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Direitos-Humanos-e-Ressocialização

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DIREITOS HUMANOS E 
RESSOCIALIZAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESPÍRITO SANTO 
 
 
 
DIREITOS HUMANOS x RESSOCIALIZAÇÃO 
 
 
Fonte: 24horasnews.com.br 
A partir da Constituição “cidadã” de 1988, o Brasil vive um estado 
democrático de direito, porém, apesar de contar com todo um aparato legislativo 
que visa a uma sociedade justa e equitativa, ainda luta por desmistificar e colocar 
em prática todo o seu conteúdo, que de forma progressiva trará realmente 
autonomia plena aos cidadãos brasileiros. 
Vemos que a busca pela liberdade plena e pelos direitos iguais entre todos 
os cidadãos ainda é uma constante e desafiadora realidade diante dos 
marginalizados e excluídos pelo sistema econômico capitalista. Essa situação 
agrava-se ainda mais quando nos deparamos com a questão social dos 
transgressores das leis, os presidiários, sejam eles de gênero masculino ou 
feminino, pois são também sujeitos de direitos. 
Embora devam cumprir punições devido às suas más atitudes, seus 
decorrentes agravos e prejuízos sociais, devem receber também cuidados, 
atenção e uma nova chance para ressocializar-se com a sociedade. 
Segundo artigo da Revista Âmbito-Jurídico (06/2013), de forma 
constitucional o Estado detém a responsabilidade sobre a integridade física e 
moral do preso, para que o mesmo possa cumprir o período estabelecido para 
cumprimento de sua pena judicial em regime fechado. Porém, atualmente o 
sistema penitenciário brasileiro encontra-se em situação precária devido à 
 
 
 
grande demanda e à falta de recursos materiais, estruturais e humanos para 
desenvolver esse tempo de correção social, para uma possível readaptação e 
ressocialização do indivíduo. 
Os Direitos Humanos são um desafio constante no contexto das instituições 
prisionais, pois o Sistema de Segurança Pública se presta, principalmente, para 
aprisionar aqueles que estão em cumprimento de pena correcional estabelecida 
judicialmente, porém possui uma estrutura física inadequada, insuficiente e 
deficiente de posturas para reintegração social devido à grande demanda que 
ocorre ininterruptamente frente aos índices constantes e crescentes da 
criminalidade em meio à sociedade. 
 
 
Fonte: extraderondonia.com.br 
 
Dessa forma, a maioria dos presos ficam desassistidos em suas 
necessidades básicas, tendo a saúde negligenciada devido à superlotação da 
estrutura física, falta de banhos de sol, má alimentação, exposição a doenças 
contagiosas devido à falta de condições de higiene, morosidade e precariedade 
da assistência judiciária e ainda situações de violência, corrupção e 
arbitrariedades por parte dos agentes de segurança do Estado e mesmo entre 
os detentos. 
 
 
 
 
 
PRESIDIÁRIOS/CONSTITUIÇÃO DE 
1988/DIREITOS HUMANOS 
 
 
Fonte: brasil247.com 
Os direitos básicos e as possíveis garantias que tratam da dignidade do 
cidadão brasileiro são tratadas no Capítulo I da Constituição, em especial no 
Artigo 5º, (BRASIL, 1988), apresentando os direitos e deveres individuais e 
coletivos que devem ser observados e adquiridos indistintamente por homens e 
mulheres. 
Podemos também acrescentar alguns artigos da Lei nº 7210/84, Lei de 
Execução Penal – LEP, que nos estudos de Neto (1988) destacam as 
providências necessárias por parte de cada estabelecimento prisional para a 
apropriação dos Direitos Humanos tendo em vista o recolhimento dos detentos 
em instituições prisionais ou em centros de ressocialização. Do conteúdo do 
Capítulo II: 
Seção I – Disposições gerais 
“Art.10: A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, 
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” 
Apresenta as disposições gerais da assistência aos presidiários que 
necessitam de tratamentos adequados e não discriminatórios para uma possível 
ressocialização posterior ao cumprimento de sua pena, vale ainda colocar que 
tal assistência é dever do Estado. (Neto, 1988 pg. 43-44) 
Seção II – Da Assistência material 
 
 
 
“Art.12: A assistência material ao preso e ao internado consistirá no 
fornecimento de alimentação, vestuário e instalação higiênica.” 
Trata sobre a estrutura física, a alimentação, a higiene e as vestimentas 
limpas para proporcionar ao detento uma vida adequada no período de reclusão. 
(Neto, 1988 pg 45-46), 
Seção III - Da Assistência à saúde 
“Art.14: A assistência à saúde do preso e do internado é de caráter 
preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e 
odontológico”. 
Cada estabelecimento prisional deveria ter, pelo menos, um médico clínico 
geral qualificado para atendimento eventual aos detentos e também um 
especialista periódico para acompanhar casos de dependência de toxicômanos 
e outros assuntos psiquiátricos. (Neto, 1988, p. 46-47) 
Seção IV - Da Assistência jurídica 
“Art.15: A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem 
recursos financeiros para constituir advogado”. 
“Art.16: As unidades da Federação deverão ter serviços de assistência 
jurídica nos estabelecimentos penais.” 
O Estado deve assegurar a todo e qualquer cidadão que não tiver 
condições financeiras um defensor público ou advogado qualificado que 
defendera seu caso e se necessário terá direito de recorrer a sentença. (Neto 
1988, p. 52 - 54). 
Seção V - Assistência educacional 
“Art.17: A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a 
formação profissional do preso e do internado”. 
Todo cidadão livre ou em detenção tem direito à educação, desde o ensino 
fundamental como base imprescindível para a formação da personalidade do 
indivíduo. Os cursos técnicos e superiores são ofertados de modo generalizado 
pois necessita do interesse e da adesão pela aptidão profissional escolhida. 
(Neto, 1988, p. 54). 
Seção VI - Assistência social 
 
 
 
 
 
Fonte: es.gov.br 
 
“Art. 22: A Assistência Social tem por finalidade amparar o preso e o 
internado e prepará-los para o retorno à liberdade”. (Neto, 1988, p. 57). 
A assistência social deve promover o detento a partir de sua detenção e 
acompanhar o processo de sua reinserção na família e na sociedade. 
Cabe ao assistente social prisional conhecer, avaliar, relatar por escrito 
resultados de diagnósticos sociais e comportamentais do detento junto ao diretor 
do estabelecimento prisional, bem como apresentar problemas e dificuldades do 
assistido em relação ao seu interesse e envolvimento junto às atividades 
realizadas no presídio, bem como sua saída e retorno em datas especiais. 
Contando com os meios disponíveis, deve promover momentos de lazer e 
interação social, orientar o detento sobre o desenvolvimento de seu tempo penal 
e estimulá-lo para um bom retorno a sociedade, salientando o valor da liberdade. 
Deve providenciar documentação necessária e também benefícios junto à 
Previdência Social e orientar e amparar, quando necessário, a família do detento. 
Seção VII - Assistência religiosa 
“Art. 24: A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos 
presos e aos internados, permitindo a participação nos serviços organizados no 
estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa”. 
(Neto, 1988 p. 59). 
 
 
 
Estabelece o direito à liberdade de culto, com momentos para oração e 
literatura de diversas denominações religiosas. Assim, os detentos não podem 
ser obrigados a participar de atividades religiosas, prevalecendo a sua escolha 
de culto. 
Seção VIII - Assistência ao egresso 
“Art. 25: A Assistência ao egresso consiste: 
a) Na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; 
b) na concessão, se necessário de alojamento e alimentação, em 
estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses.” (Neto, 1988 p. 61). O 
setor de assistência social, com o apoio de ONGs e entidades socioeducativas,devem promover, no decorrer do tempo de condicionamento prisional, projetos 
que estimulem o trabalho e que estes, por sua vez, sejam formas de 
ressocialização para reconscientizar sobre os valores reais do trabalho, 
favorecendo também meios para amparo socioeconômico do detento, que 
posteriormente voltará ao convívio social. 
No período imediato à sua liberdade, o detento deve receber orientação e 
apoio para sua reintegração. E, se necessário, por um período de dois meses, 
deverá receber auxilio para transporte, alimentação e vestuário. 
Capítulo III – do trabalho 
Seção I- Disposições gerais 
“Art. 28: O trabalho do condenado, como dever social e condição de 
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.” (Neto, 1988, P. 65). 
Seção II – do trabalho interno 
“Art. 31: O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao 
trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”. (Neto, 1988 p. 71). 
Dentro do espaço prisional, todos os condenados deverão trabalhar 
conforme sua saúde física e mental, com acompanhamento médico, como forma 
de estímulo e responsabilidade mútua pela limpeza e higiene do local. 
Seção III - Trabalho externo 
“Art. 37: A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do 
estabelecimento, dependerá da aptidão e responsabilidade mostrado pelo 
detento, além do cumprimento mínimo de um sexto da pena a ser cumprida”. 
(Neto 1988 p. 76). 
 
 
 
Somente com autorização prévia da direção do estabelecimento prisional 
será possível a saída para o trabalho fora do presídio, pois depende do 
comportamento, do cumprimento das regras institucionais, da aptidão e 
responsabilidade do detento. 
 
A REALIDADE PRISIONAL 
 
 
Fonte: amambainoticias.com 
 
A CADEIA E PENITENCIÁRIA E SUAS FUNÇÕES SOCIAIS 
 
 Não se sabe certamente a origem da cadeia, mas nas religiões antigas, 
as pessoas que tivessem conduta “não adequada” e por não existir prédio 
próprio, ficavam presas em casa, ou na casa do rei ou senhor maior e que a 
palavra penitenciária surgiu do costume da Igreja de aplicar ao pecador uma 
penitência pelo crime, delito ou pecados cometidos. A sociedade, para se 
proteger, organizou cadeias e penitenciárias. Cadeia tem a função de prender a 
pessoa por um determinado tempo, aguardando o julgamento para enviá-la para 
a penitenciária, onde ficará por um tempo dado pela sentença. 
 Nas funções sociais a finalidade é de ressocializar a pessoa presa; dá 
uma punição retributiva pelo mal que foi causado e prevenir à prática de novos 
delitos. 
 
 
 
 
 
COMO A SOCIEDADE CONSIDERA AS PESSOAS 
PRESAS 
 
 
Fonte: encrypted-tbn3.gstatic.com 
 
 Ouvimos vários adjetivos sobre presos e cadeias no Brasil. Diante de 
tantas palavras e acusações e de tudo o que nos envolve da e se ouve falar, 
nem sempre temos a oportunidade de examinar de perto o que se passa num 
presídio. Assim temos as muitas frases populares, como: 
 
1. Alguns já nascem bandidos: “pau que nasce torto, não tem jeito, morre 
torto” ... tornou-se uma frase popular onde a mesma foi elaborada como 
hipótese por um criminalista italiano César Lomboso (1835-1909). Ele dizia 
que algumas pessoas veem ao mundo como delinquentes em potencial por 
causa de fatores biológicos, genéticos e hereditários e atenuava aí a 
culpabilidade do delinquente. Por não ter conseguido provar sua teoria, hoje 
completamente ultrapassada por meios científicos, esta frase continua no 
meio popular. 
 
2. Eles escolheram esse caminho. Muitos afirmam que diante da liberdade 
em optar pelo mundo do crime, a cadeia é o lugar de quem faz esse tipo de 
 
 
 
escolha. Não se pode esquecer das trágicas histórias que estão por trás de 
muitas destas vidas no presídio. 
 
3. Se foram presos é porque não prestam mesmo. O preso estaria “colhendo 
o que plantou”. A nossa liberdade pessoal não é completamente autônoma, 
mas depende de muitos fatores como o ambiente, a educação, as 
convivências, as condições de moradia, alimentação, saúde, etc. 
 
4. Vivem melhor do que merecem. Muitos acham que os presidiários vivem 
melhor do que merecem em comparação com grande parte da população 
pobre. Em muitas cadeias pode existir superlotação, falta de higiene, comida 
estragada, falta de assistência médica, hospitalar e até falta da presença da 
família. 
 
5. O criminoso é fruto do meio. É preciso ter cuidado ao tentar fazer a 
associação entre a delinquência e o empobrecimento da população, questão 
de causa e efeito, ou seja, se a pessoa é um favelado então pode ser 
criminoso. 1 
 
Obs.: A esperança da sobriedade. Pode talvez não ser a maioria na sociedade, 
mas a família, parentes e amigos das pessoas que estão presas têm uma forte 
esperança de receber um ex-presidiário com sobriedade. 
 
COMO ENTENDER O FENÔMENO DA 
CRIMINALIDADE 
 
 A comunidade científica que melhor estuda a criminalidade já produziu 
importantes estudos e pesquisas, que nos permitem entender o fenômeno da 
criminalidade. Destaquemos alguns elementos: 
 Não é hereditária: não é transmitida de pais para filhos; 
 
1 Manual Campanha da Fraternidade de 1997 – Cristo Liberta de Todas as Prisões, pág.56 a 59 
 
 
 
 Não é congênita: ninguém nasce criminoso; 
 Não é biológica: não está limitada a determinados espaços geográficos; 
 Não é cultural: não afeta apenas pessoas de baixa cultura ou de baixa 
escolaridade. 
Conclusão: 
Não há uma causa única para explicar o porquê uns se tornam criminosos e 
outros não.2 
 
A INTOLERÂNCIA 
 
 
Fonte: rondoniadigital.com 
 “Qual a influência que a intolerância exerce na vida da pessoa dentro de 
uma comunidade? Quais os meios que a sociedade realiza para se defender das 
violências geradas pela intolerância? Por que algumas pessoas dizem “Eu não 
tolero esta pessoa”, “Intolerável estava o nosso relacionamento, que até cheguei 
a agredi-la”, “Me arrependi de ter feito isto tão violentamente”. 
 
2 Apostila de formação básica da Pastoral Carcerária Nacional - CNBB 
 
 
 
 A intolerância não é apenas o instrumento fácil do inimigo; ela é o 
inimigo. Ela nega toda a riqueza veiculada pela linguagem. Quando a linguagem 
fracassa, é a violência que a substitui. 
 A violência é a linguagem daquele que não se exprime mais pela 
palavra. A violência é também a linguagem da intolerância, que gera o ódio. 
 O ódio é irracional, impulsivo, implacável, suas forças sinistras 
impulsionam o que há de destruidor no homem. Seu ritmo é rápido, seu objetivo 
ameaçador, seu movimento inexorável. 
 Existe alguma coisa de positivo, de transcendente no ódio? O ódio é 
capaz de produzir outra coisa que não o ódio? O ódio ignora fronteiras e 
muralhas, etnias e religiões, sistemas políticos e classes sociais. Obra de 
humanos, que nem Deus pode detê-lo. Nenhum povo pode se considerar imune 
a seu veneno, e nenhuma comunidade está a salvo de seus ataques. 
 Odiar é negar a humanidade do outro é diminuí-lo. E limitar novos 
horizontes ao reduzir os do outro. É ver no outro, e portanto, em si mesmo, não 
um motivo de orgulho, mas um objeto de desprezo e de terror. 
 Em religião, o ódio esconde a face de Deus. Em política, o ódio 
destrói a liberdade dos homens no campo das ciências, o ódio está a serviço da 
morte. Em literatura, ele deforma a verdade. Para vencer o ódio, só existe um 
meio: impedi-lo de nascer. 
 É preciso, portanto, combatê-lo antes, privando-o da falsa glória que 
lhe confere sua aberrante legitimidade” 3 
 
CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA SOBRE O 
SER HUMANO 
 
 “O ser humano é paradoxo antropológico. É conhecido e estranho, 
próximo e distante, transparente e opaco. Canta e protesta, dançae agride, 
congrega e dispersa. Expande-se festivamente e tranca-se amargamente. É 
lógico e ilógico. Fala e silencia, grita e emudece. É torrente de amor, mas o ser 
 
3 A INTOLERÂNCIA, Academia Universal das Culturas, editora Bertrand Brasil, 2000, pág. 7 e 8 
 
 
 
humano pode também gotejar ódio feroz. Quando o amor se perverte converte-
se em ódio implacável. Seres que se amavam apaixonadamente passam a odiar-
se rancorosamente. O ser humano é fértil em criações: Pai que luta para ter 
filhos; e pai que estupra a carne de sua carne. Mãe que sangra para sustentar o 
filho; e mãe que abandona ou estrangula o recém-nascido. 
 O ser humano não se define por conceito matemático. É sequência 
de contraste. É campo de “joio e trigo”, é ser em revenir. Por acertar e pode errar. 
Pode fazer-se e desfazer-se. Mas abriga potencial para refazer-se. O ser 
humano é capaz de eliminar o ódio, a perversidade, a destruição e pode 
propulsar energias criadoras inteligentes que amadureçam a consciência, 
redirecionem a liberdade, cultivem o amor, promovam a justiça, efetivem a 
solidariedade e assumam a responsabilidade. 
Lidar com o ser humano é lidar com o paradoxo”. 4 
“ 
A PESSOA DOS PRESOS 
 
 
Fonte: toquedealerta.com.br 
 
 Com base no que se ouve falar , será possível perceber com quem 
estamos nos relacionando, ainda que superficialmente: 97% a 98% dos presos 
são provenientes de famílias desestruturadas, de lares desfeitos; 86% são 
 
4 ARDUIINE,Juvenal, antropologia ousar para reinventar a humanidade. Editora Paulus, 2002.pág. 7-10 
 
 
 
usuários de drogas (cocaína, maconha, crack, álcool e outras); 43% são negros; 
95% são pobres, dos quais 85% não podem constituir advogados particulares; 
75% analfabetos ou semianalfabetos; mais de 90% apresentam doenças, que 
serão apresentadas mais à frente; os que chegam sadios ao presídio, têm 
grande possibilidade de ficarem doentes durante o cumprimento de sua pena; 
68% são jovens. 
 
 O QUE A PESSOA PERDE AO SER PRESA 
 A liberdade. A pessoa presa está isolada do convívio familiar, da 
sociedade e perde o direito de ir e vir. Não pode gerenciar a sua própria 
vida. 
 A autoestima. Ao entrar na prisão, a pessoa recebe um número de 
registro e em certos estabelecimentos cortam seus cabelos, daí a 
pergunta que muitos fazem, cortar os cabelos de um preso é 
despersonalização? Deixa os seus pertences e suas próprias roupas, 
vestindo um uniforme e adotando posturas de submissão. 
 A identidade. A pessoa presa é conhecida pelo que veste, local onde 
paga a pena e é chamada muitas vezes, pelo número, seu INFOPEN, que 
é o registro detalhado e individualizado do prontuário do preso, com 
controle, em tempo real dos processos e rotinas internas. 
 Os direitos familiares e civis. Perde-se o direito de votar e de 
responsabilizar-se pelos filhos. 
 A privacidade. Na maioria dos presídios não há nenhuma privacidade. O 
preso passa a ser exposto aos olhares dos outros, no pátio, no dormitório 
coletivo, no banheiro sem porta, de conviver com companheiros que não 
escolheu e muitas vezes indesejáveis. Suas visitas são públicas, sua 
correspondência costuma ser lida e censurada. O preso sabe ainda que 
está sendo vigiado em seus mínimos gestos, e qualquer conduta fora das 
regras está sujeita a punições. 
 Dignidade e os bens materiais. O preso perde o direito de dispor de 
dinheiro e de manter-se à custa do próprio trabalho. Sua subsistência está 
sendo garantida pelo Estado, onde está sob custódia. Assim, o Estado 
decide o que ele deve comer, em que horário, o que deve fazer. 
 
 
 
POLITICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA 
 
 
Fonte: encrypted-tbn1.gstatic.com 
 
Políticas de prevenção ao crime. Os criminologistas recomendam três frentes 
como medidas.5 
1. Prevenção primária. Destina-se a evitar o cometimento de crimes. 
Dirige-se a todos os cidadãos por meio de programas de prevenção. 
Volta-se para os jovens em situação de risco, articuladamente com a 
sociedade civil e as comunidade. Investir em valores positivos: família, 
escola, religião, etc. espera-se o envolvimento do poder público, das 
organizações da sociedade civil, em especial dos meios de comunicação, 
das comunidades e dos cidadãos individualmente. 
2. Prevenção secundária. Destina-se a reprimir, partindo do princípio de 
que a segurança primária falhou e precisa ser implantada ou melhorada. 
Atua onde os conflitos se manifestam concretamente. Tem a ver com a 
política legislativa, com a atuação do sistema penal como um todo (justiça 
criminal, ministério público, advogados criminais, subsistema da política, 
a qual deve atuar com profissionalismo, aplicando-se na utilidade dos 
princípios da inteligência policial e da chamada polícia comunitária. 
 
5 Manual da Campanha da fraternidade de 2009 pag. 80 a 82 
 
 
 
3. Prevenção terciária. Destina-se a recuperar. Atua junto aos reclusos e 
todos aqueles que, de alguma forma, foram colhidos pelo sistema penal, 
oferecendo-lhes oportunidades de recuperação e ressocialização. 
Compreende ações e programas sob a responsabilidade do poder 
público, mas também programas desenvolvidos pela sociedade civil. 
 
ASSISTÊNCIA AOS PRESOS SEGUNDO A LEI 
 
 ASSISTÊNCIA MATERIAL: Consiste no “fornecimento de alimentação, 
vestuário e instalações higiênicas”., Bem como na disposição de “instalações e 
serviços que atendam os presos nas suas necessidades pessoais, além de 
locais destinados à venda de produtos permitidos e não fornecidos pela 
administração.6A carência de produtos básicos favorece a corrupção e funciona 
como instrumento de poder: havendo dificuldades fica fácil vender facilidades. 
Há famílias de presos que procuram providenciar material de higiene e de outros 
artigos necessários. Algumas contam histórias de extorsão, de desvio de 
agasalhos, remédios alimentos ou outros objetos e de ameaças em caso de 
denúncia. Embora não se deva generalizar, é possível que isso aconteça. 
 
 ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL: Compreende a instrução escolar e a 
formação profissional adequada a homens e mulheres. Cada estabelecimento 
penal deve ser dotado de biblioteca.7 Em muitos lugares já existem escola para 
os que nunca estudaram e os que não terminaram o ciclo básico e até outros 
que fazem faculdade, por via satélite e aulas presenciais. Em alguns lugares não 
tem condições de presos estudarem, por questão de ambiente físico 
inadequado, insegurança e até alguns lugares são de passagem para presos 
temporários. 
 Existem em muitas unidades prisionais escolas, que além de oferecer 
aos presos a possibilidade de dar continuidade aos estudos também regulariza 
a vida acadêmica para aqueles que não a possuem. 
 
6 art. 13 
7 art. 17-21 
 
 
 
 
 ASSISTÊNCIA À SAUDE: de caráter preventivo e curativo, abrange 
atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Caso o estabelecimento 
penal não esteja aparelhado para prestar a assistência médica necessária, esta 
deverá ser proporcionada em outro lugar.8 Muitas doenças se manifestam nos 
presos por diversos fatores, as moléstias de pele, por exemplo, são constantes 
e não se curam em razão da impossibilidade dos cuidados higiênicos 
necessários com as roupas e o ambiente. 
 
 Doenças mentais 
 Alguns sentenciados já apresentavam distúrbios mentais antes da 
sentença, outros veem a ficar doentes na prisão. Os doentes mentais não 
recebem sentenças condenatória por um tempo determinado, mas ficam sujeitos 
à “medida de segurança”, detidos por certo período de tratamento psiquiátrico, 
findo o qual deve ser avaliada a personalidade do indivíduo e a cessação ou não 
de sua periculosidade. Outros, diante de um atendimento precário podemficar 
em manicômios judiciários ou em casas de custódia, sem tratamento adequado, 
ocupando vagas por dezenas de anos, ou mesmo até à morte. Existe uma certa 
compaixão dos presos em relação ao doente mental. Ajudam-no e só o tratam 
mal se ele se apropriar do que é dos outros, perturbar as visitas ou ficar violento. 
 
 
 Tuberculose 
 Ela pode atacar quando se vê a superpopulação carcerária e a falta de 
conservação e manutenção dos prédios. Se 10% do total de encarcerados 
portadores do bacilo vão desenvolver a doença, existe o perigo de muitos, depois 
de libertados, contagiarem outras pessoas, configurando um real problema de 
saúde pública. 
 Aids 
 Os portadores dependem de outras pessoas (agentes penitenciários, 
policiais...) para ter acesso a um centro de atendimento ou hospital. A maior parte 
 
8 art. 14 
 
 
 
dos portadores já estavam infectados antes de ingressar na prisão. Precisam de 
cuidados especiais. 
 
 Depressão 
 Os sintomas da depressão são muito variados, indo desde as sensações 
de tristeza, passando pelo pensamento negativo até as alterações da sensação 
corporal como dores e enjoos. Contudo, para se fazer o diagnóstico é necessário 
um grupo de sintomas centrais: perda de energia ou interesse, humor deprimido, 
dificuldade de concentração, alterações do apetite e do sono, lentificação das 
atividades físicas e mentais, sentimento de pesar ou fracasso. 
 
 Diferentes tipos de depressão: Basicamente existem as depressões 
monopolares (este não é um termo usado oficialmente) e a depressão bipolar 
(este termo é oficial). O transtorno afetivo bipolar se caracteriza pela alternância 
de fases deprimidas com maníacas, de exaltação, alegria ou irritação do humor. 
A depressão monopolar só tem fases depressão.9 
 
 ASSISTÊNCIA JURÍDICA 
 Destina-se aos presos sem recursos financeiros para constituir 
advogado, devendo as unidades da Federação manter este serviço nos 
estabelecimentos penais.10 Já os detentos mais pobres dependerão dos 
Advogados do Estado e Defensores Públicos, nem sempre muito interessados. 
Há presos que estão detidos no chamado sistema provisório, que na realidade é 
o mesmo regime fechado de presos já sentenciados e cujo tempo está bem 
superior do que permitido pela lei que é de 160 dias para a sentença e que muitos 
destes presos que já deveriam estar em liberdade ou poderiam receber 
benefícios, tais como regime semiaberto ou livramento condicional, e no entanto 
permanecem em regime fechado por falta de quem dê andamento ao processo. 
 A dificuldade de defesa legal se acrescenta a morosidade da justiça, 
unanimemente reconhecida. O judiciário alega falta de recursos materiais, 
 
9 Site: psicosite 
 
10 arts. 15-16 
 
 
 
excesso de formalidades nos processos, número insuficiente de juízes e de 
varas, legislação ultrapassada, elevado número de litígios, etc. 
 
 ASSISTÊNCIA SOCIAL 
 
 Tem como principal finalidade amparar o preso e prepará-lo para a 
liberdade, bem como orientar e amparar sua família e a das vítimas.11 Vivendo 
em condições que o impedem de administrar sua própria vida, o preso precisa 
de quem o ajude a fazer uma ponte com a família e com o mundo exterior. Muitas 
vezes sua própria família vai precisar de assistência social exatamente porque 
está privada dos meios de subsistência que o preso fornecia. 
 Importa lembrar que a família, não tendo cometido delito, não tem porque 
ser penalizada. Assim a assistência social é precária e insuficiente e muitas 
vezes são feitas por agentes da Igreja. 
 Obs.: Feita pela equipe pastoral: Muitos presos elogiaram atitudes de unidade 
entre a assistência social da cidade de onde vieram em união com a assistência 
social do próprio presídio. Ex: “Na minha cidade a assistente social enviava um 
veículo semanalmente à penitenciaria para que as famílias dos presos fossem 
realizar as visitas”. “A assistente social da minha cidade conversou com a 
assistência social do presídio para acompanhamento da minha família levando 
encaminhamentos e até buscando parcerias com certas empresas em benefício 
logo na minha saída. Sou grato pela ajuda que ela nos deu”. Detentos anônimos. 
 
 
 ASSISTÊNCIA RELIGIOSA 
 Permite-se aos presos participação nos serviços religiosos organizados 
no estabelecimento penal, em locais apropriados, garantindo a liberdade de 
culto.12 Muitos presos ficam ressentidos da pouca atenção que recebem da 
Igreja. Com a presença dos voluntários da Igreja Católica, muitos presos 
conseguem motivação psico-religiosa para a reconstrução da própria 
 
11 art. 22-23 
12 art. 24 
 
 
 
personalidade. No Capítulo III será abordada a importância da Pastoral 
Carcerária da Igreja Católica. 
 
 O DIREITO AO TRABALHO 
 
 
 
 Fonte:.es.gov.br 
 
 A lei de execução penal considera que “o trabalho do condenado como 
dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e 
produtiva”. 13Dentro da prisão e fora dela, o trabalho é importante instrumento de 
socialização da pessoa. Transformar o preso num trabalhador preso, com 
direitos e deveres que o aproximem do trabalho livre é um caminho que começou 
a ser trilhado, mas precisa ser ampliado. 
 
13 art. 28 
 
 
 
 A realidade brasileira é de detentos ociosos que ficam em presídios 
superlotados sem nenhuma perspectiva de futuro melhor. Deveria ser dada 
preferência ao sistema prisional, onde o detento pode trabalhar, pois além de 
obter renda, diminui sua pena, não fica ociosos e tem capacidade de aprender 
uma profissão, o que lhe será útil para a sua ressocialização ao término de sua 
pena. A lei possibilita a remissão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) dias de 
trabalho. A remissão de pena é uma grande conquista, porém, não ainda efetiva 
na prática.14 
 Em algumas penitenciárias já existem sistemas onde os detentos 
trabalham e são remunerados e está remuneração é enviada para a sua família 
ou fica depositada em seu nome e poderá ser utilizada pelo mesmo no término 
da sua pena como auxílio de reclusão. O detento recebe esse auxílio só quando 
trabalhou com carteira assinada antes de ser recolhido. Esse auxílio é destinado 
à família. 
 A remuneração dentro do sistema. O detento que trabalha dentro da 
Unidade Prisional recebe um valor, onde 50% é enviado para a família; do 
restante; 25% é retirado e poderá utiliza-lo no término de sua pena e os outros 
25% utilizado para comprar o que é permitido para o preso. 
 
 AS RELAÇÕES AFETIVAS (visita social e íntima) 
 As visitas da família e de amigos são importantes. Este contato traz a 
conservação da saúde mental de quem se encontra encarcerado. Quando não 
houver familiares e amigos que o visitem, a PC providencie pessoas voluntárias 
que o visitem. 
 
A SITUAÇÃO ESPECÍFICA DAS MULHERES 
 
 A proporção de mulheres é mínima em relação aos homens, mesmo 
porque a população prisional é geralmente pensada em relação aos homens. No 
caso específico das mulheres, existem até gestantes com pouca ou nenhuma 
 
14 art. 26 
 
 
 
assistência ginecológica. Sobre a questão de higiene pessoal, se não fossem as 
famílias, amigos ou agentes pastorais, muitas delas não teriam absorventes. A 
constituição Federal diz no: “Às presidiárias serão asseguradas condições para 
que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.15 
Várias circunstâncias costumam impedir que essa disposição constitucional seja 
posta em prática. 
 
AGENTES PENITENCIÁRIOS E POLICIAIS 
 
 
Fonte: atribunamt.com.brOs agentes penitenciários ficam em contato direto com os presos nos 
pavilhões, nos locais de trabalho e esporte, nos corredores, nos portões e na 
chamada. O agente penitenciário, através de suas atitudes é o espelho no qual 
os presos se identificam, isto é, o que a sociedade pensa e sente a respeito dos 
agentes. O Agente da pastoral carcerária sempre terá um agente penitenciário 
por perto para a realização das visitas. 
 É urgente valorizar o trabalho desses funcionários, prepará-los e dar-
lhes condições humanas de exercer seu ofício. Eles correm riscos de contrair 
doenças infectocontagiosa, e, se não tiverem acompanhamento e apoio, acabam 
sofrendo o mesmo processo de marginalização que atinge os presos. A 
remuneração não é condizente com a responsabilidade da tarefa. A categoria 
 
15 art. 5º,1 
 
 
 
profissional não conta sempre com o apoio de seus superiores, que entram e 
saem periodicamente com a troca dos governos estaduais. Há funcionários que 
após muitos anos de trabalho apresentam problemas emocionais e psicológicos, 
procuram o álcool ou drogas, e ainda se envolvem com corrupção e violência. 
Necessitam de solidariedade, apoio para resistes às pressões, conservar e 
desenvolver suas qualidades de ser humano. 
 A violência exercida sobre os internos, por parte dos agentes 
penitenciários e policiais militares é raramente denunciada. Alguns fatos se 
evidenciam sem sombra de dúvida, como a morte de 111 presos no Carandiru, 
em São Paulo, em 02 de outubro de 1992. Ouve-se falar em algumas 
averiguações, mas não em punições. 
 
 
Fonte: olhardireto.com.br 
 
 No trabalho sobre regras mínimas para o tratamento de reclusos e 
recomendações pertinentes, a ONU insiste que o pessoal penitenciário deve ter 
caráter civil. Muitos erroneamente costumam se considerar uma espécie de 
“polícia auxiliar”. Em muitos Estados, a direção da administração penitenciária 
está entregue a policiais militares, cuja função, todavia, deveria ser apenas a 
vigilância externa dos estabelecimentos penais. 16 
 
 
16 Manual Campanha da Fraternidade de 1997 – Cristo Liberta de Todas as Prisões, pág.63 a 78 
 
 
 
ARTIGO PARA REFLEXÃO: 
 
 
Fonte: modelosdemonografias.com.br 
PRISÕES, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS NO 
BRASIL 
Sérgio Adorno* 
Introdução 
Não temos mortos a lamentar. Desde 1982, os fatos têm se repetido. Com 
frequência, a opinião pública é sacudida com notícias de rebeliões nos presídios 
brasileiros. Aqui e acolá, seja em estabelecimentos penitenciários de grande 
porte seja em delegacias e distritos policiais, cidadãos condenados ou sob tutela 
das instituições encarregadas de controle da ordem pública amotinam-se. 
Armados, tomam funcionários como reféns e reivindicam fugas sob o patrocínio 
do poder público. O desfecho desses acontecimentos, que colocam em 
 
*
 Livre-Docente em Ciências Humanas, área de concentração em Sociologia Política, Universidade de São Paulo 
(1996). Doutor em Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (1984). Pós-Doutorado no Centre de Recherches 
Socilogiques sur le Droit et les Institution Pénales/CESDIP, Paris, 1994-95 e Maison des Sciences de l'Homme, Paris, 
1994-95. Atualmente, é Secretário-Executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências 
Sociais -ANPOCS. Foi Presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia; Vice-Coordenador Científico do Núcleo de 
Estudos da Violência, USP e Diretor Técnico do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo. 
 
 
 
confronto as forças da legalidade versus o mundo dos ilegalismos, tem 
caminhado no sentido da negociação, do diálogo e do convencimento dos 
amotinados, procedimentos que evitam vítimas fatais e restabelecem a ordem. 
No entanto, nem sempre foi e tem sido assim. Quando ocorre a radicalização do 
conflito, colocando em risco a vida de funcionários justamente incumbidos de 
zelar pela segurança do presídio - e por essa via, pela segurança dos demais 
cidadãos - opta-se pelo recurso mais arriscado: o emprego de uma força maior 
para conter a demonstração de força dos amotinados. O saldo, conhecemos. 
Mortes de presos, justamente aqueles cuja vida deveria estar sob tutela do poder 
público. 
O cidadão comum, espectador desses acontecimentos, pouco pode 
intervir. Diante do vídeo de TV onde passivamente acompanha os noticiários ou 
lendo quotidianamente seu jornal, não tem como indagar do poder público se as 
mortes, de quem quer que fosse, poderiam ter sido poupadas. Para alguns, o 
desenrolar dos acontecimentos não poderia ter sido outro. Para outros, esse é o 
modo “natural” e adequado de lidar com bandidos, essa espécie de “dejeto” 
social que deve ser extirpada do corpo social sadio. Não é surpreendente que 
reações desta ordem, sugestiva de exclusão moral (Cardia, 1994)17 de cidadãos 
envolvidos com o mundo do crime, sejam inclusive justificadas por autoridades 
públicas, como necessárias e imperativas. Em 1986, após rebelião na 
Penitenciária de Presidente Wenceslau, interior do estado de São Paulo, na qual 
resultaram 16 mortos, entre presos e funcionários, o então Coordenador dos 
Estabelecimentos Penitenciários do Estado (COESPE), um ex-delegado de 
polícia, declarou enfaticamente: “Não temos mortos a lamentar”. Contundente, 
esta frase não provocou indignação dos cidadãos. Muito ao contrário, sequer 
sofreu censura de seu superior, o Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, 
menos ainda resultou em punição disciplinar ou coisa que o valha. 
Não é estranho que o início dos anos 80 assistiu, em várias capitais 
brasileiras, a intensificação de motins e rebeliões de presos em cadeias públicas, 
 
17
 Segundo Deutch, o processo de exclusão moral ocorre quando “pessoas que normalmente obedecem e respeitam 
as leis aceitam ações bárbaras contra indivíduos ou grupos” [Apud Cardia, N. (1994). Direitos humanos: ausência de 
cidadania e exclusão moral. Princípios de Justiça e Paz. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo/Comissão Justiça e 
Paz. 88p.]. 
 
 
 
distritos policiais, casas de detenção e penitenciárias. Em algumas delas, os 
eventos foram controlados, negociações foram realizadas, pouparam-se vítimas. 
Mas, em outras, sobretudo naqueles estabelecimentos que concentravam 
grande número de presos, os resultados foram quase sempre deploráveis pois 
resultaram em mortos e feridos, fossem presos ou agentes do sistema 
penitenciário, a par da destruição implacável do patrimônio público. Nas mais 
diferentes regiões do país, intervenções policial-militares para conter tais 
manifestações da massa carcerária quase sempre resultam em mortos e feridos. 
Em todo o país, essas intervenções vêm-se sucedendo com relativa constância 
desde 1982, sendo crescente o número de mortos. De modo geral, resultam em 
desfecho trágico de uma política de segurança que encara o controle da ordem 
pública como um problema de enfrentamento bélico e estratégico, em que há 
inimigos a serem vencidos e eliminados não importando o custo material e 
simbólico destas operações. 
 
 
Fonte: s2.glbimg.com 
Durante esses eventos, as portas das prisões brasileiras são abertas à 
visibilidade pública, seja através do relato de visitas de autoridades e de 
representantes da sociedade civil organizada, seja através das câmaras de 
televisão, das ondas do rádio ou das acres letras da imprensa. E o espetáculo 
apresentado não pode deixar de ser dantesco. Por maior o desprezo de parte 
substantiva da sociedade brasileira para com as condições de vida e mesmo o 
 
 
 
destino do preso, ninguém pode se revelar indiferente diante do cenário 
oferecido pelas prisões: às mais precárias condições de habitabilidade e à falta 
de serviços de apoio, assistênciae educação vem se associar uma violência 
desmedida e incontrolável, grave obstáculo a qualquer proposta de reinserção 
social de quem quer que tenha algum dia, em momento qualquer, transgredido 
as normas jurídicas desta sociedade e, por conseguinte, sido punido pela Justiça 
pública. As cenas são por demais fortes: o escuro das celas, a sujeira pelos 
cantos, a alimentação insossa, a falta de higiene, o perigo disseminado por todos 
os cantos e corredores, as doenças convivendo par a par com a saúde, os 
espancamentos e agressões gratuitas, as violações sexuais. Talvez, os sorteios 
de morte entre os prisioneiros, típicos das prisões brasileiras, porém trazidos ao 
público pelo descalabro em que se encontravam no início da década passada as 
prisões mineiras, sejam os exemplos de maior impacto e perplexidade que as 
páginas dessa história mal digerida nos legou ao presente (Paixão, 1984). 
No domínio das prisões, esses fatos são indicativos de uma crise há 
tempos instalada no sistema de Justiça criminal. Todas as imagens de 
degradação e de desumanização, de debilitamento de uma vida cívica conduzida 
segundo princípios éticos reconhecidos e legítimos parecem se concentrar em 
torno dessas “estufas de modificar pessoas e comportamentos” (Goffman, 1974). 
Nelas aparecem com todas as suas letras, cores e números as marcas do 
fracasso de sucessivos governos em conter a delinquência dentro dos marcos 
da legalidade e sobretudo em formular políticas penais capazes de efetivamente 
oferecer segurança à população estancando a insegurança generalizada que 
hoje parece ter tomado conta do espírito sobressaltado do cidadão comum, 
sobretudo o habitante das grandes cidades. As prisões revelavam a face cruel 
de toda essa história: os limites que se colocam na sociedade brasileira à 
implementação de uma política de proteção dos direitos fundamentais da pessoa 
humana, nela incluído o respeito às regras mínimas estipuladas pela ONU para 
o tratamento de presos. 
O Crescimento da Criminalidade Urbana Violenta e seu impacto sobre as 
prisões 
Desde meados da década de 1970, exacerbou-se o sentimento de medo 
 
 
 
e insegurança, diante da expectativa, cada vez mais provável, de qualquer 
cidadão, independentemente de sua condição de raça, classe, cultura, gênero, 
geração, credo ou origem étnica e regional, ser vítima de uma ofensa criminal. 
Não parece infundado esse sentimento. As estatísticas oficiais de criminalidade 
indicam, a partir dessa década, a aceleração do crescimento de todas as 
modalidades delituosas. Dentre elas, crescem mais rapidamente os crimes que 
envolvem a prática de violência, como os homicídios, os roubos, os sequestros, 
os estupros. Esse crescimento veio acompanhado de mudanças substantivas 
nos padrões convencionais de criminalidade individual bem como no perfil das 
pessoas envolvidas com a delinquência. Assiste-se, desde duas décadas, à 
generalização e internacionalização do crime organizado, constituído sobretudo 
às voltas do narcotráfico e que em muito se assemelha às organizações 
criminosas de Chicago e New York nas décadas de 1910 e 1920 e às quadrilhas 
de Marselha e do Sul da Itália (Enzensberger, 1967). Trata-se de uma tendência 
universal que se manifesta em diferentes países e sociedades (Robert e Van 
Outrive, 1993). 
 
Fonte:paulolucio.arq.br 
No município do Rio de Janeiro, desde os anos 60, sabe-se da existência 
de quadrilhas organizadas investindo contra pessoas jurídicas (Paixão, 1990). 
Os estudos de Edmundo Campos Coelho (1978 e 1988) indicam o crescimento 
da criminalidade violenta, no período de 1978-1988. As taxas de homicídio eram, 
em 1977, da ordem de 15 ocorrências/cem mil habitantes. Em 1986, essa taxa 
 
 
 
havia saltado para 50 ocorrências. Estudo mais recente (Soares e outros, 1996) 
veio apontar taxas ainda mais elevadas para os anos subsequentes. Em São 
Paulo, tendências ao crescimento do crime violento revelam-se igualmente 
alarmantes. Estudo realizado por Feiguin & Lima (1995) observou que a 
participação dos crimes violentos no total das ocorrências criminais registradas 
cresceu, no período de 1984-1993, 10, 1%. Nesse período, esses crimes 
representam, em média, 28, 8% da massa de ocorrências oficialmente 
detectadas. Os crimes violentos saltaram de uma taxa de 945, 1 ocorrências/cem 
mil habitantes, em 1988, para 1119, 2 ocorrências/cem mil habitantes, em 1993; 
isto é, um crescimento da ordem de 18, 4%. Convém destacar, como indicam 
outras fontes, que as taxas de homicídios dolosos/cem mil habitantes 
significaram algo em torno de 42 ocorrências, no ano de 1994 (Teodózio e 
outros, 1994). 
Quanto ao segmento inquérito-processo penal, dados relativos ao período 
de 1970-1982, para o Estado de São Paulo, indicam que, em relação ao total 
geral dos inquéritos apreciados, os inquéritos crescem 191, 4%, as ações penais 
crescem 148, 5% e os inquéritos arquivados crescem 326, 2%. Tais valores 
significam que os inquéritos arquivados crescem 43, 3% mais do que os 
inquéritos apreciados, enquanto as ações penais crescem menos 14, 7% 
comparativamente aos inquéritos apreciados. Semelhante comportamento 
repete-se, em maior ou menor grau, para a maioria dos delitos. O crescimento 
de pessoas processadas é maior do que o crescimento dos denunciados que, 
por sua vez, é maior do que o dos condenados. Em 1970, do total de pessoas 
processadas, 75% foram denunciadas, 27% condenadas e 48% absolvidas. 
Uma década mais tarde, em 1982, essas proporções reduziram-se 
respectivamente para 65%, 22% e 43%. Em compensação, a extinção de 
punibilidade que era da ordem de 3, 4% em 1970 sobe para 6, 3% no final do 
período. Assim o número percentual de condenações vem caindo e, por 
consequência, aumentando as taxas de réus isentos da aplicação de sanções 
penais18. De acordo com Campos Coelho, no município do Rio de Janeiro, para 
os cinco últimos anos da década (1976-1980) é possível calcular as chances de 
 
18
 A inexistência de dados disponíveis para o período subseqüente (1983-1990), não apenas para o Estado de São 
Paulo, impede uma avaliação do comportamento dessa tendência ao longo da década de 1980. 
 
 
 
condenação tendo sido cometido um crime contra o patrimônio: 1976 - 0, 0506; 
1977 - 0, 0475; 1978 - 0, 0406; 1979 - 0, 0356; 1980 - 0, 0428. [...] Em outras 
palavras, em 1976, para cada cem crimes contra o patrimônio, condenava-se 
cinco infratores; em 1980, apenas quatro infratores" (Coelho, 1988: 155). Neste 
mesmo município, apurou-se que 92% dos inquéritos policiais instaurados, em 
1992, para apurar responsabilidade em crimes de morte não chegam a ser 
convertidos em processos penais (Soares e outros, 1996)19. 
 
 
Fonte: global.org.br 
Essa queda relativa das principais atividades judiciárias se reflete na outra 
ponta do sistema de justiça criminal - as prisões. O número total de presos, no 
país, no ano de 1995, foi de 148.760 ou seja 95, 47 presos/cem mil habitantes, 
um coeficiente paradoxalmente baixo quando comparado com o coeficiente de 
outras sociedades, encontrando-se atrás do Canadá (133/cem mil habitantes), 
da Nova Zelândia (127/cem mil habitantes), da Espanha (122/cem mil 
habitantes) e do Reino Unido (99/cem mil habitantes), países onde as taxas de 
delinquência e de criminalidade violenta são reconhecidamente mais baixas do 
que no Brasil, ainda que tenha conhecido tendências ao aumento no final da 
 
19
 Essas informações a respeito do movimento da criminalidade reproduzem parcialmente textos já publicados em Adorno, S. (1994). 
Cidadania e administração da justiça criminal. In: Diniz, E. e outros (orgs.). O Brasil no rastro da crise. São Paulo: Hucitec; Brasília: 
IPEA.; Adorno, S. Adorno, S. Consolidação democrática e políticas de segurança pública no Brasil: rupturas e continuidades. In: 
Zaverucha,Jorge (org). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Edições Bargaço, 1988, pp. 
149-189; Adorno, S. O gerenciamento público da violência urbana: a justiça em ação. In: Pinheiro, P.S. e outros. São Paulo sem medo. 
Um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro: Garamond, 1998, pp. 227-246. 
 
 
 
década passada e início desta década. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse 
coeficiente, no mesmo período, foi da ordem de 411 presos/cem mil habitantes20, 
em 1993. Saltou para 600 presos/cem mil habitantes, nos anos 1994-1995, 
segundo estatísticas coligidas pelo Comitê de Cooperação Penitenciária, do 
Conselho da Europa, refletindo uma tendência, desde a década de 1980, de 
crescimento e ampliação do Estado penal, constituído sobretudo em torno do 
arsenal prisional21 face à rápida retração do Welfare State22. 
No Estado do Rio de Janeiro, enquanto o crescimento da criminalidade, 
entre 1977 e 1986, foi da ordem de 50%, a taxa de aprisionamento (população 
prisional/cem mil habitantes) decresceu 27, 4%. Essa população prisional oscilou 
entre o máximo de 9.081 internos (1977) e um mínimo de 8.853 em 1980 
(excluídos aqueles recolhidos aos xadrezes policiais). Trata-se, conforme 
assevera Coelho, de uma estreita margem de variação, indicativa do 
esgotamento da capacidade do sistema penitenciário. Ademais, estima-se a 
existência de 55 mil infratores, em liberdade, com mandados de prisão a serem 
cumpridos (Coelho, 1988, p. 156). Aliás, segundo o Censo Penitenciário, 
realizado nesse Estado, no ano de 1988, havia 8.672 presos, distribuídos em 
vinte e seis estabelecimentos penitenciários (inclusive hospitais gerais, hospitais 
psiquiátricos e hospital de Custódia e Tratamento). Essa população compunha-
se de pessoas concentradas nos grupos etários de 25-29 anos (27, 17%), 30-34 
anos (21, 78%) e 21-24 anos (19, 57%). Cerca de 74, 54% não registraram 
passagem anterior por instituição de bem-estar (do tipo Recolhimentos 
Provisórios ou FEBEM). A maior parte residia em domicílio urbano (90%). Do 
mesmo modo, a maior parte era constituída de negros (pretos e pardos), 
representando o percentual de 67, 75%. Em termos de escolaridade, 63, 51% 
possuíam primeiro grau incompleto. Quanto à ocupação mais frequente ao longo 
da vida, 32, 19% se dedicavam à indústria de transformação e à construção civil; 
13, 86% ao comércio e às suas atividades auxiliares; 12, 67% à prestação de 
serviços. Apenas 4, 44% declarou encontrar-se sem ocupação ou nunca haver 
 
20
 Comparativamente a 1980, essa cifra representa um crescimento de mais de 150%. (Cf. World Almanac, 1993). 
21
 Cf. Donziger, S.R. (ed). (1993). The real war on crime. The report of the National Criminal Justice Commission. New 
York: Harper Collins Publishers. 
22
 Cf. Wacqüant, L. (1996). De l’État charitable à l’Etat pénal – notes sur le traitement politique de la misère en 
Amérique. Regards Sociologiques, 11: 30-38, maio. 
 
 
 
trabalhado. Em contrapartida, dentro dos estabelecimentos penitenciários, tão 
somente 29, 83% estavam ocupados, distribuídos nas atividades de faxina, 
cozinha e outras tarefas de manutenção dos estabelecimentos penitenciários. 
Os demais (70, 16%) encontravam-se, à época do Censo, desocupados. Por fim, 
na sua grande maioria (84, 65%) cumpriam pena em regime fechado (Estado do 
Rio de Janeiro, Censo Penitenciário, 1989)23. 
No Estado de São Paulo, no período de 1983-1989, apesar do baixo 
coeficiente de presos/cem mil habitantes, verificou-se o crescimento das prisões 
por crimes de homicídio (62, 4%), seguida do crescimento de crimes de roubo e 
extorsão (32, 4%) e tráfico de entorpecentes (17, 2%). Em compensação, houve 
decréscimo das taxas de prisões relativas aos demais crimes. No entanto, é 
preciso ressaltar que a maior parte dessas prisões não corresponde 
efetivamente a pessoas processadas e condenadas. Assim, a título de 
ilustração, na Região Metropolitana da Grande São Paulo, no ano de 1982, do 
total de 4.274 processados, presos pela prática de crimes contra a pessoa, 
encontravam-se condenados 33%. No caso dos crimes contra o patrimônio, essa 
proporção é ainda menor. Do total de 20.564 presos responsabilizados por esses 
crimes, somente encontravam-se condenados 28%. 
 
 
23
 Ao que parece, essa iniciativa do Estado do Rio de Janeiro em realizar um censo penitenciário, é inédita. Cumpre ressaltar, no 
entanto, a relativa fidedignidade dos dados coletados, pois que essa tarefa foi realizada por agentes penitenciários. Ainda que tenham 
sido treinados, esse grupo institucional não constitui pessoal adequado para a execução de atividades dessa natureza. Convivendo no 
mesmo meio, partilhando dos valores e dos modelos de comportamento próprios da cultura organizacional, a contaminação e os vícios 
na coleta de dados são inevitáveis. Para uma crítica do censo penitenciário, vide Zaluar (1990). Prisão, trabalho e cidadania: o censo 
penitenciário. Revista da Escola do Serviço Penitenciário. Porto Alegre: Escola do Serviço Penitenciário, v. I, 5: 69-74. 
 
 
 
 
Fonte: arquivos.editoracpad.com.br 
A superpopulação é uma realidade presente na maior parte das prisões 
brasileiras, em especial nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas 
Gerais. Segundo dados coligidos pelo Censo Penitenciário (1995), promovido 
pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério 
da Justiça, em cada cela, habitavam em média 2, 1 presos, dos quais 95, 6% 
homens e 4, 4% mulheres, distribuídos quanto à cor entre brancos (52, 1%) e 
não brancos - isto é, mulatos, negros e outra cor (47, 9%). Desses, 71, 4% 
encontravam-se condenados, enquanto que 28, 6% correspondiam a presos 
provisórios. A maior parte (49, 3%) encontrava-se cumprindo pena em virtude de 
crime contra o patrimônio: roubo (32, 9%) e furto (16, 4%). Paradoxalmente, o 
homicídio cujas taxas, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e 
Porto Alegre vieram e vem crescendo a ritmos acelerados, representam tão-
somente 15% de todas as condenações recolhidas às prisões. 
Mais significativo é constatar que cumpriam pena irregularmente fora dos 
sistemas penitenciários estaduais 38, 6% dos recolhidos às prisões, 
possivelmente em Cadeias Públicas, Distritos Policiais e Xadrezes. Como se 
sabe, esses estabelecimentos não são adequados para o cumprimento da pena. 
As consequências para o processo de ressocialização do preso sentenciado à 
pena privativa de liberdade - seja lá o que se possa entender por ressocialização 
- são irreversíveis, afetando sobretudo as condições sociais de retomada dos 
direitos civis. Em decorrência, impõe-se considerar um segundo aspecto: a 
 
 
 
reincidência penitenciária. Conquanto haja avaliações oficiais a respeito, 
nenhuma delas é confiável. Estudo realizado junto à população penitenciária da 
Penitenciária do Estado de São Paulo (Adorno e Bordini, 1989 e 1991), alcançou 
a taxa de 46, 04%. Ainda que se refira a um único estabelecimento, é de se supor 
que não haja diferenças estatisticamente significativas entre as demais unidades 
prisionais. Convém observar o significado dessa taxa: a cada dois egressos 
penitenciários que retomam seus direitos civis, um comete novo delito, é 
condenado a pena privativa de liberdade e retorna à prisão24. 
Ademais, a superpopulação pode ser avaliada pelo déficit de vagas no 
sistema. No período considerado, havia 348 estabelecimentos penitenciários, 
dos quais 42, 52% exclusivamente dedicados ao cumprimento de penas em 
regime fechado. No conjunto, todos os tipos de estabelecimento (exclusivamente 
fechados, exclusivamente abertos, unidades hospitalar/clínicas, exclusivamente 
semiaberto, mais de um regime e unidades psiquiátricas) compreendiam 68.597 
vagas. Considerando o número de presos recolhidos, o déficitde vagas era da 
ordem de 75.887. Para suprir esse déficit, sem contar o crescimento “vegetativo” 
da população carcerária e igualmente sem contar o cumprimento de mandados 
de prisão cujos condenados à pena supressiva da liberdade não foram ainda 
recolhidos às prisões, estima-se a necessidade de construir algo em torno de 
130 estabelecimentos penitenciários, com capacidade unitária para 500 presos, 
ao custo de US$15 milhões. 
 
24
 É justamente esse processo que diferencia reincidência penitenciária de reincidência criminal, esta não requer 
necessariamente o cumprimento de pena em estabelecimento penitenciário. Há estudo sobre reincidência 
penitenciária, para o Estado do Rio de Janeiro [Lemgruber, J. (1989). Reincidência e reincidentes penitenciários no 
sistema penal do Estado do Rio de Janeiro. Revista da Escola do Serviço Penitenciário. Porto Alegre, ano I, 1(2): 45-
76.). Embora adotando metodologia distinta daquela empregada por Adorno e Bordini, os resultados alcançados por 
Lemgruber não são completamente divergentes. Cf. Adorno, S. & Bordini, E. (1989). Reincidência e reincidentes 
penitenciários em São Paulo, 1974-1985. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: ANPOCS, 9(3): 70-94. fev. 
 
 
 
 
Fonte: 2.bp.blogspot.com 
Nesse contexto de carências, as prisões do estado de São Paulo não 
constituem exceções. Conquanto não se trate de fenômeno recente, ao que 
parece mesmo endêmico25, o acúmulo de problemas relativos à administração 
de amplas massas carcerárias vem se agravando ano após ano. Dados coligidos 
pela Secretaria de Administração Penitenciária, correspondentes ao censo 
penitenciário de 1997, indicam a existência de uma população carcerária, de 
66.335 presos, ou seja, nesse Estado estavam concentrados algo em torno de 
40 a 43% da população carcerária do país. Do total de condenados (=51.700 
réus), 30, 66% encontravam-se cumprindo suas penas fora do sistema 
penitenciário, cenário que recentemente começou a ser alterado com a 
transferência de presos dos distritos policiais, cadeias públicas e xadrezes para 
novos estabelecimentos penitenciários, recém inaugurados no interior do 
Estado. De qualquer modo, os dados disponíveis, para o ano de 1995 (Ministério 
da Justiça, Censo Penitenciário 1995) apontavam um déficit de 32.332 vagas, 
avaliação que poderia ser ainda mais agravada se confirmada a suspeita 
segundo a qual há cerca de 152.009 mandados de prisão decretados a cumprir26. 
 
25
 De fato, a maior parte das reformas institucionais implementadas por diferentes governos estaduais foi estimulada por prementes 
problemas decorrentes de superpopulação carcerária. É o que se verificou sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, logo no início 
do regime republicano. Neste último estado, em 1955, o governo Jânio Quadros empreendeu substantiva reforma no sistema 
penitenciário, projetando uma expansão de vagas para as duas décadas seguintes, projeto implementado nas gestões subsequentes, 
inclusive com a construção de uma nova Casa de Detenção, e que acabou consolidado no governo Paulo Egydio Martins (1975-79). 
Alguns anos mais tarde, já se anunciavam novos sinais de esgotamento da oferta de vagas e persistiam os problemas decorrentes da 
superpopulação carcerária. A respeito, vide: Adorno e Fischer (1987). Análise do sistema penitenciário do Estado de São Paulo: o 
gerenciamento da marginalidade social. São Paulo: CEDEC. Mimeo. 2vs. 
26
 Verdade seja dita, esse número de mandados de prisão a cumprir não corresponde necessariamente ao universo de 
pessoas condenadas. Embora não se disponha de dados precisos, é de se supor que, em média, cada delinquente, 
 
 
 
Convém ressaltar que a atual Casa de Detenção de São Paulo foi planejada e 
construída, logo no início da década de 1960, para abrigar 3500 indiciados e 
réus, custodiados pela Justiça Criminal, aguardando decisão judiciária. Em 
dezembro de 1992, esse estabelecimento contava com 7.050 detidos, muitos 
dos quais inclusive cumprindo pena privativa de liberdade, o que representava 
uma média de 2, 16 presos/cela. Não sem razões, esse estabelecimento tem 
sido palco privilegiado de motins, oportunidade em que a Polícia Militar intervém, 
algumas vezes com resultados deploráveis, como aquela intervenção ocorrida 
em outubro desse ano, em que 111 presos foram mortos, em operação destinada 
a conter suposta rebelião (Azevedo Marques & Machado, 1993; Pietá & Justino, 
1993). 
Finalmente, cabem ainda duas observações. Em primeiro lugar, o 
sentimento coletivo, expresso em não poucas sondagens de opinião pública, 
segundo o qual grassa na sociedade brasileira uma impunidade generalizada 
pode ser, em parte, confirmado pelo baixo número de presos condenados à pena 
de prisão, sobretudo se este cenário for comparado com o de outras sociedades 
onde o perfil da criminalidade é menor e menos violento, conforme sugerido 
anteriormente. No entanto, verdade também seja dita, a contrapartida insidiosa 
da impunidade é o viés punitivo: por um lado, ainda que precários, os dados 
disponíveis sugerem que a punição tem alvos bem demarcados pois alcança 
prioritariamente o crime comum contra o patrimônio, cometido, via de regra, por 
cidadãos procedentes dos grupos e classes sociais situados nos estratos mais 
inferiores das hierarquias sociais. Embora não se trate de fenômeno 
exclusivamente próprio da sociedade brasileira - aliás, uma longa tradição de 
estudos norte-americanos já constatavam sua força e presença nos Estados 
desde princípios do século XX27 - sua extensão parece acentuada entre nós. A 
punição tende a privilegiar os mais pobres, os migrantes, os negros28. 
Em segundo lugar, ao mesmo tempo que pune, há um claro privilégio, em 
nossa cultura judiciária, pela aplicação da pena privativa de liberdade, 
 
possa carregar quatro condenações. Se esta estimativa for razoável, o número de sentenciados condenados à pena 
privativa de liberdade será da ordem de 38.002. 
27
 Cf. Donziger (1993), citado. 
28
 Cf. Adorno, S. (1994). (1995). 
 
 
 
preferencialmente distribuída em regime exclusivamente fechado. De acordo 
com o Censo Penitenciário de 1995, 75, 1% cumprem pena nesse regime. 
Ademais, se considerarmos a maior participação percentual dos condenados a 
penas médias, de 4-8 anos de extensão, em geral aplicáveis aos autores de 
crimes contra o patrimônio (furto e roubo), é de se suspeitar, com alguma 
margem de certeza, que todo o arsenal prisional esteja colonizado para conter 
essa forma de criminalidade, em detrimento talvez da aplicação de sanções, 
líquidas e certas, contra autores de homicídios comuns, inclusive decorrente da 
participação em linchamentos, grupos de extermínio e execuções sumárias, a 
par de outros graves atentados contra os direitos humanos, sobretudo aqueles 
que comprometem o mais universal dos direitos, o direito à vida. Em síntese, por 
um lado, deixa de punir; porém, quando o faz, o faz seletivamente. Assim, por 
um lado, o sistema prisional acaba, em última instância, caudatário de um 
acentuado desequilíbrio em suas funções de controle social. Por outro lado, a 
seu modo, contribui para que as leis penais não sejam aplicadas indistintamente 
para todos os cidadãos, de onde decorrem lacunas e omissões que 
comprometem a crença na universalidade das instituições de promoção e 
proteção dos direitos que devem proteger a pessoas, seus bens e outros valores 
social e culturalmente prezados. Ademais, quando executa o cumprimento de 
sentenças privativas de liberdade e acentua o viés seletivo (de "classe") na 
distribuição das sanções penais, compromete o princípio da isonomia jurídica, 
certamente um dos pilares do Estado democrático de Direito. Não é de se 
estranhar portanto que as prisões brasileiras, em especial naquelas regiões eEstados onde os problemas de superpopulação carcerária são mais graves e 
tendem a se agravarem no tempo, sejam espaço de toda sorte de tensões e de 
sistemáticas violações de direitos humanos. 
 
 
 
Políticas Penitenciárias, Violência e Direitos Humanos29 
 
Fonte: itaporangaonline.com.br 
 
Ao longo das quatro últimas décadas, análises efetuadas mostraram que 
a tônica dominante das políticas públicas penais no Brasil e em especial no 
estado de São Paulo30 tem sido a de promover a segregação e o isolamento dos 
sentenciados, mediante um programa deliberado de aumento progressivo da 
oferta de novas vagas no sistema, política de mão única porque não 
acompanhada de outras iniciativas e que não ataca os pontos tradicionais de 
estrangulamento. Seus efeitos podem ser elencados: ampliação da rede de 
coerção; superpopulação carcerária; administração inoperante; enrijecimento da 
disciplina e da segurança sem quaisquer consequências no sentido de deter a 
escalada da violência e a sucessão de rebeliões a que o sistema penitenciário 
vem assistindo nos últimos anos; timidez das medidas de alcance técnico, 
medidas essas incompatíveis com o programa de expansão física elaborado 
independentemente de avaliações e projeções dotadas de confiabilidade; falta 
de explicitação de objetivos, o que se manifesta na ausência de um programa 
articulado, integrado e sistemático de intervenção seja no âmbito das políticas 
organizacionais administrativas ou de ressocialização; confrontos entre grupos 
 
29
 O trecho que se segue reproduz, parcialmente modificado em virtude da atualização de dados e informações, texto 
anteriormente publicado, cf. Adorno, S. (1991). Sistemas penitenciários no Brasil. Problemas e desafios. Revista USP. 
São Paulo, 9: 65-78, mar./mai. Re-publicado em Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. 
Brasília, 1(2): 63-87, jul./dez, 1993. 
30
 O histórico sobre as políticas públicas penais do Estado de São Paulo, no período de 1950-1985, cuja exposição se 
segue está inteiramente baseado em pesquisa sob minha coordenação e em conjunto com Rosa Maria Fischer (cf. 
Adorno & Fischer, 1987, citado). 
 
 
 
que disputam influência sobre o poder institucional, expressos na eficácia da 
ideologia da ordem e da segurança, da vigilância e da disciplina. Todos esses 
aspectos confluem para o mesmo ponto: a reconhecida incapacidade e 
incompetência do poder público em gerenciar amplas massas carcerárias, bem 
assim em lograr uma política efetivamente coordenadora da execução penal. 
A despeito dos propósitos reformadores e ressocializadores embutidos na 
fala dos governantes e na convicção de homens aos quais está incumbida a 
tarefa de administrar massas carcerárias, a prisão não consegue dissimular seu 
avesso: o de ser aparelho exemplarmente punitivo. Nisto reside, ao que tudo 
indica, a incapacidade do sistema penitenciário brasileiro em assegurar o 
cumprimento das Regras Mínimas para Tratamento dos Presos e 
Recomendações Pertinentes, Resolução adotada em 30 de agosto de 1955, em 
Genebra, no I Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e 
Tratamento do Delinquente, da qual este país é signatário e que, como se sabe, 
pretende disciplinar a aplicação da pena privativa de liberdade coibindo os 
abusos de poder dos quais os campos de concentração, durante a II Guerra 
Mundial, haviam se tornando o exemplo mais deplorável a ser combatido. No 
Brasil, contudo, em face das condições de existência dominantes nas prisões, a 
perda da liberdade determinada pela sanção judiciária pode significar, como não 
raro significa, a perda do direito à vida e a submissão a regras arbitrárias de 
convivência coletiva, que não excluem maus tratos, espancamentos, torturas, 
humilhações, a par do ambiente físico e social degradado e degradante que 
constrange os tutelados pela justiça criminal à desumanização. 
Não são poucos os indicadores que espelham a precariedade do sistema 
penitenciário brasileiro. Embora as condições de vida no interior dessas 
"empresas de reforma moral dos indivíduos" sejam bastante heterogêneas 
quando consideradas sua inserção nas diferentes regiões do país, traços 
comuns denotam a má qualidade de vida: superlotação; condições sanitárias 
rudimentares; alimentação deteriorada; precária assistência médica, judiciária, 
social, educacional e profissional; violência incontida permeando as relações 
entre os presos, entre estes e os agentes de controle institucional e entre os 
 
 
 
próprios agentes institucionais; arbítrio punitivo incomensurável31. Em São 
Paulo, a superpopulação carcerária encontra-se na origem imediata de não 
poucos outros problemas, sobretudo a promiscuidade que promove toda sorte 
de contaminação - patológica e criminógena - exacerbando a violência como 
forma institucionalizada e moralmente legítima de solução de conflitos 
intersubjetivos. Esse quadro agrava-se devido ao expressivo contingente de 
população encarcerada nos distritos e delegacias policiais, nos quais se 
encontram indiferenciados presos primários e reincidentes, detidos para 
averiguações ou em flagrante e cidadãos já sentenciados pela justiça criminal. 
Nessas dependências, reinam as mais desfavoráveis condições para a 
"recuperação" ou "ressocialização" - seja lá o que esses termos possam 
significar - dos delinquentes. Ao contrário, a contaminação criminógena reforça 
a ruptura dos laços convencionais com o "mundo da ordem", instituindo as 
possibilidades efetivas de construção de trajetórias e carreiras na delinquência. 
No mais, concorrem para a falência das políticas penais formuladas e 
implementadas as demais condições físicas e sociais constituídas em torno da 
superpopulação. A habitabilidade das celas é, via de regra e com raras 
exceções, aquém de qualquer patamar mínimo reconhecido como adequado à 
conservação da saúde individual e coletiva dos presos. De fato, na maior parte 
das celas, em exíguo espaço convive um número não desprezível de pessoas. 
Esse é um quadro particularmente gritante nos grandes estabelecimentos 
prisionais e, notadamente, nas delegacias policiais. Visita da Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, ao 3º Distrito Policial da cidade 
de São Paulo constatou que, em um espaço de 12m2, "destinado a alojar seis 
presos, se alimentavam e dormiam, sem leitos, nem qualquer comodidade por 
mínima que fosse, muitas vezes sentados ou de pé por falta de espaço, quase 
20 presos"32. Nesses exíguos espaços, frequentemente, institui-se sistema de 
rodízio, a fim de que todos os reclusos de uma mesma cela possam desfrutar do 
 
31
 Uma descrição pormenorizada dessas condições de vida encontra-se em: Americas Watch (1989) Americas Watch Committee 
(1989). Condições das prisões no Brasil. São Paulo: OAB-SP; NEV-USP e outros; Fundação do Desenvolvimento Administrativo. 
FUNDAP. (1991). Assistência social. Sistema carcerário. Documentos de Trabalho DT/QS 4. São Paulo: Fundap. 92p.; e Fundação 
João Pinheiro. Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. Minas Gerais. Diretoria de Projetos III. (1984). 
Caracterização da população prisional de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Belo Horizonte, mimeo. 
32
 Cf. Organização dos Estados Americanos - OEA, Secretaria Geral, Comissão Interamericana de Direitos Humanos 
(1997). Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Washington, CIDH, p. 62. 
 
 
 
repouso, pois não há camas em número suficiente e sequer espaço para abrigá-
las, o que obriga inclusive a que muitos se sujeitem a dormir no chão de cimento. 
Ademais, as instalações sanitárias são precárias; é muito comum a ausência de 
água corrente para banhos e para asseio pessoal. A existência de restos de 
alimentação, guardados ou acumulados contribui para a disseminação de 
insetos, sobretudo ratose baratas pelos quais os presos se veem assediados 
com picadas e mordeduras. A iluminação precária, a má ventilação, a circulação 
de odores fétidos, a concentração de águas insalubres originárias da mistura de 
poças de chuvas ou de encanamentos desgastados com lixo, o acúmulo de 
gazes ensanguentadas por cima do parco mobiliário traduzem um quadro 
crescente de deterioração das condições de vida. 
 
 
Fonte: src.odiario.com 
Os padrões de alimentação também não primam pela qualidade. As 
refeições diárias consistem, pela manhã, de café e um pedaço de pão; ao 
almoço, de arroz e feijão, macarrão e, vez ou outra, um pedaço de carne. No 
jantar, consomem-se sobras do almoço. Não é incomum que a alimentação seja 
servida já deteriorada, o que ocasiona queixas frequentes de problemas 
gastrointestinais. Isso se dá, sobretudo, nos estabelecimentos onde não há 
instalações próprias para a produção da alimentação que é, nesse caso, obtida, 
mediante convênio, junto a empresas do ramo, a bares e a lanchonetes das 
redondezas, o que configura muitas vezes fonte de corrupção que envolve os 
 
 
 
próprios presos, funcionários e mesmo administradores. Aqueles que dispõem 
de algum dinheiro complementam a minguada dieta recorrendo às lanchonetes 
locais, quando as há ou obtendo alimentos através de parentes por ocasião das 
visitas semanais. Há mesmo quem, desprovido de contatos com o mundo 
exterior, se queixe de receber alimentação apenas uma vez por dia, o que parece 
ter sido constatado em prisões do Norte e Nordeste do país33. 
Quanto ao vestuário, até há pouco tempo as prisões encarregavam-se de 
fornecê-lo, uniformizando os presos para facilitar o controle sobre a massa 
carcerária. O que se tem verificado, nos anos recentes, é que a retração de 
recursos destinados ao sistema penitenciário vem restringindo drasticamente a 
oferta de vestuário, cujas necessidades são, via de regra, supridas pelos 
familiares. Nesse terreno, o quadro é paradoxal. Ao lado de detentos bem 
vestidos, agasalhados de modo adequado, inclusive para enfrentar as mais 
adversas temperaturas - alguns ambientes são extremamente úmidos enquanto 
outros quentes e pouco ventilados - há detentos que portam camisetas rasgadas 
e calças ou calções gastos e rotos. 
Frente a esse quadro não é de esperar que a saúde coletiva seja razoável. 
Ao lado das epidemias disseminadas pelas más condições sanitárias da 
habitabilidade, há outras resultantes da aglomeração de pessoas em espaços 
exíguos. Conjunturalmente, enfrentam-se epidemias de tuberculose, além de 
várias doenças sexualmente transmissíveis. Trata-se de uma população de alto 
risco, vulnerável a toda sorte de doenças infectocontagiosas, fato ainda mais 
agravado pela recente epidemia de AIDS. Os testes que vem sendo aplicados 
indicam, sobretudo nos estabelecimentos de elevada concentração populacional 
como a Casa de Detenção de São Paulo, sorologia positiva, cujas taxas são em 
geral mais elevadas do que no conjunto da população urbana. Para responder a 
graves problemas de saúde pública, contam os estabelecimentos penitenciários 
com parcos recursos médicos, sejam eles clínicos, ambulatoriais ou 
hospitalares. Ao que revelam os dados coligidos pelo Ministério da Justiça, havia 
no Brasil, em 1988, 457 leitos nos hospitais gerais para o atendimento de cerca 
 
33
 Citado por Camargo, M.S. (1995). Sistema policial e carcerário. In: NEV-USP. Os direitos humanos no Brasil 1995. 
São Paulo: NEV e CTV, pp. 125-137. 
 
 
 
de 85.000 presos, excluída a população dos manicômios e institutos 
psiquiátricos. Em termos relativos, esse universo corresponde à relação de um 
leito para 186 presos, padrão muito aquém do recomendado (1 leito para cada 
50 presos, considerando-se sobretudo as características da população). Para 
São Paulo, os dados são os seguintes: há um hospital geral com 112 leitos e 
dois institutos psiquiátricos com 549 leitos. Excluídos esses institutos, a relação 
população/leito é da ordem de 1 leito para 279 presos. Vê-se, por conseguinte, 
que no Estado da Federação que concentra a maior população carcerária do 
país a relação leito/paciente é acentuadamente menor que a média do país, dado 
que sugere um quadro sanitário ainda mais deficitário. 
Os recursos ambulatoriais são igualmente precários. As instalações são 
deficientes, há insuficiência de médicos e de atendentes de enfermagem, a par 
de equipamentos obsoletos e de medicamentos insuficientes para debelar o 
quadro patológico dessa população. Poder-se-ia objetar que essas condições e 
esse atendimento precário não são peculiares à população carcerária, porém à 
população brasileira, constituída em sua maior parte de pobres, desprovidos dos 
requisitos mínimos indispensáveis à reprodução de sua existência cotidiana. Se 
essa observação é verdadeira, não menos o é lembrar que esse quadro se 
agrava diante das características da massa carcerária brasileira e das condições 
a que se encontra submetida, ao que parece ainda mais sub-humanas que 
aquelas próprias à população pobre dos campos e das cidades. Não sem 
motivos, ao lado das reclamações contra a carência de assistência jurídica, 
reclama-se igualmente contra a carência de assistência médica34 
Esse contexto social é, como se sabe, bastante propício à violência. 
Venha de onde e de quem vier, a violência constitui código normativo de 
comportamento, linguagem corrente que a todos enreda, seja em suas formas 
mais cruéis, seja em suas formas veladas. Entre os detentos, torna-se quase 
impossível intervir nas disputas violentas, que envolvem os mais diferentes 
interesses e objetos. Tudo é passível de querela: confrontos entre quadrilhas; 
suspeita de delação; envolvimento no tráfico de drogas, na exploração de 
atividades internas, no tráfico de influências sobre os "poderosos", sejam 
 
34
 Cf. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil (1997) citado; e Camargo (1995), citado. 
 
 
 
aqueles procedentes da massa carcerária ou da equipe dirigente; posse de 
objetos pessoais; obtenção de favores sexuais, o que compromete não apenas 
os presos, sobretudo os mais jovens e primários, muitas vezes comercializados 
no interior da população, mas também suas esposas, suas companheiras e suas 
filhas; manutenção de privilégios conquistados ou cedidos; disputas de postos 
de trabalho. A explosão incontida da violência expressa-se sob diferentes 
modalidades. Não raro, verificam-se homicídios praticados com requintes de 
barbaridade, dos quais jamais se busca evitar publicidade. Nesse terreno, não 
há lei de silêncio que impeça a circulação de informações noticiando hediondos 
crimes de morte. Seus autores, quando identificados, parecem mesmo instados 
a relatar com todos os detalhes o ato praticado, como se fosse um ato de bravura 
e de heroísmo que lhes confere prestígio, fonte de respeitabilidade pessoal, no 
interior da massa carcerária35. Afora esse espectro de violência, haveria que se 
contabilizar os estupros, as agressões de uns contra outros, os acertos de contas 
verificados notadamente durante as rebeliões e motins, os "pactos de morte". 
Respondem os agentes institucionais com igual ou superior intensidade 
de violência. Não obstante as pressões sociais e políticas para conter as 
punições ilegais, sobretudo a partir da chamada transição para a democracia 
quando os movimentos de defesa dos direitos humanos se tornaram vigilantes 
públicos do que se passava no interior das prisões e das demais "instituições 
totais", persistiram toda sorte de abusos físicos. Nos regimentos internos dos 
estabelecimentos prisionais, há, de modo geral, capítulo dedicado à repressão 
de comportamentos considerados inadequados, para os quais há sanções. 
Esses regimentos, além de serem ultrapassados, intervindo nos mais recônditos 
espaços do comportamento,

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