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ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! PROFESSOR Dr. Vladimir Araújo da Silva A Enfermagem como Profissão https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/14032 FICHA CATALOGRÁFICA C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. SILVA, VLADIMIR ARAÚJO DA. A Enfermagem como Profissão. Vladimir Araújo da Silva. Maringá - PR: Unicesumar, 2022. 200 P. ISBN: 978-65-5615-900-3 “Graduação - EaD”. 1. Enfermagem 2. Profissão 3. Saúde. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 610 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Pró Reitoria de Ensino EAD Unicesumar Diretoria de Design Educacional NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula Renata dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e Planejamento Educacional Tania C. Yoshie Fukushima Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de Tecnologia Educacional Marcio Alexandre Wecker Gerência de Produção Digital Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Edison Rodrigo Valim Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Coordenador de Conteúdo Juliana Dalcin Donini e Silva Designer Educacional Giovana Vieira Curadoria Katia Salvato Revisão Textual Ariane Fabretti Editoração Juliana Duenha e Adrian Santos Ilustração Geison Silva Realidade Aumentada Maicon Curriel Fotos Shutterstock. Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Reitor Wilson de Matos Silva A UniCesumar celebra mais de 30 anos de história avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade, ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diariamente para que nossa educação à distância continue como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre quatro pilares que consolidam a visão abrangente do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o profissional, o emocional e o espiritual. A nossa missão é a de “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio importante para o cumprimento integral desta missão: o coletivo. São os nossos professores e equipe que produzem a cada dia uma inovação, uma transformação na forma de pensar e de aprender. É assim que fazemos juntos um novo conhecimento diariamente. São mais de 800 títulos de livros didáticos como este produzidos anualmente, com a distribuição de mais de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nossos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700 polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina, Ponta Grossa e Corumbá, o que nos posiciona entre os 10 maiores grupos educacionais do país. Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima história da jornada do conhecimento. Mário Quintana diz que “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportunidade de fazer a sua mudança! Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre mim, além das informações do meu currículo. Dr. Vladimir Araújo da Silva Olá, o meu nome é Vladimir. Além de enfermeiro e acupunturista, eu sou músico! Fiz cursos de teoria musical, leitura de partitura, saxofone e piano (por alguns meses), e aprendi alguns acordes no violão. Mas tam- bém sou autodidata, então, costumo dizer que “tiro um som” de alguns instrumentos (porque tocar exige mais estudo e dedicação): violão, piano, saxofone, trombone de vara, flauta doce e instrumentos de percussão. Também canto e sou compositor. Tenho músicas autorais relaciona- das ou não à Enfermagem, incluindo músicas instrumentais para piano. Já toquei em quatro bandas, mas, hoje, toco só na igreja. Sou casado e tenho dois filhos. Na verdade, três! Matheus, João e o Thor (Beagle). No dia do meu casamento, entrei na igreja tocando saxofone, em seguida, cantei uma música autoral para a entrada da minha esposa, Rita de Cássia, sem que ela soubesse de sua existência. Também compus uma música para cada um dos meninos, durante as gestações. Encostava a cabeça na barriga da minha esposa e conversava bastante com eles. Adorava sentir os movimentos que faziam, ouvir os sons resultantes da nossa interação. Antes de ingressar na faculdade, fui cuidador informal da avó da minha esposa. Ao me ver cuidando dela, uma de suas netas me disse: por que você não faz Enfermagem? Você “leva jeito”! Lattes: o currículo do professor http://lattes.cnpq. br/1277558976203538 http://lattes.cnpq.br/1277558976203538 http://lattes.cnpq.br/1277558976203538 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/13803 Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS EU INDICO Enquanto estuda, você pode acessar conteúdos online que ampliaram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tecnologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experience. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recursos em Realidade Aumentada. Explore as ferramentas do App para saber das possibilidades de interação de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o código, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido PÍLULA DE APRENDIZAGEM Professores especialistas e convidados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discutido, de forma mais objetiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 A ENFERMAGEM COMO PROFISSÃO O que é preciso aprender para ser um bom enfermeiro ou uma boa enfermeira? Se você pensou/respondeu que é necessário aprender a aplicar injeções e vacinas, puncionar veias, administrar medicamentos, realizar procedi- mentos, como a sondagem vesical, dar banho no leito ou fazer curativos, você não está errado(a)! As atividades assistenciais são fundamentais e caracterizam, no senso comum, a Enfermagem como profissão. Trata-se, contudo, de uma visão reducionista, considerando a amplitude e a complexidade da Enfermagem como profissão. Se, por acaso, você lembrou de incluir, em seu pensamento/sua resposta, alguma(s) atividade(s) administrativa(s) e/ou burocrática(s), como: organizar prontuários, elaborar escalas ou supervisionar o trabalho da equipe, a sua visão é mais ampla, porém ainda não contempla a magnitude da profissão. Por esta razão, esta disciplina integra o currículo dos cursos de Enfermagem. Assim como a comunicação é a base do cuidado, a disciplina Enfermagem como Profissão é a base para a formação do(a) enfermeiro(a), pois aborda os fundamentosindispensáveis para ser um bom enfermeiro ou uma boa enfermeira. Faça o exercício de consultar, pela internet, os currículos dos cursos de Enfermagem das mais renomadas instituições de ensino superior do Brasil. Se você ficar em dúvida com relação à nomenclatura das disciplinas, consulte as ementas. Você verá que esta disciplina integra todos os currículos, tamanha a sua relevância. Mas será que os estudantes de Enfermagem dão o devido valor? Será que o interesse na aula sobre legislação é o mesmo que em uma aula prática de punção venosa? Os conteúdos abordados nesta disciplina abrangem a história e as teorias da Enfer- magem, os instrumentos básicos para o cuidar, a legislação que regulamenta a formação e o exercício profissional e o Código de Ética dos profissionais de Enfermagem. Com efeito, a presente disciplina contribuirá no processo de construção da sua identidade e da sua postura profissional. As atividades propostas resgatam a história e o legado daqueles que idealizaram essa linda e nobre profissão. Você aprenderá como cuidar do outro, como fundamentar esse cuidado, o que deve, pode e não deve fazer e as penalidades para os erros que cometer. Por isso, não subestime esta matéria! Seja um bom enfermeiro ou uma boa enfermeira! Faça valer a pena! Faça a diferença na vida do outro! 1 2 43 5 6 61 11 41 25 A ORIGEM DO CUI- DADO 99 DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO DO(A) ENFERMEIRO(A) HISTÓRIA DA EN- FERMAGEM NO BRASIL FLORENCE NIGHTINGALE E A PROFISSIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM INSTRUMENTOS BÁSICOS PARA O CUIDAR TEORIAS DE ENFER- MAGEM 77 7 8 9 117 159 135 REGULAMENTA- ÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA ENFERMAGEM A ENFERMAGEM CONTEMPORÂNEA ÉTICA E BIOÉTICA NA ENFERMAGEM 1 Nesta unidade, discutiremos conceitos e aprenderemos definições de cuidado, evidenciando-o não, apenas, como uma característica ontológica do ser humano, mas como objeto epistemológico da Enfermagem. Aprenderemos definições e refletiremos sobre au- tocuidado, enfatizando a importância do cuidador, antes do outro, cuidar de si mesmo. Resgataremos o processo de organização das práticas de cuidados ao longo da história e aprenderemos que, en- quanto essência do humano e de tudo o que existe e vive, o cuidado expressa-se por meio de três sentidos básicos. Compreenderemos que foi cuidando que a Enfermagem aprendeu o melhor jeito de cuidar e que não existe Enfermagem sem cuidado. A Origem do Cuidado Dr. Vladimir Araújo da Silva UNICESUMAR 12 1. Contemple a imagem e descreva o que ela representa para você. 2. O que é cuidado, para você? 3. Em que momentos da sua vida você se sentiu cuidado(a)? “ Ao cuidar de você no momento final da vida, quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento de sua vida, e faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia de sua morte. Cicely Saunders UNIDADE 1 13 O cuidado é o objeto epistemológico da Enfermagem, ou seja, todo o conhecimento que sustenta a enfermagem como profissão, como ciência e arte, advém do cuidado, do cuidar do outro. Foi cuidando que a Enfermagem aprendeu o melhor jeito de cuidar. Logo, não existe enfermagem sem cuidado! Por isso, cuidamos da pessoa, da família e da comunidade. Não cuidamos só de quem está doente, mas também de gestantes e de quem nascerá, de quem acabou de nascer e de quem acabou de dar à luz, de quem precisa aprender a mamar e de quem precisa aprender a amamentar, da criança e do adolescente, do adulto, do trabalhador e do idoso, de quem está morrendo, de quem já morreu e de quem sofre com a sua morte. Damos de comer e beber, damos banho, vestimos e calçamos quem não consegue fazer isso so- zinho. Ajudamos quem tem dificuldade para comer, beber, se vestir, tomar banho e andar sozinho. Encaminhamos, orientamos, incentivamos e supervisionamos aqueles que conseguem. Ensinamos quem precisa, quem quer aprender ou reaprender a fazer sozinho, a cuidar-se. Hoje, mais do que nunca, evidenciamos a importância deste cuidado presencial. A pandemia de Covid-19 nos privou da presença, do toque, do carinho e do cuidado de quem amamos bem como do direito de nos despedirmos de quem amávamos. Por outro lado, experienciamos e aprendemos a valorizar o telecuidado, a visita virtual, a chamada de vídeo ou de voz. Vale lembrar que o cuidado não é prerrogativa de quem atua na assistência — no hospital, na unidade básica de saúde, na unidade de pronto atendimento, na clínica ou no home care — quem atua na gestão, na docência e na pesquisa também cuida. São formas diferentes de cuidar, que se complementam, mas não podemos esquecer: cuidamos de pessoas, não de doenças. Não significa, no entanto, que isso seja suficiente para o cuidado, na Enfermagem. É preciso aprender os fundamentos teóricos-filosóficos, técnico-científicos, éticos e legais da arte e ciência do cuidar. Não UNICESUMAR 14 basta ter amor, empatia e compaixão, é necessário saber o que e como fazer. Mas, falaremos sobre isso nas próximas unidades, pois, temos, ainda, muito a aprender. Para que você tenha mais compreensão sobre o que é o cuidado, como o expressamos e o experien- ciamos no nosso cotidiano, nas nossas interações com o outro e com o meio ambiente, sugiro que você: • Aproxime-se de alguém especial. Repouse a sua cabeça sobre o colo desta pessoa e observe a sua reação. • Pare um instante para observar a sua família. Identifique demonstrações de cuidado entre os seus familiares e deles em relação a você. • Acompanhe a rotina de uma babá ou de um cuidador de idoso, na sua família, durante um período do dia. • Saia na rua e observe as pessoas, como se relacionam entre si e com o meio ambiente. Identifique demonstrações de cuidado e falta de cuidado. Reflita sobre o que foi problematizado, significado e experimentado por você. Agora, questione-se e anote em seu Diário de Bordo: Costumo dizer que não foi eu que escolhi a Enfermagem, mas a Enfermagem que me escolheu! E você? • Por que Enfermagem? • Você se acha capaz de cuidar de outro ser humano? • Você é capaz de cuidar de si mesmo(a)? • Por que cuidamos? • Quem precisa de cuidado? • O que é preciso para cuidar? UNIDADE 1 15 “ Os cuidados existiram desde que surgiu a vida, uma vez que seres humanos – como todos os seres vivos – sempre precisaram de cuidados. Cuidar é um ato de vida que tem como fim, primeiro e antes de tudo, permitir que a vida continue a desenvolver-se e, assim, lutar contra a morte: morte do indivíduo, morte do grupo, morte da espécie. Marie Françoise Collière Promover a Vida (1989). A palavra “cuidado” deriva do latim cura, que significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato e inquietação em relação ao outro. Essa palavra outrora era usada em referência a vínculos afetivos de amor e amizade. Cuidado é o que se contrapõe ao descuido ou descaso. Não se restringe a um ato ou um momento de atenção ou carinho, mas abrange uma atitude, uma ação de se ocupar, se preocupar, se responsabilizar e se envolver, afetivamente, com o outro (BOFF, 2014; ARANHA; SILVA, 2018), um movimento de se voltar para si mesmo, a fim de descobrir o seu modo-de-ser-cuidado (BOFF, 2014). Ao se descobrir como ser-no-mundo, o homem também se descobre como ser-com-o-outro, ou seja, visualiza, em seu horizonte, a possibilidade de se situar com alguém, não, apenas, como objeto de cuidado, mas de uma forma envolvente e significante. É importante salientar que estamos, o tempo todo, nos relacionando com algo ou alguém e, neste ser-no-mundo-com-os-outros, somos, sempre, cuidados, compreendemos as nossas experiências, estabelecemos significado próprio aos objetos e seres em nosso mundo, damos sentido à nossa existência (HEIDEGGER, 2008). UNICESUMAR 16 Nessa perspectiva, o cuidado constitui uma di- mensão ontológica do ser humano, ou seja, faz parte da nossa essência. Logo,cuidamos porque somos seres de cuidado (HEIDEGGER, 2008). Cuidamos porque somos, do nascer ao morrer, o mais frágil e vulnerável dos seres vivos (SILVA, 2009). Sem cuidado, deixamos de ser humanos, deixamos de existir (HEIDEGGER, 2008). Sem cuidado, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre (BOFF, 2014). Desse modo, não é preciso ser um profissional da saúde, do- minar técnicas e procedimentos de Enfermagem para cuidar de alguém. Com efeito, o ser humano aprendeu, instinti- vamente, a cuidar-se, a prover a própria alimen- tação, a proteger-se do frio e a encontrar abrigo contra intempéries (MOREIRA; OGUISSO, 2005; PESSINI; BERTACHINI, 2009). Cuidamos para garantir a nossa sobrevivência, o nosso conforto e bem-estar (SILVA, 2009). Todavia cuidamos por- que fomos cuidados; porque fomos nutridos no ventre materno de nossas mães; porque alguém nos amamentou, nos alimentou, nos limpou, nos aqueceu, nos protegeu, nos acariciou, nos amou e, ao sermos cuidados, aprendemos, também, a cuidar, do outro e de nós mesmos. Nesse sentido, emerge o autocuidado, ou seja, a capacidade de o ser humano de cuidar de si próprio. Abrange ações de cuidado voltadas para si mesmo ou para regular os fatores que afetam o seu próprio desenvolvimento; atividades em be- nefício da própria vida, saúde e bem-estar (SILVA et al., 2009). Logo, somos, também, cuidadores. Não obstante, “só cuidamos do outro quando a existência desse outro tem significado para nós. Neste caso, "há um sentido de corresponsabilida- de pelo destino do outro” (SILVA, 2009, p. 122- 123). Contudo, na Enfermagem, cuidamos de todos, da mesma forma, sem distinção! De fato, todo o trabalho de cuidar do outro, na sua integralidade, só pode fazer sentido se, antes de tudo, o cuidador se dedicar a cuidar de si mesmo, da sua vida. É preciso resgatar o importante ensinamento de Jesus — amai o próxi- mo como a ti mesmo — para ter a certeza de estar com os pés no próprio caminho: poder cuidar do sofrimento do outro, por estar cuidando do seu (ARANTES, 2016). Durante milhares de anos, cuidar limitava-se à ação de ajudar qualquer pessoa a garantir o que era necessário a ela para sobreviver. Entretanto, gradativamente, as necessidades humanas deram origem a um conjunto de atividades cuja organi- zação resultou na divisão sexuada do trabalho e dos papéis sociais e econômicos. Os homens assumiram atividades mais espetaculares, que exigiam mais força física, como a caça e a pesca; as mulheres assumiram atividades mais calmas e humildes, como a distribuição dos vegetais e o conhecimento sobre a maturidade das plantas (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Com o passar do tempo, os grupos humanos foram descobrindo o que era bom e o que era ruim, no sentido de permitir a sobrevivência dos indivíduos e do grupo, organizando as práticas de cuidados habituais, posteriormente, instituí- UNIDADE 1 17 das como rituais. Por sua vez, esses rituais foram confiados aos shamans (feiticeiros) e, depois, aos sacerdotes, responsáveis por interpretar e decidir o que era bom ou ruim, interceder, expulsar o mal e velar para assegurar as forças benéficas, por meio de oferendas, encantamentos e sacrifícios (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Progressivamente, os sacerdotes conquistaram o direito de eliminar do grupo qualquer indivíduo sob suspeita de influências malignas, seja por apresentar sinais tangíveis, como os leprosos, seja por representar desvios dos padrões econômicos ou sociais estabelecidos, como os ciganos, os hereges, os mendigos e os loucos. Milhares de anos depois, este papel de mediador deu origem à figura do médico, o cuidar passou a ter a conotação de tratar a doença e o paciente. Este, objeto dos cuidados, foi isolado, fragmentado e excluído tanto dos contextos sociais quanto coletivos (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Consequentemente, surgiram as diversas especialidades médicas bem como a necessidade da atuação de outros profissionais, para garantir a investigação e o tratamento das doenças. Nesse contexto, emerge a Enfermagem, atrelada à origem, à manutenção e ao desenvolvimento da vida, isto é, às atividades domésticas realizadas, historicamente, pelas mulheres, tais como: as práticas inerentes ao nascimento e ao cuidado das crianças, as quais antecederam o surgimento da maternidade e da pediatria (MO- REIRA; OGUISSO, 2005). As mulheres também eram responsáveis pelos cuidados das pessoas que estavam morrendo, pelos cuidados com a higiene do corpo e pela alimentação. Por disporem de maior força física, os homens eram responsáveis pelos cuidados inerentes aos acidentes com a caça e a pesca, ferimentos de guerra e traumatismos, às fraturas e ao domínio de pessoas agitadas, embriagadas ou em estado de delírio, cuidados que cederam lugar à ortopedia, à cirurgia, e à psiquiatria, áreas nas quais a participação das mulheres só cresceu após o surgimento da quimioterapia, cujo efeito dispensava o uso de força física (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Diante do exposto, as profissões da saúde emergiram de um tronco histórico comum, germinado a partir das práticas de cuidados em geral (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Contudo, o cuidado, enquanto essência do humano e de tudo o que existe e vive, expressa-se por meio de três sentidos básicos: como uma relação afetiva, suave, protetora e acolhedora com os doentes; como todo tipo de envolvimento com os doentes, por quem devotamos empatia e desejamos a cura; como uma conexão com o planeta Terra, uma relação de interdependência que nos torna um todo vivo e orgânico (BOFF, 2020). Quer ver como é a rotina em um hospital, conhecer o que é cuidar, em Enfermagem, na concepção de uma referência da Enfermagem nacional? Neste vídeo, faço uma narrativa de um trecho de um dos livros escritos por Maria Júlia Paes da Silva, professora aposentada da Escola de Enfer- magem da Universidade de São de Paulo. Acesse e confira! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11517 UNICESUMAR 18 No que tange ao segundo sentido básico: cuidar significa envolver, permanecer ao redor, “aliviar, confortar, ajudar, favorecer, promover, res- tabelecer, restaurar, dar, fazer” (WALDOW, 2012, p. 89). Mesmo na ausência de alguma enfermida- de, o cuidado é imprescindível na cotidianidade dos seres humanos, na forma como vivem e se relacionam (WALDOW, 2012). Se somos seres-no-mundo, mas sentimos necessidade de conferir humanidade ao nosso modo de ser, então, de alguma forma, perdemos a nossa humanidade e estamos existindo num modo deficiente (SILVA, 2009). Ressalta-se que a “empatia permite que nós nos coloquemos no lugar do outro e sintamos sua dor, seu sofrimento” (ARANTES, 2016, p. 58). Embora seja uma habilidade importante, tam- bém pode nos tornar incapazes de cuidar, ao nos esquecermos de nós mesmos. “A compaixão nos leva a compreender o sofrimento do ou- tro e a transformá-lo em algo que faça sentido” (ARANTES, 2016, p. 58), sem que sejamos por ele corrompidos. Para cuidar do outro, é preciso autoconhecimento e autocuidado, ter consciên- cia de quem somos e do que somos capazes, a fim de não ultrapassarmos os nossos limites (ARANTES, 2016). Quando a Enfermagem adotou o cuidado como objeto de estudo e interesse, ela aprendeu o melhor jeito de cuidar, “o melhor jeito de alimen- tar, o melhor jeito de higienizar, o melhor jeito de segurar, o melhor jeito de cuidar de feridas, o melhor jeito de orientar, o melhor jeito para cada paciente sob seus cuidados” (ARANHA; SILVA, 2018, p. 6). Embora o paciente seja, sempre, o pa- ciente do Dr. Fulano, é a Enfermagem que fica do seu lado, o alimenta, o acolhe, o enfeita, o higie- niza, conversa com ele, compartilha o que sabe, torce pelo que não sabe, o observa, o informa, sofre com ele (ARANHA; SILVA, 2018) e, muitas vezes (por que não?), chora junto com ele. É por meio da qualidade da sua presença e da maneira como se relaciona com o outro, que a Enfermagem assegura, por um período de tempo, cuidados que o outronão é capaz de fazer ou tem dificuldade de fazer sozinho, em decorrência do seu estado de desenvolvimento, debilidade ou reorganização. Nesse sentido, a Enfermagem pro- move a aquisição de competências imprescindí- veis para o autocuidado ou para o cuidador fami- liar, objetivando conduzi-lo em direção a níveis mais evoluídos de autonomia, a superar os limites ou adaptar-se a eles (ARANHA; SILVA, 2018). Ao aprender a cuidar, a Enfermagem também aprende a reconhecer e a reverenciar a unicidade de cada paciente, tornando-se capaz de acalmar, pacificar e agir com moderação. Desse modo, a Enfermagem aproxima-se e inclina-se diante da dor do outro, com a intenção de o suportar (dar suporte), no momento em que a doença revela e alimenta a sua fragilidade humana, “no trecho do caminho da vida que ele não foi capaz de percor- rer sozinho, ou para o qual não contou com a aju- da de alguém que pudesse auxiliar sua existência ou acompanhá-lo” (ARANHA; SILVA, 2018, p. 7). Cuidando, o profissional de Enfermagem tanto serve quanto se doa a serviço do outro. Ao mesmo UNIDADE 1 19 tempo, o ajuda a manifestar o que há de melhor em si, naquele momento, naquela condição. En- tretanto é necessário encarar a dificuldade de ter que lidar com a doença do outro, sem, muitas vezes, poder contar com a crença, a colaboração e a disposição do paciente e da sua família. Nessa perspectiva, o profissional é convocado a colocar, em prática, a função de cuidador bem como ter a humildade de reconhecer que ele mesmo precisa, também, ser cuidado, em outro momento, por outras pessoas (ARANHA; SILVA, 2018). Percebendo o outro, a Enfermagem não me- nospreza a doença, porque compreende que ela representa um “reajuste”, um processo de adapta- ção exigido pela própria vida. Por estarem atentos e disponíveis para o outro, não se atendo, apenas, ao diagnóstico ou prognóstico, os profissionais de Enfermagem entenderam que, ainda que não seja possível “curar” uma pessoa a qual sofre de uma doença dita incurável, é possível ocupar-se em ajudá-la a viver, da melhor maneira possível, enquanto houver vida. “E, com essa atitude, tor- nam-se também remédios que aliviam a dor, acal- mam, confortam” (ARANHA; SILVA, 2018, p. 9). Para além da dimensão física, o cuidado deve contemplar o ser humano em sua multidimen- sionalidade, a fim de que a sua integralidade seja alcançada. Logo, é necessário considerar os as- pectos subjetivos de sua humanidade. Trata-se de uma habilidade que envolve empatia, amor, devoção e compreensão; sensibilidade para “de- tectar e reconhecer o subjetivo por trás das pala- vras e estar atento e sensível a cada gesto, olhar e expressão” (MONTEIRO et al., 2016, p. 3), requer escuta ativa, vínculo afetivo e confiança, especial- mente, quando surgem as fragilidades, os medos, as ansiedades, os desconfortos. Concernente à dimensão não física, é importan- te salientar que o sofrimento espiritual é o “estado de sofrimento relacionado à capacidade prejudica- da de experimentar significado na vida por meio de conexões consigo mesmo, com os outros, com o mundo ou com um poder maior” (NANDA-I, 2018, p. 721). O suporte espiritual é capaz de sub- sidiar conforto, esperança, significado e sentido existencial, imprescindíveis diante da doença e da morte. De acordo com a National Hospice and Palliative Care Organization (apud SILVA et al., 2011), não é necessário ser um líder religioso para oferecer suporte espiritual às pessoas. Sugere-se que o cuidador: se faça presente, mes- mo que permaneça em silêncio; utilize questões abertas, permitindo que a pessoa se sinta confortá- vel para se expressar; solicite a permissão da pesoa e questione a sua vontade de conversar sobre; esteja aberto à expressividade emocional; evite clichês do tipo “é parte do plano de Deus”, para não de- sencorajar o processo de abertura; expresse a sua intenção de acompanhar; seja autêntico em tudo o que disser ou fizer; ofereça orações, leituras es- pirituais, músicas ou rituais sagrados adequados à crença do paciente; estimule o envolvimento de líderes espirituais (SILVA et al., 2011). UNICESUMAR 20 Destaca-se que o cuidado não se restringe ao corpo com vida, mas também ao corpo sem vida. Assim como Pietà, esculpida por Michelangelo e que representa a Virgem Maria segurando o corpo de Jesus em seus braços, após a crucificação e a morte do filho, devemos ter cuidado com o corpo que já não vive. Devemos lidar com o mesmo carinho e respeito devotados àquele que vive, resguardando as suas dignidade, privacidade e história de vida. Quanto ao terceiro sentido básico, é preciso ter cuidado com o nosso único planeta, a nossa casa comum, a Terra. Isso envolve colocar em prática os seguintes princípios: construir uma sociedade sustentável; respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos; melhorar a qualidade da vida humana; conservar a vitalidade e a diversidade da Terra; permanecer nos limites da capacidade de suporte da Terra; modificar atitudes e práticas pessoais; permitir que as comunidades cuidem de seu próprio meio ambiente; gerar estruturas para integrar desenvolvimento e conservação; constituir uma aliança global (BOFF, 2020). Quer aprofundar o seu conhecimento sobre o tema estudado, conhecer a fábula-mito de Higino, a qual descreve a origem do cuidado, envolvendo a Terra, Júpiter e Saturno bem como as reflexões dela decorrentes, na visão de Leonardo Boff? Então, clique no play! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10725 UNIDADE 1 21 Conhecer a origem do cuidado permite o(a) estudante apropriar-se dos fundamentos básicos, porém es- senciais, que caracterizam o saber e o fazer da Enfermagem. Trata-se de um exercício para alcançar o status proposto pelo psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung (apud O PENSADOR, [2022], on-line): “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Que o conhecimento construído até aqui permeie todo o processo de aprendizagem do(a) estudante e seja o alicerce de sua atuação profissional. Ao realizar qualquer técnica ou procedimento, por exem- plo, aferir a pressão arterial de uma pessoa, que o(a) enfermeiro(a) coloque, em prática, não, apenas, o conhecimento técnico e científico aprendido, mas o conhecimento filosófico, humanístico e ético que nos distingue de um robô, de uma máquina. Por isso, somos capazes de perceber o cuidado no “bom dia” que recebemos, na troca de sorrisos, no toque, no abraço, no cafuné, no café da manhã, almoço e jantar preparados, com tanto carinho, por quem nos quer bem, ou, até mesmo, na bronca ou no puxão de orelha. Percebemos o cuidado ao vermos um jardim florido ou pessoas jogando lixo na lixeira, brincando com seus filhos ou passeando com os seus animais de estimação. “A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporcione apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração”. (Madre Teresa de Calcutá) Título: The Fundamentals of Caring Ano: 2016 Sinopse: Ben é um escritor que decide se tornar cuidador após sofrer uma tragédia pessoal. O seu primeiro cliente, Trevor, é um jovem de 18 anos que tem Distrofia Muscular de Duchenne. Juntos, embarcam em uma aventura na qual Trevor ultrapassa, pela primeira vez, as fronteiras do seu mundo pessoal. No caminho, ele interessa-se pela jovem Dot, conhece o Santo Graal, o buraco mais profundo do mundo, descobre o que é ter esperança e amigos e realiza o maior sonho de sua vida: fazer xixi em pé. Comentário: o filme ensina os princípios básicos para cuidar de alguém, demonstra, na prática, ações de cuidado em diferentes situações, evidenciando que, muitas vezes, basta um pouco de boa vontade para fazermos a diferença na vida de quem cuidamos, podendo ressignificar a sua existência. Com certeza, o filme ampliará o seu conceito de cuidado, além de ajudar na fixação do aprendizado construído. 22 Com base nesta concepção ampliada decuidado, inúmeras enfermeiras propuseram teorias que, atualmente, direcionam e respaldam as ações da Enfermagem em todo o mundo. Dentre elas, destaca-se a contribuição de Florence Nightingale, enfermeira britânica que demonstrou a im- portância do cuidado com a ventilação, a iluminação, o calor, os odores e os ruídos do ambiente, na recuperação da saúde dos pacientes, atribuindo cientificidade à Enfermagem. Todavia as Teorias de Enfermagem serão abordadas em outro momento. Por ora, a elaboração de um Mapa Mental que reflita essa concepção ampliada de cuidado, enquanto dimensão ontológica do ser humano, contemplando os três sentidos básicos propostos por Leonardo Boff bem como a importância do autocuidado como alicerce imprescindível para cuidar do outro, pode ajudar na fixação do conteúdo aprendido nesta unidade, como apresentado, a seguir. Lembre-se que a Enfermagem emerge num contexto em que o cuidado é a palavra-chave que se edifica enquanto objeto epistemológico. Cuidado Desvelo Solicitude Diligência Zelo Atenção Bom trato Inquietação Ser humano Enfermagem Em relação a si próprio: Autocuidado Imprescindível para cuidar do outro Ocupar-se, preocupar-se, responsabilizar-se e envolver-se afetivamente com o outro Conexão com o Planeta Terra: relação de interdependência que nos torna um todo vivo e orgânico Permanecer ao redor, “aliviar, confortar, ajudar, favorecer, promover, restabelecer, restaurar, dar ou fazer em relação ao outro 23 1. Considere as seguintes afirmações sobre o cuidado e assinale V para a(s) Verdadeiras e F para a(s) Falsa(s). ) ( A palavra “cuidado” significa “cura”. ) ( O cuidado constitui uma dimensão ontológica do ser humano, ou seja, faz parte da nossa essência. ) ( O cuidado representa uma atitude de se ocupar, se preocupar, se responsabilizar e se envol- ver, somente, com quem está doente. ) ( Somos seres de cuidado. Sem isso, deixamos de ser humanos, deixamos de existir. ) ( Cuidado expressa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato e inquietação, apenas, em relação aos doentes. A sequência correta para a resposta da questão é: a) V, V, V, V, V. b) V, F, V, F, V. c) V, V, F, V, F. d) F, V, F, V, F. e) F, F, F, F, F. 2. Com relação ao autocuidado, considere as seguintes afirmativas. I) É a capacidade de o ser humano cuidar de si próprio. II) Abrange ações de cuidado voltadas para si mesmo ou para regular os fatores que afetam o próprio desenvolvimento. III) Para cuidar do outro, não é necessário autoconhecimento e autocuidado. IV) Ao sermos cuidados, aprendemos, também, a cuidar do outro e de nós mesmos. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) I, II e III, apenas. d) I, II e IV, apenas. e) IV, apenas. 24 3. Quanto às práticas de cuidados habituais organizadas ao longo do tempo, assinale a alterna- tiva incorreta: a) Deram origem à divisão sexuada do trabalho e aos papéis sociais e econômicos. b) Os homens assumiram atividades mais espetaculares, que exigiam mais força física, como a caça e a pesca, as mulheres assumiram atividades mais calmas e humildes, como a distribuição dos vegetais e o conhecimento sobre a maturidade das plantas. c) Posteriormente, essas atividades foram instituídas como rituais, os quais foram confiados aos shamans (feiticeiros) e, depois, aos sacerdotes, responsáveis por interpretar e decidir o que era bom ou ruim, interceder, expulsar o mal e velar para assegurar as forças benéficas, por meio de oferendas, encantamentos e sacrifícios. d) Milhares de anos depois, o papel de mediador dos sacerdotes deu origem à figura do médico. O cuidar passou a ter conotação de tratar a doença e o paciente. Este, objeto dos cuidados, foi isolado, fragmentado e excluído dos contextos tanto sociais quanto coletivos. e) As mulheres passaram a ser responsáveis pelos cuidados com as pessoas que estavam mor- rendo, pela higiene do corpo e pela alimentação, enquanto os homens se responsabilizaram pelos cuidados inerentes aos acidentes com a caça e a pesca, aos ferimentos de guerra e traumatismos, às fraturas e ao domínio de pessoas agitadas, embriagadas ou em estado de delírio. Tais cuidados cederam lugar à anatomia, à histologia e à psicologia. 2 Nesta unidade, discutiremos a história de Florence Nightingale e o processo de profissionalização da Enfermagem. Aprenderemos como se deu a formação desta personagem, a sua participação na Guerra da Criméia e o seu reconhecimento como precursora da Enfermagem Moderna, pesquisadora e epidemiologista. Refletire- mos sobre as dificuldades bem como os desafios que ela enfrentou em sua trajetória, resgataremos o carinho e a adoração que os soldados feridos tinham por ela, e as condecorações que recebeu após a guerra. Compreenderemos as contribuições do seu legado, assim como de suas publicações para a Enfermagem, a Estatística e os serviços de saúde em geral. Florence Nightingale e a Profissionalização da Enfermagem Dr. Vladimir Araújo da Silva UNICESUMAR 26 Figura 1 - Obra Florence Nightingale Recebendo os Feridos em Scutari, de Jerry Barrett (1824-1906) / Fonte: Barrett ([1856], on-line). Tente imaginar as dificuldades e os desafios enfrentados por Florence Nightingale, quando ela decidiu servir como voluntária nos hospitais militares durante a Guerra da Crimeia e promover o reconhe- cimento da Enfermagem como profissão, em uma época cujo papel social da mulher restringia-se ao contexto familiar, cujas segurança e estabilidade financeira eram garantidas por meio de casamentos promissores e os cuidados com os pobres e doentes eram realizados por religiosas ou mulheres de índole questionável. Você sabia que Florence Nightingale é considerada a precursora da Enfermagem Moderna? E que os princípios de cuidado publicados em seu livro Notas sobre Enfermagem: o que é e o que não é, tidos como bases para uma teoria de Enfermagem, são, fortemente, aplicados até os dias atuais, inclusive no contexto da pandemia de Covid-19? Por qual razão Nightingale era chamada de “dama da lâmpada”? Conhecer a história de Florence Nightingale é resgatar a trajetória da profissionalização da nossa área. Essa personagem é responsável por atribuir caráter científico e sistematizar o cuidado praticado por enfermeiros, favorecendo o reconhecimento da Enfermagem como profissão, além de fundamentar a reorganização dos serviços de saúde. O Dia Internacional da Enfermagem, em que comemoramos o Dia da Enfermeira e do Enfermei- ro, é celebrado, mundialmente, no dia 12 de maio, em alusão ao nascimento de Florence, em 1820. Trata-se de uma forma de a homenagear por sua dedicação e seu esforço para o reconhecimento da Enfermagem como profissão. A lâmpada, um dos símbolos da Enfermagem, embora estilizada, representa um candeeiro a óleo que Florence utilizava para iluminar o seu caminho, em suas rondas noturnas, enquanto cuidava dos UNIDADE 2 27 soldados feridos durante a Guerra da Crimeia, razão pela qual foi chamada pelo jornal londrino The Times de “dama da lâmpada”. A Cerimônia da Lâmpada, ritual realizado por algumas escolas de Enfermagem, onde ocorre a “passagem da lâmpada” dos estudantes do último ano do curso aos seus sucessores ou aos estudantes que iniciarão os estágios, representa a transmissão da luz do conhecimento, da arte e da ciência do cuidado, eternizando a história da Enfermagem. Para que você possa compreender a história de Florence Nightingale e a sua importância no processo de profissionalização da Enfermagem, sugiro que você assista ao vídeo Enfermeira Florence Nightingale 2008. A História da Enfermagem: Pioneira na Enfermagem Moderna. A partir desta experiência, questione-se e anote em seu Diário de Bordo: Florence vivenciou experiências que descreveu como “chamados de Deus” e acreditava que a Enfermagem, além de ser uma profissão, era a vocação de servir ao próximo, o que exigia dedicaçãoexclusiva bem como preparo rigoroso, obediência e respeito à hierarquia, além de valores como caridade, amor ao próximo, doação e humildade (COSTA et al., 2009). • E você, como vê a Enfermagem? • Você compartilha a percepção de Florence? A Enfermagem é, também, uma vocação? • Você considera possuir os atributos essenciais para assumir essa vocação, este compromisso? • Estás disposto(a) a dedicar-se e preparar-se, com excelência, para o exercício profissional? • Estás disposto(a) a continuar a luta pela valorização da Enfermagem como profissão? https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11854 UNICESUMAR 28 “ A Enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, re-quer uma devoção tão exclu-siva, um preparo tão rigoroso, quanto a obra de qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus? É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes! Florence Nightingale Figura 2 - Retrato de Florence Nightingale / Fonte: Hering ([c. 1860], on-line). Após as núpcias, William Edward e Francis Nightingale viajaram pela Europa, em uma turnê, por um período de dois anos. Durante a viagem, quando a luxuosa comitiva estava em Florença-I- tália, nasceu Florence Nightingale, em 12 de maio de 1820 (COSTA et al., 2009), que se tornaria reconhecida como precursora da Enfermagem Moderna. Por ocasião deste pioneirismo, o mun- do celebra o Dia Internacional da Enfermagem e, em comemoração ao bicentenário de nascimento de Nightingale, em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), entre outros, instituíram o Ano Internacional dos Profissionais de Enferma- gem e Obstetrícia (OPAS, 2020, on-line). Florence teve uma educação diferenciada, abrangendo o ensino de História, Matemática e Ciências, idiomas — inglês, francês, alemão, italia- no, latim e grego — além de canto e piano (COS- TA et al., 2018). Na adolescência, as experiências místicas vivenciadas por Florence e descritas em seus diários como chamados de Deus intensifica- ram a sua convicção de que não estava destinada à “vida comum” das mulheres da alta sociedade. Entre os 20 e os 30 anos de idade, os conflitos familiares acerca da questão do casamento au- mentaram, mas Florence conseguiu manter a sua independência (LOPES; SANTOS, 2010) bem como o propósito de sua vocação: ajudar os po- bres, os doentes e os desfavorecidos (PADILHA; MANCIA, 2005). Em 1837, Florence conheceu o trabalho das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, em Paris, na França. Determinada a seguir a sua vo- cação e estudar Enfermagem, em 1845, imergiu em um estágio na Enfermaria do Hospital de Sa- lisbúria, na Inglaterra. No inverno, viajou a Roma, onde observou e estudou as práticas de cuidado das irmandades católicas romanas. Em 1949, du- rante outra viagem, visitou as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, em Alexandria, no Egito, onde teve a oportunidade de apreender as práti- cas de cuidado bem como conhecer o trabalho UNIDADE 2 29 assistencial e administrativo desenvolvidos pelas religiosas (COSTA et al., 2018). No caminho de volta, passando pela Ale- manha, conheceu o Instituto de Diaconisas de Kaiserswert, para onde voltaria em 1851, com o intuito de fazer um estágio de três meses, após vencer a resistência da família, que considerava a Enfermagem e o ambiente hospitalar inapro- priados para Florence. O programa de formação contemplou aulas teóricas e práticas, incluindo a execução de serviços de limpeza. Insatisfeita, retornou à França e obteve autorização oficial para concluir os seus estudos e observações no Hôtel-Dieu, junto às Irmãs de Caridade de São Vi- cente de Paulo, em Paris. Vestida como as freiras, visitou hospitais, então, pôde observar melhor a prática da Enfermagem e conhecer comunidades religiosas (COSTA et al., 2018). Acredita-se que a convivência com as regras de conduta das irmãs de caridade tenha influen- ciado a construção do modelo de enfermagem de Florence, especialmente, em relação à divisão social do trabalho, à gestão do espaço e aos cui- dados referentes a higiene, ventilação, ilumina- ção, alimentação e recreação dos doentes, assim como a administração de medicamentos e cura- tivos, dentre outros. Retornando à Inglaterra, em 1853, Florence assumiu a superintendência de um pequeno hospital, o Estabelecimento para Damas de Companhia durante a Enfermidade (COSTA et al., 2018). Não demoraria muito tempo para Florence receber um convite dos diretores do King’s College Hospital, onde teria a oportunidade de treinar outras mulheres. Era 1854, quando foi deflagrada a Guerra da Crimeia, na Península da Ucrânia, en- tre a Turquia — apoiada pela França e pelo Reino Unido — e a Rússia, que havia invadido e tomado o território turco, ameaçando a integridade im- perialista britânica. No entanto, antes de assumir o cargo, recebeu outro convite, dessa vez, de seu amigo Sidney Herbert, que acabara de se tornar Ministro da Guerra (COSTA et al., 2018). Sidney acreditava que, somente, Florence se- ria capaz de organizar um plano para reverter o caos vivenciado pelos soldados feridos nos hospitais militares ingleses. Então, pediu para que ela se dirigisse ao campo de batalha, levan- do consigo um grupo de enfermeiras. Antes de receber o convite, Florence também enviou uma carta à esposa do amigo oferecendo-se para tra- balhar como voluntária no conflito, após tomar conhecimento da desorganização e das condi- ções insalubres dos hospitais. Diante da impor- tância nacional do serviço que prestaria, ela foi dispensada do compromisso, anteriormente, assumido (COSTA et al., 2018). Sem hesitar um só momento e consciente da dificuldade que enfrentaria para encontrar mu- lheres adequadas, Florence iniciou a seleção das enfermeiras que a acompanhariam. A maioria das enfermeiras as quais atuavam nos hospitais ingle- ses não atendiam aos rigorosos critérios exigidos por Florence. A urgência da seleção dificultou, ainda mais, o processo, mas em pouco tempo, foram recrutadas as 38 enfermeiras necessárias: dez irmãs católicas de Bermondsey; oito irmãs anglicanas da Ordem Selonita; seis enfermeiras da Saint John’s House e outras 14 de outros hospitais (COSTA et al., 2018). Após receber as ordens do departamento mé- dico do exército e ser nomeada superintendente do Estabelecimento de Enfermagem Feminina nos Hospitais Gerais Militares Ingleses na Tur- quia, tornando-se a primeira mulher a servir, oficialmente, o seu país, Florence partiu para Scutari, um subúrbio de Constantinopla, onde os soldados ingleses feridos eram acomodados. O grupo instalou-se em uma das torres do Barrack Hospital, cedido pelo governo turco. Embora as UNICESUMAR 30 acomodações fossem insuficientes, desconfor- táveis e sujas, este não era o maior desafio que o grupo enfrentaria, mas a discórdia, a competiti- vidade, as intrigas e rivalidades entre os médicos militares (COSTA et al., 2018). Além disso, muitos ficaram insatisfeitos com a chegada das enfermeiras, haja vista que repre- sentavam o descontentamento do Ministério da Guerra em relação à direção dos hospitais. Entre- tanto outros compreenderam a importância do seu trabalho, contribuíram de diversas maneiras e até tornaram-se fiéis amigos de Florence. As enfermarias estavam sempre imundas e infesta- das de parasitas, desprovidas de camas, lençóis, cobertores, cadeiras, pratos e talheres, alimentos e produtos de higiene. Muitos soldados feridos permaneciam deitados no chão, com seus unifor- mes sujos de sangue e terra (COSTA et al., 2018). Para chegar ao hospital de base em Scutari, os sol- dados doentes e feridos eram submetidos a uma árdua viagem de seis a oito dias, pois precisavam atravessar o Mar Negro a bordo de barcos sem qualquer conforto e abarrotados de gente. Acome- tidos por diarreia, cólera e diversas amputações, os soldados, malvestidos e malalimentados, não recebiam cuidados médicos e de enfermagem durante o percurso, resultando em uma taxa de mortalidade em torno de 75%. Por este motivo, a taxa de mortalidade geral era em torno de 40% (COSTA et al., 2018). Florence e sua equipe foram encarregadas de cuidar de mais de 1.500 feridos internados no hos- pital de Scutari. Logo, ela orientou as enfermeiras a oferecer alimentação adequada aos soldados, lavar e trocar as roupas de cama com frequência, promover ventilação nos quartos e aquecer os pacientes, além de confeccionar colchões forrados de palha. Para suprir as necessidades dos doentes, Florence saqueava, diariamente, o armazém do provedor, então, com recursos próprios e a aju- da do jornal The Times, arrecadou 7 mil libras, suprindo muitas necessidades fora do âmbito da enfermagem (COSTA et al., 2018). O próximo passo seria instalar duas cozinhas em locais distintos do edifício, onde pudessem ser preparados dietas suplementares e alimen- tos nutritivos, de modo a facilitar o trabalho de servir os pacientes mais necessitados. Com o objetivo de resolver o problema das roupas bran- cas limpas, Florence estruturou uma lavanderia para o hospital, alugou uma casa nas proximi- dades e conseguiu do Corps of Royal Engineers a instalação de uma caldeira, na qual empregou as esposas dos soldados. Embora as atividades administrativas requeressem parte do tempo de Florence, a sua prioridade era cuidar dos solda- dos (COSTA et al., 2018). Era cuidando dos soldados que Florence se sentia mais feliz e foi assim que ela descobriu a sua real vocação, conquistando muitos admiradores. Aos olhos dos oficiais, uma talentosa e respeitada administradora, pois as medidas administrativas por ela adotadas resultaram em melhores condi- ções de saúde aos pacientes e redução da taxa de mortalidade. Aos olhos dos soldados, uma bon- dosa enfermeira a quem adoravam e beijavam UNIDADE 2 31 a sombra. Foi por meio de sua ronda noturna e solitária, empunhando uma pequena lâmpada para iluminar o caminho, quando todos já haviam se recolhido, e os soldados permaneciam em silêncio, na escuridão, que Florence se notabilizou. A lâmpada tornaria-se, depois, o símbolo universal da En- fermagem (COSTA et al., 2018). Durante a Guerra da Crimeia, Florence introduziu práticas de cuidados não, apenas, em relação aos doentes, mas também ao ambiente. Ao organizar a cozinha, a lavanderia, a rouparia, o serviço de limpeza e o almoxarifado, ampliou a atuação da Enfermagem, atribuindo-lhe hierarquia e disciplina. Em fevereiro de 1855, uma comissão do Ministério da Guerra investigaria as condições sanitárias em Scutari, posteriormente, ela concluiria que o edifício se assentava sobre uma rede de esgotos apodrecida e deteriorada, justificando tanto a alta taxa de mortalidade quanto a insalubre atmosfera do hospital (COSTA et al., 2018). Florence também se destacou em matemática, usando e aplicando gráficos com o intuito de ilustrar dados epidemiológicos (COSTA et al., 2009). Ela criou o chamado “diagrama da rosa”, a fim de representar as taxas de mortalidade e convencer o exército da necessidade de medidas de prevenção relacionadas à higiene e à reforma sanitária (PADILHA, 2020). As drásticas reformas autorizadas pelos comissários foram imprescindíveis para a reverter as condições sanitárias dos hospitais (COSTA et al., 2018). Em dois meses, Florence conseguiu estabelecer a ordem no hospital, o que garantiu a ela a reputação de administradora e reformadora de hospitais. Em seis meses, seria reduzida a taxa de mortalidade para 2%, então, neste momento, Florence pôde deslocar-se até a Crimeia, para inspecionar os hospitais de lá. Ao desembarcar, em 8 de maio de 1855, deparou-se com hospitais com elevados índices de mortalidade, soldados feridos e doentes, malcuidados e mal alimentados (COSTA et al., 2018). UNICESUMAR 32 A experiência vivenciada por Florence, nessa guerra, a permitiu confirmar a sua convicção sobre a relação entre boa higiene e doença. Em virtude de seus esforços físicos e mentais, em meados de maio de 1855, Florence contraiu a chamada “febre da Crimeia”, possivelmente, tifo, que a deixou em estado crítico por alguns dias e comprometeu, permanentemente, a sua saúde. Ao melhorar, voltou a Scutari, convalesceu e, em agosto de 1855, retomou as suas atividades. A notícia de seu adoeci- mento e posterior recuperação rendeu-lhe a reputação de “heroína do povo”, tornando-a objeto de adoração (COSTA et al., 2018). Com o intuito de converter este ardor em um sentido prático, alguns amigos de Florence constituíram um influente comitê, tendo Sidney Herbert como secretário honorário, o que resultou na inauguração do Fundo Nightingale, durante uma sessão pública realizada em 29 de novembro de 1855. No total, foram arrecadadas 44 mil libras, por meio da contribuição de pessoas proeminentes e dos próprios soldados. Com este valor, Florence, ainda doente, mas incansável, fundou, em 9 de julho de 1860, a primeira Escola de Enfermagem do Hospital St. Thomas, em Londres (COSTA et al., 2018). Ao retornar da guerra, Florence tornou-se uma figura popular em todo o país, sinônimo de eficiência e heroísmo. Além de reorganizar a Enfermagem e salvar vidas, ela quebrou o preconceito relacionado à participação feminina no exército bem como transformou a visão da sociedade em relação à Enferma- gem, imprimindo-lhe o selo de profissionalismo e dedicação, o que ajudou a estabelecer uma carreira secular para as mulheres. O objetivo de sua escola era melhorar os hospitais, a disciplina e o perfil das enfermeiras, a manutenção da saúde e o cuidado aos doentes (COSTA et al., 2018). Se você quiser ampliar as possibilidades de fixação do conteúdo apresen- tado, utilizando a música como recurso de aprendizagem, não deixe de assistir a este vídeo, no qual apresento uma música, intitulada Florence Nightingale, composta em 2005, durante a disciplina Enfermagem como Profissão, do Curso de Graduação em Enfermagem da Unicesumar. Para acessar, use seu leitor de QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12650 UNIDADE 2 33 Inicialmente, o curso teria a duração de um ano, sendo os médicos os encarregados do ensino teórico de anatomia, fisiologia e farmacologia. Posteriormente, o curso incluiria mais um ano de prática nas enfer- marias do hospital. Florence acreditava que a saúde deveria estar não só no corpo, mas na alma, que cada pessoa possuía talentos e habilidades que precisavam ser desenvolvidos e que o treinamento exigiria o uso de seus recursos intelectuais inatos. Para ela, a Enfermagem era uma arte a qual requeria treinamento organizado, prático e científico, cuja finalidade era ajudar a pessoa a viver (COSTA et al., 2018). A iniciativa serviu como modelo para a criação de inúmeras instituições de ensino em todo o mundo, fundadas por ex-alunas, difundindo o chamado Sistema Nightingaleano (PADILHA, 2020), em países como Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Áustria, Países Escandinavos, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Holanda, Bélgica, Suíça, Grécia, Portugal, Espanha, Ásia, África, China, Índia e países centro e sul-americanos (BORGES et al., 2000), inclusive o Brasil (PADILHA, 2020). O modelo das instituições foi aplicado de formas e ritmos distintos, de acordo com as peculiaridades de cada nação (BORGES et al., 2000). Descrição da Imagem: fotografia em preto e branco que mostra, ao todo, 20 mulheres e um homem calvo, de barba branca, trajando sobretudo. Todos em frente ao hospital St. Thomas. Algumas mulheres estão sentadas e outras de pé, Florence Nightingale está sentada, ao centro. Da esquerda para direita pode-se observar cinco mulheres sentadas e três de pé, todas trajando uniforme de enfermagem da época, um vestido escuro comprido, um avental branco, também, comprido, por cima do vestido e, na cabeça, um gorro cirúrgico branco. Apenas Florence Nightingale traja um manto bordado nas extremidades e um lençona cabeça. Ao lado direito, também uni- formizadas, estão seis mulheres sentadas e três de pé, todas em volta de Florence. Figura 3 - Florence Nightingale com a turma de enfermeiras do St. Thomas, em 1886 Fonte: Wikimedia Commons ([1886], on-line). UNICESUMAR 34 Ao longo de sua vida, Florence publicou cerca de 200 obras, entre livros, relatórios e panfletos (FERNANDES, 2007). No livro intitulado Notas sobre Enfermagem – O que é e o que não é, o qual foi traduzido em diversos idiomas, Florence nos brinda com princípios de cuidado que muitos assumem como bases para a Teoria Ambientalista. Além de representar um manual de Enfermagem, esse livro trata de instruções seminais de saúde pública, tão condizentes e apropriadas para o sé- culo XIX quanto para o atual momento em que vivemos (PADILHA, 2020). Não obstante, o grande mérito de Florence foi dar voz ao silêncio daqueles que prestavam cuidados de enfermagem, sem, contudo, perceber a importância dos rituais que seguiam, os quais já indicavam uma prática profissional organiza- da. Em seu livro Notas sobre Hospitais, Florence descreve as suas vivências e conhecimentos acerca das necessidades dos pacientes, os quais a permiti- ram convencer arquitetos de que a funcionalidade do espaço — tanto para pacientes quanto para enfermeiras — bem como as questões de sanea- mento, deveriam ser prioridade, em detrimento da estética (COSTA et al., 2018). Florence inspirou a Sociedade Nacional para Auxílio aos Doentes e Feridos, a qual, mais tarde, se tornaria, com a sua aprovação, a Cruz Verme- lha, referência nas questões relacionadas à higiene e à administração hospitalar, recebendo solicita- ções de orientações de autoridades de diversos lugares. Florence foi a primeira mulher a inte- grar a Sociedade Real de Estatística, em Londres (PADILHA, 2020), em 1874, tornou-se membro honorário da Associação Estatística Americana (ASA). Em 1883, foi condecorada com a Cruz Vermelha Real, pela rainha Vitória, em reconhe- cimento ao seu trabalho. Em 1907, tornou-se a primeira mulher a receber a Ordem do Mérito, de Edward VII (FERNANDES, 2007). No final da vida, Florence viveu anos produtivos e felizes. Relatos de pessoas que frequentavam a sua casa descrevem uma atmosfera de paz e felicida- de. Porém, com o tempo, Florence perdeu a visão, parou de escrever e, aos poucos, foi desligando-se da vida. Alguns estudos sugerem que ela desenvol- veu esquizofrenia, considerando a sua fobia quase patológica de multidões e o seu isolamento após a guerra (FERNANDES, 2007). Florence morreu em 13 de agosto de 1910, aos 90 anos, em Londres, enquanto dormia (BORGES et al., 2000). Hoje, é reconhecida como uma das 100 mulheres que marcaram a história mundial (COSTA et al., 2009). Descrição da Imagem: fotografia colorida que mostra, de cima para baixo, uma medalha de honra ao mérito que con- tém um brasão e uma cruz vermelha ao centro. Logo abaixo, uma fita azul e vermelha suspende outra medalha em forma de cruz e com um brasão no meio. Em seguida, mais uma fita azul e uma medalha que parece ser de prata, em formato de cruz e, também com um brasão ao meio. Ao lado, uma fita preta segura uma medalha que parece ser de prata e que lembra uma estrela. Todas estão em exibição no Museu do Exército Nacional, em Chelsea, Londres. Figura 4 - Medalhas de Florence Nightingale Fonte: Wikimedia Commons (2019, on-line). UNIDADE 2 35 “Vocês [enfermeiros] se preocupam conosco desde os nossos primeiros anos, vocês cuidam de nós nos nossos momentos mais tristes e mais felizes e, para muitas pessoas, vocês cuidam de nós e de nossas famílias no final de nossas vidas”. (Kate Middleton) Quer aprofundar o seu conhecimento sobre o tema estudado e co- nhecer a Campanha Nursing Now, lançada com o intuito de valorizar a Enfermagem, reconhecer a sua importância e investir na melhoria das condições de trabalho dos profissionais da área? Então, clique no play! Título: Enfermagem: História de uma profissão Autoras: Maria Itayra Padilha, Miriam Süsskind Borenstein e Iraci dos San- tos (org.) Editora: Difusão Sinopse: esta obra nos apresenta a história da Enfermagem, as suas ori- gens e inserções interdisciplinares e, também, nos leva a vários períodos e sociedades, revisitando os cenários técnicos, econômicos e sociais, nos convidando a refletir sobre quem somos nós, profissionais de Enfermagem. Na concepção das autoras organizadoras, trata-se da história que é feita por todos nós e que segue vida afora, em vaivém interpretativo, sem repetições, pois a história que segue com a vida humana o faz em descontinuidades. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10726 UNICESUMAR 36 Conhecer a história de Florence Nightingale, as dificuldades e os desafios por ela enfrentados no processo de profissionalização da Enfermagem, os seus esforços para atribuir caráter científico e sis- tematizar o cuidado de Enfermagem é se apropriar da identidade da profissão, a qual o(a) estudante ajuda a (re)construir e a defender, durante a sua formação. No exercício de sua prática profissional, ele(a) será reconhecido graças a essa identidade. Florence identificou e demonstrou, por meio de dados estatísticos, a importância, na prevenção de doenças, dos cuidados com a higienização das mãos e a limpeza dos ambientes. Embora a impor- tância do trabalho da Enfermagem tenha sido evidenciada durante a pandemia de Covid-19, os(as) enfermeiros(as) ainda enfrentam dificuldades relacionadas à redução da carga horária de trabalho, ao dimensionamento do quadro de profissionais e ao estabelecimento de um piso salarial justo. O conhecimento, aqui, construído subsidiará a formação de enfermeiros(as) com pensamento crítico, que advogarão não, apenas, por seus pacientes, mas também por condições de trabalho e re- muneração tão favoráveis quanto justas, defenderão a autonomia da Enfermagem bem como a sua importância na equipe multiprofissional, lutarão pela valorização da profissão e honrarão o legado de Florence Nightingale. Para te ajudar a melhor compreender e memorizar o significado e o sentido da Cerimônia da Lâmpada, ouça a música Luz do Cuidar, que compus em 2008, quando estava concluindo o Curso de Enfermagem, na Unicesumar, e a interpretei durante o culto ecumênico em celebração à conclusão do curso. Para acessar, use seu leitor de QR Code. Ouça a voz de Florence Nightingale. Para acessar, use seu leitor de QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11911 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12119 37 Com base no conhecimento construído sobre Florence Nightingale e o processo de profissional- ização da Enfermagem, proponho que preencha o Mapa da Empatia, a seguir, expondo tudo o que aprendeu nesta unidade. Para isso, use as suas percepções, os seus sentimentos, dores e necessi- dades em relação ao curso. Quais são as DORES? Quais são as NECESSIDADES? 38 1. Considere as supostas razões para Florence Nightingale ser considerada a precursora da Enfermagem Moderna e assinale a alternativa incorreta: a) As suas práticas de cuidados não eram voltadas, exclusivamente, aos doentes, mas ao am- biente. Ela organizou a cozinha, a lavanderia, a rouparia, o serviço de limpeza e o almoxarifado, ampliando a atuação da Enfermagem. b) Florence inventou as práticas de cuidado durante a Guerra da Crimeia, modernizando a Enfermagem. c) As qualidades de administradora de Florence garantiram a redução da taxa de mortalidade de 40% para 2%, durante a Guerra da Crimeia. d) Florence demonstrou a importância, na recuperação da saúde dos pacientes, do cuidado com a ventilação, a iluminação, o calor, os odores e os ruídos do ambiente, atribuindo cientificidade à Enfermagem. e) Florence sistematizou o cuidado de enfermagem, dando voz ao silêncio daqueles que pres- tavam esse cuidado, sem, contudo, perceber a importância dos rituais que seguiam, os quais já indicavam uma prática profissional organizada, favorecendo o reconhecimentoda Enfer- magem como profissão. 2. Considere as seguintes afirmações sobre a concepção de Enfermagem e o perfil da enfermeira idealizado por Florence Nightingale, em seguida, assinale V para a(s) Verdadeiras e F para a(s) Falsa(s). ) ( A Enfermagem era uma profissão, não uma vocação para servir ao próximo. ) ( A enfermeira deveria oferecer alimentação adequada aos pacientes, lavar e trocar as roupas de cama com frequência, promover ventilação nos quartos e aquecer os pacientes. ) ( A Enfermagem era uma arte que requeria dedicação exclusiva e preparo rigoroso. ) ( A enfermeira deveria possuir valores como: caridade, amor ao próximo, doação e humildade. ) ( A Enfermagem dispensava treinamento prático e científico. A sequência correta para a resposta da questão é: a) V, V, V, V, V. b) V, F, V, F, V. c) F, V, F, V, F. d) F, V, V, V, F. e) F, F, F, F, F. 39 3. Por que os princípios de cuidado defendidos por Florence Nightingale, considerados as bases de sua Teoria Ambientalista, são, fortemente, aplicados até os dias atuais, inclusive no contexto da pandemia de Covid-19? Assinale a alternativa correta: a) Porque foi Florence quem inventou o álcool em gel, tão utilizado durante a pandemia. b) Por causa de sua experiência atuando como voluntária em outras pandemias. c) Porque as medidas básicas de higiene das mãos e dos ambientes, adotadas para prevenir a incidência e a disseminação da doença e evitar mortes, são conhecidas pela Enfermagem desde a atuação de Florence Nightingale na Guerra da Crimeia. d) Porque Florence identificou, em suas pesquisas, que as medidas básicas de higiene das mãos e dos ambientes poderiam curar várias doenças causadas por vírus. e) Porque Florence comprovou que o uso de máscara facial reduziu a mortalidade dos soldados na Guerra da Crimeia. 40 3 Nesta unidade, discutiremos sobre a história da Enfermagem no Brasil; quem fomos, quem somos e quem queremos ser. Resgata- remos fatos históricos protagonizados por aqueles cujas práticas de cuidado precederam a Enfermagem Moderna e por aqueles que se destacaram e se tornaram referência em cuidado, como Anna Nery. Conheceremos o atual perfil daqueles que escrevem, atuam e contracenam nos capítulos atuais dessa história, para podermos analisar os avanços bem como os desafios a serem enfrentados. Discutiremos a importância de estudar a história da Enfermagem para a construção da identidade profissional e as futuras contribui- ções à valorização da Enfermagem como profissão. História da Enfermagem no Brasil Dr. Vladimir Araújo da Silva UNICESUMAR 42 • O que você sabe sobre a história da Enfermagem no Brasil? • Por que devemos conhecê-la (saber quem fomos)? • Você já ouviu falar sobre algum(a) enfermeiro(a) que seja referência no Brasil, assim como Florence Nightingale é para o mundo? • O que você sabe sobre a Semana Brasileira de Enfermagem? • Você conhece o perfil da Enfermagem brasileira (quem somos)? Apropriar-se da história da Enfermagem no Brasil é valorizar a sua própria identidade profissional (em construção) e reconhecer-se como parte dela. Conhecer e reverenciar as contribuições daqueles que nos antecederam (povos originários, escravos, religiosos e leigos que ajudavam nos cuidados com os doentes, mesmo após a fundação das Santas Casas de Misericórdia) bem como daqueles que sustentam a arte e a ciência da Enfermagem na atualidade, nos fortalece enquanto profissão, empoderando-nos com inspiração para projetarmos e construirmos o futuro da profissão que queremos representar. Anna Nery serviu ao nosso país, como voluntária, na Guerra do Paraguai, sob condições precárias de higiene, recursos humanos e materiais. Recebeu o título de “mãe dos brasileiros”, é reverenciada como uma das grandes mulheres da história brasileira, patrona da Enfermagem e precursora da Cruz Vermelha no Brasil. A Semana Brasileira de Enfermagem, comemorada desde 1940, inicia-se no dia 12 de maio, em homenagem ao nascimento de Florence Nightingale, e termina no dia 20 de maio, em alusão à morte de Anna Nery. Neste dia, também comemoramos o Dia Nacional do Técnico e do Auxiliar de Enfermagem. Ressalta-se que a Enfermagem representa mais da metade de todos os profissionais de saúde em atuação no Brasil. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), atualmente, somos 2.565.116 profissionais, sendo 630.497 enfermeiros(as), 334 obstetrizes, 1.495.139 técnicos(as) de Enfermagem e 439.146 auxiliares de Enfermagem, majoritariamente, mulheres, em sua maioria negras ou pardas. Para que você conheça o atual perfil da Enfermagem no Brasil, assista ao vídeo Sala de Convidados – O Perfil da Enfermagem no Brasil, exi- bido no dia 2 de junho de 2015, no Canal Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Agora, refletiremos, um pouco, sobre o que foi apresentado/proposto, e faremos anotações no Diário de Bordo. • O que te chamou a atenção na história da Enfermagem no Brasil? • O que te chamou a atenção no perfil da Enfermagem brasileira? • Que Enfermagem você deseja representar? https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12642 UNIDADE 3 43 “ “Solenemente, na presença de Deus e desta assembléia, juro:Dedicar minha vida profissional a serviço da humanidade, respeitando a dignidade e os direitos da pessoa humana, exercendo a enfermagem com consciência e fidelidade; guardar os segredos que me forem confiados; respeitar o ser humano desde a con- cepção até depois da morte; não praticar atos que coloquem em risco a integridade física ou psíquica do ser humano; atuar junto à equipe de saúde para o alcance da melhoria do nível de vida da população; manter elevados os ideais de minha pro- fissão, obedecendo os preceitos da ética, da legalidade e da moral, honrando seu prestígio e suas tradições”. Juramento a ser proferido nas solenidades de for- matura dos cursos de Enfermagem (Cofen, 1999). Figura 1 - Retrato de enfermeiros na atualidade Fonte: Cofen ([2022], on-line). UNICESUMAR 44 Na época da chegada dos portugueses ao Brasil, os povos originários, representados por seus pajés, foram os primeiros a cuidar daqueles que adoeciam em suas tribos. Com a colonização, esta respon- sabilidade passou a ser compartilhada com os jesuítas e, posteriormente, com religiosos, voluntários leigos e escravos. Nessa perspectiva, gradativamente, surgiu a Enfermagem, com fins mais curativos que preventivos, exercida, ao contrário de hoje, basicamente, por pessoas do sexo masculino (MEDEIROS; TIPPLE; MUNARDI, 1999, on-line). Com efeito, o exercício da Enfermagem ancorava-se na solidariedade, no misticismo, no senso comum, no empirismo e nas crendices, compartilhados de geração a geração. Destarte, a profissiona- lização edificou-se mediante a sistematização do ensino das práticas de cuidado, antes, desenvolvidas por pessoas sem o devido preparo técnico. É importante ressaltar a relevante contribuição dos escravos no auxílio às famílias e aos religiosos nos cuidados com os doentes, mesmo após a fundação das Santas Casas de Misericórdia (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Para conhecer, um pouco mais, a história da Enfermagem no Brasil, acesse o site do Museu Nacional de Enfermagem. Se você quiser ampliar o seu conhecimento sobre aspectos sociais, políticos, econômicos, históricos e tecnológicos que envolvem a história da profissão, também é possível agendar uma visita virtual mediada. Para acessar, use seu leitor de QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12647 UNIDADE 3 45 Vale lembrar que Portugal costumava transferir o seu acervo cultural às suas colônias, como a Irman- dade de Invocação à Nossa Senhora da Misericórdia, instituída em 1498, pela rainha D. Leonor, que assumiu o compromisso de apoiar os menos favorecidos, com base nas 14 Obras de Misericórdia: ensinar os simples; dar bom conselho; corrigir com caridade os que erram; consolar os que sofrem; perdoar os que nos ofendem; sofrer as injúriascom paciência; rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos; remir os cativos e visitar os presos; curar e assistir os doentes; vestir os nus; dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; dar pousada aos peregrinos; sepultar os mortos (INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO MÉDICA CARLOS CHAGAS, [2022], on-line). Descrição da Imagem:fotografia de uma aquarela de Jean-Baptiste Debret, do século XIX. À direita, observa-se um cirurgião negro, descalço, com um turbante na cabeça, um brinco em forma de argola, um cordão no pescoço com um pingente em forma de cavalo marinho. Ele carrega, junto ao corpo, uma bolsa pequena e amarela, com um detalhe em branco, e a alça, transversalmente, ao tórax; uma toalha alaranjada e com listras brancas cingida na cintura. Esse cirurgião aplica ventosa em seus pacientes, também negros. À sua frente, um dos pacientes, também descalço, de macacão azul, com alças em forma de X nas costas, está sentado sobre uma pedra, com as mãos sobre os joelhos. Está inclinado na direção do cirurgião, aguardando a aplicação de uma ventosa, na região temporal esquerda de sua cabeça. Ao centro, outro paciente, sem camisa, vestindo calça branca e uma faixa amarela e branca na cintura, de estampa xadrez, com nó nas costas, está deitado no chão, em decúbito ventral (de barriga para baixo) com os braços cruzados, tendo quatro ventosas nas costas. À esquerda, há, possivelmente, mais dois pacientes: um sentado no chão, envolto em um manto branco, com a perna direita estendida e a perna esquerda perpendicular e abaixo da direita, outro paciente veste calça azul e blusa marrom, encontra-se sentado no chão, com as pernas abertas e fletidas, portando duas ventosas na região frontal (na testa), dispostas, bilate- ralmente. Ao fundo, vê uma casa com a porta aberta, do lado de dentro, estão duas crianças desnudas, brincando no chão, uma em pé, com algo parecido com uma flauta perto da boca, e outra deitada no chão. É possível ver alguns objetos semelhantes a chapéus de palha, pendurados ao lado esquerdo da porta; uma janela fechada e uma floreira alta, cheia de folhagens; uma mulher com um lenço xadrez, amarelo e alaranjado, envolto na cabeça, e uma manta branca com listras cinzas envolvendo o seu corpo, sentada sobre a base de uma janela aberta, à direita. Figura 2 - Negro surgeons / Fonte: Debret (2015, on-line). UNICESUMAR 46 Embora a criação das Santas Casas de Miseri- córdia no Brasil seja uma incógnita para histo- riadores e memorialistas, o relato de frei Agosti- nho de Santa Maria, impresso em 1723, em um dos volumes do Santuário Mariano, sugere que a irmandade tenha sido criada por iniciativa do padre José de Anchieta, o qual, por volta de 1582, destinou uma casa para o tratamento de doentes (GANDELMAN, 2001), após a chegada de mari- nheiros espanhóis da esquadra do Almirante Dio- go Flores de Valdés, na praia de Santa Luzia-RJ, acometidos por escorbuto, uma doença causada por deficiência grave de vitamina C ou de ácido ascórbico (IPGMCC, [2022], on-line). Com a ajuda de alguns religiosos (GANDEL- MAN, 2001) e/ou representantes dos povos ori- ginários, José de Anchieta administrou aos mari- nheiros doentes medicamentos à base de infusões de plantas medicinais (IPGMCC, [2022], on-line). Assim teria surgido o primeiro hospital do Rio de Janeiro, sob os cuidados dos irmãos da San- ta Casa (GANDELMAN, 2001). No entanto, de acordo com a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB, 2020, on-line), as primeiras Santas Casas surgiram logo após o descobrimento do Brasil, na seguinte ordem: Santos (1543); Salvador (1549); Rio de Janeiro (1567); São Paulo (1599); João Pessoa (1602); Belém (1619); São Luís (1657); Campos-RJ (1792); Porto Alegre (1803); Vitória (1818); entre outras. Em 1841, o Decreto nº 82-A criava o Hospí- cio de Pedro II, o primeiro hospital psiquiátrico da América Latina, referência para o desenvolvi- mento de saberes e práticas médicas e de enfer- magem no Brasil Imperial, e o anexava à Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro (PERES; BARREIRA, 2009). Objetivando combater o char- latanismo no exercício das profissões ligadas à saúde, em 1850, foi criada a Junta de Higiene Pú- blica, a qual seria responsável pela fiscalização do exercício profissional de médicos, parteiras, entre outros, os quais deveriam registrar os seus diplomas no Rio de Janeiro, junto à Corte Impe- rial (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Nesse contexto, evidencia-se que a institucio- nalização do ensino de Enfermagem resultou de um processo político e da imprescindível neces- sidade de profissionais com formação adequada para cuidar de pessoas com doenças mentais, no âmbito hospitalar (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Em 1852, as Irmãs de Caridade, provenientes da Congregação das Filhas da Caridade de São Vi- cente de Paulo, na França, chegaram ao Rio de Janeiro, após uma negociação entre o provedor José Clemente Pereira e a Legação Imperial do Brasil na França, intermediada pelo Comenda- dor João Marques Lisboa, que resultou no tratado firmado em Paris, em 21 de setembro do mesmo ano, o qual estabelecia obrigações recíprocas entre a Santa Casa de Misericórdia e as Irmãs de Cari- dade (PERES; BARREIRA, 2009). Destaca-se que o modelo religioso de enfer- magem, trazido pelas Irmãs de Caridade, abran- gia a atuação como auxiliares dos médicos nas enfermarias e o economato, que contemplava os serviços de cozinha, refeitório, lavanderia e rouparia, podendo, também, serem responsáveis pelo laboratório e pela farmácia. De acordo com o tratado, as Irmãs seriam encarregadas pelo serviço interno do novo Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia e do Hospício de Pedro II, inaugurados no ano em que chegaram ao Bra- sil, bem como das enfermarias externas da Santa Casa de Misericórdia. Como ajudantes das Irmãs, atuavam negros escravos ou libertos, imigrantes e meninas oriundas do Asilo de Órfãs da Santa Casa de Misericórdia (PERES; BARREIRA, 2009). Ressalta-se que a assistência de enfermagem pré-profissional às pessoas com doenças mentais UNIDADE 3 47 no Brasil configurou-se a partir de um modelo religioso que servia aos interesses da Santa Casa de Misericórdia, em detrimento dos interesses médicos (PERES; BARREIRA, 2009). O processo de profissionalização da Enfermagem, por sua vez, foi idêntico ao ocorrido na Europa, haja vista que os médicos que lá estudaram trouxeram não, apenas, conhecimentos como a pasteurização e a assepsia, mas as ideias laicas nas quais os serviços de Enfermagem se fundamentavam (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Em janeiro de 1890, o Decreto nº 142-A alte- rou o nome do Hospício de Pedro II, que passou a ser denominado Hospício Nacional de Alienados, desvinculando-o da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e transferindo a responsabili- dade de sua administração da Irmandade da San- ta Casa para o Estado brasileiro (ALVES, 2010). Com efeito, o processo de laicização do cuidado iniciou no ano citado, a partir do confronto entre o diretor do Hospício Nacional de Alienados e as Irmãs de Caridade, as quais deveriam cuidar de todas as atividades relativas aos doentes, mas acobertavam os maus tratos por eles sofridos por parte dos “guardas” e “enfermeiros” (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Como consequência destes desentendimentos, as religiosas foram dispensadas, e os pacientes ficaram sem cuidados de enfermagem, geran- do uma situação de emergência. Nesta ocasião, houve a substituição das Irmãs de Caridade pelas enfermeiras francesas da Escola de Salpêtrière (MOREIRA; OGUISSO, 2005). Em contraparti- da, o Decreto nº 791, de 27 de setembro de 1890, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório da República, cria- va a primeira escola de Enfermagem do Brasil, a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, instituindo, oficialmente, o ensino dessa profissão no Brasil, com o intuito de suprir a falta de mão de obra, agravada
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