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Abdome Agudo em Pediatria • Introdução O abdome agudo em crianças é uma emergência médica pediátrica caracterizada principalmente por dor abdominal súbita e intensa e acompanhada por sinais e sintomas que sugerem o envolvimento abdominal. A Dor abdominal é queixa frequente em crianças e adolescentes que procuram unidade de emergência pediátrica (UEP). Ela é caracterizada por uma dor abdominal súbita e intensa. Embora a maioria dos casos envolva condições autolimitadas (como: gastrenterite, constipação e síndrome viral), a dor abdominal pode ser o sintoma inicial de doenças de apresentação grave e das emergências cirúrgicas Entre as emergências cirúrgicas, em que a dor abdominal é o sintoma principal, destacam-se a acidose metabólica, cetoacidose diabética, pielonefrite aguda, pneumonia de base, púrpura de Henoch-schonlein, pancreatite aguda, gastrite aguda e porfiria. O pediatra deve ser capaz de identificar e diferenciar os quadros levando em conta a idade do paciente, o exame físico minucioso, a observação clínica e os exames subsidiários disponíveis. Os desafios envolvem tanto a dificuldade da criança de descrição, de mostrar localização e até mesmo de graduação da intensidade da dor, aliado a variação de cada indivíduo em resposta aquela dor. É importante que o pediatra esteja atento aos sinais de alarme: 1. Dor súbita e recidivante com despertar noturno 2. Dor que interrompe as brincadeiras 3. Dor acompanhada de choro, vômitos, sintomas sistêmicos e alterações físicas 4. Os vômitos persistentes em jatos, biliosos 5. Evacuações com características de melena, enterorragia ou colite • Manejo do paciente com dor abdominal A prioridade no atendimento de um paciente com dor abdominal é a estabilização respiratória e circulatória, seguida da identificação da criança que vai necessitar de intervenção cirúrgica imediata, como nos casos de apendicite aguda e perfuração intestinal. AVALIAÇÃO INICIAL E ESTABILIZAÇÃO A prioridade na avaliação é descartar trauma e estabilizar hemodinamicamente a criança criticamente doente com dor abdominal, pois mesmo na situação de abdome agudo não traumático pode haver evolução para choque com falências múltiplas dos órgãos. É fundamental uma rápida avaliação: Via área / Respiração e circulação / Nível de consciência / Aspecto da pele: observação de perfusão, hematomas, petéquias, rashs e sangramentos. Deve-se procurar uma possível presença de taquicardia, um aumento do tempo de enchimento capilar, alteração de nível de consciência e hipotensão. Além disso, deve-se estar atento aos sinais clínicos que justificam a avaliação cirúrgica urgente: - O estado geral do paciente: prostado com dor - A dor abdominal intensa e piorando, com sinais de instabilidade hemodinâmica progressiva - Vômito fecaloide e bilioso - Rigidez abdominal involuntária - Sinal de descompressão brusca positiva - Distensão abdominal intensa com timpanismo difuso - Sinal de líquido ou sangue na cavidade abdominal - Trauma abdominal AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA Após estabilização inicial, devemos pensar em uma anamnese direcionada e exame físico completo para que podemos descartar patologias de maior risco e decidir uma conduta adequada. # Nessa parte, é importante também descartar história de trauma e pensar também na possibilidade de algum abuso, principalmente quando a história é confusa e duvidosa associado a presença de hematomas, fraturas antigas e queimaduras no exame físico. Nesse sentido, é importante sempre começarmos pela ordenação cronológica dos sintomas, como: o início, a localização, tipo de dor, se tem ou não irradiação, a duração, teve alguma piora abrupta, quais os fatores de melhora e piora? # Como as crianças menores que 2 anos não conseguem descrever ou localizar a dor e isso pode superestimar ou subestimar o sintoma de dor abdominal, é importante que os pais infiram que essa dor abdominal está presente quando a criança apresenta um choro inconsolável, que não passa mesmo com os pais oferecendo algo que sempre despertou ou desperta o interesse da criança. Temos três sintomas principais que são de extrema importância para caracterização do quadro de abdome agudo, que são: a febre, os vômitos e o padrão de evacuações. - Quando há presença de febre, temos indicação de um quadro infeccioso, então devemos sempre permanecer atentos para: gastrenterite, faringite, infecções de vias aéreas superiores, pneumonias e apendicite - Em relação aos vômitos, de acordo com as características e intensidade, pode dar indícios de uma doença do tipo abdominal Vômito bilioso (amarelado com coloração determinada pela bile): pode indicar uma obstrução, volto ou intussuscepção Vômito borráceo/sangramento (hematêmese): pode ser indicativo de uma úlcera Vômito fétido/fecaloide: obstrução - Em relação ao padrão de evacuações, podemos analisar a frequência, a cor e a consistência das fezes: Diarreia: gastroenterite, apendicite Constipação: obstrução, pancreatite Fezes em Melena: gastrite, úlcera duodenal Hematoquezia: colite, púrpura de Henoch-Schonlein, intussuscepção # Outros sintomas que podem sugerir a causa da dor abdominal são: tosse (pneumonia) – a dor na barriga acaba até dificultando o diagnóstico por ser confundida com uma possível apendicite, mas as infecções mais inferiores do pulmão, principalmente da pleura pode cursar com essa dor abdominal. dor de garganta (faringite), disúria (infecção urinária), poliúria (cetoacidose diabética), hematúria (infecção urinária, cálculo renal, síndrome hemolítico-urêmica, púrpura de Henoch- Schönlein). A história patológica pregressa pode revelar pontos importantes para o diagnóstico:1,4 ■ cirurgia abdominal anterior – obstrução secundária a aderências; ■ constipação crônica – doença de Hirschsprung; ■ transfusões sanguínea recorrentes – anemia hemolítica com colelitíase; ■ história de crises vaso oclusivas – anemia falciforme; ■ poliúria/polidipsia – cetoacidose diabética; ■ síndrome nefrótica – peritonite primária; ■ história de doença inflamatória intestinal. EXAME FÍSICO ABDOMINAL É extremamente importante a descrição do estado geral do paciente, juntamente com os dados vitais, como temperatura, pulso, pressão arterial, frequência respiratória e cardíaca. - Exemplo: na dor do tipo cólica, é comum as crianças adotarem posições antálgicas, como a flexão do tronco, cruza as pernas ou segura o abdome para alívio da dor. - Isso por que são esses dados que vão descartar um quadro de choque, desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos e a cetoacidose diabética, sendo encaminhados para emergência. O exame abdominal deve ser detalhado com: inspeção, ausculta, percussão e palpação É preferível que seja feito quando a criança está mais tranquila e em uma posição de conforto, deixando para examinar o local da dor somente no final. Se a idade já permitir, pede-se para que a própria criança localize o ponto de dor. Inicialmente essa dor pode ser localizada com uma palpação suave em todos os quadrantes e só depois profunda, inicialmente, em área distante da região dolorosa. - A ausência de ruídos hidroaéreos, acompanhado de distensão abdominal, pode indicar distúrbio metabólico grave ou quadro cirúrgico - O aumento dos ruídos hidroaéreos em quadros de dor abdominal é de ocorrência comum nas enteroinfecções e doença diarréica. - A dor à percussão e defesa involuntária são os mais frequentes sinais de irritação peritoneal - Uma sensibilidade focal sugere um processo inflamatório intra abdominal. - Peristaltismo visível ou palpável pode indicar obstrução intestinal; Em uma patologia grave, é pouco provável que crianças no exame não apresentem desconforto à palpação profunda do abdome, não apresente sensibilidade local e não tenham sintomas extra-abdominais. EXAME FÍSICO EXTRA-ABDOMINAL Existe um vastogrupo de doenças extra-abdominais que, após o exame do abdome, necessitam de avaliação por causarem quadro de dor abdominal aguda intensa. Alguns achados são:1,2 ■ murmúrio vesicular diminuído com crepitantes – pneumonia; ■ abafamento de bulhas ou atrito pericárdico com taquicardia – pericardite; ■ ritmo de galope e taquicardia – miocardite; ■ dor e sensibilidade em flanco – pielonefrite ou cálculo renal; ■ edema escrotal – torção testicular ou hérnia encarcerada; ■ equimoses – traumas; ■ petéquias e sufusões ou rash cutâneo em membros inferiores – púrpura de Henoch- Schönlein; ■ icterícia – hepatites, doença de vesícula biliar com obstrução ou hemólise. Quais são as principais causas de dor abdominal na emergência pediátrica? I - Infecções virais. II - Gastrenterite. III - Cálculo biliar. Quais afirmações estão corretas? A) Apenas a I. B) Apenas a II. C) Apenas a III. D) Apenas a I e a II. As causas mais frequentes são causas clínicas autolimitadas, como as infecções virais respiratórias ou gastrintestinais. 4. Quais são os sinais clínicos de alerta no paciente com suspeita de abdome agudo? I - Vômitos. II - Dor epigástrica. III - Prostração. IV - Defesa abdominal à palpação. Quais alternativas estão corretas? A) Apenas a I e a II. B) Apenas a I e a IV. C) Apenas a II e a III. D) Apenas a III e a IV. Vômitos e dor abdominal são queixas comuns de quadros virais, já a prostração e a defesa abdominal ao exame fazem parte dos sinais de alerta para patologia cirúrgica. EXAMES SUBSIDIÁRIOS - O hemograma completo constitui um exame importante, principalmente no direcionamento de observar uma anemia, plaquetopenia, leucocitose com desvio à esquerda (quadro bacteriano). - O exame qualitativo de urina podem ser úteis para detectar hematúria em casos de litíase real ou leucocitúria nas infecções urinárias, púrpura de Henoch-schonlein. Piúria indica infecção do trato urinário, glicosúria e cetonuria em diabete melito e cetoacidose diabética e proteinúria na síndrome nefrótica. - Teste de gravidez: O teste de gravidez deve ser realizado em meninas pós-menarca com dor abdominal. - Exames de imagem Raio-x: indicar sinais de obstrução (presença dos níveis hidroáreos, distensão intestinal, alças sentinela) ou de perfuração (ar libre na cavidade). Sinais de apendicite: fecálitos em quadrante inferior direito (10% dos casos), além de apagamento da sombra do psoas e sinais de obstrução intestinal. Série contrastada do trato gastrintestinal superior: A série contrastada do trato gastrintestinal superior é indicada na suspeita de volvo de intestino delgado. Enema contrastado: O enema contrastado é preconizado para o diagnóstico e o tratamento da intussuscepção. Ecografia: é preferível para avaliação de abdome, pois não é invasivo e não produz irradiação, tem baixo cursto e não tem risco. Pode visualizar cálculo biliar, torção dos ovários, ruptura de cisto de ovário e torção do testículo. É preferível para diagnóstico de intussuscepção e para diagnóstico de apencite depende da experiência do examinador e do índice de massa corporal do paciente (obesidade). Ultrassografia e TC (útil em pacientes com dor abdominal aguda sem diagnóstico pela ECO, como apendicite e massa no abdome) + sensível para cálculo renal e ureteral em crianças. Principais Causas - Apendicite Apendicite aguda é a causa mais comum de dor abdominal de origem cirúrgica em crianças e adolescentes, tipicamente vista na faixa etária de 5 aos 15 anos. A clássica apresentação clínica da apendicite aguda com dor periumbilical que migra para o quadrante inferior direito do abdome, associada a vômitos e febre, é bem menos comum em crianças que em adultos. Nos pacientes menores de 4 anos, costuma apresentar-se com sintomas de gastroenterite aguda, com predomínio de vômitos e dor abdominal difusa. Pela dificuldade diagnóstica, as taxas de perfuração são altas nessa faixa etária, alcançando até 80% e cerca de 100% em crianças menores de 1 ano. Além disso, por conta da impossibilidade de bloqueio da perfuração por conta das características do desenvolvimento do omento, a peritonite acaba sendo um achado comum. Ao exame físico, a criança prefere ficar quieta, pois a dor aumenta com o movimento. A dor inicialmente é leve e em cólica, evoluindo para maior intensidade e permanecendo constante. Realiza-se os sinais semiológicos tais quais em adultos, como Sinal de Blumberg, Sinal de Psssoas e Sinal de Rosiving. O diagnóstico é clínico, mas temos como achados radiológicos: alça sentinela, presença de níveis hidroaéreos, apagamento do músculo psoas à direita e fecalino. A ultrassonografia de abdome vem sendo usada mais comumente para confirmação do diagnóstico da doença. Em mãos experientes, esse exame pode mostrar alta sensibilidade (88 a 97%) e alta especificidade (94 a 97%) nos estudos com pacientes pediátricos. ➢ Feito o diagnóstico, o tratamento é cirúrgico. Deve-se manter a criança sem dieta, com hidratação venosa de manutenção e reposição de perdas, analgesia, antibioticoterapia endovenosa e reavaliação periódica, a fim de identificar sinais precoces de sepse e choque - Intussuscepção intestinal Principal causa de obstrução intestinal na faixa etária de 3 meses a 6 anos, com pico de incidência entre 5 e 9 meses, ou seja, cerca de 60% dos casos ocorre antes do primeiro ano de vida. E ela consiste na invaginação da porção proximal do intestino em um segmento adjacente distal por meio da válvula ileocecal, ou seja, parte do intestino desliza dentro de outra, podendo interromper a passagem de sangue para essa porção, causando obstrução. Pode ser idiopática ou associada a alguma lesão anatômica, como divertículo de Meckel, tumores benignos, linfoma e púrpura de Henoch-Schönlein. Infecções virais precedentes e vacinação por rotavírus podem ter papel patogênico no desencadeamento da doença A apresentação clínica caracteriza-se por cólica intermitente, súbita e severa, vômitos persistentes, letargia e evacuações com sangue com muco em até 40% dos casos. Inclui choro inconsolável com comportamento normal entre os episódios de dor. Nos lactentes, a letargia ou a alteração do nível de consciência pode ser o sintoma inicial da intussuscepção A tríade clássica de dor abdominal, fezes com sangue e massa abdominal palpável está presente na minoria dos casos. A radiografia simples de abdome costuma mostrar ou não sinais de obstrução intestinal, ausência ou diminuição de ar no quadrante superior direito do abdome, edema e deslocamento das alças intestinais para a região do hipocôndrio esquerdo e ausência de ar em hipogástrio A ultrassonografia tem alta sensibilidade (98 a 100%) e alta especificidade (88 a 100%) como ferramenta diagnóstica na intussuscepção intestinal. Outras opções incluem o enema baritado ou de ar, que pode ser tanto diagnóstico como terapêutico, ou mesmo o enema guiado por ultrassonografia (sem radiação ionizante), com taxas de sucesso na redução não cirúrgica de até 80%. A cirurgia está indicada nos casos de insucesso na redução por enema, na presença de sinais de perfuração intestinal e peritonite, e no choque.
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