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As-Transformações-da-Questão-Social-Robert-Castel

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PUC-SP 
Reitor: Antonio Carlos Caruso Ronca 
Vice-Reitora Acadêmica: Sueli Cristina Marquesi 
EDUC - Editora da PUC-SP 
Conselho Editorial: Ana Maria Rapassi, Bernardete 
A. Gatti, Dino Preti, José Roberto Pretel Pereira 
Job, Maria do Carmo Guedes Maura Pardini B' d , ' 
teu o Veras, Onésimo de Oliveira Cardoso, 
Scipione Di Pierro Netto Sueli Cristina Marquesi (Presidente) . ' 
1 i 
Desigualdade e a 
questão social 
Lucia Bógus 
Maria Carmelita Yazbek 
Mariangela Belfiore-Wanderley 
organizadoras 
eclu~ 
São Paulo 
2000 
As transformações da 
questão social1 
Robert Gastei 
Tradução: Mariangela Belfiore-Wanderley 
Irúcialmente, quero agradecer à PUC e 
aos organizadores deste Seminário pela honra 
do convite e, também, desculpar-me por ser 
incapaz de falar português. Sei o quanto é 
desagradável para a platéia uma exposição 
em língua estrangeira, mas esta é uma defi-
ciência que não consegui superar e que es-
pero não seja tão incômoda, em razão da 
tradução simultânea. 
Quero, ainda, desculpar-me de uma ou-
tra incapacidade, a de construir uma exposi-
1 Palestra proferida por ocasião do Seminário 
Internacional "A questão social no contexto da globalização", 
realiz.ado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
no período de 14 a 17 de outubro de 1996. 
ção a partir da realidade brasileira. Já estive 
algumas vezes no Brasil. Tenho um pequeno 
conhecimento dos problemas e das dificulda-
des por já ter discutido a respeito, mas não 
posso ter a pretensão de falar diretamente. 
Serei, pois, obrigado a tomar como referência 
a situação que conheço melhor, ou seja, a 
situação na Europa Ocidental e, particular-
mente, na França. No entanto, não gostaria 
de intervir como um representante do primei-
ro mundo, como vocês dizem aqui. Creio que 
o que vou dizer não é completamente estra-
nho ao que se passa aqui e sinto-me mesmo, 
muito próximo dos propósitos expostos, on-
tem à noite, pelo professor Luiz Eduardo 
Wanderley. 
Assim, proponho uma análise próxima 
àquela desenvolvida por Karl Polanyi sobre 
o início do capitalismo industrial, ou seja, que 
as sociedades atuais se confrontam com um 
novo desafio que podemos chamar, se qui-
sermos, de globalização, quer dizer a mun-
dialização da economia e o retorno forçado 
do mercado auto-regulado, estando a compe-
titividade e a concorrência aguerridas, ao 
mesmo tempo, no seio de cada Estado e en-
tre diferentes Estados. A esse importante de-
safio, diferentes sociedades respondem dife-
rentemente, mobilizando diferentes recursos 
236 
com base em suas próprias tradições. Poder-
se-ia sem dúvida dizer que, até agora, socie-
dades, como as da Europa Ocidental, conse-
guiram se defender melhor porque, simulta-
neamente, as pressões externas foram menos 
fortes e, principalmente, porque construíram 
defesas mais sólidas contra o mercado, pro-
teções e direitos que estão enraizados há mais 
longo tempo. Creio que a partir disso pode-
remos discutir. 
O que vou tentar dizer, muito esquema-
ticamente, é como essas proteções se desen-
volveram na Europa Ocidental, que tipo de 
equilíbrio atingiram até o início dos anos 70 
e como se degradam atualmente. Creio, então 
que, desse ponto de vista, com relação a es-
ses problemas a América Latina e o Brasil 
não estão em outro planeta. Seguramente as 
proteções não atingiram aqui essa mesma sis-
tematização e, sem dúvida, degradam-se mais 
rapidamente. Incontestavelmente a situação é 
mais grave aqui mas me parece que é mais 
uma diferença de grau do que de natureza. 
Essa é, em todo caso, uma hipótese que gos-
taria de pôr em discussão. Assim, se vou par-
tir da situação da Europa e da França, desejo 
menos falar dessas situações nelas mesmas, 
mas propor uma matriz de leitura para tentar 
237 
1 • ., 
interpretar o que se passa também aqui numa 
sociedade que foi, embora não completamen-
te, uma sociedade salarial. 
Deram à minha intervenção um título 
muito abrangente - as metamorfoses da ques-
tão social - , que retoma o título que dei a 
meu livro escrito recentemente sobre esse as-
sunto. Certamente não teria tempo de tratar 
do conjunto dessas metamorfoses. Tomarei os 
últimos episódios dessas transformações da 
questão social que originam a situação atual. 
Luiz Eduardo Wanderley referiu-se, on-
tem, à minha proposta de caracterização da 
questão social: é como uma aporia fundamen-
tal, uma dificuldade central, a partir da qual 
uma sociedade se interroga sobre sua coesão 
e tenta conjurar o risco de sua fratura. É, em 
resumo, um desafio que questiona a capaci-
dade de uma sociedade de existir como um 
todo, como um conjunto ligado por relações 
de interdependência. É uma definição que 
pode parecer um pouco abstrata, mas que é 
perfeitamente ilustrada pela situação do início 
do século XIX, nos primórdios da industria-
lização, quando a questão social foi explici-
tamente colocad~ pela primeira vez, por volta 
dos anos 1830. E a ameaça de fratura repre-
sentada pelos pro letários das primeiras con-
238 
centrações industriais que, como dizia Augus-
to Comte, acampam na sociedade industrial 
sem estarem nela encaixados, integrados. São 
essas populações flutuantes, miseráveis, não 
socializadas, cortadas de seus vínculos rurais 
e que ameaçam a ordem social, seja pela vi-
olência revolucionária, seja como uma gan-
grena. Aliás, essa é uma palavra utilizada no 
vocabulário da época, uma espécie de con-
taminação da miséria, da desgraça que infec-
taria progressivamente todo o corpo social. 
Então, é essa a questão social na primeira 
metade do século XIX, descrita pela maior 
parte dos observadores sociais da época, sob 
a forma de pauperismo. Não é mais a questão 
social de hoje, porque essa ameaça foi afas-
tada, porque esse primeiro proletariado mi-
serável e subversivo passou a ser uma classe 
operária relativamente integrada, após um 
conjunto de processos, ao qual farei rápida 
referência . 
A nova questão social hoje parece ser o 
questionan1ento desta função integradora do 
trabalho na sociedade. Uma desmontagem 
desse sistema de proteções e garantias que 
foram vinculadas ao emprego e uma deses-
tabilização, primeiramente da ordem do tra-
balho, que repercute como uma espécie de 
239 
choque em diferentes setores da vida social 
' para além do mundo do trabalho propria-
mente dito. Esta é, em todo caso, a hipótese 
que gostaria de submeter a vocês, à qual jun-
taria algumas idéias. 
Primeiramente, se falei de desagregação 
ou de degradação, é indispensável se per-
guntar o que é que se desagrega, o que é 
que se degrada. Ou seja, lembrar no que con-
sistia esse regime, que foi sacudido há apro-
ximadamente 20 anos, depois que começa-
mos a falar da crise, no início dos anos 70, 
mas que se mostra como muito mais do que 
uma crise, pois de uma crise é possível se 
sair, enquanto que desta vez não parece tão 
evidente que haja uma saída ou, em todo 
caso, qual seria a saída. Então, em primeiro 
lugar, abordarei essa estrutura que vinculava 
proteções fortes ao trabalho, assegurando 
,< uma estabilidade ao conjunto da sociedade, 
no quadro do que podemos chamar de uma 
sociedade salarial. Em seguida, falarei rapida-
mente do que me parece ter profundamente 
mudado com relação a essa estrutura. Insis-
tirei, então, no processo da precarização, que 
me parece o grande fenômeno que atinge as 
situações do trabalho, no sentido da sua re-
mercantilização e de soluções na ordem do 
240 
mercado, como efeito particular da globaliza-
ção. Enfim, poderíamos considerar algumas 
aplicações desse tipo de abordagem da ques-
tão social e talvez, também, aquilo que é pos-
sível de ser feito face a essa situação, mas 
para tanto conto muito com o debate entre 
nós, pois , sinceramente, não tenho receitas a 
propor. 
1. O primeiro ponto que gostaria de apre-
sentar é o que poderíamos chamar de processo 
de transformação do trabalho em emprego, em 
emprego protegido ou emprego com status, 
o que me parece ter sido a grande inovação 
que se desenvolveu a partirdo fim do século 
XIX, conduzindo a uma forma de compro-
misso social, como se dizia no início dos anos 
70, da qual, aliás, precisamos conhecer os 
dados. Temos tendência de esquecer, pelo 
menos em países como a França, em países 
europeus, a que ponto o trabalho, e em par-
ticular o trabalho assalariado, foi sempre uma 
condição, ao mesmo tempo, íntima e miserá-
vel, indispensável, sem dúvida - "você ga-
nhará seu pão com o suor do seu rosto ·: está 
na Bíblia - mas também, miserável e indigna. 
Pois, no fundo, quem trabalha? É o escravo 
quando há escravos, é o servo quando há 
servos, é o camponês curvado sobre a sua 
241 
terra. Quer dizer, as pessoas de bem não 
trabalham, em todo caso não trabalham com 
seus próprios braços . Não cabe aqui explicar 
como o trabalho saiu dessa época, que foi o 
início do salariado. Porque o que é , antes de 
tudo, um assalariado? É alguém que não tem 
nada , que não tem propriedade, que tem 
apenas a força de seus braços para vender 
e que o faz geralmente de forma frágil e 
miserável. É o proletário, por exemplo, do 
início da industrialização, que evoquei há 
pouco, mas essa situação se prolonga até 
quase o início do século XX, onde o salariado 
é sempre pensado a partir do salariado ope-
rário, quer dizer da condição social a mais 
ingrata, a mais penosa e também a mais des-
prezada. Eu poderia citar uma série de exem-
plos que se prolongam até mais ou menos 
os anos 1920 e 1930. Não posso descrever 
em detalhes como o salariado saiu dessa si-
tuação, mas houve um processo que se afir-
ma sobretudo a partir da segunda metade do 
século XIX, e que passa por todo um con-
junto d~ ; _onflitos e lutas e que convergem 
para a ideia de que o salariado não é mais 
uma situação provisória, como se acreditou 
por longo tempo, uma condição tão miserável 
que se busca sair dela o mais rápido possível 
como o pe / · ' o rano que tão logo possa comprar 
242 
l 
1 
duas ferramentas passa a trabalhar por conta 
própria. Mas, com o desenvolvimento da in-
dustrialização, da urbanização, o salariado se 
instala, passa a ser um estado permanente e, 
então, é preferível aceitar sua consolidação, 
do que ver se desenvolver no coração da 
sociedade industrial massas atingidas pelo 
pauperismo generalizado, conforme evoquei 
há pouco. 
Então, qual foi esse movimento que, no 
início dos anos 70, nos deu o direito de falar 
em sociedade salarial? E o que é uma soci-
edade salarial? Não é somente uma sociedade 
na qual a maioria da população é assalariada, 
ainda que seja verdade. Na França, por exem-
plo, nos anos 70, havia, e há ainda, perto de 
82% da população ativa que é assalariada. 
Mas, uma sociedade salarial é sobretudo uma 
sociedade na qual a maioria dos sujeitos so-
ciais têm sua inserção social relacionada ao 
lugar que ocupam no salariado, ou seja, não 
somente sua renda mas , também, seu status, 
sua proteção, sua identidade. Poder-se-ia di-
zer que a sociedade salarial inventou um 
novo tipo de seguridade ligada ao trabalho, 
e não somente à propriedade, ao patrimônio. 
Porque, antes do estabelecimento dessa socie-
dade salarial ser protegido era ter bens; so-
243 
mente quando se era proprie~ri~ é_ qu_e se 
estava garantido contra os principais nsc~s 
da existência social, que são a doença, o aci-
dente, a velhice sem pecúlio. Ora se estando 
fora da propriedade, se está à mercê da as-
sistência social. Essa era, justamente, a situa-
ção da maioria dos trabalhadores que viviam 
de seu trabalho e que, quando não podiam 
mais trabalhar, viviam um drama . E era ainda 
pior no hospital, e morrer num hospício sem-
pre foi para o povo uma espécie de vergonha 
e de desgraça. 
É justamente desta situação do trabalho 
sem proteção que nasceu o novo status do 
trabalho na sociedade salarial. Pode-se dizer, 
efetivamente, que esse tipo de_proteção, de 
regulação, ou seja, direito do trabalho, segu-
ridade social, foi , inicialmente, ligada ao sa-
lariado, e mesmo, ao pequeno salariado, e 
que se difundiu no conjunto da estrutura so-
cial . O sala ria do se consolidou e se dignifi-
cou, se ouso dizer, e passou mesmo a ter 
um gapel de atração, em torno do qual o 
c~~jun,to da sociedade moderna se organizou. 
Alias, e o que se vê, por exemplo, na posição 
de _trabalhadores independentes que durante 
muito tempo desprezaram o salariado e aca-
baram invejando-o, imitando-o, quere~do be-
244 
neficiar-se das mesmas vantagens sociais, o 
que por sinal conseguiram. É verdade, tam-
bém, que no alto da escala social, numa so-
ciedade salarial, não são muitos que vivem 
de renda. E os representantes da grande bur-
guesia, as fortunas, os representantes do pa-
trimônio acabaram colocando seus filhos no 
mercado do salariado, por meio das grandes 
escolas, de diplomas, etc., (o que, por exem-
plo, Pierre Bourdieu chama de nobreza de -
Estado). Assim, no fim desse processo, o sa-
lariado pode ser a fonte de renda confortável 
e mesmo de posições de prestígio e de poder. ) 
Mas é sobretudo a fonte de uma forma 
nova de seguridade, o que chamamos preci-
samente de seguridade social, a possibilidade 
de controlar o futuro porque o presente é 
1 
estável. E, então, uma sociedade salarial é 
uma sociedade que continua fortemente hie-
rarquizada. Não é uma sociedade de igualda-
de, permanecem injustiças, permanece mes-
mo a exploração. É, também, uma sociedade 
conflituosa na qual os diferentes grupos so-
ciais são concorrentes, mas é uma sociedade 
na qual cada indivíduo desfruta de um míni-
mo de garantias e de direitos. Espera-se mes-
mo ter vantagens no futuro, o que chamamos 
de progresso social, que se desenvolve a par-
245 
tir da negociação conflituosa entre diferentes 
parceiros sociais . Durante o período de cres-
cimento vivido após a Segunda Guerra Mun-
dial, quando cada grupo social lutava pela 
partilha dos lucros do crescimento, mesmo 
achando que nunca obteria o suficiente cada 
grupo pensava que em seis meses poderia 
obter mais , o que lhe permitia desenvolver 
estratégias de longo prazo, e mesmo estraté-
gias transgeracionais: o que eu não tenho 
tempo de obter, os meus filhos obterão, pois 
eles vão à escola, diplomam-se, etc. - é a 
mobilidade ascendente - e então amanhã 
será melhor que hoje. Bem, esquematizando 
muito pois tenho que me apressar, é o que 
poderíamos chamar de trajetória ascendente 
da sociedade salarial, a qual penso não de-
vemos mistificar, não é o paraíso, pois, como 
eu dizia, permaneceram as desigualdades, a 
injustiça, os bolsões de pobreza, que pensá-
vamos que iriam ser reduzidos. Era essa a 
crença no progresso social, uma espécie de 
idea l social-democrata , de que haveria possi-
bilidade de uma queda progressiva das desi-
~alda~es e ampliação das vantagens da jus-
uça s_oc1al. Parece-me ser essa a tra jetó ria que 
culrrunou na Europa no início dos anos 70 
que se quebrou e que faz com que, hoje, ~ 
futuro pareça mais sombrio. 
246 
2. A segunda questão que gostaria de 
abordar, é como essa configuração da socie-
dade salarial, rodeada e atravessada de pro-
teções, direito do trabalho, seguridade social , 
etc. vem sendo condicionada por processos 
tais como a internacionalização do mercado, 
a mundialização, as exigências crescentes da 
concorrência e da competitividade, passando 
o trabalho a ser o a lvo principal de dois tipos 
de redução de custos . Trata-se de minimizar 
o preço da força de trabalho e , ao mesmo 
tempo, maximiza r su a eficácia produtiva . E a 
flexibilização é a palav ra-chave que traduz 
essas exigências, flexibilidade interna à em-
presa que impõe a adaptabilidade da mão-
de-obra a essas situações novas e que, evi-
dentemente, expulsa os que não são capazes 
de se prestar a essas novas regras do jogo. 
É, também, a flexibilidade externa que con-
duz a subcontratar fora da grande empresa 
uma parte das tarefas mas, em geral, sob con-
dições mais precárias, menos protegidas e 
com 1nenos direitos. Certamente aqui não é 
o lugar para se fazer uma discussão técnica 
sobre a flex ib ilização.Podemos compreender que a crescente 
crise tem sem dúvida exigências econômicas 
' ' e tecno lógicas sérias . Mas, ao mesmo tempo, 
247 
é preciso reconhecer que a maneira como foi 
conduzida, particularmente pelo patronato 
europeu, teve efeitos bastante devastadores . 
Creio que aqui não deve ser melhor, e talvez 
seja até pior. Citarei um único testemunho 
de quem tem autoridade, pois trata-se do pre-
sidente da CNPF (Confederação Nacional do 
Patronato Francês) que declarou em 1993 -
e foi sobretudo a partir dos anos 90 que essa 
política foi implantada - na Assembléia Geral 
do patronato francês : "1993 será o ano da 
luta contra as p(_essões introduzidas na legis-
lação no decorrer dos 30 gloriosos, o ano da 
luta pela flexibilização" (são assim chamados 
os anos que se seguem à Segunda Guerra 
Mundial , até o início os anos 70, que aliás 
nem sempre foram assim tão gloriosos, mas 
que em todo caso foi um período de cresci-
mento). E a promoção da flexibilidade, da 
leveza na busca do mercado de trabalho é 
' pensada contra o que chamamos, aliás às ve-
zes com um certo desprezo, de aquisições 
sociais, mas que são de fato direitos sociais 
que, freqüentemente, foram conquistados, e 
que estavam na legislação. Esse aspecto das 
proteções, dos direitos vinculados ao trabalho 
- e que foram por eles desmercantilizados 
248 
T • .. ' --
1 • 
é que fez com que o trabalho não fosse ape-
nas a retribuição pontual de uma tarefa, mas 
que a ele fossem vinculados direitos. 
É exatamente isso que está sendo ques-
tionado e que está sendo desestabilizado pela 
aplicação dessa nova política também na Eu-
ropa. Efetivamente, em relativamente pouco 
tempo pois isto data de menos de 20 anos, 
os resultados são já espetaculares. Tomarei 
aqui, por falta de tempo, um só indicador. 
No início dos anos 70, no momento mais 
abundante da sociedade salarial, o contrato 
de tempo indeterminado era praticamente he-
gemônico, ou seja, um tipo de contrato que 
em situações de pleno emprego assegurava 
a estabilidade das condições de trabalho. 
Hoje, em termos de "estoque" como dizem 
os economistas, ele é ainda majoritário. Mas, 
por outro lado, 70% aproximadamente das 
novas admissões na França se fazem sob for-
mas ditas atípicas, ou seja, contratos de tem-
po detern1inado, contratos de interinos, tem-
po parcial, diferentes formas de empregabili-
dade, o que quer dizer, no fundo, que a 
médio prazo, nesse ritmo, em 10 anos talvez, 
a instabilidade do emprego vai substituir a 
estabilidade do emprego como regime domi-
249 
4 / 
I 
' -· __J 
nante da organização do trabalho. Na minha 
opinião este é , sem dúvida, o desafi~ mais 
grave que se apresenta hoje. Talvez mais gra-
ve que o desemprego. Não digo isto para 
subestimar o drama do desemprego, na Fran-
ça há mais de três milhões de desemprega-
dos, o que representa mais de 10% da po-
pulação ativa , dado que é considerável so-
bretudo após o período de pleno emprego 
ao qual estávamos habituados. Mas creio que 
a precarização do trabalho seja talvez mais 
importante ainda pois é ela que alimenta o 
desemprego e que faz com que essa situação 
do trabalho, tornando-se cada vez mais frágil , 
force as pessoas a se encontrarem numa con-
dição de vulnerabilidade, condição essa que 
tiveram a sorte de desconhecer até então, o 
que representa um privilégio com relação a 
situações de países como o Brasil. 
Esse processo de precarização do traba-
lho toca de f arma desigual as diferentes ca-
tegorias sociais. Afeta principalmente os tra-
balhadores, e dentre eles os poucos qualifi-
cados, mais do que os executivos por exem-
plo, mas é preciso dizer que há também um 
d~semprego para os quadros superiores , quer 
dizer que ninguém escapa a essa reestabili-
zação das situações de trabalho. Foi por isso 
250 
' ,,. 1 :..' A '"'f~, 
( 
• 
• • 
que evoquei anteriormente essa espec1e de 
choque que atravessa o conjunto da socieda-
de salarial e que a desestabiliza. Evidente-
mente não se deve caricaturar, risco que cor-
remos quando falamos rapidamente sobre 
uma temática, como sou obrigado a fazer 
aqui. Há quem diga que esta situação nova 
não é totalmente negativa, que, particular-
mente, há uma reindividualização das rela-
ções de trabalho e que as antigas formas de 
organização coletiva do trabalho taylorista es-
tão sendo ultrapassadas , que a relação salarial 
se individualiza e nessa individualização al-
guns podem se mobilizar, vender-se, no sen-
tido mesmo da palavra, num mercado de tra-
balho que está se tornando cada vez mais 
competitivo. Então, não é todo mundo que 
perde nesse jogo, mas é preciso acrescentar 
também que aqueles que se "viram" nessa 
nova situação são os que podem mobilizar 
recursos, capitais , que têm melhor formação 
e que podem se sair melhor, e algumas vezes 
muito bem, nessa situação cada vez mais 
competitiva . Mas outros, e temo que sejam 
os mais numerosos, encontram-se perdidos, 
quer dizer, desmembrados dos conjuntos co-
letivos, das regulações coletivas de proteção 
e de direito do trabalho. Passam, então, a ser 
indivíduos isolados de seus antigos pertenci-
251 
' 1 
,,t- \.~ 
n"-~ 
~>y-~ 
-J . 1 . / mentas coletivos, ivres sim, mas sem vmcu-
los, sem socorro, um pouco como os prole-
tários do início da industrialização, que eram 
"livres", ou seja podiam estabelecer livremen-
te seus contratos de trabalho, mas que, no 
entanto, pagaram muito caro por essa liber-
dade. E como é que se saíram dessa situação 
~j 
que Marx, dentre outros, descreveu e denun-
ciou? Exatamente, inscrevendo-se em coleti-
vos protetores. É isto que falta atualmente, e 
que nos permitiria refletir sobre um parado-
/ 
xo, que não é apenas filosófico, o de que 
um indivíduo só pode ser assim considerado, 
na essência positiva da palavra, se puder dis-
por de um suporte de proteção, de partici-
pação em solidariedades coletivas. Porém, 
quando se é um indivíduo só, não ouso dizer, 
arrisca-se a estar completamente desmunido. 
E temo, também, que essas transformações 
em curso estejam impelindo um número cres-
cente de pessoas a uma espécie de individu-
alismo negativo, por carência, pois perdem 
tão rapidamente o suporte de uma condição 
salarial que acabam por perder também a 
possibilidade de controlar o futuro. 
Sem pretender fazer um balanço com-
~leto da situação atual, parece-me que pode-
namos esboçar pelo menos três constatações 
que caracterizam três planos de cristalização 
252 
~ 0J~ TV~ üc A~Ó~ 
importantes da questão social, como é colo-
cada hoje num país como a França. 
Uma primeira constatação é O que se 
pode chamar de desestabilização dos estáveis 
Ou seja, trabalhadores que ocupavam um; 
posição sólida na divisão do trabalho clássica 
e que se encontram ejetados dos circuitos 
produtivos. É o caso particular de uma parte 
dos operários das indústrias que, aos 45 anos 
por exemplo, se vêem considerados muitos 
velhos para serem reciclados. E, então, po-
demos nos perguntar o que será deles. 
Há uma segunda constatação, a da ins-
talação na precariedade. É algo que vocês 
conhecem muito bem aqui, mas que é um 
fenômeno relativamente novo na Europa, 
pelo menos nos últimos cinqüenta anos e que 
atinge freqüentemente os jovens, com alter-
nâncias de períodos de atividades, de desem-
prego, de trabalho temporário, de ajuda so-
cia l, da qual falaremos um pouco se houver 
tempo. E, o desenvolvimento do que se po-
deria chamar de cultura do aleatório, as pes-
soas vivem o dia-a-dia, como aliás se dizia 
no século XIX frente a condição de vida da 
maioria do povo, mas que foi exatamente ul-
trapassada pela instalação da sociedade sala-
rial. É um fenômeno ainda mais inquietante 
253 
quando se considera que as pessoas que se 
encontram nessa situação são, com freqüên-
cia, jovens que até pouco tempo atrás não 
estariam expostos a essa situação. 
Isto nos conduz à terceira constatação, 
talvez a mais inquietante para as sociedades 
que haviam se habituado ao quase pleno em-
prego, sociedades da Europa Ocidentalque 
estão talvez redescobrindo um perfil de pes-
soas que poderiam ser chamadas de sobran-
tes, pessoas que não têm lugar na sociedade, 
que não são integrados, e talvez não sejam 
integráveis no sentido forte da palavra a ela 
atribuído por exemplo por Durkheim, ou 
seja, estar integrado é estar inserido em re-
lações de utilidade social, relações de inter-
dependência com o conjunto da sociedade. 
Creio ser esse um perfil de população bem 
diferente daquele que poderíamos observar 
nas sociedades industriais, onde havia pesso-
as exploradas, como por exemplo o operário 
especializado das grandes lutas operárias. 
Bem, ele era explorado mas era, ao mesmo 
tempo, ~ndispensável. E era exatamente por 
essa razao que ele podia reivindicar, organi-
za_r-se e, por vezes, obter ganho de causa . E 
fo1 f .. requentemente por meio dessas lutas 
que foram conseguidas as proteções e garan~ 
254 
tias aqui evocadas. Poder-se-ia dizer que es-
ses que estou denominando de "sobrant " 
- - 1 d es nao sao exp ora os. Estão lá como inúte· 
inúteis ao mundo como se costumava fal:; 
dos vagabundos nas sociedades pré-industri-
ais, no sentido de que não encontram um 
lugar na sociedade, com um mínimo de es-
tabilida_de. ~ão pessoas, poder-se-ia dizer, que 
foram 1nvahdadas pela nova conjuntura eco-
n?~ca e social ~os últimos 20 anos. Porque 
ha vinte anos atras essas pessoas teriam sido 
integradas nos circuitos produtivos, e hoje 
elas estão quase como fracassadas. Isto nos 
faz compreender como um fenômeno massi-
vo como o desemprego - são mais de 3 mi-
lhões de desempregados - não deu lugar a 
movi;11entos reivindicativos de certa amplitu-
de. E possível compreendê-los, pois são in-
divíduos que estão completamente atomiza- ~ 
dos, rejeitados de circuitos que lhes poderiam 
atribuir uma utilidade social. 
Desculpem-me de ter sido ao mesmo 
tempo esquemático e longo. Busquei traçar 
um tipo de diagnóstico que poderia ser feito 
sobre a questão social atual em países como 
a França e, sem dúvidas, com nuances, em 
países como a Inglaterra e a Alemanha, que 
constituíram sociedades salariais e que se en-
255 
tram em dificuldades causadas por esse con d l r 
processo de globalização ~razi ~ o . pe ~ n~o- i-
beralismo. Esse tipo de diagnostico e discu-
tível, eu apenas puxei um fio e não pretendo 
ter esgotado a análise. 
3. Gostaria de esquematizar um terceiro 
ponto que anunciei. J?iante _ desses nov~s da-
dos a essa nova configuraçao da questao so-
cial: que futuro poderemos pr~ver? Serei pru-
dente, pois evidenteme~te nao tenho .. solu-
ções a propor. Desconfio mes~~ dos !aze-
dares de projetos", como se dizia no seculo 
XVIII, pessoas que tiram as soluções_ do cha-
péu. É lógico que a situação é muito_ com-
plexa e o futuro continua largamente ~pre-
visível. Mas ele será trabalhado a partir das 
heranças de hoje. Se é impossível se predizer 
o futuro, é possível se desenhar algumas 
eventualidades e tentar avaliar os riscos e as 
oportunidades que podem nos levar a esco-
lher com maior conhecimento de causa. 
A primeira eventualidade, no pior cená-
rio, é a continuidade da ruptura entre traba-
lho e proteção, a remercantilização completa 
do trabalho ou o triunfo completo do mer-
cado, ou seja, o surgimento não apenas de 
uma sociedade do mercado, pois estamos 
numa sociedade de mercado, mas de uma 
256 
sociedade que se torna mercado, inteiramente 
atravessada pelas leis do mercado, o que se-
ria, creio eu, o triunfo da globalização. Isto 
abre uma perspectiva terrível, e sem dúvida 
inédita, pois a humanidade nunca viveu isto. 
O que Karl Polanyi chamou de mercado 
"auto-regulado", mas que nunca se impôs 
completamente, porque o capitalismo do sé-
culo XIX, o capitalismo industrial chegou 
numa sociedade que tinha forte assento rural, 
solidariedades e proximidades, relações infor-
mais entre as pessoas, que não passavam 
pelo mercado. É o que chamamos por vezes 
de sociedade civil. Parece-me que nas socie-
dades salariais, com a industrialização e a ur-
banização massivas, essas formas de solida-
riedades foram se enfraquecendo progressi-
vamente. É por isso que as proteções cons-
truídas pelo Estado, as proteções sociais, ga-
rantidas pela lei, têm tanta importância, por-
que, se o Estado se retira, há o risco do 
quase vazio, da anomia generalizada do mer-
cado, pois este não comporta nenhum d_os 
elementos necessários à coesão social, muito 
pelo contrário, funcio1;a pela concorrênc~a, 
"não faz sociedade". E talvez essa a razao 
pela qual as sociedades salariais de tipo ~i-
dental são mais frágeis, porque sua coesao 
depende fortemente dessas proteções que fo-
ram construídas pelos movimentos que tentei 
aqui desenhar. Talvez essa situaçâ? seja me-
nos grave em países como o Brasil, que me 
parece criam mais situa~õ~s de tipo infoi:rnal -
solidariedades por proXllllldade - as quais po-
deriam oferecer proteções fora do mercado. 
Este é , sem dúvida, um ponto a ser discutido. 
Uma segunda eventualidade consiste em 
tentar controlar, na margem, o processo de 
desagregação da sociedade salarial que dese-
nhei há pouco. É o que está sendo feito na 
França sobretudo desde o início dos anos 80, 
e que chamamos de tratamento social do de-
semprego, ou de políticas de inserção, quer 
dizer, tentativas para a tenuar certos efeitos 
devastadores das transformações em curso, 
ajudando as vítimas, aquelas já atingidas ou 
que estão ameaçadas de serem atingidas . Re-
tomarei este ponto no próximo texto, quando 
tratar da exclusão, pois estas medidas estão 
inscritas nas ações de luta contra a exclusão . 
Não contesto a utilidade dessas práticas - o 
tratamento social do desemprego, as políticas 
de inserção - porque sem elas a situação 
seria ainda pior. Porém não atingem o de-
s,:_mprego em massa que, apesar dessas po-
ht1cas, aumenta em vez de diminuir. Essas 
iniciativas não me parecem estar na medida 
258 
da gravidade d a crise , e a gente se resigna 
com a situação que fica desse jeito, e torce 
para que não se agrave e não apodreça to-
talmente, pois uma sociedade que tem taxas 
de 10, 12 ou 15% de desempregados é uma 
sociedade doente . E isto não seria a negação 
dos fundamentos de uma sociedade demo-
crática? Do ponto de vista da evolução polí-
tica é sinal bastante inquietante. 
A terceira eventualidade ou tentativa de 
resposta: o que disse há pouco, situando o 
n ó d a questão social atual, pode ser interpre-
tado como um enfraquecimento do suporte 
sa larial. Entendo por suporte salarial não 
apenas o salário m as as pro teções ligadas ao 
trab alho. Daí a idéia de se procurar alterna-
tivas a esse suporte salarial, alternativas ao 
campo clássico do emprego assalariado. Há 
várias tentativas que não terei tempo de de-
talhar tentativas de economia não mercantis. 
' Fala-se do terceiro seto r, de economias soli-
d á rias , de atividades que estão mais ou me-
nos à 1nargem do setor mercantil e das exi-
gê ncias d a competitividade e que não entra-
rian1 no processo de globalização. Fala-se, 
também de novas fontes de emprego, ou 
seja , no~as atividades , diferentes das ativida-
259 
• 
des clássicas que corresponderiam a novas 
necessidades que não são atualmente satis-
feitas pelo mercado. Creio que algumas des-
sas tentativas são interessantes mas parece 
que se tomam marginais e que não repre-
sentam alternativas globais ao enfraquecimen-
to do suporte salarial. Pode-se mesmo temer 
que tenham efeitos perversos . Num país 
como a França, vemos se desenvolver uma 
espécie de mercado paralelo de trabalho, 
abaixo do trabalho protegido, o que chama-
mos de SMIC.2 São pequenas atividades sub-
pagas e subprotegidas e que vão no sentido 
da remercantilização à qual me referi antes . 
Você quer um trabalho? Bom, eu tenho uma 
parede que deve ser construída, que deve lhe 
ocupar uns quatro dias, eu posso lhe pagar um 
2 SMIC = o salário mínimo interprofissional de cresci-
me~to que substituiu o salário mínimo interprofissional ga-
rantido (SMIG), que continua sendo uma denominaçãocorrente. Trata-se de um piso mínimo (por hora) de remu-
ner~~o de um assalariado. Seu montante é objeto de uma 
decJSao anual do governo que fixa seu aumento em função 
do · cresc11Tiento, mas pode ultrapassar a taxa de crescimento 
para dar " - " ' . . um empurrao ou nos baixos salários. É muito 
dJSCUtido por todos os · • • . parrelfos soc1a1s pois seu aun1ento 
f
repercute no conjunto dos salários. (Nota da tradutora con-
orme Madec e Mur d c·t - ' Do . ar , 1 oyenneJe e/ politiques sociales 
mmos/Flammarion, 1995. . 
260 
\ 
Á) 
pouco, e só. Isso não tem nada a ver com prer 
teção social, direito do trabalho, etc. 
A quarta perspectiva diz respeito às pes-
soas que se acham mais espertas ou mais 
audaciosas, e que acreditam ser capazes de 
antecipar o futuro, que consideram o trabalho 
ultrapassado. O trabalho estaria em vias de 
desaparecimento, o fim do trabalho, o fim da 
sociedade salarial. Esse é um discurso que se 
ouve cada vez mais insistentemente e , poder-
se-ia dizer mesmo, que é o discurso da moda 
hoje em Paris . Creio que esse discurso é ali-
mentado por duas constatações. Há de fato 
uma diminuição do tempo de trabalho soci-
almente útil. O proletário do irúcio da indus-
trialização estava completamente imerso no 
trabalho. Ele perdia sua vida tentando ganhá-
la. Hoje trabalha-se muito menos e com as 
transformações tecnológicas, a robótica e a 
informática , poder-se-ia pensar que em al-
guns anos 10 horas de trabalho por semana, 
senão menos, seriam suficientes. É o discurso 
sobre o tempo livre. Quanto mais nos libe-
rarmos da obsessão do trabalho mais livre 
seremos. Eu não estou absolutamente con-
vencido desse tipo de discurso. De um lado 
porque a redução do tempo de trabalho so-
cialmente útil não reduz absolutamente a ne-
cessidade do trabalho. Isso nos convida a re-
261 
fletir sobre a relatividade da noção de jornada 
de trabalho: ele foi de 60 horas no século 
passado, é hoje de 40 horas, poderá ser de 
20 horas amanhã , o que é bom pois o tra-
balho nem sempre é um prazer, mas pode 
ser que as pessoas, se as coisas forem bem 
no futuro, poderão ser empregadas numa pe-
quena parte de seu tempo e, ao mesmo tem-
po, estar livres para fazer outra coisa. Com 
a condição que se continue a tirar do traba-
lho a utilidade social essencial, pois é final-
mente essa forma de organização do trabalho 
que libera o trabalho. E creio que isso pode 
ser generalizado. Na história do trabalho foi 
o trabalho que libertou o trabalho, foi quando 
as situações de trabalho se consolidaram e 
foram reduzidas que o homem pôde fazer 
outra coisa que passar sua vida a trabalhar, 
investir em outros campos, outras atividades. 
Tomemos, por exemplo, as férias, elas libe-
ram mas- sempre sobre a base de um trabalh_o 
estável. Creio que poderíamos dizer que no 
discurso e na utopia sobre a ultrapassagem 
e a substituição do trabalho faltam realizações 
convincentes, práticas capazes de fundar essa 
nova cidadania social, falada por alguns. 
Parece-me que a saída da civilização do 
trabalho é uma hipótese razoável nenhuma 
formação social é eterna, mas sai~ da civili-
262 
-
-
1 I 
• 
zação do trabalho seria uma verdadeira r.evo-
lução cultural, pois, há pelo menos dois sé-
culos, toda a nossa organização social gravita f 
em torno do trabalho. Ora tenho constatado .1 
que, até agora, fizemos pesar essa saída da 
civilização do trabalho sobre os mais vulne-
ráveis: os desempregados, os jovens que não 
encontram trabalho. Se os interrogarmos dirão 
que o trabalho é ainda mais necessário pois 
está faltando e que trazem em seu desespero, 
em sua infelicidade, seu sofrimento, o peso 
da ausência do trabalho. A falta de trabalho 
n ão significa que o trabalho não é importan-
te, mas sim que precisa ser compartilhado, 
para que um máximo de pessoas possam se 
vincular a um mínimo de trabalho, às prote- · 
çõ es que até agora estiveram vinculadas ao 
trabalho. Não vejo nada que hoje possa subs-
tituí-lo. Pode ser que daqui a dez ou vinte 
anos inventemos alguma outra coisa que não 
o trabalho para construir uma identidade so-
cial. Porém, é no hoje que precisamos pensar, 
e a situação está apodrecendo. E é por isso 
que d e fe ndo a posição de que não podemos 
abandonar a questão do trabalho e devemos 
continuar questionando se é possível conu:o-
lar esse processo de desagregação da soci:-
dade salarial. Sei que não é fácil, i:nas ~reio 
que não é impossível. Podemos discutir al-
gumas possibilidades como por exemplo a 
ampliação do direito do trabalho. Será que a 
flexibilidade deve ser paga a qualquer custo, 
pela precarização ou ausência de status? Não 
poderiam ser acordadas às situações mais frá-
geis um máximo de proteções? Parece-me 
que o caminho é o direito do trabalho, esse 
foi sempre o papel do direito do trabalho, 
conseguindo estabilizar um certo número de 
situações de trabalho. São essas algumas das 
eventualidades que podemos pensar e discutir. 
Coloco uma última questão: estas obser-
vações que pude construir com base na si-
tuação européia podem ou não clarear os 
problemas que são colocados aqui. Em que 
medida, por exemplo, esse modelo da soci-
edade salarial e de sua desagregação permite 
precisar, mais por diferença do que por se-
melhança, a situação do emprego e do de- --:" 
semprego no Brasil, o lugar do trabalho in- '--J 
formal em relação ao trabalho assalariado, a ) 
importância das regulações que afetam tam- 1-
bém aqui, creio, o mundo do trabalho? 
264

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