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Artigo Científico - O DIREITO E O ESTADO DEPOIS DA CRISE

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O DIREITO E O ESTADO DEPOIS DA CRISE
Yana Paula Both Voos�
Resumo
	Se a globalização econômica pode ser definida como a diferenciação funcional das atividades produtivas, comerciais e financeiras em escala mundial, como interpretar as estruturais desse processo – que tendem a provocar rupturas e perturbações na ordem institucional em vigor – com esquemas cognitivos, mecanismos normativos e procedimentos legais concebidos para um contexto histórico de afirmação dos princípios da soberania e da legalidade?
Palavras–chave: Globalização. Economia. Atividade comercial.
1 Introdução
	“Entre a taça e os lábios há vários percalços”, costumava dizer Lord John Maynard Keynes. “A maioria das criações do intelecto ou da fantasia se desvanece após um período que varia entre uma sobremesa e uma geração; outras sobrevivem, retornando, ás vezes, após um eclipse temporário”, dizia Joseph Alois Schumpeter.
	Animosidades intelectuais, rivalidades acadêmicas e egolatrias à parte, Keynes e Schumpeter foram dois pensadores profundamente envolvidos com as grandes questões de seu tempo e, por sua grandeza de visão e sensibilidade histórica, continuam até hoje sendo autores fundamentais para quem tenta relacionar Direito e Economia. 
	Na literatura política, sociológica e jurídica, as idéias econômicas de Keynes costumam estar associadas a uma economia de mercado regulada e ao Welfare State – ou seja, a um modelo de Estado do Bem-Estar conhecido por sua ênfase à justiça redistributiva, por seus programas de inclusão social e por seu tradicional sistema de financiamento previdenciário intergeracional baseado no princípio da solidariedade.
	Mais precisamente no Direito, na Sociologia e na Ciência Política o pensamento keynesiano costuma estar referido a um tipo-ideal de Estado capaz de criar as confições para o investimento, controlar os cursos da economia e das às famílias a proteção necessária nas “contingências sociais.”
	Em termos igualmente ideal-típicos, o pensamento de Schumpeter costuma estar associado a um Workfare State – ou seja, a um Estado pró-trabalho, voltado à capacitação dos agentes econômicos na busca de novas tecnologia, novas técnicas de produção, novos processos, novas fontes de recursos e de difusão para a cadeia de produção, com o objetivo de aumentar seu poder competitivo nos mercados de grande concorrência. Este também é um tipo de Estado que substitui o tripé “poder público/indústria nacional/integração social”, comum ao Estado de perfil keynesiano, por um processo de desjuridificação e deregulamentação, por estratégias de redução dos custos diretos e indiretos da mão de obra, por esforços de integração das economias nacionais de inovações e por formação de parcerias privadas e públicas com o objetivo de identificar e desenvolver vantagens comparativas locais e regionais.
	O que justifica a menção a Keynes e a Schumpeter no âmbito sociológico, é que muitas vezes as grandes crises econômicas constituem um desafio de caráter teórico, na medida em que ultrapassem os teritórios disciplinares tradicionais, apontando dessa maneira nossa incapacidade de tratar conceitual e analiticamente de disfunções sistêmicas não conhecidas ou não previstas na literatura especializada. E é este o caso da atual crise econômica. 
	Se por um lado o retorno de Keynes e Schumpeter ao debate político e ecômico contemporâneo revela que o pensamento de abmos superou os percalços entre a taça e os lábios, ultrapassou o tempo de uma sobremesa e foi muito além de uma geração, por outro lado muitas ideias e teses keynesianas e schumpeterianas têm sido apresentadas e retomadas de modo mais ideológico do que analítico, convertendo o velho antagonismo entre liberdade de inciiativa e ingerência ou controle administrativo, entre mercado e regulação, numa luta bíblica entre o bem e o mal não muito diferente da travado por São Jorge contra o dragão.
2 A CRISE DE 2008
	Por seu caráter reducionista, a oposição entre Estado e mercado tende a obscurecer ou mascarar o enorme e complexo campo analítico que a crise financeira de 2008 e sesu efeitos, tanto sobre a economia mundial quantro sobre os arcabouçoes regulatórios, oferecem aos economistas, cientistas políticos, juristas e sociólogos do Diretio. Exponenciada pela interconexão de instituições financeiras em escala global e tendo como epicentro o colapso financeiro norte-americano, a crise decorreu da confluência dos mais variados fatores.
	Alguns fatores foram inéditos e específicos. Por exemplo, o crescimento descontrolado de derivativos, da multiplicidade de operações não padronizadas fora de mercados regulados, das arbitragens com taxas de juros e taxas de câmbio, da opacidade de novos tipos de operações e de fundos de investimento, dos níveis elevados e não controlados de alavancagem, dos conflitos de interesses de agências de classificação de risco, das políticas de remuneração que incentivam os executivos financeiros a uma excessiva exposição de risco e da coexistência de operações entre um conjunto de instituições regulamentadas e outras instituições em mercados com pouca ou sem nenhuma regulamentação. Foi a conjugação desses fatores que levou prejuízos iniciais estimados entre US$300 e US$400 bilhões no mercado americano de hipotecas subprime a se converterem numa perda de ativos originados em crédito do sistema financeiro dos Estados Unidos que, pelas estimativas, teria ultrapassado US$2,2 trilhões.
	Combinando assim fatores novos e antigos, que puseram em xeque modos tradicionais de formulação e implementação de política econômica, solaparam os esquemas de crescimento até então prevalecentes e revelaram as crescentes dificuldades enfrentadas pelas autoridades governamentais para neutralizar o chamado “risco sistêmico”, a crise de 2008 evidenciou o déficit de informação das autoridades nacionais sobre a situação de liquidez global dos bancos. Entreabriu a falta de transparência do setor. E atingiu todos os mercados – do monetário ao de crédito, das bolsas de valores e de mercadorias às operações com opções de compra, contratos futuros e swaps.
	Em vez de ter se expandido para financiar a produção e o comércio, desenvolvendo sistemas e mecanismos de gestão de riscos que os habilitassem a financiar as inovações do setor real da economia, os mercados monetário e de crédito e as bolsas de valores cresceram em sentido inverso, com base em títulos negociados por investidores financeiros – como fundos de pensão, fundos de cobertura (hedge) e fundo mútuos. Nesse ambiente, bancos e instituições financeiras não bancárias passaram a operar com crescente tolerância a risco, buscando retornos cada vez mais elevados. Com isso, multiplicaram-se as operações especulativas e de curto prazo , em deterimento de investimentos produtivos de médio e longo prazo, o que resultou numa riqueza financeira progressivamente desconectada da riqueza real e num regime de acumulação caracterizado pela ausência de uma regulação firme e eficiente.
	Apesar da tentativa das autoridades internacionais de regulamentação de impor até 2012 novas regras sobre o capital próprio dos bancos, limites de alavancagem, gestão de liquidez, previsão para perdas e “colchões” adicionais de capital para grandes bancos, com o objetivo de aumentar a higidez do setor bancário, tornando-o menos vulnerável a crises sistêmicas, alguns pesos pesados da economia mundial, como Alemanha, França e Japão, defenderam um prazo bem mais longo e um cronograma “gradual e suave” para a introdução de novas medidas para o setor. 
	Um dos maiores fracassos das principais agências de rating – como a Standard & Poor’s, a Moody’s Investor Services e a Fitch Ratings – foi a atribuição do rating AAA a instrumentos financeiros como as Asset Backed Securities. Outro fracasso ocorreu com os fundos de hedge (que desempenharam as funções de especulador e arbitragem, em contraste com os tradicionais fundos de longo prazo, como os fundos mútuos, cujos recursos são investidos em ações ou bônus.Falhas de mercado ou falhas de governo? Deixar bancos tradicionais e instituições financeiras de importância sistêmica irem à bancarrota, como ocorreu com o Lehman Brothers, com 158 anos de existência, e que carregava mais de US$ 600 bilhões em ativos financeiros e contava com some te US$ 15 bilhões de capital próprio?
	Levando-se em conta que um sistema econômico pode ser visto como um conjunto de dispositivos regulatórios voltados prar o aumento da eficácia no uso de recursos escassos, a partir dessas dúvidsas e indagações é que se pode aprofundar o debate travado entre os que defendem maior intervencionismo do Estado nacional, por meio de autarquias e controles normativos diretos, e os que advogam somente pela utilização de controles normativos diretos, e os que advogam somente pela utilização de controles indiretos, por meio de agências reguladoras capazes de aumentar a eficiência na troca de informações sobre as instituições financeiras, bem como de impor créditos novos e mais rígidos para as políticas de remuneração de executivos do setor.
	As crises desafiam a autossuficiência dos sistemas, p~çoem em xeaque as prioridades estabelecidas e exigem novas estratégias e novas formas de ação sistêmica
	Elas requerem ações multilaterais coordenadas, que vão além dos tradicionais acordos de cooperação intergovernamental, e novas estruturas institucionais e regulações de alcance transnacional, cuja concepção, implantação e atuação efetiva dependem de novas relações de froça. Após a eclosão da crise, enquanto as autoridades econômicas passaram a discutir quais deveriam ser no médio e longo prazo as mudanças legais e as medidas de regulação maccroprudencial necessárias para restabelecer a disciplina sobre os mercados financeiros, como a criação de uma agência supervisora internacional, o desenho de um órgão capaz de exercer o papel de um Market maker global.
	A estimativa é de que o custo fiscal das intervenções governamentais no mercado desde o início da crise, tinha ficado em médio em 2,7% do PIB dos países avançados do G-20.
3 AS RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE DIREITO, PODER E ECONOMIA
	Uma das principais características do mundo contemporâneo é a pluralização dos tempos de poder. O que se faz num cenário política de curto prazo, por exemplo, acaba sendo desfeito a médio e longo prazo. Na teoria político-jurídica clássica, poder abarcava o conjunto de espaços e de todas as temporalidades – como sugere a epistemologia hobbesiana, fortemente dominada pelas leis da mecânica. No atual mundo pós-hobbesiano, mais cibernético do que mecanicista, os modos de espacialização se multiplicam e a temporalidade se decompõe. A cada espaço de poder, contrapõem-se, com o passar do tempo, novas formas de construção espacial.
	Colocando o problema em termos mais concretos, quais tipos de instrumento legal poderão ser utilizados de modo eficiente pra reconstruir as demandas domésticas e a demanda global?
	O denominador comum dessas indagações, que consiste numa das premissas centrais deste trabalho, é a ideia de que a economia contemporânea se caracteriza por dinâmicas e processos que obedecem a lógicas próprias, não sendo controláveis com base nas categorias e procedimentos normativos e nos padrões espaciais e temporais construídos sob a inspiração da teoria político-jurídica clássica – mais precisamente, é a ideia de que a integração dos mercados financeiros em escala global os tornou mais poderosos na formação das decisões, e com isso, sujeitou as economias nacionais às consequências de atos e acordos decididos fora de seus respectivos territórios. Evidenciando assim que os espações tradicionalmente reservados ao direito positivo e a política legislativa já não coincidem com o espaço territorial e que os Estados nacionais enfrentam dificuldades crescentes para neutralizar os efeitos dos fatores externos e para atuar como reguladores do sistema financeiro doméstico e globalizado, por meio de seus mecanismos político-normativos internos, essas questões colocam o pensamento jurídico frente a alguns problemas importantes.
3.1 Unificação legislativa
	
	O primeiro problema envolve a convergência e a homogeneização da legislação financeira e da regulação sobre valores mobiliários em escala planetária, como forma de se pôr fim ao hiato entre a atuação global dos mercados (com base em tecnologias de informação que permitem comunicação on line ou em tempo real) e o alcance geograficamente restrito das autoridades monetárias e das agências reguladoras dos Estados nacionais.
	Com princípios, regras e procedimentos globais de regulação sobre instituições financeiras e mercados e o subsequente ajuste às novas realidades dos organismos multilaterais formados no pós-guerra, a ideia-chave é impedir que os capitais acabem “vazando” para áreas da economia mundial com pouca ou débil regulação. E isso, como consequência, abre caminho para uma ordem política e normativa nova, que vai muito além da tradicional dicotomia entre regulação estatal nacional e regulação intergovernamental.
3.2 Operações globais e regulações locais
	O segundo problema está relacionado ao progressivo esgotamento tanto da operacionalidade quanto da eficácia dos mecanismos jurídicos convencionais dos Estados – especialmente dos instrumentos legais de regulação e controle econômico e financeiro, que não acompanharam a velocidade com que as atividades econômicas se globalizaram, nas duas ou três décadas do século XX, o mundo se globalizou.
	Igualmente, como as finanças são transnacionais e as operações financeiras cada vez mais são globais, os códigos e as leis – ou seja, a regulação nacional – já não mais se revelam capazes de submeter e enquadrar os agentes econômicos, nem de oferecer um conjunto unitário de respostas minimamente dotado de racionalidade lógica e de coerência programática.
3.3 A tensão entre o capitalismo e democracia
	O terceiro problema está relacionado à crescente fragmentação, complexidade e interdependência entre os agentes econômicos e os atores políticos – um processo no qual o Estado deixa de ser o único locus de autoridade e em que as instituições governamentais e entidades e organismos não estatais tendem a ser, a um só tempo, reguladores e regulados. Mais precisamente, este problema envolve o embate entre o poder político e os capitais financeiros, entre autorregulação econômica e regulação estatal, entre mercados transnacionalizados e procedimentos de representação popular concebidos para propiciar um curso comum de ação popular.
	Por isso, a acumulação capitalista tem de ser mantida tão desimpedida quanto possível de restrições legais e constrangimentos fiscais determinadas por critérios de ordem política e ideológica. Por outro lado, como responde a anseios e interesses definidos com base no sufrágio universal e na regra de maioria, a democracia respresentativa possibilita a imposição de limites à lógica capitalista e ao jogo financeiro, com o objetivo de assegurar algum equilíbrio entre enriquecimento privado e justiça distributiva.
3.4 O Estado nacional e as crises sociais
	Num mundo econômico cada vez mais funcionalmente interconectado, as propostas de unificação da legislação bancária e financeira e as discussões sobre a criação de uma autoridade monetária mundial capaz de import às autoridades monetárias nacionais um programa comum para restabelecer o equilíbrio sistêmico ocorrem paralelamente à crescentes dificuldades enfrentadas pelo Estado nacional – enquanto aparato provedor de segurança institucional e certeza jurídica – pra lidar com os problemas de desintegração social causados pelas recessão, pela suspensão de investimentos produtivos e pelo desemprego massivo de longo prazo. Quanto mais o Estado perde capacidade de coordenação econômica e autonomia na formulação de novas estratégias de regulação, mais ele tem pela frente a responsabilidade de lidar com as consequências locais da crise.
4 A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS DECISÕES ECONÔMICAS E O FUTURO DO DIREITOOs problemas apontados no capítulo anterior estão de algum modo relacionados às profundas transformações econômicas e políticas ocorridas nas últimas décadas do século XX. São eles: A) a desvinculação do dólar ao ouro, em 1971;
b) a flutuação das moedas por volta de 1973, depois do primeiro choque do petróleo, em 1972, e a evolução da taxa básica americana de juro;
c) a liberalização das contas de capital, após 1979, e a progressiva desmontagem dos mecanismos de regulamentação financeira forjados depois da crise da Bolsa de Nova York;
d) a queda do muro de Berlim e o desmanche da antiga União Soviética, em 1989;
e) a expansão das tecnologias de comunicação e informação, nos anos seguintes.
Por alterar as estruturas de trabalho, produção e riqueza, assegurar a instantaneidade dos fluxos transnacionais de informações e capitais, gerar novos padrões de competição internacional, incrementar o comércio interfirmas, possibilitar a interpenetração de empresas e mercados, romper as bases socioeconômicas do Estado nacional, exponenciar tensões monetárias e fiscais e propiciar uma ordem mundial fortemente assimétrica, em cuja âmbito há “nações sem riqueza e riqueza sem nações”, os problemas mais amplos e complexos causados pelo conjunto de transformações acima mencionaram ficando fora do alcance e do controle das instituições políticas e dos órgãos jurídicos tradicionais – como o Poder Legislativo, Judiciário e o Ministério Público.
A expansão dos derivativos, que está na origem da crise financeira de 2008, ilustra essa tendência. Com a securitização das dívidas, por exemplo, os empréstimos bancários passaram a ser oferecidos no mercado – uma operação que ganhou escala com a difusão do uso de derivativos, pelos quais é possível comprar um título que representa 100% de um ativo investindo uma pequena parcela de seu valor, provocando com isso uma inflação no valor dos ativos financeiros muito acima do que a estimativa baseada no valor presente da trajetória de uma produção futura.
Isso mostra como a globalização dos mercados financeiros, resultante de distintas forças e diferentes processos ocorridos em várias escalas espaciais e temporais, envolve hierarquias causais complexas e intrincadas.
Diante da natureza multicêntrica de mercados financeiros globalizados, em cujo âmbito os capitais se caracterizam por sua hipermobilidade e os intermediários cada vez mais disseminam ativos de alta complexidade associados à transferência de risco entre participantes situados nas mais variadas regiões e continentes, os Estados nacionais continuam agindo com enorme lentidão nos campos jurídico e judicial; cometem grave falhas operacionais no exercício de suas funções reguladoras; não conseguem antecipar o que a imaginação e a criatividade das bem-remuneradas equipes de executivos das instituições financeiras podem gerar; tornam-se crescentemente vulneráveis aos grandes investidores estrangeiros, que exigem corte de gastos e impõem taxas de juros como condição para compra de títulos públicos e/ ou renegociação de dívida pública; encerram órgãos que se sobrepõem ou carecem de articulação eficiente no plano administrativo. Em outras palavras, os Estados não estão mais em condições de estabelecer um tipo de regulação hierárquico-autoritativa da sociedade, uma vez que muitos sistemas econômicos e sociais tendem a se tornar autônomos, não se deixando disciplinar por controles externos.
4.1 Estado mundial e direito global
	Já entreaberto pelo desenvolvimento de uma ordem jurídica global do comércio, pela integração dos mercados de capitais através da fusão entre a Bolsa de Nova York (NYSE) e a Euronext, o primeiro cenário valoriza um processo de convergência, harmonização e unificação de legislações nacionais em campos específicos.
	Nessa linha, são mais flexíveis e a assistência social é menor ou está em fase de flexibilização. A ideia seria criar, no plano econômico-financeiro, o que já existe há muitos anos em matéria de comércio – uma autoridade mundial com poder de polícia e arbitragem supranacionais.
	Há também, quem na perspectiva do projeto cosmopolita kantiano da paz perpétua e do Estado universal dos povos, parta da experiência acumulada em matéria de condificação da política internacional e dessa experiência de “constitucionalização do direito internacional”.
	A criação de instituições cosmopolitas não leva obrigatoriamente ao desaparecimento dos Estados nacionais. Pelo contrário, neste modelo eles teriam seus papéis reformulados com base no marco de um novo direito democrático global, de maneira que suas normas e regimes regulatórios se convertessem em mais um entre os diversos centros de referência da ordem mundial.
4.2 Estado forte e regulação normativa
	Em perspectiva diametralmente oposta e bastante cética com relação à hiperglobalização, o segundo cenário é o de expansão das legislações nacionais. Ele se baseia na ideia de que somente a intervenção controladora e reguladora dos governos atenderia às demandas de emprego e bem-estar social num período de acentuado desequilíbrio financeiro, por um lado, e permitiria restabelecer o equilíbrio entre as perspectivas de curto e longo prazo em matéria de políticas públicas e planejamento econômico, por outro.
	A primeira variante é o modelo prevalecente nos países do leste asiático. Com base em políticas públicas concebidas para fortalecer a capacidade produtiva nos setores de maior prioridade para o desenvolvimento, como os vinculados ao desenvolvimento científico e à inovação tecnológica, os Estados da região reformularam os antigos tradicionais instrumentos de intervenção na economia, de controle concorrencial dos mercados e de apoio à iniciativa privada.
	A segunda variante é impulsionada pela exacerbação do nacionalismo econômico pós-crise, pela crítica ao “fundamentalismo globalizador”.
	Nas duas variantes, é preciso um Estado forte – um Estado intervencionista, disciplinador, indutor, produtor e até árbitro dos conflitos nos quais é parte. Um Estado devidamente aparelhado, em termos organizacionais e de coordenação econômica, mediante órgãos de planejamento, programas setoriais, instituições de financiamento público e normas e regulamentações de concentração econômica e transferência de tecnologia. 
4.3 Governo mundial e direito sem Estado
	O terceiro cenário é o de um direito mundial produzido basicamente por entidades internacionais, órgãos intergovernamentais e organismos supranacionais. Este é o cenário de uma governança à “margem” ou “exterior” ao direito positivo tradicional, de uma dinâmica jurídica sistemicamente autônoma com relação aos poderes públicos, de forma regulatórias estranhas às tradicionais formas de intervenção estatal do direito positivo.
	Em termos esquemáticos, este cenário é formulado com base nas premissas (a) de que jamais haverá um locus capaz de centralizar as discussões políticas globais, (b) de que a justiça social poderia ser obtida sem intervenção estatal, como resultado natural do livre jogo de mercado, visto como um mecanismo capaz de compatibilizar eficácia produtiva com liberdade de iniciativa e de corrigir seus inconvenientes, e (c) de que, no plano mundial, a diferenciação territorial vem sendo substituída por uma crescente diferenciação funcional. Neste sentido, a realidade jurídica seria cada vez mais formada por regimes normativos privados ou híbridos, que preenchem os vácuos legislativos deixados pelos Estados nacionais, de modo deliberado ou não. Em vez de um direito unificado, com hierarquias jurídicas verticais institucionalizadas, o que se tem aqui são formulações normativas setoriais – como regras contábeis válidas universalmente para companhias abertas e códigos de conduta profissional – substituindo as legislações nacionais, sem um mecanismo de poder que as articule de modo efetivo.
	Neste cenário, em outras palavras, a resolução de conflitos não seria mais de responsabilidade dos Estados nacionais, uma vez que os atores, conscientes da necessidadede perseguir o equilíbrio ecológico dos sistemas e subsistemas em que atuam, buscariam extrair responsavelmente um interesse comum e colaborar para a concretização das escolhas coletivas.
4.4 Blocos comerciais e “multissoberania”
	O quarto cenário é de aprofundamento institucional de blocos de integração comercial e de processos de regionalização, com a expansão de experiências de “multissoberania”, a partir de uma divisão horizontal e vertical de competências legislativas, de entrega voluntária de aspectos da soberania pelos países-membros. O paradigma é o da União Europeia. Em seis décadas, ela evoluiu exitosamente de três comunidades setoriais – a do carvão e aço, a da energia nuclear e a econômica – para um espaço único, com moeda própria, livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas e políticas agrícola, comercial, concorrencial e de transportes comuns, mas acabou enfrentando problemas com o veto do eleitorado francês e holandês no referendo do Tratado Constitucional da União Europeia, em 2005, e com a surpreendente recusa do eleitorado irlandês de ratificar o Tratado de Lisboa, em 2008.
	Os regulamentos são obrigatórios no seu conteúdo e são impostos como um todo, sendo uma de suas características a aplicabilidade direta na ordem jurídica interna de cada país-membro, sem a exigência de qualquer ato de recepção. As diretivas criam somente obrigação aos seus destinatários de tomar decisões e praticar atos necessários ao cumprimento de objetivos preestabelecidos. Os meios e procedimentos usados para alcançar esses objetivos são deixados à livre disposição dos países-membros. No limite, esse modelo se caracteriza por uma tensão entre confederação de Estados relativamente centralizada (uma união de Estados soberanos) e uma federação relativamente descentralizada (uma comunidade de Estados independentes de caráter unitário e relacional)
	Esta é uma construção institucional, jurídica, política e administrativa que tenta conjugar diferenciação e integração, reduzindo as assimetrias de poder econômico entre os países-membros.
	A grande dificuldade deste cenário está, por um lado, na crescente deterioração da situação econômica de alguns países europeus, como foi evidenciado pela crise da Grécia, e por outro, no subsequente aumento de conflitos regionais intraeuropeus, o que acarreta dificuldades para que o bloco possa falar com uma só voz num contexto em que o nível de riscos nos mercados financeiros vem mudando de alcance e qualidade.
4.5 Globalização econômica e pluralismo jurídico
	O último cenário é o da expansão dos sistemas privados de governança da atividade econômica, sem colisão com o direito positivado pelo Estado. Este é o cenário da proliferação de regimes normativos que operam no âmbito de diferentes demarcações espaciais e funcionais, onde nenhum deles é dominante nem, muito menos, incompatível com a ordem jurídica estatal. Pelo contrário, esses regimes normativos não existem isoladamente um do outro nem da própria normatividade estatal, articulando-se sob a forma networks de sistemas públicos e privados de governança, em cujo âmbito o Estado desempenha um papel importante, mas não mais exclusivo e dominante, mesmo dentro de seu território.
	Com forte impacto no aumento dos investimentos, da produtividade e da eficiência gerencial dos agentes econômicos, por um lado, e na segurança jurídica inerente às formatações contratuais e às regras substantivas de responsabilidade corporativa elaboradas conforme as especificidades de cada ramo de atividade, por outro lado, este é um modelo de direito que funcionaliza vínculos e enlaces entre mercados de trabalho, bens e créditos em múltiplos níveis, dos locais aos supranacionais. É, igualmente, um modelo que se destaca pelo caráter policêntrico da governança corporativa transnacional, com base nas interações de sistemas de soft law. Ao contrário das concepções tradicionais de direito positivo, aqui o foco se desloca da unidade para a diferença; da nação de hierarquia para a de rede; da ideia de governo para a de governança; de organizações e estruturas para regras funcionais e comportamentos; de mecanismos jurídicos rígidos para processos normativos e interdependentes; da linearidade lógico-formal para sobreposições e complementariedades; da titularidade legislativa dos parlmanetos para os interstícios de corpos sociasi e entidades e associações não políticas – e quanto maior é a diferenciação dos sistemas sociais e econômicos, mais difícil é para o Estado geri-los por meio de instrumentos normativos convencionais de fiscalização e controle.
	Como se pode ver, este é um modelo de direito com diferentes atores instituintes e com distintas fontes de produção normativa e imposição jurídica – fontes supranacionais ( mediante a transferência de competências legais dos Estados para organismos miltilaterais, dos quais vários passaram a atribuir a atores não estatais o status jurídico de “observadores” e de “interlocutores”), fontes privadas (envolvendo práticas e procedimentos regulatórios desenvolvidos por entidades empresariais), fontes técnicas (baseadas na expertise científica e no conhecimento especializado) e fontes comunitárias (baseadas na capacidade de mobilização da sociedade, por intermédio de ONGs e movimentos sociais) Este modelo se destaca assim por uma grande variedade de regimes regulatórios e pela interconexão de diferentes campos normativos.
5 DESJURIDIFICAÇÃO E PROCEDIMENTALIZAÇÃO: O SISTEMA JURÍDICO DE MÚLTIPLOS NÍVEIS 
	Dos cincos cenários apresentados, os que parecem ter menor potencial de exequibilidade são os três primeiros-um por causa do excessivo idealismo inerente a tese de que a globalização representa a consecução de um mundo definitivamente comum e da impraticabilidade de um “ente regulador global”; outro, por superestimar a capacidade dos estados fortes de agir de modo independente dos imperativos dos mercados transnacionalizados e com dificuldades de acesso a credito internacional; o terceiro, por confiar excessivamente na capacidade dos atores econômicos comportarem-se “responsavelmente”.
	No cenário do estado forte, é evidente que qualquer governo pode, em principio, recusar-se a vincular decisões internas a lógica operacional, as formas organizacionais e as normas e critérios decisórios de economia globalizada. Mas, em face da crescente mobilidade dos fatores de produção, das fortes oscilações no preços de recursos naturais, expansão dos fluxos internacionais de bens, serviços e informação dos riscos de fuga massiva de capitais e das dificuldades subsequentes de acesso a novas fontes de credito e tecnologia, os custos econômicos, políticos e sociais de uma opção hostil a mercados transnacionalizados e de posturas protecionistas tendem a se elevar ,conduzindo assim para um perigoso isolamento comercial, financeiro e tecnológico. Por fim, no que se refere as cenário de um direito sem estado, em que medida os mecanismos de autorregulação e de “governança exterior” ao direito positivo fetivamente contêm uma moralidade insista, que reduza os riscos de conduta e o desejo do agentes econômicos e financeiros de eliminar constrangimentos regulatórios ¿
	Ainda que num quadro de enormes incertezas e muitas duvidas seja quase impossível atribuir probabilidades a eventos futuros, o dois últimos cenários são mais exequíveis, o que os diferencia não são propriamente fatores estruturais ,mas apenas gradação . E o que autoriza a fazer este tipo de afirmação fugindo das armadilhas representadas pela oposição entre ladainha globalizante e contochão nacionalista, entre keynesianismo de segunda mão e schumpeterianismo vulgar são duas estratégias interdependentes de recuo do formalismo legal e do positivismo jurídico a que os estados recorreram, na transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial, do modelo fordista –taylorista de produção para o modelo da especialização flexível, entre o final do século XX eo inicio do século XXI.
	A primeira estratégiaexigiu revisão das politicas legislativas tradicionais e uma redefinição das fontes formais de direito, pois implicou um drástico enxugamento do ordenamento jurídico e o subsequente estimulo a sociedade para que que desenvolvesse nos espaços desregulamentados formas e mecanismos de autocomposição de interesses. 
	Partindo de premissa de que as divergências de interesses devem se respeitadas para se chegar a acordos, o Estado deixou de tutelar determinados comportamentos e situações e passou a fomentar a autorresolução de litígios, por parte dos diferentes setores sociais ,econômicos condições para que possam discutir entre si tentar definir, de modo consensual , o conteúdo das normas. 
	Valorizando o dissenso e convicto de que nem tudo pode ser resolvido pelo Direito, uma vez que em ambientes sociais e econômicos cada vez mais complexos os interesses encontra-se-iam amplamente fragmentados e especializados. Ele se limita a impor formulas de cooperação e regras de negociação.
	Na mesma linha de argumentação, o Estado também não desempenha mais as chamadas “atividades de execução”. Pelo contrário, ele as delega.
	O que estimulou a proliferação das estratégias de desjuridificação e procedimentação do Direito, como disse, foi no pragmatismo dos legisladores e uma espécie de calculo de custo\beneficio por parte dos governantes. Por um lado, eles se conscientizaram de que, ao tentar usar o direito positivo como instrumento de planejamento e direção econômica, terminavam abarcando as mais diversas matérias, indo assim muito além do que a lógica ea racionalidade jurídica permitem. Por outro, com mecanismos normativos excessivamente simples para lidar com questões técnicas de politicas cada vez mais sofisticadas e sem ter como ampliar quer a complexidade estrutural de seu ordenamento jurídico, quer a complexidade organizacional de seu aparato judicial ao nível equivalente de complexidade e diferenciação funcional dos sistemas socioeconômicos, dirigentes e legisladores optaram por inverter a funcionalidade entre as estruturas hierárquicas do direito positivo e os mercados.
	Parte significativa do direito positivo do Estado nacional, principalmente aquele que já conta com um certo grau de integração econômica com os outros estados, vem sendo submetida a intrincados processos de convergência e harmonização legislativa, em cujo âmbito os interesses regionais cada vez mais se sobrepoem aos interesses nacionais. Outra parte esta sendo internacionalizada pela expansão da normatividade autoproduzida pelos conglomerados empresarias e pelo sistema financeiro e por duas relações intersticiais com as inúmeras regras e procedimentos emanados dos diferentes organismos multilaterais. E uma terceira parte vem sendo minada pela força constitutiva de determinadas situações criadas pelos detentores do poder econômico e pelas novas fontes de autoridade a ele vinculadas, o que leva ao crescimento, em progressão geométrica, do numero de normas paralelas,nos planos supra e infracional, na medida em que cada corporação empresarial e as cadeias produtivas em que estão inseridas tendem a criar tanto as regras quanto os procedimentos de que precisam e a juridificar, segundo seus interesses e conveniências, as respectivas áreas e espaços de atuação.
	Com isso, ordem jurídica estatal também deixou de ser fonte de legitimidade de sistemas normativos autocentrados nos estribos limites de um dado território e passou a se abrir progressivamente regimes normativos oriundos de organismos multilaterais, entidades internacionais, blocos regionais e poderes locais, bem como de agentes de mercado que, valendo-se de seu poder econômico e de seu peso financeiro, muitas vezes convertem facticidade em normatividade.
	Partindo da premissa de que a crise dos mercados financeiros não era apenas de natureza “técnica“, implicando também um reequilíbrio geopolítico e boa dose de cooperação internacional para assegurar reformas capazes de reduzir a instabilidade estrutural da economia mundial, a “cúpulas de lideres” do G20 em Washington, Londres e Pittsburgh resultaram num amplo acordo sobre a necessidade de triplicar a capacidade de concessão do FMI e lançar US$ 250 bilhões em Direitos Especiais de Saque; permitir que a instituição passe a captar recursos nos mercados captais, o que até então jamais ocorrera; expandir o Fórum de Estabilidade Financeira ,renomeado em setembro de 2009 como Conselho de Estabilidade financeira, com a ampliação do numero de países participantes, incumbindo-o de fornecer alertas sobre riscos macroeconômico;(b) estabelecer regras novas e mais eficientes de segurança operacional dos mercados nacionais e internacionais, para abarcar todas as instituições e segmentos com relevância sistêmica;(e)extinguir os setenta e dois paraísos fiscais existentes em todo mundo ,com objetivo de coibir evasão e assegurar um mínimo de uniformidade nos padrões regulatórios internacionais. 
	De qualquer modo, apesar do muito que se discutiu durante essas ”reuniões de cúpula” do G20 sobre a possibilidade de preservar determinados espaços para que os “organismos reguladores nacionais” levassem em conta as condições especificas de seus respectivos ambientes econômicos e institucionais, a reiterada defesa padrões mínimos de regulação financeira internacional- com base em princípios de aplicação universal – não deixou margem a duvidas : a reformulação organizacional e a redefinição das competências do Conselho de Estabilidade Financeira entreabriram uma nova forma de governança que, se por um lado tende de algum modo a restringir os sistemas autorregulatórios transnacionais, por outro lado configura um mecanismo de governança multilateral acima dos Estados nacionais.
	Deste modo, e considerando o desafio que é reorganizar os padrões de relação entre o sistema de produção. O arcabouço funcional do direito depois da crise financeira a meu ver deverá ficam em algum ponto entre o quarto e quinto cenários – quadro hoje fica mais visível e factível, num contexto de incertezas econômicas e de enorme assimetria dos países na ordem política mundial, é o de um conjunto de inúmeros microssistemas legais e distintas cadeias normativas que se caracterizam pela extrema multiplicidade e variedade de suas regras e mecanismos processuais; pela provisoriedade e mutabilidade de suas engrenagens normativas, uma vez que as regras já não são mais estáveis, modificando-se no curso dos problemas e acontecimentos; pela tentativa de acolhimento de uma pluralidade de pretensões contraditórias, e, na maioria das vezes, excludentes; pela geração de conflitos e discussões complexas em matéria de hermenêutica, exigindo dos operadores e intérpretes conhecimentos especializados não apenas de direito positivo.
Conclusão: o direito e o estado depois da crise
	Diante do que foi exposto nos capítulos anteriores, o que resta da tradicional concepção de Estado-nação e das instituições políticas e das estruturas jurídicas a ele subjacentes forjadas pelo mundo moderno, após as revoluções burguesas entre o final do século XVII e o século XVIII?
	Daquele tipo de Estado organizado em torno do primado da soberania, do princípio da legalidade e dos mecanismos institucionais topdown, a chamada “regulação pelo alto”, restam, obviamente, o reconhecimento das liberdades fundamentais e o respeito das garantias fundamentais. Restam, igualmente, os direitos de propriedade material e intelectual, a garantia de que cada agente pode apropriar-se dos benefícios de sua imaginação, criatividade e trabalho, o enforcement dos contratos e a preservação da ordem e da segurança pública.
	Fora isto, restariam ainda duas linhas de intervenção normativa na economia e na sociedade, papéis fundamentais de organização, coordenação, mediação, controle, correção e orientação que o Estado nacional pode exercer no âmbito de regimes regulatórios policêntricos e no contexto de uma ordem econômica mundial multicêntrica, onde o maior desafio é o manejo das interconexões dos mercadosde bens, serviços e créditos.
	A primeira linha tende a se traduzir por meio de normas de direto societário, facilimentar, econômico, administrativo, concorrencial, antitruste e penal-econômico, seja por meio de autarquias, seja por meio de agências reguladoras, o estímulo ao livre jogo de mercado, a regulação da concorrência, a definição das formas e níveis aceitáveis de concentração empresarial, o combate ao abusoo do poder econômico, o controle das condutas anticoncorrenciais e a proteção dos cidadãos contra o poder de monopólio.
	A segunda linha é de caráter basicamente social. Ela pressupõe a substituição da ideia de “direitos universais” pelas chamadas “estratégias de focalização” que concentram gastos sociais num público-alvo bem definido e seleciando em situação-limite de sobrevivência, de forma a assegurar a maximização da eficiência alocativa de recursos escassos.
	Na época do Estado de Direito de feições liberais clássicas, no século XX, uma das mais conhecidas máximas jurídicas no âmbito do formalismo e do positivismo jurídicos enfatizava que tudo o que não fosse formalmente proibido estaria. No modelo aqui discutido, a máxima é outra: hoje, segundo ela, tudo em seu princípio seria automaticamente permitido com a única condição de não se ultrapassarem os marcos regulatórios – ou seja, o piso social e o teto econômico.
	Em termos de arcabouço funcional do sistema jurídico, o cenário mais exequ[ivel, depois da crise financeira, é de mais do mesmo – ou seja, de continuidade de uma ordem jurídica que não provém exclusivamente da verticalidade de autoridades nacionais ou mesmo de uma autoridade mundial, mas do efeito irradiador de diferentes tomadas em distintos níveis e espaços, em diferentes sistemas e subsistemas funcionalmente diferenciados. Como toda regulação tem custos relevantes, na lógica dos mercados financeiros uma ordem normativa com esse perfil arquitetônico só tende a trazer vantagens . Por outro lado, ela não acarreta mais gastos do Estado com “aparato regulatório”. E, por outro, mitiga os efeitos alocativos desses custos sobre a eficiência das operações financeiras –entre outros motivos porque, se a regulação é um preço que se tem de pagar para se preservar um bem maior, a “estabilidade sistêmica”, sempre existe um ponto a partir do qual mais regulação aumenta custos desproporcionais ao seus benefícios. 
	Mesmo que os governos nacionais amoliem as políticas fiscal e monetária expansionistas até agora adotadas para tentar compensar a redução de investimentos privados, promovam nacionalizações temporárias de instituições financeiras em dificuldades nos moldes do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) e adotem mecanismos de supervisão financeira capazes de cobrir todos os agentes sem deixar zonas cinzentas ou pontos cegos, a institucionalidade vigente não deve, em princípio, sofrer mudanças radicais; mais precisamente, bancos centrais, autarquias e agências reguladoras independentes devem permanecer com suas respectivas competências normativas e campos de ação funcional e disciplinar.
	O mesmo também poderá ocorrer com as formas e mecanismos de controle direto e indireto de regulação econômica e do controle dos mercados de crédito. A combinação entre elas pode até mudar, mas o provável aumento no peso dos controles diretos, com relação aos controles indiretos, dificilmente alterará a institucionalidade vigente na relação do Estado com o sistema financeiro. Num contexto de muitas dúvidas e questões abertas, em que mudanças econômicas aceleradas levam as teorias a envelhecer em ritmo igualmente acelerado e as conjecturas acerca do futuro são inversamente proporcionais a seu conhecimento, essa talvez seja uma das poucas apostas que se pode fazer.
Abstract: In a context of many questions and open questions, in which economic changes lead to accelerated aging theories on equally fast pace and conjectures about the future are inversely proportional to their knowledge, this is perhaps one of the few bets that you can make.
Keywords: Economy. Future. Knowledge.
Referências 
FARIA, Jose Eduardo. O direito e o estado depois da crise. Saraiva, 2011.
� Acadêmico do Curso de Direito da Unijuí. yanapaula04@hotmail.com

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