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1 Tragédia de Mariana: O que a Governança Corporativa tem a ver com isso? http://www.eduardobarros.com.br/vixp/2016/01/tragedia-de-mariana-o-que-a-governanca-corporativa-tem-a-ver-com-isso/ Adriano Salvi1 Nas últimas semanas, temos convivido diariamente com cenas chocantes da devastação de toda a bacia do Rio Doce, ocasionada pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco. Toda crise, seja política, financeira ou ambiental, como agora, quando causada por força da atividade empresarial, costuma ser um momento propício a se discutirem temas relacionados à governança corporativa. Foi assim com os escândalos corporativos nos EUA, 2001 ou na crise do subprime em 2008, e tem sido assim na crise política brasileira, tendo a Petrobras como pano de fundo. Mas o que governança corporativa tem a ver com o caso da chamada Tragédia de Mariana? Para responder a essa pergunta, vamos colocar o tema sob a seguinte perspectiva: segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, as boas práticas convertem princípios básicos em recomendações objetivas, com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da empresa, sua longevidade e o bem comum. Ao contrário do que normalmente se imagina, portanto, a governança corporativa é muito mais do que a mera adoção de rotinas voltadas a garantir a transparência dos negócios. Ela está relacionada a uma cultura voltada para a perenização da empresa e, nesse sentido, não cabem apenas preocupações com resultados financeiros ou com regras objetivas de transparência, mas também com tudo o que possa impactar a viabilidade do negócio no longo prazo, incluindo o gerenciamento de risco. O risco está sempre presente nas atividades das organizações e, por definição, tem potencial de causar dano ao patrimônio tangível ou intangível da empresa. Os riscos mudam conforme a empresa, o segmento em que atua e a robustez dos seus controles internos. A Samarco atua em um segmento com risco de impacto profundo no meio ambiente. Embora seja reconhecidamente uma empresa com fortes controles internos, o desastre aconteceu e, portanto, algo falhou. Por mais rígido que possa ser o gerenciamento de risco de uma empresa, ele não é imune a falhas, simplesmente porque falhas decorrem da ação ou omissão humana. Sob o enfoque da governança, o que se pode dizer é que em empresas com potencial de impacto ambiental muito grande, além da necessária abrangência e rigidez dos seus controles internos, a gestão de risco deve estar permanentemente na pauta do conselho de administração. Não se pretende que os conselheiros sejam experts em gestão de risco ambiental, mas eles precisam ter condições e efetivamente praticar o hábito de fiscalizar a adequação dos controles internos e do “compliance”. Os conselheiros precisam ter conhecimento dos riscos envolvidos nos negócios da empresa. Só assim, eles podem fiscalizar a alta administração e cobrar o seu devido gerenciamento. Em determinados segmentos, como o da mineração, a dimensão risco requer tanta atenção, que é necessária a existência de um comitê de risco e até de um comitê de crise, com o objetivo de assessorar o conselho de administração no desempenho de suas atribuições. O episódio do rompimento da barragem de Mariana nos leva a refletir que, nas empresas em geral, os sistemas de controles internos têm sido subutilizados, seja por desconhecimento quanto aos riscos, por negligência ou mesmo por uma questão cultural. A alta administração e o Conselho de Administração precisam incorporar a cultura de controle e saber transmitir a todos os colaboradores o porquê dessas regras e a sua importância nos processos, evitando aquelas justificativas comuns do “sempre fizemos assim”. É preciso entender que controles internos não são um procedimento ou uma política que a empresa deva executar periodicamente e para ser apresentada com destaque em seu relatório anual, como se isso, por si só, fosse um diferencial competitivo. Também não devem ser adotados objetivando passar, sem ressalva ou ênfase, pelo crivo da auditoria independente. Controles internos devem fazer parte da cultura da empresa, funcionar e ser fiscalizados diuturnamente e atualizados sempre que necessário. Quantas empresas não escondem “Marianas” prontas a entrarem em cena? 1 Adriano Salvi é conselheiro de administração certificado pelo IBGC e sócio fundador da Vix Partners Consultoria. 2 O caso Samarco e o desmoronamento da responsabilidade social corporativa https://www.istoedinheiro.com.br/blogs-e-colunas/post/20151109/caso-samarco-desmoronamento-responsabilidade-social-corporativa/7737 Álvaro Almeida2 A mineradora Samarco foi reconhecida nos últimos 20 anos como uma das líderes em responsabilidade socioambiental no Brasil. Enfileirou prêmios, foi a primeira mineradora do mundo a ter a certificação ISO 14001 (de gestão ambiental) para todas as etapas de produção. Nada disso adiantou que, na quinta-feira 5 de novembro, fosse responsável por um dos maiores desastres ambientais e sociais recentes do País, cuja extensão ainda está longe de ser dimensionada. O rompimento das duas barragens de rejeitos de mineração nos municípios de Mariana e Ouro Preto, que resultou na avalanche de milhões de toneladas de lama, tirou vidas, devastou o distrito de Bento Rodrigues, provocou destruição ambiental por mais de 100 quilômetros (e segue avançando), e ainda jogou por terra o trabalho de inúmeros profissionais sérios. Sim, porque também há tragédia do lado da empresa. Especialmente, se reconhecermos que ali existem pessoas e não apenas um ente demoníaco e ganancioso. Resumir essa catástrofe à conclusão irrefutável e óbvia de que a empresa é culpada dá conforto imediato a muitas pessoas, mas não nos ajuda a entender toda a complexidade do problema. Assim com a BP, que provocou o maior desastre ambiental dos EUA em 2010, a Samarco tinha inúmeros estudos e metodologias para a gestão de riscos de suas operações e forte reputação de excelência socioambiental. Em levantamento do renomado Reputation Institute, em 2014, que incluiu 2.769 entrevistas com representantes de sete públicos, a Samarco alcançou o índice de 74,9 pontos numa escala de 0 a 100, o que a colocava no nível de benchmark para o setor de mineração. Em seu Relatório Anual, a empresa admitiu que permanecia como desafio estreitar os laços e fortalecer as relações de confiança com clientes e comunidades vizinhas. O mesmo documento oficial da Samarco descreve a gestão ativa de riscos e informa que realizou pela primeira vez em 2014 seis simulados para testar a capacidade de resposta à crises. Sobre a disposição de rejeitos, diz o relatório: “A análise e o controle de riscos são realizados por meio da metodologia Failure Modes and Effects Analysis (FMEA), que avalia o potencial de ocorrências e falhas nas barragens, bem como as consequências potenciais sobre a saúde e a segurança das pessoas e do meio ambiente… Sob a ótica da segurança de nossas operações, dispomos do Plano de Ações Emergenciais (PAE) das barragens, que aborda o funcionamento das estruturas de disposição de rejeito e possíveis anomalias ou situações de emergência. Com base nesse documento, que atende aos requisitos legais sobre gestão de barragens, aplicamos, em 2014, um total de 1.356 horas de treinamentos com os empregados envolvidos direta ou indiretamente nas atividades”. Em outro trecho: “Mapeamos 18 riscos operacionais prioritários de segurança e seis riscos prioritários de saúde e definimos um programa de gerenciamento”. Depois de descrever vários investimentos na mitigação de riscos, finaliza: “Outras melhorias aguardam licenças e aspectos regulatórios para serem implantadas, como a construção do trevo da portaria principal de Ubu e o estacionamentoexterno da barragem, em Germano.” Por que nada disso foi suficiente para evitar a tragédia? Porque as empresas se iludem. Nosso conhecimento é majoritariamente formado por informações passadas ou presentes e, a cada dia, a previsão dos efeitos futuros de nossas atividades fica mais complexa e improvável. Assim, como todas essas ferramentas e metodologias são baseadas em melhores práticas criadas no passado, servem para gerar conforto a acionistas e outros stakeholders, mas não garantem segurança diante de operações de grande impacto. A pressão por mais e mais produção, somada às incertezas ambientais e sociais, fazem com que cada dia sem acidente seja um dia mais próximo de um acontecimento inesperado. Esse dia chegou para a Samarco, depois de anos perseguindo produtividade, eficiência, e consequentemente estocando mais rejeitos. Assim como a BP teve de pagar 18 bilhões de dólares em multas e indenizações nos Estados Unidos, a Samarco deverá arcar com um imenso custo para reparar os danos ambientais e sociais que gerou. É necessário, no entanto, repensar o modelo de negócios e os processos produtivos dela e de todo o setor de mineração. 2 Álvaro Almeida, diretor da Report Sustentabilidade e organizador da conferência internacional Sustainable Brands Rio https://www.istoedinheiro.com.br/blogs-e-colunas/post/20151109/caso-samarco-desmoronamento-responsabilidade-social-corporativa/7737 3 Se ainda dependemos de minério para produzir bens necessários, uma empresa realmente responsável deve investir em pesquisa para extrair cada vez menos recursos naturais, eliminar processos que geram rejeitos e não se acomodar na mera melhoria contínua de modelos insustentáveis. A tragédia de Mariana revela que os padrões atuais da responsabilidade social corporativa não são suficientes para proteger a sociedade. Precisamos de negócios que tenham processos e modelos de negócios que gerem impacto positivo, regenerem a natureza e compartilhem o valor produzido. Do contrário, lamentaremos muitas outras tragédias. Para IBGC, falhas de gestão de risco expõem sociedade a catástrofes http://riscosegurobrasil.com/materia/para-ibgc-falhas-de-gestao-de-risco-expoem-sociedade-a-catastrofes/ Oscar Rocker Netto O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) considera “urgente” que empresas envolvidas com questões ambientais façam uma revisão de seus processos decisórios, cobra um posicionamento mais consistente de diretores e conselhos de administração e avalia que a pouca atenção dada por eles à área tende a gerar falhas no gerenciamento de riscos — que por sua vez podem resultar em “verdadeiras catástrofes”. “A ocorrência ainda frequente de desastres ambientais relacionados à atividade empresarial impõe aos conselheiros de administração, diretores e demais agentes de governança uma necessidade urgente: revisar seus processos de tomada de decisão, de prestação de contas, de transparência e de comunicação com as partes interessadas e o público como um todo”, diz o instituto por meio de uma Carta de Opinião emitida em 12 de fevereiro. Trata-se da primeira manifestação formal do IBGC sobre o tema após o desastre em Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. O documento pode vir ser desdobrado em outras análises e recomendações do instituto na área de governança. De acordo com o instituto, “investidores, conselheiros e diretores estão sujeitos a uma nova realidade, que concebe um papel abrangente da empresa na sociedade, muito além do mero agente do mercado financeiro”. O documento lembra que além de “perdas irreversíveis para o meio ambiente, o patrimônio público e a sociedade” os danos causados por catástrofes podem ser fatais para as empresas envolvidas, com “danos na reputação, multas e prejuízos financeiros”. Como é praxe na instituição, nenhuma empresa é citada nominalmente. A ligação óbvia, no entanto, é a Samarco, responsável por um dos maiores desastres ambientais do país. A empresa está envolvida em ações que envolvem até R$ 20 bilhões em compensações e pagamentos pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Mais pressão Para o IBGC, a maior pressão da opinião pública exige uma conduta mais responsável das empresas na área ambiental. “Essas cobranças podem e devem ser encaradas como fontes de oportunidades, inovação e vantagem competitiva – e não como entraves ou custos adicionais”, aponta o documento. “Os desastres ambientais são uma dolorosa oportunidade de reforçar essa visão e adotar novas e melhores condutas.” De acordo com o documento, as empresas precisam ter um enfoque de longo prazo, com opção por buscar um “lucro ótimo” e não “lucro máximo”. “As considerações envolvendo aspectos socioambientais serão refletidas, mais cedo ou mais tarde, nas demonstrações contábeis, no valor econômico e de mercado da empresa, podendo afetar decisivamente sua longevidade.” Para fazer valer essas premissas, as empresas precisam se ancorar no que a Carta de Opinião chama de pilar da responsabilidade corporativa: “Os agentes de governança corporativa devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos”. Para quem tem dúvidas sobre como proceder, o IBGC faz ainda recomendações concretas, retiradas da 5ª edição do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, publicado pelo instituto. São ações como: mapear riscos, medir probabilidade de ocorrência, tomar medidas para preveni-los ou mitigá-los, cumprir código de conduta e treinar os públicos por ele afetados, ser transparente, entre outras. http://riscosegurobrasil.com/materia/para-ibgc-falhas-de-gestao-de-risco-expoem-sociedade-a-catastrofes/ http://www.ibgc.org.br/userfiles/2014/files/ResponsabilidadeCorporativa.pdf http://riscosegurobrasil.com/materia/para-especialista-samarco-ignorou-avisos-e-gestao-de-riscos-falhou/ 4 “Hoje, mais importante que obter resultados, é atentar à forma pela qual são obtidos”, orienta o instituto. https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/04/politica/1478293515_402075.html H. M. SÃO PAULO - 07 NOV 2016 - 10:42 BRST Passado um ano do rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana, a ONU divulgou nesta sexta-feira um comunicado assinado por especialistas afirmando que as medidas tomadas pelas autoridades e as mineradoras envolvidas na tragédia "não correspondem à dimensão do desastre e às consequências socioambientais, econômicas e de saúde". O documento critica também a falta de providências em relação à situação das comunidades indígenas e ribeirinhas ao longo da Bacia do Rio Doce, atingida na tragédia de Mariana, e diz que o Governo ainda não providenciou provas de que a qualidade da água dos rios da região é suficiente para o consumo humano depois que o tsunami de rejeitos de mineração avançaram sobre o Rio Doce até desaguar no litoral do Espírito Santo. Para os representantes da ONU, os esforços das empresas Samarco e suas as acionistas Vale e BH Billiton para conter os vazamentos de lama foram insuficientes. Os especialistas lançaram um apelo para que as autoridades brasileiras tomem medidas imediatas para solucionar os impactos ainda persistentes da tragédia, ocorrida no dia 5 de novembro de 2015. Veja o que foi e o que não foi feito para reparar os danos da tragédia: Rejeitos continuam espalhados e obras estão atrasadas. Segundo o Ibama, a mineradora cumpriu apenas 5% das recomendações feitas. Os 40 milhões de m³ que vazaram após o colapso da barragem de Fundão ainda não foram removidos e continuam espalhados em um raio de 115 km na região. Com a chegada do período de chuva, operigo de que essa massa de rejeitos de minério volte a se deslocar, poluindo ainda mais a bacia do Rio Doce, é grande. Segundo a presidente do Ibama, Suely Araújo, as obras para conter a lama estão atrasadas e a turbidez - presença de partículas em suspensão – da água próximo ao local do rompimento da barragem está acima do normal. Desde a tragédia, o Ibama emitiu 69 notificações à Samarco, sendo algumas sobre determinações de como proceder em algumas situações e outras comunicando algumas irregularidades. Segundo o órgão ambiental, a mineradora cumpriu apenas 5% das recomendações feitas. O descumprimento da Samarco em adotar medidas de controle para acabar com a degradação ambiental fez o Ibama aumentar o número de multas aplicadas à mineradora, que agora possui 13 autos de infração, que já ultrapassam 300 milhões de reais. A última infração aplicada no dia primeiro de novembro prevê uma multa diária de 500 mil reais. A mineradora está recorrendo de todas elas. Segundo a Samarco, há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões que precisam ser reavaliados e, por isso, a empresa aguarda a decisão administrativa das defesas já apresentadas. A empresa defende, ainda, que está exercendo seu direito legítimo e reafirma que tem cumprido com suas obrigações e compromissos assumidos com a sociedade. “A Samarco reforça que já investiu até https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/04/politica/1478293515_402075.html https://brasil.elpais.com/autor/heloisa-de-resende-mendonca/ 5 o momento aproximadamente 1 bilhão de reais para o pagamento de ações de remediação, compensação e de indenização”, disse em nota. A mineradora está construindo um novo dique, chamado S4, entre o distrito de Bento Rodrigues e o rio Gualaxo do Norte para tentar conter os rejeitos que sobraram na região. A mineradora também trabalha na recuperação da estrutura de três diques que foram impactados com o rompimento abrupto da barragem. Instalação de sirenes Após a tragédia de Mariana, a Samarco, decidiu instalar sirenes onde há população perto das barragens. Atualmente já são contabilizados 20 aparelhos em diferentes áreas. Na época do rompimento não havia nenhuma sirene. O sistema de monitoramento do complexo da mineradora também foi aprimorado com novos equipamentos. Indenizações pela tragédia de Mariana ainda são discutidas Em novembro do ano passado, a Promotoria de Mariana, visando assegurar recursos para o ressarcimento das vítimas da tragédia, entrou com uma ação na Justiça e conseguiu bloquear 300 milhões de reais das contas da Samarco. Atualmente, os atingidos pela tragédia que perderam sua fonte de renda recebem um salário mínimo mensal por família, mais 20% para cada dependente e uma cesta básica da empresa. Os desabrigados também estão morando em casas alugadas pela mineradora Samarco, em Mariana. As indenizações pelas propriedades e outros danos materiais e morais ainda não foram definidos. Um adiantamento de 20.000 reais de indenização foi dado pela mineradora às pessoas que perderam sua moradia, depois que o Ministério Público entrou com uma ação contra a empresa. Ibama aplicou multas que já ultrapassam 300 milhões de reais Os ex-moradores dos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira e Barra Longa, fortemente impactados pelo rompimento da barragem, serão reassentados em novas comunidades até 2019. Os programas de reconstrução dos distritos serão executados pela Fundação Renova, uma instituição criada pela Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton. A fundação, que de alguma forma tenta assumir o ônus da tragédia, desvinculando o nome das empresas ao processo, também conduzirá os 41 programas de recuperação ambiental e reparação socioeconômica previstos no acordo firmado da Samarco com o Governo Federal, em março. No Espírito Santo, a fundação Renova começou nesta semana um programa de indenização em Colatina, cidade capixaba em que os moradores ficaram sem abastecimento de água por alguns dias após o rompimento da barragem. As famílias e empresas que tenha sofrido perdas materiais e em atividades econômicas poderão se cadastrar para serem ressarcidas. Denúncia para cobrar punição O Ministério Público Federal de Minas Gerais denunciou 21 pessoas da mineradora Samarco e integrantes das empresas Vale e BHP Billiton por homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) pelo colapso da barragem. Entre os denunciados estão o ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. Todos são suspeitos também dos crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves. Eles ainda foram denunciados por crimes ambientais, os mesmos que são imputados às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. Após a tragédia, a Samarco decidiu instalar sirenes onde há população perto das barragens. Na época do rompimento não havia nenhuma. As três mineradoras vão responder por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, que envolvem crimes contra a fauna, a flora, crime de poluição, contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural. A Samarco e Vale ainda são acusadas de três crimes contra a administração ambiental. 6 Segundo o Ministério Público Federal, as investigações mostraram que os denunciados sabiam dos riscos de rompimento da barragem e, em vez de paralisar seu funcionamento, continuaram a operação de forma irresponsável. Um relatório que consta no inquérito policial também mostrou que a barragem de Fundão começou a receber rejeitos da Samarco seis meses antes do início oficial de sua operação. Caso as denúncias dos procuradores sejam aceitas pela Justiça, os acusados podem ir a júri popular e ser condenados a até 54 anos de prisão. Tentativa de veto a barragens como a do acidente O Ministério Público de Minas Gerais entrou, na sexta-feira, com ação para barrar todos os licenciamentos ambientais de novas barragens construídas com a tecnologia conhecida como alteamento à montante. Esse é o mesmo modelo utilizado na barragem de Fundão, em Mariana. Neste tipo de estrutura são erguidos vários degraus contra a parede que dá sustentação à barragem à medida que se aumenta a quantidade de rejeitos. Esse modelo requer critérios mais rígidos tanto para construir como para monitorar. Um decreto do Governo mineiro já tinha suspendido o licenciamento de novas barragens com alteamento à montante, mas permitia que os pedidos de licença que já estavam em curso continuassem tramitando. Agora, os procuradores mineiros querem que esses licenciamentos também sejam suspensos. Atividades da empresa continuam embargadas Desde o rompimento da Samarco, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais informou que todas as atividades da Samarco Mineradora estavam suspensas e que a empresa não poderá operar até que repare os danos causados. Em outubro, Clovis Torresda, diretor-executivo da Vale, uma das empresas controladoras, disse acreditar no retorno das operações da Samarco até meados de 2017. O promotor de Justiça Mauro Ellovich, de Minas Gerais, afirma que não é contra a volta da empresa, mas afirma que a mineradora continua não cumprindo com as exigências para retornar a operação. “Não é possível que uma atividade seja ao mesmo tempo licenciada e danosa. Pelo menos ela tem conter o estrago”, disse em entrevista à rádio do MPMG. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/04/politica/1556925352_146651.html NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR CONGONHAS (MG) - 05 MAY 2019 - 18:12 BRT As legiões de aventureiros avarentos que penetraram nestas terras do Brasil no século XVIII não pararam para pensar que o ouro não se come. Alguns morreram de fome com pedras brutas no https://brasil.elpais.com/autor/naiara-galarraga-gortazar/ 7 bolso. Não havia comida, estradas nem comércio. Aquela febre do ouro estabeleceu as bases de um Estado que deve quase tudo às minas. Seu nome, seu desenvolvimento,seu patrimônio histórico e sua economia. A paisagem verde de Minas Gerais é pontilhada por enormes lacunas de ocre intenso que a mineração escava na terra e por depósitos descomunais para colocar os resíduos que essa atividade gera. O colapso de uma dessas barragens em Brumadinho matou há cem dias, completados neste domingo, 235 pessoas. Outras 35 − também devoradas em segundos pela avalanche de rejeitos − continuam desaparecidas. A Vale, empresa proprietária da mina e uma das maiores multinacionais brasileiras, é reincidente. A tragédia provocou uma grande onda de indignação popular que levou a algumas poucas mudanças, mas o medo de que se repita está muito presente. Maria Lourdes Anunciação, de 64 anos, vive tomada pelo medo em uma moradia de tijolos descobertos muito perto de uma barragem quatro vezes maior do que a que se rompeu em 25 de janeiro em Brumadinho. Não é a única. Nada menos que 23 depósitos de resíduos rodeiam Congonhas, uma cidade turística de 50.000 habitantes. Só uma colina separa a família Anunciação da mais próxima. Eles contam depois do desastre as autoridades fecharam a escola, e ficou nisso. “Depois de Brumadinho, não fizeram nenhuma simulação. Só a sirene, que tocou uma vez. Eram quase nove da manhã e quase ninguém ouviu. Tocou muito baixo”, recorda Maria. As vítimas de Brumadinho também não a ouviram, porque não tocou. “As pessoas têm mais medo das barragens agora, mas do desemprego também”, aponta sua filha Tatiane. Elas, como tantos na área, têm parentes que trabalham no setor. As minas são a grande fonte de emprego local. E um potente motor da economia nacional, tanto que a mineração em Minas Gerais contribui com 8% das exportações brasileiras, que mesmo em épocas de crise é um gigante econômico. E, no setor, reina a Vale. Fundada em 1942 e privatizada em 1997, é a maior produtora de minério de ferro do mundo. Seu poder é enorme. A proclamação “Mariana nunca mais”, adotada por seu presidente, o agora substituído Fabio Schvartsman, depois de uma tragédia escandalosamente similar em 2015, ficou sepultada sob toneladas de ferro em Brumadinho. O rompimento da barragem de Mariana matou 19 pessoas, e causou o maior desastre ecológico do Brasil. “Se você não está a favor de Vale, é um inimigo. A Vale não dialoga, a Vale manda”, afirma o professor Evandro Moraes, da Universidade Federal de Minas Gerais, que estuda há décadas estas represas de resíduos minerais. Ele insiste que os acadêmicos sabem há muito tempo que, à medida que a terra vai ficando menos rica em minerais, os resíduos aumentam. Moraes está convencido de que sem mudanças profundas, haverá novos desastres. “É necessário mudar o ciclo econômico”, diz, diante do desafio de administrar cada vez mais resíduos. Soluções existem, afirma. Estão em estudos feitos pela universidade − e são economicamente viáveis, assegura. Os resíduos poderiam ser transformados em cimento. Mas, segundo ele, a Vale não demonstrou nenhum interesse. “Ela não dialoga com o mundo acadêmico, nem com a sociedade civil... só o Ministério Público consegue se impor à Vale”, aponta o professor. Andressa Lanchotti é a coordenadora da equipe de promotores de Minas Gerais e de agentes da Polícia Federal que investiga o que ocorreu em Brumadinho. “Precisamos de uma mudança de comportamento muito grande para recuperar a confiança, porque em menos de três anos houve dois desastres envolvendo a mesma empresa [a Vale] em duas minas que tinham um certificado de estabilidade e uma auditoria externa. E as duas se romperam. Isso significa uma falta de credibilidade não só da Vale, mas de todo o sistema brasileiro de gestão de barragens”, explica a promotora em seu escritório em Belo Horizonte. Lanchotti considera que o Estado deve assumir a fiscalização, que hoje é praticamente um https://brasil.elpais.com/tag/minas_gerais/a/ https://brasil.elpais.com/tag/rompimiento_presa_brumadinho/a/ https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/29/actualidad/1548801620_507486.html 8 autocontrole das empresas. Há 34 inspetores de barragens no Brasil inteiro, quando o Estado de Minas Gerais sozinho é maior do que toda a Espanha. Um decreto do Governo de Jair Bolsonaro ordenou que sejam desmantelados em três anos todos os depósitos de mineração construídos com a técnica de alteamento a montante, a mais barata e perigosa porque não tem alicerces nem muros. Foi essa a técnica usada nas duas barragens que desmoronaram. Nestes cem dias, o Ministério Público ordenou que a Vale paralise as atividades em oito barragens e pague mil reais mensais durante um ano a cada um dos 40.000 moradores de Brumadinho, determinou a realização de inspeções independentes, bloqueou milhões de reais em fundos da empresa para enfrentar a emergência, pediu o afastamento de Schvartsman da presidência e retirou seu passaporte. Segundo a promotora, “existem tecnologias modernas que são usadas em outros Estados (do Brasil) e em outros países” para administrar resíduos de mineração, mas “aqui não se fazia isso porque não era prioridade por questões econômicas”. A fiscalização é um ponto fraco no Brasil, como reconheceu o vice-presidente Hamilton Mourão em uma entrevista ao EL PAÍS logo após a tragédia. A Agência de Mineração inspecionou cerca de cem barragens nestes três meses, a maioria em Minas Gerais, mas o organismo ainda está elaborando suas conclusões, segundo um porta-voz. Esses imensos depósitos são organismos vivos, dizem os especialistas. “São como um leão em uma jaula, sempre a ponto de morder”, explica o professor. Costumam se romper porque seu conteúdo se liquefaz. É um fenômeno misterioso. “Nem os cientistas sabem por que ocorre”, afirma Moraes, um engenheiro e geólogo que em sua longa carreira foi consultor da Vale e de outras empresas de mineração. Três dos depósitos estão em um nível de emergência tão alto que cerca de mil pessoas, segundo a multinacional, foram retiradas das áreas próximas. A isso se somam os danos colaterais para o sustento de milhares de pessoas. O Ministério Público investiga 26 pessoas por crimes contra a vida e o meio ambiente (com Schvartsman encabeçando a lista), já deteve preventivamente 13 engenheiros e auditores, mas ainda não há um relatório preliminar sobre as causas do colapso. Wilson Moreira, de 64 anos, não acompanha em detalhes as medidas adotadas pela promotoria e pela Vale, nem as denúncias da imprensa. O que ele sabe é que perdeu um filho. Cleiton Luiz tinha 29 anos. “Foi encontrado na terça-feira de Carnaval [um mês depois da tragédia]. Só me deram uma caixa com uma foto dele em cima. Suponho que fosse ele. Não era permitido abri-la”, explica em Brumadinho este comerciante, que além disso viu como a economia local se arruinou e suas duas lojas perderam clientela. “Ele nunca falou que sentisse risco, gostava do trabalho. Morreu inocente.” Wilson interrompe seu relato com risos nervosos. Está convencido de que “se o Ministério Público funcionasse, a Vale estaria fechada por segurança”. Mas também diz que a empresa não pode desaparecer porque é vital para que as pessoas ganhem a vida. Quem diria em 1978, quando ele dirigia um caminhão que levava resíduos para a barragem, que aquele lodaçal cresceria exponencialmente e mataria seu filho. A busca pelos desaparecidos prossegue. A bombeira militar Priscila vasculhava a lama com um guindaste esta semana em busca de qualquer resto humano ou objeto. “Ontem achamos uma agenda, espero que sirva para encontrar a alguém.” Em Mariana não havia sirenes. E em Brumadinho não chegaram a tocar. “Os sistemas de alarme têm de ser automáticos”, diz o bombeiro civil Pedro Cruz, de 31 anos, enquanto visita com sua namorada, Germana Souza, a igreja de Congonhas que abriga famosas esculturas barrocas de Aleijadinho pagas com os lucros da mineração, que atraem milhares de turistas para a cidade. 9 Com 55.000 empregadosno Brasil e um faturamento de 36,5 bilhões de dólares (143,8 bilhões de reais), a Vale gera muita riqueza. E seu poder e influência são enormes. Brumadinho fez suas ações na Bolsa despencarem, mas agora já são cotadas como antes que o tsunami de rejeitos engolisse seus empregados, muitos deles enquanto almoçavam no refeitório. Devido ao desastre e à paralisação por ordem judicial de três minas, serão produzidas 62,8 milhões de toneladas a menos este ano, explica a empresa. Isso representa 15% do minério de ferro que ela produziu no ano passado. E tem impacto no mercado mundial. A queda, segundo o professor Moraes, fez o preço do minério de ferro subir, o que reduz as perdas, e além disso outras empresas já reativaram minas que não exploravam. O fantasma de que os responsáveis máximos fiquem impunes está rondando. Basta ver o que ocorreu em Mariana, onde o tsunami de resíduos arrasou duas cidades e percorreu mais de 600 quilômetros até o Atlântico, alterando as vidas de centenas de milhares de pessoas e prejudicando gravemente o ecossistema. Três anos depois, ninguém foi condenado. Não há data para o julgamento e a proprietária da mina − a Samarco, controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton − pagou uma ínfima parte das multas por danos ambientais porque recorreu delas. “Depois de Mariana, muito pouco foi feito. Fazia três anos que estávamos anunciando que haveria mais desastres”, diz Fabiana Alves, do Greenpeace. Um veterano do setor de mineração que também teve responsabilidades em políticas públicas nessa área e pede para ficar no anonimato diz que a sucessão de desastres “é totalmente inadmissível”, mas ressalta que, segundo as estatísticas, há dois ou três rompimentos por ano. “Até o Canadá, um país com um aparato legal considerado bom, ótimos consultores e uma tradição de excelência em atividades de mineração, teve rompimentos de barragens todos os anos entre 2011 e 2014.” No entanto, os danos no Brasil são incomparáveis àqueles. Esse especialista opina que a legislação e a fiscalização são insuficientes para evitar acidentes. “É fundamental ter um projeto de alta qualidade, que a construção obedeça às melhores práticas da engenharia e, principalmente, que seja operada com rigor técnico”, afirma. Sebastião José dos Santos, de 61 anos, vive na cidade rodeada por 23 depósitos de resíduos. Esse técnico de manutenção em uma mina acredita que elas são seguras: “Como filho de Congonhas e empregado da CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], estou convencido de que aqui não teremos nenhuma catástrofe como as de Brumadinho e Mariana”. Depois de um tempo de conversa, surge uma certa dúvida quando ele diz: “Se alguma barragem se romper, e não vai se romper, todos vamos sofrer”.
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