Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
OFICINA 1 - SAÚDE MENTAL E REFORMA PSIQUIÁTRICA 1. ESTUDAR A HISTÓRIA DA LOUCURA. (MUNDO E BRASIL, PRINCIPAIS MARCOS, CONCEPÇÃO DA LOUCURA). A humanidade convive com a loucura há séculos e, antes de se tornar um tema essencialmente médico, o louco habitou o imaginário popular de diversas formas. De motivo de chacota e escárnio a possuído pelo demônio, até marginalizado por não se enquadrar nos preceitos morais vigentes, o louco é um enigma que ameaça os saberes constituídos sobre o homem. Na Renascença: Banimento das cidades europeias Na Idade média: Os loucos são confinados em grandes asilos e hospitais destinados a toda sorte de indesejáveis Os mais violentos eram acorrentados; a alguns era permitido sair para mendigar. No século XVIII: Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, propõe uma nova forma de tratamento aos loucos ↳ Transferindo-os aos manicômios, destinados somente aos doentes mentais. O tratamento defendido por Pinel, baseia-se principalmente na reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das condutas inconvenientes. Para Pinel, a função disciplinadora do médico e do manicômio deve ser exercida com firmeza, porém com gentileza. No século XIX: O tratamento ao doente mental incluía medidas físicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias. Aos poucos, com o avanço das teorias organicistas, o que era considerado como doença moral passa a ser compreendido também como uma doença orgânica. A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por Franco Basaglia, psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento e das instituições psiquiátricas. Esse movimento inicia-se na Itália, mas tem repercussões em todo o mundo e muito particularmente no Brasil. Nesse sentido é que se inicia o movimento da Luta Antimanicomial que nasce profundamente marcado pela ideia de defesa dos direitos humanos e de resgate da cidadania dos que carregam transtornos mentais. 2. A TRAJETÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: INSPIRAÇÕES, AVANÇOS, RETROCESSOS E DESAFIOS Em 1830: Inicia-se o processo de medicalização da loucura, com a construção de hospícios. Entre as décadas de 30 e 50, Descoberta da eletroconvulsoterapia (ECT) e da Lobotomia, onde psiquiatras acreditavam ser a curada de transtornos mentais. No final do século XIX D. Pedro II cria o primeiro hospital psiquiátrico; onde os “loucos” viviam em condições insalubres e isolados da sociedade. Já no século XX A Lei nº 6.439/77 cria o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), abarcando institutos e fundações, dentre eles, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) (Lei nº 6.439, 1977). Associado a estas questões, inicia-se o processo de reforma psiquiátrica, propondo a desconstrução e desinstitucionalização das práticas manicomiais e a elaboração de um modelo de atenção psicossocial, caracterizado pelo conceito ampliado do processo saúde-doença, a qual remete à realidade biopsicossocial dos sujeitos. Na década de 70 O país enfrentava uma recessão econômica, com a crise do modelo previdenciário. A necessidade de diminuir os custos fez com que as altas despesas com os manicômios contribuíssem para a reforma psiquiátrica. Nesse período, inicia-se, também, o movimento sanitário em favor da mudança dos modelos de atenção em saúde, em defesa da saúde coletiva, pela equidade dos serviços e protagonismo dos profissionais de saúde e usuários A partir daí, a assistência ao usuário vem passando por importantes modificações, onde os sujeitos deixam de serem vistos como “loucos”, passando a serem reconhecidos como cidadãos, com direitos e aspirações, integrante de uma família e de uma comunidade. Em 1990 Promulgação das leis de implementação do Sistema Único de Saúde e do Estatuto da Criança e do Adolescente e divulgação da Declaração de Caracas Por meio da Carta Magna brasileira, normativas legais foram instituídas para que o Estado brasileiro pudesse assegurar os direitos da população, como o SUS (Sistema Único de Saúde), pela lei n. 8080/1990, e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), lei n. 8.069/1990. No mesmo ano, a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgaram também um documento que oportunizou a reestruturação da atenção psiquiátrica na América Latina, com nova política para os serviços de saúde mental, conhecido como a Declaração de Caracas. Em 2001 Lei Paulo Delgado ou Lei da Reforma PsiquiátricaI impulsionou a transição do modelo de atenção à saúde mental no Brasil, permitindo a expansão da rede de serviços comunitários, com assistência integral e multidisciplinar aos usuários. Em 2003 Investimento no Serviço Residencial Terapêutico e criação do Programa De Volta Para Casa A criação do Programa PVC (“De Volta para Casa”), lei n.10.708/2003, através do SRT (Serviço Residencial Terapêutico) - instituído pela portaria n. 106/2000 - impulsionou o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas. Os SRT são moradias para até dez pessoas, localizadas fora dos hospitais psiquiátricos, enquanto o PVC trata de pagamento de benefício financeiro para contribuir materialmente para a reconstrução de autonomia e reinserção na comunidade. Em 2005 Reforma Psiquiátrica Brasileira atestada como processo político e social Em um documento do governo brasileiro de 2005, elaborado 15 anos após a Declaração de Caracas, a Reforma Psiquiátrica Brasileira foi reconhecida como processo político e social. Tal documento indica ainda o papel dos vários segmentos da sociedade, como movimentos sociais, instâncias de governos, de formação de profissionais e de serviços de saúde, além da opinião pública e dos símbolos compartilhados pela comunidade. Em 2008 Criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) A criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família buscou reforçar a atenção primária em saúde. Os núcleos incluíam profissionais de várias áreas, como psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e psiquiatras, no apoio às equipes de saúde da família no território. Em 2011 Instituição da Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde A mudança na legislação foi acompanhada por experiências locais de fechamento de hospitais psiquiátricos e por ofertas de cuidado comunitário em saúde mental, que progressivamente foram sendo implementadas nas esferas municipais, estaduais e nacionais. Em 2011, essas diretrizes e recomendações foram consensuadas como política pública nacional por meio da portaria n. 3.088, que institui a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) do SUS - que busca criar, diversificar e articular serviços e ações para pessoas com sofrimento mental ou com demandas decorrentes do uso de drogas. Em 2015 - 2016 Interrupção do processo de extinção de hospitais psiquiátricos Desde o final de 2015 e início de 2016, a Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde sofreu grandes alterações de direcionamento. Ocorreram mudanças que implicaram o retorno de abordagens que haviam sido superadas no passado, com ênfase dada à institucionalização, moralização da família e da sexualidade, em vez de preconizar o cuidado baseado na comunidade. Foi o primeiro momento, desde a retomada da democracia, que o Estado brasileiro interrompeu o processo de extinção de seus hospitais psiquiátricos. Barbacena: um recorte do caso Barbacena situa-se na Serra da Mantiqueira, a 169 km da capital mineira e conta hoje cerca de 124.600 habitantes. Esse município recebeu a alcunha de “Cidadedos Loucos” durante longos anos. Esse título foi recebido em função dos sete hospitais psiquiátricos que abrigou. A justificativa técnica para a instalação de tantos manicômios no mesmo território deve-se à antiga crença, defendida por alguns médicos da época, de que o clima de montanha era salutar para os que carregavam doenças nervosas. Nesse clima, os loucos ficariam menos arredios e, supostamente, facilitariam o tratamento. Outra versão conta que, ao perder a disputa política para Belo Horizonte de sediar a capital mineira, ganha, como “prêmio de consolação” os tantos hospitais psiquiátricos, dos quais ainda restam três na cidade. O maior desses hospitais, hoje administrado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), começou a funcionar em 1903, numa imensa área rural, nas terras da Fazenda da Caveira. As instalações desse hospital abrigaram anteriormente uma clínica de repouso e clínica para os nervos e, posteriormente, um Sanatório para Tuberculosos. Era uma instituição para ricos. Com a falência do sanatório, o prédio foi ocupado por um hospital psiquiátrico, em que os pacientes se dividiam em pagantes e indigentes. Por meio do trabalho, retirava-se o louco de sua condição de criatura inútil, possibilitando a canalização da sua agressividade e, consequentemente, a cura. Dessa forma, os pacientes pobres e considerados indigentes eram forçados a trabalhos monótonos e repetitivos, sem remuneração, e faziam trabalhos pesados na lavoura, na área do hospital, e na confecção de tijolos, bonecos, tapetes e outros produtos que eram vendidos ou consumidos internamente. Em seu auge o hospital chegou a abrigar cerca de 5.000 moradores, os quais chegavam de todos os cantos do Brasil, apinhados em um trem que parava na frente dos pavilhões. Esse sinistro e terrível veículo ficou conhecido como “Trem de Doido”. Do hospital, a maioria das pessoas não saía nunca mais. Muitos chegavam crianças e nunca mais viam suas famílias. Para lá, eram enviados meninos considerados pelos pais e professores como desobedientes; moças que, para a desgraça familiar, tinham perdido a virgindade ou que engravidavam sem estarem casadas; presos políticos e toda a sorte de “indesejáveis” na sociedade, dentre os quais também os sifilíticos e os tuberculosos. Os internos viviam no hospital em estado de absoluto abandono. Perambulavam pelos pavilhões nus e descalços e eram forçados a comer comida crua, servida em cochos e sem talheres. Para acomodar tanta gente nas instalações do hospital, as camas eram retiradas e feno era espalhado pelo chão. Tal estratégia chegou até mesmo a ser recomendada como medida em outros hospitais psiquiátricos da região. As pessoas dormiam todas juntas, amontoadas no piso do quarto sobre o feno. Conviviam com ratos, que lhes mordiam, com suas próprias fezes e urina e morriam às dezenas de diarreia, desnutrição, desidratação e de tantas outras doenças oportunistas. Estima-se que cerca de 60 mil pessoas morreram nesse hospital. Eram 60 óbitos por semana, 700 por ano. Vários ex-internos se referem a um chá que era frequentemente servido por volta da meia-noite e “estranhamente”, no dia seguinte, muitos amanheciam mortos e eram empilhados nos corredores e pátios do hospital. Os mais rebeldes ou aqueles que cometiam algum ato considerado pelos funcionários como insubmissão eram mantidos presos em celas gradeadas, algemados pelos pés e mãos, contidos por várias técnicas e métodos diferentes. Passavam por sessões de eletrochoque, das quais saiam mortos ou com dentes e ossos quebrados. O hospital possuía um centro cirúrgico no qual eram realizadas as psicocirurgias, como a lobotomia, mais apropriadamente chamada de leucotomia. Esse procedimento leva a um estado de sedação, com baixa reatividade emocional dos pacientes, considerado como eficaz para a melhoria dos sintomas externos da doença psiquiátrica. Em 1979, o conhecido psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou o Hospital Colônia de Barbacena e o comparou aos campos de concentração nazistas de Adolf Hitler. As denúncias contra o tratamento desumano no interior dos manicômios, que se iniciam no final da década de 70 e tomam força nos anos 80 e 90, citam os hospitais de Barbacena e começam a mobilizar a sociedade. Na crença de que o paciente com transtorno mental pode e deve ser tratado sem ser retirado do seu meio familiar e social e sem ficar trancafiado, sem liberdade, no hospital psiquiátrico é que se sustenta toda a revolução na atenção à saúde mental. Em Barbacena, esse desafio é aceito e os hospitais psiquiátricos vão sofrendo intervenções do Ministério da Saúde, fechando suas portas e sendo descredenciados do Sistema Único de Saúde. Como contrapartida, são organizadas as chamadas Residências Terapêuticas as quais recebem os egressos dessas longas internações psiquiátricas e a assistência é oferecida nos Centros de Atenção Psicossocial. Barbacena, nesse sentido, pode ser tomada como um emblema da Reforma Psiquiátrica no Brasil. RESUMO: Os principais objetivos centraram-se, assim, na substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços comunitários, tendo como núcleo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se inspiravam nos centros de saúde mental desenvolvidos na Itália e em outros países europeus. 2. ENTENDER A REFORMA PSIQUIÁTRICA, ELUCIDANDO OS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES NO BRASIL. (EVOLUÇÃO, IMPORTÂNCIA); Histórico da Reforma: (I) crítica do modelo hospitalocêntrico (1978-1991) O ano de 1978 costuma ser identificado como o de início efetivo do movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM): formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, surge neste ano. Este Movimento, através de variados campos de luta, que passa a protagonizar e a construir a partir deste período a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. A experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas O II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), em 1987, adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro). Neste período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção, Em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. É esta intervenção, com repercussão nacional, que demonstrou de forma inequívoca a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Neste período, são implantados no município de Santos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações. A experiência do município de Santos passa a ser um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. Também no ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. Histórico da Reforma: (II) começa a implantação darede extra-hospitalar (1992-2000) A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. É na década de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Neste período, o processo de expansão dos CAPS e NAPS é descontínuo. Ao final deste período, o país tem em funcionamento 208 CAPS, mas cerca de 93% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental ainda são destinados aos hospitais psiquiátricos. A Reforma Psiquiátrica depois da lei Nacional (2001 -2005) É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no texto normativo. Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Em outras palavras, a Reforma formula, cria condições e institui novas práticas terapêuticas visando a inclusão do usuário em saúde mental na sociedade e na cultura. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade. Linhas específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos são criados para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no país. Neste mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”. Uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos. Realiza-se, em 2004, o primeiro Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, em São Paulo, reunindo dois mil trabalhadores e usuários de CAPS. O período atual caracteriza-se assim por dois movimentos simultâneos: a construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro. É neste período que a Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do governo federal. Existem em funcionamento hoje no país 689 Centros de Atenção Psicossocial e, ao final de 2004, os recursos gastos com os hospitais psiquiátricos passam a representar cerca de 64% do total dos recursos do Ministério da Saúde para a saúde mental. 3. COMPREENDER A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL DO BRASIL; A Política Nacional de Saúde Mental é uma ação do Governo Federal, coordenada pelo Ministério da Saúde, que compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país para organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental. Abrange a atenção a pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo etc, e pessoas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, como álcool, cocaína, crack e outras drogas. O acolhimento dessas pessoas e seus familiares é uma estratégia de atenção fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias, conforme cada caso. Os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial, formada por várias unidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de saúde. Além das ações assistenciais, o Ministério da Saúde também atua ativamente na prevenção de problemas relacionados a saúde mental e dependência química, implementando, por exemplo, iniciativas para prevenção do suicídio, por meio de convênio firmado com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que permitiu a ligação gratuita em todo o país. No ano de 2017 ocorreu uma desconfiguração da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). Portarias do Ministério da Saúde, publicadas em 2017, criaram Unidades Ambulatoriais Especializada e permitiram serviços de internação para crianças e adolescentes, incluindo o hospital psiquiátrico como ponto de atenção da RAPS (e não como parte das Estratégias de Desinstitucionalização), entre outras questões que desconfiguraram as RAPS. Houve também a revisão da Política Nacional de Atenção Básica, com redução nos recursos humanos para acolher pessoas com desabilidades psicossociais, o que cortou o financiamento direto federal dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. A volta do investimento em hospitais psiquiátricos, em um contexto de limitação de recursos frente à austeridade orçamentária do SUS desde 2017, aliada a abordagens de restrição de direitos na área de álcool e drogas, foram compreendidas como um retorno à lógica de cuidado asilar e institucionalizado. Esse é o processo conhecido como “contrarreforma”, um movimento de desconfiguração da RAPS, marcado pela revisão da Política Nacional de Atenção Básica. Além da redução dos recursos financeiros, houve também uma redução nos recursos humanos para acolher pessoas com desabilidades psicossociais. Já em 2020, ocorreu o chamado "Revogaço" e mais retrocessos. O Governo Federal apresentou ao Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) um projeto para desativar cerca de 100 portarias em políticas de saúde mental, o chamado “revogaço”. Há ainda outras questões que têm sido negligenciadas nos últimos anos, como a necessidade de formação continuada de profissionais da área - que deve se estender para outros campos além de psicologia e psiquiatria, unindo saúde, educação e direito - e o foco das redes de saúde, que privilegia o atendimento a pessoas com questões de saúde mental agravadas, sem o olhar para a promoção e a prevenção da saúde mental. Em junho de 2021, o Instituto Cactus lançou o levantamento Caminhos em Saúde Mental, um relatório inédito sobre os caminhos de atuação em saúde mental no Brasil, que tem como objetivo promover um olhar mais amplo e, ao mesmo tempo, aprofundado sobre o tema, com as principais abordagens e soluções para os diversos desafios do campo no país. Desenvolvido entre os meses de março e dezembro de 2020, em parceria com o Instituto Veredas, o levantamento se propõe a oferecer um complexo entendimento a respeito do campo da saúde mental, incluindo histórico e estruturas no Brasil. Em julho, a CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para discutir sobre a Política Nacional de Atenção à Saúde Mental no Brasil. Os principais posicionamentos foram: o consenso sobre a falta de dados acerca do tema nopaís, situação agravada em 2015 quando o relatório “Saúde Mental em Dados” do Ministério da Saúde deixou de ser publicado, e a revogação da resolução n. 3/2020, que prevê a internação de adolescentes em comunidades terapêuticas e a construção de espaços para a garantia e manutenção de direitos no âmbito da saúde mental. Os dados disponíveis sobre a atual política de saúde mental do Brasil são limitados e, em alguns casos, de difícil interpretação para um observador externo. A única descrição oficial das mudanças que o governo pretende introduzir na política de saúde mental a que tivemos acesso é uma nota técnica publicada em fevereiro de 2019, na qual se anuncia que as mudanças previstas têm o objetivo de “tornar a rede assistencial mais acessível, eficaz, resolutiva e humanizada”, por meio de uma reforma do “modelo de assistência em saúde mental, que necessitava de aprimoramentos, sem perder a essência de respeito à lei 10.216/01”. Dada a suspensão posterior dessa nota e a expressão pelo Ministro da Saúde de dúvidas sobre alguns de seus aspectos, não é claro até que ponto as mudanças propostas exprimirão a verdadeira posição do governo. No entanto, a simples publicação desse documento e as medidas de apoio aos hospitais psiquiátricos já tomadas parecem justificar as preocupações manifestadas por vários setores da saúde mental brasileira. Apesar das declarações de respeito à Lei de Saúde Mental, as mudanças propostas representam na verdade o abandono dos princípios legais, assistenciais e das várias estratégias de atenção psicossocial consolidados pela Reforma Psiquiátrica brasileira, com risco real de retrocessos das políticas de saúde mental no país. Existe hoje um largo consenso em nível internacional sobre a importância vital de assegurar a substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede integrada e territorial de serviços comunitários. Esse é um dos quatro objetivos fundamentais do Plano Global de Saúde Mental da OMS, e o relatório da Lancet Commission recomenda explicitamente que o encerramento de hospitais psiquiátricos deverá ser iniciado pelos países de renda baixa, consolidado nos de renda média e completado nos de renda alta. Interromper essa substituição e voltar a colocar o hospital psiquiátrico no centro do sistema de saúde mental, como estabelece a Nota Técnica, resultará inevitavelmente na diminuição do acesso à atenção de qualidade, no aumento das violações dos direitos humanos e no aumento da exclusão social das pessoas com transtornos mentais. Todos os esforços de redistribuição dos recursos financeiros serão anulados, e os recursos disponíveis para serviços na comunidade certamente se tornarão cada vez mais escassos. Por razões de outra ordem, a proposta de criação de Unidades Psiquiátricas Especializadas em hospitais gerais e Unidades Ambulatoriais Especializadas, tal como enunciada no documento, não pode também deixar de suscitar algumas reservas. Embora ambos os tipos de serviço possam ter um papel importante em um sistema de saúde mental, a sua criação, de forma desligada de um território específico e sem uma integração adequada com os CAPS e outros dispositivos da comunidade, levará inevitavelmente a uma fragmentação do sistema e a um desaparecimento da continuidade de cuidados. Por outro lado, a possibilidade de estabelecimento de unidades ambulatoriais especializadas destinadas ao tratamento de “pessoas com transtornos mentais mais comuns e prevalentes” em hospitais não parece fazer muito sentido. Essas unidades devem estar junto das pessoas e dos serviços de atenção primária, com que desejavelmente devem colaborar. A contradição é, aliás, um dos aspectos que mais chama a atenção na leitura desse documento. Apesar de uma constante proclamação de respeito à evidência científica, o texto em que se apresenta uma nova política de saúde mental não inclui uma única referência aos inúmeros contributos surgidos, nos últimos anos, da epidemiologia psiquiátrica, da investigação de políticas e de serviços de saúde mental e da ciência de implementação, que constituem, hoje em dia, o suporte conceptual e científico das políticas de saúde mental. As mudanças propostas ignoram totalmente as evidências que provam a necessidade de basear a promoção, a prevenção e o tratamento dos transtornos mentais em uma abordagem de saúde pública, sistêmica e intersetorial. Igualmente, partem da crença, hoje totalmente ultrapassada, de que se pode construir uma política de saúde mental apenas com base em uma perspectiva estritamente clínica, ignorando todo o debate atual à volta da saúde mental do futuro. O QUE TEMOS HOJE NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO PAÍS As diretrizes e estratégias de atuação na área de assistência à saúde mental no Brasil envolvem o Governo Federal, Estados e Municípios. Os principais atendimentos em saúde mental são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que existem no país, onde o usuário recebe atendimento próximo da família com assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme o quadro de saúde de cada paciente. Nesses locais também há possibilidade de acolhimento noturno e/ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é formada pelos seguintes pontos de atenção: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) São pontos de atenção estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Modalidades dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): ↳ CAPS I ↳ CAPS II ↳ CAPS i ↳ CAPS ad (Álcool e Drogas) ↳ CAPS III ↳ CAPS ad III (Álcool e Drogas): Atendimento e 8 a 12 vagas de acolhimento noturno e observação; funcionamento 24h Urgência e emergência: SAMU 192, sala de estabilização, UPA 24h e pronto socorro Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) Unidades de Acolhimento (UA) que são divididas em: ↳ Unidade de Acolhimento Adulto (UAA): destinada às pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, de ambos os sexos; e ↳ Unidade de Acolhimento Infanto- Juvenil (UAI): destinada às crianças e aos adolescentes, entre 10 (dez) e 18 (dezoito) anos incompletos, de ambos os sexos. Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental Comunidades Terapêuticas Enfermarias Especializadas em Hospital Geral Hospital-Dia
Compartilhar