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Notas de cosmologia

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Universidade Federal do Para´
Instituto de Cieˆncias Exatas e Naturais
Faculdade de F´ısica
Anotac¸o˜es de Cosmologia
Marcelo Costa de Lima
Notas de aula do minicurso
“Cosmologia”
II Escola de Cieˆncias do Espac¸o
PPGF/UFPA.
17-21/novembro/2008
Bele´m - PA
Convenc¸o˜es e notac¸o˜es
• I´ndices gregos {α, β, µ, ...} assumem valores (0, 1, 2, 3). I´ndices latinos {i, j, k, ...} assumem
valores (1, 2, 3).
• Assinatura da me´trica e´ escolhida como (+, −, −, −).
• Derivac¸a˜o simples denotamos por “ , ” e derivac¸a˜o covariante denotamos por “ ; ”. Assim, por
ex.,
V µ,ν ≡
∂V µ
∂xν
V µ;ν ≡ V µ,ν − ΓµναV α
• Conexa˜o e me´trica:
Γλαβ = −
1
2
gλρ (gαρ,β + gβρ,α − gαβ,ρ)
• O tensor de Maxwell e´ definido como Fµν = Aµ;ν −Aν;µ.
• As equac¸o˜es de Maxwell na˜o homogeˆneas sa˜o
Fµν;ν =
4pi
c
Jµ
• O tensor de Riemann e´ definido pela relac¸a˜o
V α;µ;ν − V α;ν;µ = −RασµνV σ ,
o que equivale a
Rασµν = Γ
α
σµ,ν − Γασν,µ + ΓαλµΓλσν − ΓαλνΓλσµ
• O tensor de Ricci e´ definido pela contrac¸a˜o Rσν = Rλσλν , o que equivale a
R σν = Γ
α
σα,ν − Γασν,α + ΓαλαΓλσν − ΓαλνΓλσα
• A constante de Einstein, κ, e´ escrita em termos das contantes da gravitac¸a˜o universal G, e da
velocidade da luz c, como
κ =
8piG
c4
.
• As equac¸o˜es de Einstein sa˜o escritas na forma
Gµν = +κ Tµν
• Em se considerando a constante cosmolo´gica, Λ,
Gµν − Λ gµν = +κ Tµν
i
“If anyone in my laboratory begins to speak of the Universe, I tell him it is time to leave. ”
Ernest Rutherford
“Cosmologists are often wrong, but never in doubt.”
Lev Davidovich Landau
ii
Cronologia
Fazer uma cronologia e´, certamente, cometer injustic¸as. Dizer quais fatos sa˜o relevantes,
na sucessa˜o de contribuic¸o˜es que conduziram a` construc¸a˜o do discurso cient´ıfico vigente, acerca
de qualquer objeto de estudo, foge (para dizer o mı´nimo) a` nossa pro´pria erudic¸a˜o. Contudo,
e´ preciso situar o contexto dentro do qual as ide´ias sobre a cosmologia ganharam forma e
legitimidade cient´ıfica em nossa e´poca. Neste intuito atreveˆmo-nos enta˜o a propor a seguinte
cronologia:
• 1838 - Bessel - introduz o me´todo da paralaxe trigonome´trica para medir a distaˆncia a`s
estrelas.
• 1854 - Riemann - apresenta suas considerac¸o˜es “Sobre as hipo´teses fundamentais da geo-
metria”. Sugere que a f´ısica deve apontar a geometria do espac¸o em que vivemos.
• 1859 - Kirchhoff - descobre que o espectro de luz das estrelas e´ uma assinatura de sua
composic¸a˜o qu´ımica, permitindo assim conhecer sua composic¸a˜o.
• 1907 - Rutherford e Boltwood - estabelecem a idade da Terra da ordem de bilho˜es de
anos.
• 1908 - Entra em operac¸a˜o o telesco´pio refletor de 1,5 m de diaˆmetro no Observato´rio de
Monte Wilson.
• 1912 - Henrietta Leavitt - estuda as propriedades das estrelas Cefe´ıdas.
• 1912 - Vesto Slipher - sugere que as nebulosas espirais e algumas el´ıpticas se afastavam
de no´s a grandes velocidades. Levantou a questa˜o de considera´-las ou na˜o parte da via
La´ctea.
iii
• 1915 - Einstein - comunica a` Academia Prussiana de Cieˆncias sua teoria relativista do
campo gravitacional. Publicado sob o t´ıtulo “Os fundamentos da teoria da relatividade
geral”, trata-se de uma teoria baseada na geometria de Riemann.
• 1915 - Slipher - mostra que 11 de 15 nebulosas observadas apresentavam o afastamento
relativo. Era controverso se tais objetos eram ou na˜o extragala´ticos.
• 1917 - Einstein - publica “Considerac¸o˜es cosmolo´gicas sobre a teoria da relatividade ge-
ral”1. Propo˜e a´ı seu modelo de universo esta´tico com constante cosmolo´gica.
• 1917 - Entra em operac¸a˜o o grande telesco´pio refletor de 2,5 m de diaˆmetro: o Hooker,
no Observato´rio de Monte Wilson.
• 1917 - De Sitter - obte´m sua soluc¸a˜o de universo dinaˆmico alimentado apenas pela cons-
tante cosmolo´gica.
• 1918 - Harlow Shapley - afirma que a Via-La´ctea tem a forma de um disco cujo diaˆmetro
e´ da ordem de 300.000 anos-luz, 10.000 anos-luz e expessura, estando o sistema solar
a uma distaˆncia de 60.000 anos-luz do centro.
• 1920 - Shapley e Herber Curtis - debate sobre a natureza das nebulosas que ficaria cha-
mado de “o grande debate”.
• 1922 - Friedmann, A. - obte´m soluc¸o˜es das equac¸o˜es de Einstein para universos em ex-
pansa˜o espacialmente homogeˆneos e isotro´picos, sem constante cosmolo´gica.
• 1924 - Hubble, E. - estabelece que a nebulosa de Andromeda e´ um objeto extragala´tico.
Primeiras evideˆncias da homogeneidade e isotropia da distribuic¸a˜o das gala´xias.
• 1927 - Lemaˆıtre - constro´i um modelo expansionista, obtido independentemente de Fri-
edmann. Advoga a` ide´ia do nu´cleo primordial que explodira, dando origem a` expansa˜o.
• 1929 - Hubble, E. - descobre que as gala´xias se afastam umas das outras com velocidades
proporcionais a`s suas distaˆncias. Introduz a constante que hoje leva seu nome.
• 1933 - Zwicky - introduz a ide´ia de mate´ria escura.
1No original: “Kosmologische Betrachtungen Zur Allgemeinen Relativita¨tstheorie”
iv
• 1934 - Tolman - mostra que a radiac¸a˜o de corpo negro num universo em expansa˜o e´
resfriada mantendo-se pore´m sua distribuic¸a˜o te´rmica, permanecendo a de um como corpo
negro
• 1948 - Entra em operac¸a˜o o telesco´pio 5 m de diaˆmetro no Monte Palomar.
• 1948 - George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman- o universo em expansa˜o pode
explicar a abundaˆncia de H e He no universo. Preveˆem a existeˆncia de uma radiac¸a˜o
isotro´pica com espectro de um corpo negro. Estimam sua temperatura atual em 50K
(Gamow), 5K (Alpher e Herman).
• 1948 - Bondi,H. Gold e Hoyle, F. - constroem a “steady-state cosmology”.
• 1950 - Fred Hoyle - contra´rio a` ide´ia do nu´cleo promordial de Lamaˆıtre, apelida o modelo
expansionista do universo a partir de um comec¸o, de Big Bang.
• 1952-1958 - Baade e Sandage - Resolvido o problema da escala temporal.
• 1965 - Penzias e Wilson - descobrem a Radiac¸a˜o Co´smica de Fundo em Microondas.
• 1978 - Penzias e Wilson - partilham o preˆmio Nobel de F´ısica pela descoberta da RCFM .
• 1981 - Alan Guth - postula que, em sua fase inicial, o universo havia passado pelo per´ıodo
da Inflac¸a˜o.
• 1989 - NASA - lanc¸a o sate´lite COBE. Suas medidas confirmam a isotropia da RCFM ,
sua temperatura de 2, 725K e seu espectro de corpo negro.
• 1990 - O Telesco´pio Espacial Hubble (HST ) e´ posto em o´rbita. E´ o primeiro aparato de
uma se´rie que formaria o Great Observatories Program (GOP) da NASA.
• 1991 - O Telesco´pio Espacial Compton, na verdade Compton Gamma Ray Observatory
(CGRO), o segundo aparato do GOP , foi lanc¸ado. Infelizmente problemas em seu
girosco´pio obrigou a NASA a lanc¸a´-lo contra a atmosfera em 2000.
• 1993 - O HST finalmente comec¸a a operar na precisa˜o esperada.
• In´ıcio dos anos 90: medidas precisas da RCFM indicam que o universo e´ espacialmente
plano. Surge o problema da “massa faltante”.
v
• 1998 - os grupos do Supernova Cosmology Project e o High-z Supernova Search Team,
atrave´s do estudo das supernovas do tipo Ia, descobrem os primeiros indicativos da ace-
lerac¸a˜o da expansa˜o do universo.
• 1999 - O Telesco´pio Espacial Chandra, na verdade Chandra X-ray Observatory (CXO),
terceiro aparato do GOP , foi lanc¸ado.
• 2000 - Observac¸o˜es de anisotropia na RCFM mostram que a curvatura do Universo e´
pequena, sendo espacialmente plano para todas as finalidades pra´ticas.
• 2000 - Inicia-se no Apache Point Observatory, no Novo Me´xico, nos Estados Unidos, o
Sloan Digital Sky Survey (SDSS), com a missa˜o de produzir imagens o´pticas de mais de
um quarto do ce´u e formar um mapa tridimensional, com cerca de um milha˜o de gala´xias
e quasares.
• 2002 - O sate´lite WMAP (Wikinson Microwave Anisotropy Probe), capaz de realizar
observac¸o˜es mais detalhadas que o COBE, e´lanc¸ado.
• 2003 - O Telesco´pio espacial Spitzer, na verdade Spitzer Space Telescope (SST) ou Space
Infra-red Telescope Facility (SIRTF), foi lanc¸ado. Foi o quarto e u´ltimo aparato do GOP .
• 2003 - As medidas da RCFM pela sonda WMAP corroboram o cena´rio de expansa˜o
acelerada.
• 2005 - Conclusa˜o da primeira etapa do SDSS.
• 2006 - John Mather e George Smoot - partilham o Nobel de f´ısica.
• 2008 - Entra em operac¸a˜o o Large Hadron Collider (LHC), no CERN.
vi
Conteu´do
Convenc¸o˜es e notac¸o˜es . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . i
Cronologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii
Introduc¸a˜o 1
Breve histo´rico 3
1 O espac¸o-tempo como variedade riemanniana 15
1.1 Me´trica e intervalo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 Planura local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.4 Geode´sica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.6 Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.6.1 Simetrias do tensor de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.6.2 Trac¸os do tensor de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.6.3 Identidade de Bianchi e tensor de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.7 O plano e a superf´ıcie da esfera II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.7.1 Curvatura em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.7.2 Curvatura em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Exerc´ıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2 Gravitac¸a˜o einsteiniana 34
2.1 Paraˆmetros o´pticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.2 O fluido material . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3 O acoplamento com a gravitac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
vii
viii
2.4 As equac¸o˜es de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4.1 A constante cosmolo´gica como fluido exo´tico . . . . . . . . . . . . . . 38
Exerc´ıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3 Friedmann-Lemaˆıtre-Robertson-Walker 41
3.1 As me´tricas tipo FLRW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.2 A conexa˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.3 A curvatura e seus trac¸os . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3.1 Tensor e escalar de Ricci . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3.2 Tensor de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.4 Observadores como´veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.5 Tensor energia-momentum da mate´ria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.5.1 Balanc¸o de energia e a termodinaˆmica do fluido cosmolo´gico . . . . . . . 45
3.6 Equac¸o˜es de Einstein em FLRW e os cena´rios cosmolo´gicos tradicionais . . . . . 46
3.6.1 Modelo de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.6.2 Universo de De Sitter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.6.3 Universo dominado por radiac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.6.4 Universo dominado por poeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Exerc´ıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4 Consequeˆncias observacionais 53
4.1 A lei de Hubble . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.2 Horizonte nos modelos de FLRW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
4.3 A expansa˜o nos cena´rios tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.4 Cena´rios de expansa˜o acelerada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.4.1 A soluc¸a˜o de Eddinghton-Lemaˆıtre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.5 A soma das partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
A Outras soluc¸o˜es cosmolo´gicas 64
Refereˆncias 65
II ECE - 2008/2 - Programa de Po´s-Graduac¸a˜o em F´ısica - UFPA
http://www2.ufpa.br/ppgf/ECE2008
Introduc¸a˜o
O que e´ a cosmologia enquanto disciplina cient´ıfica?
Nosso sistema solar tem um diaˆmetro caracter´ıstico da ordem de 10−3 anos luz. O sol
esta´ na periferia da gala´xia, orbitando seu centro a uma distaˆncia aproximada de 2/3 do raio
gala´tico. A Via-La´ctea, nossa gala´xia, com 1011 estrelas, tem dimenso˜es da ordem de 6×104
anos luz. O grupo local de gala´xias, com dimenso˜es da ordem de 107 anos luz, com algo em
torno de 30 gala´xias, tem a Via-La´ctea e a M31 (a gala´xia de Androˆmeda) como membros
destacados do grupo. Esta˜o tambe´m no grupo local as grande e pequena nuvens de Magalha˜es
(que sa˜o sate´lites da Via-La´ctea). Nosso grupo local, bem como os chamados grupos vizinhos,
“orbita” o aglomerado de Virgem. Tais grupos de gala´xias, tendo o aglomerado de Virgem
como um centro, formam o super-aglomerado de Virgem, numa escala de 108 − 109 anos
luz ou ≈ 300 Mpc. O fluido cosmolo´gico e´ constitu´ıdo de elementos como este. Neste fluido,
nesta escala, nenhum elemento parece diferir de seu vizinho, isto e´, parece na˜o haver lugar
privilegiado neste fluido. A cosmologia pretende descrever a dinaˆmica deste fluido.
Em cosmologia o objeto de estudo e´ um sistema u´nico. Na˜o podemos dispor de va´rios
universos para compara´-los. Assim na˜o se pode aumentar a confianc¸a nas equac¸o˜es de Einstein
(da gravitac¸a˜o) quando aplicadas ao universo, baseados no acu´mulo de soluc¸o˜es de universos
corretamente descritos a partir destas equac¸o˜es. Na˜o se pode fazer experieˆncias com este objeto,
apenas observa´-lo (sempre parcialmente). Assim na˜o se pode saber como o sistema reagiria a
qualquer mudanc¸a de seus paraˆmetros f´ısicos, como se faz em um laborato´rio, apenas inferir
baseado nos fundamentos teo´ricos. Desde a escala de comprimento t´ıpica do homem ate´ a escala
da cosmologia temos algo em torno de 1024 ordens de grandeza. A t´ıtulo de comparac¸a˜o, se
uma civilizac¸a˜o de pequenos seres inteligentes existisse sobre um o pro´ton (10−15 m) de um
a´tomo de hidrogeˆnio, de uma mole´cula de a´gua, e estes tentassem conhecer a composic¸a˜o e
descrever a dinaˆmica do volume de a´gua da piscina ol´ımpica da qual a mole´cula pertence, na˜o
II ECE - 2008/2 - Programa de Po´s-Graduac¸a˜o em F´ısica - UFPA
http://www2.ufpa.br/ppgf/ECE2008
2
estariam lidando com algo ta˜o grande relativamente a eles pro´prios. Que ju´ızo fazer da condic¸a˜o
do homem diante do universo? O certo e´ que este e´ o cara´ter singular da cosmologia enquanto
disciplina cient´ıfica.
Estas sa˜o, basicamente, notas introduto´rias sobre relatividade geral, sobre o modelo de
Friedmann-Lemaˆıtre, que ela nos lega, e sobre as virtudes e limitac¸o˜es do modelo quando
confrontados com os dados cosmolo´gicos dispon´ıveis, hoje bastante robustos. Muitos aspectos
provenientes da f´ısica nuclear, da f´ısica de part´ıculas e da f´ısica das interac¸o˜es fundamentais,
todos elementos necessa´rios a` composic¸a˜o do quadro proposto no modelo padra˜o, na˜o sera˜o
aqui abordados. Embora todos estes aspectos, de dentro e de fora da teoria da gravitac¸a˜o,
concorram para dar robustez ao Big Bang a ambic¸a˜o de aborda´-losa todos foge ao escopo
destas notas introduto´rias.
II ECE - 2008/2 - Programa de Po´s-Graduac¸a˜o em F´ısica - UFPA
http://www2.ufpa.br/ppgf/ECE2008
Breve histo´rico
Os mitos de origem de deuses e de homens, do ce´u e da Terra esta˜o presentes na cultura
desde seus primo´rdios. Uma visa˜o da cosmologia, isto e´, da ordem global do mundo, parece
ter sido formulada muito cedo pelas civilizac¸o˜es antigas, cada qual a seu modo. No per´ıodo
helen´ıstico cla´ssico bem como no per´ıodo renascentista, e´pocas de grande fertilidade do raci-
onalismo no ocidente, foram propostos modelos cosmolo´gicos “cient´ıficos”, no sentido de que
buscava-se caracterizar a estrutura segundo a qual o mundo estava organizado. O mundo con-
tudo era entendido, em esseˆncia, como o sistema solar e as estrelas fixas. A Via-La´ctea, que e´
vis´ıvel a olho nu, era conhecida desde a antiguidade. Contudo, foi a partir dos anos de 1600
que se comec¸ou a entender o que era, inicialmente por Galileu que a identificou como aglome-
rado de estrelas. Nos anos de 1700 Messier catalogou uma centena de objetos celestes difusos:
as nebulosas (nebulae). No mesmo per´ıodo William Herschel descobriu inu´meras outras “ne-
bulae”e, fazendo o posicionamento das estrelas no ce´u, foi o primeiro a propor uma forma para
a Via-La´ctea, dispondo pore´m o sol no seu centro.
Hoje pode nos parecer surpreendente, mas foi somente no comec¸o do se´culo XX, com o
advento da moderna astronomia, que foi poss´ıvel estabalecer me´todos de medida de distaˆncias
em larga escala, dos quais resultou a noc¸a˜o de que o universo transcede a nossa gala´xia, a Via-
La´ctea, sendo esta uma gala´xia ordina´ria dentre tantas outras. Apenas em 1912, a partir do
trabalho de Henrietta Leavitt se tornaria poss´ıvel desenvolver o me´todo de se estimar distaˆncias
ale´m do que o me´todo de paralaxe (cujo limite e´ de ≈ 1, 6×103 anos luz) permitia, quando esta
estudou as propriedades das estrelas Cefe´ıdas. Ainda, foi somente em 1918, que o grupo de
astroˆnomos do Observato´rio de Monte Wilson, liderados por Harlow Shapley, estabeleceu
que a Via-La´ctea tem a forma de um disco cujo diaˆmetro e´ da ordem de 300.000 anos-luz,
10.000 anos-luz e expessura, estando o sistema solar a uma distaˆncia de 60.000 anos-luz do
centro. Para Shapley, contudo, a gala´xia (termo por ele cunhado) ainda era pensada como a
II ECE - 2008/2 - Programa de Po´s-Graduac¸a˜o em F´ısica - UFPA
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4
totalidade do universo. Esta na˜o era enta˜o uma opinia˜o unanime. O grupo de astroˆnomos
do Observato´rio Lick defendia a ide´ia dos “universos ilha” apontando as nebulosas como
evideˆncia. Estas seriam objetos semelhantes a pro´pria Via-La´ctea e fora dela. Na tentativa
esclarecer a questa˜o, a Academia Nacional de Cieˆncias norte-americana promoveu um debate,
em 1920, sobre a natureza das nebulosas, que ficaria chamado de “o grande debate”. Aı´ se
confrontaram Shapley e Herber Curtis, do observato´rio Lick, na˜o se havendo pore´m chegado a
um veredito final sobre a natureza das nebulosas. Ironicamente, a sombra do grande Shapley,
em Monte Wilson, estava aquele que iria mostrar que Curtis e´ quem estava certo: o ascendente
Edwin Hubble.
A teoria da gravitac¸a˜o de Einstein, isto e´, a Teoria da Relatividade Geral (TRG), foi
finalizada em 19152. O interesse inicial de Einstein pela cosmologia deveu-se a` tentativa de cons-
truir um modelo de universo a partir de suas equac¸o˜es. Em 1917 supoˆs um universo esta´tico
fechado, sem fronteiras, permeado de mate´ria de forma homogeˆnea. Ao colocar tais ingredientes
em suas equac¸o˜es originais (as de 1915) constatou na˜o haver soluc¸a˜o com tais caracter´ısticas.
Em uma especulac¸a˜o desesperada, Einstein modificou suas equac¸o˜es da gravitac¸a˜o originais
introduzindo um novo termo que seria identificado com uma repulsa˜o co´smolo´gica atrave´s da
sua constante cosmolo´gica, Λ. Mostrou enta˜o que seu modelo esta´tico era soluc¸a˜o das
equac¸o˜es modificadas, tendo a constante cosmolo´gica o papel de impedir o colapso gravitacio-
nal do universo3. A TRG se tornaria da´ı em diante o fundamento teo´rico pelo qual se poderia
conceber e descrever diferentes modelos de universo e, de fato, surgiriam soluc¸o˜es das equac¸o˜es
de Einstein correspondentes a cena´rios de universo dinaˆmico; sendo de particular importaˆncia
as soluc¸o˜es obtidas em 1922, pelo matema´tico russo Aleksandr Friedmann4. Nas soluc¸o˜es de
Friedmann assumia-se que o universo era espacialmente homogeˆneo e isotro´pico, em expansa˜o
e sem a inconveniente constante cosmolo´gica. A suposta expansa˜o contudo havia surgido no
modelo de Friedmann apenas como conjectura e na˜o por constituir-se uma base experimantal.
Retrospectivamente sabemos que desde 1912 Vesto Slipher havia sugerido que as nebulosas
espirais e algumas el´ıpticas se afastavam de no´s a grandes velocidades, havendo reiterado suas
suspeitas em 1915 quando mostrou que 11 de 15 nebulosas observadas apresentavam des-
2Einstein,A., Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenchaften 2, p. 844 (1915). Publicado em
Ann. d. Phys. 49 (1916).
3Einstein,A., Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenchaften 1, p. 142 (1917).
4Friedmann, A., Zeitschrift fu¨r Physik 10,p.377 (1922)
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vio para o vermelho, indicando o afastamento relativo. Contudo, conforme ja´ dissemos, era
controverso entre os astroˆnomos se tais objetos eram ou na˜o extragala´ticos.
Em 1924 Hubble descobriu estrelas cefe´ıdas na nebulosa de Andromeda e mediu de forma
segura sua distaˆncia ate´ no´s. Ficou enta˜o provado que tratava-se de um objeto extragala´tico,
pondo fim ao “grande debate”. O impacto da descoberta de Hubble, alargando de forma
colossal a escala do universo, o colocava lado a lado aos grandes da astronomia como Ptolomeu,
Cope´rnico ou Galileu. Das observac¸o˜es de Hubble, neste per´ıodo, surgem as primeiras evideˆncias
da distribuic¸a˜o homogeˆnea e isotro´pica das gala´xias5. Quem transitava durante este per´ıodo
em meio a comunidade astronoˆmica americana era o f´ısico-astroˆnomo (e padre) belga George
Lemaˆıtre, que ja´ nutria grande entusiasmo pela ide´ia de um universo em expansa˜o. Isto o levou
a propor, baseado na TRG, um modelo expansionista tipo-Friedmann, de modo independente,
no qual aparecia uma relac¸a˜o linear entre distaˆncia e velocidade, entre os pontos do substrato
material6. Foi somente depois de ter seu trabalho publicado que Lemaˆıtre soube, por Einstein,
da precedeˆncia de Friedmann. No campo da observac¸a˜o astronoˆmica o cena´rio de universo
dinaˆmico na˜o tardaria a se revelar. Quando Hubble anunciou a recessa˜o das gala´xias7, em 1929,
segundo a lei que hoje leva seu nome, as atenc¸o˜es dos teo´ricos se voltaram para as soluc¸o˜es ou
modelos de Friedmann-Lemaˆıtre. O que Slipher havia visto, mais de uma de´cada atra´s,
era na verdade um ind´ıcio da expansa˜o do universo. Em uma coletiva a` imprensa, durante
sua visita ao Observato´rio de Monte Wilson, em fevereiro de 1931, o pro´prio Einstein renega
sua soluc¸a˜o de 1917 em favor das soluc¸o˜es expansionistas8. Contudo, nem todas as pec¸as se
encaixavam com perfeic¸a˜o: nas estimativas de Hubble a constante H0, que hoje leva seu nome,
era de ≈ 500 Km/s/Mpc. Assim, a idade do universo teria que ser menor que seu inverso
e portanto ≈ 2 × 109 anos, o que resultaria em um universo mais jovem que a Terra9. Isto
ficou conhecido como o poblema da escala temporal, somente contornado nos anos 50. A5Hubble, E., Astrophysical Journal 62 (1925) e Astrophysical Journal 63, 64 (1926)
6Lemaˆıtre, G., Annales de la Societe´ Scientifique de Bruxelles, 47 A, p. 49 (1927)
7Hubble, E., Proceedings of the National Academy of Sciences 15, p. 169 (1929).
8E´ bastante propalada a histo´ria de que Einstein disse ser a constante cosmolo´gica o maior erro de sua vida.
9Os me´todos de datac¸a˜o do nosso planeta, hoje consagrados, tambe´m haviam sido estabelecidos no in´ıcio
daquele se´culo. Rutherford publicou, em 1907, no Journal of Royal Astronomical Society of Canada 1 sua
estimativa da idade da Terra, com base na abundaˆncia relativa da radioatividade dos elementos pesados. No
mesmo ano Boltwood, que se interessara pelos me´todos de datac¸a˜o radioativos apo´s uma confereˆncia de Ruther-
ford em Yale, em 1904, fez estimativas que alcanc¸aram 1, 3×109 anos. Somente a partir da´ı ficou estabelecido
que a idade da Terra era da ordem de bilho˜es de anos, sendo que o nu´mero hoje aceito e´ de 4, 5 × 109 anos.
Os me´todos de datac¸a˜o radioativa poriam fim a` poleˆmica travada entre f´ısicos, encabec¸ados por Lord Kelvin,
geo´logos e evolucionistas desde a segunda metade do se´culo XIX, acerca da idade da Terra.
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premissa de homogeneidade e isotropia passaria a ser designada o Princ´ıpio cosmolo´gico.
Dos anos 20 do se´culo XX ate´ nossa e´poca a cosmologia desenvolveu-se, por um lado
no sentido de aperfeic¸oar os me´todos observacionais para melhor ajustar os paraˆmetros do
modelo de Friedmann-Lemaˆıtre, bem como para certificar-se de que este modelo realmente
correspondia ao nosso universo observa´vel. Por outro lado houve uma proliferac¸a˜o de soluc¸o˜es
cosmolo´gicas, das equac¸o˜es de Einstein, propiciando intenso debate teo´rico sobre os poss´ıveis
cena´rios alternativos de universo.
Nos anos 30, ao estudar as curvas de rotac¸a˜o de estrelas, originalmente no aglomerado de
COMA, Fritz Zwicky da´-se conta de que a mate´ria vis´ıvel na˜o permite explicar tais curvas10. O
aglomerado teria que ser mais massivo do que era poss´ıvel inferir pela mate´ria observa´vel. In-
troduz enta˜o a ide´ia demate´ria escura11. Medidas posteriores revelariam que este ingrediente
misterioso representa, na verdade, em torno de 23% do conteu´do material total do universo12.
Na “outra ponta” da f´ısica, isto e´, no domı´nio do muito pequeno, os anos 30 foram marca-
dos por importantes descobertas tendo sido ate´ chamados a “Decas mirabilis” da f´ısica nuclear.
Das experieˆncias feitas por Rutherford, em 1920, que revelou o pro´ton (o “primeiro”) atrave´s
da primeira transmutac¸a˜o nuclear induzida pelo homem, este previu que haveria um segundo
constituinte nuclear, o qual chamou de neutron13. Somente em 1932 James Chadwick o
descobriria14, no laborato´rio Cavendish da Universidade de Cambridge, enta˜o sob direc¸a˜o de
Rutherford (que sucedera J.J. Thomson). O neutron livre revelou-se insta´vel e seu decaimento
em pro´ton com emissa˜o de um ele´tron (e anti-neutrino), o chamado decaimento beta, abriu
uma nova janela para o estudo das interac¸o˜es nucleares que, com o tempo, mostrariam serem
duas: a fraca e a forte. Com efeito em 1934, Enrico Fermi propoˆs a primeira teoria da interac¸a˜o
nuclear fraca15, propondo um mecanismo para explicar o decaimento beta. Ainda, com a rea-
lizac¸a˜o da fusa˜o nuclear em 1934, por Rutherford e colaboradores16, comec¸ava-se a comprovar
experimentalmente os mecanismos de s´ıntese dos elementos qu´ımicos a partir dos mais leves.
Tais descobertas teriam impacto decisivo na cosmologia pois permitiriam compreender o me-
canismo de gerac¸a˜o de energia nas estrelas, bem como lanc¸ar alguma luz sobre a questa˜o das
10Zwicky, F., Helv. Phys. Acta.,6,110 (1933)
11Mais apropriado talvez fosse “mate´ria transparente”.
12Como a mate´ria feita de a´tomos parece constituir 4%, vemos que 23% e´ um percentual elevado.
13Rutheford, E., Proceedings of the Royal Society, A97 (1920)
14Chadwick, J. Proceedings of the Royal Society, A136 (1932) e Nature 129 (1932)
15Zeitschrift fu¨r Physik, 88, (1934)
16Oliphant, M.L., Harteck, P. , Rutherford, E., Nature, 133, p. 413 (1934).
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abundaˆncias relativas dos elementos no universo, o qual era dominado por hidrogeˆnio e he´lio
(em torno de 75% e 25% respectivamente). A questa˜o da gerac¸a˜o de energia nas estrelas
fora inicialmente abordada por Arthur Eddington em 1920, que especulou tratar-se de fusa˜o
nuclear. Abordagens concretas de esclarecer a questa˜o se iniciariam nos trabalhos teo´ricos de
Houtermans17, antes mesmo da descoberta do neutron, e se completaria uma de´cada depois
com os trabalhos de Hans Bethe18.
Nos anos 40 os desenvolvimentos provindos da f´ısica nuclear comec¸ariam a compor o
quadro da evoluc¸a˜o co´smica. George Gamow, um jovem f´ısico russo e ex-aluno de Friedmann
(que falecera prematuramente), uniu aspectos provenientes da TRG e da f´ısica nuclear para dar
um novo passo na construc¸a˜o do modelo cosmolo´gico. Juntamente com seu aluno de doutorado
Ralph Alpher buscou descrever como o universo em sua fase primordial, quente e muito densa,
poderia ser a causa da abundaˆncia relativa dos elementos nele observados. Conforme mostrou
a teoria do universo em expansa˜o podia explicar a abundaˆncia de H e He no universo: a
chamada nucleoss´ıntese primordial. A alta densidade e temperatura iniciais propiciaram a
fusa˜o nuclear. Com a expansa˜o do universo e o seu esfriamento ocorreu o te´rmino das reac¸o˜es, de
modo que apenas os elementos qu´ımicos leves se formaram. A formac¸a˜o dos elementos pesados
permaneceria ainda um miste´rio. Este artigo, intitulado “The Origin of Chemical Elements”19,
ficou tambe´m conhecido como o artigo αβ γ (alfa, beta, gama), devido aos nomes de Ralph
Alpher, Hans Bethe e George Gamow. Na verdade Hans Bethe na˜o era co-autor do trabalho,
mas Gamow, que era muito brincalha˜o, o convenceu a por seu nome. Assim o leitor faria a
associac¸a˜o com as treˆs primeiras letras do alfabeto grego.
No campo teo´rico a TRG viu surgir em 1949 a primeira soluc¸a˜o cosmolo´gica das equac¸o˜es
de Einstein com violac¸a˜o de causalidade, isto e´, na qual era em princ´ıpio poss´ıvel a um dado
observador voltar ao passado, obtida pelo matema´tico Kurt Go¨del. Tal patologia se devia
a` presenc¸a, na soluc¸a˜o, das chamadas curvas do tipo-tempo fechadas, CTC20, ou linhas de
mundo tipo-tempo fechadas, CTW21. A soluc¸a˜o de Go¨del, como ficou chamada, veio a pu´blico
sob o t´ıtulo “An example of a new type of cosmological solution of Einsteins field equations of
17Atkinson, R. and Houtermans, F. Aufbaumo¨glichkeit in Sternen, Z. fu¨r Physik 54, p. 656-665 (1929)
18Bethe, H. A. Energy Production in Stars, Physical Reviews 55, 5, p. 434-456 (1939).
19Alpher,R., Bethe, H., Gamow, G., Physical Review, 73, 7 (1948).
20De closed timelike curves
21De closed timelike worldlines
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gravitation”22. Embora sem conexa˜o aparente com o universo observa´vel, a soluc¸a˜o de Go¨del
reacendia, no aˆmago da gravitac¸a˜o, uma antiga discussa˜o da f´ısica: a da seta do tempo.
Em 1952 o astroˆnomo Walter Baade23 mostrou que as distaˆncias entre as gala´xias eram
duas vezes maiores que aquelas obtidas por Hubble e, consequentemente, dobrando a idade do
universo. Isto se deveu a` descoberta, por ele feita, de duas “populac¸o˜es” distintas de estrelas
em Androˆmeda: as do nu´cleo (mais velhas) e a dos brac¸os espirais (mais jovens). Hubble usara
as cefe´ıdas dos brac¸os como padra˜o, em suas predic¸o˜es dos anos 20. As do nu´cleo pore´m e´ que
constituiriamo padra˜o correto. Em 1958 Allan Sandage, que era aluno de Baade, chega a
estimativa de H−1 ≈ 13, 2 × 109 anos24, ou de modo equivalente H ≈ 74Km/s/Mpc, que e´
essencialmente a medida atualmente aceita. Ficava assim, finalmente, resolvido o problema da
escala temporal.
Durante a de´cada de 1950, a cosmologia do modelo padra˜o concorreu com o modelo do
Estado Estaciona´rio25 proposto por Hermann Bondi e Thomas Gold26 e separadamente
por Fred Hoyle27. Neste modelo propunha-se um princ´ıpio cosmolo´gico perfeito, isto e´,
incluindo o tempo, e na˜o apenas o princ´ıpio cosmolo´gico tradicional que se aplica a` sec¸a˜o espacial
do universo. Neste modelo, a mate´ria era continuamente criada, na˜o se aplicando a ele as
equac¸o˜es de Einstein. A propo´sito, foi Hoyle quem cunhou o termoBig Bang, em um programa
de ra´dio da BBC chamado “The Nature of Things”, para designar os modelos expansionistas
de Friedmann-Lemaˆıtre. Era, na verdade, uma designac¸a˜o pejorativa para ridicularizar aqueles
que acreditavam que o universo tivesse um comec¸o, fosse na forma de um a´tomo primordial
que explodira (que era o pensamento de Lemaˆıtre) ou na forma do Ylem (versa˜o mais refinada
de Gamow). A ironia da histo´ria e´ que assim ficaria designado o modelo padra˜o da cosmologia,
a partir de enta˜o. Em 1958 a tradicional Confereˆncia Solvay de f´ısica, tendo como “chairman”
do encontro W. Lawrence Bragg28, teria por tema “La structure et l’e´volution de l’univers”. Os
“combatentes” dos dois lados concorrentes pelo modelo mais correto da cosmologia la´ estariam
reunidos: Hoyle, Lemaˆıtre, Bondi, Gold, Sandage e Baade entre outros. Entre os mais antigos
22Go¨del, K., Rev. Mod. Phys.,21, 447-450 (1949)
23Baade, W., Transactions of the International Astronomical Union, 8, p.397 (1952).
24Sandage, A., Astrophysical Journal, 127, p. 513 (1958).
25Em ingleˆs, a Steady-state Cosmology
26Bondi, H., and Gold, T., Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 108, p.252 (1948).
27Hoyle, F., Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 108, p. 372 (1949).
28Bragg sucedera Rutherford a` frente do Cavendish, apo´s o falecimento deste em 1937. Desde “quasares”
ate´ o DNA foram descobertos por aqueles que la´ trabalhavam, durante o per´ıodo de sua direc¸a˜o.
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ativistas da a´rea la´ estava tambe´m Harlow Shapley. Evidentemente o encontro na˜o selou um
veredito para a disputa.
Hubble deixaria a cena nesta de´cada, falecendo em 1953, apo´s sofrer uma trombose ce-
rebral antes de completar 64 anos. A decisa˜o de dar-lhe o Preˆmio Nobel de F´ısica havia
finalmente sido tomada pelo comiteˆ da fundac¸a˜o Nobel, apo´s anos de divergeˆncias quanto as
suas contribuic¸o˜es serem ou na˜o a` F´ısica. Infelismente, para Hubble, a decisa˜o foi tomada tarde
demais. Einstein, que viria a falecer em 1955, afastara-se da cosmologia. Em seus u´ltimos
anos encontrava-se mais voltado a` sua generalizac¸a˜o da TRG, a teoria do campo unificado.
A questa˜o da nucleoss´ıntese de elementos pesados seria resolvida neste per´ıodo por Hoyle,
o casal Burbidge e W. Fowler29, no artigo cla´ssico “Synthesis of elements in stars”, que ficaria
chamado de B2FH. A formac¸a˜o dos nu´cleos pesados se daria durante as etapas intermedia´rias da
morte das estrelas e o processo de sua formac¸a˜o ficaria chamado nucleoss´ıntese estelar. Isso
“livrava” a expansa˜o do universo do oˆnus de ter que explicar a formac¸a˜o dos nu´cleos pesados,
na medida em que sua s´ıntese se dera por outras vias que na˜o a cosmolo´gica. Esse trabalho
renderia o Preˆmio Nobel de F´ısica a` Fowler, em 1983.
A partir dos anos 60 a cosmologia do modelo padra˜o comec¸aria a se impor como para-
digma dominante. Uma grande descoberta em favor do Big Bang ocorreu quando, em 1964,
o alema˜o Arno Allan Penzias e o norte-americano Robert Woodrow Wilson, acidentalmente,
detectaram radiac¸a˜o em microondas proveniente de todas as direc¸o˜es do ce´u, isotropicamente.
Sua correspondente temperatura era de ≈ 3 K. Na realidade, Gamow, Alpher e Robert Her-
man a haviam previsto em trabalhos de 1948, estabelecendo que esta devia ter o espectro
de um corpo negro e estimando sua temperatura, inicialmente em 50K (Gamow) e logo em
seguida em 5K (Alpher e Herman). Naquele in´ıcio dos anos 60, pore´m, os f´ısicos Robert
H. Dicke, James E. Peebles e colaboradores haviam refeito independentemente o ca´lculo ori-
ginal e preparavam-se para construir uma antena que pudesse detectar a radiac¸a˜o de origem
co´smica. Foi quando Penzias, que soube do trabalho de Dicke por interme´dio de um amigo
o procurou com sua “radiac¸a˜o misteriosa”; a qual Dicke reconheceu ser aquilo que procurava.
O artigo de Dicke e colaboradores que explicava a origem da radiac¸a˜o co´smica30, entitulado
“Cosmic Black-Body Radiation”, seria publicado no mesmo volume em que Penzias e Wilson
29Burbidge,E.M., Burbidge, G.R., Fowler,W.A. and Hoyle, F. Rev. Mod. Phys., 29, p. 547-650 (1957).
30Dicke, R. H., Peebles, P. J. E., Roll, P. G., Wilkinson, D. T., Astrophysical Journal, 142, p.414 (1965).
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publicariam a descoberta31. A explicac¸a˜o natural que o modelo do Big Bang fornecia para tal
radiac¸a˜o consistia em considera´-la o registro do per´ıodo em que o plasma do universo primordial
se esfriara o suficiente para permitir a formac¸a˜o de a´tomos (mate´ria neutra) “libertando” os
fo´tons do plasma primordial. Somente nesta transic¸a˜o, chamada a recombinac¸a˜o ou u´ltima
superf´ıcie de espalhamento, e´ que o universo teria se tornado transparente. As medidas da
assim chamada radiac¸a˜o co´smica de fundo em microondas (RCFM)32, passaram enta˜o a
ser uma valiosa fonte de informac¸a˜o sobre o universo observa´vel. O pro´prio Hoyle abandonaria,
a partir da´ı, o modelo do estado estaciona´rio33. Sua natureza polemizadora o levaria contudo a
ainda propor o modelo estaciona´rio modificado. Ate´ o fim de sua vida, em 2001, se recusava a
aceitar que homens de cieˆncia pudessem considerar razoa´vel que todo o universo, toda a f´ısica
e todas as suas leis, que preveˆem os fenoˆmenos a partir de suas causas, que sa˜o, por sua vez,
efeitos de causas anteriores, igualmente reguladas pelas mesmas leis, pudesse emergir de uma
singularidade irracional. A descoberta da RCFM renderia a Penzias e Wilson o Preˆmio Nobel
de F´ısica de 1978.
Na “outra ponta” da f´ısica (novamente), isto e´, no domı´nio da f´ısica de part´ıculas, muita
coisa se passara ate´ enta˜o. Apo´s as descobertas do ele´tron, pro´ton e neutron sucederam-lhes
uma se´rie de novas part´ıculas, das quais ja´ na˜o se sabia dizer ao certo quais eram “elementa-
res”. A descoberta da antimate´ria ocorreu ainda em 1932 atrave´s do po´sitron, o “ele´tron
positivo”, por Carl Anderson34. A avalanche de novas part´ıculas surgidas nas de´cadas de 40
e 50 exigia um novo modelo teo´rico que distinguisse quais sa˜o as estruturas elementares da
mate´ria e como estas formam a diversidade de part´ıculas conhecidas, a exemplo do neutron ou
do pro´ton, na˜o mais encarados como elementares. Destacamos, neste contexto, duas grandes
s´ınteses promovidas a partir dos anos 60. O modelo deWeinberg-Salam-Glashow, que uni-
ficou as interac¸o˜es nuclear fraca e eletromagne´tica, dita agora eletro-fraca, e a cromodinaˆmica
quaˆntica, a QCD35, em artigo publicado por Murray Gell-Mann36 e colaboradores em 1973,
que descreveu a f´ısica da interac¸a˜o nuclear forte e das part´ıculas que por ela interagem. Fica-
ria a partir da´ı estabelecida a classificac¸a˜o atual das part´ıculas elementares. A mate´ria sendo
31Penzias,A. and Wilson,R., Astrophysical Journal, 142, p. 419 (1965).
32Emingleˆs Cosmic Microwave Backgound Radiation (CMBR ou CMB)
33Hoyle,F., Nature, 208, p. 111 (1965).
34Anderson, C.D., Proceedings of the Royal Society, 41A (1932).
35De Quantum Cromodynamics.
36Fritzsch, H. , Gell-Mann, M. and Leutwyler,H., Physics Letters B 47, p. 365 (1973)
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constitu´ıda de quarks (up, down, charm, strange, top, botton) e Le´ptons (ele´tron, muon, tau,
neutrino eletroˆnico, neutrino muoˆnico, neutrino tauoˆnico). Os quanta associados aos campos,
por interme´dio dos quais a mate´ria interage, seriam os bo´sons vetoriais (gluons, fo´ton, W+,
W−, Z0). Esta cena´rio na˜o correspondia (na˜o corresponde) ainda a uma descric¸a˜o unificada
das interac¸o˜es nucleares e menos ainda levando-se em conta a quarta (e mais fraca) interac¸a˜o:
a gravitac¸a˜o. Inspirados pelo bem sucedido esquema de unificac¸a˜o eletro-fraca iniciou-se um
amplo programa de construc¸a˜o de teorias de grande unificac¸a˜o: as GUTs37. Este esquema
consistia basicamente em valer-se de um campo escalar, o campo de Higgs, cujo quanta associ-
ado seria o bo´son de Higgs, que ao adquirir um estado espec´ıfico de mı´nima energia redefine
o va´cuo pre´-existente. Isto provoca um “embaralhamento” das propriedades dos outros cam-
pos existentes diversificando as caracter´ısticas das forc¸as por eles mediadas. Usando o termo
apropriado, provoca uma quebra espontaˆnea de simetria. Antes da quebra espontaˆnea as
forc¸as estariam unificadas. A dinaˆmica destes campos e quantas precisava conciliar-se com o
cena´rio do universo expansionista, ja´ que os processos de diversificac¸a˜o das forc¸as na natureza,
deveriam ter ocorrido no ambiente de um universo em expansa˜o na fase inicial, quando as altas
energias estavam dispon´ıveis. Ao mesmo tempo, a teoria das interac¸o˜es fundamentais (sem a
gravitac¸a˜o) permitia avaliar processos que teriam ocorrido nos instantes iniciais da expansa˜o.
Assim, as condic¸o˜es experimentais nos aceleradores de part´ıculas propiciavam cada vez mais
uma “janela aberta” para o entendimento dos processos f´ısicos no universo primordial.
Parecia assim configurar-se aos cosmo´logos que a dinaˆmica do universo em que vivemos es-
tava, em seus aspectos gerais, entendida, sendo descrita pelo modelo expansionista de Friedmann-
Lemaˆıtre. Os problemas da cosmologia referiam-se agora a` fase primordial, onde outras in-
terac¸o˜es poderiam ter papel mais relevante, ao entendimento da natureza da mate´ria escura,
bem como ao mecanismo pelo qual se formaram as estruturas. Dos problemas da primeira
categoria destacamos inicialmente o problema do horizonte e o problema da planura. O
“problema” do horizonte consistia em que na˜o seria esperado o elevado grau de homogeneidade
observado na RCFM , para separac¸o˜es angulares muito grandes no ce´u. Isto indicava que tais
regio˜es teriam mantido contato causal antes da era em que a radiac¸a˜o desacoplara da mate´ria
(estimada em 300.000 anos apo´s o Big Bang). O “problema” da planura relacionava-se ao
fato de que a evideˆncia experimental indicava que o universo seria essencialmente plano (cur-
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vatura pequena) enquanto que argumentos teo´ricos sugeriam que esta seria a situac¸a˜o menos
prova´vel da evoluc¸a˜o do universo. Podemos ainda citar o chamado problema dos monopo-
los magne´ticos. A predic¸a˜o de existeˆncia de tais part´ıculas supermassivas sa˜o decorreˆncias
naturais das GUTs, e deveriam ser abundantes no universo atual. Como na˜o havia evideˆncias
experimentais das mesmas, parecia que algum outro mecanismo em ac¸a˜o no universo primordial
impediu sua proliferac¸a˜o.
E´ neste cena´rio que viu-se nascer nos anos 80 os chamados modelos inflaciona´rios.
Proposto por Alan Guth38, no artigo entitulado The Inflationary Universe: A Possible Solution
to the Horizon and Flatness Problems, postulava que o universo primordial passou por uma fase
de crescimento exponencial produzida por uma densidade de energia do vazio, negativa, que
age como uma forc¸a gravitacional repulsiva. Matematicamente, isto significava que a teoria do
universo inflaciona´rio trazia assim de volta a constante cosmolo´gica. O modelo original de Guth
seria reformulado por parte de Andrei Linde39 e de modo independente por Andreas Albrecht
e Paul Steinhardt40. Ao novo modelo inflaciona´rio chamou-se a nova inflac¸a˜o, em oposic¸a˜o
a` velha inflac¸a˜o, de Guth. O status da inflac¸a˜o e´, ainda hoje, controverso. Em artigo de
divulgac¸a˜o recente41 Peebles declarou “[...] na˜o arriscaria decidir qualquer aposta sobre se a
inflac¸a˜o realmente ocorreu. Na˜o estou criticando a teoria, mas simplesmente dizendo que se
trata de um trabalho admira´vel e pioneiro ainda a ser testado.”
Apesar do alto grau de homogeneidade da RCFM , a comunidade dos cosmo´logos esperavam
encontrar algum grau de na˜o-homogeneidade, muito pequeno. Tais variac¸o˜es seriam uma prova
de que haviam regio˜es em torno das quais a materia poderia se aglomerar, por ac¸a˜o gravitacional
(local), enquanto o universo se expandia a partir da recombinac¸a˜o, agindo como “sementes”
para a formac¸a˜o das gala´xias. Em va˜o se buscou tais variac¸o˜es durante os anos 70 e 80,
usando-se detectores em balo˜es e avio˜es U -2. O passo seguinte era por os detectores no espac¸o,
isto e´, em um sate´lite. A NASA, unificando propostas de certos grupos de pesquisa, resolveu
financiar o sate´lite COBE, o Cosmic Background Explorer, destinado a investigar a RCFM .
O sate´lite comportaria os detectores Dirbe, Firas e DMR, cada um medindo diferentes aspectos
da radiac¸a˜o. O DMR era, em particular, aquele que deveria medir as variac¸o˜es da RCFM ,
38A. H. Guth,A. H., Phys. Rev. D 23, 347 (1981).
39Linde,A., Phys. Lett. B 108, 389 (1982).
40Albrecht,A. and Steinhardt,P.J. , Phys. Rev. Lett. 48, 1220 (1982).
41Peebles, P.J., “O sentido da moderna cosmologia” in Scientific American Brasil, 27, “O passado e o presente
do Cosmos” (Edic¸a˜o especial).
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13
constru´ıdo pelo grupo de George Smoot, da universidade de Berkeley. O COBE seria lanc¸ado a
bordo do oˆnibus espacial, em 1988, mas com a trage´dia do Challenger, em janeiro de 1986, seu
futuro tornou-se incerto. Afastado do programa do oˆnibus espacial, o COBE somente seria
lanc¸ado em novembro de 1989, acoplado a um foguete Delta, da empresa McDonnel-Douglas.
Apo´s treˆs anos de acu´mulo, ana´lise e reana´lise dos dados, o veredito final foi oficialmente
divulgado em abril 1992, durante uma confereˆncia da American Physical Society. O porta-voz
da equipe foi Smoot, que confirmou, com precisa˜o nunca antes alcanc¸ada, o espectro de corpo
negro e a presenc¸a das variac¸o˜es na RCFM . A equipe havia feito segredo sobre o conteu´do
de sua apresentac¸a˜o, constando como uma comunicac¸a˜o regular a ser feita em 12 minutos.
Quando os presentes se deram conta do que acabavam de ouvir, houve grande excitac¸a˜o. Nesta
ocasia˜o Hawking diria ser esta “a maior descoberta do se´culo, sena˜o de todos os tempos”. As
ana´lises dos dados do COBE renderiam a John Mather e George Smoot o Nobel de F´ısica de
2006. Nos termos da Fundac¸a˜o Nobel: “for their discovery of the blackbody form and anisotropy
of the cosmic microwave background radiation”.
A partir desta de´cada de 1990, uma se´rie de equipamentos de alta precisa˜o seriam pos-
tos no espac¸o, a exemplo do programa Great Observatories Program (Grandes Observato´rios
Espaciais) da NASA. Comec¸ando pelo Hubble Space Telescope (HST), o Telesco´pio Espa-
cial Hubble, em 1990, tornando-seoperacional em 1993; seguido pelos telesco´pios Compton
(1991), Chandra (1999) e Spitzer (2003). O Compton (homenagem a Arthur Holly Comp-
ton), que operou na faixa dos raios gama do espectro eletromagne´tico, apresentou problemas;
sendo desativado em 2000 quando foi lanc¸ado contra a atmosfera. O Chandra (em homenagem
a Subrahmanyan Chandrasekhar) opera na faixa do raio-x. O Spizer foi projetado para operar
na faixa do infra-vermelho. Por razo˜es o´bvias, o mais popular dos quatro, fora dos c´ırculos
cient´ıficos, e´ aquele que opera na faixa do vis´ıvel: o Hubble.
Em fins do anos 90 ocorreu o fato, talvez, mais surpreendente da cosmologia em nossa
e´poca: observac¸o˜es de red-shift provenientes de supernovas do tipo Ia, indicando que a taxa
de expansa˜o do universo esta´ se acelerando. Em 2002 a NASA lanc¸ou o sate´lite Wilkinson
Microwave Anisotropy Probe, o WMAP, capaz de realizar observac¸o˜es mais detalhadas que o
COBE, e que corroborou, em suas medidas, o cena´rio de expansa˜o acelerada. A situac¸a˜o era
ta˜o chocante que levou uma de´cada para que a comunidade de cosmo´logos se sentisse segura de
que a expansa˜o acelerada era um fato. Ate´ esta descoberta era crenc¸a corrente que na era po´s-
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inflaciona´ria (e po´s-recombinac¸a˜o), o universo sofria uma expansa˜o desacelerada, uma vez que a
gravitac¸a˜o na˜o favorece o afastamento relativo seja da mate´ria convencional ou seja da mate´ria
escura. O modelo mais simples, ajusta´vel aos dados experimentais dispon´ıveis, supo˜e que a
mate´ria escura e´ fria (na˜o relativ´ıstica) e ha´ mais um ingrediente exo´tico no universo: a energia
escura42. Matematicamente modelada pela constante cosmolo´gica, Λ, a energia escura seria o
ingrediente responsa´vel pela taxa de expansa˜o acelerada. A este chamou-se o modelo ΛCDM43.
A volta da constante cosmolo´gica levou ao surgimento de modelos alternativos para modelar a
energia escura. Surge enta˜o o modelo de Quintesseˆncia, no qual um campo escalar e´ quem
conduz o universo a` expandir-se aceleradamente. A diferenc¸a entre o modelo de quintesseˆncia
e o ΛCDM esta´ em que neste u´ltimo a equac¸a˜o de estado, entre densidade de energia escura
e sua correspondente pressa˜o, na˜o muda. No modelo de quintesseˆncia esta equac¸a˜o de estado
pode mudar. Surgiram ainda outros modelos quintessenciais na˜o envolvendo o campo escalar.
Quando eu encerrava a feitura destas anotac¸o˜es, na primeira quinzena de setembro de 2008,
o LHC, (o Large Hadron Collider), finalmente entrou em operac¸a˜o, no CERN (Organisation
Europe´enne pour la Recherche Nucle´aire, antes Conseil Europe´en pour la Recherche Nucle´aire),
a`s 04:00 da manha˜, hora de Bras´ılia, no dia 10 de setembro. Entre suas misso˜es inescapa´veis:
encontrar o bo´son de Higgs. Prosseguindo a trilha aberta pelo COBE e WMAP , para melhor
medir as pequenas sutilezas presentes na RCFM , seria lanc¸ado o sate´lite Planck, em 31 de
outubro deste ano. Paralelamente a isto, grandes esforc¸os tem sido empreendidos por grupos
em todo o planeta, no intuito de detectar as ondas gravitacionais. O projeto do interferoˆmetro
espacial LISA, Laser Interferometer Space Antenna, ira´ por no espac¸o uma antena para detecc¸a˜o
de ondas gravitacionais, a ser lanc¸ada em 2015, e medira´, entre outras, ondas de origem
co´smica. A perspectiva (hoje talvez fantasiosa) de tirar proveito delas, no futuro, para “olhar”
o universo atrave´s do espectro de emisso˜es gravitacionais por ele produzidas, representaria uma
verdadeira revoluc¸a˜o nos me´todos da astrof´ısica. Quero, em s´ıntese, chamar a atenc¸a˜o para
o fato de que ao mesmo tempo em que somos confrontados hoje com grandes miste´rios pelas
evideˆncias cosmolo´gicas, como entender a natureza da mate´ria escura, da energia escura e a
expansa˜o acelerada, continuamos “aqui em baixo” abrindo novas frentes que possam nos dar
pistas de como elucidar tais miste´rios. Como sempre foi, assim sempre sera´, enquanto existirem
a humanidade e nela a pra´tica da cieˆncia.
42Mais um nome infeliz.
43De Λ-Cold Dark Matter
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Cap´ıtulo 1
O espac¸o-tempo como variedade
riemanniana
No que segue iremos, de forma muito breve, situar os conceitos fundamentais da Teoria da
Relatividade Geral (TRG) procurando explicitar o quadro teo´rico dentro do qual a gravitac¸a˜o
pode ser entendida, em sua generalizac¸a˜o relativista.
Supo˜e-se que o leitor tenha familiaridade com o formalismo de tensores de Lorentz no
espac¸o-tempo de Minkowski que e´ o cena´rio da Teoria da Relatividade Restrita (TRR).
Para incorporar gravitac¸a˜o a` teoria da relatividade faz-se enta˜o necessa´rio ampliar nossa pers-
pectiva sobre o espac¸o-tempo que passara´ a ser entendido como uma Variedade1 riemanniana,
quadridimensional, com curvatura, localmente lorenztiana. Vejamos enta˜o o que isto signi-
fica.
1.1 Me´trica e intervalo
O objeto geome´trico central em uma variedade riemanniana e´ o tensor me´trico, gµν , que
e´ uma func¸a˜o do ponto na variedade. Todas as propriedades geome´tricas da variedade sa˜o
determinadas a partir dele: norma, paralelismo e curvatura.
Dado um deslocamento infinitesimal na variedade, dxµ, define-se enta˜o o intervalo de
espac¸o-tempo
ds2 = gµνdx
µdxν , (1.1)
que nada mais e´ que a norma daquele vetor deslocamento.
1A grosso modo, variedade significa um cont´ınuo de pontos. Para uma definic¸a˜o veja Wald (1984), op. cit.
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1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante 16
Exige-se do tensor me´trico que seja sime´trico:
gµν = gνµ (1.2)
Genericamente, se V µ sa˜o componentes de um vetor, define-se norma como
V 2 = gµνV
µV ν (1.3)
Na variedade riemanniana da TRG tal e qual no espac¸o-tempo de Minkowski, a me´trica
na˜o e´ positivo-definida, isto e´, vetores na˜o possuem norma positiva necessariamente. Estes
podem ser enta˜o classificados segundo o sinal de sua norma. Sendo V µ componentes de um
vetor, temos a classificac¸a˜o invariante:
V 2


> 0 =⇒ vetor do tipo tempo
= 0 =⇒ vetor do tipo luz ou tipo nulo
< 0 =⇒ vetor do tipo espac¸o
(1.4)
Isto implica dizer que a me´trica tem uma assinatura hiperbo´lica ou lorentziana, ou seja,
e´ sempre poss´ıvel escolher uma base local na qual a me´trica assume, no ponto considerado, a
forma diagonal
(+1,−1,−1,−1) .
A assinatura hiperbo´lica da me´trica na TRG e´ um dos ingredientes que nos permite
assegurar que o espac¸o-tempo de Minkowski da TRR resulta como caso particular.
Na TRG os efeitos gravitacionais sobre os corpos ou campos (que na˜o o gravitacional)
sa˜o uma consequeˆncia da geometria da variedade de espac¸o-tempo onde tais corpos ou campos
vivem. O propo´sito da teoria e´ o de fornecer o me´todo pelo qual se determina um dado gµν a
partir do conteu´do na˜o gravitacional presente no modelo.
1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante
Em uma variedade e´ preciso prescrever por qual crite´rio se diz que dois vetores definidos
em pontos infinitesimalmente pro´ximos sa˜o ou na˜o paralelos, isto e´, deve-se dota´-la de uma lei
de Transporte Paralelo.
Para chegarmos ao foco da presente discussa˜o, comec¸emos por considerar o plano euclidiano.
Na figura (1.1) ilustramos um vetor definido em P e o seu transportado paralelamente ao
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1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante 17
ponto Q. A primeira vista parece-nos o´bvio que a operac¸a˜o envolvida neste processo consistesimplesmente em repetirmos em Q os mesmos componentes que o definiam em P . No sistema
cartesiano isto produz o resultado desejado, conforme ilustrado em (1.1-A). Se o mesmo pro-
cedimento for efetuado usando-se um sistema de coordenadas polar-plano, conforme ilustrado
em (1.1-B), veˆ-se que na˜o e´ correto repetir em Q as componentes que o vetor possuia em P .
De fato, em P , o vetor possui apenas um componente radial, enquanto que em Q, o mesmo
vetor possui componentes radial e polar.
 
A B 
O • 
Q 
P 
O • 
Q 
P 
Figura 1.1: Um vetor definido em P e´ transportado paralelamente a` Q. Em A a situac¸a˜o e´ descrita no
sistema cartesiano. Em B a mesma situac¸a˜o e´ descrita no sistema polar-plano.
Quer-se, com isto, sugerir ao leitor que para definir o vetor transportado paralelamente na˜o
se trata, em geral, de repetir-se os valores dos componentes mais sim de estipular-se a regra
segundo a qual estes componentes devem variar. Caso variem segundo a regra, o novo vetor
sera´ dito “ideˆntico” ao original.
Sejam enta˜o P e P ′ pontos infinitesimalmente pro´ximos na variedade. Em um sistema
de coordenadas pre´-estabelecido, o ponto P tem coordenadas xµp , enquanto que o ponto P
′
tem coordenadas xµp + dx
µ. Definimos um vetor em P atrave´s de seus componentes V µ(P ).
Dizemos enta˜o que V µ(P ′), definidos em P ′, sa˜o os componentes daquele vetor transportado
inalterado ate´ P se
V µ(xp + dx) = V
µ(xp)− Γµαβ(xp) V α(xp) dxβ . (1.5)
Note-se da relac¸a˜o acima que para construir em P ′ um vetor ideˆntico ao original, em P ,
na˜o basta conhecer apenas os componentes em P , bem como os incrementos de P a` P ′, dxµ.
Ha´ um terceiro elemento, aqui representado por Γ. Introduz-se assim a noc¸a˜o de Conexa˜o,
que e´ o campo por meio do qual a noc¸a˜o de paralelismo esta´ definida. Na variedade riemanniana
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1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante 18
a conexa˜o e´, por construc¸a˜o, sime´trica em seus ı´ndices inferiores
Γµλβ = Γ
µ
βλ. (1.6)
A variac¸a˜o dos componentes na˜o e´ independente do sistema de coordenadas adotado. Exem-
plo noto´rio e´ aquele apresentado na figura (1.1) anterior, no qual ha´ variac¸a˜o dos componentes
no sistema polar enquanto que na˜o ha´ no sistema cartesiano. Contudo, uma noc¸a˜o deve per-
manecer inalterada: se o vetor em P ′ e´ o transportado a partir de P em um sistema de
coordenadas, enta˜o o mesmo sera´ verdade em qualquer outro sistema de coordenadas. Para
traduzir isto em uma condic¸a˜o matema´tica note-se que
V µ(x+ dx) = V µ(x) + V µ,β dx
β .
Juntando-se a igualdade acima com (1.5) tem-se
(
V µ,β − Γµαβ V α
)
dxβ = 0 .
Denotando
V µ;λ = V
µ
,λ − ΓµλβV β ,
vira´ que a condic¸a˜o anterior se escreve como
V µ;β dx
β = 0 . (1.7)
Esta e´ a condic¸a˜o procurada, devendo cumprir-se em qualquer sistema de coordenadas
adotado. Sem expor de modo apropriado os detalhes, isto significa dizer que, matematicamente,
V µ;β e´ um tensor de segunda ordem misto. Assim, ao efetuar-se uma transformac¸a˜o de
coordenadas
xµ =⇒ x¯σ = x¯σ(xµ) , (1.8)
tais objetos se transformam como
V µ;β =⇒ V¯ λ;σ¯ =
∂x¯λ
∂xµ
∂xβ
∂x¯σ
V µ;β . (1.9)
Da´ı se deduz que, mediante a mesma transformac¸a˜o de coordenadas, a conexa˜o se transforma
segundo a lei
Γαµν =⇒ Γ¯βσλ =
∂x¯β
∂xα
∂xµ
∂x¯σ
∂xν
∂x¯λ
Γαµν +
∂2x¯β
∂xµ∂xν
∂xµ
∂x¯σ
∂xν
∂x¯λ
. (1.10)
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1.2 Transporte paralelo, conexa˜o e derivada covariante 19
Com o aux´ılio da conexa˜o define-se enta˜o a derivac¸a˜o covariante, a qual sera´ denotada
por “ ; ”, que age sobre tensores de uma dada ordem p produzindo um novo tensor de ordem
p+ 1. Sucintamente temos que
• A derivada covariante de um escalar ϕ e´ o vetor
ϕ ;ν = ϕ ,ν (1.11)
• A derivada covariante de um vetor Uµ (ou Uµ) e´ o tensor de segunda ordem
Uµ;λ = U
µ
,λ − ΓµλβUβ Uµ;λ = Uµ,λ + ΓβµλUβ (1.12)
• A derivada covariante de um tensor de segunda ordem T µν (ou Tµν , ou ainda T µν ) e´
o tensor de terceira ordem
T µν ;λ = T
µν
,λ − ΓµλβT βν − ΓνλβT µβ Tµν;λ = Tµν,λ + ΓβµλTβν + ΓβνλTµβ (1.13)
T µν;λ = T
µ
ν,λ − ΓµλβT βν + ΓβλνT µβ
Assim por diante, para os tensores de ordem superior a 2.
A derivada covariante obedece a` regra do produto ou regra de Leibniz.
Da noc¸a˜o de derivada covariante segue automaticamente que o vetor paralelamente trans-
portado de dxλ, conforme (1.7), e´ aquele que sofreu uma “taxa de variac¸a˜o” covariante nula.
A outra caracter´ıstica fundamental da variedade riemanniana, ale´m de (1.6), e´ que a me´trica
possui derivada covariante nula:
gµν;λ = 0 . (1.14)
Da´ı se mostra que a conexa˜o e´ plenamente determinada pelo tensor me´trico, sendo dada
por
Γµλβ = −
1
2
gµσ (gσλ,β + gσβ,λ − gλβ,σ) , (1.15)
ou seja, e´ a me´trica quem determina a noc¸a˜o de paralelismo.
Outra decorreˆncia importante e´ que a me´trica “entra” e “sai” da derivada covariante como
se fosse uma constante. Por exemplo
gµν V
λ
;σ =
(
gµνV
λ
)
;σ
.
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1.3 Planura local 20
1.3 Planura local
Uma importante caracter´ıstica em variedades riemannianas e´ a chamada planura local.
Matematicamente esta propriedade e´ expressa pela possibilidade de sempre se anular a conexa˜o
em um dado ponto P da variedade. Isto significa dizer que localmente, a variedade rieman-
niana curva “se assemelha” a uma variedade plana (por exemplo o Rn, se a variedade for n
dimensional), sendo a me´trica localmente constante.
Sejam, enta˜o, {xµp} as coordenadas de P no sistema de coordenada {xµ} e Γλαβ(xp) o
valor da conexa˜o em P , neste sistema de coordenadas. Define-se agora um novo sistema de
coordenadas nas vizinhanc¸as de P , por
xµ =⇒ x¯σ = (xσ − xσp) +
1
2
Qσαβ (x
α − xαp )(xβ − xβp ) , (1.16)
sendo Qσαβ = Q
σ
βα um conjunto de coeficientes constantes a serem fixados. Note-se que no
novo sistema o ponto P e´ a origem, isto e´, {x¯σp = 0}.
(
∂x¯σ
∂xµ
)
xp
= δσµ +Q
σ
µβ(x
β − xβp )
(
∂2x¯σ
∂xµ∂xν
)
xp
= Qσµν
Tomando-se (1.10) e calculando a nova conexa˜o exatamente no ponto P , vira´
Γ¯βσλ(0) = Γ
β
σλ(xp) +Q
β
σλ .
Podemos enta˜o escolher os coeficientes
Qβσλ = −Γβσλ(xp) ,
de modo que,
Γ¯βσλ(0) = 0 (1.17)
Provamos assim o teorema da planura local.
Uma consequeˆncia da planura local e´ que, em uma vizinhnc¸a de P , no sistema de coorde-
nadas x¯ assim definido,
V¯ λ;µ(0) = V¯
λ
,µ(0) (1.18)
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1.4 Geode´sica 21
Como a variedade e´, por hipo´tese, riemanniana vira´ que (1.14) reduz-se a`
g¯µν,λ(0) = 0 (1.19)
Deste modo, se g0µν e´ o valor de g¯µν em P , para pontos em uma vizinhanc¸a de P
poderemos escrever
g¯µν(x¯) = g
0
µν + g¯µν,λ(0)x¯
λ +
1
2
g¯µν,λ,σ(0)x¯
σx¯λ + · · ·
Como o termo linear tem coeficiente nulo, conforme (1.19)
g¯µν(x¯) = g
0
µν +
1
2
g¯µν,λ,σ(P )x¯
σx¯λ + · · ·
Sendo a vizinhanc¸a considerada suficientemente pequena de modo que desprezamos termos
de segunda ordem nas coordenadas, enta˜o
g¯µν(x¯) ≈ g0µν , (1.20)
nesta vizinhanc¸a centrada em P .
1.4 Geode´sica
Ha´ um tipo especial de curva em uma veriedade riemanniana que e´ a geode´sica. Esta e´
identificada como a curva cujo vetor tangente em cada ponto e´ aquele paralelamente transpor-
tado a partir do seu valor em um ponto anterior da curva. Isto equivale a dizer se xµ = xµ(τ)
e´ a curva e
Uµ =
dxµ
dτ
,
e´ o vetor tangente em um dado ponto,enta˜o2
Uµ;νU
ν = 0 , (1.21)
deve se cumprir.
Explicitamente esta se escreve como
d2xµ
dτ 2
− Γµνσ
dxν
dτ
dxσ
dτ
= 0 (1.22)
2A definic¸a˜o mais geral e´ Uµ ;νU
ν = λUµ. Esta pode ser sempre reduzida a forma (1.21) escolhendo-se o
paraˆmetro sobre a curva.
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 22
Na variedade riemanniana esta e´ a mesma curva que se obte´m de se extremizar o intervalo.
Com efeito, dados pontos P e Q na veriedade e definindo
S =
∫ Q
P
ds =
∫ Q
P
√
gµνdxµdxν , (1.23)
enta˜o δS = 0 implica, pelo princ´ıpio variacional, na equac¸a˜o da geode´sica.
1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I
E´ instrutivo a esta altura exibir-se uma situac¸a˜o concreta que ilustre, ainda que parcial-
mente, os conceitos matema´ticos introduzidos ate´ o momento. Consideremos o plano eulcide-
ano R2 bem como a superf´ıcie da esfera de raio unita´rio (a qual se desgina por S2). Ambos
sa˜o exemplos de variedades riemannianas bidimensionais.
Comecemos pelo plano. A distaˆncia entre dois pontos vizinhos e´ dada, em coordenadas
cartesianas, por
ds2(x, y)
∣∣
R2 = dx
2 + dy2 ,
o que implica, de acordo com (1.1), em
{gij(x, y)} =
(
1 0
0 1
)
.
De acordo com (1.15) tem-se enta˜o que
Γi jk(x, y)
∣∣
R2 = 0 .
A geode´sica (1.22) e´ dada por
d2x
ds2
= 0 , e
d2y
ds2
= 0 ,
o que representa uma reta.
Esta na˜o e´, contudo, a u´nica maneira de caracterizar a me´trica e a conexa˜o no plano
euclideano. Usando, alternativamente, coordenadas polares{
x = r cos ϕ
y = r sen ϕ
,
ter-se-´ıa
ds2(r, ϕ)
∣∣
R2 = dr
2 + r2dϕ2 , (1.24)
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 23
o que implica, de acordo com (1.1), em
{gij(r, ϕ)}|R2 =
(
1 0
0 r2
)
. (1.25)
 
P 
• 
 x
 
 y
 
 A 
φ
 
r
 
P 
• 
 • 
 B 
 • 
Figura 1.2: O mesmo ponto P descrito em dois poss´ıveis sistemas de coordenadas: (A) no cartesiano e (B)
no polar.
Os componentes na˜o nulos de conexa˜o agora seriam
Γ122(r, ϕ)
∣∣
R2 = r e Γ
2
12(r, ϕ)
∣∣
R2 = −
1
r
. (1.26)
A geode´sica por sua vez seria dada pelas equac¸o˜es
d2r
ds2
− rdϕ
ds
2
e
d2ϕ
ds2
+
2
r
dϕ
ds
dr
ds
= 0 (1.27)
Note-se que a geode´sica ainda e´ a reta. A me´trica ainda e´ a euclideana. Apenas o sistema
de coordenadas pode estar mascarando suas caracter´ısticas geome´tricas mais o´bvias. Diz-se
enta˜o que a me´trica eulcideana esta em um mal sistema de coordenadas.
Seja agora o caso do S2. Como atribuir uma noc¸a˜o de distaˆncia e paralelismo sobre tal
variedade? O verdadeiro esp´ırito da geometria diferencial e´ de que na˜o ha´ um modo pre´-
definido de fazeˆ-lo. A rigor, mesmo no caso do R2, embora parec¸a intuitivo, a noc¸a˜o de
distaˆncia e paralelismo foram dadas a priori. Para atribuir, enta˜o, uma distaˆncia entre pontos
infinitesimalmente pro´ximos, podemos partir da noc¸a˜o intuitiva de distaˆncia no R3,
ds23 = dx
2 + dy2 + dz2 ,
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 24
e enta˜o fixar que os pontos envolvidos sa˜o pertencentes a superf´ıcie da esfera. Faz-se isso
impondo o v´ınculo
x2 + y2 + z2 = 1 ,
o que nos permite expressar, por exemplo, z = z(x, y) e dz = dz(x, y, dx, dy). Apo´s os devidos
ca´lculos tem-se enta˜o
ds2(x, y)
∣∣
S2 =
(
1 +
x2
1− x2 − y2
)
dx2 + 2
xy
1− x2 − y2 dx dy +
(
1 +
y2
1− x2 − y2
)
dy2 ,
Deste modo,
{gij(x, y)}|S2 =
(
1 + x2(1− x2 − y2)−1 xy(1− x2 − y2)−1
xy(1− x2 − y2)−1 1 + y2(1− x2 − y2)−1
)
.
Poder-se-´ıa seguir em frente, calculando a conexa˜o e estabelecendo a equac¸a˜o da geode´sica.
Pore´m, o que se quer evidenciar, desde ja´, e´ que o sistema cartesiano e´ um mal sistema de
coordenadas sobre S2.
Um sistema mais apropriado poderia ser obtido partindo-se das coordenadas esfe´ricas de
R3. Pode-se enta˜o dizer que os pontos de S2 sa˜o o subconjunto do R3 que, neste sistema,
tem coordenadas (1, θ, ϕ)3. Assim, fazendo

x = senθ cosϕ
y = senθ senϕ
z = cosθ
,
vira´
ds2(θ, ϕ)
∣∣
S2 = dθ
2 + sen2θ dϕ2 .
Deste modo,
{gij(θ, ϕ)}|S2 =
(
1 0
0 sen2θ
)
.
Conforme ilustrado na figura (1.3), veˆ-se que um comprimento linear medido ao longo dos
meridianos que passam pelo polo norte coincidem com a medida de θ (ja´ que o raio e´ unita´rio).
Para efeito da comparac¸a˜o que se ira´ fazer adiante, e´ conveniente chamar θ de r, sendo r a
distaˆncia linear medida sobre a superf´ıcie ao longo dos referidos meridianos. Assim tem-se
ds2(r, ϕ)
∣∣
S2 = dr
2 + sen2r dϕ2 , (1.28)
3A rigor tais coordenadas na˜o permitem descrever de forma un´ıvoca os polos. As complicac¸o˜es da´ı decorrentes
na˜o sa˜o, por hora, relevantes em nossa discussa˜o.
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 25
 
 y φ 
θ 
x 
 z 
 y 
• 
• 
φ 
r 
 • z 
P 
P 
1 
1 
r = θ 
B A 
 x 
Figura 1.3: (A): os aˆngulos polar e azimutal associados a`s coordenadas esfe´ricas sa˜o igualmente coordenadas
para os pontos de S2. (B): representac¸a˜o dos pontos do hemisfe´rio norte de S2, conforme visto a partir do
polo norte, em termos das coordenadas (r, ϕ) .
e
{gij(r, ϕ)}|S2 =
(
1 0
0 sen2r
)
. (1.29)
Calculando-se enta˜o conexo˜es e exibindo a equac¸a˜o da geode´sica, tem-se
Γ122(r, ϕ)
∣∣
S2 = senr cosr , Γ
2
12(r, ϕ)
∣∣
S2 = −cotg r . (1.30)
e
d2r
ds2
− senr cosr dϕ
ds
2
,
d2ϕ
ds2
+ 2cotg r
dϕ
ds
dr
ds
= 0 . (1.31)
A questa˜o que se quer agora investigar e´ a seguinte: Imagine-se um ser bidimensional,
centrado seja na origem R2, seja no polo norte de S2. Este ser resolve enta˜o definir coordenadas
polares e nelas proceder ao estudo da geometria do ambiente em que vive. Observando-se as
semelhanc¸as entre as figuras (1.2-B) e (1.3-B) parecera´ dif´ıcil dizer se o ambiente e´ o R2 ou
o S2. Contudo, embora bidimensionais, tais variedades sa˜o intrinsecamente distintas e suas
propriedades geome´tricas podem evidenciar isto. Comparando, por exemplo (1.24) e (1.28) veˆ-
se que possuem noc¸o˜es distintas de distaˆncia. Comparando (1.27) e (1.31) veˆ-se que possuem
geode´sicas igualmente distintas4. Mas como o referido ser bidimensional iria saber a natureza
do ambiente em que vive? Seria preciso que ele se afastasse o suficiente de sua vizinhanc¸a inicial
para que as discrepaˆncias entre as geometrias do R2 e do S2 se revelassem. Ironicamente, a
4No caso de S2 as geode´sicas sa˜o os c´ırculos ma´ximos. Uma forma ra´pida de se ver isto consiste em notar
que qualquer meridiano r = a0s + b0 e ϕ = ϕ0 e´ soluc¸a˜o de (1.31). O equador r = pi/2 e ϕ = a¯s + b¯
tambe´m o e´. Qualquer outro paralelo na˜o e´.
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 26
pro´pria civilizac¸a˜o ja´ se viu diante deste problema, na˜o sendo capaz de decidir se a Terra era um
plano ou uma superf´ıcie esfe´rica (na˜o somos afinal ta˜o diferentes dos seres bidimensionais). A
origem da dificuldade em distinguir R2 de S2 na vizinhanc¸a de um dado ponto e´ evidente: o
pedac¸o de calota esfe´rica centrada em um ponto se confunde com o plano tangente a` superf´ıcie
naquele ponto.
Matematicamente a dificuldade em distinguir localmente as duas variedades deve-se ao
teorema da planura local, ja´ demonstrado. Com efeito, expandindo
senr = r− r
3
3!
+
r5
5!
+ ... , cosr = 1− r
2
2!
+
r4
4!
+ ...
e tomando apenas pontos de S2 na vizinhac¸a do polo norte (r2 << r), enta˜o
senr ≈ r, cosr ≈ 1 .
Da´ı tem-se, de acordo com (1.24) e (1.28), neste domı´nio,
ds2(r, ϕ)
∣∣
S2 ≈ ds
2(r, ϕ)
∣∣
R2 (1.32)
Para as conexo˜es tem-se, a partir de (1.26) e (1.30), nesta vizinhanc¸a,
Γi jk(r, ϕ)
∣∣
S2 ≈ Γ
i
jk(r, ϕ)
∣∣
R2 , (1.33)
o que ainda na˜o e´ o resultado (1.17). Pore´m isto ja´ nos diz que a noc¸a˜o de paralelismo nesta
vizinhanc¸a e´ aproximadamente a mesma do R2. Para anular-se completamente a conexa˜o
nesta vizinhanc¸a seria necessa´rio retornar ao sistema cartesiano, que seria um bom sistema
neste domı´nio “quase plano”.
Apesar da semelhanc¸a entre as noc¸o˜es de paralelismo em uma vizinhanc¸a de S2 e de R2,
e´ de se esperar que suas propriedades geome´tricas sejam distintas em aspectos essenciais. Para
evidenciar tais diferenc¸as essenciais e´ necessa´rio afastar-se da vizinhanc¸a do ponto conside-
rado. Na figura (1.4) ilustra-se o que ocorreria ao transportar-se paralelamente um vetor U
inicialmente definido no polo norte ate´ um ponto p sobre o equador. Em (1.4-A) o vetor e´
transportado paralelamente ao longo de um meridiano que leva ate´ ao equador e em seguida
transportado sobre o equador ate´ p, resultando da´ı o vetor U ′. Em (1.4-B) o mesmo vetor
U e´ transportado paralelamente ao longo de outro meridiano diretamente ate´ o equador em
p, resultando da´ı o vetor U ′′. Em (1.4-C) compara-se em p, os dois vetores U ′ e U ′′.
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1.5 O plano e a superf´ıcie da esfera I 27
A B C 
U 
U´´ 
U´ U´ 
U´´ 
U U 
p p p 
Figura 1.4: Um vetor U e´ transportado paralelamente desde o polo norte ate´ um ponto p sobre o equador,
por dois caminhos.
Observe-se que em todas as situac¸o˜es ilustradas o transporte foi efetuado sobre geode´sicas, isto
e´, seguindo o menor caminho entre dois pontos da variedade.
A questa˜o agora e´: qual dos dois e´ o verdadeiro paralelo a U? A resposta e´ ambos o
sa˜o. Em realidade, haveria uma infinidade de vetores paralelos a U em p, um para cada
caminho que liga o polo norte a p. Esta propriedade nada comum e´ que nos permite introduzir
a noc¸a˜o de curvatura. A variedade S2 assim posta e´ um exemplo de variedade riemanniana
bidimensional, com curvatura constante. Adiante se voltara´ a este exemplo para exibir o
ca´lculo da curvatura S2 e compara´-la com a de R2 (que e´ nula).
Algumas importantes lic¸o˜es devem ser tiradas do presente exemplo. A geometria (bem
como a f´ısica) esta´ alicerc¸ada em noc¸o˜es e relac¸o˜es que lhes sa˜o intr´ınsecas. Isto significa que
o sistema de coordenadas adotado para descric¸a˜o do lugar geome´trico (ou do sistema f´ısico) e´
uma mera escolha de representac¸a˜o dos objetos que se quer descrever. Ao mesmo tempo, na
medida em que a variedade (bem como um sistema f´ısico espec´ıfico) apresente alguma simetria
que lhe e´ intr´ınseca, sempre havera´ um sistema de coordenadas que melhor evidencia isto. Neste
sentido, apenas, se poderia atribuir a ele a qualidade de “prefereˆncial”. Ainda que localmente
duas variedades intrinsecamente distintas possam se assemelhar, ha´ aspectos essenciais que as
distingue no tocante a suas propriedades geome´tricas.
A situac¸a˜o na TRG e´, certamente, menos intuitiva por algumas razo˜es:
• A variedade e´ quadridimensional, sendo o tempo a quarta dimensa˜o.
• A me´trica na˜o e´ positivo definida, possibilitando vetores de norma >, < ou = 0, o
que na˜o possui ana´logo no exemplo ilustrado acima.
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1.6 Curvatura 28
1.6 Curvatura
Na˜o e´ necessa´rio deslocar-se vetores ao longo de percursos finitos (como foi ilustrado na
figura (1.4)) para se ter evideˆncias da curvatura. Na verdade, dado um vetor Uµ, definido
em A = {xµ}, podemos transporta´-lo paralelamente ate´ um ponto vizinho B = {xµ +
dxµ} seguindo uma direc¸a˜o c1 dada. Da´ı enta˜o o transporta´-lo paralelamente ate´ D =
{xµ + dxµ + δxµ} seguindo a direc¸a˜o c2, obtendo enta˜o um vetor resultante pelo caminho
ABD, conforme a situac¸a˜o ilustrada na figura (1.5 - I). Alternativamente transportamos o
vetor original primeiramente ate´ C = {xµ + δxµ} pelo caminho c2 e enta˜o o transportamos
ate´ D por c1, obtendo o vetor resultante pelo caminho ACD (conforme ilustrado na figura
(1.5 - II). Se o vetor e transportado por diferentes caminhos resulta em diferentes vetores,
conforme ilustrado na figura (1.5 - III), diz-se que esta e´ uma variedade com curvatura. Se
por outro lado, o vetor trasportado por diferentes caminhos sempre resultar no mesmo vetor
diz-se que e´ uma variedade plana.
 
A 
C 
B 
D 
 • 
 • 
 • 
 • 
U 
U1 
I 
 A 
C 
B 
 • 
 • 
 • 
 • 
U 
U1 
U2 
II 
D 
A=(x) 
C= (x+δx) 
B=(x+dx) 
 =(x+dx+δx) 
 • 
 • 
 • 
 • 
U U2 U1 
III 
Figura 1.5: Um vetor U e´ transportado paralelamente de A a D por caminhos alternados.
A medida desta discrepaˆncia e´ dada pelo comutador da derivada covariante do vetor. Apo´s
os devidos ca´lculos encontramos
Uµ;α;β − Uµ;β;α = −Rµναβ Uν , (1.34)
sendo que
Rµναβ = Γ
µ
να,β − Γµνβ,α + ΓµασΓσνβ − ΓµβσΓσνα (1.35)
sa˜o os componentes do tensor de Riemann ou tensor de Curvatura.
Possuir ou na˜o curvatura e´ uma propriedade intr´ınseca da variedade. Se a variedade for
plana, a nulidade da curvatura estara´ evidenciada em qualquer sistema de coordenadas. Se,
por outro lado, for curva, sua curvatura se manifestara´ seja qual for o sistema de coordenadas.
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1.6 Curvatura 29
Sob transformac¸a˜o de coordenadas (1.8) seus componentes se transformam como
Rα γµν =⇒ R¯β ρσλ =
∂x¯β
∂xα
∂xγ
∂x¯ρ
∂xµ
∂x¯σ
∂xν
∂x¯λ
Rα γµν , (1.36)
o que significa dizer que o tensor de curvatura e´ de quarta ordem.
1.6.1 Simetrias do tensor de Riemann
O tensor de curvatura definido em uma variedade de espac¸o-tempo riemanniana quadridi-
mensional possui simetrias que reduzem consideravelmente seus 44 = 256 componentes a uns
poucos componentes independentes. Tais simetrias sa˜o a c´ıclica
Rµναβ +Rµαβν +Rµβνα = 0 , (1.37)
as antissimetrias nos primeiro e segundo pares
Rµναβ = −Rνµαβ , Rµναβ = −Rµνβα , (1.38)
e a simetria pela troca de pares
Rµναβ = Rαβµν . (1.39)
Em uma veriedade quadridimensional como e´ o espac¸o-tempo da TRG o tensor de Riemann
possui um total 20 componentes independentes, devido a`s suas simetrias. Pode-se lista´-las
como
R0101 , R0102 , R0103 , R0112 , R0113 , R0123 ,
R0202 , R0203 , R0212 , R0213 , R0223 ,
R0303 , R0312 , R0313 , R0323 ,
R1212 , R1213 , R1223 ,
R1313 , R1323 ,
R2323 .
Sublinhamos a componente R0312 para indicar que esta deve ser exclu´ıda da lista, uma vez
que pode ser obtida como
R0312 = −R0123 −R0231 ,
em virtude das propriedades de simetria (1.37) e (1.38).
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1.6 Curvatura 30
1.6.2 Trac¸os do tensor de Riemann
Qualquer trac¸o simples do tensor de Riemann resulta nulo ou proporcional ao tensor de
segunda ordem
Rνβ = R
µ
νµβ = g
µαRµναβ . (1.40)
Este e´ o tensor de Ricci, sime´trico por construc¸a˜o:
Rνβ = Rβν . (1.41)
Como o tensor de Ricci e´ sime´trico temos um duplo trac¸o na˜o nulo do tensor de Riemann,
que e´ o e escalar de curvatura ou escalar de Ricci:
R = Rνν = g
νβRνβ . (1.42)
1.6.3 Identidade de Bianchi e tensor de Einstein
Uma importante propriedade associada ao tensor de curvatura em uma variedade

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