), já com as alterações promovidas por aquele diploma, no que se refere à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e à obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, deverão também ser aplicadas às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações. Dessa forma, mesmo as sociedades consideradas de grande porte que não sejam abertas e constituídas sob a forma de ações deverão se nortear pelos preceitos contábeis previstos pela Lei das S/A, fato que não era obrigatório anteriormente. É importante esclarecer que o parágrafo único do art. 3.° da Lei nº 11.638/2007 considera como de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 111 29/5/2012 18:02:34 112 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiSpArA... 2. A deFinição do iFrS como PAdrão contábil internAcionAl A Ser Seguido2 No intuito de aumentar o grau de transparência das demonstrações financeiras das sociedades brasileiras em geral e de permitir a maior inserção das companhias nacionais abertas num cenário internacional cada vez mais globalizado, a comissão de Valores Mobiliários – cVM, autarquia federal instituída pela Lei n.º 6.385/1976 e cujas funções básicas são de regulamentar, fiscalizar e inspecionar o mercado de valores mobiliários e as companhias abertas, encaminhou ao congresso Nacional, por intermédio do Poder Executivo, o projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) sugerindo alterações relevantes no texto da Lei n.º 6.404/1976 que dispõe sobre as sociedades por ações e positiva os padrões contábeis a elas aplicáveis3. Após amplos debates nas casas Legislativas, os quais se deram ao longo de quase 7 (sete) anos, o referido projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) foi devidamente aprovado e convertido na Lei n.º 11.638 de 28 de dezembro de 2007, fato que resultou no surgimento de uma nova sistemática contábil nacional e compatível com os denominados padrões internacionais de contabilidade. Temos, portanto, que a Lei n.º 11.638/2007, ao promover alterações pontuais no texto da Lei n.º 6.404/1976, introduzindo conceitos novos a serem observados na elaboração das demonstrações financeiras das sociedades nacionais (abertas e de grande porte), tornando obrigatória a adoção de novas práticas contábeis, possibilitou que, doravante, a cVM, no exercício de sua atividade regulamentar, elabore e expeça normas e orientações contábeis que estejam em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de valores mobiliários (§ 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, incluído pela Lei n.º 11.638/2007). 2 Nesse item, pedimos vênia para mantermos e reproduzirmos as considerações feitas por CARNEIRO, Daniel Dix em seu artigo intitulado: Os novos critérios de avaliação do ativo e do passivo de longo prazo e suas possíveis conseqüências tributárias. In: FERNANDES, Edison Carlos e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (orgs.). Aspectos tributários da nova lei contábil – lei 11.638/07. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 71-110. 3 Conforme se depreende do comunicado público feito pela Comissão de Valores Mobiliários ao Mercado, constante do sítio <http://www.cvm.gov.br/port/infos/Esclarecimento.pdf> (acesso em 12 de junho de 2011). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 112 29/5/2012 18:02:34 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 113 Seguindo os ensinamentos de Elidie Palma Bifano4, o conjunto de regras contábeis que norteiam a elaboração das demonstrações financeiras nos mercados de valores mobiliários globais e que deverá orientar a cVM no exercício do seu poder regulamentar, nos termos do § 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, é o denominado International Financial Reporting Standards – IFRS, que se traduz em normas de contabilidade que visam a convergência dos princípios contábeis, emitidas pelo comitê de Padrões contábeis Internacionais (International Accounting Standards Board – IASB). Em que pese o § 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, introduzido pela Lei n.º 11.638/2007, ser genérico ao fazer menção aos denominados padrões internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de capitais, Elidie Palma Bifano5, esclarece que o IFRS passou a assumir essa condição, se considerados os termos do Memorandum of Understanding, também “conhecido como Norwalk Agreement, firmado entre entidades de contadores dos Estados Unidos e da Europa, com o compromisso de remover divergências entre normas contábeis por eles emitidas”. Dessa forma, podemos concluir que as alterações sugeridas pela Lei n.º 11.638/2007 tiveram intuito de convergir as práticas contábeis nacionais com os denominados padrões de contabilidade internacionais, que por sua vez possuem sua unidade no chamado IFRS. A adoção e observância do padrão contábil internacional IFRS pelas sociedades nacionais trarão benefícios substanciais ao país, uma vez que a unidade das práticas contábeis terá o condão de conferir maior compreensão e transparência à divulgação das suas demonstrações financeiras, permitindo que iniciem atividades no exterior e tenham, mais facilmente, suas ações negociadas em bolsas valores internacionais. Do mesmo modo, a convergência das práticas contábeis brasileiras ao padrão internacional certamente implicará na atração de maiores investimentos estrangeiros ao país, pois dará termo às disparidades havidas entre os critérios contábeis brasileiros e aqueles praticados por outros países, os quais eram motivo 4 BIFANO, Elidie Palma. Aspectos contábeis da lei 11.638/07. In: ROCHA, Sergio André (org.). Direito tributário, societário e a reforma da lei das S/A. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008, p. 49. 5 BIFANO, Elidie Palma. Op. Cit. p. 49. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 113 29/5/2012 18:02:35 114 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... de desconfiança na geração de informações e causavam receio às empresas estrangeiras de investirem em território brasileiro6. Apenas para ilustrar essa linha de raciocínio, são válidos os dizeres de Jan Engström7, membro da IASB, que, ao prefaciar obra de autoria de Kieran John McManus, sócio da Pwc (Pricewaterhousecoopers) no Brasil, responsável pelas conversões para o IFRS na América Latina, afirmou: os mercados de capitais tornam-se cada vez mais globalizados, aumentando constantemente os investimentos internacionais. Dessa forma a confiabilidade das informações é um imperativo para atrair o interesse de investidores, sobretudo em tempos de crise. as normas de iFRS estão se tornando uma realidade em toda américa Latina, inclusive no Brasil. Existe um grande desafio à espera dos atuais e futuros preparadores e usuários de demonstrações financeiras de acordo com o IFRS. [grifo nosso] Tendo em vista estas considerações, bem como as mudanças trazidas pela Lei n.º 11.638/2007, o comitê de Pronunciamento contábeis – cPc, órgão criado pelo conselho Federal de contabilidade através da Resolução cFc n.º 1.055/2005 e formado por representantes de várias entidades da classe profissional e técnica contábil8 para promover o estudo, o preparo e a emissão de pronunciamentos técnicos de contabilidade que levem em conta a convergência da contabilidade brasileira aos padrões internacionais – , com a intenção de adequar as práticas contábeis ao IFRS, vem editando continuamente normas técnicas contábeis9, que deverão ser observadas pelas sociedades abertas ou de 6 No que se refere à tendência cada vez maior de internacionalização das sociedades, denominadas como transnacionais, e aos obstáculos por elas encontrados nesse processo, recomendamos a leitura de RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. As empresas transnacionais e os novos paradigmas do comércio internacional, In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado e PEREIRA, Antônio Celso Alves (org.). Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo, Estudos em homenagem ao Prof. Celso de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Editora Renovar, 2008, p. 455-492. 7 ENGSTRÖM, Jan. Prefácio. In: MACMANUS, Kieran John. IFRS – Implementação das normas internacionais de contabilidade e da Lei n.° 11.638 no Brasil. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2009, p. 9-10. 8 São membros do CPC: a Associação Brasileira das Companhias Abertas – ABRASCA, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais – APIMEC NACIONAL, a Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA, o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON e a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuarias e Financeiras – FIPECAFI. 9 A visualização de cada um dos Pronunciamentos Técnicoseditados pelo CPC pode ser verificada no sítio <http://www.cpc.org.br/pronunciamentosIndex.php> (acesso em 12 de junho de 2011). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 114 29/5/2012 18:02:35 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 115 grande porte brasileiras, a partir da elaboração e divulgação das demonstrações financeiras referentemente ao encerramento do exercício social do ano de 200810. concluímos, portanto, numa breve síntese, que as alterações introduzidas no mundo jurídico nacional pela Lei n.º 11.638/2007, visaram confluir a contabilidade brasileira aos padrões adotados pelos mercados internacionais, fato que ensejou, por parte das entidades técnicas e normativas brasileiras, a revisão e a mudança de vários critérios contábeis que eram usualmente praticados, os quais, doravante, deverão por determinação legal seguir o denominado IFRS, padrão contábil emitido pela IASB. Sob esse prisma, e levando-se em conta que a contabilidade deve ser tida como um instrumento auxiliar à apuração de diversos tributos, pode- se aferir, por óbvio, num primeiro momento, que qualquer mudança que venha a afetar os critérios contábeis usualmente praticados, poderá trazer consequências tributárias relevantes, seja para os contribuintes ou para os Fiscos em suas várias esferas (federal, estadual, distrital e municipal). Nesse aspecto, nas linhas que seguem, promoveremos a análise de como as recentes alterações na legislação contábil terão o condão de repercutir, no reconhecimento daqueles bens destinados a compor o ativo imobilizado das sociedades e de suas peças de reposição, bem como as referidas alterações trarão, de alguma forma, efeitos tributários aos contribuintes, especialmente no que tange ao IRPJ, à cSLL, às contribuições PIS/coFINS, ao IcMS e ao IPI. 3. o conceito de Ativo imobilizAdo e o Seu reconhecimento PelA contAbilidAde A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 11.638/2007, ao tratar dos grupos de contas do balanço patrimonial, dispôs o seguinte acerca dos gastos incorporados ao ativo imobilizado: 10 O art. 9.° da Lei nº°11.638/07 estabelece sua entrada em vigor no primeiro dia do ano de 2008, sendo, portanto, seus preceitos aplicáveis aos fatos ocorridos a partir daquela data. Por sua vez, o art. 1.° da Instrução CVM n.° 469/08 preceitua que as disposições da referida lei deverão ser observadas somente para as demonstrações financeiras de encerramento do ano 2008, sendo opcionais a sua aplicação para as informações trimestrais (ITR) referentes ao mesmo ano. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 115 29/5/2012 18:02:36 116 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo: (...) IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da Companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à Companhia os benefícios, riscos e controle desses bens. [grifo nosso] Por seu turno, o comitê de Pronunciamento contábeis – cPc, mediante a edição do cPc n.º 27 de 2001, estabeleceu os seguintes requisitos para classificação e reconhecimento dos gastos de capital: 6. (...) ativo imobilizado é o item tangível que: (a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera utilizar por mais de um período. (...) 7. o custo de um item de ativo imobilizado deve ser reconhecido como ativo se, e apenas se: (a) for provável que futuros benefícios econômicos associados ao item fluirão para a entidade; e (b) o custo do item puder ser mensurado confiavelmente. (grifo nosso) A partir das definições previstas na legislação comercial e nas normas contábeis brasileiras, são registrados como ativo imobilizado todos aqueles bens, avaliados e reconhecidos pelo custo de aquisição, que serão utilizados por mais de um exercício-social, destinados à realização e desenvolvimento da atividade da pessoa jurídica ou aplicados para fins administrativos, e que tenham capacidade de gerar benefícios econômicos futuros em função do seu uso. com base nessa definição, temos condições de avançar nas análises propostas, em especial na verificação de como as peças sobressalentes adquiridas para a manutenção daqueles bens destinados ao ativo imobilizado devem ser reconhecidas contabilmente, considerando-se para tanto o novo padrão contábil adotado pelo Brasil (IFRS). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 116 29/5/2012 18:02:36 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 117 4. A conceituAção dAS PArteS e PeçAS de rePoSição (SobreSSAlenteS) PArA FinS do Seu reconhecimento contábil Numa breve síntese, as partes e peças de reposição podem ser conceituadas como sendo aqueles bens que são destinados à manutenção e que visam garantir o bom funcionamento do ativo imobilizado de uma sociedade, de modo que a definição da forma como eles devem ser registrados na contabilidade é de extrema importância para consecução do estudo ora proposto. Dentro desse contexto, o comitê de Pronunciamentos contábeis, através do já mencionado cPc n.º 27, define nos termos seguintes a ocasião e a forma em que as partes e peças de reposição (sobressalentes) devem ser contabilizadas como ativo imobilizado: 8. Sobressalentes, peças de reposição, ferramentas e equipamentos de uso interno são classificados como ativo imobilizado, quando a entidade espera utilizá-los por mais de um período. Da mesma forma, se puderem ser utilizados somente em conexão com itens do ativo imobilizado, também são contabilizados como ativo imobilizado. 9. Este pronunciamento não prescreve a unidade de medida para o reconhecimento, ou seja, aquilo que constitui um item do ativo imobilizado. assim, é necessário exercer julgamento ao aplicar os critérios de reconhecimento às circunstâncias específicas da entidade. Pode ser apropriado agregar itens individualmente insignificantes, tais como moldes, ferramentas e bases, e aplicar os critérios ao valor do conjunto. 10. a entidade avalia segundo esse princípio de reconhecimento todos os seus custos de ativo imobilizados no momento em que são incorridos. esses custos incluem custos incorridos para adquirir ou construir um item do ativo imobilizado e os custos incorridos posteriormente para renová-lo, substituir suas partes, ou dar manutenção ao mesmo. [grifo nosso] Portanto, numa primeira análise, devem ser considerados como partes e peças sobressalentes aqueles bens destinados à substituição, reparo ou manutenção de máquinas e equipamentos a fim de mantê-los em condições de operar, os quais, em princípio, deverão ser agregados à conta de resultado do período, quando, além de somente beneficiar um exercício social, não aumentarem o valor do imobilizado a que estão relacionados. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 117 29/5/2012 18:02:37 118 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... com base nessa previsão, podemos concluir que, na prática, o que diferenciará a classificação das peças sobressalentes como gastos do período do conceito de ativo imobilizado (gastos de capital), será o tratamento contábil a ser aplicado para registro do valor de aquisição desses ativos, de modo que a definição do nível de detalhe para a segregação desses bens deve estar pautada, não cumulativamente, conforme veremos detalhadamente a seguir: a) na materialidade, b) na funcionalidade, c) na vida útil e d) na destinação contábil. Assim, levando-se em conta essas considerações e dependendo de determinadas circunstâncias, as peças de reposição poderão ser contabilizadas como imobilizado em operação, seja em conjunto com o ativo ao qual está vinculado, de forma individualizada, ou ainda em conta de estoque no ativo circulante,sendo reconhecidas como custo ou despesa na medida em que forem aplicadas, especialmente se levarmos em consideração os ditames previstos nos itens 12, 13, 43 e 44 do cPc n.º 27: 12. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a entidade não reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado os custos da manutenção periódica do item. Pelo contrário, esses custos são reconhecidos no resultado quando incorridos. os custos da manutenção periódica são principalmente os custos de mão-de- obra e de produtos consumíveis, e podem incluir o custo de pequenas peças. a finalidade desses gastos é muitas vezes descrita como sendo para “reparo e manutenção” de item de imobilizado. 13. Parte de alguns itens do ativo imobilizado podem requerer substituição em intervalos regulares. Por exemplo, podem requerer substituição em intervalos regulares. Por exemplo, um forno pode requerer novo revestimento após um número específico de horas de uso; ou o interior dos aviões, como bancos e equipamentos internos, pode exigir substituição diversas vezes durante a vida da estrutura. itens do ativo imobilizado também podem ser adquiridos para efetuar substituição recorrente menos freqüente, tal como a substituição das paredes interiores de um edifício, ou para efetuar substituição não recorrente. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a entidade reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado o custo da peça reposta desse item quando o custo é incorrido se os critérios de reconhecimento forem atendidos. o valor contábil das peças que são substituídas é baixado de acordo com as disposições de baixa deste Pronunciamento (ver itens 67 a 72). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 118 29/5/2012 18:02:37 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 119 (...) 43. cada componente de um item do ativo imobilizado com custo significativo em relação ao custo total deve ser depreciado separadamente. 44. A entidade aloca o valor inicialmente reconhecido de um item do ativo imobilizado aos componentes significativos desse item e os deprecia separadamente. Por exemplo, pode ser adequado depreciar separadamente a estrutura e os motores de aeronave, seja ela de propriedade da entidade ou obtida por meio de operação de arrendamento mercantil financeiro. De forma similar, se o arrendador adquire um ativo imobilizado que esteja sujeito a arrendamento mercantil operacional, pode ser adequado depreciar separadamente os montantes relativos ao custo daquele item que sejam atribuíveis a condições do contrato de arrendamento mercantil favoráveis ou desfavoráveis em relação a condições de mercado. [grifo nosso] Diante dessas previsões, parece-nos que o momento em que as peças sobressalentes são adquiridas, se simultaneamente ou não ao ativo imobilizado, é um dado de extrema relevância a partir do qual o operador da informação contábil, mediante a sua conjugação com outras circunstâncias de igual relevo (tais como materialidade, funcionalidade e vida útil), deverá definir a correta classificação desse item na contabilidade como ativo imobilizado ou não. Dessa forma, para tornarmos nosso estudo mais didático, abordaremos em separado as situações em que as peças sobressalentes foram adquiridas ou não de forma simultânea ao ativo imobilizado ao qual serão vinculadas. · Peças sobressalentes adquiridas simultaneamente ao ativo fixo: Nos termos das normas e procedimentos contábeis brasileiros acima abordados, quando ao mesmo momento da compra de um determinado equipamento é adquirida uma série de peças ou conjuntos importantes e essenciais ao funcionamento de tal maquinário, principalmente no caso de eventual necessidade de substituição, tais peças sobressalentes poderão ser contabilizadas como ativo imobilizado e serem depreciadas em base similar à do equipamento correspondente, mesmo se não estiverem em uso. Porém, o procedimento mais recomendado – quando os ativos componentes de um determinado equipamento tiverem vidas úteis distintas da do equipamento principal – deve ser o seu registro feito em separado no Direito Tributário Societário Vol. III.indd 119 29/5/2012 18:02:37 120 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... ativo imobilizado, sendo controlado individualmente para fins de aplicação dos métodos e taxas de depreciação (como é o caso da turbina de avião mencionada no item 44 do cPc n.º 27). Assim, tais itens constituirão ativo imobilizado da pessoa jurídica e serão depreciados pelo período que não exceder a vida útil do ativo ao qual estiverem vinculados. · Peças sobressalentes adquiridas em momento posterior ao ativo fixo: Por outro lado, aqueles dispêndios subsequentes relacionados a um ativo imobilizado, a princípio, ao nosso ver, apenas devem ser adicionados ao valor contábil do ativo quando for estimado que a partir deles sejam gerados benefícios econômicos futuros (como e.g. o aumento da sua vida útil); caso contrário, deverão ser reconhecidos como despesa à medida em que são incorridos. Na hipótese de os dispêndios subsequentes incorridos em benefício de determinado bem cujo valor contábil já leva em consideração uma perda nos benefícios econômicos ou reflete a obrigatoriedade ou compromisso de a empresa incorrer em despesa no futuro necessária para colocar o ativo em condições operacionais – deverão tais gastos ser capitalizados, na medida em que seu valor contábil for recuperável por meio das operações normais da empresa. Diante das normas e procedimentos contábeis apresentados, verificamos que a individualização e consequente capitalização de partes e peças de reposição dependem de alguns critérios não cumulativos (tais como: materialidade, funcionalidade, variação da vida útil dos bens e utilização intermitente) desde que utilizadas por período superior a 12 (doze) meses e tenham a capacidade de aumentar a vida útil do bem, gerando benefícios econômicos futuros para os ativos da empresa. Entretanto, para suportar o julgamento do operador das normas contábeis, ressaltamos a necessidade de a Sociedade possuir laudo dos bens adquiridos, com vistas a analisar e demonstrar os critérios adotados para tomada de decisão quanto à capitalização e eventual segregação contábil desses ativos. 5. o trAtAmento conFerido PelA legiSlAção do irPj e dA cSll àS PArteS e PeçAS SobreSSAlenteS A legislação tributária federal, por seu turno, determina que não poderá ser deduzido como despesa operacional o custo de aquisição de bens do ativo permanente que tiverem valor unitário superior a R$ 326,61 (trezentos e vinte Direito Tributário Societário Vol. III.indd 120 29/5/2012 18:02:37 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 121 e seis reais e sessenta e um centavos), ou prazo de vida útil que ultrapasse um ano, conforme compilação da legislação efetuada pelo art. 301 do Decreto n.º 3.000/1999 – Regulamento do Imposto de Renda: Art. 301. o custo de aquisição de bens do ativo permanente não poderá ser deduzido como despesa operacional, salvo se o bem adquirido tiver valor unitário não superior a trezentos e vinte e seis reais e sessenta e um centavos, ou prazo de vida útil que não ultrapasse um ano. § 1.º Nas aquisições de bens, cujo valor unitário esteja dentro do limite a que se refere este artigo, a exceção contida no mesmo não contempla a hipótese onde a atividade exercida exija utilização de um conjunto desses bens. § 2.º Salvo disposições especiais, o custo dos bens adquiridos ou das melhorias realizadas, cuja vida útil ultrapasse o período de um ano, deverá ser ativado para ser depreciado ou amortizado. [grifo nosso] Relativamente aos recursos aplicados na aquisição de partes, peças, máquinas e equipamentos de reposição de bens do ativo imobilizado, o Regulamento do Imposto de Renda, no seu art. 346 dispõe o seguinte: Art. 346. Serão admitidas, como custo ou despesa operacional, as despesas com reparos e conservação de bens e instalaçõesdestinadas a mantê-los em condições eficientes de operação. § 1.º Se dos reparos, da conservação ou da substituição de partes e peças resultar aumento da vida útil prevista no ato de aquisição do respectivo bem, as despesas correspondentes, quando aquele aumento for superior a um ano, deverão ser capitalizadas, a fim de servirem de base a depreciações futuras. § 2.º os gastos incorridos com reparos, conservação ou substituição de partes e peças de bens do ativo imobilizado, de que resulte aumento da vida útil superior a um ano, deverão ser incorporados ao valor do bem, para fins de depreciação do novo valor contábil, no novo prazo de vida útil previsto para o bem recuperado, ou, alternativamente, a pessoa jurídica poderá: I – aplicar o percentual de depreciação correspondente à parte não depreciada do bem sobre os custos de substituição das partes ou peças; II – apurar a diferença entre o total dos custos de substituição e o valor determinado no inciso anterior; Direito Tributário Societário Vol. III.indd 121 29/5/2012 18:02:38 122 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... III – escriturar o valor apurado no inciso I a débito das contas de resultado; IV – escriturar o valor apurado no inciso II a débito da conta do ativo imobilizado que registra o bem, o qual terá seu novo valor contábil depreciado no novo prazo de vida útil previsto. § 3.º Somente serão permitidas despesas com reparos e conservação de bens móveis e imóveis se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços. [grifo nosso] com efeito, verificamos que o critério fiscal para distinguir os gastos de capital dos gastos do período é a vida útil do bem, cabendo a capitalização daqueles dispêndios dos quais resulta no aumento da vida útil do ativo acima de um ano. Ademais, nesse mesmo sentido manifestou-se a coordenação do Sistema de Tributação, através da edição do Parecer Normativo cST n.º 2, de 15 de fevereiro de 1984, cujo trecho abaixo reproduzimos in verbis: as contas que registrem recursos aplicados na aquisição de partes, peças, máquinas e equipamentos de reposição de bens do imobilizado, quando referidas partes e peças tiverem vida útil superior a um ano, devem ser classificadas no ativo imobilizado. (...) Todavia, certas partes e peças, quando incorporadas às respectivas máquinas ou equipamentos, têm vida útil não superior a um ano, intervalo de tempo no qual devem ser substituídas. Assim, os recursos aplicados na sua aquisição não chegam a revestir características de permanência, razão por que as contas que registrem esses recursos devem ser classificadas fora do ativo permanente. (...) observe-se, por fim, que se da substituição de partes e peças resultar aumento da vida útil prevista no ato da aquisição do bem no qual tiverem sido aplicadas, o valor das mesmas deverá ser acrescido ao do referido bem; caso contrário, poderá ser computado como custo ou despesa operacional. [grifo nosso] Dentro dessa linha de raciocínio, cabe ressaltarmos que compete à autoridade fiscal o ônus da prova do aumento da vida útil dos bens, por prazo superior a um ano, relativamente aos gastos incorridos para o reparo, Direito Tributário Societário Vol. III.indd 122 29/5/2012 18:02:38 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 123 conservação ou substituição das partes, não podendo de forma arbitrária e sem qualquer critério razoável entender que o contribuinte deduziu indevidamente da base tributável do IRPJ e da cSLL dispêndios com peças de reposição11. 6. breveS conSiderAçõeS Sobre oS encArgoS de dePreciAção doS itenS que comPõem o Ativo imobilizAdo e A eventuAl APlicAção do regime tributário de trAnSição – rtt A Lei das Sociedades por Ações, com redação atual conferida pela Lei n.º 11.638/2007, define a depreciação a ser contabilizada como o valor correspondente ao efetivo desgaste pelo uso ou perda da utilidade do bem: Art. 183. (...) (...) § 2.º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado, intangível e diferido será registrada periodicamente nas contas de: a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência. [grifo nosso] o comitê de Procedimentos contábeis estabelece no item 56 do cPc n.º 27 os seguintes fatores para que seja estimada a vida útil, período de uso e volume de produção de um ativo: a) uso esperado do ativo, que deve ser avaliado com base na capacidade ou na produção física esperadas do ativo; b) desgaste esperado, que depende de fatores operacionais, tais como número de turnos durante os quais o ativo será usado, o programa de reparos e manutenção e o cuidado e a manutenção do ativo inclusive enquanto estiver ocioso; c) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças ou melhorias na produção, ou de mudanças na demanda do mercado para o produto ou serviço derivado do ativo; e 11 Esclarecemos que o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF) já se manifestou nesse sentido em diversas decisões, tais como: Ac. 1.° CC 101- 88.015/95 (DO 22/08/05), Ac. 1.° CC 103-12.383/92 (DO 09/11/03), Ac. 1.° CC 105-3.079/89 (DO 20/11/89). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 123 29/5/2012 18:02:38 124 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... d) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, tais como as datas de término dos contratos de arrendamento mercantil relativos ao ativo. Por sua vez, o item 57 do cPc n.º 27 dispõe o seguinte acerca da depreciação e da definição a vida útil dos bens que compõem o ativo imobilizado: 57. a vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade pode considerar a alienação de ativos após um período determinado ou após o consumo de uma proporção específica de benefícios econômicos futuros incorporados no ativo. Por isso, a vida útil do ativo é uma questão de julgamento baseado na experiência da entidade com ativos semelhantes. [grifo nosso] Dessa forma, para fins contábeis, podemos bem concluir que a taxa de depreciação de um bem deve ser determinada em função do prazo de vida útil do bem, correspondente ao período durante o qual se espera para utilização econômica do bem pela pessoa jurídica. Devemos salientar que a determinação da taxa de depreciação com base na vida útil também é reconhecida para fins fiscais, desde que o contribuinte possua, para tanto, um laudo técnico que afira a validade das taxas utilizadas para depreciar os seus bens. Veja-se o disposto no art. 310 do RIR/1999: Art. 310. a taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos. § 1.º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente. § 2.º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo. (grifo nosso) Todavia, antes do advento da Lei n.º 11.638/2007 e por uma questão de comodidade e facilidade de controles e falta de rigor técnico, a maior parte dos Direito Tributário Societário Vol. III.indd 124 29/5/2012 18:02:39dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 125 contribuintes optava, mesmo para fins contábeis pela simples utilização das taxas de depreciação previstas na IN SRF n.º 162/1998, as quais são publicadas periodicamente pela Receita Federal do Brasil nos termos do § 1.º, do art. 310 do RIR/1999, as quais deveriam ser aplicadas com base no método linear. Independentemente do método utilizado (vida útil ou taxas definidas pela RFB), a depreciação somente será dedutível a partir do momento em que o bem é instalado, posto em serviço ou em condições de produzir e terá sempre como referência para aplicação da taxa o custo de aquisição do bem passível de depreciação. Vale destacar que ao garantir o direito do contribuinte de utilizar como referência a vida útil do bem para fins de determinação da taxa de depreciação, a legislação tributária reforça que a depreciação dedutível para fins de apuração do IRPJ e da cSLL é aquela que melhor representa a perda do valor dos bens em função do seu uso ou desgaste, observando-se a legislação comercial e os princípios contábeis. Para tanto, deve-se levar em conta todas as especificações técnicas do bem e suas condições de utilização econômica no tipo de atividade em que o mesmo será empregado. Assim, como já mencionamos, a Sociedade deverá estar apta a comprovar, mediante laudos técnicos, que tal método ou taxa aplicada é o mais adequado por refletir com mais exatidão os custos gerados pela depreciação e amortização dos ativos, confrontando com os rendimentos gerados pela utilização desses bens. Ressalte-se que a adoção de critérios ou taxas de depreciação diferentes daqueles que foram estabelecidos pelas Instruções Normativas da Receita Federal implica a assunção pelo contribuinte do ônus da prova da adequação do método. Todavia, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 310 do RIR/1999, em caso de dúvida, o contribuinte ou as autoridades fiscais poderão solicitar perícia ao Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto os mesmo não forem alterados por decisão administrativa superior ou decisão judicial fundadas em laudos idôneos. Ademais, para os bens que trabalham em dois ou três turnos, poderá ainda ser adotada a depreciação acelerada contábil, reconhecendo e registrando contabilmente a diminuição acelerada do valor do bem, em função do desgaste pelo uso em regime de operação superior ao normal. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 125 29/5/2012 18:02:39 126 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... Levando-se em conta que o lucro líquido – ponto de partida para apuração do IRPJ e da cSLL – deve ser apurado, nos termos, do inciso XI do art. 67 do Decreto-Lei n.º 1.598/197712, seguindo-se os ditames da Lei n.º 6.404/1976, temos que as alterações impostas pela Lei n.º 11.638/2007, poderão em alguns caso ocasionar um descasamento estrutural entre as regras tributárias e as normas contábeis, na medida em que os novos critérios contábeis passaram a prever situações não abarcadas pela legislação tributária em vigor. Assim, com o intuito de mitigar os efeitos desse descompasso, foi publicada em 27 de maio de 2009 a Lei n.º 11.941/2009, cujo art. 15 instituía o denominado Regime Tributário de Transição (RTT), cuja adesão era inicialmente facultativa aos contribuintes para os exercícios fiscais de 2008 e 2009, e obrigatória a partir do exercício de 2010, enquanto legislação tributária nova não passasse a disciplinar os efeitos fiscais atinentes aos novos métodos contábeis13. Em linhas gerais, a introdução do RTT teve o condão de neutralizar os efeitos decorrentes do novo paradigma contábil sobre as apurações do IRPJ, cSLL, PIS e coFINS14. Nessa direção, ficou estabelecido no art. 16 da Lei n.º 11.941/2009 que: 12 Art 67. Este Decreto-Lei entrará em vigor na data da sua publicação e a legislação do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas será aplicada, a partir de 1.º de janeiro de 1978, de acordo com as seguintes normas: (...) XI - o lucro líquido do exercício deverá ser apurado, a partir do primeiro exercício social iniciado após 31 de dezembro de 1977, com observância das disposições da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976. 13 Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei n.° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei. § 1.° O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária. § 2.° Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo, observado o seguinte: I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do regime em um único ano- calendário; II – a opção a que se refere o inciso I deste parágrafo deverá ser manifestada, de forma irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2009; III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já transcorridos do ano-calendário de 2008, a eventual diferença entre o valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o valor antes apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do primeiro mês subsequente ao de publicação desta Lei, conforme o caso; IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009, a opção deverá ser manifestada, de forma irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2010. § 3.° Observado o prazo estabelecido no § 1o deste artigo, o RTT será obrigatório a partir do ano- calendário de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro presumido ou arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 126 29/5/2012 18:02:39 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 127 Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei n.º 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. [grifo nosso] Na prática, inserção do RTT obrigou os contribuintes que optaram pela sua adoção a manterem dois controles contábeis paralelos. o primeiro, destinado à apuração do fiscal, permaneceria fundamentado nas disposições societárias vigentes até 31/12/2007; enquanto o segundo incorporaria as alterações societárias previstas na Lei n.º 11.638/200715. Sob a perspectiva do presente ensaio, a introdução do RTT nos é importante para que possamos definir a sua aplicação, ou não, aos critérios de depreciação de bens utilizados nas atividades produtivas das empresas, considerando, para tanto, o conceito de depreciação disposto no já mencionado art. 183, § 2.º, alínea a, da Lei n.º 6.404/197616, pois como foi visto, o referido dispositivo define claramente que a depreciação está relacionada com a vida útil do bem, na medida em que vincula a perda de valor do bem ao seu desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência. com as alterações impostas pelas Leis n.ºs 11.638/2007 e 11.941/2009 foi ainda acrescentado à Lei das S/A o conceito de vida útil econômica estimada, conforme redação a seguir: Art. 183 (…) § 3º A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valoresregistrados no imobilizado e no intangível, a fim de que sejam: 14 O Art. 21 da Lei 11.941/2009 também estende o RTT aos elementos que afetam a apuração das Contribuições para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e para o Programa de Integração Social (PIS). 15 Em que pese a criação do Controle Fiscal de Transição (FCont), na prática, todas as empresas após 2009 – quando o RTT deixou de ser uma opção e tornou-se uma obrigação – tiveram que manter uma contabilidade paralela, sobretudo aquelas em que o sistema de custeio foi afetado pelas alterações na Legislação Societária. 16 Redação conferida pela Lei nº 11.941/2009, mas que apenas introduziu os intangíveis ao texto original. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 127 29/5/2012 18:02:40 128 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir resultados suficientes para recuperação desse valor; ou II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização. [grifo nosso] Embora a Receita Federal do Brasil, através de entendimento manifestado no Parecer Normativo n.º 1 de 2011, entenda que o inciso II do § 3.º do art. 183 vincule a depreciação ao tempo pelo qual o bem gerará benefícios econômicos à empresa17, somos da opinião de que a definição trazida pelo inciso II reforça o disposto no item a do § 2.º do mesmo artigo, na linha do mencionado no Manual de contabilidade Societária18, qual seja: de que a depreciação a ser contabilizada deve ser a que corresponder ao desgaste efetivo pelo uso ou perda de utilidade, mesmo que por ação da natureza ou obsolescência. Em outras palavras, entendemos que a alteração do art. 183 da Lei nº 6.404/1976, não gerou mudanças significativas no reconhecimento da depreciação, sendo mantida, na prática, a metodologia então vigente. Nesse aspecto, basta apenas que comparemos os ditames do cPc n.º 27 com aqueles previstos na antiga NPc n.º 7, para que possamos concluir que não houve alterações substanciais nas regras contábeis anteriores relacionadas à depreciação do ativo imobilizado. Porém, como já dito, por uma questão de conveniência e falta de rigor técnico dos aplicadores das normas contábeis, até a entrada em vigor da Lei n.º 11.638/2007, era comum o reconhecimento contábil da depreciação apenas com base nas taxas relacionadas na IN SRF nº 162/1998, sendo necessários, por exemplos, ajustes de GAAP no momento da consolidação dos balanços de filiais brasileiras com os de suas matrizes no exterior. Uma vez extinta essa cultura 17 Parecer Normativo nº. 1 de 2011, item 19. 18 IUDÍCIUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto R.; SANTOS, Ariovaldo dos. Manual de Contabilidade Societária Aplicável a Todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais e do CPC. São Paulo: Atlas, 2010, p. 249. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 128 29/5/2012 18:02:40 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 129 contábil permissiva e costumeira, a quase totalidade das empresas brasileiras viram-se obrigadas a revisitar a questão dada à existência de verdadeiros disparates contábeis19. considerando que a IN SRF n.º 162/1998 permanece em vigor, a aplicação das taxas de depreciação continua válida exclusivamente para fins fiscais e frise-se por opção do contribuinte. Feita essa opção, o contribuinte deverá fazer os ajustes pertinentes através do Livro de apuração do Lucro Real e do Fcont. o ajuste em questão alcança tanto a hipótese da depreciação registrada na contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará em uma adição à base tributável referente à parcela considerada não dedutível), quanto a da depreciação registrada na contabilidade ser menor que a admitida para fins de apuração de imposto. Nesse caso, a entidade poderá excluir da base tributável a parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares. A opção pela aplicação das disposições da IN SRF n.º 162/1998 certamente acontecerá nas hipóteses que o contribuinte puder acelerar o reconhecimento da depreciação para fins fiscais, reduzindo, por conseguinte, o lucro tributável no presente. Essa escolha também poderá gerar um benefício adicional, caso o contribuinte se valha da depreciação para fins de reconhecimento dos créditos de PIS e de coFINS20. Nesse caso, também acelerará o reconhecimento dos créditos das contribuições calculados sobre a depreciação. 7. AProPriAção e deSconto doS créditoS dAS contribuiçõeS PiS/coFinS com a instituição do regime não cumulativo de apuração das contribuições PIS/coFINS pelas Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, passou a ser admitida a possibilidade de serem descontados créditos dessas contribuições equivalentes à aplicação das respectivas alíquotas sobre os gastos referentes a determinados bens e serviços diretamente relacionados com a atividade operacional da pessoa jurídica. 19 Um bom exemplo está na depreciação de fornos destinados à produção de vidro. De acordo com as disposições previstas na IN SRF n.º 162/1998, esse item de ativo pode ser depreciado em apenas 3 (três) anos, ao passo que a sua vida útil é usualmente superior a 20 (vinte) anos. 20 Ver art. 3.º, § 1.º, inciso III das Leis nº s. 10.637/2002 e 10.833/2003. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 129 29/5/2012 18:02:40 130 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... No que se refere aos bens incorporados ao ativo imobilizado, as Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03 estabeleceram, em seu art. 3.º, a seguinte regra de reconhecimento dos créditos das contribuições PIS/coFINS: Art. 3.º. Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...) VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços. [grifo nosso] Diante da leitura do dispositivo acima (cuja redação é idêntica tanto para Leis n.ºs 10.637/02, quanto para a Lei n.º 10.833/03), temos que aqueles bens incorporados ao ativo imobilizado e “utilizados na produção de bens e produtos destinados à venda ou na prestação de serviços” são passíveis de aproveitamento de créditos das contribuições PIS/coFINS, os quais podem ser calculados às alíquotas genéricas de 1,65% (PIS) e 7,6% (coFINS) sobre as despesas de depreciação desse ativo imobilizado21. Deve ser salientado que existe, ainda, a possibilidade de desconto de créditos das contribuições PIS/coFINS, de forma linear calculados na razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) sobre o valor de aquisição (§ 14, do art. 3.º, da Lei n.º 10.833/03) e 1/24 (um vinte e quatro avos) sobre o custo de aquisição – a depender da NcM do equipamento adquirido (artigo 2.º da Lei nº 11.051/04, e Decretos n.ºs 4.955/04 e 5.173/04), considerando-se para tanto também as alíquotas genéricas das contribuições PIS/coFINS. Ainda nessa linha, destacamos que a Lei n.º 11.774/2008 (art. 1.º) também trouxe a possibilidade de desconto dos créditos de PIS e de coFINS, no prazo de 12 (doze) meses, calculados sobre o custo de aquisição de máquinas e equipamentos destinados à produção de bens e serviços, desde que adquiridos a partir de maio de 200822(p.seg.). 21 Acerca da taxa de depreciação a ser utilizada para fins de apropriação de créditos e de eventual ajuste ao RTT vide os comentários feitos por ocasião do item 6 do presente. 22 Ressaltamos que, recentemente, no intuito de estimular os investimentos por parte dos empreendedores, o Governo Federal fez editar a Medida Provisórianº°540/2011, no âmbito do Programa Brasil Maior, cujo art. 4.º alterou a redação do art. 1.º da Lei nº°11.774/2008, para Direito Tributário Societário Vol. III.indd 130 29/5/2012 18:02:41 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 131 No que se refere às peças sobressalentes contabilizadas em estoque no ativo circulante e apropriadas no resultado do período em que forem empregadas23, poderá ocorrer o desconto dos créditos das contribuições PIS/coFINS no momento da aquisição, pois, embora relacionadas a um item do ativo imobilizado utilizado na produção, trata-se, em nosso sentir, de um insumo necessário ao processo, atendendo, portanto, os requisitos do art. 3.º das Leis n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003: Art. 3.º Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I – (…) II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.” [grifo nosso] Nesse particular, vale lembrarmos que o pressuposto de fato para incidência do PIS e da coFINS é a receita auferida, de forma que a não-cumulatividade, na hipótese, deve ser considerada sobre a receita e não sobre o produto – como o é no caso do IPI – ou sobre a mercadoria – como o é no caso do IcMS – e que, por fim, desaconselha a adoção de uma interpretação do termo “insumo”, para fins de aplicação das leis pertinentes ao PIS e à coFINS, idêntica àquela consagrada para fins de aplicação das leis pertinentes ao IPI e ao IcMS. Esse posicionamento, ademais, é corroborado pela doutrina especializada, como bem podemos depreender das lições de Marco Aurélio Greco, abaixo transcritas: autorizar a opção pela apropriação de créditos referentes à aquisição de máquinas e equipamentos destinados à produção de bens e prestação de serviços, por quotas lineares, em periodicidades menores, a partir do mês de agosto/2011, de acordo com o mês em que ocorra a aquisição dos bens. Nesse sentido, os bens adquiridos em agosto de 2011, a partir do dia 03.08.2011, poderão ter créditos apropriados na razão de 1/11 (um onze avos) ao mês, em setembro na razão de 1/10 (um dez avos) ao mês, em outubro na razão de 1/9 (um nove avos) ao mês e assim sucessivamente. Até que, para os bens adquiridos a partir de julho de 2012 o crédito poderá ser apropriado imediatamente em sua integralidade. 23 Na hipótese de não possuírem vida útil superior a um ano e de não terem expectativa de gerar benefícios econômicos futuros para a Sociedade. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 131 29/5/2012 18:02:41 132 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... Realmente, enquanto o processo formativo de um produto aponta no sentido de eventos de caráter físico a ele relativos, o processo formativo de uma receita aponta na direção de todos os elementos (físicos ou funcionais) relevantes para sua obtenção. Vale dizer, o universo de elementos captáveis pela não-cumulatividade de PIS/coFINS é mais amplo do que aquele, por exemplo, do IPI24. com efeito, ao analisarmos o termo “insumo” sob a ótica da incidência não cumulativa do PIS e da coFINS, devemos levar em conta as características intrínsecas a essas contribuições – o pressuposto de fato da incidência, a saber, a receita – e que as distinguem do IPI e do IcMS e, em última análise, fazem com que a incidência não-cumulativa daqueles tributos não possa ser confundida com a destes. Nessa ótica, destacamos que o conceito clássico de insumo, consagrado nas leis do IcMS e do IPI, como sendo matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem aplicados diretamente no processo de produção, embora aplicável, é insuficiente quando se analisa a questão sob a ótica do PIS e da coFINS. Teremos, então, que recorrer a um conceito específico para essas contribuições, que deve abranger não somente aqueles materiais que se agreguem fisicamente ao produto, mas, de uma forma ampla, todos os fatores de produção indispensáveis à obtenção de receitas. Ademais, deve ser salientado que essa é a posição mais recente acolhida pelo conselho Administrativo de Recursos Fiscais, através da Terceira Turma da câmara Superior de Recursos Fiscais quando do julgamento do Recurso n.º 248.457, e cuja ementa do acórdão abaixo reproduzimos in literis: cRÉDITo RESSARcIMENTo. A inclusão no conceito de insumo das despesas com serviços contratados pela pessoa jurídica e com as aquisições de combustíveis e lubrificantes, denota que o legislador não quis restringir o creditamento do PiS/PaSeP às aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance de insumos na legislação do iPi) utilizados, diretamente, na produção industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos 24 GRECO, Marco Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS, In: PAULSEN, Leandro (Coord.). Não-cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS. Porto Alegre: edição do Instituto de Estudos Tributários e da IOB Thompson, 2004, p. 101-122. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 132 29/5/2012 18:02:42 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 133 como sendo os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção de bens ou serviços por ela realizada. Negado provimento ao recurso da Procuradoria da Fazenda Nacional. (Processo n.º 11065.101271/2006-47, acórdão n.º 9303- 01.035, 3.ª Turma da CSRF, relator: Conselheiro Henrique Pinheiro Torres) – [grifo nosso] Dessa forma, ao adotarmos um conceito próprio de insumo para fins de interpretação e aplicação das normas atinentes ao PIS e à coFINS – conceito esse que não abrange tão somente aqueles materiais que se agreguem fisicamente ao produto, mas, de uma forma ampla, todos aqueles fatores de produção indispensáveis à obtenção de receitas – entendemos que as peças sobressalentes de reposição ou manutenção aplicadas ao processo produtivo da pessoa jurídica são passíveis de desconto de crédito de PIS e coFINS. De forma reiterada, desde a edição da Lei n.º 10.637/02, as autoridades fazendárias federais têm se manifestado no sentido de que são considerados insumos tanto os gastos com partes e peças de reposição aplicadas na manutenção de bens do ativo imobilizado utilizados na produção, bem como os serviços de manutenção contratados de pessoas jurídicas, conforme exposto na seguinte solução de consulta: Solução de consulta n.º 402/2004 (9.ª Região Fiscal) contribuição para o PIS/Pasep – cRÉDIToS. ENcARGoS DE DEPREcIAÇÃo. PEÇAS DE REPoSIÇÃo. MANUTENÇÃo. os créditos calculados sobre os encargos de depreciação de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, sejam ou não utilizados na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, podem ser descontados do valor da contribuição para o PIS/ PASEP com relação a fatos geradores ocorridos de 1º de dezembro de 2002 até 31 de janeiro de 2004. Podem também ser descontados créditos à contribuição para o PiS/PaSeP, relativos às peças de reposição e ao serviço de manutenção prestado por pessoa jurídica, utilizados na fabricação do produto ou prestação do serviço em bens do ativo imobilizado, a partir de 1º de dezembro de 2002. [grifo nosso] Assim, entendemos que os gastos com reposição e manutenção de peças sobressalentes não classificadas no ativo imobilizado poderão ensejar o desconto de créditos de PIS e de coFINS, desde que tais peças relacionem-se intrinsecamente Direito Tributário Societário Vol. III.indd 133 29/5/2012 18:02:42 134 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... à atividade operacionalda Sociedade, enquadrando-se, portanto, no conceito de insumo para fins das referidas contribuições Sociais. Por sua vez, ressaltamos que relativamente às partes de reposição, que em razão da conveniência e oportunidade tenham sido capitalizadas, ou seja, classificadas como ativo imobilizado, a pessoa jurídica também poderá apropriar créditos das contribuições PIS/coFINS, considerando conforme o caso a despesa de depreciação vinculada àquele item do imobilizado, ou, se preferir, conforme já mencionamos na proporção de 1/48 ou 1/24 sobre o valor de aquisição, ou ainda na proporção de 1/12 sobre o custo de aquisição. 8. A AProPriAção doS créditoS de icmS Sobre o Ativo imobilizAdo e SuAS PeçAS SobreSSAlenteS Segundo a sistemática da não cumulatividade do IcMS, o contribuinte tem direito a compensar o imposto cobrado nas operações anteriores com o que for devido nas operações subsequentes relativamente à circulação de mercadorias ou prestação de serviços pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Senão, vejamos o que dispõe o art. 155, inciso II, e § 2.º da constituição da República Federativa do Brasil: Art. 155. compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) § 2.º o imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: Direito Tributário Societário Vol. III.indd 134 29/5/2012 18:02:42 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 135 a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Dessa análise preliminar depreende-se que a sistemática do IcMS cinge- se, em linhas gerais, nos seguintes pressupostos lógicos: a) entradas tributadas garantem ao adquirente direito ao crédito de IcMS; e b) saídas tributadas dão direito ao remetente de manter os créditos decorrentes de suas entradas tributadas. com efeito, a apropriação dos créditos de IcMS, nos termos da legislação tributária, guarda direta ligação com a conceituação fiscal dos materiais adquiridos, que, por sua vez, podem ser classificados em quatro categorias, a saber: ativo permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário e insumo. Nos termos do que dispõe o artigo 20 da Lei complementar n.º 87/1996 (Lei Kandir), com vistas à manutenção do princípio da não-cumulatividade, é assegurado ao contribuinte apropriar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo (somente a partir de 1.º de janeiro de 2020 – art. 33, inciso I da Lc n.º 87/1996)25 ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de serviço de comunicação por estabelecimento industrial, desde que tais operações não resultem em operações isentas ou não tributadas (note que em determinadas ocasiões a manutenção dos créditos está prevista na legislação específica), ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento. No que se refere à apropriação de créditos de IcMS relacionados à entrada no estabelecimento do contribuinte de bens para serem utilizados como produtos intermediários ou insumos, o entendimento jurisprudencial acerca do tema é no sentido de que é possível a apropriação de tais créditos, caso as mercadorias venham integrar o processo produtivo, nele se consumindo 25 Recomendamos, ainda, a leitura do art. 33 da LC n.° 87/96, no sentido de se identificar também as limitações quanto ao crédito de ICMS sobre a aquisição de energia elétrica e de serviços de telecomunicações. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 135 29/5/2012 18:02:43 136 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... ou integrando o produto final. Nesse sentido, vejamos a ementa do acórdão proferido pelo STJ quando do julgamento do REsp. n.º 617.504 – RS: P R o c E S S UA L c I V I L . R E c U R S o E S P E c I A L . A D M I S S I B I LI DA D E . S Ú M U LA 0 7 / S T J . ( I c M S. cREDITAMENTo. PoSSIBILIDADE. PRoDU ToS INTERMEDIÁRIoS QUE SÃo coNSUMIDoS oU INUTILIZADoS No PRocESSo DE INDUSTRIALIZAÇÃo) 1. concluindo o v. voto condutor do aresto recorrido que: “À toda evidência, lixa, rebolo diamantado, pó acrílico, broca, luvas, tintas, esmalte, etc., não sendo peças de máquinas, destinam-se ao corte, furo e acabamento do vidro que, pelo próprio índice de incidência na sua reposição, perdem a utilidade com rapidez, equiparando-se a produtos intermediários que devem ser computados no produto final.” e que “desta forma, como os produtos da apelante são consumidos e utilizados no processo industrial, geram crédito fiscal, nos termos do art. 28, i, ‘e’, da Lei 8.820/89, na esteira do art. 31, iii, do Convênio 66/88” inequívoca a análise fática para a aferição da existência ou não do fato gerador. 2. Sob esse ângulo, o Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ. 3. Recurso Especial não conhecido. (REsp. n.º 617.504, Primeira Turma, STJ, relator: Ministro Luiz Fux) – [grifo nosso] Relativamente à decisão mencionada, é de se notar que no que se refere ao IcMS não são precisamente definidos os conceitos de insumo e produto intermediário, sendo o posicionamento do STJ no sentido de que cabe apropriação de crédito daquele imposto no caso de entrada no estabelecimento do contribuinte de materiais destinados à produção, desde que se incorporem ao produto final, ou que ao menos sejam consumidos no processo de industrialização de forma imediata e integral, independentemente de sua denominação26. 26 Deve, contudo, ser salientado que, apesar desse entendimento por parte do STJ, essa questão no âmbito das Administrações Tributárias Estaduais ainda permanece controversa, isso porque alguns Estados entendem que aqueles produtos consumidos no processo industrial, mas que não são incorporados ao produto final devem ser entendidos como sendo material de uso em consumo, cujo crédito do ICMS encontra-se atualmente vedado (art. 33, inicio I da LC n.° 87/1996. Nesse aspecto podemos citar como exemplo desse posicionamento contrário à pretensão dos contribuintes os termos do acórdãos n.° 5.172/2007 e n.° 5.237, proferidos pelo órgão pleno do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 136 29/5/2012 18:02:43 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 137 Feitos os esclarecimentos acerca de quais bens dão direito à apropriação de crédito de IcMS quando da entrada no estabelecimento do contribuinte, parece-nos pertinente distinguir com mais detalhes os conceitos de ativo permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário e insumo, para fins de apropriação do referido imposto. Inicialmente devemos atentar para o principal fator de diferenciação entre esses conceitos, qual seja: a destinação do bem quando da sua entrada no estabelecimento do contribuinte. Nesse contexto, sendo a mercadoria destinada à utilização no processo industrial e vindo a compor efetivamente o produto final, tratar-se-á, pois, de insumo. Produto intermediário, por sua vez, pode ser considerado aquele bem que ingressa no estabelecimento do contribuinte para ser destinado ao consumo no processo industrial, sendousado e consumido durante a produção, sem para tanto venha integrar em definitivo o produto final. Tendo em vista que o conceito de produto intermediário tem provocado controvérsias na doutrina e jurisprudência, entendemos válido, no intuito de suportar nosso entendimento, recorrermos aos ditames da Instrução Normativa SLT n.º 01/1986 editada pela Secretaria de Fazenda do Estado de Minas Gerais SEF/MG, a qual esclarece o seguinte: considerando que nos termos da legislação em vigor, para efeito de apuração do valor do IcMS a pagar, será abatido o imposto incidente nas operações realizadas no período, sob a forma de crédito, dentre outros valores, o valor do imposto correspondente à entrada do produto intermediário; considerando que o produto intermediário é aquele que, empregado diretamente no processo de industrialização, integrar-se ao novo produto; considerando que, por extensão, produto intermediário é também o que, embora não se integrando ao novo produto, é consumido, imediata e integralmente, no curso da industrialização; considerando as controvérsias que têm envolvido a conceituação extensiva de produto intermediário, e que o ponto essencial de divergência se prende às dificuldades verificadas na precisa identificação da efetiva participação do produto no processo de industrialização; considerando, com efeito, que o centro das controvérsias reside no dúplice circunstanciamento, qual seja o produto ser consumido imediata e integralmente dentro da linha de produção; considerando que, após estudos, debates, disputas administrativas Direito Tributário Societário Vol. III.indd 137 29/5/2012 18:02:43 138 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... e judiciais, revisão e reajustes de conceitos, com recolhimento de pareceres e laudos técnicos, tem-se como aflorado, fruto de todo esse trabalho e em especial da jurisprudência administrativa que já se pode ter como firmada, um entendimento bem fortalecido a respeito da espécie, capaz de reduzir dúvidas a prevenir dissensões, RESoLVE: I – Por consumo imediato entende-se o consumo direto, de produto individualizado, no processo de industrialização; assim, considera-se consumido diretamente no processo de industrialização o produto individualizado, quando sua participação se der num ponto qualquer da linha de produção, mas nunca marginalmente ou em linhas independentes, e na qual o produto tiver o caráter de indiscutível essencialidade na obtenção do novo produto. II – Por consumo integral entende-se o exaurimento de um produto individualizado na finalidade que lhe é própria, sem implicar, necessariamente, o seu desaparecimento físico total; neste passo, considera-se consumido integralmente no processo de industrialização o produto individualizado que, desde o início de sua utilização na linha de industrialização, vai-se consumindo ou desgastando, contínua, gradativa e progressivamente, até resultar acabado, esgotado, inutilizado, por força do cumprimento de sua finalidade específica no processo industrial, sem comportar recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos. III – Não se consideram consumidas imediata e integralmente os produtos, como ferramentas, instrumentos ou utensílios, que embora se desgastem ou deteriorem no processo de industrialização – como aliás ocorre em qualquer bem ao longo do tempo – não se esgotam de maneira contínua, gradativa e progressiva, até o completo exaurimento, na linha de produção. IV – Igualmente não são considerados produtos consumidos imediata e integralmente no processo de industrialização as partes e peças de máquina, aparelho ou equipamento, pelo fato de não se constituírem em produto individualizado, com identidade própria, mas apenas componentes de uma estrutura estável e duradoura, cuja manutenção naturalmente pode importar na substituição das mesmas. V – excepcionam-se da conceituação do inciso anterior as partes e peças que, mais que meros componentes de máquina, aparelho Direito Tributário Societário Vol. III.indd 138 29/5/2012 18:02:43 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 139 ou equipamento, desenvolvem atuação particularizada, essencial e específica, dentro da linha de produção, em contacto físico com o produto que se industrializa, o qual importa na perda de suas dimensões ou características originais, exigindo, por conseguinte, a sua substituição periódica em razão de sua inutilização ou exaurimento, embora preservada a estrutura que as implementa ou as contém. [grifo nosso] Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se no seguinte sentido acerca de produto intermediário para fins de apropriação do IPI, cujo entendimento pode, em nosso sentir, ser estendido analogamente ao IcMS: Tributário. IPI. Materiais refratários. Direito ao creditamento. os materiais refratários empregados na indústria, sendo inteiramente consumidos, embora de maneira lenta, não integrando, por isso, o novo produto e nem o equipamento que compõe o ativo fixo da empresa, devem ser classificados como produtos intermediários, conferindo direito ao crédito fiscal27. [grifo nosso] Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal definiu produto intermediário como: (...) aqueles materiais que, embora não compondo o produto final (como as matérias-primas e os materiais secundários, integrantes do produto final), são, não obstante, empregados, utilizados ou consumidos, necessária e obrigatoriamente, na fabricação ou na produção industrial de determinado produto (ainda que este vá servir de matéria-prima para novo produto industrial)28. Finalmente, caso a mercadoria que ao ingressar no estabelecimento do contribuinte seja destinada a consumo que se dê fora do processo industrial, trata-se, pois, de material de uso ou consumo do estabelecimento, e cuja apropriação do crédito encontra-se defesa até o dia 1.º de janeiro de 2020. Devem-se entender como materiais de uso ou consumo aqueles que, desvinculados do processo produtivo, são utilizados na manutenção e conservação dos estabelecimentos do contribuinte, como bem sintetizam José cassiano Borges e Maria Lúcia dos Reis: 27 STJ, RESP n.º 183610-SP, Relator Ministro Hélio Mosimann, D.J.U. de 07.08.1995. 28 STF, AI nº 127762, Relator Ministro Aldir Passarinho, D.J.U. de 29.06.1990. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 139 29/5/2012 18:02:44 140 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... São bens de uso ou consumo as mercadorias utilizadas pelo contribuinte em seu estabelecimento, na manutenção, conservação ou substituição de outras, sem nenhuma participação no processo de industrialização ou comercialização do adquirente 29 . [grifos nossos] Uma vez abordados os conceitos de insumo, material intermediário e materiais destinados ao uso e consumo, cumpre-nos tratar dos aspectos peculiares relativos ao crédito de IcMS oriundo da aquisição de bens destinados a integrar o ativo imobilizado, cujo conceito contábil é semelhante ao fiscal. o seu primeiro traço distintivo é a apropriação parcelada do valor desse tributo destacado na nota fiscal em quarenta e oito meses. Além disso, exige-se, nos termos do § 1.º do art. 20 da Lei complementar n.º 87/96, que o bem destinado ao ativo imobilizado seja vinculado à atividade operacional da sociedade. Em sendo o ativo operacional, o mesmo ensejará o direito à apropriação do crédito de IcMS, o qual deverá ser dividido em quarenta e oito parcelas, como já mencionado, devendo ainda tais parcelas serem apropriadas proporcionalmente às saídas e prestações tributadas, acrescidas das operações de exportação, nos termos dos incisos II e III do § 5.º do art. 20 da Lei complementar n.º 87/9630. outro aspecto de relevo se traduz no momento a partir do qual o crédito de IcMS relacionado aos bens destinados ao ativo imobilizado pode ser efetivamente aproveitado na escrita fiscal. Nesse particular, de acordo com o, aapropriação do IcMS deve ser iniciada no mês em que ocorrer a entrada física do bem no estabelecimento do contribuinte31 , devendo ainda 29 REIS, Maria Lúcia Américo do; e BORGES, José Cassiano. O IPI ao Alcance de Todos. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 9. 30 Art. 20 (...) (...) § 5.° Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado: (...) III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos; IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; 31 Questão que pode se afigurar controversa refere-se ao momento para apropriação do ICMS incidente sobre a aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado de contribuinte que se Direito Tributário Societário Vol. III.indd 140 29/5/2012 18:02:44 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 141 ser observada a obrigação de estorno de eventual saldo remanescente ao final do quadragésimo oitavo mês. Relativamente aos materiais aplicados em reparos, consertos ou reformas de itens já classificados no imobilizado, quando representarem um aumento de eficiência ou produtividade ou um prolongamento da vida útil dos ativos em que foram empregados, entendemos que poderão ser classificados como ativo, com o tratamento tributário equivalente. No entanto, caso essas peças sejam consumidas no processo de reparo, nosso entendimento é de que não existe previsão para a tomada de créditos de iCMS. Nessa linha de raciocínio, parece-nos que a Sociedade deverá se nortear pelo tratamento contábil que irá conferir a tais bens. Nesse ponto, é válida a menção à Decisão Normativa cAT n.º 1/2000, que, não obstante vincular apenas a Fazenda do Estado de São Paulo, merece atenção em razão da lucidez de algumas de suas disposições, as quais servirão de norte para nossas conclusões interpretativas: 16 – Seguindo a doutrina exposta, a qual fundamenta-se nos artigos da Lei n.º 6.404/76, temos que as partes e peças que acompanham a máquina ou o equipamento quando de suas aquisições, são contabilizadas como ativo imobilizado, e como tal geram direito ao crédito do valor do iCMS correspondente. 17 – Já no que pertine às partes e peças adquiridas separadamente para o fim de manutenção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas no ativo imobilizado), de máquinas ou equipamentos não geram, encontra em fase pré-operacional. Há que se ressaltar que não afastamos a possibilidade de os Estados entenderem que a apropriação do crédito do ICMS, neste caso, somente seria possível com o efetivo emprego do referido bem no processo produtivo (e.g. art. 23, § 3.°, alínea i do Regulamento do ICMS do Paraná e Parecer Normativo nº 661/2005 do Estado de Goiás). Por sua vez, lembramos que o Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital ao tratar do registro G125 estabelece a possibilidade de escrituração dos bens destinados a compor o ativo imobilizado de contribuinte em fase pré-operacional sob as seguintes denominações: “Imobilização em andamento – componente” e “Conclusão de Imobilização em Andamento – Bem Resultante”. Assim, os referidos bens poderiam ser escriturados como “Imobilizado em andamento” durante a fase pré-operacional e, uma vez finalizado este período, seriam registrados sob a denominação “Saldo Inicial de bens imobilizados”, e somente a partir de então se iniciaria a apropriação das 48 parcelas relativas ao crédito. Entretanto, tal fato não se afigura razoável, face à disposição expressa do art. 20, § 7.°, alínea 1, que garante a apropriação do ICMS a partir da entrada física do bem. Ademais, na mesma linha de raciocínio, deve-se ponderar que inexiste qualquer obrigação acessória relativa ao ICMS que exija a entrada do bem em operação para iniciar a apropriação do crédito do ICMS incidente sobre sua aquisição. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 141 29/5/2012 18:02:44 142 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... por suas aquisições, o direito de lançar na escrita fiscal o valor do imposto correspondente, por se tratar de valores de mercadorias que serão lançados na contabilidade da empresa como ativo Circulante ou diretamente como despesas operacionais, gastos gerais de fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo direito ao crédito somente se dará a partir de 01/01/2003, por força da Lei complementar nº 99/99. 18 – Diante de todo o exposto, em conclusão, temos as seguintes condições para o aproveitamento, como crédito, do imposto pago nas aquisições de partes e peças destinadas às situações retratadas no item 1 retro: a) os bens de Ativo Imobilizado a que serão incorporadas devem eles, também, ter feito jus ao crédito do imposto, na forma e condições da Lei complementar n.º 87/96, alterada pela Lei complementar n.º 102/2000; b) sejam as partes e peças classificadas no Ativo Imobilizado; c) sejam observadas todas as demais regras de lançamento e estorno constante nos artigos 20 e 21 da Lei complementar n.º 87/96, alterada pelas Leis complementares nº 99/99 (de 20/12/99) e 102/2000 (de 12/07/2000), e artigos 56 e seguintes do Regulamento do IcMS – RIcMS. [grifo nosso] Assim, nos termos da referida decisão, as partes e peças que acompanham a máquina ou o equipamento quando de sua aquisição ou não, e que tenham a função de aumentar a vida útil do bem, podem ser contabilizadas e registradas fiscalmente no ativo imobilizado, permitindo-lhes, por conseguinte, o desconto de crédito à proporção de 1/48 (um quarenta e oito avos) mensais a partir da sua entrada no estabelecimento32. Isso porque, tais peças sobressalentes possuem função específica de uso para tal equipamento, bem como em função de sua necessidade para que o mesmo se mantenha em operação. Por outro lado, as peças e partes de disponibilidade ampla no mercado, as quais têm vida útil física própria inferior a um ano e valor econômico individual, não vinculadas a um equipamento específico da Sociedade, devem ser registradas 32 Devemos salientar, entretanto, que esta questão não se encontra totalmente pacificada perante as Administrações Tributárias Estaduais, de forma que outros entes federados poderão ter entendimento diverso daquele exarado pelo Estado de São Paulo, com o qual, aliás, exaramos nossa concordância. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 142 29/5/2012 18:02:44 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 143 como materiais de uso e consumo e, consequentemente, não serão passíveis de desconto de créditos de IcMS. 9. o iPi e oS benS deStinAdoS Ao Ativo imobilizAdo e SuAS PeçAS de rePoSição Em linhas gerais, as regras aplicáveis ao desconto de créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, em muito se assemelham à sistemática da não cumulatividade pertinente ao IcMS, razão pela qual partiremos dos mesmos conceitos delineados pela doutrina e jurisprudência para aquele imposto explorado no item anterior, no que se refere a ativo permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário e insumo. Nesse sentido, assim dispõe a constituição Federal: Art. 153. (...) (...) § 3.º – o imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. [grifo nosso] A não-cumulatividade do IPI também é exercida pelo sistema de crédito do imposto relativo a produtos que entram no estabelecimento do contribuinte, para ser compensado com o que for devido quando da saída dos produtos do estabelecimento, num mesmo período. Dentre os créditos previstos na legislação, destacamos os relativos a matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, isentos e tributados à alíquota zero, exceto os não-tributados (fora do campo de incidência)33 . 33 Vide os termos da Lei n.° 9.779/1999. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 143 29/5/2012 18:02:45 144 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... Entre as matérias-primas e produtos intermediários, incluem-se aqueles gastos que, mesmo não se integrando ao novo produto, são consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo imobilizado. Dessa forma, peças sobressalentes contabilizadas diretamente como custo serão passíveis de créditos de IPI caso integrem o conceito de produto intermediário, conforme se verifica na manifestação da Receita Federal: EMENTA : IP I . PARTES E P EÇAS. PRoDU ToS INTERMEDIÁRIoS. Partes e peças de reposição podem ser classificadas como produtos intermediários e gerar créditos de IPI, nos termos da legislação de regência desse imposto, desde que não integrem os bens do ativo permanente do sujeito passivo e sejam consumidas em virtude de contato físico direto com os produtos em fabricação. (Disit 6. Solução de Consulta nº 8, de 21 de janeiro de 2008). ............................................................................................................. Solução de consulta n.º 149/2005 (10.ª Região Fiscal) EMENTA: IPI – SUSPENSÃo. PRoDUTo INTERMEDIÁRIo. São produtos intermediários, para efeito de aplicação da hipótese de suspensão do iPi de que trata o art. 29 da Lei no 10.637, de 2002, os bens que se integram ao produto fabricado e também aqueles que, mesmo não se integrando ao produto fabricado, sejam consumidos no processo de industrialização, em decorrência de um contato físico, ou seja, de uma ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não se classifiquem no ativo permanente da empresa. [grifo nosso] Ressalte-se, entretanto, a existência de entendimento mais restritivo no âmbito da própria Receita Federal do Brasil, verbis: eMeNTa: os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se do imposto relativo a MP, PI e ME, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se entre as matérias-primas e produtos intermediários aqueles que, embora não integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente. Estão compreendidos entre as matérias-primas e produtos intermediários aqueles que sejam consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição. Produtos utilizados indireta e Direito Tributário Societário Vol. III.indd 144 29/5/2012 18:02:45 dAniel dix CArneiro & márCio oliveirA - 145 marginalmente no processo industrial, por não se integrarem diretamente ao novo produto, não ensejam direito à apropriação de créditos, ainda que considerados no custo da produção. o iPi pago na aquisição de partes e peças, utilizadas na manutenção de máquinas e equipamentos, não poderá ser creditado pelo estabelecimento industrial quando da apuração do imposto. (Disit 9. Solução de Consulta n.º 290/2007). Relativamente aos materiais de uso e consumo, não será permitido o desconto de créditos de IPI, em sentido coincidente com o tratamento aplicável para o IcMS. De igual modo, em relação aos bens incorporados ao ativo imobilizado existe vedação legal à apropriação de crédito, como se verifica do acima transcrito art. 226, I, do RIPI (Decreto n.º 7.212/2010), que ressalta a impossibilidade de creditamento nestas aquisições quando assevera “salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente”. 10. conSiderAçõeS FinAiS Tivemos com o presente estudo a oportunidade de analisar se as recentes alterações promovidas na legislação contábil brasileira, no que se refere ao reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças de reposição trouxeram algum impacto fiscal relevante especificamente ao IRPJ, cSLL, PIS, coFINS, IcMS e IPI. Pudemos verificar que as normas contábeis, anteriores ao advento da Lei n.º 11.638/2007 conferiam tratamento muito semelhante ao atual relativamente ao registro e à depreciação dos bens destinados a compor o seu ativo imobilizado e suas peças e reposição, de modo, que a princípio, não haveríamos que falar em impactos relevantes em termos tributários. contudo, o tema proposto se revelou, por demais, complexo e resultou na abordagem de algumas questões controvertidas, as quais merecem um maior debate por parte dos contribuintes e do Fisco, sobressaindo nesse caso, os critérios contábeis e fiscais a serem adotados para depreciação do ativo imobilizado. Identificamos, ainda, que o tratamento fiscal para fins de apropriação de crédito das contribuições PIS/coFINS, do IcMS e do IPI, sobre a aquisição de bens do ativo imobilizado e suas peças de reposição do ativo imobilizado, ou Direito Tributário Societário Vol. III.indd 145 29/5/2012 18:02:45 146 - oS poSSíveiS eFeitoS triButárioS relACionAdoS Com oS CritérioS ContáBeiS pArA... mesmo de sua capitalização contábil, pode variar conforme o caso e segundo a destinação do bem, de modo que o gestor das informações contábeis deverá analisar de forma criteriosa o seu emprego. Por fim, esperamos, que o presente estudo venha contribuir, de alguma maneira, para os debates acerca das consequências fiscais relacionadas às alterações promovidas pela Lei n.º 11.638/07 na sistemática contábil nacional, isso porque, face às suas recentes e complexas características, ainda pouco estudadas, tais mudanças têm em alguns casos acometido os contribuintes de um modo geral com um sentimento de insegurança, que, por sua vez, clamam por definições mais precisas e lógicas por parte das diversas Administrações Tributárias. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 146 29/5/2012 18:02:45 Capítulo V Regime Tributário de Transição – RTT: Que Neutralidade? edison Carlos Fernandes Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP; Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda – atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo; Professor de Direito Tributário e de Mercado de Capitais da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor convidado dos cursos de pós-graduação do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS (Centro de Extensão Universitária), da Fundação Getúlio Vargas (GVLaw e GVPEC) e da FIPECAFI; Titular da Cadeira n° 29 da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 147 29/5/2012 18:02:45 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 148 29/5/2012 18:02:46 ediSon CArloS FernAndeS - 149 introdução Uma breve revisão histórica demonstra que já a partir da edição da Lei n° 6.404, em 15 de dezembro de 1976, houve uma tentativa de desvincular a escrituração societária da escrituração utilizada na apuração dos tributos sobre o lucro. Pouco mais de um ano após a publicação da primeira leia tratar de maneira sistemática das demonstrações financeiras, para fins societários, foi editado, em 26 de dezembro de 1977, o Decreto-lei n° 1.598, que tratou da apuração do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, considerando as (então) recentes mudanças das normas contábeis. o que era para ser a declaração de divórcio entre a contabilidade societária e a tributária foi, na verdade, o início da forte influência da legislação referente ao imposto sobre a renda sobre as demonstrações financeiras. A comparação de dois dispositivos do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, registra, muito bem, essa relação conflituosa entre a contabilidade societária e a contabilidade tributária. De um lado, o artigo 8°, I ,instituiu o Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, no qual seriam inscritas as operações financeiras sujeitas ao imposto sobre a renda (de rigor, os ajustes à contabilidade societária determinados pela legislação tributária); de outro, o artigo 20 determinava como deveria ser registrado contabilmente o investimento em participação societária e o respectivo ágio ou deságio. Embora os dispositivos da legislação tributária não impusessem de maneira expressa a adoção de critérios para o registro contábil, o poder de coação da Administração Tributária e o correspondente receio das empresas em ter suas contas questionadas resultaram na adoção das normas tributárias para fins de escrituração societária1. As alterações trazidas pela Lei n° 11.638, de 2007, complementadas pelas alterações promovidas pela Lei n° 11.941, de 2010, ao capítulo das demonstrações financeiras da Lei n° 6.404, de 1976, finalmente estabeleceram a segregação entre contabilidade societária e contabilidade tributária. Por meio do estabelecimento do Regime Tributário de Transição – RTT e da neutralidade tributária, a apuração dos tributos sobre o lucro tomará por base a escrituração 1 Nesse sentido, além do registro contábil do investimento em participação societária, a lei tributária determinava o registro da provisão para devedores duvidosos, da depreciação e a ausência de reconhecimento de provisões para contingências, dentre outros. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 149 29/5/2012 18:02:46 150 - Regime TRibuTáRio de TRansição – RTT: Que neuTRalidade? contábil tal como disciplinada pela legislação societária (Lei n° 6.404, de 1976) em 31 de dezembro de 2007. Acontece que, mesmo segregadas, a influência recíproca das normas societária e tributária continua existindo (até porque é inevitável), restando, então, ser definido qual o alcance da neutralidade inserta no Regime Tributário de Transição – RTT. rePercuSSõeS tributáriAS dAS normAS contábeiS como mencionado anteriormente, com a neutralidade instituída pelo RTT, as alterações ocorridas nas normas contábeis para fins societários não têm qualquer aplicação à apuração dos tributos sobre o lucro. Se esse entendimento, teoricamente, parece de fácil compreensão (e aplicação), as complexas repercussões tributárias das normas contábeis suscitam diversas questões que demonstram a falsidade dessa conclusão. E exatamente nessas questões estão os pontos que exigem análise mais criteriosa e cautelosa da aplicação da neutralidade tributária. Em primeiro lugar, as normas contábeis determinam a classificação e a avaliação (reconhecimento e mensuração) de ativos e passivos. o registro de ativos e passivos na contabilidade implica, invariavelmente, o lançamento contraparte em rubricas de resultado, isto é, custos, despesas e receitas. considerando que alguns tributos tomam por base a composição do lucro (receitas subtraídas de custos e despesas), tem-se que a primeira repercussão tributária das normas contábeis é a apuração dos tributos sobre o lucro (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e contribuição Social sobre o Lucro Líquido – cSLL) e dos tributos sobre as receitas (contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – coFINS). Depois, esse resultado final registrado na contabilidade servirá para remunerar os sócios e os investidores (podendo, também, aumentar a remuneração dos empregados, por meio da participação nos lucros e resultados), o que ocorre, essencialmente, por meio da distribuição de dividendos. Também nesse caso verifica-se uma relevante repercussão tributária, que influencia diretamente o montante do retorno aos sócios: trata-se da tributação sobre a distribuição de lucros. considerando que, de acordo com a legislação tributária brasileira, os dividendos são isentos dos tributos sobre o lucro, na apuração feita pelos beneficiários, a definição desse lucro, que é feita por meio das normas contábeis, Direito Tributário Societário Vol. III.indd 150 29/5/2012 18:02:46 ediSon CArloS FernAndeS - 151 implica o recebimento de valores tributariamente desonerados. Finalmente, eventual parcela dos lucros não distribuída aos sócios (ou aos investidores ou aos empregados), bem como determinadas contrapartidas do registro de ativos e passivos, serão alocadas em rubricas do patrimônio líquido. o patrimônio líquido caracteriza-se, fundamentalmente, por reconhecer “dívidas” que a empresa tem perante os sócios em razão da separação de patrimônios, além de, em sendo medida de garantia a credores, representar a limitação das responsabilidades dos mesmos sócios. Embora de natureza eminentemente societária, o patrimônio líquido é utilizado como referência para questões tributárias, como é o caso da remuneração de juros sobre o capital próprio e do controle de empréstimos de sócio estrangeiro (thin capitalization). diSciPlinA do regime tributário de trAnSição – rtt o Regime Tributário de Transição – RTT está disciplinado pelos artigos 15 a 24 da Lei n° 11.941, de 2010. Esse regime vigerá até que seja editada lei tributária específica disciplinando a incidência dos tributos sobre o lucro (IRPJ e cSLL) e sobre a receita (contribuição para o PIS e coFINS) no contexto da adoção das normas internacionais de contabilidade – IFRS (artigo 15, § 1°). Por enquanto, a adoção das novas regras contábeis (de acordo com as manifestações do comitê de Pronunciamentos contábeis – cPc) que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro comercial, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (artigo 16). com relação à conduta a ser adotada pelas empresas, elas devem seguir, em linhas gerais, o seguinte procedimento (artigo 17): (i) utilizar os métodos e critérios definidos pela legislação contábil, para apurar o resultado do exercício antes das despesas de IRPJ/ cSLL, deduzido das as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo na forma de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa, com a adoção dos métodos e critérios determinados pelas novas normas contábeis (IFRS/cPc); Direito Tributário Societário Vol. III.indd 151 29/5/2012 18:02:46 152 - Regime TRibuTáRio de TRansição – RTT: Que neuTRalidade? (ii) realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado nos termos acima, no Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007; devendo ser utilizado o formulário específico do LALUR Eletrônico (sucessor do controle Fiscal contábil de Transição – FcoNT, instituído pela Instrução Normativa RFB nº 949, de 2009); e (iii) realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados pela legislação tributária, paraapuração da base de cálculo do imposto. Em outras palavras, tem-se que os lançamentos contábeis promovidos em decorrência da adoção dos IFRS (cPc), deverão ser estornados para fim de apuração dos tributos sobre o lucro e sobre a receita. Embora, deve-se advertir que existem registros contábeis disciplinados pelos IFRS (cPc) que, com outra nomenclatura, estão também disciplinados na legislação tributária (como, por exemplo: amortização do ágio de investimento, realização da reserva de reavaliação e impairment ou recuperabilidade em alguns casos). De qualquer forma, importante destacar que o RTT, e a consequente reversão dos lançamentos contábeis adotados de acordo com os IFRS (cPc), é aplicado, exclusivamente, na determinação de receitas, custos ou despesas. rePercuSSõeS tributáriAS não AbrAngidAS Pelo rtt consoante foi apresentado anteriormente, os novos padrões contábeis repercutem de duas formas em matéria tributária: na apuração dos tributos sobre o lucro e sobre a receita e nas questões relacionadas aos aspectos societários, como a composição do patrimônio líquido e a distribuição isenta de dividendos. Por outro lado, de acordo com a disciplina legal do RTT, tem-se que ele, ao tratar do registro de receita, custos e despesas, tem sua abrangência limitada à primeira repercussão, ou seja, à apuração dos tributos. Portanto, o RTT, e o estorno de lançamentos contábeis para fins tributários que ele representa, não abrangem as repercussões tributárias ligadas às questões societárias. Nesse sentido, destacam-se duas situações, a saber: controle fiscal dos empréstimos de sócios estrangeiro (thin capitalization) e remuneração dos juros Direito Tributário Societário Vol. III.indd 152 29/5/2012 18:02:46 ediSon CArloS FernAndeS - 153 sobre o capital próprio. Em ambos os casos, toma-se, como referência para os referidos cálculos, a composição do patrimônio líquido. Isso implica dizer que nenhuma das duas citadas situações de apuração de despesa dedutível (juros pagos aos sócios estrangeiros, em função de empréstimo tomado, e juros pagos aos sócios em geral, em decorrência do capital social) está abrangida pelo RTT. Sendo assim, não há que se proceder a qualquer ajuste ao patrimônio líquido, determinado de acordo com o padrão internacional de contabilidade (IFRS/cPc), para fins tributários desses dois controles (exceto pela exclusão da conta “ajuste de avaliação patrimonial” no cálculo dos juros sobre o capital próprio, já que expressamente determinada pelo artigo 59 da Lei nº 11.941, de 2009). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 153 29/5/2012 18:02:47 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 154 29/5/2012 18:02:47 Capítulo VI Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007, suas alterações e variações sobre a interpretação da norma contábil. elidie Palma Bifano Bacharel pela Faculdade de Direito da USP, Mestra e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP, Diretora de Consultoria de PricewaterhouseCoopers - PWC, Professora nos Cursos de Pós Graduação da Escola de Direito de São Paulo - FGV, da Faculdade de Direito - USP, da Faculdade de Direito - PUC, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 155 29/5/2012 18:02:47 Direito Tributário Societário Vol. III.indd 156 29/5/2012 18:02:47 elidie pAlmA BiFAno - 157 1. APreSentAção do temA Ao encerrar-se o ano de 2007, em fins de dezembro, foi editada a L. 11.638 que, além de alterar a lei societária (L. 6.404/76), introduziu no Brasil novos padrões contábeis, em consonância com fenômeno de harmonização e convergência contábil que vem ocorrendo no mundo. “harmonização e convergência” contábil é expressão que fala de per si, pois supre necessidade fundamental de agentes de mercado, sediados em países submetidos a regras de escrituração e de preparação de demonstrações financeiras diferentes, que é entender o conteúdo informacional dos dados financeiros e com eles trabalhar. o IFRS, International Financial Report Standard é um conjunto de pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board – IASB, adotado a partir de 2002 pelos países da União Européia, que hoje se constitui em padrão contábil internacional, incorporado que foi por grande número de países. A L. 11.638/2007 alterou o §5º do art. 177 da lei societária, para dispor que a comissão de Valores Mobiliários – cVM, ao elaborar regras referentes às demonstrações financeiras das companhias abertas, deve observar os padrões internacionais de contabilidade, adotados nos principais mercados de valores mobiliários, ou seja, o IFRS também passou a orientar as práticas contábeis brasileiras. Diversos aspectos positivos podem ser indicados como advindos das mudanças nas práticas contábeis, especialmente no caso brasileiro: (i) a facilitação do ingresso de empresas brasileiras em mercados internacionais; (ii) a contrapartida para entrada de empresas estrangeiras no Brasil, especialmente pela uniformização de procedimentos contábeis entre matriz e subsidiária aqui localizada; (iii) a possibilidade de crescimento da pesquisa em matéria de ciência contábil, no Brasil; (iv) a ampliação do debate entre Direito e contabilidade, no que tange aos reflexos legais das novas normas. De outra parte, entretanto, diversas dificuldades vêm sendo observadas no que se refere à aplicação dos novos padrões contábeis, com possíveis reflexos jurídicos importantes. Em decorrência desse fato, parece-nos relevante iniciar um debate sobre o alcance desses novos padrões, especialmente sua aplicação, bem como dos reflexos legais, dela advindos, e a interpretação que deles, necessariamente, se fará. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 157 29/5/2012 18:02:47 158 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... 2. AS diFerenteS dimenSõeS do iFrS, no brASil As novas práticas contábeis introduzidas no País têm reflexos importantes sob uma grande diversidade de áreas, uma vez que elas se valem da escrituração contábil e das demonstrações financeiras para desenvolver estudos, análises e, também, muitas de suas operações. Toda análise do desempenho da atividade empresarial toma, certamente, as demonstrações financeiras como marco inicial de informação; em termos científicos de construção de uma teoria voltada à atividade das empresas, as demonstrações financeiras produzem uma imensa riqueza de informações. Do ponto de vista do Direito, muitas são as áreas que se valem de dados contábeis. Assim o Direito de Empresa, incorporado ao código civil, utiliza a contabilidade para apurar e partilhar os resultados da entidade bem como para fazer prova de suas atividades, sempre que necessário. o Direito do Trabalho e Previdência vale-se da escrituração e das demonstrações contábeis para identificar dados referentes a empregados e contribuições, bem como gratificações e participações nos lucros; o Direito Societário vale-se da contabilidade para apurar os resultados das entidades, demonstrando ao mercado as condições essenciais para atrair investidores. o Direito Tributário parte dos registros contábeis, inclusive lucro do período, apurado consoante a contabilidade, para exigir todo tipo de tributo vinculado ou decorrente da atividade empresarial. Muitas circunstâncias da vida empresarial resultam afetadas pelos dados contidos na contabilidade: habilitação ou pedido de falência, habilitação ou solicitação de recuperação judicial, concorrência e licitação, habilitação em financiamentos e créditos, dentre outras. Em todas as hipóteses aqui comentadas, sendo a contabilidade instrumento essencial para obter certos efeitos desejados, a ela estarão associadas as práticas contábeis, hoje o IFRS, razão pela qual se pode afirmar que essas práticas podem ser examinadas e utilizadas sob diferentes dimensões, que não a contábil, propriamente. A primeiradimensão do IFRS é, sem dúvida, a sua dimensão científica, o processo de elaboração produzido pelos estudiosos e especialistas, fruto de meditação e construção científica responsável. Esclarecem, nesse sentido, Eliseu Martins e Sergio de Iudicibus1(p.seg.) que em matéria contábil é bastante difícil traçar uma fronteira entre teoria e prática, sendo que o conjunto de postulados, princípios e normas que explicam a ciência contábil ficaram, Direito Tributário Societário Vol. III.indd 158 29/5/2012 18:02:47 elidie pAlmA BiFAno - 159 ao longo do tempo, ora com os usuários da contabilidade, os mercadores, ora com órgãos e entidades reguladoras que definiram estruturas e criaram, por fim, regras. No caso do IFRS, afirmam os autores, agentes reguladores fazem ciência e ditam as normas correspondentes. No caso brasileiro, concluímos nós, hoje o comitê de Pronunciamentos contábeis – cPc desenvolve essa tarefa, consoante dispõe a L. 6.385/76, art 10-A, cabendo-lhe o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo os órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, adotá-los ou não. observe-se que vários órgãos reguladores integram o cPc e, nem por isso, são compelidos a adotar suas regras, total ou parcialmente2, o que confirma que seus pronunciamentos, originariamente, não são lei de obrigatória observância, exceto se incorporados ao sistema por determinação legal ou de agentes e entidades para tanto autorizadas. A segunda dimensão do IFRS, no Brasil, é seu uso como prática contábil obrigatória dos contadores e, como decorrência, nas demonstrações financeiras das entidades onde esses profissionais atuam. A prática contábil gera, de per si, uma infinidade de situações e casos que devem ser discutidos, alimentando, certamente, o fluxo da elaboração científica e da criação de novas normas toda vez que novos negócios ou aspectos forem observados e, após, se for o caso, a sua inserção no conjunto de regras dos agentes reguladores. A inobservância pelo profissional e, por decorrência, pela entidade onde ele atua, gera reflexos jurídicos importantes, uma vez que esses profissionais devem adotar essas regras, necessariamente3. A terceira dimensão do IFRS, no Brasil, é a sua adoção, ou não, pelos agentes reguladores de atividades específicas (Banco central do Brasil – BAcEN, cVM, Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e outros). Esse nível de incorporação da norma geral lhe dá especificidade de aplicação a cada tipo de negócio, admitindo, se for o caso, flexibilidades necessárias diante 1 Intangível – Sua Relação Contabilidade/Direito – Teoria. Estruturas Conceituais e Normas – Problemas Fiscais de Hoje, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, pp. 69-85, 2011. 2 Essa é a situação das entidades submetidas à fiscalização do BACEN, atualmente, que adotou apenas parte das regras e, apenas, para os balanços ditos consolidados. 3 O CPC foi criado pela Resolução 1.055/05, do Conselho Federal de Contabilidade,CFC, o que deixa consignada em lei a obrigação de observância dos Pronunciamentos pelos contadores. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 159 29/5/2012 18:02:48 160 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... de regras maiores do ordenamento jurídico. Incorporado e adotado pelos agentes reguladores, entretanto, os Pronunciamentos se normatizam, ingressam no mundo jurídico e passam a gerar reflexos variados colhidos pelo Direito. A quarta dimensão do IFRS corresponde ao conjunto de consequências, advindas de seu uso, em outras áreas: neste caso os reflexos no Direito são relevantes. Questões voltadas ao uso do IFRS podem surgir na medida em que a nova visão contábil adotada gere ou possa gerar efeitos nas relações jurídicas que se estabelecem em decorrência das demonstrações financeiras: valor de patrimônio líquido para efeito de determinação de preço de compra e venda de participações societárias, ganhos ou perdas de capital geradas para os acionistas por conta das novas práticas, valor de asseguração de itens atualizados por critérios diferentes de seu custo de aquisição, demandas judiciais envolvendo itens valorizados por critérios diversos daqueles registrados em contratos e por ai afora. A análise que se procede, daqui para diante, considera as dimensões apontadas e busca demonstrar a importância e grandiosidade das mudanças introduzidas pela L. 11.638/2007 e alterações. 3. breve AnáliSe do conteúdo e AutonomiA do direito contábil 3.1 o que é o direito contábil? Em trabalhos anteriores já tivemos a oportunidade de examinar a amplitude do que designamos por Direito contábil, seu conteúdo como ramo do direito que envolve a positivação de institutos contábeis, hoje inseridos na lei civil e societária, bem como nas manifestações normativas dos órgãos reguladores de atividades e de exercício profissional4. o conteúdo do Direito contábil, na atualidade, 4 Aspectos Contábeis da Lei 11.638/2007: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha.São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp.43-74; O Direito Contábil: Da Lei 11.638/2007 à Lei 11.941/2009, in Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A – Alterações das Leis nº 11.638/07 e n°11.941/09, coord. Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp.17-204; Contabilidade e Direito:a Nova Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp 116-137, 2010; As Novas Normas de Convergência Contábil e seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, p.p. 51-68, 2011. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 160 29/5/2012 18:02:48 elidie pAlmA BiFAno - 161 pode ser assim circunscrito: “... além das disposições da L. 6.404/76, há normas contábeis emanadas do código civil, da cVM, do BAcEN, da SUSEP, dos órgãos formados pelos contadores, das agências reguladoras, dentre outros,...”5. Enquadramos o Direito contábil como ramo específico e autônomo do Direito Privado, no contexto do sistema jurídico vigente, a partir do momento em que o Estado positivou valor relevante para a sociedade representado pelos princípios, estruturas, normas, padrões, metodologia e critério contábeis. Esse valor é relevante uma vez que a partir dele regulam-se relações de Direito Privado (contratos societários, p.ex.) e de Direito Público (tributação, licitação etc.). No Brasil, esse fenômeno de positivação é inegável, posto que as disposições sobre demonstrações financeiras e escrituração foram inseridas nas leis societária e civil. A autonomia do Direito contábil se confirma quando examinamos os institutos jurídicos que lhe são próprios, rigorosamente as demonstrações financeiras e a escrituração, desfrutando ele de metodologias próprias de aplicação e de interpretação, enlaçado que está com a ciência contábil e com a ciência Econômica. Inserido no grande ramo do Direito Privado, aplicável às relações entre os cidadãos, o Direito contábil orienta-se pelos princípios do Direito civil. 3.2 reFlexoS dA APlicAção dA l. 11.638/2007 Neste momento, diversas questões jurídicas afloram sobre os novos padrões contábeis em decorrência do tempo decorrido desde sua introdução (L. 11.638/2007 e alterações), especialmente frente a importantes aspectos práticos que se colocam, uma vez que por ocasião da veiculação de uma norma, no sistema jurídico, é impossível ao legislador determinar quais as dúvidas e questões que ela poderá gerar. Acresça-se a esse fato que, de acordo com a lei societária, os entendimentos emitidos pelo cPc, quandoaprovados pelos agentes reguladores, também vêm se incorporando a esse o conjunto normativo, o Direito contábil, gerando outras tantas perplexidades jurídicas a serem resolvidas. 5 Cf. Elidie Palma Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 46. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 161 29/5/2012 18:02:48 162 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... Vale para a L. 11.638/2007 e alterações, a consideração de que a regra jurídica posta deve ser clara, contudo, na falta de clareza, sempre caberá a interpretação e essa é a tarefa do operador do direito que assim o fará com o uso dos instrumentos que o próprio sistema jurídico lhe dá. há diferentes níveis de operadores do direito, desde aquele que está compelido à observância de determinada regra jurídica, no caso presente a entidade obrigada a manter escrituração e preparar demonstrações financeiras, passando pelos estudiosos do Direito, até o juiz eventualmente chamado a decidir situação concreta que lhe é trazida. Nossa tarefa, doravante, será buscar os meios para melhor interpretar os reflexos da L. 11.638/2007 e alterações, portanto interpretar o Direito contábil, no qual ela está inserida. 4. decorrênciAS dA APlicAção dA l. 11.638/2007: veriFicAçõeS de FAto PArA obter concluSõeS de direito o nascimento de divergências entre o Direito e a contabilidade é fenômeno recente no Brasil, pois até a edição dos novos padrões contábeis a escrituração contábil e a elaboração das demonstrações financeiras estavam suportadas na natureza jurídica dos negócios desenvolvidos pelas entidades a tanto obrigadas, conquanto orientadas por métodos e critérios próprios da ciência contábil. A L. 11.638/2007 e alterações determinaram uma mudança importante no rumo da contabilidade das entidades, pois os padrões internacionais “...prescindem de quaisquer razões ou fundamentos jurídicos, afastam-se do negócio jurídico e caminham pelo mundo da essência econômica...”6. Essa nova realidade deve ser examinada, com muita cautela e, hoje, passado o período de introdução e regulação da L. 11.638/2007, é possível inventariar algumas consequências de sua introdução, que analisaremos divididas por tópicos. 4.1 APlicAção doS novoS PAdrõeS contábeiS: obrigAtoriedAde legAl As alterações introduzidas pela L. 11.638/2007 implicaram na introdução, se não plena, substancial dos padrões contábeis internacionalmente adotados. Além 6 Elidie Palma Bifano, Contabilidade e Direito: a Nova Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, p. 124, 2010. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 162 29/5/2012 18:02:48 elidie pAlmA BiFAno - 163 disso, à cVM determinou-se que ao fixar regras contábeis para as companhias abertas, o fizesse em consonância com esses mesmos padrões internacionais. Dessas disposições colhem-se algumas consequências: (i) as determinações referentes à elaboração das demonstrações financeiras, no Brasil, estão contidas nos arts. 176 a 205 da lei societária e observam, essencialmente, os moldes propostos pelos padrões internacionalmente adotados (balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício, demonstração dos fluxos de caixa e demonstração do valor adicionado, esta última se for o caso) sendo de obrigatória observância por todas as entidades7 que devem elaborar demonstrações financeiras; (ii) os princípios que norteiam a escrituração contábil, no Brasil, hoje alinhados aos padrões contábeis internacionais, estão contidos no art. 177 da lei societária e são, também, de obrigatória observância por todas as entidades que devem manter escrituração contábil; (iii) a apuração de lucros e dividendos, a serem distribuídos pelas entidades, somente pode ser feita na estrita observância dos padrões contábeis dispostos na lei societária, portanto os padrões internacionalmente aceitos. os novos padrões contábeis foram instaurados tendo como premissa a neutralidade fiscal (art. 177, § 2º da lei societária, na redação da L. 11.941/2009) garantida pela manutenção dos padrões contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, ou seja, os “antigos”, digamos assim, padrões contábeis afastados pela L. 11.638/2007. Por essa razão, não é incomum que se alegue ser possível deixar de observar as novas regras contábeis, para manter os padrões “antigos”, sob o fundamento de que há uma duplicidade de trabalho na estrita observância da lei societária e da lei tributária, respectivamente, e que nenhum prejuízo adviria dessa prática se a entidade é, por exemplo, uma sociedade limitada ou uma companhia fechada. o equívoco é muito grande, entretanto, pois a não adoção dos padrões contábeis, ditados pela lei societária, traz consequências importantes para a entidade que se recuse a fazê-lo ou que entenda estar desobrigada de tanto, por características societárias ou de negócio específicas. A primeira delas, certamente, é que suas demonstrações financeiras estarão 7 Neste estudo será utilizada a palavra “entidade” para designar o sujeito da obrigação de fazer a escrituração contábil e elaborar demonstrações financeiras, sendo irrelevante sua natureza societária e seu objeto social. Para fins contábeis, entidade “que reporta é aquela para a qual existem usuários que se apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade.” (Pronunciamento Conceitual Básico CPC, item 8). Direito Tributário Societário Vol. III.indd 163 29/5/2012 18:02:49 164 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... incorretas e, por consequência, sócios e agentes de mercado, inclusive credores, poderão questionar os números apresentados, exigindo a aplicação da lei, em sua inteireza. A entidade terá dificuldades para habilitar-se em concorrências, públicas ou não, uma vez que suas demonstrações financeiras estão inadequadas, não sendo comparáveis com outras e, por consequência, sua capacidade operacional sempre será discutível. A habilitação e/ou o pleito em falências e recuperações judiciais poderão ficar prejudicados por conta de suas demonstrações financeiras e sua escrituração se mostrarem inadequadas. o profissional que prepare a escrituração e as demonstrações financeiras da entidade está compelido a observar as disposições dos órgãos de classe sobre a matéria. o cFc sempre determinou que, no exercício da profissão, seria obrigatória a observância dos princípios fundamentais de contabilidade, que se constituíam em condição de legitimidade das Normas Brasileiras de contabilidade/NBc (Resolução cFc 750/93). Mais recentemente, a Resolução 1.055/2005 do cFc criou o cPc, razão pela qual, entendemos, todos os profissionais da contabilidade estão adstritos ao cumprimento de suas determinações. Nessas circunstâncias, o profissional que atue em contabilidade, em nenhuma hipótese poderá furtar-se à observância das novas regras introduzidas na lei societária e em seus desdobramentos específicos através dos pronunciamentos do cPc. como se observa, os Pronunciamentos do cPc, isolada e rigorosamente, não têm qualquer força normativa que os torne de obrigatória observância, contudo, quando incorporados ao conjunto normativo de agentes que, por lei, desfrutam do poder de compelir em seus âmbitos de atuação, eles se tornam lei, com todas as sanções decorrentes de seu eventual não cumprimento. Em consequência, os Pronunciamentos devem ser observados pelos profissionais submetidos à regulação do cFc, contudo, se tais instrumentos não forem, total ou parcialmente, aprovados e incorporados ao conjunto normativo de cada agente regulador, cVM, BAcEN, SUSEP e outros, não passarãode meras recomendações sobre as melhores práticas contábeis. observe-se que, até este momento, os diversos agentes reguladores, no País, por meio de atos infra legais (instruções, resoluções e similares) vêm aprovando, total ou parcialmente, de forma expressa, os Pronunciamentos que passam, a partir de então, a integrar seu corpo normativo. como decorrência, os Pronunciamentos que se integraram ao sistema jurídico têm força de lei, a partir de então, sendo sua adoção obrigatória para aquelas entidades que a esses agentes se submetem. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 164 29/5/2012 18:02:49 elidie pAlmA BiFAno - 165 A adoção obrigatória, para fins societários, dos novos padrões contábeis vem acarretando algumas dificuldades práticas importantes e que são de três naturezas: (i) não conformidade com critérios adotados, internacionalmente, para fins de convergência contábil; (ii) ausência de normatização, em alguns casos, acerca dos reflexos das novas práticas e (iii) aplicação da dita neutralidade tributária que exige trabalhos adicionais que não se referem, apenas, à apuração do tributo, mas a uma requalificação de procedimentos contábeis. 4.2 diFiculdAdeS PráticAS nA Adoção doS novoS PAdrõeS e reFlexoS jurídicoS A lei societária regulou a matéria voltada às novas práticas de forma diversa daquela adotada pela comunidade internacional, o que vem trazendo algumas dificuldades em sua implementação e, por outro lado, deixou de prever alguns importantes aspectos relativos a situações específicas que decorrem da aplicação dos novos padrões. Nas dificuldades contábeis aqui referidas insere-se, de forma ampla, a importante questão da neutralidade tributária. os três temas serão, a seguir, comentados em seus diversos aspectos. 4.2.1. não conFormidAde doS critérioS AdotAdoS, no brASil, com oS critérioS internAcionAiS AdotAdoS PArA FinS de convergênciA contábil os Pronunciamentos emitidos pelo cPc estão calcados, substancialmente, no IFRS, contudo o Brasil diverge em sua aplicação no que tange: (i) ao uso do IFRS que, no exterior, somente é adotado para demonstrações financeiras ditas consolidadas, de grupos de entidades, que divulgam informações sobre sua posição patrimonial e financeira, como um todo, para os investidores. As demonstrações consolidadas não são utilizadas para pagar tributos, dividendos ou lucros, apenas para informar o mercado sobre dados econômico-financeiros.8 No Brasil, as demonstrações previstas em IFRS são as individuais, que também servem de base para o cálculo e pagamento de dividendos e, sempre, ao longo da história serviram como elemento para o cálculo dos tributos; (ii) ao uso do método de avaliação de investimentos em controladas e coligadas, pelo critério da equivalência patrimonial, observadas as condições de lei, enquanto outros 8 Manual de Contabilidade IFRS/CPC: demonstrações financeiras consolidadas / (tradução). PricewaterhouseCoopers. São Paulo: Saint Paul Ed., 2011, p. 26. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 165 29/5/2012 18:02:49 166 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... países adotam o valor justo e o método da consolidação, cabendo a metodologia da equivalência ou da consolidação parcial no que se refere a investimentos com influência significativa. Esses comentários nos parecem importantes para concluir que a contabilidade brasileira ainda está distante da real convergência e harmonização contábeis pretendidas. 4.2.2 FAltA de AlinhAmento entre oS órgãoS regulAdoreS os órgãos reguladores divergem no que tange à adoção irrestrita, ou não, do IFRS, resultando em dificuldades societárias na apuração de lucros por entidades que detêm investimentos em controladas submetidas a diferentes agentes reguladores. Assim ocorre com as determinações do BAcEN e da cVM e, por conseqüência, nas sociedades que têm investidas reguladas por esses dois agentes. observe-se que parte dessas divergências decorre da aplicação dos novos padrões aos balanços individuais, de cada entidade, e não aos balanços consolidados, como já se comentou. 4.2.3 FAltA de regrAS PArA reFlexoS AdvindoS do uSo doS novoS PAdrõeS os novos padrões contábeis, de acordo com Nelson carvalho9, abandonaram o uso de regras para basear-se em princípios. Dessa forma, o custo histórico como base de avaliação vem perdendo força para o uso do valor de mercado de ativos e passivos e, mais ainda, o uso do valor justo. como decorrência dessas práticas, consideram-se fluxos de caixa futuros o que enseja, em contrapartida, a geração de lucros decorrentes de ganhos não economicamente realizados, por exemplo, e que se distribuídos, em certas circunstâncias, implicam risco de descapitalização indireta. Essa “riqueza” ainda não realizada pode ser observada como fruto da aplicação do Pronunciamento cPc 29, que trata dos ativos biológicos e de sua avaliação a valor justo, assim entendido como o montante pelo qual um ativo pode ser negociado, ou um passivo liquidado, entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, abstraídos fatores que 9 Instrumentos Financeiros Híbridos, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, pp. 202-211, 2011. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 166 29/5/2012 18:02:49 elidie pAlmA BiFAno - 167 pressionem para a liquidação da transação ou que a caracterizem como compulsória. o fruto dessa avaliação tem como contrapartida um registro em resultado, receita ou despesa, independentemente de haver qualquer negociação, pela entidade, desse bem. Isso significa que, no futuro, o valor do item pode vir a modificar-se. Nessas circunstâncias o registro de uma receita e por conseqüência de um lucro, suscetível de distribuição, pode gerar efeitos econômicos e jurídicos relevantes para os investidores, bem como para os administradores da entidade, uma vez que a lei não determinou sejam tais receitas objeto de qualquer segregação.10 4.2.4 FAltA de critérioS comPAtíveiS com AtividAdeS Sem FinS lucrAtivoS As atividades sem fins lucrativos, no Brasil, são obrigadas a seguir práticas não exatamente adequadas a suas finalidades. o Pronunciamento conceitual Básico, em seu item 8, esclarece que a Estrutura conceitual que apresenta se aplica às demonstrações contábeis de “todas as entidades comerciais, industriais e outras de negócios que reportam, sejam no setor público ou no setor privado” o que parece, em princípio, não abarcar, exatamente, a atividade sem fins lucrativos posto que o conceito de negócio, eminentemente econômico, associa-se ao lucro. Nessas circunstâncias, muitas dessas entidades que aplicam vultosas somas de recursos no mercado de capitais para com o fruto desses investimentos aplicar em seus projetos sociais, não têm o fruto de suas atividades adequadamente demonstrado. 4.2.5 reFlexoS do AFAStAmento de conceitoS jurídicoS: neutrAlidAde tributáriA o uso da essência econômica, em detrimento da essência jurídica, no caso brasileiro, torna ainda mais complexa a adoção dos novos padrões contábeis, por duas especiais razões: (i) o direito brasileiro forma-se pela positivação de valores, tem seus institutos descritos em lei, valoriza a natureza e a causa jurídicas e, subsidiariamente, sustenta-se na jurisprudência, no costume e na equidade; (ii) o direito dos países onde o IFRS nasceu é o direito comum, que trabalha 10 Sobre o tema veja-se Elidie Palma Bifano, As Novas Normas de Convergência Contábil e seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, pp. 51-68, 2011. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 167 29/5/2012 18:02:49 168 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... com a jurisprudência antes que a lei,valoriza a essência econômica, antes que a jurídica, suporta-se no costume e na equidade e aplica-se a comunidades com regras diversas que precisam, por razões políticas, convergir, como é o caso da Europa, berço de tais normas. os reflexos da aplicação dos novos padrões contábeis foram muito bem examinados por Ricardo Mariz de oliveira11 que afirma, por força do disposto no art. 176 da lei societária, deverem as demonstrações financeiras exprimir, com clareza, a situação do patrimônio da sociedade e as mutações nele ocorridas durante o exercício social. Prossegue, afirmando que, sendo o patrimônio, por definição legal, uma universalidade jurídica, e não uma universalidade de fato, integrada por um conjunto de relações jurídicas, como disposto no código civil, não é possível dissociar o patrimônio da entidade (balanço) das normas jurídicas aplicáveis às relações nele contidas; por consequência, olvidado esse aspecto, a contabilidade não mais se prestará a servir como meio de prova, como determina a lei. conclui, com muito acerto, que os novos padrões contábeis nasceram e prosperaram à sombra de sistemas jurídicos diversos dos nossos, razão pela qual tantas dificuldades se apresentam sobre a matéria. As Ls. 11.638/2007 e 11.941/2009 lograram realizar a segregação das práticas contábeis de quaisquer outras, especialmente aquelas voltadas a finalidades tributárias, preceito de longa data contido na lei societária, mas até então não concretizado em sua plenitude.12 Assim, o art. 177, § 2º determina que a entidade observe em registros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras. A absoluta segregação das práticas contábeis e tributárias se deu com a introdução do chamado Regime Tributário de Transição/RTT, o qual determinou que os padrões contábeis aplicáveis, para fins tributários, seriam aqueles vigentes em 31 de dezembro de 2007 (arts. 16 e segs. da L. 11.941/2009). 11 A Tributação da Renda e sua Relação com os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp. 415-417, 2010. 12 Originariamente, a lei societária previa em seu art. 177, § 2º°que a entidade observasse em registros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil e das demonstrações exigidas em lei, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que prescrevessem métodos ou critérios contábeis que dela divergissem. Direito Tributário Societário Vol. III.indd 168 29/5/2012 18:02:50 elidie pAlmA BiFAno - 169 o RTT, absolutamente justificável nos primeiros tempos da introdução dos novos padrões contábeis, perdeu sua razão de ser e mostra-se, sem dúvida, instrumento de ineficiência tributária, além de afastar-se, cada dia mais, da real situação econômica e financeira das entidades. A designação RTT, sinônimo de transitoriedade, perdeu-se, também, a partir do momento em que o regime se tornou obrigatório (2010), para todos os contribuintes. com o RTT exige-se das entidades: (i) preparação de demonstrações financeiras de acordo com os padrões internacionais; (ii) expurgo das novas práticas e conversão do balanço às práticas contábeis de dezembro de 2007; (iii) conciliação do balanço ajustado pelas práticas contábeis de 2007 com as disposições da lei tributária sobre a matéria; (iv) determinação do lucro a ser tributado. As metodologias de apuração de resultados, considerando o modelo contábil atualmente vigente e aquele de 2007, são muito diferentes e as bases de apuração muito diversas. Todas essas determinações resultam em um retrabalho, por parte das empresas, com custos adicionais relevantes, e que deve ser avaliado pelas autoridades para fins de manter ou não o mesmo critério pra fins contábeis e para fins de apuração de tributos. Além disso, o uso do IFRS no balanço da entidade (individual) tem gerado polêmicas e dificuldades variadas, sugerindo alguns que se adote para fins tributários, o balanço societário, em sua inteireza, pois só esse pode retratar a real situação econômica da entidade. há uma clara evidenciação de que a dualidade de balanços leva o Fisco a buscar, cada vez mais, tributos calculados sobre receita, afastando-se renda e lucros de seu real suporte fático, considerando-se que esses elementos são essenciais, consoante a constituição Federal, para que possa ocorrer a incidência tributária. Doravante, possivelmente o Poder Judiciário será instado a manifestar- se sobre a adequada aplicação dessas regras, especialmente em decorrência do confronto que possa surgir entre a aplicação da essência econômica e da essência jurídica. A partir de então, certamente, conheceremos de forma clara o entendimento dos juízes sobre matéria cuja complexidade é indiscutível. 4.2.6 concluSão Sobre AS diFiculdAdeS PráticAS nA Adoção doS novoS PAdrõeS e SeuS reFlexoS jurídicoS As verificações, de fato, da aplicação da L. 11.638/2007, para se obter conclusões de direito, tema proposto neste item, podem ser assim resumidas: (i) as novas práticas vêm ensejando e ensejarão o aparecimento de um sem número de novas situações e discussões que, à época de sua edição, eram de impossível Direito Tributário Societário Vol. III.indd 169 29/5/2012 18:02:50 170 - novoS ASpeCtoS do direito ContáBil: lei nº 11.638/2007... conhecimento ou percepção por parte do legislador ordinário; (ii) somente a aplicação e o uso dos novos padrões contábeis possibilitarão a consolidação de entendimentos relativamente a aspectos não resolvidos pela normatização vigente; (iii) a norma societária carece, certamente, de uma revisão para prever outras situações e, nessas condições, uma questão importante deve ser revisitada: se é adequado veicular padrões contábeis, regras sobre escrituração mercantil e preparação de demonstrações financeiras, por lei ordinária, sujeita à elaboração e aprovação do congresso Nacional, considerando-se a agilidade da economia e a correspondente resposta da ciência contábil. Esse tema deve ser reexaminado, com a maior celeridade possível, sob pena de a lei societária, no que tange às demonstrações financeiras, rapidamente desatualizar-se13; (iv) os novos padrões contábeis, adotados nos balanços individuais, desconhecem os negócios jurídicos, afastam a aplicação da lei civil e representam risco de mal entendidos com reflexos danosos para os negócios; (v) o sistema de neutralidade tributária é ineficiente e não consegue resolver problemas relevantes, de interesse do Fisco e do contribuinte. As questões aqui propostas nos levam ao tema fundamental deste estudo; a intepretação do Direito contábil. 5. AmPliAção do debAte entre direito e contAbilidAde: A interPretAção do direito contábil o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, no Brasil, por força de lei, é feito pelo cPc; considerando-se que a ciência contábil, mundialmente, converge e se harmoniza por meio do IFRS, cabe, também, ao cPc divulgá-lo no Brasil. o IFRS resulta incorporado ao sistema jurídico brasileiro, por conta da lei societária e da normatização exercida pelos órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, que ao adotá-los, determinam sejam eles observados pelas entidades que lhes estão submetidas. Por essa razão anotamos que o IFRS desdobra -se em diferentes 13 Sobre as dificuldades que resultam da positivação dos padrões contábeis, veja-se Elidie Palma Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2008,