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Formação de ProFessores - ead F o r m a ç ã o d e P r o F e s s o r e s - e a d métodos e técnicas de pesquisa em educação m é to d o s e té c n ic a s d e p e sq u isa e m e d u c a ç ã o Luzia Marta Bellini Ana Cristina Teodoro da Silva (ORGANIZADORAS) Lu zia M . B e llin i e A n a C. T. d a Silva (O rg s.) 2 2. ed. - revisada e ampliada N 0 2 ISBN 978-85-7628-233-4 Métodos e técnicas de pesquisa eM educação Maringá 2010 editora da universidade estadual de Maringá Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini conselho editorial Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científicos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis equipe técnica Projeto Gráfico e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Maringá 2010 Formação de ProFessores - ead métodos e Técnicas de Pesquisa em educação Luzia Marta Bellini Ana Cristina Teodoro da Silva (ORGANIZADORAS) 2 2. ed. - revisada e ampliada coleção Formação de professores - ead Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio Júnior Bianchi Eliane Arruda Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Métodos e técnicas de pesquisa em educação / Luzia Marta Bellini, Ana Cristina Teodoro da Silva, organizadoras. – 2.ed. rev. e ampliada. Maringá : Eduem, 2010. 158p.: il. 21cm. (Coleção formação de professores - EAD; n. 2) ISBN 978-85-7628-233-4 1. Educação – Pesquisa – Brasil. 2. Pesquisas educacionais – Brasil. 3. Pesquisa – Educação – Métodos e técnicas. I. Bellini, Luzia Marta, org. II. Silva, Ana Cristina Teodoro da, org. CDD 21. ed. 001.42 M593 Copyright © 2010 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem. Endereço para correspondência: eduem - editora da universidade estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br 3 Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro capÍtulo 1 O primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Ana Cristina Teodoro da Silva capÍtulo 2 Ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo José de Arimathéia Cordeiro Custódio capÍtulo 3 O que é iniciação à ciência e à pesquisa? Raymundo de Lima capÍtulo 4 Metodologia, métodos e técnicas de pesquisa em educação: princípios básicos Luzia Marta Bellini capÍtulo 5 Método, explicação científica e pesquisa acadêmica Evandro Luis Gomes > 5 > 7 > 9 > 11 > 25 > 37 > 53 > 67 umárioS Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 4 capÍtulo 6 Orientações para a utilização de entrevistas, questionários, tabelas e gráficos em pesquisas educacionais Patrícia Lessa capÍtulo 7 Imagens fotográficas como fonte de pesquisas nos campos da história e da educação Henrique M. Silva / Ivana Guilherme Simili capÍtulo 8 Pesquisa em educação: memória e história oral Ivana Guilherme Simili / Henrique Manoel da Silva / Patrícia Lessa dos Santos capÍtulo 9 Pesquisa participante, métodos e técnicas de investigação Carlos Alberto Mucelin / Luzia Marta Bellini > 87 > 101 > 117 > 135 5 Ana Cristina Teodoro da Silva Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Graduada em História (UEM), Mestre em História (UNESP). Doutora em História (UNESP). Carlos Alberto Mucelin Professor do Departamento de Matemática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Graduação em Matemática (UNOESTE). Mestre em Engenharia de Sistemas Agroindustriais (UNOESTE). Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continetais (UEM). Líder do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Percepção Ambiental – GPSPA. Evandro Luis Gomes Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Maringá. Licenciado em Filosofia (1996) pelas Faculdades Claretianas de Batatais (SP). Mestre em Filosofia (2002) pela Universidade de São Paulo. Doutorando em Filosofia na Universidade Estadual de Campinas. Como pesquisador, atua na área de Lógica e Epistemologia, dedicando-se à história da Lógica. Henrique Manoel de Silva Professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Graduado em História (UNESP). Mestre em História (UNESP). Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina Ivana Guilherme Simili Professora do departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Graduada em Hisstória (UNESP). Mestre em História (UNESP).Doutora em História Social (UNESP). obre os autoresS Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 6 José de Arimathéia Cordeiro Custódio Jornalista do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina. Graduado em Jornalismo e Direito (UEL). Mestre em Letras (UEL). Doutor em Letras (UEL). Luzia Marta Bellini Professora Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Ciências Biológicas (USP). Mestre em Educação (UFSCar). Doutora em Psicologia Social (USP). Patricia Lessa dos Santos Professora Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Educação (Unicamp). Doutora em História (UnB). Raymundo de Lima Professor do Departamento de Fudamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá. Área de Metodologia e Técnica de Pesquisa. Graduado em Psicologia. Mestre em Psicologia. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). 7 A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em 2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares. A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para esta edição seráliberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB). A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi- dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB. Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura, da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a formação do Pedagogo na atualidade. Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta- dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse processo. Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti- tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta coleção. Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba- lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante presentação da ColeçãoA Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 8 específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De- partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu- desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma modificação significativa da sistemática das atividades docentes. No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li- beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação. Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB. Maria Luisa Furlan Costa Organizadora da Coleção 9 Este livro é resultado de um trabalho coletivo iniciado em 2005, quando saiu sua primeira versão. De 2005 a 2009, a versão inicial foi utilizada pelas turmas de Ensino a Distância do Curso Normal Superior da Universidade Estadual de Maringá. Graças ao uso dos alunos e dos tutores, a primeira edição pôde ser repensada. Pudemos anotar, durante as aulas no EAD, quais foram os acertos, quais foram as inadequações e corrigi-las. Desse modo, a segunda edição do livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em Educação, de 2010, além de apresentar capítulos revisados, ganhou novos textos. Esses capítulos são essenciais para uma melhor compreensão do universo das investi- gações pedagógicas. O livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em Educação, em sua segunda edição, conta com nove capítulos e define Metodologia como uma disciplina geral que discute a epistemologia, os diferentes métodos e o conjunto de técnicas, ou métodos em atos, como afirmou Michel Thiollent. É o campo de debate que abrange a meto- dologia como atividade filosófica e cognitiva. O livro traz a noção de que o estudo da metodologia é aquele que qualifica o estudante para examinar as teorias, os métodos e as técnicas de pesquisa. O campo dos estudos metodológicos não é fácil. Comporta o estudo de filosofia das ciências, dos diferentes métodos e das técnicas. Geralmente, metodologia é com- preendida com a aplicação das normas e técnicas, ou oposta a essa concepção, é vista como o levantamento das tendências teórico metodológicas de determinados contex- tos históricos. No entanto, metodologia é muito mais do que o estudo das teorias ou das normas. Do século XIX ao século XXI, esse campo cresceu em complexidade e em produções. No século XIX, tivemos um marco histórico, que foi a inauguração do estatuto epis- temológico das investigações científicas com o positivismo. A oposição ao positivismo gerou outros modos de pensar o mundo e seus fenômenos, como o materialismo dialético e a teoria compreensiva. Todavia, o século XX foi além dessas três dimen- sões ou balizas teóricas. O pós-positivismo ou o positivismo lógico, o refutacionismo de Popper, a noção de paradigma de Thomas Kuhn, a fenomenologia, a filosofia da matemática de Lakatos inspirada na dialética de Hegel e Marx e pelo refutacionismo de Popper, as provocações anarquistas de Feyrabend foram tendências da filosofia das presentação do livroA Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 10 ciências que envolveram o campo da Metodologia. Não podemos ignorá-las, sob pena de nos tornamos anacrônicos. No século XXI, os debates do campo metodológico já não são aqueles entre o quantitativo e o qualitativo; foram além. Hoje, se orientam sob o signo da interdiscipli- naridade e da integração de métodos para atender diferentes campos de estudo, entre eles o da Pedagogia. Embora este livro não trate de todos os detalhes desses debates e das dimensões particulares de cada método, ele anuncia que o mundo dos estudos metodológicos é muito rico; pontua alguns métodos e técnicas para a investigação em educação e dá o tom básico a um livro de Metodologia: pensar e fazer são movimen- tos inseparáveis daqueles que pretendem ver o mundo dos conhecimentos da outra forma. Luzia Marta Bellini Ana Cristina Teodoro da Silva Organizadoras 11 Ana Cristina Teodoro da Silva ... fazer uma tese significa divertir-se, e a tese é como porco: nada se desperdiça Umberto Eco (1995, p. 169). Este é um texto elaborado em 2003 e 2004, por meio da experiência de trabalho com a graduação em cursos diversos que, depois, foi atualizado e adaptado. Destaca- mos argumentos importantes de autores reconhecidos na discussão da metodologia da pesquisa, acrescidos de um toque pessoal que procura atender nossa necessidade específica e exemplificar o fato de que no diálogo com autores, na vivência do trabalho ocorre a criação e recriação de ideias.1 O objetivo é auxiliar a produção do primeiro projeto de pesquisa de pequeno porte, já que ao final do curso vocês terão que fazer um trabalho de conclusão. Esse trabalho, conhecido como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) ou monografia defim de curso começa agora. O projeto a ser executado refere-se ao planejamento do trabalho que será executado no último ano. Quanto a este capítulo, a sugestão é que façam uma leitura cética, leitura crítica e de questionamento. Uma boa forma de compreender o conteúdo é estudar a constitui- ção do texto que quer comunicar o conteúdo. Coloquem perguntas, observem em que momentos a redação está pouco clara, provavelmente são momentos que merecem ser discutidos. De início, faremos considerações sobre porque pesquisar; e a seguir, a exposição das partes fundamentais de um projeto de pesquisa; concluindo com lembretes sobre a apresentação, a redação e a ética no trabalho. Porém, destacamos a indicação da primeira página: só se aprende a fazer pesquisa fazendo, nada substitui o caminho 1 Sobre a leitura que cria e recria ideias, ver Paulo Freire (1981). O primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações 1 Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 12 próprio de cada pesquisador, daquele que tem dúvidas, inquietações, que vê relações intrínsecas entre seu trabalho e seu estudo. Esse caminho vocês estão construindo, e ele vai construir vocês. por que pesquisar? O pesquisador é um estudante que busca produzir conhecimento, com isso produz também autonomia, pensamento próprio, soluções próprias a seu contexto. Vocês podem ter boas noções sobre como fazer pesquisa e, com isso, seguir suas perguntas e constituir seu próprio caminho ou, então, acreditar que pesquisa é coisa para poucos privilegiados e seguir reproduzindo um saber que não sabem como foi feito; nesse caso, a crítica ao conhecimento será, no mínimo, incompleta, e até mesmo ignorante. O ideal é que a pesquisa não seja para você uma obrigação ou uma nota. Pesquisa pode ser descoberta, satisfação. Descoberta da solução de problemas, satisfação de perceber que a realidade é por nós constituída, com nossos instrumentos e limites. Até que ponto se podem utilizar os instrumentos disponíveis e até que ponto se é limitado por outras forças é questão que a pesquisa pode esclarecer. Por exemplo, o que pode fazer o professor com os recursos de que dispõe; e o que o professor não pode fazer por conta de limitações de espaço, de salário, de currículo ou outras esferas que não estão sob seu domínio. Mesmo o que não se pode fazer deve ser esclarecido, pois é matéria de reflexão e de luta e de diálogo cotidiano. A pesquisa ajuda a compreender um tema de forma profunda. Mais que isso, os instrumentos utilizados capacitarão o pesquisador a trabalhar por conta própria, o que é útil em qualquer área e em qualquer atuação. Ou seja, você aprende meios que utilizará em situações outras que não apenas às do tema escolhido, e que não se restringem ao trabalho. Tais meios são, ainda, instrumentos de cidadania, pois somos inundados por pesquisas no dia a dia – pesquisas de mercado, de intenção de voto, sobre o comportamento sexual, sobre as habilidades do estudante brasileiro... –, para saber de seu alcance e questioná-las, é necessário saber como são feitas, como são usadas as técnicas e a exposição dos resultados. Uma pesquisa pode ter início quando se tem um problema, uma questão ou um incômodo. Pensando bem, sempre se têm problemas no trabalho, que podem se trans- formar em caminhos de pesquisa. Ou questionam-se rumos, diretrizes, leis que não se consideram adequadas. Caso não estejam claros os incômodos, são estimuladoras as leituras, a participação em cursos, seminários e outras atividades, com destaque à efetiva postura reflexiva nos estudos. O incômodo leva à procura de informação, a diálogos, à procura de bibliografia especializada. Pedro Demo lembra que o “pesquisador não somente é quem sabe acumular dados 13 mensurados, mas sobretudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que qualquer conhecimento é apenas recorte” (1996, p. 20). O conhecimento é um conjunto muito amplo, e nossa participação será, necessariamente, em uma pequena parte, em uma perspectiva. Um trabalho de pesquisa traz sempre muita reflexão pessoal. Desde a escolha do tema, é necessário propor caminhos que possam ser trilhados, de acordo com a ma- turidade e capacidade de trabalho de cada um. Qualquer pesquisador sério poderá ratificar tal afirmação. Umberto Eco dá um exemplo ilustrativo: Pode-se executar seriamente até uma coleção de figurinhas: basta fixar o tema, os critérios de catalogação, os limites históricos da coleção. Decidindo-se não remontar além de 1960, ótimo, pois de lá para cá as figurinhas não faltam. Have- rá sempre uma diferença entre essa coleção e o Museu do Louvre, mas melhor do que fazer um museu pouco sério é empenhar-se a sério numa coleção de figurinhas de jogadores de futebol de 1960 a 1970 (ECO, 1995, p. 4). Não se quer com isso desencorajar quem queira fazer um museu. Entretanto será necessário dividir a tarefa em muitos passos, e, com humildade, olhar para as próprias ferramentas e capacidades para distinguir qual seria o primeiro passo. Sem esquecer- se de verificar se existem fontes para a questão posta (figurinhas no século XIX talvez sejam impossíveis). E, ainda, se os instrumentos para fazer a análise proposta estão disponíveis. Nós, por exemplo, não seríamos capazes de analisar as obras do Louvre. Para fazer pesquisa é necessário planejamento (eis aí a importância do projeto!), e essa é uma experiência que se leva para toda a vida, pois significa aprender a por ordem nas ideias. “Não importa tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho que ela comporta” (ECO, 1995, p. 5). Tudo o que for feito: pesquisas nas bibliotecas, fichamentos, escritas e re-escritas, conversas com professores, comentários no bar... tudo ajudará a esculpir uma nova pessoa – por isso é bom que seja bem feito, são lições de formação. Um requisito fundamental a um bom trabalho é que o pesquisador faça boas leitu- ras. Não sem razão os cursos de Metodologia da Pesquisa, via de regra, são iniciados problematizando a análise de textos.2 Deve-se ler o máximo possível, resguardando a qualidade da leitura. Reflexão não combina com pressa, com cumprir tabelas e horá- rios. Vocês estão se formando, e o que lembrarão é menos o conteúdo dos textos e mais a experiência da leitura, o como leram, o movimento interior envolvido, o des- pertar para outras formas de pensar o mundo. 2 Para refletir a respeito, estudem o capítulo “Diretrizes para a leitura, análise e interpretação de textos” de Severino (1986, p. 121-135). o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 14 O tema deve ser algo que apaixone. É comum pensar qual o tema mais ou menos trabalhoso. Tema difícil é aquele trabalhado sem estímulo, sem gosto. A pesquisa é criativa, pode descobrir relações novas, questionar o saber vigente, estabelecer co- nhecimento novo, forçar o surgimento de alternativas. “Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do cotidiano” (DEMO, 1996, p. 36-7).3 Para Pedro Demo, a pesquisa é científica e educativa, compõe o “processo emancipatório” que constitui um sujeito crítico, autocrítico e participante, “capaz de reagir contra a situação de objeto e de não cultivar os outros como objeto” (DEMO, 1996, p. 42).4 Tal processo apenas é possível se estamos conectados à nossa realidade, em uma rel ação que é também afetiva. Pesquisa é “conquista lenta e progressiva”, contudo há que se começar. Primeiro, aprender a aprender, não copiar, não se recusar à elaboração pessoal (DEMO, 1996, p. 64). É difícil ocorrer boa elaboração com meras cópias, leituras ruins, feitas pela meta- de ou número prévio de páginas estabelecidas. “É o aluno que deve saber descobrir o que ler, quanto ler, como ler, para formaro seu próprio juízo. Sobretudo, deve saber justificar quando e por que julga ‘ter dado conta do tema’, sem empáfias exaustivas” (DEMO, 1996, p. 67). A autocrítica é fundamental. Vocês estão constituindo um cami- nho profissional (lembrem-se: toda professora deve ter postura de pesquisadora), um caminho cidadão, constituindo suas opções políticas e éticas. Bom mesmo é, ao final de um trabalho, poder dizer ‘fiz o meu melhor’. partes básicas do projeto de pesquisa Projeto não pode ser confundido com o próprio trabalho de conclusão de curso, projeto é planejamento, é o primeiro passo para que ocorra a pesquisa. O projeto está no início de uma trajetória de pesquisa, o trabalho de conclusão, de caráter monográ- fico, será o relatório final da trajetória. Projeto é uma estratégia que apresente o tema, demonstre sua importância e aponte um caminho pertinente para a resolução de um problema levantado. Não existem regras fixas, este texto não é uma receita e não há como estabelecermos previamente o número de páginas que deverá ter. Os itens obrigatórios do projeto sofrem pequenas variações em instituições 3 Demo lembra que a realidade é sempre maior do que conseguimos captar e que há outras portas paralelas para a emancipação – a arte, por exemplo. Ainda nesse livro, que se encontra na BCE, há um bom comentário sobre a distinção feita entre pesquisa qualitativa e quantitativa (1996, p. 20). 4 Poderia ter sido “o primeiro projeto a gente nunca esquece”; seria bonitinho, mas perderia em clareza. 15 diferentes. Mesmo dentro de uma mesma instituição, tais itens podem ser diferencia- dos, de acordo com os objetivos a que se propõem (afinal, há pesquisa de iniciação científica, de mestrado, de doutorado, docente e outras). A bibliografia sobre o tema também não traz consenso. Contudo, a análise concluirá que os elementos constituin- tes dos diferentes projetos de pesquisa seguem uma estrutura comum, com variações de forma, partindo-se sempre da apresentação temática até chegar à problemática e hipótese. A discussão bibliográfica é sempre necessária, bem como a justificativa, a apresentação de objetivos, a metodologia a ser utilizada, o cronograma e as referên- cias. Isso posto, devem ser consideradas as seguintes partes: • Título • Resumo • Palavras-chave • Introdução • Justificativa • Objetivos • Metodologia • Cronograma • Referências Há coerência na sequência anterior, por exemplo, primeiro o tema é apresentado na introdução, para depois ser justificado. Não seria normal iniciar o texto justifican- do. No entanto, o fato de existir coerência não significa que o projeto deva ser escrito na mesma ordem em que deve ser apresentado. O título corresponde às primeiras informações sobre a pesquisa e é redigido com concisão e clareza, dizendo o máximo possível do trabalho proposto. Títulos enig- máticos, que não esclarecem do que trata o trabalho, devem ser evitados, bem como títulos amplos demais (por exemplo: “Educação e Sociedade”). O bom título revela o recorte do trabalho. O título deve “criar as expectativas certas” (BOOTH et al., 2000, p. 272) e introduzir os conceitos-chave. É preferível um título claro e específico que um aparentemente criativo e que não comunique o que é a pesquisa. Vejam o título deste capítulo, não é lá ‘criativo’5, mas não gera falsas expectativas, pretende dizer a que vem o texto. O resumo é apresentado em um único parágrafo, sem recuo, em espaçamento 5 Diferenciem hipótese de pressuposto. Hipótese é o que se quer demonstrar; já o pressuposto é dado, prévio. o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 16 simples. Apresenta o tema, a problemática e a hipótese de trabalho, bem como as fon- tes, o método a ser utilizado, os objetivos que se pretende alcançar. Tudo isso em mais ou menos vinte linhas (exigência que pode variar um pouco). As palavras-chave são aquelas que geram a identidade do trabalho, sem as quais nem conseguiríamos falar do que estamos fazendo. Servem para guiar o leitor e para catalogar o trabalho. Quais seriam as palavras-chave deste capítulo, por exemplo? “Pes- quisa” sem dúvida seria uma delas, mas não apenas, porque o texto não trata da pes- quisa em geral. Outra palavra-chave seria “projeto” e, talvez, “iniciação científica”, para marcar que se discorre de um projeto de pesquisa de iniciantes. Na introdução cabe apresentar o tema, o problema a ser estudado, o fenômeno que se deseja analisar, explicar o enfoque, seus contornos e limites. Pensem no leitor, o objeto de investigação precisa ser reconhecido por ele. Apresente com clareza, narre como nasceu o problema, como se chegou a ele. Explique os conceitos novos. O espaço e o tempo da pesquisa precisam estar claros. Por exemplo, não se inves- tiga a educação especial, e sim uma proposta de trabalho com crianças portadoras de deficiência auditiva, de 3 a 6 anos, em um colégio de Maringá, em 2005. As opções feitas precisam ser justificadas. Por que estudar necessidades especiais? Por que porta- dores de deficiência auditiva? Por que de 3 a 6 anos? Por que a opção por um colégio específico? Por que no período proposto? O tema é abrangente, a problemática indica a dificuldade específica. Há que se ter uma dificuldade, uma pergunta – boas perguntas são bons inícios para chegar a uma problemática –, uma contradição, um caminho a se testar. “Você terá um problema de pesquisa se e somente se você e seus leitores concordarem que as duas partes, você e eles, não sabem ou não entendem algo, mas que deveriam saber ou entender” (BOO- TH et al, 2000, p. 303). Procure identificar a questão que deve ser elucidada. Há que se ter uma inquietação, que vencer um desafio. Fazer o projeto é sistematizar um trabalho futuro, e esse momento traz muitas dúvidas, gera a angústia do desconhecido, ainda mais que a pesquisa nasce de algo que não se sabe. Porém se aprende a suportar os limites do conhecimento. Propor um bom problema é muito importante. Em algumas pesquisas, um bom problema é o melhor resultado. Alguns artigos publicados chegam a ponto de propor problemas, e não a resolvê-los. Achem um problema que seja importante e só prome- tam o que forem capazes de cumprir. A problemática será, no decorrer da pesquisa, o guia para a estruturação do raciocínio. Além disso, a formulação da pergunta dá indícios do caminho metodológico a seguir. Uma vez apresentada a temática e exposto o problema, apresenta-se uma hipótese de trabalho que corresponde a um ensaio de resposta ao problema levantado, uma 17 suposição.6 A hipótese é sempre provisória, pois ainda não foi demonstrada; adquirida mediante a leitura, observações e experiências pessoais. Pode ganhar o “status” de tese, se for confirmada após a conclusão da pesquisa. A hipótese mostra o “marco teórico de referência”, que indica as orientações e diretrizes da pesquisa a ser desenvolvida (SALOMON, 2001, p. 218-220), ou seja, é enraizada no quadro teórico em que se assenta o raciocínio. E o quadro teórico cir- cunscreve a proposição do problema. Para Severino, “o quadro teórico constitui o uni- verso de princípios, categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o trabalho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve” (1986, p. 203). Severino alerta que o quadro teórico é uma diretriz, uma orientação, mas não um modelo. Há que se demonstrar a capacidade de trabalhar a hipótese. Não se pretende ter a última palavra, nem que se inventou algo original e insuperável, mas se deve demons- trar um tratamento adequado do tema, bem fundamentado, cercado de todos os lados, o que nos leva à justificativa. Ainda na introdução, contudo, cabe colocar sucintamente quais fontes serão anali- sadas, levando em conta que elas devem ser adequadas ao problema proposto, devem sersuficientes e confiáveis, já que será no diálogo com essas fontes que se constituirá a demonstração da tese. Esse manual deveria ter um texto intitulado “as fontes da pesquisa”. Todavia não foi possível. Mas a proposta de sua presença evidencia a importância da discussão. De forma excessivamente sintética, o que são as fontes de uma pesquisa? Para responder a isso, pensem em que se baseiam os pesquisadores para fazerem suas afirmações, onde foram buscar os dados. Este capítulo, por exemplo, tem como fonte a experiência de ensino na graduação e o diálogo com a bibliografia. As fontes de uma pesquisa não trazem em sua natureza a qualidade de fontes. É o pesquisador que, ao problematizar determinado material, dá-lhe o “status” de fonte. Assim, há fontes escritas, tais como documentos (atas, leis, processos); impres- sos ( jornais, revistas, livros). Há fontes visuais, como obras de arte, filmes, fotografias artísticas ou jornalísticas. Há fontes sonoras, como as músicas ou material televisivo, que é sonoro e visual. Algumas vezes o pesquisador produz sua fonte, como no caso das entrevistas. A determinação da fonte e sua análise é uma questão metodológica de extrema importância, pois se sabemos como um trabalho é feito, poderemos refazê-lo ou criticá-lo. 6 Muito vago? É a angústia do livre arbítrio. Melhor que determinar qual é o “bom” caminho. A discussão sobre metodologia será aprofundada no capítulo 4. o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 18 As fontes podem ser do presente ou do passado, um fragmento de caneca en- contrado em um sítio arqueológico pode ter muito a dizer sobre uma coletividade que esteve naquele local. Observem: foi usada originalmente como caneca (ou te- ria sido como instrumento ritualístico?), há séculos ou milênios. Mas hoje, para o pesquisador, é fonte de pesquisa, fala a respeito dos hábitos de sua coletividade, da tecnologia disponível e outras relações. Sugere-se que, ao optar por uma ou mais fontes, o pesquisador procure traba- lhos importantes que tenham dialogado com fontes do mesmo tipo, para, junto com os outros autores-pesquisadores, pensar e discutir sobre o diálogo com seu material. Muito mais poderia ser dito sobre as fontes, mas, por ora, basta anotar que, na introdução do projeto, é necessário esclarecer quais serão as fontes da pesquisa. Na justificativa, responde-se qual a importância de investigar o tema escolhido. Vale a pena trabalhá-lo? Não é um tema óbvio? Deve-se mostrar qual a relevância da proposta, que contribuições traz para a sociedade, quais as consequências e im- plicações de não se saber a respeito do tema. Expõe-se também qual a experiên- cia do pesquisador e discute-se a viabilidade do projeto (no tempo disponível, por exemplo). Deve ser discutida também qual a contribuição da proposta para o conhecimento científico, para o que é necessária a revisão bibliográfica sobre o tema, procurando identificar o que já se sabe a respeito. Busca-se a consciência das matrizes teóricas que legitimam o projeto e quais os interesses envolvidos. Com a revisão bibliográ- fica, certo caminho pode ser reconhecido como pertinente ou pode ser visto como equivocado. A discussão com a bibliografia dá uma visão geral do tema, ajudando a medir o tamanho do esforço necessário para a empreitada em comparação com o “tamanho de nossas pernas”. “Diante de circunstâncias limitantes, como tempo dis- ponível, recursos, instrumentos empíricos, é possível assumir o tema em maior ou menor profundidade” (DEMO, 1996, p. 66). Ou seja, não é necessário desistir por conta de uma limitação de capacidade ou tempo, e sim saber recortar os interesses. Cada tema tem seus clássicos que precisam ser consultados, porque não se po- dem desprezar os caminhos já trilhados por séculos de conhecimento apenas tendo noções prévias do conhecimento já existente que uma problemática pertinente é ca- paz de surgir. A ausência de um trabalho muito importante na área de estudo indica imaturidade da proposta. É comum a contraposição a trabalhos anteriores, para o que a capacidade de abordar criticamente a bibliografia é fundamental. A introdução e a justificativa são apresentadas em forma de texto, o que não é o caso dos objetivos, usualmente em tópicos e com os verbos no infinitivo. No objeti- vo geral, responde-se que meta se quer alcançar, para que se propõe o estudo, qual 19 seu sentido, sua utilidade, que resultados são esperados; nos objetivos específicos, que etapas devem ser atingidas para solucionar o problema, quais os passos teóricos e práticos. Quando cumpridos os objetivos específicos, o objetivo geral terá sido cumprido, por consequência. Ambos, geral e específicos, são apresentados separa- dos, porém na mesma página. Na metodologia responde-se como proceder, quais os passos da análise. A na- tureza do problema determina o método. Busca-se deixar claro qual o caminho do pensamento na apreensão da realidade, qual a sistematização escolhida para o tra- balho de pesquisa. Nessa parte do projeto, “aparece a tonalidade ideológica própria do autor, que é ator” (DEMO, 1996, p. 66). O método é o procedimento que será utilizado para dialogar com as fontes. Nele aparecem as fontes novamente, e é ne- cessário discutir como serão abordadas. A metodologia é a reflexão sobre o método, em que procuramos questionar se o método escolhido é adequado para responder à problemática e cumprir os objetivos. A “análise inspirada” sempre discute o “como” fazer“. A teoria expõe a discussão sobre concepções de ciência [explicações parciais da realidade]. Método é instru- mento, caminho, procedimento, e por isso nunca vem antes da concepção da rea- lidade. “Para se colocar como captar, é mister ter-se idéia do que captar” (DEMO, 1996, p. 24). Todo projeto de pesquisa sério discute o método. “Entende-se por métodos os procedimentos mais amplos de raciocínio, enquanto técnicas são pro- cedimentos mais restritos que operacionalizam os métodos, mediante emprego de instrumentos adequados” (SEVERINO, 1986, p. 204). Devem-se definir quais as fases, quais as estratégias que serão utilizadas; que téc- nicas serão usadas para a coleta e análise de dados e para o teste da hipótese. Vocês já devem desconfiar que não há consenso sobre métodos “bons” ou “ruins”, melho- res ou piores. Não há consenso nem mesmo sobre quais são os métodos da ciência. A discussão é extensa e intensa e vocês devem entrar nela e procurar se situar.7 No cronograma, visualizamos a distribuição das atividades ao longo do tempo disponível. No nosso caso, trabalharemos com doze meses, correspondentes ao tempo que vocês terão para fazer o trabalho de conclusão de curso. Colunas mos- tram os períodos e as fileiras indicam as tarefas a serem cumpridas. O cronograma serve para avaliar se a pesquisa é exequível e para testar seu andamento. Por fim, as referências, seguindo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que serão trabalhadas em capítulo à frente. É necessário procurar 7 Para uma explicação sobre a organização dos materiais nas bibliotecas, é útil ver o capítulo “uso de biblioteca e documentação”, em Salomon (2001, p. 289-298). o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 20 os textos fundamentais do tema a ser investigado. Um dos primeiros passos da pes- quisa é procurar conhecer a produção existente acerca do tema e sobre questões afins, ou seja, fazer o levantamento bibliográfico. As referências podem ser encon- tradas em bibliotecas, na Internet, junto aos professores. As pesquisas são realizadas tendo em mãos nomes de autores, títulos de obras ou palavras-chave do tema. Além de livros, há teses, monografias e periódicos especializados. Conversem com profes- sores que trabalham com o tema,que podem dar dicas importantes e indicar auto- res especializados para uma nova consulta à biblioteca. Pensem se há possibilidade de adquirir aqueles livros que, de tão fundamentais, serão “companheiros diários” no trajeto da pesquisa. Dica: visitas aos sebos de livros sempre oferecem surpresas baratas. Parte das referências básicas deve ser estudada já para o projeto. A apresentação daquelas que serão lidas no processo da pesquisa é indispensável, em nosso caso. Portanto, apresentem separadamente as referências estudadas para compor o proje- to e o levantamento bibliográfico que incorporará todo o material encontrado sobre o tema e que poderá ser útil no processo de pesquisa. por últiMo, Mas não Menos iMportante Não sem razão, os textos anteriores discutirem ética e ciência. Booth, Colomb e Williams, em seu livro que tematiza a “arte da pesquisa”, associam a ética ao de- senvolvimento do ethos, ou caráter, e elencam alguns pontos que merecem ser lembrados: - Os pesquisadores éticos não roubam, plagiando ou reivindicando os resul- tados de outros. - Não mentem, adulterando informações das fontes ou inventando resultados. - Não destroem fontes nem dados, pensando nos que virão depois deles. - Pesquisadores responsáveis não apresentam dados cuja exatidão têm moti- vos para questionar. - Não encobrem objeções que não podem refutar. - Não ridicularizam os pesquisadores que têm pontos de vista contrários aos seus, nem deliberadamente apresentam esses pontos de vista de um modo que aqueles pesquisadores rejeitariam. - Não redigem seus relatórios de modo a dificultar propositalmente a com- preensão dos leitores, nem simplificam demais o que é legitimamente com- plexo (2000, p. 326). Tudo isso às vezes exige bastante disciplina. Vocês podem imaginar o quanto um pesquisador deve ser responsável. Todavia, dá orgulho fazer um trabalho assim. A apresentação do projeto deve ser de acordo com as normas da ABNT para trabalhos científicos. Cada parte do projeto deve iniciar em uma nova página. O 21 trabalho deve ser digitado de acordo com as configurações presentes nas normas, que devem nortear também as referências e citações.8 Lembrem-se de que sempre escrevemos para alguém, pensem no leitor, é uma boa estratégia de clareza. Escrevam explicando bem as ideias, é assim que agem os grandes autores. Definam os termos utilizados. Passem o texto para colegas lerem e utilizem o professor de cobaia, é necessário saber se estamos sendo entendidos, para isso, é útil que outros leiam nossos textos. Textos raramente ficam bons na primeira versão. É preciso reconhecer que ler um texto mais de uma vez pode ser fundamental e que escrever exige fazer e refazer. A imagem de papéis que embolamos e jogamos fora é normal, compõe o processo. Vo- cês devem entender a necessidade da crítica. Se alguém diz apenas “legal” ao ler um texto, desconfiem. É comum ouvir: ‘certo, professora, entendi as partes do projeto, mas como escre- ver?’ Perguntamo-nos como responder a isso, pois a habilidade de leitura e escrita parece estar na raiz de tudo isso. Por ora, conseguimos responder que é necessário valorizar o erro, na medida em que o erro dá oportunidade de superação. Escrever é trabalhoso, e pouca gente é capaz de escrever de uma vez, do começo ao fim, sem hesitar ou precisar revisar. Enfim, o projeto de pesquisa é o planejamento do caminho, explicita as etapas de trabalho e como será feito, o que possibilita pensar previamente sobre a viabilidade do que se propõe quanto aos métodos, as técnicas e ao tempo disponível. Pode ser alterado no decorrer da pesquisa, com o surgimento de novos dados ou referências imprevistas. Tais alterações devem ser bem pensadas e discutidas com o orientador. Projeto é já um início de trabalho, o esforço de pensar (e sonhar) o caminho. É um preparo que demonstra a pertinência da trilha a ser percorrida. Projeto não traz resultados de pesquisa, o que só ocorrerá com a pesquisa pronta. No caso de nosso curso (METEP), vocês terão sido bem sucedidos se aprenderam a questionar como é feita a ciência; se aprenderam que é necessário planejar os trabalhos científicos e se retomarem essas orientações em seus trabalhos de conclusão de curso, que é outro momento da mesma história. 8 Regras preciosas sobre quando e como citar são apresentadas por Umberto Eco (1995, p. 121- 127). Mais à frente, trata também das notas de rodapé. O autor é debochado, dizendo coisas do tipo: não escolha um orientador por conveniência ou preguiça. Diversos exemplares desse livro são encontrados na BCE. o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 22 BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIAMS, Joseph M. A arte da pesquisa. Tradução de Henrique A. Rego Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1996. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 12. ed. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1995. FREIRE, Paulo. Considerações em torno do ato de estudar. In: ______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 14. ed. São Paulo: Cortez, 1986. Referências 1) Visitem algumas bibliotecas e procurem saber como são organizadas, que setores possuem, como é feita a catalogação das obras. 2) Procurem saber qual a diferença entre um periódico da grande imprensa e um periódico científico. 3) Três palavras foram sublinhadas no texto: intrínsecas, autonomia e emancipação. Procu- rem suas definições em um bom dicionário e retomem a leitura do trecho em que foram utilizadas, refletindo sobre o que querem dizer. 4) Tentem exemplificar qual a diferença entre problema, questão e incômodo. Proposta de Atividade 23 5) Na escola, o que poderia ser fonte de pesquisa? 6) Quando ouvir falar em pesquisa (na televisão, no jornal, no estudo), procure saber qual a fonte utilizada e como foi abordada. Lembre-se que um dos critérios do estudo científico é divulgar suas fontes e seus métodos. 7) Sua cidade tem um sebo de livros? Visite-o e veja o que tem que diz respeito à Educação. Caso viaje a outra cidade, procure visitar suas bibliotecas e sebos. Anotações o primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 24 Anotações 25 José de Arimathéia Cordeiro Custódio Este capítulo começa e termina com um conselho. Conforme o que você, leitor, entende por conhecimento científico, ali estará sua ética, pois esta está subordinada, entre outros, aos conceitos de ciência e conhecimento. A ética na pesquisa tem muito a ver com a visão de mundo. O pesquisador busca a legitimidade de sua pesquisa em algum fundamento ético que lhe dá conforto inte- lectual ou moral. É desse “lugar” confortável que ele desenvolve toda a sua pesquisa. Ética, porém, é muito mais do que seguir um conjunto de regras escritas e consagradas (um Código). Ética – em pesquisa ou em qualquer contexto – tem a ver com diálogo: é o diálogo entre o pesquisador e os outros atores envolvidos na pesquisa. Note que não falamos em “objeto” de pesquisa, como normalmente acontece, porque nem sempre a pesqui- sa é sobre um objeto, mas sobre outras pessoas. E pessoas nunca são objetos – nem de pesquisa. Esse é um ponto importante e bom início de reflexão ética. Mas já lançamos vários pontos de reflexão de uma vez. Vamos nos deter um pouco em cada um dos aspectos apresentados. Quando se fala em ética, pensa-se logo em um conjunto de princípios e parâmetros de conduta. De fato, a ética é como um fundamento, um alicerce assentado sobre o modo de ver o mundo. Ela é formada por um conjunto de valoresnascidos dessa visão de mundo, e desse fundamento nascem condutas, leis, crenças, atitudes, normas e sanções. Vamos dar um exemplo elucidativo: no livro do Gênesis, capítulo 4, versículos 8 a 10, encontramos a passagem em que Deus pede contas de Abel a Caim, que acabou de matar o irmão. Caim responde simplesmente: “Por acaso sou guardião do meu ir- mão?”. Podemos falar aqui em uma “ética de Caim”, que despreza seu semelhante com tal intensidade que nem remorso há pelo homicídio. Uma sociedade pautada pela “ética de Caim” não se importará com os mendigos nas calçadas, com as guerras no outro continente, com as prisões superlotadas, com per- seguições religiosas, nem mesmo com a pesquisa experimental realizada em – outros Ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo 2 Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 26 – seres humanos. Placebo para estudo comparativo em mulheres com AIDS na África? Ah, mas é lá na África! Tudo pelo bem da aquisição de conhecimento. Por que não fa- zer estudos em presidiários, negros pobres, idosos sem família em asilos ou pacientes de hospitais psiquiátricos? Chegou tarde: já fizeram tudo isso em décadas passadas, e demorou a alguma voz vencer a ética de Caim e gritar contra essa prática antiética. Infelizmente a sociedade ainda não grita pelo Abel de hoje, talvez pelo motivo que o Skank apresentou: “a nossa indignação é uma mosca sem asas; não atravessa a janela de nossas casas”. Menos Caim e mais São Francisco de Assis, eis um bom fundamento ético. Começa a se perceber como a ética está atrelada à visão de mundo. Em outras palavras, tais visões definem os sistemas econômicos, educativos, jurídicos e, claro, científicos. Qual é o mais importante Ministro de Estado? Todos vão dizer que é o da Fazenda (ou Economia), portanto estamos diante de uma sociedade que valoriza muito mais um orçamento do que um projeto pedagógico ou o patrimônio cultural. Algum leitor dirá: ora, mas como levar adiante um bom projeto pedagógico ou preser- var o patrimônio cultural sem recursos financeiros? Pois é: esse já não escapa mais da armadilha montada pela ética subjacente. Agora faça uma enquete e pergunte a algumas pessoas se são felizes. A quem res- ponder negativamente, pergunte-lhe por quê. Possivelmente ela responderá que lhe “falta” alguma coisa, e provavelmente vai se referir a algum bem material, ou seja, algo a ver com “ter” ou “não ter”. Logo, temos uma sociedade que liga o conceito de felicidade diretamente ao conceito de “ter”. E um grupo que mede sua felicidade pela posse e propriedade logicamente será consumista. Haverá os que oferecem novos e atraentes bens de consumo e aqueles que farão o possível para adquiri-los. Sendo assim, que ética regula as atitudes desse grupo? Quais valores estão sustentando esta sociedade? Reflita sobre isso e sobre sua própria visão de mundo. Em uma sociedade como esta, até informação e conhecimento passam a ser pro- duto de vitrine. Será que esse frenesi por aquisição de informação cada vez em maior quantidade e velocidade não é produto dessa visão de mundo do “ter”? Quando foi que a quantidade e velocidade da informação passaram a ser mais importantes do que a qualidade do conhecimento? Pense a respeito. É uma sociedade que privilegia a informação em quantidade em detrimento da formação de qualidade que gera, por exemplo, os famosos trabalhos acadêmicos “con- trol C, control V”. Em tempos de Internet, aí reside um perigo. A sociedade industrial também gerou escolas, cursos e monografias produzidas em escala e comercializadas. É exatamente por esse motivo que afirmamos, lá no início, que onde está a sua visão de mundo e de conhecimento, lá estará sua ética. 27 Mas dissemos também que a ética é bem mais do que uma antologia de regras de conduta codificadas; pois embora várias categorias tenham seu Código de Ética – como médicos, dentistas, jornalistas, etc. – esses “mandamentos” não dão conta de responder às demandas da dinâmica da prática profissional. É preciso seguir a lei e observar as normas codificadas, mas ter sempre em mente que a ética é mais ampla e profunda. gente não é objeto Falemos agora do objeto e dos “atores” de uma pesquisa. No próximo capítulo, o leitor conhecerá mais sobre um projeto de pesquisa e sabe- rá como elaborar um. Até lá, deverá ter bem claro em mente que tipo de conhecimento procura e em que bases filosóficas (pois Filosofia é a base da Ética) irá buscá-lo. Por isso é tão importante, ao iniciar uma pesquisa, ter clareza de objetivos. Normalmente, fala-se em um sujeito (o pesquisador) diante de um objeto de pes- quisa. Seja qual for a área de conhecimento, sempre se fala em objeto: a intertextua- lidade nos contos de Machado de Assis pode ser um objeto de pesquisa. A utilização das histórias em quadrinhos no letramento pode ser outro. A presença do discurso religioso no jornalismo científico é um objeto intrigante. E os mitos familiares no ál- bum de fotografia? Guardariam relação com os antigos mitos greco-romanos? Eis mais um. Já a percepção do tempo pelo homem medieval é outro válido objeto de pesquisa. E assim por diante. Qual seria o objeto de pesquisa de um psicólogo que observa a hiperatividade de um grupo de crianças? Lembre-se: sua resposta denuncia sua ética, e sua ética orienta seu comportamento e sua pesquisa. Se sua resposta foi: “ora, o objeto de pesquisa são as crianças”, nota zero para você. Um equívoco comum na pesquisa moderna é considerar seres humanos como objeto de pesquisa. Há um nome para isso: desumanização. E, como vimos, uma ética que reduz seres humanos a objetos de pesquisa pode autorizar pesquisas muito pouco hu- manas – uma redundância proposital, para fixar bem a ideia. Em outras palavras: seres humanos são sempre sujeitos de pesquisa, seja em que ponta dela estiverem. Entretanto, se você respondeu que o objeto da pesquisa é o comportamento hipe- rativo, você – por um artifício intelectual – separou o objeto de estudo da pessoa estu- dada. Isso é típico da ciência cartesiana (que você deve ter visto no primeiro capítulo), ou seja, uma ciência que entende que é preciso “separar em pedaços” para estudar, compreender e atuar sobre o objeto – esse é o conhecimento do médico especialista, que trata o ser humano por partes, ignorando muitas vezes o conjunto. Mas será possí- vel separar o comportamento hiperativo da criança dela mesma? Ou seja, voltamos ao ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 28 ponto inicial da possível e nada recomendável desumanização. Dificilmente, porém, você encontrará algum livro de metodologia de pesquisa que escape a essa visão de ciência cartesiana. Além disso, ela é aceita pela maioria da comu- nidade científica e acadêmica. Assim, tendo em mente esse alerta contra a desumani- zação da pesquisa e da ciência, vamos em frente, paralelo ao esquema de justificativa, hipóteses, objetivos gerais e específicos, metodologia, etc.. Cabe, contudo, lembrar que esse é mais um modelo baseado em determinada visão de mundo – mas não a única e verdadeira. Mas voltemos aos outros elementos de um projeto de pesquisa. Provavelmente você, pesquisador, dentro desse modelo de projeto de pesquisa, tem mais facilidade em definir e elaborar um ou outro. Conhecemos uma professora que adora fazer jus- tificativas longas e rebuscadas. Muitos dirão que tudo tem sentido apenas a partir das hipóteses, que serão ou não confirmadas. Esse, por exemplo, é um raciocínio positi- vista, ou seja, preocupado com resultados. Diante da expectativa de um novo princípio ativo qualquer, pergunta-se: será que essa substância poderá se tornar um eficaz re- médio contra – digamos – a depressão? Só uma pesquisa positivista o dirá. Se for bem sucedida, a indústria transformará o conhecimento científicoem produto tecnológico e, por consequência, um bem de consumo – saúde para quem puder pagar. Se não, será condenada ao esquecimento. Estamos diante de uma ética (de pesquisa) de resultados, sem falar na ética do con- sumo, a que já nos referimos. Dirão uns: e daí que para testar o medicamento usaremos placebo em cem pessoas? Pense nos milhões que serão beneficiados. Apresentamos-lhe a ética utilitarista. Ela lhe parece razoável? Sim, parece justo somente quando o observador está em uma posição confortável. Agora imagine que você acabou de ver duas vans esco- lares caírem em um rio e as portas só abrem por fora. Em uma estão 15 crianças; na outra, só uma: o seu filho. Não há tempo para abrir as duas. Você vai ser utilitarista também? Para outros pesquisadores, o importante não é provar nada, mas apenas descrever ou constatar uma situação. Todavia, naquela visão cartesiana que mencionamos, o mais importante é a metodologia. Afinal – argumenta-se – como saber se o conhecimento adquirido é confiável se não é confiável o método que ajudou a chegar lá? Pergunta sem saída? Não necessariamente, é tudo – sempre – uma questão de visão das coisas. Por outro lado, há os pesquisadores que partem de uma teoria “consagrada”. Essa conduta também envolve perigos, pois nem sempre a tradição dá conta de fornecer os conhecimentos buscados. Na verdade, recomendamos enfoques multidisciplinares. É preciso lembrar que uma teoria é igualmente um ponto de vista, por melhor que seja. Tampouco pode o pesquisador se ancorar na objetividade de sua pesquisa, juran- do por Deus que não interfere nem um pouquinho nos resultados. A objetividade 29 na pesquisa é um mito, assim como a objetividade do jornalista que reporta um fato. Todo texto (verbal ou não) é uma leitura de mundo. Certa vez, alguns pesquisadores estudavam algumas cavernas. Mas, de tanto entrarem e passarem longos períodos lá dentro, fizeram a taxa de gás carbônico naqueles locais subir muito acima das condi- ções naturais. A diferença começou a agir sobre o ambiente, alterando-o. A simples presença do pesquisador pode mudar tudo, principalmente se ele carre- ga algum artefato de registro, como um gravador ou câmera (fotográfica ou de vídeo), no caso de pesquisa com outros seres humanos. Um simples caderninho de notas já pode constranger o sujeito pesquisado. A possibilidade de interferência só pela pesquisa é chamada de paradoxo do pesquisador ou paradoxo do observador (cf. sugestões de leitura). Lembra do psicólogo estudioso da hiperatividade? Ele fazia aquela pesquisa em que não interfere no cenário sob hipótese alguma. As crianças estão se batendo? Ele só observa. Vai derrubar a estante em cima do outro? Só anota. Olha lá, rachou a testa! Escreve no caderninho. Parece cruel? Pois é, tem seus fundamentos científicos: é o pesquisador-observador. Mas que ciência é essa? Essa é sua reflexão. Ocorre que, via de regra, as metodologias de pesquisa, herdeiras do pensamento cartesiano apoiam-se nas teorias objetivistas ou subjetivistas. Ou seja, existem aquelas que dão importância suprema ao objeto de pesquisa (como um documento histórico), considerando o sujeito da pesquisa como um elemento neutro. Outra corrente vai ao outro extremo e afirma categoricamente que o que se estuda se muda. É o pensamen- to subjetivista, que diz também que todo conhecimento é um ponto de vista. Uma terceira vertente tenta conciliar as anteriores. Ao pesquisador cabe conscientemente escolher a sua, sabendo que sobre essa escolha toda sua pesquisa estará fundamentada e, portanto, alguns resultados podem até ser previstos de antemão. Uma das obrigações irrefutáveis do pesquisador é retornar ao grupo pesquisado, expor e discutir com ele os resultados de sua pesquisa. Isso faz parte da humanização, porque do contrário seria considerar as pessoas meros objetos de pesquisa. Contudo, também é obrigação do pesquisador, antes e no momento da pesquisa, informar clara- mente o que e porque está fazendo. Agora imagine um pesquisador de fenômenos linguísticos chegando a um infor- mante da zona rural e dizendo: “Oi, vim ver e gravar como é que o senhor fala os plurais e conjuga os verbos”. Obviamente, sabendo disso, o sujeito vai cuidar do modo como fala, o que vai viciar irremediavelmente a pesquisa. No policiamento da própria linguagem, ele pode até provocar o fenômeno da hipercorreção, que seria como dizer assim: “Temos que jantarmos logo que anoitece”. Como, então, resolver esse paradoxo? Em casos como a pesquisa linguística, é preciso dizer ao informante ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 30 que se trata de uma pesquisa linguística, mas não delimitar o fenômeno pesquisado, e utilizar um instrumento bastante abrangente: gravar horas e horas de conversa sobre todos os assuntos imagináveis. Foi assim que fizeram muitos dos pesquisadores em Linguística. uMa proposta bioética Para enriquecer sua reflexão sobre Ética, sugerimos ainda uma de suas vertentes mais atuais: a Bioética. Há mais de uma década, no Brasil, tem se falado em Bioética. Normalmente ela aparece quando o assunto são as novas tecnologias ou temas ligados aos extremos da vida transgênicos, reprodução assistida, aborto e eutanásia. O que é essa Bioética? Uma ética da vida? A Bioética é uma proposta de levar a Ética a um nível mais elevado ainda, sob um enfoque contemporâneo e, portanto, multidisciplinar. Em outras palavras, trata-se de levar muito a sério a ideia do “outro”, e cultivar como fundamentos éticos a tolerância e o respeito à diversidade – moral e cultural. A Bioética é também uma proposta de uma visão crítica de mundo (de valores) em oposição a ideologias fechadas e dogmas. À Bioética não interessam divisões, mas somas; união de pensamentos diferentes. Ela se apresenta como uma grande possibilidade aberta de resolver aqueles mes- mos problemas que têm afligido a Humanidade desde sempre, como a fome, a do- ença, a iniquidade, a injustiça, o egoísmo; assim como os males mais novos, como a destruição dos recursos naturais, a divinização da tecnociência, o materialismo e a absolutização do relativo. Um dos grandes méritos da Bioética, sob esse ponto de vista, é provocar a reflexão de pensadores de todas as áreas, pois ninguém pode se furtar de pensar sobre a vida, a saúde, o meio ambiente, a tecnologia e as gerações futuras. Somente exercendo o pensa- mento o homem pode amadurecer, e a Bioética oferece um caminho para o pensamento. Abordar os novos problemas de forma contemporânea, eis o que a Bioética pro- põe. A repetição de respostas tradicionais pode se revelar inadequada e é aí que entra a Bioética: incentivando novos níveis de reflexão e discussão que possam conduzir a soluções mais adequadas. Não se está desprezando o conhecimento do passado. Pelo contrário, põe-se a memória histórica como base do caráter interdisciplinar da Bioética. Ao final, entre as sugestões de leitura, apresentamos algumas sobre Bioética. 31 ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo para Finalizar... Se depois de toda esta reflexão ainda pairam muitas dúvidas sobre a ética, não se preocupe. No início, era mesmo o Caos. Ética também é uma questão de exercício, portanto é preciso praticá-la regular e insistentemente. Também dissemos que Ética é diálogo, por isso um dos melhores exercícios é dialogar com o outro, entendendo “di- álogo” no sentido mais amplo possível, isto é, conversar consigo mesmo, com o outro, colocar-se no lugar do outro, experimentar o que o outro conhece, e assim por diante. O importante é não agir sem reflexão. Abaixo, também deixamos algumas sugestões de leitura para que você, leitor, dialogue com elas. Ah, sim, não esquecemos que prometemos outro conselho ao final deste capítulo. E o conselho é este: na dúvida sobreo seu comportamento ético em pesquisa, siga este – seja honesto sempre: honesto consigo mesmo, com seu próprio projeto, com seu objeto de pesquisa, com seus parceiros, com seus métodos e técnicas, com seus resultados e com suas avaliações. Assim provavelmente errará menos. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000. BERNARD, Jean. A bioética. São Paulo: Ática, 1998. BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96). Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, 1996. Suplemento. CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, divulgação. Campinas, SP: Pontes, 2003. MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2004. Referências Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 32 PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.). Bioética: estudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001. SINGER, Peter. Vida Ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1994. VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1998. Comentários sobre as referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000. Ótima leitura para quem inicia no estudo do pensamento filosófico. Aborda conceitos fundamentais como conhecimento, ciência, moral, estética, em uma perspectiva histórica. Utiliza várias formas de expressão para a reflexão, como textos literários e histórias em quadrinhos. Todas as unidades terminam com exercícios. BERNARD, Jean. A bioética. São Paulo: Ática, 1998. Panorama geral da Bioética, sua relação com a Medicina, Biologia, Ética. Descreve e analisa essa proposta, delimitando suas fronteiras com a Filosofia, História, Cultura e Política. BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96). Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, 1996. Suplemento. Dispositivo legal que regulamenta a pesquisa em seres humanos de qualquer área do conhecimento. CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000. Trata das origens da ética ocidental, as formas do saber ético, especificidades da ética, normais morais, jurídicas e religiosas, assim como outros aspectos referentes aos funda- mentos éticos, como a universalidade, a evolução e a prova moral e ética; senso comum, responsabilidade moral, liberdade, ideologia e limites da ética. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. Filosofia, razão, verdade, conhecimento, metafísica, ciência e o mundo da prática são al- guns dos grandes temas abordados. Cada parte termina com exercícios propostos. Ques- tões como memória, imaginação, linguagem, cultura, arte, ética, liberdade e política são expostas à luz da Filosofia. 33 GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, divulgação. Campinas, SP: Pontes, 2003. Livro que reúne uma série de artigos e está dividido em três partes. A primeira (A ciência e sua circulação) e a terceira (Produção de conhecimento e Estado) são úteis. O volume I (mesmo organizador e editora) também vale como leitura complementar. MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2004. Apesar de dirigido mais às áreas de Comunicação e Filosofia, é recomendável às demais, pois todas – direta ou indiretamente – têm ligação com aquelas duas. Traz na primeira par- te um claro panorama das correntes históricas de pensamento filosófico (bom para quem nunca se aprofundou em Filosofia), da Antiguidade até nossos dias. Na segunda, com base na Filosofia, discute se realmente o homem contemporâneo comunica. PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.). Bioética: es- tudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001. Obra que reúne artigos de profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Jornalis- mo, Serviço Social, Psicologia, Biologia, Odontologia) que trazem fundamentos bioéticos aplicados em problemas da prática de cada um, somadas às reflexões filosóficas. Vários trabalhos foram apresentados no Congresso Mundial de Bioética (Brasília, 2002). SINGER, Peter. Vida Ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Polêmico filósofo da atualidade, o autor discute a natureza da ética e aborda temas como a fome, a riqueza e a moralidade; pesquisas com embrião, aborto, eutanásia e a pesquisa em animais, entre outros tópicos. Singer contesta, por exemplo, o especismo – a ideia de que o homem, enquanto espécie, tem o direito de dispor de outras para seus propósitos, incluindo a pesquisa científica. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1994. Embora voltado mais para a pesquisa linguística, abrange aspectos que vão além dessa área. É nele, por exemplo, que se fala do “paradoxo do observador”. A pesquisa em Lin- guística enfrentou problemas semelhantes aos de outras áreas. VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1998. Semelhantemente, apesar de ser voltado mais à pesquisa histórica, dá lições e provoca reflexão do pesquisador ao questionar determinadas posturas científicas. Discute as fontes e os passos da pesquisa (incluindo problematização, delimitação do tema, etc.) e aborda até a relação entre professor-orientador e aluno. ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 34 1) Reúna recortes de jornais e revistas sobre algum assunto que ganhou destaque em todos eles. Observe as manchetes e as fotografias, se houver. Repare as semelhanças e diferenças de enfoque. Procure identificar as ideologias presentes nos textos e o fundamento ético por trás delas. Procure também identificar ideologias ausentes e, portanto, éticas ausentes. Em um segundo momento, estabeleça um diálogo – apresente seus argumentos a um interlocutor ou grupo e promova uma discussão. Procure observar, nos argumentos dos outros, que ética os fundamenta. 2) Tente fazer o mesmo exercício com anúncios publicitários e observar o que eles valorizam ou desvalorizam em seus textos e imagens: corpo humano; sentidos físicos; cores; senti- mento familiar; condição econômica; prazer; satisfação de desejos. Depois tente expandir a observação para novelas, filmes e livros. 3) Passeie pelos espaços da sua cidade e observe a organização das coisas: quem é privilegia- do e quem fica em segundo plano. Pergunte-se por quê. Observe o espaço dedicado ao verde, aos animais, idosos, pedestres. Note as sinalizações, as filas, as vitrines, os agrupa- mentos de pessoas. Qual lógica e quais regras estão sob esta organização espacial? 4) Pense sobre esse pequeno problema: você atropela um cachorro sem querer. Você o leva ao veterinário e o devolve ao dono, tratado. Se não socorresse o cachorro, você provavel- mente se sentiria mal. Eis a questão então: você o ajudou por ele (que sofria) ou por você mesmo (para evitar o mal estar da culpa)? Ou sequer ajudaria? Que ética é essa? 5) Faça uma autoavaliação ética. Pense em que se baseiam suas decisões quanto à família, ao trabalho, ao grupo social. Analise em que se fundamentam suas opiniões sobre as grandes questões, como espiritualidade, justiça social, liberdade, verdade, amor, ciência, conheci- mento, ecologia, moral, ética. Como você define esses valores? Será que você é dogmático em algum(ns) desse(s) aspectos? Proposta de Atividade 1) Cobaias Humanas: Mostra o caso real ocorrido em Tuskgee (Alabama/EUA), em que cen- tenas de pessoas sifilíticas, negras e pobres, tiveram negado o acesso à penicilina porque as autoridades sanitárias americanas queriam descobrircomo a doença evoluiria natural- mente sem tratamento. O caso só foi denunciado depois de três décadas, nos anos 1970. Também existe o livro. 2) Jenipapo: Filme brasileiro com um protagonista americano, que faz o papel de um jorna- lista que tenta uma entrevista com um padre ligado ao movimento sem-terra. Como não consegue a entrevista, mas conhece o padre muito bem, ele inventa a entrevista e publica, o que põe em perigo a vida do padre pelas mãos dos latifundiários. Sugestões de filmes com problemas éticos: 35 3) Projeto Secreto - Macacos: Discute a pesquisa em animais. Soldado vai trabalhar em um laboratório do Exército americano, onde presencia experiências com animais para testar a resistência de seres vivos. Sugestão para debate somado à leitura do livro de Peter Singer (cf. sugestões de leitura). 4) Erin Brockovich, uma Mulher de Talento: Mulher descobre poluição na água consumida por uma população e denuncia indústria. Interesses corporativos e públicos se confrontam enquanto a investigação vai aos poucos mobilizando a comunidade. 5) Mera coincidência: Exemplo de construção de realidade com consequências éticas. A fim de desviar a atenção do público de um escândalo envolvendo o presidente norte-america- no, uma equipe de profissionais de relações públicas contrata um cineasta para criar uma guerra fictícia. Mera coincidência? 6) E a vida continua: Mostra os primeiros anos de pesquisa sobre a AIDS nos EUA e as dificul- dades em avançar. Os primeiros debates foram marcados pelos preconceitos e desconhe- cimento da doença (o que naturalmente gerou muita especulação), além de tentativas de isenção de responsabilidade ou envolvimento de algumas agências governamentais. Anotações ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 36 Anotações 37 Raymundo de Lima “Como se deve palmilhar a encosta? Sobe e não penses nisto.” Nietzsche (A gaia ciência) Um professor pede que os alunos “façam uma pesquisa” junto à Internet. Há aque- les que simplesmente recortam frases dos textos encontrados na Internet e colam em uma folha, como se fosse seu, muitas vezes sem citar a fonte. Aprendem, assim, a fazer plágio1, e pensam que assim fazem pesquisa científica. Embora não sejam cúmplices do crime de plágio, alunos e professores realizam um duplo engano: o professor, porque não ensinou a distinção entre pesquisa informal e pesquisa científica, já que na Internet colhemos dados, artigos, informações sobre diversos assuntos, nem sempre confiáveis e originais; o aluno, porque deixou se levar pela esperteza aética, desconsiderando a possibilidade de facilmente ser desmascara- do na sua falta. O propósito deste capítulo é dirimir alguns equívocos sobre o que é pesquisar cientificamente, o que é iniciação científica e qual o seu papel na formação universitária Bagno (2005, p. 17) entende que o chamado “levantamento de estudos”, até pode ser chamado “pesquisa”, assim como os pequenos gestos que empreendemos no dia- a-dia: uma simples consulta no relógio para ver as horas, a espiada fora da janela a fim de observar o tempo, a batidinha na porta do banheiro para saber se tem gente dentro, conversar com alguém para saber sobre o ambiente de trabalho, enfim, esses atos podem ser considerados pesquisa. Evidentemente, são pesquisas rudimentares, informais, assistemáticas, mas, não são pesquisas científicas. Há ainda outros atos mais elaborados, como os de “pesquisar” uma página do jornal de classificados em que marcamos os anúncios que nos interessam, ou sair pelo comércio para comprar um 1 O plágio também é considerado uma grave falta ética ou crime também na pesquisa científica. O que é iniciação à ciência e à pesquisa? 3 Métodos e técnicas de pesquisa eM educação 38 televisor tomando o cuidado de anotar o tamanho, modelo, marca, preço, para de- pois comparar e tomar uma decisão nesses casos, também podemos dizer, vulgarmen- te, que estamos fazendo uma pesquisa, mas também não se trata de uma “pesquisa científica”, porque não realizamos uma investigação sistemática, projetada e orientada segundo um método para dar continuidade à produção do conhecimento científico acumulado na história da humanidade. Existe, ainda, a associação da pesquisa com enquete, principalmente em época de eleição política. Assim, um jornal, revista ou televisão perguntam ao público sobre algum assunto polêmico, que deve responder de modo fechado: sim ou não, favo- rável ou desfavorável. Em seguida, essas respostas são transformadas em resultados: 60% disseram “sim”, 40% disseram “não”. Portanto, a enquete é um tipo de pesquisa que procura averiguar a opinião do público. Mas não podemos considerá-la “científi- ca”, salvo se for desenvolvida de acordo com os critérios mencionados no parágrafo anterior. pesquisa: etiMologia e uso Segundo Bagno (2005, p. 17), a palavra “pesquisa” veio até nós do espanhol. Este, por sua vez, herdou-a do latim. Havia em latim o verbo pesquiro, que significava “pro- curar; buscar com cuidado; procurar por toda parte; informar; inquirir; perguntar; indagar bem, aprofundar na busca”. O particípio passado desse verbo latino era per- quisitum. Por alguma lei da fonética histórica, o primeiro “r” se transformou em “s” na passagem do latim para o espanhol, dando o verbo pesquisar que conhecemos hoje. Perceba que os significados desse verbo em latim insistem na ideia de uma busca feita com cuidado e profundidade. Nada a ver, portanto, com atitudes displicentes ou sem empenho de aprofundar uma investigação cujo resultado demanda uma ela- boração sistemática ou metódica. Desse modo, os trabalhos superficiais de busca na Internet (levantamento de artigos, livros, dados estatísticos, etc.), cujo resultado é a colagem de frases em uma folha, feitos só para “conseguir nota”, não podem ser ca- racterizados como pesquisa séria, confiável ou científica. Também engana ser um texto científico que faz uso de slogans e falácias ou estratagemas argumentativos, visando intencionalmente a distorcer explicações, conduzir o leitor para uma determinada ide- ologia ou até aniquilar um suposto adversário, tornado inimigo, desqualificando-o ou difamando-o. Especialmente esse é mais um problema das ciências humanas e sociais, devido a sua fragilidade científica e maior interesse político-ideológico em exercer influência como ‘deve ser o mundo’, em vez de ‘explicar como o mundo é’ (ARENDT, 1972; LIMA, 2005). No Brasil, muitas dessas pesquisas não contribuem para o progresso 39 científico, porque estão apenas preocupadas em reproduzir habitus2; o defeito dessas “ciências” ainda é o seu “abstracionismo pedagógico” (AZANHA, 1992) ou teoricismo, em vez de investigar a realidade concreta ou cotidiana das pessoas em seus ambientes de trabalho (escola, universidade, empresa, etc.), lazer, etc. Em vez de argumentar e demonstrar com clareza, coerência e consistência suas observações e ideias, elas tendem a se valer de manobras retóricas, passando por cima, por exemplo, do alerta sobre os ídolos3 elaborados por F. Bacon, no século XVII, que em certa medida ainda devem ser observados na contemporaneidade. Em resumo, há que considerar tanto o sentido etimológico da pesquisa, bem como o seu uso indiscriminado, que nem sempre deve ser considerado como pesquisa científica. que signiFica pesquisa cientÍFica? Pesquisar, no sentido mais amplo, é procurar conhecer algo de forma sistemática. É fazer um trabalho de investigação minucioso de um determinado problema, visando a melhorar o seu conhecimento ou contribuir para o desenvolvimento da ciência. “A pesquisa é, simplesmente, o fundamento de toda e qualquer ciência” (BAGNO, 2005, p. 18). Logo, um conhecimento que não se baseia em pesquisa científica, que não apresenta sinais de “avanços” não pode ser considerado