Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Texto: Fraser, Nancy. “Da redistribuição ao reconhecimento: Dilemas da justiça em uma era ‘pós-socialista’”. In: Fraser, Nancy. Justiça interrompida. São Paulo: Boitempo, 2022. (Resenha das pgs. 27 a 58) A obra “Justiça interrompida” foi produzida por Nancy Fraser no ano de 1997. No texto “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialista”, temos uma discussão composta por quatro partes, sendo a primeira uma conceitualização analítica dos termos redistribuição e reconhecimento; a segunda uma distinção de três modos típico-ideias de coletividade social; a terceira uma diferenciação entre soluções afirmativas e transformadoras; e por fim, na quarta parte, Fraser propõe uma estratégia política que integre reivindicações de reconhecimento e de redistribuição. Fraser analisa que a luta por reconhecimento se tornou a forma paradigmática de conflito político no século XX. A mobilização pelo reconhecimento das diferenças vinculadas à nacionalidade, etnicidade, raça, gênero e sexualidade colocaram-se para além dos interesses de classe; tal deslocamento pode ser apontado como uma característica essencial da era pós-socialista: “[...] de forma crescente, reivindicações com base em identidades tendem a predominar, já que prospectos de redistribuição parecem retroceder. O resultado é um campo político complexo com pouca coerência programática” (FRASER, 2022, p. 30). Chamando de “redistribuição-reconhecimento”, Fraser, apresenta uma contradição interna às próprias reivindicações: por um lado, a luta por reconhecimento pressupõe diferenciação e especificidade; já a luta por redistribuição, desdiferenciação e igualdade. Ainda, é visto que alguns grupos necessitam tanto de reconhecimento quanto de redistribuição. Estes grupos são analisados por Fraser pelos modos típico-ideias: “classes exploradas, sexualidades menosprezadas e coletividades bivalentes”. Sendo respectivamente, coletividades em estruturas: político-econômicas; culturais-valorativas e híbridas - incluídas em ambas estruturas. Sua tese, desse modo, é de que as coletividades bivalentes, como exemplo, feministas e antirracistas, devem buscar tanto a apreciação da diferença – que seria a solução para a injustiça cultural – quanto a distribuição igualitária de recursos econômicos – que compensaria a injustiça de ordem material. Trata-se de uma recolocação do foco da justiça, de questões distributivas para matérias que cabem ao tema da diferença, e das políticas de reconhecimento que se interpõe como a nova pauta necessária. A partir de um recorte mais refinado, Fraser analisa a ação dos remédios “afirmativos” e “transformativos”. Para a autora, o multiculturalismo e a compensação da distribuição econômica injusta funcionam como remédios afirmativos para a injustiça cultural e econômica, respectivamente. No entanto, Fraser acredita que a redistribuição afirmativa pode acabar gerando injustiças de reconhecimento, pois embora em certa medida ela forneça o auxílio material necessitado, cria diferenciações de grupo fortemente antagônicas. Já os remédios transformativos operam de modo mais radical. Eles visam corrigir desigualdades remodelando a estrutura subjacente que as gera. A questão em jogo consiste na ruptura com um modelo de justiça restritivo distributivista, que implica a figura de um Estado que confere verticalmente bens e direitos a indivíduos que os aguardam de forma passiva; tal ação demanda uma virada normativa no sentido que a partir daí os próprios cidadãos autonomamente devem ser capazes de estabelecer direitos a partir de suas relações intersubjetivas, de modo que o papel do Estado consiste apenas na juridificação da normatividade. Fraser reformula o dilema redistribuição-reconhecimento na melhor combinação de remédios a ser utilizada pelas coletividades bivalentes. Para a autora, é necessário ter uma concepção dual ou bidimensional de justiça, ou seja, a justiça requer redistribuição e reconhecimento, nenhum por si só é suficiente. Portanto, trata-se de uma proposta incisiva, sobretudo quando se remete a necessidade de superação do dilema redistribuição-reconhecimento sob o argumento que os indivíduos sofrem injustiças tanto econômicas quanto culturais, defendendo uma economia socialista combinada com uma política cultural desconstrutiva, sendo está o melhor refinamento do dilema para coletividades bivalentes: “a intersecção de classe, “raça”, gênero e sexualidade intensifica a necessidade de soluções transformadoras, que façam a combinação de socialismo e desconstrução ser ainda mais atrativa.” (FRASER, 2022, p. 57).
Compartilhar