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EVOLU<;AO HISTORICA DO ESTADO 28. A verificac;ao da evoluc;ao hist6rica do Estado significa ,a fixac;ao das formas fundamentais que 0 Estado tern adotad~ at~aves dos seculos. Esse estudo nao visa a satisfac;ao de mera cunosldade em relac;ao a evoluc;ao,mas contribuira para a busca de uma tipificac;ao do Estado, bem como para a descoberta de movimento_s constantes, dando urn apoio valioso, em ultima analise, a formulac;a? da~ proba- bilidades quanto a evoluc;ao futura do Est~do. Como .fO!~Ul:O bem ressaltado por ADERSONDEMENEZES,os tlPOSestatals nao tern urn curso uniforme, muitas vezes exercendo influencia em perfodos des- contfnuos. Nao se pode, assim, dispor cronologicamente, em ordem sucessiva apoiada na Hist6ria, os exemplares de Estado que ten~am realmente existido uns ap6&os outros5? Habitualmente, para efeltos didaticos, faz-se a diferenciac;ao entre divers as epocas da hist6ria da Humanidade em sucessao cronol6gica, evidenciando as caracterfs- ticas do Estacto em cada epoca. Isso, entretanto, deve ser feito para melhor compreensao do Estado contemporaneo, servindo ainda como um processo auxiliar para uma futura fixac;ao de tipos de Estados. sera realmente possfvel, com objetividade, 0 estabelecimento de tipos de Estados? Essa possibilidade foi demonstrada por JELUNEK,.cons- tituindo alias uma de suas principais contribuic;6es para a Teona Ge- ral do Estado'. Seu ponto de partida e que todo fato hist6rico, todo fenomeno social oferecem, alem de sua semelhanc;a com outros, um elemento individual que os diferencia dos demais, por mais analogos que sejam. Dentro da variedade das coisas h~m~n~s h~ algo de p:rma- nente e independente das particularidades llldlVldu~lS. Por met?d~s cientfficos e possfvel isolar, sem perder a noc;aode umdade e contlllm- dade, certos fenomenos sociais ou ainda alguns de seus aspectos parti- culares. Mediante esse isolamento consegue-se excluir grande parte do individual e, relacionando-se 0 particular com 0 geral, faz-se ressaltar este ultimo. Por esse mesmo criterio, pode-se procurar, de infcio, 0 conhecimento dos Estados particulares, descrevendo suas singularida- des, tanto por seus aspectos hist6rico-poHticos, quanta pelos jurfdicos. Mas um Estado particular nao e, em qualquer sentido, urn fenomeno isolado, mas, de maneira mais ou menos consciente, influfram sobre ele as relac;6es atuais e preteritas dos demais Estados, ou seja, a evoluc;ao total das instituic;6es dos Estados. E 0 problema de uma teoria geral do Estado consiste, justamente, em buscar os elementos tfpicos nos feno- menos do Estado e as relac;6es em que se encontram. A respeito da noc;ao de tipos, JELLlNEKe bastante expHcito, di- zendo que 0 conceito de tipo se pode compreender com 0 sentido de ser a expressCio da mais perreita essencia do genero. Pode-se procu- rar urn tipo ideal, com valor essencialmente teleol6gico, significan- do a busca do melhor dos tipos, bem como 0 estabelecimento de urn padrao, para medir 0 valor das instituic;6es existentes num determi- nado momento. Os tipos ideais podem ser 0 produto da livre especu- lac;ao, como as utopias, ou podem consistir numa sfntese de aspec- Loscolhidos no plano da realidade, pelo exame dos Estados que tern ou tiveram existencia real. Bern diferentes sac os tipos empiricos, a que se pode chegar tomando urn certo numero de casos individuais, comparando-os sob certo ponto de vista, em algo que e comum a lodos eles, obtendo-se uma imagem tfpica. 0 tipo empfrico signifi- ca, tao-s6, a unificac;ao de notas entre os fenomenos, unificac;ao que depende do ponto de vista em que se coloque 0 investigador. A base dc toda a tipologia e que situac;6es sociais analogas, analogo desen- volvimento hist6rico e condic;6es exteriores analog as produzem ana- logas formac;6es poHticas58. Nao nos pal'ece adequado, neste momen- 58. GEORGJELLINEK,Teoria General del Estado, pags. 22 a 30. Em 0 Direito ,'Ii/I/OExperiencia, MIGUELREALEprop5e a aplica<;ao da teoria dos modelos ao cam- po do Direito, escJarecendo que "a compreensao da experiencia juridica em termos tI • modelos e de uma estrutura normativa que ordenafatos segundo valores, numa 'IIIlilificGl;iio tipol6gica de comportamentos futuros, a que se ligam determ.inadas "IJI/seqiiencias" (Ensaio VII, pag. 162). Essa qllalifica<;ao tipol6gica, se puder ser "'lIIscguida, interessara fundamental mente 11Teoria Geral do Estado. Nao sera facil I IIl:gar a ela, mas a simples tentativa ja trara beneficios, sendo provavel que dentro ,I,. ;dgllllS anos ja existam conclus6es nesse sentido. ~. .. . '. to, procurar-se a fixa<;ao de tipos de Estado, mas vamos colher os elementos necessarios para que mais tarde isso seja feito. Procuremos, pois, fixar as caracterfsticas fundamentais do Es- tado, em suas formas mais diferen<;adas, como uma prepara<;ao para conhecermos melhor 0 presente e conjeturarmos com mais seguran- <;asobre 0 futuro do Estado. 29. Com pequenas varia<;oes, os autores que trataram deste as- sunto adotaram uma sequencia crono16gica, compreendendo as se- guintes fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno. Fa<;amos, primeiramente, 0 estudo se- gundo essa diretriz, tratando, em seguida, de outras orienta<;oes que apontam novas perspectivas para exame do tema. Com a designa<;ao de Estado Antigo, Oriental ou Teocratico, os autores se referem as formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas come<;avam a definir-se entre as antigas civiliza<;oes do Orien- te propriamente dito ou do Mediterraneo. Conforme a observa<;ao de GETTEL,a famflia, a religiao, 0 Estado, a organiza<;ao economica formavam urn conjunto confuso, sem diferencia<;ao aparente. Em con- sequencia, nao se distingue 0 pensamento politico da religiao, da moral, da filosofia ou das doutrinas economicas59• Hli, entretanto, duas marcas fundamentais, caracteristicas do Estado desse periodo: a natureza unitaria e a religiosidade. Quanto a primeira, verifica-se que 0 Estado Antigo sempre aparece como uma unidade geral, nao admitindo qualquer divisao interior, nem territorial, nem de fun<;oes.A ideia da natureza unitaria e permanente, persistin- do durante toda a evolu<;ao politica da Antiguidade. Quanto a presen- <;ado fator religioso, e tao marc ante que muitos autores entendem que 0 Estado desse perfodo pode ser qualificado como Estado Teocratico. A influencia predominante foi religiosa, afirmando-se a autoridade dos governantes e as normas de comportamento indivi- dual e coletivo como express6es da vontade de urn poder divino. Essa teocracia60 significa, de maneira geral, que hli uma estreita rela<;ao entre 0 Estado e a divindade, podendo-se, entretanto, apontar a exis- tencia de duas formas diferentes, conforme a distin<;ao muito bem lembrada por JELLINEK:a) em certos casos, 0 governo e unipessoal e o go~ernante e considerado urn representante do poder divino, con- fundllldo-se, as vezes, com a pr6pria divindade. A vontade do governante e sempre semelhante a da divindade, dando-se ao Estado urn carater de objeto, submetido a urn poder estranho e superior a ele; b) em outros casos, 0 poder do governante e limitado pela vontade da divindade, cujo veiculo, pOl'em, e urn 6rgao especial: a classe sacer- dotal. Hli uma convivencia de dois poderes, urn humane e urn divino, variando a influencia deste, segundo circunstancias de tempo e lu- gar61• Embora seja comum a referencia ao Estado Grego, na verdade nao se tern noticia da existencia de urn Estado unico, englobando toda a civiliza<;aohelenica. Nao obstante, pode-se falar genericamente no Estado Grego pela verifica<;ao de certas caracteristicas fundamen- tais; ~omuns a todos os Estados que floresceram entre os povos helelllcos. Realmente, embora houvesse diferen<;as profundas entre os costumes adotados em Atenas e Esparta, dois dos principais Esta- dos gregos, a concep<;ao de ambos como sociedade politica era bem semelhante,0 que permite a generaliza<;ao. A caracteristica funda- mental e a cidade-Estado, ou seja, a polis, como a sociedade politica dc maior expressao. 0 ideal visado era a auto-suficiencia, a autarquia, dlzendo ARISTOTELESque "a sociedade constitufda por diversos pe- 60. A palavra teocracia foi criada pelo historiador Josephus, segundo JELLINEK ('/i·orfa General del Estado, pag. 217), Trata-se de Flavius Josephus, historiador Jlldeu que viveu entre os anos 37 el 00 da era crista, tendo chegado a assumir 0 posto tic' general e obtendo grande influencia na Judeia. Josephus teve atua"ao muito im- I'tII'lante como intermediario entre romanos e judeus, tendo, no final de sua vida ''I"'IS a queda de Jerusalem no ana 70, adotado a cidadania romana, vivendo el~ 1<, 1I1lae recebendo uma pensao do Estado, Sua principal obra, Antigiiidade dos Ju- ,/,'/1.1', de carateI' hist6rico, e um reposit6rio de informa"oes sobre a vida do povo IlItll'Uc1esdea cria"ao do mundo, encontrando-se ai as referencias a organiza"ao e a \ ItI;1de outros povos antigos. 61. GEORGJELLINEK,Teoria General del Estado, pags, 216 a 219. quenos burgos forma uma cidade completa, com todos os meios de se abastecer por si, tendo atingido, por assim dizer, 0 fim a que se propos"62. Essa no<;aode auto-suficiencia teve muita importancia na preserva<;ao do caniter de cidade-Estado, fazendo com que, mesmo quando esses Estados efetuaram conquistas e dominaram outros po- vos, nao se efetivasse expansao territorial e nao se pracurasse a integra<;ao de vencedores e vencidos numa ordem comum. No Estado Grego 0 indivfduo tern uma posi<;aopeculiar. Ra uma elite, que comp6e a elasse politic a, com intensa participa<;ao nas de- cis6es do Estado, a respeito dos assuntos de carater publico. Entre- tanto, nas rela<;6es de carater privado a autonomia da vontade indivi- dual e bastante restrita. Assim, pois, mesmo quando 0 governo era tido como democratico, isto significava que uma faixa restrita da po- pula<;ao - os cidadaos - e que participava das decis6es politicas, 0 que tambem influiu para a manuten<;ao das caracterfsticas de cidade- Estado, pois a amplia<;ao excessiva tornaria inviavel a manuten<;ao do contrale por urn pequeno numero. Pode parecer por demais artificial falar-se num Estado Romano como coisa bem caracterizada e uniforme, sabendo-se que ele teve infcio com urn pequeno agrupamento humano, experimentou varias formas de governo, expandiu seu domfnio por uma grande extensao do mundo, atingindo povos de costumes e organiza<;6es absolutamente dfspares, chegando a aspira<;ao de constituir urn imperio mundial. Apesar do longo tempo decorrido e do extraordinario vulto das conquistas, Roma sempre manteve as caracterfsticas basicas de cida- de-Estado, desde sua funda<;ao, em 754 a.C., ate a morte de Justiniano, em 565 da era crista. 0 domfnio sobre uma grande extensao territorial e sobretudo 0 cristianismo iriam determinar a supera<;ao da cidade- Estado, promovendo 0 advento de novas formas de sociedade politi- ca, englobadas no conceito de Estado Medieval. Vma das peculiaridades mais importantes do Estado Romano e a base familiar da organiza<;ao, havendo mesmo quem sustente que 0 primitive Estado, a civitas, resultou da uniao de grupos fami- liares (as gens), razao pela qual sempre se concederam privilegios especiais aos membros das famflias patrfcias, compostas pelos des- cendentes dos fundadores do Estado. Assim como no Estado Gre- go, tambem no Estado Romano, durante muitos seculos, 0 povo participava diretamente do governo, mas a no<;aode povo era muito restrita, compreendendo apenas uma faixa estreita da popula<;ao. Como governantes supremos havia os magistrados, sendo certo que durante muito tempo as principais magistraturas foram reservadas as famflias patrfcias. Gradativamente, em longa e lenta evolu<;ao, outras camadas sociais foram adquirindo e ampliando direitos, sem que, ate 0 final, desaparecessem a base familiar e a ascendencia de uma nobreza tradicional. A par disso, verifica-se que s6 nos ultimos tempos, quan- do ja despontava a ideia de Imperio, que seria uma das marcas do Estado Medieval, foi que Roma pretendeu realizar a integra<;ao ju- rfdica dos povos conquistados, mas, mesmo assim, procurando manter urn s6lido nueleo de poder politico, que assegurasse a uni- clade e a ascendencia da Cidade de Roma. Note-se que, ainda que se lratasse de urn plebeu romano, quando este ja conquistara amplos c1ireitos, teria situa<;ao superior a de qualquer membro dos povos conquistados. Isto durou ate 0 ana de 212, quando 0 Imperador Caracala concedeu a naturaliza<;ao a todos os povos do Imperio. Numa sfntese muito feliz, GERALDODEVLHOACINTRAfaz a seguinte observa<;ao: "0 objetivo do edito de Caracala foi politico, a unifica- yao do Imperio; foi religioso, visa a aumen tar os adoradores dos deuses de Roma; foi fiscal, quer obrigar os peregrinos a pagar im- postos nas sucess6es; foi social, com vistas a simplificar e facilitar as decis6es judiciais, nos casos sobre 0 estado e constitui<;ao das pessoas"63. Essa abertura foi, na verdade, 0 come<;o do fim, pois af se iniciava uma fase de transic;ao, dinamizada com 0 Edito de Mi- lao, do ana de 313, atraves do qual Constantino assegurou a liber- dade religiosa no Imperio, desaparecendo, por influencia do cris- Iianismo, a noc;ao de superioridade dos ramanos, que fora a base da unidade do Estado Romano. 63. GERALDO DE ULHOA CrNTRA, De Statu Civitatis, pag. 54. Esse estudo, em- hora sucinto, e rico em informa"oes e contem observa"oes claras e precisas sobre a nia"ao e a evo!u"ao da cidadania romana. Muita coisa ja foi escrita sobre a Idade Media, classificada por alguns como a noite negra da historia da Humanidade e glorificada por outros como um extraordinario periodo de criat;ao, que ~re~arou os instrumentos e abriu os caminhos para que 0 mundo atmgIsse a verdadeira not;ao do universal. No plano do Estado nao ha duvida de que se trata de um dos perfodos mais diffceis, tremendamente insta- vel e heterogeneo, nao sendo tarefa das mais simples a busca das caracterfsticas de um Estado Medieval. Nao obstante, e possivel es- tabelecer a configurat;ao e os princfpios informativos das sociedades polfticas que, integrando novos fatores, quebraram. a .r~gida e bem definida organizat;ao roman a, revelando novas posSIbIlIdades e no- vas aspirat;6es, culminando no Estado Moderno. Para efeitos puramente didaticos, sem perda da consciencia de que os fatores de influencia atuaram concomitantemente, numa interat;ao continua, podem-se indicar e analisar sep~radament~ .os principais elementos que se fizeram presentes na socledade po.lItica medieval, conjugando-se para a caracterizat;ao do Estado MedIeval, que foram 0 cristianismo, as invas8es dos barbaros e 0 feudalismo. Desde logo, entretanto, e preciso ressaltar que, mesmo onde e quan- do as format;6es polfticas revelam um intenso fracionamento do po- der e uma nebulosa not;ao de autoridade, esta presente uma aspirat;ao a unidade. Pode-se mesmo dizer que, quanto maior era a fraqueza revel ada, mais acentuado se tornava 0 desejo de unidade e de fort;a, pretendendo-se caminhar para uma grande unidade polftica, que ti- vesse urn poder eficaz como 0 de Roma e que, ao mesmo tempo, fosse livre da influencia de fatores tradicionais, aceitando 0 indivi- duo como urn valor em si mesmo. o cristianismo vai ser a base da aspirat;ao a universalidade. Su- perando a ideia de que os homens valiam diferenter.nente, de acord? com a origem de cada urn, faz-se uma afirmat;ao de Igualdade, conSI- derando-se como temporariamente desgarrados os que ainda nao fos- sem cristaos. Afirma-se desde logo a unidade da Igreja, num momen- to em que nao se via claramente uma unidade polftica. Motivo~ r~li- giosos e pragmatic os levaram a conclusao de que todos os cnst~os deveriam ser integrados numa so sociedade polftica. E, como haVIa a aspirat;ao a quetoda a Humanidade se tornasse crista, era inevitavel que se chegasse a ideia do Estado universal, que incluisse todos os homens, guiados pelos mesmos princfpios e adotando as mesmas norm as de comportamento publico e particular. A propria Igreja vai estimular a afirmat;ao do Imperio como unidade polftica, pensando, obviamente, no Imperio da Cristandade. Com esse intuito e que 0 Papa Leao III confere a Carlos Magno, no ana de 800, 0 titulo de Imperador. Entretanto, dois fatores de pertur- bat;ao iriam influir nesses pIanos: em primeiro lugar, uma infinita multiplicidade de centros de poder, como os reinos, os senhorios, as comunas, as organizat;6es religiosas, as corporat;6es de offcios, to- dos ciosos de sua autoridade e sua independencia, jamais se subme- tendo, de fato, a autoridade do Imperador; em segundo lugar, 0 pro- prio Imperador recusando submeter-se a autoridade da Igreja, haven- do imperadores que pretenderam influir em assuntos eclesiasticos, bem como inumeros papas que pretenderam 0 comando, nao so dos assuntos de ordem espiritual, mas tambem de todos os assuntos de ordem temporal. Assim, pois, formal mente, a unidade polftica supe- rior e 0 Imperio, sem que haja, na pn'itica, uma autoridade e uma ordem correspondentes. A luta entre 0 Papa e 0 Imperador, que mar- caria os ultimos seculos da Idade Media, so vai terminar com 0 nasci- mento do Estado Moderno, quando se afirma a supremacia absoluta dos monarcas na ordem temporal64. 64. Ha do is fatos hist6ricos que saD bem ilustrativos dessa polemica, e que reve1am 0 senti do em que ela evoluiu. 0 primeiro fato se passa no secu10 Xl. I-Ienrique IV, Imperador da Alemanha, nomeou feudalistas eclesiasticos para bis- pados alemaes, sendo tais nomeac;6es declaradas nulas pelo Papa Greg6rio VII. 0 Imperador, inconfonnado e ofendido, convocou uma reuniao de todos os bispos alemaes, visando it deposic;ao do Sumo Pontftice. Este, inteirado daquela iniciati- va, publicou um ato de excomunhao e determinou que nenhum Estado cristao n.:conhecesse mais Henrique IV como Imperador, no que foi obedecido. Impoten- 1<;para reagir ou resistir, 0 Imperador nao teve outra safda, e, no dia 27 de janeiro do ana de 1077, fez a famosa peregrinac;ao a Canossa, nos Alpes ita1ianos, vestido d<;buri1 e com os pes nus, esperando ajoelhado na neve que 0 Papa 1he concedesse () perdao. o segundo fato se passa no seculo XlV. Reinando na Franc;a Filipe, 0 Belo, IL"vedivers as desavenc;as com 0 Papa Bonifacio VIII. De um lado, 0 Rei era acusado de cobrar impostos excessivos sobre os bens da Igreja na Franc;a. Acerbamente criti- \':,do pe10 Papa, Filipe, por sua vez, proibiu que safsse dinheiro da Franc;a para Roma \" sofreu ameac;a de excomunhao. As relac;6es eram extremamente tensas quando, "111 1301, um bispo frances foi acusado de conspirar a favor da Inglaterra, sendo I,r<;so.0 Papa Bonifacio VIII, nao acreditando na acusac;ao, pretendeu que 0 bispo I,Isse enviado aRoma parajulgamento, condenando publicamente 0 ato do monarca IIances. Mas a situac;ao ja era, entao, bem diversa daquela do secu10 XI. Fi1ipe retru- , "ll violentamente, acusando 0 Papa de interferencia em assuntos de ordem tempo- 1,i1 <;chegando mesmo a pretender que se realizasse um concflio para depo-1o. De- As invasoes das bdrbaros, iniciadas ja no seculo III e reiteradas ate 0 seculo VI, representadas por incursoes de hordas armadas pelo territorio do Imperio Romano, constitufram urn fator de grave pertur- ba<;aoe de profundas transforma<;oes na ordem estabelecida. Oriundos de varias partes da Europa, sobretudo do norte, os povos que os roma- nos denominavam barbaros e que inclufam germanos, eslavos, godos etc., introduziram novos costumes e estimularam as proprias regi5es invadidas a se afirmarem como unidades polfticas independentes, dill resultando 0 aparecimento de numerosos Estados. Ao mesmo tempo, nao obstante a a<;aoda Igreja tentando reunir os novos Estados num grande e poderoso Imperio, os povos do norte da Africa e do Oriente Medio sentiram-se tambem encorajados a fazer incursoes em solo eu- ropeu, percebendo, desde logo, que encontrariam pouca resistencia. E tudo se toma mais complicado quando se verifica que, em certas re- gioes, os povos cristaos, divididos entre si, chegam a celebrar alian<;~s com chefes barbaros, havendo tambem, em muitos casos, 0 estabelecl- mento de rela<;oes amistosas para fins economicos. Assim, por exem- plo, observa HENRIPIRENNEque desde 0 seculo IX os bizantinos, que eram cristaos, atraves de seus postos mais avan<;ados nas costas italia- nas, Napoles, Amalfi, Bari e, principalmente, Veneza;.comerciaram mais ou menos ativamente com os arabes da Sicilia, da Africa do Norte, do Egito e da Asia Menor65• Em outras regioes sempre se manteve a luta entre cristaos e nao-cristaos. Dentro desse quadro e que se encontram os fatores de transfor- ma<;ao, que, despertando aspira<;oes e criando novas condi<;oes, irao determinar as caracterfsticas do Estado Modemo. Desde logo se per- cebe que, no Estado Medieval, a ordem era sempre bastante precaria, pela improvisa<;ao das chefias, pelo abandono ou pel a transforma<;ao de padroes tradicionais, pela presen<;ade uma burocracia voraz e quase sempre todo-poderosa, pel a constante situa<;ao de guerra, e, inevita- velmente, pel a propria indefini<;ao das fronteiras polfticas. A isso tudo se acrescenta, para a caracteriza<;ao do Estado Me- dieval, a influencia dofeudalisma. Para que se compreenda a organiza- <;aofeudal e preciso ter em conta que as invasoes e as guerras intemas toma:am dificil 0 desenvolvimento do comercio. Em conseqiiencia, valonza-se enormemente a posse da terra, de onde todos, ricos ou po- bres, poderosos ou nao, deverao tirar os meios de subsistencia. Assim, pois, toda a vida social passa a depender da propriedade ou da posse da terra, desenvolvendo-se urn sistema administrativo e uma organiza<;ao militar estreitamente ligados a situa<;aopatrimonial. Vai ocorrer, sobretudo atraves de tres institutos juridicos, a con- fusao entre 0 setor publico e 0 privado. Pela vassalagem os proprieta- rios menos poderosos colocavam-se a servi<;odo senhor feudal, obri- gando-se a dar-Ihe apoio nas guerras e a entregar-Ihe uma contribui- <;aopecuniaria, recebendo em troca sua prote<;ao. Outra forma de estabelecimento de servidao era 0 beneficia, contratado entre 0 se- nhor feudal e 0 chefe de familia que nao possufsse patrimonio. Este ultimo recebia uma faixa de terra para cultivar, del a extraindo 0 sus- tento de SlJafamflia, alem de entregar ao senhor feudal uma parcela da produ<;ao. Estabelecido 0 beneficio, 0 servo era tratado como par- te inseparavel da gleba, e 0 senhor feudal adquiria, sobre ele e sua famflia, 0 direito de vida e de morte, podendo assim estabelecer as regras de seu comportamento social e privado. Por ultimo, e impor- tante considerar a imunidade, instituto pelo qual se concedia a isen- <;aode tributos as terras sujeitas ao beneficio. A vassalagem era uma rela<;aojuridica de carater pessoal, enquanto que 0 beneficio tinha 0 sentido de estabelecimento de urn direito real, mas ambos implican- do 0 reconhecimento do poder polftico do senhor feudal e contribuindo para que 0 feudo tivesse sua ordemjuridica propria, desvinculada do Estado. Em ultima analise, os proprios agentes do poder publico, li- gando 0 exercicio de suas fun<;oes a propriedade ou a posse da terra, afirmavam a independencia em rela<;ao a qualquer autoridade maior, Gmbora nominalmente integrados num Estado de dimensoes muito vastas, ainda que imprecisas66• pois de violentos ataques verbais reciprocos, publicando-se na Fran<;a ~m ~dito em que Bonifacio VIII era acusado de dissolu<;ao e de haver tram ado a renunCla de seu antecessor Celestino V, chegou-se a a<;aomais drastica. Em setembro de 1303, quando repousava no Castelo de Anagni, 0 Papa foi preso pelos soldados de Filipe, 0 Belo, comandados por Guilherme deNogaret, distribuindo-se a popula<;ao do local todos os bens do castelo. Dizendo que se submetia a autoridade do Papa em materia espi- ritual, mas que nao admitia sua intromissao em materia temporal, Filipe consentlll na liberta<;ao de Bonifacio VIII tres dias depois. Regressando aRoma, humilhado e abatido, 0 Papa morreria no mes seguinte. Era a primeira grande vit6ria do absolu- tismo, assinalando de maneira violenta a presen<;a de urn novo Estado. 65. HENRIPIRENNE,Hist6ria Econamica e Social da [dade Media, pag. 9. 66. HENRIPrRENNE ressalta com muita propriedade as decorrencias polfticas do ";II'::Iterde civilizQf;iio rural adotado pela Europa depois das invas6es barbaras (Hist6ria ''-'("(II/arnicae Social da [dade Media, pags. 13 a 17). Sobre os institutos jurfdicos medi- "vais, veja-se RODOLFODESTEFANO,Il ProbLema deL Potere, pags. 91 a 94. Conjugados os tres fatores que acabamos de analisar, 0 cristia- nismo, a invasao dos barbaros e 0 feudalismo, resulta a caracteriza- <;aodo Estado Medieval, mais como aspira<;ao do que como realida- de: urn poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontavel multiplicidade de ordens jurfdicas, compreendendo a or- dem imperial, a ordem eclesiastica, 0 direito das monarquias inferio- res, urn direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, as ordena<;oes dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Media pelas corpora<;oes de offcios. Esse quadro, como e facil de compreen- der, era causa e conseqUencia de uma permanente instabilidade polftica, economica e social, gerando uma intensa necessidade de ordem e de autoridade, que seria 0 germe de cria<;ao do Estado Moderno. apo~tadas pel~s ~e6ricos, tiveram sua defini<;ao e preserva<;ao con- vertIdas em obJetIvos do pr6prio Estad067. . 30. Quanto as notas caracterfsticas do Estado Moderno, que mUlto~ a~tores ~re~erem denominar elementos essenciais por serem t~dos ~ndlspensavels para a existencia do Estado, existe uma grande dl;ersldade ~e o.pinioes, tanto a respeito da identifica<;ao quanto do numero. Asslm e que SANTIROMANO,entendendo que apenas a sobe- rania e a territorialidade e que saDpeculiaridades do Estado indica esses dois elementos. A maioria dos autores indica tres ele~entos embora divirjam quanto a eles. De maneira geral, costuma-se men~ cionar a existencia de dois elementos materia is, 0 territ6rio e 0 povo, hav.endo grand~ variedade de opinioes sobre 0 terceiro elemento, que ~~ltOS denomlllam formal. 0 mais comum e a identifica<;ao desse ultlm? elemento com 0 poder ou alguma de suas expressoes, como auton~a?~, governo ou soberania. Para DELVECCHIO,aMm do povo e do te~ntono 0 q~e existe e 0 vfnculo jurfdico, que seria, na realidade, urn ~lst~ma?e vIDculos, pelo qual uma multidao de pessoas encontra a propr~a umdade na forma do direito. Ja DONATODONATIsustenta que o terc~l.ro elemento e a pessoa estatal, dotada de capacidade para 0 exerClClO.de .duas soberanias: uma pessoal, exercida sobre 0 povo, outra tern tonal, sobre 0 territ6rio. Com GROPPAUsurge a afirma<;ao de urn quarto elemento, que e afinalidade, parecendo-Ihe 6bvio, em As deficiencias da sociedade polftica medieval determinaram as caracterfsticas fundamentais do Estado Moderno. A aspira<;ao a anti- ga unidade do Estado Romano, jamais conseguida pelo Estado Me- dieval, iria crescer de intensidade em con seqUencia da nova distribui- <;aoda terra. Com efeito, 0 sistema feudal, compreendendo uma es- trutura economica e social de pequenos produtores individuais, cons- titufda de unidades familiares voltadas para a produ<;ao de subsisten- cia, ampliou 0 numero de proprietarios, tanto dos latifundiarios quanto dos que adquiriram 0 domfnio de areas menores. Os senhores feu- dais, pOl'seu lado, ja nao toleravam as exigencias de monarcas aven- tureiros e de circunstancia, que impunham uma tributa<;ao indiscrirninada e mantinham urn estado de guerra constante, que s6 causavam prejufzo a vida economica e social. Isso tudo foi despertando a consciencia para a busca da unida- de, que afinal se concretizaria com a afirma<;ao de urn poder sobera- no, no sentido de supremo, reconhecido como 0 mais alto de todos dentro de uma precisa delimita<;ao territorial. Os tratados de paz de Westfalia tiveram 0 carater de documenta<;ao da existencia de urn novo tipo de Estado, com a caracterfstica basica de unidade territorial dotada de urn poder soberano. Era ja 0 Estado Moderno, cujas mar- cas fundamentais, desenvolvidas espontaneamente, foram-se tornan- do mais nftidas com 0 passar do tempo e a medida que, claramente 67. Para, RODOLFO DE STEFANO, OS tipos fundamentais de Estado podem ser reduzldos a tres: a Ctdade-Estado, 0 Imperio Medieval e 0 Estado Modemo, pare- cendo-lhe que a dlVlsao mais minuciosa, embora util para 0 estudo do problema, e ll1enos preCIsa, havendo apenas esses tres modelos institucionais irredutiveis (ll Pro- hler:zadel Potere, pags. 8 a 12); GROPPALI prop6e outra tipologia, baseada no limite ,?alOr ou menor ~ue encontra 0 poder do Estado, chegando aos seguintes tipos: a) I~stado pa;trunol1lal, quan.do 0 Estado e considerado patrimonio pessoal do prfncipe co exerClClO da soberama decorre da propriedade da terra; b) Estado de policia, quando 0 soberano, embora nao governando em nome proprio, mas em nome do I~stado, exer~e discricionariamente 0 poder publico, de conformjdade com aquilo que ele cons~dera de mteresse do Estado e dos suditos; c) Estado de direito, quando IlS poderes sao ngorosamente disciplinados por regras jurfdicas. Este Ultimo tipo de I\stado, .do qual procura avizinhar-se 0 Estado Moderno, ainda nao foi conseguido "'11 reahdade, uma vez que muitas rela<;6es entre 0 Estado e os cidadaos carecem :linda de regulamento jUrfdi:o e de tutela jurisdicional (Doutrina do Estado, pags. I(.':e 104). Est~ c.lassl~ca<;ao, apenas esbo<;ada par GROPPALI, podera ter utilidade I'I.rtlca, mas est~,aIll.da a espera de um amplo desenvolvimento para que se verifique "Ia real convel1lencJa. primeiro lugar, que as pessoas so se integram numa ordem e vivem sob urn poder, em fun~ao de urn fim a atingir; em segundo lugar, 0 Estado, sendo dotado de ordem propria e poder tamMm proprio, e evidente que devera ter uma finalidade peculiar, que justifique sua existencia. Por ultimo, ATALIBA NOGUEIRA procede a urn desdobra- mento da nota caracteristica relativa ao poder, apontando a existencia de cinco notas: 0 territorio e 0 povo, coincidindo com os elementos materiais; a soberania e 0 poder de imperio, que representam dois aspectos do poder, constituindo, portanto, urn desdobramento do cha- mado elemento formal, e, alem desses, a finalidade, que indica mais especificamente, como a regula~ao global da vida social. Em face dessa variedade de posi~6es, sem descer aos pormeno- res de cada teoria, vamos proceder a analise de quatro notas caracte- risticas - a soberania, 0 territorio, 0 povo e a finalidade -, cuja sintese nos conduzira a urn conceito de Estado que nos parece realis- ta, porque considera todas as peculiaridades verificaveis no plano da realidade social. Evidentemente, a no~ao de ordemjuridicaja se acha impHcita, uma vez que se vai analisar determinada sociedade e todas as sociedades sao ordens juridicas. Quanto a finalidade, que tamMm poderia parecer impHcita na qualifica~ao preliminar de sociedade polftica, 0 problema e diferente, uma vez que, como procuraremos demonstrar, ha uma finalidade propria do Estado, que nao deixa de ser poHtica mas que apresenta certas peculiaridades. Sao Paulo, 1962; GEORG JELLINEK, Teorfa General del Estado, Ed. Albatroz, Buenos Aires, 1954; ADERSON DE MENEZES, Teoria Geral do Estado, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1968; A. MACHADO PAUPERIO, Teoria Geral do Estado, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1965; DARCY AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, Ed. Globo, Porto Alegre, 1962; FUSTEL DE COULANGES,A Cidade Antiga (2 vols.), Livraria Classica Editora, Lisboa, 1950 (7u ed.); MICHAEL E. TrGAR e MADELEINE R. LEVY, 0 Direito e a Ascen- silo do Capitalismo, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1978; RICCARDO MARIANI, A Cidade Moderna, Ed. Nobel, Sao Paulo, 1986; JOAO CARLOS BRUM TORRES, Figuras do Esta- do Moderno, Ed. 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