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REVISÃO/RESUMO AV2 - DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO (DIP) - AULAS 5 A 10

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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
REVISÃO AV2
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO
AULA 05 5. Personalidade jurídica internacional e os elementos formadores do Estado
5.1. Estado: Formação, extinção e sucessão.
AULA 06 6. Formas de reconhecimento dos Estados e de Governo
6.1. Sucessão de Estados
6.2. Imunidades
AULA 07 7. Elementos da responsabilidade internacional do Estado e Sistema Internacional de
proteção aos Direitos Humanos
7.1. Excludente de ilicitude
7.2. Domínio aéreo
7.3. Sistema Internacional de proteção aos Direitos Humanos
AULA 08 8. Comércio internacional e o direito dos contratos
8.1. Aspectos jurídicos do Comércio Internacional, suas peculiaridades e pontos em
comum com o Direito dos Contratos
8.2. Contratos Internacionais e aspectos jurídicos do Comércio Internacional
AULA 09 9. Arbitragem Internacional como mecanismo de soluções às disputas no âmbito do
comércio internacional
9.1. Composição de um procedimento arbitral
9.2. Espécies de Arbitragem Internacional
9.3. Arbitragem no Brasil
9.4. Sistema de Resolução de Disputas da Arbitragem Comercial Internacional
AULA 10 10. Elementos do Direito Internacional que tratam da Guerra
10.1. Princípios Internacionais da Guerra
10.2. Prisioneiros e feridos em Guerra
10.3. Neutralidade diante da Guerra
10.4. Terrorismo Internacional
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
AULA 05
5. PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL E OS ELEMENTOS FORMADORES DO
ESTADO
O que é personalidade jurídica internacional?
O conceito consta na jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais especi�camente no
Parecer Consultivo de 1949, proferido no ilustre caso Bernadotte. Primeiro, cabe frisar que é possível levar à CIJ
tanto casos contenciosos (Disputas entre Estados, por exemplo.) quanto consultivos.
No caso Bernadotte, a CIJ entendeu que a Organização das Nações Unidas (ONU) teria personalidade
jurídica própria para tutelar direitos de seus funcionários. Para chegar a tal conclusão, a CIJ precisou responder a
uma pergunta precedente: A ONU tem personalidade jurídica internacional?
A ausência de posicionamento expresso sobre o tema provocava questionamentos se tais entidades
seriam sujeitos de Direito Internacional. Diante disso, a Assembleia Geral da ONU acionou a CIJ para dirimir a
questão. O caso concreto envolvia um diplomata sueco – Conde Bernadotte, por isso o nome do precedente. Em
1948, a ONU envia, a seu serviço, o diplomata sueco Conde Bernadotte como seu mediador na Palestina. Ele foi
assassinado no exercício de suas funções. Diante disso, a ONU, em defesa de seu funcionário, para buscar a
reparação devida, precisava ter claramente o limite de sua personalidade internacional.
O parecer da CIJ resolve a discussão ao reconhecer a personalidade jurídica da ONU, na qualidade de
organização internacional, ao entender que esta não poderia cumprir suas �nalidades e sua missão caso fosse
desprovida de personalidade jurídica. Com relação aos Estados, são considerados pessoas jurídicas internacionais
por excelência, pois representam a coletividade no plano jurídico internacional. No referido parecer que constitui a
decisão da CIJ, conceitua-se a personalidade jurídica internacional a partir de quem pode exercê-la.
Para a CIJ, quem detém personalidade jurídica internacional: É A ENTIDADE QUE TEM
CAPACIDADE DE SER TITULAR DE DIREITOS E DEVERES INTERNACIONAIS, E A CAPACIDADE
DE FAZER PREVALECER ESTES DIREITOS POR MEIO DE RECLAMAÇÃO INTERNACIONAL
Em Direito Internacional, a personalidade é um re�exo da capacidade de Direito acrescida da
capacidade de fato. A de�nição anterior demonstra exatamente esta ideia: é a capacidade de ser titular de direitos e
deveres (ser titular de direitos) e a capacidade de exercer esses mesmos direitos por meio de reclamação
internacional. O conceito de personalidade jurídica é dinâmico e tem caráter histórico: os sujeitos de direito não são
sempre os mesmos e podem variar a depender do contexto considerado.
5.1. ESTADO: FORMAÇÃO, EXTINÇÃO E SUCESSÃO
A principal entidade dotada de personalidade jurídica internacional é o Estado. É comum também ser
utilizada a expressão “coletividades estatais” porque existem casos em que todos os elementos estão presentes, mas as
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entidades não são necessariamente Estados. Tradicionalmente, entende-se que os elementos necessários para a
constituição de um Estado são: Território, povo e governo.
Algumas vezes se inclui um quarto elemento, a soberania, que aparece como um grau de governo. O
conceito de Estado envolve os seguintes elementos:
- é um ente jurídico, dotado de personalidade jurídica internacional;
- é formado por indivíduos organizados em determinado território; está sob autoridade de um
governo independente;
- sua �nalidade de atuação é tutelar aqueles que o habitam
TERRITÓRIO: Trata-se do âmbito de validade espacial do exercício da soberania. As fronteiras (O
início e o �m do território.) são delimitadas pelo Direito Internacional, notadamente por meio de tratados
internacionais. É também o elemento material do conceito, sendo a base física do Estado, em que ele exerce a sua
soberania.
Quanto ao âmbito de validade material, os Estados podem legislar, em seu território, sobre as matérias
de domínio reservado. Em outras palavras, os Estados podem legislar sobre temas que não tenham sido tratados
pelo Direito Internacional. Portanto, o domínio reservado é um conceito dado por exclusão, abrangendo toda e
qualquer matéria que não tenha sido objeto do Direito Internacional. O domínio reservado encontra previsão no
item 7 do art. 2º da Carta da ONU.
Sobre o âmbito de validade temporal, trata-se do princípio da efetividade, ou seja, existindo um Estado
de fato, há um Estado de Direito.
POVO: Trata-se dos nacionais de um país. O Estado, no entanto, não possui ampla liberdade para
conceder nacionalidade a quem desejar, tendo em vista que o Direito Internacional apresenta duas limitações:
- uso de critérios jus solis e/ou jus sanguinis; e
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- necessidade de vínculo efetivo entre a pessoa e o Estado.
De�nição importante é a do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Francisco Rezek, que vai
tratar do povo como a dimensão pessoal do Estado, lembrando que povo e população não são conceitos sinônimos.
Por povo, entende o autor que este corresponde à:
- JUS SOLIS: Direito de solo: indica um princípio pelo qual uma nacionalidade pode ser atribuída a
um indivíduo de acordo com seu lugar de nascimento.
- JUS SANGUINIS Direito de sangue: indica um princípio pelo qual uma nacionalidade pode ser
atribuída a um indivíduo de acordo com sua ascendência e origem étnica.
GOVERNO: É o conjunto de pessoas encarregadas de conceder e�cácia ao ordenamento jurídico
nacional. Trata-se das pessoas que conferem e�cácia ao ordenamento jurídico interno. É quem é “capaz de decidir de
modo de�nitivo dentro do território estatal, não admitindo a ingerência de nenhuma outra autoridade exterior”.
O exercício do governo pelo Estado tem dois planos:
- Nacional: O governo do plano interno é a administração e gestão do país, traduzido na �gura do
Poder Executivo.
- Internacional: O Estado é quem representa o país perante outros Estados, participando das relações
internacionais e conduzindo a política externa. Existe uma controvérsia acerca da inserção da
soberania como elemento do Estado.
Na de�nição de Jean Bodin, a soberania é entendida como o poder supremo, inalienável, perpétuo e
indivisível que não reconhece qualquer outro superior a ele. Tal entendimento encontra-se superado, de modo que
o conceito de soberania, perante o Direito Internacional da atualidade, é a não subordinação ao Direito interno de
outro Estado (não signi�ca a não subordinação ao Direito Internacional).
A personalidade jurídica internacionaldo Estado é:
- Originária Porque não é necessário nenhum ato jurídico para a�rmar a existência do Estado.
- Plena Pois não se submete a quaisquer limitações, salvo as impostas pelo Direito Internacional.
Por sua vez, a personalidade jurídica plena se exprime em três direitos:
- JUS TRACTUM: Direito de celebrar tratados.
- JUS LEGATIONEM: Direito de enviar e receber representação diplomática.
- JUS AD BELLUM: Direito de fazer guerra.
Além do Estado, as entidades interestatais (Organizações internacionais.) possuem também
personalidade jurídica internacional, que, no entanto, tem algumas peculiaridades em relação aos Estados. A
personalidade jurídica internacional das entidades interestatais é:
(i) derivada, pois depende da reunião de Estados para que sejam criadas; e
(ii) restrita, porque não possuem (ou possuem de forma restrita) os direitos jus tractum, jus legationem
e jus ad bellum.
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A única organização internacional que possui jus ad bellum é a ONU, por meio do Conselho de
Segurança. O jus tractum das organizações internacionais é altamente limitado às �nalidades para as quais a
entidade foi criada. Ainda, as organizações internacionais não estabelecem relações diplomáticas (e, por isso, não
detêm jus legationem) — o máximo que realizam são os chamados acordos de sede. Além disso, as organizações não
governamentais são criadas por instrumentos de direito público interno e não de direito internacional (como os
tratados internacionais, por exemplo). Como regra, empresas e organizações não governamentais não possuem
personalidade jurídica internacional, mas existem casos excepcionais: Santa Sé, Cruz Vermelha, Itaipu Binacional e
Ordem dos Cavaleiros de Malta.
AULA 06
6. FORMAS DE RECONHECIMENTO DOS ESTADOS E DE GOVERNO.
O reconhecimento dos Estados no Direito Internacional produz apenas efeitos interpartes – parte que
reconhece e parte reconhecida.
NÃO SE TEM UMA DEFINIÇÃO PRECISA PARA O RECONHECIMENTO DE ESTADO.
PARA OS FINS DO DIREITO INTERNACIONAL, O RECONHECIMENTO DO ESTADO É UM “ATO
LIVRE PELO QUAL UM OU MAIS ESTADOS RECONHECEM A EXISTÊNCIA, EM UM TERRITÓRIO
DETERMINADO, DE UMA SOCIEDADE HUMANA POLITICAMENTE ORGANIZADA,
INDEPENDENTE DE QUALQUER OUTRO ESTADO EXISTENTE E CAPAZ DE OBSERVAR AS
PRESCRIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL” , TAL COMO DEFINIDO PELO INSTITUT DE
DROIT INTERNATIONAL NA SUA REUNIÃO DE BRUXELAS DE 1936, DE QUE FOI RELATOR
PHILIP MARSHALL BROWN.
Até o século XIX, entendia-se que o reconhecimento de um Estado tinha natureza jurídica
constitutiva, ainda que somente produzisse efeitos interpartes. Tal posicionamento, no entanto, derivava do
colonialismo, permitindo que o instituto do reconhecimento fosse utilizado com excessiva manipulação política.
Atualmente, o reconhecimento de um Estado possui natureza jurídica meramente declaratória, conforme dispõe a
Convenção de Montevidéu, de 1933.
A ideia de reconhecimento como ato declaratório tem fundamento no princípio da efetividade do
Direito Internacional: se, na realidade fática, determinada coletividade tem povo, território e governo independente,
trata-se de um Estado de fato e, por conseguinte, é um Estado de Direito. São formas de reconhecimento de um
Estado:
- EXPRESSO: Por meio de ato jurídico internacional que expressamente reconhece determinada
coletividade como Estado.
- TÁCITO: Por meio de ato não formalmente expresso reconhecendo determinada coletividade
como Estado. Por exemplo, a forma como o Reino Unido reconheceu o Brasil, que ocorreu por
meio do Tratado de Comércio de Navegação e Amizade em 1810;
- UNILATERAL: Por meio de ato unilateral do Estado que reconhece.
- BILATERAL: Por meio de tratado entre o Estado que reconhece e o Estado reconhecido.
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Tratados multilaterais não são instrumentos aptos a produzir o reconhecimento de Estados, pois, neles,
perde-se a reciprocidade. A mesma sistemática do reconhecimento de Estado pode ser aplicada ao instituto do
reconhecimento de governo, que, no entanto, possui certas peculiaridades. O reconhecimento de governo é
utilizado apenas quando há transições revolucionárias da ordem constitucional do país. O título de reconhecimento
de governo tem a sua importância no fato de que o governo é formado pelo conjunto de pessoas que pode
estabelecer relações jurídicas internacionais em nome do Estado, chamados de plenipotenciários.
Assim como o reconhecimento de Estado, o reconhecimento de governo pode ser utilizado como meio
de manipulação política. Para torná-lo um instituto menos aberto a eventuais manipulações políticas, foram criadas
algumas doutrinas com o objetivo de estabelecer critérios objetivos para o reconhecimento de governos. A maioria
delas, na verdade, acabou falhando. Apenas duas tiveram maior sucesso, ainda que parcial:
- DOUTRINA TOBAR: Criada por Carlos Tobar, Ministro das Relações Exteriores do Equador
em 1907, tem como fundamento o Princípio da Busca da Paz. Segundo ele, todo e qualquer
governo que tenha usado da força para tomar o poder seria ilegítimo, mesmo que fosse
ideologicamente alinhado com o Equador.
- DOUTRINA ESTRADA: Oriunda de Genaro Estrada, Ministro das Relações Exteriores do
México em 1930, entende que o reconhecimento de governo é um instituto imperialista. Com
fundamento no Princípio da Não Intervenção, a doutrina Estrada de�ne que todo e qualquer
governo deve ser reconhecido, ainda que tacitamente.
6.1. SUCESSÃO DE ESTADOS
Quando um Estado deixa de existir (i.e., a personalidade jurídica internacional), as obrigações que ele
criou não se extinguem, mas sim passam para os Estados sucessores.
Trata-se do princípio da continuidade. Para que um Estado deixe de existir, é necessária alguma
mudança drástica em algum de seus elementos: governo, território e povo, em especial estes dois últimos. A análise
de que um Estado deixou de existir e deu origem a outro passa pelo princípio da efetividade, ou seja, a veri�cação se
outras autoridades passam a exercer de modo efetivo os atributos da soberania em determinado lugar. A sucessão é
uma matéria fruto de costume preexistente e, por isso, não há um nome especí�co para suas formas. No entanto,
podem ser identi�cadas as seguintes formas:
- FUSÃO: Ocorre quando dois Estados se juntam para formar um terceiro. Por exemplo, a uni�cação
alemã de 1870.
- INCORPORAÇÃO: Ocorre quando um Estado incorpora outro, este deixa de existir e aquele se
torna um Estado maior ainda. Por exemplo, a reuni�cação alemã de 1989.
- SECESSÃO, DIVISÃO OU CISÃO: Ocorre quando um Estado deixa de existir e, em seu lugar,
surgem vários outros. Por exemplo, o �m da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
- DESMEMBRAMENTO: Ocorre quando um Estado grande, por um processo qualquer de revolta
interna, permanece, mas dele surgem outros Estados.
Registre-se que a cessão não é o caso de sucessão de Estados. Na sucessão, transfere-se o domínio
eminente e as propriedades do bem público, enquanto naquela há apenas a transferência territorial, ou seja, do
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domínio eminente. Conforme Rezek, na transferência territorial: “temos uma situação em que nenhuma soberania
surge ou desaparece.
Os Estados preexistentes subsistem com suas identidades. Apenas uma área territorial integrante de um
deles transfere-se para outro. Muda, pois, tão só a soberania incidente sobre essa parcela de território”. Em caso de
ausência de regras para a sucessão em tratados, o Direito Internacional costumeiro regerá a sucessão. Existem dois
tipos de sucessão:
- EM MATÉRIA DE TRATADOS: Nesse caso, as regras decorrem exclusivamente do Direito
Internacional geral (Estados não podem de�nir quem �ca obrigado a qual tratado).
Caso de fusão e incorporação: O Estado sucessor é membro de todos os tratados que os
Estados anteriores faziam parte. Somam-se todos os tratados, inclusive aquelesque possuem
obrigações incompatíveis entre si.
Caso da secessão e do desmembramento: A regra é que os Estados sucessores serão
membros de todos os tratados que o Estado anterior fazia parte.
- EM MATÉRIA DE BENS E DÍVIDAS: Nesse caso, as regras são oriundas de tratado e, na sua
ausência, caberá ao Direito Internacional costumeiro regular as situações.
Fusão e incorporação: Somam-se todos os bens e dívidas do Estado antecessor.
Casos de secessão e desmembramento: Deve haver uma repartição ponderada dos bens e
das dívidas de acordo com o critério da destinação da dívida.
EXEMPLO: Imagine-se que R tenha adquirido uma dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI)
para a construção de usina nuclear situada em BT, que consegue se tornar independente. BT, mesmo
sendo apenas 20% do antigo território de R, será responsável pela integralidade da dívida com o FMI.
6.2. IMUNIDADES
6.2.1. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
Imunidade de jurisdição é a isenção, por força de normas internacionais, originalmente costumeiras e
principiológicas ultimamente convencionais, da jurisdição penal, civil e administrativa do Estado Nacional. Existe,
portanto, uma norma de Direito Internacional que exclui a jurisdição nacional.
A imunidade de jurisdição é uma decorrência da soberania. Sobre o tema, vige o princípio par in parem
non habet imperium/jurisdictionis (o par entre seus pares não exerce império/jurisdição). Originalmente, tal
brocardo utilizava a denominação imperium, porém jurisdictionis é considerada uma versão mais moderna. Esse
princípio é uma decorrência direta da ideia de soberania.
O que é personalidade jurídica internacional? Segundo a famosa sentença do árbitro Wilbur, no caso
da ilha de Palmas, soberania seria a independência jurídica em face de outro Direito nacional. Em outras palavras, o
Brasil é soberano porque a Constituição norte-americana não vigora no Brasil.
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É preciso entender que a imunidade de jurisdição não é do diplomata, mas sim do Estado. Assim, o
diplomata possui imunidade de jurisdição porque ele é um funcionário público brasileiro que está no estrangeiro.
Dessa maneira, quando esse diplomata realiza um ato o�cial, este ato o�cial também não pode ser
apreciado pelo Judiciário norte-americano.
Aprofundando o tema, o termo “imunidade” pode estar se referindo à imunidade de Estado ou à
imunidade de pessoas (diplomatas e cônsules, especi�camente):
- RATIONE MATERIAE: Imunidade em razão da matéria ou imunidade.
- RATIONE PERSONAE: Imunidade em razão da pessoa ou imunidade.
De todo modo, é o Estado que é imune — seus atos são imunes. Distinguem-se, apenas para efeitos
didáticos, as imunidades em razão da matéria do ato e as imunidades em razão da pessoa. O brocardo par in parem
non habet imperium tem uma limitação, que é a chamada doutrina dos atos de Estado, oriunda do Direito
norte-americano.
A ideia é que um Estado é capaz de promover dois tipos de atos:
- ATOS DE JURE IMPERII (atos de império):Os atos de império decorrem do exercício do direito
da soberania estatal. Portanto, a imunidade de jurisdição só poderia ser relativizada se o próprio
Estado permitisse. Um ato de guerra é, por exemplo, um ato de império.
- ATOS DE JURE GESTIONES (atos de gestão): Quanto à ação militar no contexto de uma guerra,
há julgados no sentido de que ela constitui ato típico de império que confere ao Estado estrangeiro
imunidade à jurisdição brasileira, para responder à ação de indenização por danos morais e
materiais.
6.2.2. IMUNIDADE DE EXECUÇÃO
A regra é que não se pode penhorar bens afetos à o�cialidade. Por exemplo, se o Estado estrangeiro
possuir bens não afetos à o�cialidade, como seria o caso de um prédio comercial que utiliza para locação, é possível
haver a penhora.
Relembre-se que A imunidade de jurisdição é a isenção da jurisdição nacional sobre agente de direito
público externo e não se confunde com extraterritorialidade, que é a aplicação da jurisdição nacional em território
estrangeiro. As hipóteses taxativas de extraterritorialidade no Direito Internacional são:
- CESSÃO ADMINISTRATIVA: Trata-se da cessão de território sem transferência de soberania.
Não existe transferência de soberania, pois a cessão é provisória. Um dia será revertida ao Estado
que cedeu (ainda que não tenha prazo �xado), como é o caso de Hong Kong.
- OCUPAÇÃO MILITAR: Desde 1928, com o Pacto de Paris (ou Pacto Brien), a guerra foi proibida
no Direito Internacional, e não se aceita mais transferência de território pela conquista militar.
Então, quando há uma ocupação militar, essa ocupação também deverá ser provisória.
- SERVIDÃO INTERNACIONAL: São os casos em que um Estado exerce prerrogativas soberanas
sobre o território de outro Estado, como é o caso da Áustria, que faz o papel de polícia marítima de
Montenegro.
- PROTETORADO: No protetorado, existe um Estado protetor e um Estado protegido. A ideia é
que o Estado protegido possui uma espécie de limitação da sua capacidade e precisa de outro Estado
para conduzi-lo. É um sistema mais leve de pacto colonial. Nele, o Estado protetor não exerce todas
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as prerrogativas da metrópole, sendo responsável apenas pela: representação internacional do
Estado protegido; administração �nanceira do Estado protegido; segurança do Estado protegido; e
administração da justiça para estrangeiros dentro do Estado protegido. O Estado protegido,
portanto, tem as suas leis, seu sistema judiciário próprio para seu povo. Contudo, no momento em
que houver um con�ito envolvendo estrangeiro, não serão mais as leis nem o aparato Judiciário do
Estado protegido que entrarão em ação, mas sim as leis do Estado protetor.
- MANDATO/TUTELA: Envolve a �gura da metrópole e da colônia.
6.2.3. IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS
A imunidade, em razão da pessoa do diplomata, é extensiva, em primeiro lugar, à família do diplomata,
abrangendo todos os que vivem sob a dependência econômica dele. Quando o diplomata chega ao país, vai à
chancelaria e presta informações sobre si mesmo, sua identidade e a de seus familiares.
Tais familiares, ainda que recebam salário eventualmente por realizarem algum serviço à família do
diplomata (caso de doméstica que viajou para continuar seus serviços ao diplomata), estão cobertos pela imunidade.
A residência pessoal de todo o corpo diplomático e dos adidos goza de inviolabilidade.
Ainda, mala diplomática, correio, arquivos e quaisquer outros documentos são invioláveis onde quer
que se encontrem. Nesse sentido, as imunidades diplomáticas abrangem:
- IMUNIDADES PENAIS: Convenção de Viena de Relações Diplomáticas, de 1961, que foi
promulgada no Brasil pelo Decreto 56.435, de 8 de junho de 1965 — “Artigo 31: 1. O agente
diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado (...)”.
A imunidade penal é absoluta, sem exceções. A rigor, o diplomata não pode sequer ser tocado pelo
guarda, devido ao art. 29 do Decreto nº 56.435/1965.
A pessoa do agente diplomático é inviolável.
Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o
devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou
dignidade.
VOCÊ SABIA? O diplomata tem imunidade de jurisdição absoluta e a pessoa dele é inviolável.
Ainda, o diplomata não pode sequer ser testemunha. Isso evidencia que sua imunidade penal é tão ampla
que, mesmo em um crime do qual seja a única testemunha, ele não poderá ser intimado a depor. É preciso
autorização do Estado para depor como testemunha.
- IMUNIDADES CIVIS: Nas imunidades civis, o diplomata não tem tamanha extensão.
Em regra, terá ampla imunidade civil, salvo algumas exceções.
ARTIGO 31: 1. (...) GOZARÁ TAMBÉM DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO CIVIL E
ADMINISTRATIVA, A NÃO SER QUE SE TRATE DE: A) UMA AÇÃO REAL SOBRE IMÓVEL
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PRIVADO SITUADO NO TERRITÓRIO DO ESTADO ACREDITADO, SALVO SE O AGENTE
DIPLOMÁTICO O POSSUIR POR CONTA DO ESTADO ACREDITADO PARA OS FINS DA MISSÃO.
B) UMA AÇÃO SUCESSÓRIA NA QUAL O AGENTE DIPLOMÁTICO FIGURE, A TÍTULO PRIVADO
E NÃO EM NOME DO ESTADO, COMO EXECUTOR TESTAMENTÁRIO, ADMINISTRADOR,
HERDEIRO OU LEGATÁRIO. C) UMA AÇÃO REFERENTE A QUALQUER PROFISSÃO LIBERAL OU
ATIVIDADE COMERCIAL EXERCIDA PELO AGENTE DIPLOMÁTICO NO ESTADO ACREDITADO
FORA DE SUAS FUNÇÕES OFICIAIS. (Decreto nº 56.435/1965)
Um diplomata em Estado estrangeiro não pode trabalhar em qualquer outra função no Estado
acreditado, podendo ser somente diplomata.
Há a possibilidade de se tornar sócio investidor em eventuais sociedades existentes no Estado
acreditado — podendo apenas comprar ações preferenciais, que não proporcionam direito a voto. Tais vedações não
se aplicam ao diplomata no Estado acreditado.
Além das situações excepcionadas mencionadas anteriormente para as imunidades civis, há a exceção de
imunidade em relações trabalhistas que, apesar de não prevista expressamente na Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas, é fruto de um costume internacional.
6.2.4. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
A relação tributária é caracterizada pela sujeição, de modo que, como regra, a imunidade tributária do
diplomata é bastante ampla. Sobre a matéria, cabe a análise do art. 34 da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas:
ARTIGO 34. O AGENTE DIPLOMÁTICO GOZARÁ DE ISENÇÃO DE TODOS OS
IMPOSTOS E TAXAS, PESSOAIS OU REAIS, NACIONAIS, REGIONAIS OU MUNICIPAIS, COM AS
EXCEÇÕES SEGUINTES: A) OS IMPOSTOS INDIRETOS QUE ESTEJAM NORMALMENTE
INCLUÍDOS NO PREÇO DAS MERCADORIAS OU DOS SERVIÇOS; B) OS IMPOSTOS E TAXAS
SÔBRE BENS IMÓVEIS PRIVADOS SITUADOS NO TERRITÓRIO DO ESTADO ACREDITADO, A
NÃO SER QUE O AGENTE DIPLOMÁTICO OS POSSUA EM NOME DO ESTADO ACREDITANTE E
PARA OS FINS DA MISSÃO; C) OS DIREITOS DE SUCESSÃO PERCEBIDOS PELO ESTADO
ACREDITADO, SALVO O DISPOSTO NO PARÁGRAFO 4 DO ARTIGO 39; D) OS IMPOSTOS E TAXAS
SOBRE RENDIMENTOS PRIVADOS QUE TENHAM A SUA ORIGEM NO ESTADO ACREDITADO E
OS IMPOSTOS SOBRE O CAPITAL REFERENTES A INVESTIMENTOS EM EMPRÊSAS COMERCIAIS
NO ESTADO ACREDITADO; E) OS IMPOSTOS E TAXAS QUE INCIDEM SÔBRE A REMUNERAÇÃO
RELATIVA A SERVIÇOS ESPECÍFICOS; F) OS DIREITOS DE REGISTRO, DE HIPOTECA, CUSTAS
JUDICIAIS E IMPÔSTO DE SELO RELATIVOS A BENS IMÓVEIS, SALVO O DISPOSTO NO ARTIGO
23. (Decreto nº 61.078, 1967)
6.2.5. IMUNIDADES CONSULARES
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Da mesma forma que as imunidades diplomáticas, as imunidades consulares são um instituto
composto pela imunidade de jurisdição, imunidade de execução (ou de inviolabilidade) e por certas prerrogativas. O
cônsul possui menos imunidades que o diplomata.
Como regra, sua imunidade abrange apenas atos do ofício do consulado. Isso porque o cônsul tem
uma função relativamente menos importante do que a do diplomata:
- Diplomata: Leva adiante a política internacional do país.
- Cônsul: Atua com o objetivo de zelar pelos interesses dos seus nacionais no Estado estrangeiro. O
cônsul não tem direito à sua própria imunidade.
Trata-se de uma prerrogativa do Estado, cabendo a renúncia apenas pelo chefe da missão diplomática.
Ainda, a imunidade do cônsul não se estende à família e, apesar de a repartição consular ser inviolável, a sua
residência pessoal não é. As imunidades consulares abrangem:
- IMUNIDADES PENAIS
Sobre o tema, aplica-se o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, que foi
promulgada no Brasil pelo Decreto nº 61.078, de 26 de Julho de 1967:
ARTIGO 41. INVIOLABILIDADE PESSOAL DOS FUNCIONÁRIOS CONSULARES. 1. OS
FUNCIONÁRIOS CONSULARES NÃO PODERÃO SER DETIDOS OU PRESOS PREVENTIVAMENTE,
EXCETO EM CASO DE CRIME GRAVE E EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO DE AUTORIDADE,
JUDICIÁRIA COMPETENTE. (Decreto nº 61.078, 1967)
O dispositivo trata tanto da imunidade de jurisdição quanto da inviolabilidade. Nos dois casos, o
cônsul somente é imune a crimes que não sejam considerados graves, portanto, pode ser preso, inclusive de forma
cautelar, quanto à prática de crimes graves. A Convenção não fez qualquer de�nição sobre o conceito de crime
grave, ou seja, é uma norma internacional em branco, e a sua de�nição cabe ao Direito interno de cada Estado. No
Brasil, não há uma de�nição legal ou sumulada de crimes graves, então se aplica a jurisprudência do STF, que
utilizou algumas de�nições para crime grave.
Na decisão mais antiga, o STF equiparou crimes graves aos crimes hediondos. Sem dúvida, crimes
hediondos são graves, mas existem poucos crimes hediondos previstos em lei. Ocorreu, então, um caso de um
cônsul israelense que cometeu o crime de pedo�lia, mas sem conjunção carnal, o que retirava a con�guração como
crime de estupro e, portanto, hediondo.
Na oportunidade, o STF (HC nº 81.158), em voto da relatora Ellen Gracie, equiparou crime grave aos
crimes que não estavam incluídos na Lei dos Juizados Especiais Criminais, que julga crimes cuja pena máxima em
abstrato não ultrapasse dois anos, considerados crimes de menor potencial lesivo (art. 61 da Lei nº 9.099/1995).
Desse modo, todos os crimes fora da competência do Juizado Especial Criminal seriam considerados graves.
A grande crítica é que o Brasil utilizou uma de�nição de Direito Processual para interpretar o Direito
Material, gerando distorções em relação ao princípio da reciprocidade, uma vez que, por exemplo, Israel possui uma
de�nição em lei — crimes graves são aqueles contra a vida. Nesse sentido, o Brasil interpretou uma norma de
Direito Internacional com base em seu Direito interno, o que é considerado um erro em termos de interpretação do
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Direito Internacional.
O art. 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (Decreto nº 7.030/2009) prevê
que os critérios de interpretação a serem utilizados são o literal, o contextual e o teleológico. De todo modo, a regra é
que um cônsul, se cometer crime cuja pena máxima em abstrato é de mais de dois anos, pode ser processado,
condenado e até mesmo preso.
O único tipo de prisão cautelar — antes do trânsito em julgado — que se aplica ao cônsul é a prisão
preventiva, pois ele somente pode ser preso por meio de mandado judicial. Sendo assim, não se aplica a prisão
temporária nem a prisão em �agrante.
VOCÊ SABIA? O cônsul pode depor desde que com hora marcada, para que não atrapalhe o ofício do
serviço consular. O depoimento é colhido no próprio consulado.
- IMUNIDADES CIVIS
No que se refere às imunidades civis, o cônsul possui menor proteção do que os diplomatas. Não se
aplica a imunidade para contratos realizados fora do ofício do cônsul nem para ação de danos causados por acidente
de veículo, navio ou transporte, na forma do art. 43 da Convenção de Viena das Relações Consulares:
ARTIGO 43. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. 1. OS FUNCIONÁRIOS CONSULARES E OS
EMPREGADOS CONSULARES NÃO ESTÃO SUJEITOS À JURISDIÇÃO DAS AUTORIDADES
JUDICIÁRIAS E ADMINISTRATIVAS DO ESTADO RECEPTOR PELOS ATOS REALIZADOS NO
EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES CONSULARES. 2. AS DISPOSIÇÕES DO PARÁGRAFO 1º DO PRESENTE
ARTIGO NÃO SE APLICARÃO, ENTRETANTO, NO CASO DE AÇÃO CIVIL: A) QUE RESULTE DE
CONTRATO QUE O FUNCIONÁRIO OU EMPREGADO CONSULAR NÃO TIVER REALIZADO
IMPLÍCITA OU EXPLICITAMENTE COMO AGENTE DO ESTADO QUE ENVIA; OU B) QUE SEJA
PROPOSTA POR TERCEIRO COMO CONSEQUÊNCIA DE DANOS CAUSADOS POR ACIDENTE DE
VEÍCULO, NAVIO OU AERONAVE, OCORRIDO NO ESTADO RECEPTOR. (Decreto nº 61.078)
- IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
O cônsul tem as mesmas imunidades tributárias que os diplomatas, ou seja, não está submetido ao
poder do Estado estrangeiro tanto quanto o diplomata. O cônsul possui, ainda, determinadas prerrogativas. Nesse
sentido, detém três grandes grupos de liberdade:
- LIBERDADE DE MOVIMENTO: Encontra previsão no art. 34 da Convenção de Viena das
Relações Consulares.
O cônsul somente pode ter a sua liberdade de movimento restringidase houver lei de segurança
nacional sobre o assunto.
Nesse sentido, não pode ter seu acesso limitado para trânsito em repartições públicas, a não ser que
haja lei de segurança nacional estipulando a restrição.
- LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO: Encontra previsão no art. 35 a 38 da Convenção de Viena
das Relações Consulares. Tal liberdade se desdobra em dois direitos: direito do cônsul de falar com
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
os seus nacionais e o direito dos nacionais de serem assistidos pelo cônsul.
- LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO COM AS AUTORIDADES DO ESTADO QUE O
ENVIOU: Os cônsules honorários, que não são cônsules de carreira, são aqueles designados para
determinada localidade, que, em regra, possui menor contingente de pessoas, para atuar na defesa
dos direitos e na assistência, emergencial ou não, aos nacionais do Estado que o enviou.
O cônsul honorário não precisa ser nacional do país que o enviou, por exemplo, o cônsul da França
em Santa Catarina é brasileiro.
Nesse caso, o cônsul terá apenas as imunidades tributárias dos cônsules de carreira.
AULA 07
7. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO E SISTEMA
INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
As regras de responsabilidade internacional são mais so�sticadas do que as regras de responsabilidade
civil. Trata-se de matéria inteiramente costumeira. Até existem alguns sistemas codi�cados de responsabilidade, mas
apenas para áreas temáticas especí�cas, por meio de tratados.
EXEMPLO: Em matéria de Direito do Comércio Internacional, os acordos constitutivos da
Organização Mundial do Comércio (OMC) criaram um sistema de responsabilidade próprio, envolvendo
um órgão de solução de controvérsias. Em matéria de direitos humanos, há dois tipos de sistemas de
proteção dos direitos humanos: o sistema universal e os sistemas regionais, com previsão de
responsabilidade nos tratados. No entanto, de modo geral, não há regras escritas para a responsabilidade
internacional do Estado, elas derivam, sobretudo, do costume.
A responsabilidade internacional do Estado é completamente independente da responsabilidade civil.
Desde 1950, a Comissão de Direito Internacional (CDI) da Assembleia Geral da ONU trabalha em um projeto de
tratado sobre a responsabilidade internacional dos Estados.
Para tanto, utiliza diversos costumes do Direito Internacional e sistematiza-os, transformando-os em
texto único. Trata-se de um projeto, não está em vigor, mas é um bom re�exo para a compreensão dos costumes
relacionados à matéria da responsabilidade internacional do Estado.
Segundo o art. 2º do Projeto: ART. 2º ELEMENTOS DE UM ATO INTERNACIONALMENTE
ILÍCITO DO ESTADO HÁ UM ATO INTERNACIONALMENTE ILÍCITO DO ESTADO QUANDO A
CONDUTA, CONSISTINDO EM UMA AÇÃO OU OMISSÃO: A) É ATRIBUÍVEL AO ESTADO
CONSOANTE O DIREITO INTERNACIONAL; E B) CONSTITUI UMA VIOLAÇÃO DE UMA
OBRIGAÇÃO INTERNACIONAL DO ESTADO. (PROJETO DA ONU SOBRE RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DOS ESTADOS)
“Atribuível” signi�ca a atributividade ou o nexo de imputação, que é o primeiro elemento da
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
responsabilidade civil, enquanto o segundo elemento é o ato ilícito. O dano não é considerado um elemento
caracterizador da responsabilidade, mas apenas uma consequência. Isso porque, em diversas oportunidades, não é
possível medi-lo ou pré determiná-lo, como no caso de danos ambientais.
ATO ILÍCITO: Entende-se ato ilícito como uma violação de uma norma de Direito Internacional (e
não de Direito interno). Outra observação importante é que existe uma distinção entre crime e delito internacional,
ainda que tal distinção tenha perdido sentido na atualidade:
Crime internacional seria todo ato ilícito cometido pelo Estado;
Delito internacional seria todo ato ilícito cometido por um particular nos casos clássicos de
responsabilização internacional do indivíduo. Tal divisão perdeu sua valia diante da ideia de crime internacional,
que são crimes no sentido penal do termo, atraindo a responsabilização internacional do indivíduo. •
IMPUTABILIDADE Trata-se da relação entre a conduta delituosa e a pessoa que é responsável por ela.
Não vai ser necessariamente quem fez aquela conduta.
ART. 4º CONDUTA DOS ÓRGÃOS DE UM ESTADO 1. CONSIDERAR-SE-Á COMO ATO DO ESTADO,
SEGUNDO O DIREITO PÚBLICO INTERNACIONAL, A CONDUTA DE QUALQUER ÓRGÃO DO
ESTADO QUE EXERÇA FUNÇÃO LEGISLATIVA, EXECUTIVA, JUDICIAL OU OUTRA, QUALQUER
QUE SEJA SUA POSIÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E INDEPENDENTE DE SE TRATAR DE
ÓRGÃOS DO GOVERNO CENTRAL OU DE UNIDADE TERRITORIAL DO ESTADO. 2.
INCLUIR-SE-Á, COMO ÓRGÃO, QUALQUER PESSOA OU ENTIDADE QUE TENHA TAL STATUS
DE ACORDO COM O DIREITO INTERNO DO ESTADO. (PROJETO DA ONU SOBRE
RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS)
IMPUTABILIDADE DIRETA: Uma ação de qualquer agente público, no exercício da sua pro�ssão,
acarreta a responsabilidade internacional do Estado. Trata-se do caso em que o próprio Estado comete o ato ilícito
— e não um terceiro —, sendo um caso de imputabilidade direta. O Legislativo comete ato ilícito internacional
toda vez que produz lei contrária a uma norma internacional. No mesmo sentido, o Judiciário comete ato ilícito
internacional quando pratica a denegação de justiça, ou seja, di�culta a produção de provas, demora
desarrazoadamente no julgamento. Como regra geral, a ação de particulares não acarreta responsabilidade
internacional para o seu Estado.
No entanto, existem algumas exceções que, mesmo praticadas por particulares, acarretam a
responsabilidade internacional por imputação direta:
- FUNCIONÁRIO DE FATO: Em determinada situação, o particular assume o exercício de uma
função pública.
- MOVIMENTO INSURRECIONAL: Caso em que os particulares estão lutando contra o governo
estabelecido. Este entende que os particulares estão cometendo crimes tipi�cados no Direito
interno, enquanto os particulares entendem que eventual prática de crime é o único meio para
derrubar o governo. Se o movimento insurrecional tomar o governo e houver praticado atos ilícitos
do ponto de vista do Direito Internacional, pode haver responsabilidade internacional do Estado.
Se o movimento insurrecional perde força e não consegue tomar o poder, sua eventual
responsabilização será pelo Direito interno.
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- AÇÃO DE PARTICULAR CONTRA PESSOA INTERNACIONALMENTE PROTEGIDA:
É o caso de um crime de sequestro de diplomata americano no Brasil. O criminoso será
responsabilizado pelo direito interno, e o Brasil será responsabilizado do ponto de vista do Direito
Internacional. Isso porque, no caso, o Brasil tem o dever de garantir a segurança do diplomata e foi
negligente no cumprimento de seu dever.
IMPUTABILIDADE INDIRETA: Ocorre quando um indivíduo comete um ato
internacionalmente ilícito e um terceiro Estado é responsabilizado pela conduta.
A responsabilidade por imputabilidade indireta não pode ser presumida, deve estar expressa em norma
internacional. Pode ocorrer nos casos de tutela, comodato, protetorados, regime de associação entre Estados.
Existem três formas de reparação:
- Restituição: Com previsão no art. 35 do Projeto da ONU sobre Responsabilidade Internacional
dos Estados. Toda vez que a restituição for impossível ou insu�ciente, é possível requerer a
indenização.
- Indenização: É estabelecida no art. 36.2: “a indenização deverá cobrir qualquer dano suscetível de
mensuração financeira, requerendo lucros cessantes na medida da sua comprovação”.
A natureza jurídica da responsabilidade internacional não é punitiva, mas sim restauradora. Por conta
disso, não existe indenização por danos indiretos no Direito Internacional, mas somente pelos danos diretos, bem
como eventuais lucros cessantes.
- Satisfação: Trata-se de reparação de índole moral: “o Estado responsável por um ato
internacionalmente ilícito tem a obrigação de dar a satisfação pelo prejuízo causado por aquele ato,
desdeque ele não possa ser reparado pela restituição, ou pela indenização” (art. 37.1, Projeto da ONU
sobre Responsabilidade Internacional dos Estados).
“A satisfação pode constituir em um reconhecimento da violação, uma expressão de arrependimento, uma
desculpa formal ou outra modalidade apropriada” (art. 37.2). Trata-se, portanto, de um pedido diplomático de
desculpa.
7.1. EXCLUDENTES DE ILICITUDE
São aspectos que podem excluir a ilicitude de um ato estatal: consentimento; legítima defesa;
contramedidas; força maior e perigo extremo; dever de cumprimento de jus cogens.
a) Consentimento: Possui como exemplo clássico a França de Vichy. Nesse caso, a França foi invadida
pela Alemanha, e uma parte do território francês �cou com a Alemanha e a outra parte com o governo francês de
Vichy. O Estado francês, vítima no caso, concordou com a divisão, ainda que possa ser considerado um
consentimento viciado.
“A FIM DE QUE NÃO SEJA O CONSENTIMENTO UTILIZADO DE FORMA POLÍTICA A
FAVOR DE ESTADOS FORTES EM DETRIMENTO DE ESTADOS FRACOS, É QUE A MELHOR
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DOUTRINA ELENCA SEREM CONDIÇÕES PARA O CONSENTIMENTO QUE ESTE SEJA (A) REAL, (B)
VÁLIDO EM DIREITO DAS GENTES, (C) ATRIBUÍVEL INTERNACIONALMENTE AO ESTADO
LESIONADO E (D) ANTERIOR À PRÁTICA DO ATO CUJA ILICITUDE SE PRETENDE EXCLUIR.
(MAZZUOLI, 2019, p. 832)”
b) Legítima defesa: Diante de uma injusta agressão, o Estado busca repelir por meio de agressão. No
Direito Internacional, para haver legítima defesa de terceiro, chamada de legítima defesa coletiva, não se pode
presumir nenhum ato, deve haver um liame entre os Estados, que será um tratado, como é o caso da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
“OS ATOS DE LEGÍTIMA DEFESA AFASTAM A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
DO ESTADO, MAS SÓ PODEM SER APLICADOS QUANDO EXISTIR UM DANO ANTERIORMENTE
VERIFICADO, DECORRENTE DE ATAQUE ARMADO CONTRA UM MEMBRO DAS NAÇÕES
UNIDAS. OU SEJA, O EXERCÍCIO DA LEGÍTIMA DEFESA PRESSUPÕE SEMPRE UMA AGRESSÃO
ARMADA INJUSTA (SEM CAUSA) E UMA REAÇÃO ESTATAL IMEDIATA, LEVADA A EFEITO PELA
NECESSIDADE DE DEFESA, NECESSÁRIA À PRESERVAÇÃO DE PESSOAS E DA DIGNIDADE DO
ESTADO. ESSA REAÇÃO DO ESTADO DEVE DAR-SE POR MEIO DE UMA MEDIDA LÍCITA DE
DEFESA, MANIFESTADA DE MANEIRA ADEQUADA E PROPORCIONAL AO ATAQUE OU AO
PERIGO IMINENTES. (MAZZUOLI, 2019, p. 833)”
c) Contramedidas: Não há, no Direito Internacional, um órgão central que aplique as sanções. Os
Estados, quando lesados, oportunizam ao Estado violador restituir, indenizar ou satisfazer aquele dano. Caso não
seja o caso, podem aplicar sanções, sobretudo pecuniárias, que são consideradas contramedidas. Devem ser
contramedidas proporcionais, limitadas no tempo enquanto durar a violação.
d) Força maior e perigo extremo: No Direito Internacional, não se distinguem caso fortuito e força
maior. Nos termos da minuta de projeto da ONU, será excluída a ilicitude de um ato estatal em desacordo com
uma obrigação internacional se o autor do ato em questão não dispõe de nenhum outro modo razoável, em uma
situação de perigo extremo, de salvar a vida do autor ou vidas de outras pessoas con�adas aos seus cuidados (art. 24,
§ 1º).
A ilicitude, porém, não será excluída se: (a) a situação de perigo extremo decorrer, unicamente ou em
combinação com outros fatores, da conduta do Estado que a invoque, ou (b) for provável que o ato em questão crie
um perigo comparável ou maior (art. 24,§ 2º) (MAZZUOLI, 2019).
e) Dever de cumprimento de jus cogens: Quando o ato internacionalmente ilícito é uma violação de jus
cogens, existem consequências especiais:
(i) há o dever de encerrar a violação, que, na verdade, é comum a todas as violações;
(ii) há o dever de não reconhecer como lícita nenhuma situação decorrente da violação de jus cogens;
(iii) há uma pluralidade de legitimados para arguir a violação. Em outras situações, apenas o Estado
ofendido detém legitimidade para invocar a violação, podendo iniciar procedimento perante cortes internacionais.
No caso de violação de jus cogens, a comunidade internacional como um todo é considerada
legitimada.
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Vale mencionar a proteção diplomática, que é um instituto distinto da responsabilidade internacional,
mas, ainda assim, muito próximos. A proteção diplomática tem por objetivo proteger os nacionais do Estado que
estão no estrangeiro e sofrem com duvidosas restrições judiciais de direito interno do Estado estrangeiro.
Nesse caso, o Estado do nacional pode conceder o endosso, ou seja, a proteção diplomática, de modo
que a discussão migra do direito interno para o direito internacional, para ser julgada por cortes internacionais. Tal
instituto foi desenhado, sobretudo, para presos políticos. Existem dois requisitos para a concessão do endosso:
- O particular deve ser nacional do Estado para o qual requer a proteção diplomática; e
- Os recursos internos no Estado estrangeiro devem estar esgotados.
7.2. DOMÍNIO AÉREO
O espaço aéreo é dividido em dois regimes jurídicos:
- Espaço aéreo atmosférico
- Espaço aéreo extra-atmosférico, não atmosférico ou cósmico
A distinção entre espaço aéreo atmosférico e não atmosférico é bastante imprecisa. Basicamente, a
distinção entre os espaços aéreos é veri�cada a partir do veículo que ali trafega. Se for um avião ou helicóptero,
trata-se de espaço aéreo atmosférico. Se for um satélite, espaçonave ou mesmo um balão atmosférico, trata-se do
espaço aéreo cósmico.
O interessante é que, em voos intercontinentais, o avião pode estar acima do balão atmosférico e, no
entanto, será regido pelo espaço aéreo atmosférico, ao passo que o balão será regido pelo espaço aéreo cósmico.
O espaço aéreo atmosférico se divide em:
- ESPAÇO AÉREO SOBERANO: Espaço aéreo acima do território terrestre e marítimo dos
Estados. Nenhuma aeronave, salvo as autorizadas pelo Estado, podem trafegar no espaço aéreo
soberano. Inclusive, não há direito de passagem inofensiva no espaço aéreo soberano.
- ESPAÇO AÉREO LIVRE: Espaço aéreo acima do alto mar. Pode trafegar quem quiser. Se não
houver nenhuma norma jurídica regulando a situação e uma aeronave violar o espaço aéreo de um
Estado, a regra geral é o abate. As três convenções de Chicago de 1944 suavizam o direito de abate,
ou seja, reduzem as suas possibilidades. Tais convenções criaram o regime de navegação da aviação
civil e estipularam o sistema das cinco liberdades, justamente, com o objetivo de restringir as
possibilidades de abate.
Por meio desse sistema: “ (...) O PARADIGMA DA SOBERANIA AÉREA (PELO QUAL NADA PODE HAVER
ACIMA DO ESTADO QUE NÃO LHE DIGA RESPEITO) HAVERIA DE SUBSTITUIRSE PELO DA
LIBERDADE MONITORADA OU VIGIADA DO AR; A LIBERDADE, AINDA QUE SOB FISCALIZAÇÃO,
DEVERIA PREVALECER À IDEIA DE SOBERANIA ABSOLUTA SOBRE O ESPAÇO AÉREO
CORRESPONDENTE À BASE FÍSICA DO ESTADO (TERRITÓRIO E MAR TERRITORIAL). TAIS
LIBERDADES, PORTANTO, LIMITAM AS SOBERANIAS COMPREENDIDAS DE PER SI, PARA O FIM
DE FACILITAR O TRÂNSITO DE PESSOAS E DE COISAS AO REDOR DO MUNDO. (MAZZUOLI, 2019,
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p. 1.240)”
Trata-se de um sistema progressivo no sentido de que somente é possível ter a liberdade subsequente se possuir a
liberdade antecedente: só pode ter a segunda liberdade se detiver a primeira, e assim sucessivamente. Portanto,
aquele que possui a quinta liberdade possui todas as demais antecedentes. As duas primeiras liberdades são de
natureza técnica, e as três últimas liberdades são comerciais:
1. LIBERDADE DE SOBREVOO: Possível obter simplesmente sendo um membro das Convenções
de Chicago de 1944. Por meio dessa liberdade, os países permitem o sobrevoo de aeronaves estrangeiras sobre o seu
território soberano desde que respeitadas duas condicionantes: a) obedecer a determinadas rotas pré-�xadas; e b)
impossibilidade de sobrevoar determinadas áreas que são restritas por razões de segurança nacional.Em 1984, foi
assinado o Protocolo de Montreal. Todos os Estados que forem membros da Organização da Aviação Civil
Internacional (OACI) e do Protocolo de Montreal de 1984 devem seguir a orientação de que, se uma aeronave se
afastar das rotas ou se inadvertidamente entrar em espaço aéreo restrito, ela não será derrubada, mas terá o seu
pouso forçado por meio de comunicação de rádio. No caso de ausência de resposta, será possível o abate;
2. LIBERDADE DE ESCALA TÉCNICA: Todos os países membros da OACI podem, se assim
quiserem, emitir uma declaração unilateral dizendo que aceitam a liberdade de escala técnica. Tal liberdade permite
que, se uma aeronave tiver qualquer problema (como falta de combustível), ela poderá pousar nos países que
�zeram essa declaração. No entanto, nenhuma pessoa pode entrar ou sair do avião, a não ser por autorização
expressa da autoridade do país;
3. LIBERDADE DE DESEMBARQUE DE PASSAGEIROS E BENS ORIUNDOS DO ESTADO
PATRIAL;
4. LIBERDADE DE EMBARQUE DE PASSAGEIROS E BENS DESTINADOS AO ESTADO
PATRIAL;
5. EMBARQUE E DESEMBARQUE DE PASSAGEIROS E BENS DENTRO DE UMA
CONVENÇÃO DE TRÁFEGO: uma convenção de tráfego é um tratado multilateral celebrado entre todos os
países que possuem tratados bilaterais entre si. Por exemplo, o Brasil possui tratados bilaterais com a França, a
Alemanha e o Marrocos para permitir a terceira e quarta liberdades. Tais países possuem, respectivamente, tratados
entre si também para a terceira e quarta liberdades.
Nesse caso, os Estados poderão celebrar uma convenção de tráfego. Para as liberdades três e quatro, é
necessário um tratado bilateral entre os países que �zeram a declaração de que aceitam escala técnica.
7.3. O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
O sistema internacional de proteção aos direitos humanos é composto por dois subsistemas e cada
subsistema possui diversos institutos. Os subsistemas são o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e
o Direito Internacional Humanitário (DIH).
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O DIDH tem origem em 1945 com a Carta da ONU e com a Declaração Universal de Direitos
Humanos. O DIH é mais antigo, originado em 1864, com a criação da Cruz Vermelha. Existem três correntes sobre
como se estabelece a relação entre os dois sistemas:
- Primeira tese: Defendida principalmente por militantes do DIH, entende que os dois ramos devem
ser distintos e devem ter o mínimo de relações possível, justamente para garantir a maior autonomia
do DIH — o DIH é considerado mais e�caz e não pode ser contaminado pelos modos de solução
de controvérsia do DIDH.
- Segunda tese: Entende que os dois ramos são dependentes, pois ambos devem ser para proteção de
direitos humanos, além de defender que direitos humanos em tempos de guerra e em tempos de paz
possuem o mesmo tratamento.
- Terceira tese: Do professor Celso de Albuquerque Melo, defende o integracionismo, ou seja, que os
dois ramos têm de se relacionar, porque ambos estão versando sobre direitos humanos, mas é bom
salvaguardar a autonomia de um e de outro em alguns aspectos.
7.3.1. ATOS PROCESSUAIS DO DIREITO INTERNACIONAL E PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos se origina depois da Segunda Guerra Mundial, com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Tal declaração foi emblemática, pois é uma declaração da
Assembleia Geral da ONU e, portanto, soft law, mas é uma soft law que tem um valor histórico alto, tanto que
Norberto Bobbio, no livro a Era dos Direitos, a�rmou que havia se tornado hard law. Há uma ligação direta entre
as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e a reação que se fez em relação à matéria de direitos humanos
(PIOVESAN, 2019).
A origem desse fenômeno é jusnaturalista, pois o Direito positivo alemão autorizou o holocausto.
A declaração de direitos humanos possui uma estrutura pré-de�nida. Inicia-se sempre com uma
cláusula de não discriminação ou um non discrimini.
Em seguida, são elencados os direitos humanos de primeira geração. A formulação clássica de que “são
os direitos que exigem uma abstenção do Estado” pode induzir ao erro, pois, mesmo os direitos negativos podem
exigir uma prestação e não uma simples abstenção do Estado. Por exemplo, o direito à vida, que é um direito
negativo de primeira geração, propõe que o Estado não pode matar seus súditos, mas deve também prover
segurança.
- SOFT LAW: é um quase-direito. No Direito Internacional, é referido também como droit mou, o
qual corresponde a regras cujo valor normativo é limitado e que não são juridicamente obrigatórias.
- HARD LAW: é o oposto do soft law: lei rígida e refere-se a instrumentos e legislações vinculativas
reais.
Portanto, direitos de primeira geração não são totalmente absenteístas. Desse modo, para realizá-los,
não há um esforço �nanceiro tão grande como nos direitos de segunda geração, mas eles também não são
absenteístas. Os direitos de primeira geração têm como foco o homem em abstrato, enquanto os direitos de segunda
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geração analisam o homem em concreto. Os direitos de terceira geração, chamados direitos difusos e coletivos no
direito interno, são titularizados pelas gerações futuras, ou seja, seu titular é totalmente abstrato.
No próprio ano de 1948, surge o primeiro tratado, norma de hard law, de direitos humanos. Trata-se
da convenção para a repressão do crime de genocídio, tratando o crime de genocídio como sujeito à jurisdição
universal, ou seja, qualquer país pode ter competência para, em querendo, processar e julgar um genocídio ocorrido
em qualquer lugar do mundo e contra qualquer povo.
Em 1951, surge a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados. Posteriormente, foi criado o
Protocolo do Estatuto dos Refugiados e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (1965), com o objetivo de solucionar o apartheid, que ocorria na África do Sul e na Namíbia.
O apartheid é um crime de jus cogens, sendo considerado mais grave que o racismo. O apartheid é uma política
o�cial do governo de segregação, enquanto o racismo é um crime que pode ser cometido por qualquer ser humano,
independente de aparato estatal.
No ano de 1966, surge o Pacto Internacional sobre Direito e Dever Político, bem como o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Pouco tempo depois, surgem as convenções regionais de
direitos humanos.
Em 1979, surge a Convenção de Eliminação de Discriminação contra a Mulher
No ano de 1984, foi criada a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas ou Degradantes. Em 1989, surge a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Nos anos de 2003 e 2007, respectivamente, foram criadas a Convenção de Mérida: Convenção das
Nações Unidas Contra a Corrupção e a Convenção dos Direitos das Pessoas com De�ciência. Todas essas
convenções formam o Sistema Internacional de Direitos Humanos. Trata-se de um sistema, pois é uma lógica:
inicialmente, houve uma declaração universal — declaração interpretativa da Carta da ONU, com força
convencional mesmo sendo soft law.
Posteriormente, surgiram convenções mais prementes, como as que combatem o genocídio e o
apartheid. Em seguida, foram criadas as convenções universais propriamente ditas, sobre todos os direitos humanos
– civis, políticos, sociais e econômicos.
As características dos direitos humanos são as seguintes:
- UNIVERSALIDADE;
- UNIDADE;
- EFICÁCIA ERGA OMNES;
- IRRETROATIVIDADE;
- PRINCÍPIO PRO HOMINE: Assegura, no con�ito de normas, aquela que mais amplia os direitos
e garantias fundamentais da pessoa humana. Tal concepção ocidental e moderna de direitos
humanos é universalizável, mas não universal, ou seja, pode ser estendida para todas as culturas, mas
tem seu nascimento atrelado a pressupostos culturais especí�cos do ocidente. Por isso, outras
culturas aderem aos direitos humanos, porém tomando como base outros pressupostos.20
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EXEMPLO
Os muçulmanos rati�caram a Convenção de Eliminação de Discriminação contra a Mulher, porém
interpretam-na tendo como pressuposto a Sharia. Determinar a existência de um núcleo duro e intangível
de direitos humanos é complicado e está sujeito a exceções culturais. Por �m, vale ressaltar que Direitos
Humanos é uma matéria que perpassa outros ramos do Direito. Então, há, por exemplo, direitos humanos
em tratados de comércio e tributação. Por tal razão, é di�cultoso tentar criar arti�cialmente um ramo de
Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois é estudado por diversas outras disciplinas.
7.3.2. SISTEMA DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO ESTRANGEIRO
O direito costumeiro impõe a um Estado estrangeiro dois sistemas de possibilidades: o primeiro é a
garantia de standards mínimos de proteção ao estrangeiro; e o segundo é a edição de lei nacional no Estado para
equiparar o estrangeiro ao nacional, que é, inclusive, o sistema adotado no Brasil — existe uma isonomia de
tratamento entre os direitos dos nacionais e dos estrangeiros, salvo algumas exceções relacionadas a condições
especí�cas da nacionalidade.
De um modo geral, uma violação a um estrangeiro que não seja pessoa internacionalmente protegida
não gera responsabilidade internacional para o Estado. A eventual violação a um estrangeiro será resolvida de
acordo com o Direito interno.
ATENÇÃO: A partir do estudo da proteção do estrangeiro, mais especi�camente do instituto da proteção
diplomática, �xou-se, como pré-requisito para a responsabilização do Estado em matéria de direitos
humanos, a necessidade de esgotamento dos recursos internos. Trata-se de uma regra estabelecida pelo
costume, de modo que a competência do Direito Internacional em matéria de direitos humanos será
sempre subsidiária, ainda que em caso de violações graves. Existe uma discussão se a obrigação do
esgotamento dos recursos internos seria um elemento da própria ideia de responsabilização internacional
em matéria de direitos humanos e, portanto, teria natureza substantiva, ou se seria uma questão
meramente processual. As fontes regionais dos direitos humanos têm entendido que o esgotamento dos
recursos internos é uma pré-exigência meramente processual, e não substantiva. A Corte Interamericana
de Diretos Humanos, por exemplo, tem jurisprudência consolidada nesse assunto. A ideia, para o sistema
interamericano, é que devem ser esgotados os recursos internos, se eles existirem, evidentemente, e se eles
forem justos. O sistema de proteção universal dos direitos humanos divide-se em sistema universal e
sistemas regionais. O sistema universal é caracterizado, basicamente, pelo monitoramento e pela
conciliação, não sendo um sistema judicial, ou seja, de solução de con�itos.
7.3.2.1. SISTEMAS REGIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
Há os sistemas europeu, o norte-americano e o africano.
O sistema europeu e o sistema norte-americano surgiram na mesma época, sendo que o sistema
africano possui algumas peculiaridades em relação aos outros dois. Todos eles foram pensados para ter uma
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estrutura idêntica:
- UMA COMISSÃO DE INQUÉRITO;
- UMA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO;
- UMA COMISSÃO DE MONITORAMENTO
Portanto, os sistemas teriam comissões para o recebimento de relatórios periódicos dos Estados,
podendo produzir pareceres a serem levados para outras instâncias do sistema, a �m de apurar eventual dolo do
Estado. Ainda, as comissões realizariam um �ltro para os litígios a serem levados à Corte envolvendo indivíduos —
Estados poderiam levar seus casos diretamente para a Corte Regional.
COMENTÁRIO:
Paralelo a esse desenvolvimento que estava ocorrendo em matéria de direitos humanos, um movimento na
Europa estava experimentando o processo da união das comunidades europeias. Por conta do esforço
integracionista, por meio do Protocolo 11, foi extinta a Comissão Europeia, de modo que qualquer
cidadão europeu pode levar seu caso diretamente para a Corte Europeia de Direitos Humanos. No mesmo
sentido, a Corte Africana permite o acesso direto do indivíduo à Corte, de modo que apenas a Corte
Interamericana permanece com o requisito da admissibilidade pela comissão.
- SISTEMA NORTE-AMERICANO: O sistema norte-americano também tem duas instâncias de
proteção de direitos humanos. A carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) não só estipula a
obrigatoriedade de defesa dos direitos humanos, como também cria a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Portanto, a Comissão não foi criada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que surgiu
posteriormente à Corte.
A instauração de processo perante a Comissão é simples, podendo ser por meio de petição individual
ou, até mesmo, por telefonema. A Comissão, além de analisar os requisitos de admissibilidade do caso para
julgamento eventualmente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, possui um sistema quase judicial, ou
seja, buscará solucionar a lide antes de levar à Corte.
O Estado pode litigar diretamente na Corte Interamericana, mas não os indivíduos, que se submetem
às seguintes condições de admissibilidades:
- necessidade de esgotamento dos recursos internos. Tal requisito tem natureza processual, portanto,
não é analisado de forma rígida. Analisa-se se os recursos internos são considerados justos;
- necessidade de exame de admissibilidade temporal, veri�cando (i) se o ato do Estado prescreveu, (ii)
se foi realizado após o Estado aderir à comissão, (iii) se a matéria é passível de julgamento pela Corte
e (iv) se há litispendência internacional ou coisa julgada.
AULA 08
8. COMÉRCIO INTERNACIONAL E O DIREITO DOS CONTRATOS
Para entendermos o comércio internacional na atualidade e a maneira pela qual é regulado pela
Organização Mundial do Comércio (OMC), precisamos compreender alguns aspectos relativos à sua origem.
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Inicialmente, destacamos que as primeiras formas de organização do comércio remontam ao século
XVI, período historicamente conhecido como mercantilismo, que durou até o século XVIII. Durante o
mercantilismo – que coincide com a primeira etapa do capitalismo e da globalização, em superação ao período
feudal –, as relações comerciais eram motivadas pela acumulação de riqueza.
Um grande �lósofo do período mercantilista foi Adam Smith que, em 1776, publicou a obra A
riqueza das nações. Ele explicou o sistema mercantil (baseado na acumulação de riquezas mediante trocas comerciais
– quando surgiu o interesse pelo consumo de bens produzidos por outros países) e as medidas intervencionistas
tomadas para o equilíbrio da balança comercial como as primeiras políticas de elevação de tarifas de produtos
importados.
Contudo, essas políticas mostraram-se ine�cazes, o que motivou ainda mais a busca de certos países
europeus por mais acumulação de riquezas baseadas em metais preciosos. Isso levou às grandes navegações, em que
muitos desses países exploravam suas colônias já formadas – normalmente localizadas em outros continentes –
mediante violência e saques.
Um grande documento elaborado neste período foi a Lex Mercatoria, que criou as bases para a
arbitragem internacional, uma vez que tinha o objetivo de solucionar os con�itos decorrentes das primeiras relações
comerciais internacionais – além de regular as transações. Por ter que lidar com vários países, não pôde se vincular às
regras de nenhum território especí�co.
Segundo Bijos, Oliveira e Barbosa, a Lex Mercatoria medieval surge num momento em que não havia
organização estatal responsável pela estruturação, controle e intervenção no comércio internacional, apesar de seu
evidente interesse público e social. Tinha um caráter transnacional, pelos usos e costumes no comércio, pela
utilização de tribunais arbitrais do comércio, pela informalidade e rapidez e, sobretudo, pela consideração da boa-fé
na atividadecomercial.
Outro documento importante, lançado ainda no período mercantilista e considerado o primeiro
tratado comercial internacional, foi o Tratado de Methuen (1703), mais conhecido como Tratado de Panos e
Vinhos. Foi �rmado entre Inglaterra e Portugal, envolvendo a lã inglesa e os vinhos portugueses; a Inglaterra
escolheu estreitar suas relações comerciais com Portugal, em detrimento da França, com o objetivo de obter melhor
desempenho em relação àquele país e a conquista do ouro brasileiro.
Considerando que, por meio do Tratado de Methuen, as relações comerciais com a França foram
deixadas em segundo plano, iniciou-se, no âmbito internacional, a discussão que deu origem, no século XVII, a
uma importante cláusula no comércio internacional, utilizada até os dias atuais: cláusula da nação mais
favorecida (NMF), trazendo à tona a discussão sobre o tratamento desigual de um país em detrimento de outros
na concessão de um benefício – normalmente de ordem tributária quanto às importações. Segundo Mesquita
(2013), essa cláusula trouxe algumas mudanças signi�cativas nas relações comerciais internacionais. Podemos citar
algumas:
Se um país der preferência a outro – como a Inglaterra fez com Portugal no Tratado de Methuen –, essa
preferência e todos os benefícios e privilégios decorrentes dela deverão ser estendidos a outros países.
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Pode ser uma cláusula incondicional, quando não depender de concessões recíprocas ou de uma
delimitação temporal; ou condicional, quando os benefícios futuros demandarem contrapartidas por parte do país
que os receberá.
Nos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial e o início do liberalismo econômico, o
mercantilismo deu lugar ao livre comércio e, consequentemente, ao fortalecimento do capitalismo. Além de novas
formas de acumulação de riqueza, o capital e a propriedade privada passaram a ser o foco.
Precisamente em 1860, o Tratado Cobden-Chevalier foi �rmado entre a Inglaterra e a França, no
qual a Inglaterra bene�ciava a França com reduções e isenções tarifárias. Em troca, a França eliminou inúmeras
proibições no tocante às relações comerciais entre os dois países e também reduziu as tarifas incidentes sobre os
produtos ingleses.
Diante do Tratado Cobden-Chevalier e do receio de perderem vantagens tarifárias, muitos países
procuraram a França para a realização de acordos, suscitando a cláusula da nação mais favorecida (NMF). Depois
desses acordos, temos um novo momento na história do comércio internacional e na economia, com a redução de
diversas restrições e barreiras. Esta fase de aquecimento econômico durou até 1914, no início da Primeira Guerra
Mundial.
“AO LONGO DO PERÍODO DA GUERRA, MUITOS BENEFÍCIOS DO COMÉRCIO
INTERNACIONAL SE PERDERAM EM RAZÃO DO AUMENTO DE POLÍTICAS
PROTECIONISTAS EM ÂMBITO INTERNO E DE MAIOR ATENÇÃO À SEGURANÇA
NACIONAL. O CENÁRIO DE INSTABILIDADE ECONÔMICA E POLÍTICA SE AGRAVOU
AINDA MAIS COM A CRISE DE 1929. POR TAIS MOTIVOS, A QUANTIDADE DE
ACORDOS INTERNACIONAIS FOI DIMINUINDO CONSIDERAVELMENTE.”
Dez anos depois, em 1939, a Segunda Guerra Mundial se iniciou, ocasionando novamente um período
intenso de crises econômicas, políticas e humanitárias ao redor do globo, que se somou à crise do petróleo na década
de 1970 e à crise da dívida externa aproximadamente no mesmo período, afetando especialmente os países da
América Latina.
Nas décadas de 1970 e 1980, passamos para a etapa da globalização, que se aperfeiçoou na atualidade: a
�nanceirização do capitalismo, iniciada com a implementação de políticas neoliberais nos governos de Ronald
Reagan e Margaret Thatcher.
A partir da década de 1990, com a liberação da internet mundialmente para �ns comerciais, iniciou-se,
concomitantemente ao capitalismo �nanceiro e à nova fase da globalização, uma faceta inovadora do capitalismo,
marcada por intensas transformações tecnológicas e informacionais, por novos contratos internacionais, novas
con�gurações das relações comerciais internacionais e novos desa�os à agenda comercial global.
É nesse último cenário que se insere a intensi�cação das relações comerciais internacionais e o papel da
Organização Mundial do Comércio (OMC) como reguladora dessas atividades, bem como solucionadora das
controvérsias entre os países, conforme veremos adiante.
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8.2. CONTRATOS INTERNACIONAIS E ASPECTOS JURÍDICOS DO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Uma vez que entendemos um pouco da história do comércio internacional, importante veri�carmos
agora alguns aspectos jurídicos referentes a estas relações – antes de passarmos para um estudo mais aprofundado
acerca da Organização Mundial do Comércio (OMC) —, aproximando-nos do estudo do Direito do Comércio
Internacional.
Quanto às fontes do comércio internacional, podemos mencionar os tratados e as convenções
internacionais, os usos e costumes internacionais, as normas positivadas, a doutrina, a jurisprudência, os princípios
gerais, entre outros.
ATENÇÃO: Muitas dessas regras são criadas por órgãos de comércio internacional, como a OMC, a
Uncitral, a Câmara de Comércio Internacional, entre outras, conforme veremos adiante (BASSO, 2020).
Contudo, a OMC é a principal organização reguladora e aplica essas fontes nas relações comerciais
internacionais. Uncitral é uma Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional.
A fonte jurídica mais conhecida do comércio internacional é a Lex Mercatoria que, conforme
comentamos, surgiu durante o período mercantilista e foi incorporada como uma das precursoras da
Arbitragem Internacional.
Outra forma de compreendermos os aspectos jurídicos do comércio internacional diz respeito à
materialização das relações comerciais internacionais, notadamente pela via dos contratos internacionais, que
possuem como princípios fundamentais o da autonomia da vontade e boa-fé entre as partes.
Tais princípios também são extremamente valorizados na prática do comércio internacional que,
somados à autorregulação, buscam a valorização da vontade das partes contratantes e a �exibilidade no tocante à
criação e à aplicação dos instrumentos jurídicos.
Os contratos internacionais se tornaram parte importante do cotidiano das transações comerciais
internacionais. Normalmente, operam-se na forma de contratos de compra e venda de importação e exportação
8.2.1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC)
Antes de tratarmos da estrutura propriamente dita da Organização Mundial do Comércio, vamos
primeiro entender o surgimento da OMC e o conceito de comércio internacional. Nas décadas que sucederam a
crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, as relações comerciais internacionais estavam enfraquecidas em razão da
forte crise econômica que se instaurou mundialmente, motivo pelo qual houve um fortalecimento das políticas
protecionistas – principalmente nos países europeus –, no intuito de lidar com a crise em âmbito interno, a
instabilidade econômica política e as ameaças à segurança nacional. Tais políticas protecionistas representaram
maior controle dos governos sobre as relações comerciais e, consequentemente, pouca autonomia para os agentes
envolvidos nas operações.
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Assim, surgiu a necessidade da criação de uma organização internacional que pudesse regular as
relações comerciais em âmbito internacional (incluindo os acordos já �rmados), bem como auxiliar na expansão dos
negócios entre os países, no aumento da qualidade de vida da população mundial e na ampliação do consumo de
bens, entre outros objetivos. Inicialmente, a discussão girou em torno da criação de uma Organização
Internacional do Comércio (OIC), que foi alvo de propostas e discussões desde 1943. O lançamento do projeto
ocorreu, porém, somente em 1948, em Havana (Cuba), em um documento que �cou conhecido como Carta de
Havana.
Uma síntese dessa discussão:
- Estados Unidos:Apresentaram diversos entraves à aprovação da OIC por acreditar que a criação de
um organismo internacional geraria mais obstáculos às relações comerciais.
- Alguns países europeus: Projetavam na OIC a esperança de regulações seguras para o comércio
internacional.
Diante desse impasse, em 1947, em Genebra (Suíça), foi aprovado um documento provisório –
enquanto não se criava a organização internacional propriamente dita – conhecido como General Agreement on
Tarifs and Trade (GATT), que pode ser traduzido como “Acordo Geral de Tarifas e Comércio”. Esse acordo,
que teve inspiração nos projetos anteriormente apresentados para a criação da OIC e entrou em vigor no dia 1º de
janeiro de 1948, estabeleceu algumas cláusulas que buscaram minimizar as políticas protecionistas, isto é, de
proteção do mercado interno, ampliando as possibilidades de concessões e acordos internacionais.
Entre as cláusulas, estavam as tentativas de igualar o tratamento conferido aos países:
1) Um determinado benefício tarifário concedido a um país – especialmente quanto aos produtos
importados – deveria atender também os demais, em cumprimento à tradicional cláusula da nação mais favorecida
(NMF).
2) Cláusula do tratamento nacional – na qual os produtos importados deveriam receber o mesmo
tratamento daqueles produzidos internamente – com algumas exceções pontuais, se fosse para proteger o mercado
doméstico.
3) Disposição sobre políticas tarifárias previsíveis, predeterminadas e amplamente publicizadas, o que
possibilitava uma melhor aplicabilidade pelos países acordantes.
O GATT também trouxe inúmeras exceções às regras e aos princípios gerais, principalmente quanto ao
comércio de bens (inicialmente, sua matéria principal), à agricultura e à indústria têxtil, que provocaram dúvidas
interpretativas e controvérsias difíceis de serem resolvidas, porque ainda não haviam sido convencionadas formas
mais e�cientes de solução de con�itos.
ATENÇÃO: Cumpre recordarmos que os EUA ofereceram uma grande resistência ao GATT e optaram
por não o aprovar, motivo pelo qual não levaram a pauta ao Congresso. Por esse e outros motivos, o
GATT continuou com um status provisório, sem força institucional e regulatória. Na prática, existia e
funcionava e foi importante para a implementação da multilateralidade no comércio internacional –
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superando a bilateralidade inicial, se resgatarmos o que aprendemos na síntese histórica do comércio
internacional – e o estabelecimento de inúmeras relações comerciais entre os países.
Formalmente, contudo, não tinha validade jurídica. Durante seu funcionamento fático, o GATT
proporcionou a realização de algumas rodadas de negociações tarifárias sobre produtos importados entre os países.
A última grande rodada ocorreu no Uruguai em 1986, conhecida como Rodada Uruguai. Essa rodada foi
importante para o reforço à liberalização comercial no âmbito internacional – especialmente quanto à circulação de
bens –, assim como para a proteção à propriedade intelectual – conforme o acordo TRIPS – e o comércio de
serviços.
Paralelamente, o GATT apresentava preocupações de ordem formal e institucional, dado o seu caráter
provisório e não o�cial. As propostas que trazia para a solução de disputas e controvérsias entre os países não eram
e�cientes. Essas discussões foram levando, aos poucos, às tentativas de reformulação do GATT, para, en�m, ser
construída uma organização o�cial, conforme o plano inicial de criação da “Organização Internacional do
Comércio”.
- ACORDO BLAIR HOUSE: Em 1992, foi �rmado, entre os EUA e a União Europeia, o Acordo
Blair House, que trouxe diversas disposições sobre negociações tarifárias. No ano seguinte, outras
questões foram solucionadas a partir desse acordo e apresentadas em forma de um projeto,
responsável por criar as bases para a fundação da Organização Mundial do Comércio – conhecido
como “Projeto Dunkel”;
- ACORDO DE MARRAQUECHE: A partir do “Projeto Dunkel”, em 1994, foi estabelecido o
Acordo de Marraqueche, que fundou, efetivamente, a OMC. Em 1º de janeiro de 1995, a
Organização Mundial do Comércio começou a funcionar em Genebra, na Suíça.
8.2.2. PRINCIPAIS ATIVIDADES DESEMPENHADAS PELA OMC.
A OMC é uma organização internacional responsável por regular as operações comerciais
internacionais. Aplica os instrumentos jurídicos, administra os acordos realizados entre os países-membros, controla
o papel dos mesmos e propõe-se a solucionar as controvérsias existentes entre eles.
Dessa forma, a própria de�nição da OMC já dispõe algumas das suas atividades principais, quais sejam:
1) A administração dos acordos realizados entre os membros: dos mais conhecidos, destacamos o
Acordo TRIPS, relativo aos Direitos da Propriedade Intelectual, e o Acordo Antidumping (as
medidas antidumping têm o papel de manter uma concorrência de preço justo e legal entre os
fornecedores).
2) A solução das controvérsias entre seus membros, sob responsabilidade do Conselho Geral, como
Órgão de Solução de Controvérsias – uma das atribuições desse Conselho.
3) A revisão das políticas comerciais formuladas no âmbito interno dos países-membros. Também é
realizada pelo Conselho Geral, como uma atribuição de Órgão Revisor.
4) O combate às práticas anticoncorrenciais, como monopólio, oligopólio, cartéis, dumping, entre
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outras.
8.2.3. COMPOSIÇÃO DA OMC
A OMC está sediada em Genebra, na Suíça, e é formada pelos seguintes órgãos:
CONFERÊNCIA
MINISTERIAL
Está no topo da estrutura da OMC, na qual todos os Estados-membros se fazem
presentes por meio de representantes. As reuniões ordinárias costumam ocorrer a cada
dois anos.
CONSELHO GERAL Atua no cotidiano da Organização, fazendo as vezes da Conferência Ministerial, no
ínterim entre os seus encontros, por meio dos representantes de cada país-membro.
Possui as atribuições de: solucionar as controvérsias e revisar as políticas comerciais.
CONSELHO PARA
O COMÉRCIO DE
BENS, CONSELHO:
PARA O
COMÉRCIO DE
SERVIÇOS E
CONSELHO PARA
OS ASPECTOS DOS
DIREITOS DE
PROPRIEDADE
INTELECTUAL
RELACIONADOS
AO COMÉRCIO
(ACORDO TRIPS)
São subordinados ao Conselho Geral e supervisionam os acordos realizados entre os
Estados-membros, conforme os seus respectivos assuntos.
COMITÊS São cerca de 40, incluindo Comitês, Subcomitês e Grupos de Trabalho. Cada um atua
em um campo especí�co, a exemplo do Comitê de Comércio e Desenvolvimento,
Comitê de Restrições por Balanço de Pagamentos e Comitê de Assuntos
Orçamentários, Financeiros e Administrativos.
SECRETARIADO É responsável pelos relatórios que preparam a realização das revisões das práticas
comerciais dos membros em âmbito interno. O secretariado é comandado por um
diretor-geral.
Como os órgãos da OMC tomam decisões? Segundo Mesquita (2013), é necessário haver:
- o voto de 2/3 dos membros para a aprovação de emendas;
- voto de 3/4 dos membros para a interpretação dos acordos;
- unanimidade para decidir acerca da cláusula de nação mais favorecida, dada a sua relevância e o seu
caráter de cláusula pétrea.
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Portanto, o modelo adotado é o de decisão por consenso, mediante acordo entre os membros. E se não
houver consenso? Neste caso, em tese, deve-se partir para votação.
8.2.4. MECANISMOS DE RESOLUÇÃO DE DISPUTAS NA OMC
Ao longo da história da OMC, desde a sua fundação, em 1995, já foram submetidas centenas de
disputas envolvendo as relações comerciais internacionais. Neste particular, destacamos o importante papel do:
1) Órgão de Solução de Controvérsias: que possui representantes de todos os Estados-membros;
2) Conselho Geral: para preservar as relações entre os países ao longo de suas transações comerciais.
Essas instâncias estimulam a resolução de disputas por meio de acordos, sempre que possível, bem
como fortalecem o aspecto multilateral das negociações. Assim, a

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