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.. Patrícia Birman , 
O QUE E 
UMBANDA 
editora brasiliense 
• 
colecão • ~ primeiros 
97 ••••Passos 
=~lllTURl~S == 
lNfíl~~ 
• A Luta pela África - Gérard Chaliand 
• Preconceito Racial no Brasil-Colônia - M. Luísa T. Carneiro 
• Ser Escravo no Brasil - Kátia de Queiroz Mattoso 
Coleção Primeiros Passos 
• O que é Capoeira - Almir das Areias 
• O que é Cultura Popular - Antonio Augusto Arantes 
• O que é Espiritismo - Roque ,/acintho 
• O que é Magia. - João Ribeiro Jr. 
• O que é Racismo - Joel Rufino dos Santos 
• O que é Religião - Rubem Alves 
Coleção Tudo é História 
• A Abolição da Escravidão - Suely R. Reis de Queiroz 
• A Afro-América: A Escravidão no Novo Mundo - Ciro Flamarion 
Cardoso 
•A Igreja no Brasil-Colônia (155,0c1800) - Eduardo Hoornaert 
• Os Quilombos~ a. fl~eti~frM~l'J'~~r~ lt f:i{Jv[s Moura 
.: . . ·~ ·: :. x·~~} 
Coleção Encanto .j\á~[çal. 
• Cruz e Souzar'- Ô 'Ntij°ro~rar\i(> -f Paulo Lt:!tTJinski 
• Os Cavaleiros d.o. ~om Jesus - Uma Introdução às Religiões 
Populares - f(CJb.eit] C/13.'!!.?~cna.ndes <:· - .. ·· 
O Nacional e o PopJiãr'n'a-Otilttifa·srãsileira 
• Artes Plásticas e Literatura - Carlos Zilio / Lfgia Chiappini / J. 
Luiz Lafetá 
• Música - Ênio Squeff /José Miguel Wisnik 
• Seminários - Marilena Chauí 
• Teatro - José Arrabal/ Mariângela Alves de Lima 
• Televisão - C. A. Messeder Pereira / Ricardo Miranda 
Patrícia Birman 
O QUE É 
UMBANDA 
40 anos de bons livros 
Copyright © Patrícia Birman 
Dipa e ilustrações: 
Ettore Bottini 
Revisão: 
José W. S. Moraes 
editora brasiliense s.a. 
01223 - r. general jardim, 160 
são paulo - brasil 
ÍNDICE 
- A umbanda como um culto de possessão . . 7 
- O simbolismo da umbanda . . . . . . . . . . . . . 28 
- As formas de organização do culto . . . . . . . 73 
- Indicações para leitura ................ 107 
•• •• •• 
lena
Para.Joel, 
Rubem César, Rosane, Patrlcia e Regina, 
interlocutores neste e em outros tra-
balhos. 
A UMBANDA COMO UM CULTO 
DE POSSESSÃO 
O exorcismo: santos ou demônios? 
Possessão é, sem dúvida, um tema fascinante. 
Por isso começaremos a analisar a umbanda através 
dela. Todos nós sentimos uma enorme curiosidade, 
permeada por um certo arrepio, quando presen-
ciamos uma cena de possessão. E não há por que 
nos espantarmos com esses sentimentos. Afinal, · 
apresenta-se diante de nós um fenômeno, de 
fato, extraordinário. · 
Medo e fascínio, atração e repulsão são formas 
de nos relacionarmos com fenômenos que são 
extraordinários porque colocam em cheque várias 
idéias preconcebidas que cultivamos na nossa 
cultura. Pois o tema da possessão diz respeito à 
mudança radical que se processa nas pessoas por 
8 Patrícia Birman 
intermédio do transe. Somos levados a observar 
um profundo mistério - a pessoa possuída se 
torna irreconhecível, muda de uma forma tal que 
nem seus amigos mais íntimos são capazes de 
dizer que ali está aquela mesma pessoa que eles 
conhecem. 
A idéia de possessão não está vinculada somente 
aos cultos afro-brasileiros. Aqui, em nosso país, 
esse fenômeno se apresenta em muitos cultos 
distintos que seguem princípios religiosos variados. 
Na verdade, falar de possessão entre nós, cidadãos 
brasileiros, faz parte do nosso feijão-com-arroz. 
Não é preciso ser espírita, umbandista ou membro 
de algum candomblé para viver submerso num 
mundo em que vagam espíritos, em que as inter-
ferências dos santos e das almas são permanente-
mente cultivadas. Daí para a possessão é só um 
pequeno passo. Alguém ser tomado por um 
espírito, estar sofrendo do encosto de uma alma 
penada não é uma coisa do outro mundo, com o 
perdão do trocadilho; faz parte da "ordem natural" 
das coisas. Em resumo, a possessão como uma 
forma particular de contato com o sobrenatural 
é uma referência constante da cultura brasileira. 
Temos, pois, um fenômeno que é bastante 
familiar a todos na nossa cultura, mas que nem 
por isso deixa de despertar sentimentos contra-
ditórios como medo e fascínio. · 
De início, o que quero ressaltar é a estranheza 
frente à mudança que é tematizada pela possessão. 
O que é Umbanda 
E aguda a diferença entre uma. pessoa considerada 
em estado normal e em possessão. O contraste 
entre os dois momentos, seja na umbanda, no 
candomblé, no pentecostalismo ou no espiritismo, 
sugere o paradoxo que fascina e amedronta: 
alguém deter o misterioso poder de ser ele mesmo 
e vários outros, desdobrando-se em personagens 
diversos com outras faces que não condizem com 
a sua identidade cultivada no cotidiano. Não há 
como evitar o sentimento de estranheza frente a 
um ritual de possessão, assistindo impassível ao 
momento em que uma pessoa "vira" outra, 
contradizendo a si mesma numa radical incompa-
tibilidade com o seu comportamento normal. 
Não são poucos os argumentos que foram 
produzidos na nossa cultura no intuito de comba-
ter essas representações da pessoa humana colo-
cadas pela possessão. 
Particularmente as religiões cristãs - e, no 
nosso caso, o catolicismo ~ promoveram ao longo 
dos . séculos um ataque feroz às religiões de 
possessão. "Pagãos" e "hereges" foram acusações 
que receberam durante muito tempo, às vezes 
temperadas por argumentos que destacavam o 
caráter "primitivo" dos povos que praticavam 
esses tipos de culto. Tais combates só foram 
possíveis em razão do lug~r privilegiado que a 
Igreja Católica ocupa na nossa sociedade. Não 
há, portanto, simples divergências, mas poderes 
claramente políticos que disputam o direito de 
9 
10 Patrícia Birman 
impor determinadas crenças e invalidar outras. 
As dif icu Idades com os cultos de possessão 
não ficaram somente no plano religioso. O Estado 
participou ativamente da repressão aos cultos, às 
"macumbas", particularmente no período do 
Estado Novo, com Getúlio. Mas, antes disso, as 
elites brasileiras já se preocupavam com o "pro-
blema" e, desde o século XIX, encontramos 
cientistas que se dedicaram ao estudo dos cultos 
afro-brasileiros, no mais das vezes partilhando 
posturas pouco simpáticas ao fenômeno da 
possessão. 
Não serão abordadas aqui todas as conseqüên-
cias dessas relações mantidas entre diferentes 
setores sociais com os cultos mediúnicos. Quere-
mos, antes, assinalar a dificuldade que enfrentam 
ao depararem com esse fenômeno. E para tanto, 
serão discutidos alguns problemas colocados pela 
possessão para dois sistemas de pensamento 
pertencentes a instituições poderosas em nosso 
país: o pensamento produzido pela Igreja Católica 
e o pensamento psiquiátrico. A referência à psi-
quiatria se explica pela enorme relevância social 
que seus pontos de vista possuem na sociedade; 
e em relação à Igreja parece desnecessário explicar, 
já que é inegável o poder dessa instituição na vida 
social brasileira. 
Evidentemente, para o catolicismo oficial, a 
possessão não tem lugar. Ela é combatida tanto 
com base em princípios teológicos quanto por 
O que e Umbanda 
razões políticas, num esforço inesgotável de manter 
a autoridade sobre o rebanho de fiéis. 
Esse combate assumiu em outros tempos um 
caráter terrificante. No início da Idade Moderna, a 
fogueira era um castigo pequeno para os possessos 
que caíam nas mãos da Igreja. Vamos tomar 
como exemplo um desses casos de terror, para 
em seguida discutir os princípios que levaram a 
Igreja a um ataque tão feroz à possessão. A história 
à qual me refiro é aquela que nos foi relatada no 
filme Madre Joana dos Anjos, de Kawalerowics. 
Para quem ainda não viu vale fazer um pequeno 
resumo. Numa pequena cidade da França, no 
século XVII, um grupo de freiras pertencentes a 
um convento de ursulinas começa a sofrer casos 
sucessivos e cada vez mais intensos de possessão. 
No final de algum tempo se forma um verdadeiro 
exército de ·endemoninhadas, chefiado pela própria 
autoridade máxima do convento, a madre Joana 
dos Anjos. Após vários episódios dramáticos, o 
diagnóstico da possessão é estabelecido, juntamente 
com a forma de seu combate: o exorcismo. O 
padre Surin, especialista em possessão,veio 
promover uma guerra total aos demônios. Em 
nome da fé, empunhando a cruz, tentará expulsá-
los dos corpos das freiras. O terror da possessão 
se apresenta com grande verossimilhança: "vemos" 
a ação dos diabos provocando nas freiras os mais 
desenfreados comportamentos, atitudes sexuais 
desregradas em nada condizentes com os votos de 
11 
12 Patrícia Birman 
castidade. Os corpos das freiras tornam-se 6 palco 
vivo de uma luta, criando-se fronteiras entre o 
Bem, simbolizado pela ação do padre exorcista, e 
o Mal, caracterizado como demônio em todos os 
comportamentos adversos à moral católica. A ação 
exorcista é que vai dar nitidez e concretitude às 
fronteiras entre o Bem e o Mal. O padre classifica 
e denomina os demônios, identifica e relaciona 
os comportamentos a serem exorcizados e por 
essa via estabelece a moral cristã'. 
Exorcismo é assim a categoria chave que explica 
a relação das Igrejas cristãs com a possessão. 
Trata-se sempre do mesmo movimento, que possui 
um duplo sentido: exorcizar os demônios é tam-
bém separar o Bem do Mal, definir claramente o 
que pode e o que não pode permanecer no corpo 
de um cristão. 
!: evidente que o cristianismo de hoje em dia 
muito se distancia dessas épocas passadas, em que 
a Igreja Católica usava o suplício e a fogueira. 
Embora tenha passado a época áurea dos espe-
cialistas em exorcismo e, conseqüentemente, não 
se façam mais possessos como antigamente, é 
inegável que foram mantidas, da parte das Igrejas 
cristãs, as mesmas concepções que deram origem a 
'esses especialistas. Exorcizar é ainda um verbo 
conjugado, se bem que de modo menos violento 
e, felizmente, com menos conseqüências práticas .. . 
Se entendermos o exorcismo pela sua carga simbó-
lica poderemos vê-lo como uma dramatização da 
O que é Umbanda 13 
Pomba-Gira. 
14 
\ 
Patrícia Birman 
moral cristã, ordenada rigidamente em torno da 
dicotomia Bem/Mal. 
Todos conhecemos bem a citação bíblica, do 
Gênesis, que informa o conjunto das concepções 
judaico-cristãs: 
"Di!;se também Deus: façamos o homem à nossa 
imagem e semelhança, o qual presida aos peixes do 
mar, às aves do céu, às bestas e a todos os répteis que 
se movem sobre a Terra. E criou Deus o homem à sua 
imagem: fê-lo à imagem de Deus e criou-os macho e 
fêmea". 
Nessa citação está implícito que todos os homens 
são iguais e tal igualdade se baseia na semelhança 
com Deus. A igualdade de princípio não significa 
que alguns não sejam "mais iguais" do que outros. 
Em outras palavras, há no cristianismo um modelo 
ideal de homem, construído segundo determinados 
critérios morais. O exemplo de Cristo e dos santos 
realiza esse modelo - estão mais próximos da 
imagem de Deus, foram os homens que conse-
guiram, mediante uma vida sem pecados, atingir 
ao máximo a integração e identificação com 
o Criador. 
· · Nas biografias dos santos católicos encontramos 
descrições de vida em que se exalta o esforço, o 
sacrifício, o embate permanente com as tentações, 
num movimento de busca da perfeição cada vez 
maior e de identidade cada vez mais plena com o 
O que é Umbanda 
modelo de Cristo. A busca da santidade corres-
ponde à prática cotidiana do exorcismo - expul-
sam-se os pecados, as tentações e tudo aquilo que 
puder ser identificado com o Mal, o oposto de 
Deus, o Diabo. O oposto da possessão diabólica 
é, pois, a comunhão mística, aproximação e 
identidade cada vez mais realizada com os princí-
pios divinos. 
A umbanda, que cultiva a possessão como algo 
benéfico, evidentemente, pensa e age diferente. 
Ao invés de expulsar as entidades sobrenaturais, 
consideradas necessariamente maléficas pelos 
cristãos, adota um outro lema: conviver com elas. 
Falar em possessão nos cultos afro-brasileiros 
implica logo qualificá-la. Quem desceu? Pode ser 
Ogum, Oxóssi, uma cabocla das matas, da cacho-
eira, um exu desconhecido. Aí, estamos muito 
longe de só pensar em termos de uma figura·. 
única - o Diabo. A dicotomia católica que separa 
Bem/Mal não permite ver na possessão os variados 
desenhos que formam os perfis das entidades 
sobrenaturais. Ao invés de termos simplesmente 
santos ou demônios temos muitos seres, com 
qualidades e perfis que não podem ser reduzidos 
a essas duas figuras. 
· No catolicismo, o poder de mediação dos 
santos para ajudar nas dificuldades humanas se 
deve à sua santidade. Estes só podem interceder 
em benefício dos homens na medida em que 
alcançaram um estado de pureza reconhecido e 
15 
16 Patrícia Birman 
exorcizaram todos os pecados mundanos. A 
hierarquia da Igreja também reproduz isso. O papa, 
homem igual a todos nós, tem contudo um poder 
espiritual acima de todos. A esse poder está rela-
cionada a idéia de uma vida sem pecados. 
A forma de tratamento que empregamos para nos 
dirigirmos ao papa é, pois, "sua santidade''. 
E aqui vemos a diferença radical entre a con-
cepção católica e a umbandista. Na primeira, o 
poder de interferir e ajudar os homens está 
intimamente relacionado com a moral - quanto 
mais santo, maior o poder. Já na umbanda, 
ninguém nega o poder de mediação dos exus, 
. embora ninguém igualmente se arrisque a colocar 
a mão no fogo pela retidão moral de qualquer 
um deles. Moral e poder são coisas que, na 
umbanda, funcionam separadas. Para se ter contato 
com forças sobrenaturais não é preciso ser 
nenhum santo - basta que se reconheça em si 
mesmo a presença de esp fritos e orixás querendo 
"trabalhar na Terra" e incorporar no seu corpo. 
São pois duas lógicas muito distintas. Em nome 
da cruz, o catolicismo expulsa os demônios. Em 
nome da caridade e da ajuda que os espíritos 
diversos podem oferecer aos homens, a umbanda 
·acata, no corpo dos seus médiuns, várias entidades . 
espirituais. 
O umbandista, como fiel de um dos cultos de 
possessão, é atacado pelas Igrejas cristãs por uma 
série de razões. Todas são, contudo, instrumen-
O que é Umbanda 
talizadas por aquela visão dicotômica entre o 
Bem e o Mal. 
o compromisso diabólico que os católicos vêem 
na possessão da umbanda justifica formas de 
combate político que possuem também outras 
razões mais práticas. Não resta dúvida de que o 
exercício da possessão, que permite aos fiéis um 
contato mais rápido e mais direto com as forças 
sagradas, ameaça o poder do padre, que pretende 
ter o direito exclusivo de fazer a mediação entre 
os homens e o mundo das forças sagradas. 
O nosso padrão de normalidade 
O exorcismo não é praticado unicamente por 
razões religiosas. i: o que nos ensinam os psiquia-
tras, que fizeram um julgamento quase definitivo: 
os possessos são alguns dos nossos loucos. 
Ficou célebre entre nós um médico legista que, 
na Bahia, tentou provar: que a possessão resultava 
de um desarranjo psíquico que, por coincidência, 
_ afetava particularmente os negros, em desajuste 
com a cultura ocidental. Esse médico, Nina 
Rodrigues, no final do século XIX, e seus suces-
sores argumentavam que a possessão podia ser 
explicada como sinal de doença mental. O compor-
tamento "diferente" das pessoas em transe seria 
um sinal seguro, uma evidência material da 
17 
18 
\. 
Patrícia Birman 
presença de desvios psicológicos do padrão de 
comportamento normal. Os negros, maioria nos 
terreiros de candomblé, teriam uma particular 
tendência à histeria e por essa razão é que perde-
riam a consciência no transe e acreditariam que 
estavam possuídos por deuses e espíritos. 
Quem explica a crença, qualquer que seja ela, 
como resultado de um desvio psicológico parte 
da suposição de que existe uma única cultura 
"correta" que corresponde às atitudes dos homens 
"sãos". Seriam, na melhor das hipóteses, "erros" 
ou desvios da normalidade, loucura. O padrão 
cultura.1 a que estão ligados aqueles que assim 
explicam seria, então, considerado o ponto de 
referência para se pensar a normalidade. Mas essa 
visão da psiquiatria, tão etnocêntrica e racista, é 
claro que não é mais a dominante hoje em dia. 
Embora tenhamos de reconhecer que a questão 
da possessão ainda éum problema sério. Em 
termos mais atuais, a possessão é vista como um 
conduto cultural ·adequado a manifestações 
neuróticas graves. E os centros de umbanda e 
candomblé são comparados a uma "psicoterapia 
do pobre". A redução do fenômeno de um plano 
cultural a um plano psicológico,· como vemos, 
· se mantém. 
Já devem estar relativamente claras para o 
leitor as razões da dificuldade da psiquiatria 
diante do fenômeno da possessão. A principal, 
e não reconhecida até hoje pela maioria dos psi-
D que é Umbanda 
quiatras, é que nesse fenômeno estamos lidando 
com uma concepção cultural, particular do que 
seja pessoa humana. Se compararmos em duas 
fórmulas a visão psiquiátrica e a umbandista, 
teremos de um lado a fórmula "vários espíritos 
numa só cabeça" e, de outro, "um só espírito 
para uma única cabeça". 
A visão psiquiátrica está fundada numa idéia 
muito cara a todas as práticas de conteúdo psico-
lógica - é a idéia de ego. O ego para a psiquiatria 
é a instância de consciência do sujeito; que garante 
a este um comportamento em sintonia simulta-
neamente consigo mesmo e com a sociedade. -
Toda a psicologia de base no ego supõe uma 
adequação do sujeito aos critérios de razão exis-
tentes em sua época e um comportamento condi-
zente com os costumes sociais imperantes. Assim, 
supõe-se um comportamento "racional" e um 
ego "normal" para aqueles socialmente adaptados, 
em perfeita sintonia com os valores e preceitos 
impostos por seu grupo social. A doença mental 
decorreria da quebra dessa sintonia, produzindo 
no indivíduo ações "irracionais", ou seja, fundadas 
em princípios não condizentes com determinados 
valores da sua sociedade, que estariam, em conse-
·qüência, em desacordo também com o seu próprio 
ego. 
Há um conceito psiquiátrico ·que expressa bem 
o domínio do ego· nas suas concepções: "egossin-
tônico" - termo com o qual se designa uma 
19 
20 Patrícia Birman 
-
particularidade do caráter do indivíduo que está 
em perfeita harmonia com o seu ego, em que este 
é pensado como um tipo modelar de características 
adaptáveis à realidade envolvente. 
A psicologia do ego coloca o indivíduo sob 
o controle absoluto da sua consciência, o que 
garantiria uma harmonia com a realidade à sua 
volta e uma coerência e fidelidade a si mesmo. 
Tornando tal parâmetro como critério de verdade, 
a possessão só pode ser vista como uma quebra 
desse pilar de sustentação do sujeito que é a 
consciência. O indivíduo em transe sofre uma 
perda de consciência e, além d~sso, apresenta um 
quadro de alteração de . comportamento rapida-
mente identificado pela psiquiatria como doença 
mental. A ação da pessoa em estado de possessâ'o, 
"tomada" por um espírito de caboclo ou de exu, 
e agindo segundo exigem essas personagens, é 
interpretada como "histeria" - o indivíduo está 
sendo vítima de um processo psíquico que inter-
fere na coerência do seu ego, gerando em conse-
qüência essas variações de "personalidade". 
Para os umbandistas, cada qual possui natural-
mente muitas faces, já que a sua pessoa, por 
destino, é sujeita a espíritos diversos, que a 
escolheram como "cavalo". Encontramos aí na 
religião um princípio diverso que orienta a visão 
do mesmo · fenômeno: ao invés do indivíduo 
centrado nele mesmo, tendo a sua consciência 
como fulcro de sua pessoa, ele é integrado num 
O que é Umbamia 
sistema . mais global, objeto da ação de forças 
diversas que podem se chamar Xangô, lansã, 
preto-velho e .outros mais. 
21 
O que é difícil perceber, ao se colocar lado a 
lado essas duas concepções tão diversas entre si, 
é que ambas possuem uma lógica que tem a sua 
coerência garantida a partir da aceitação de deter-
minados pressupostos. Em conseqüência, analisam 
os mesmos fenômenos a partir de formas de 
pensar que só fazem sentido dentro de seus pró-
prios sistemas. O grande problema é a psiquiatria 
não se dar conta dessa diferença cultural que 
condiciona tanto a sua interpretação do fenômeno 
quanto qualquer outra. Usar a oposição saúde/ · 
doença para explicar fenômenos culturais não 
permite entender o que se passa e muito menos 
relativizar os seus próprios valores. 
Mas há ainda outras razões que ultrapassam a 
psiquiatria e que de certa forma se encontram 
presentes em nosso argumento. Hoje em dia, as 
ciências humanas têm questionado as afirmações 
categóricas que colocam o homem como sujeito 
pleno da sua consciência, como indivíduo racional, 
centro de si e da sociedade. Nem no plano psico-
.lógico nem no plano social existe esse homem 
onipotente capaz de conduzir a seu bel-prazer 
as instituições sociais e a sua pessoa. Ao contrário 
disso, ele é fruto de uma lógica inconsciente, 
própria do sistema cultural em que se socializou 
e das condições sociais em que vive. 
22 Patrícia Birman 
No início deste século começou um lento 
processo para revisão dessas formas estabelecidas 
de pensamento. Com Freud, a psicanálise descentra 
o sujeito do ego, rompendo a hegemonia desse 
último, ao conferir ao inconsciente um lugar 
fundamental para a constituição da subjetividade. 
Apenas parcialmente, a <psiquiatria incorpora as 
descobertas freudianas, de forma a encontrarmos 
ainda em algumas de suas tendências - imper-
meáveis à idéia de inconsciente - este obstáculo 
para compreensão do fenômeno da possessão 
(Birman, 1982). Da mesma forma, a tradição 
antropológica passa a interpretar- os sistemas 
culturais como regulados por uma lógica incons-
ciente, transcendendo assim a possibilidade de 
controle absoluto dos processos culturais pelos 
indivíduos. 
Quando analisamos as perspectivas da Igreja 
Católica e da psiquiatria ficamos, pois, diante de 
duas formas distintas de se reduzir o fenômeno da 
possessão: numa, se reduz a uma falha moral, que 
transforma o indivíduo em morada de seres que 
por princípio não deveriam ter lugar ali; e na outra, 
se reduz a uma falha na consciência do sujeito 
que deveria ter controle absoluto sobre a sua 
· inserção no mundo. Segundo Mareio Goldman 
(1982) a possessão coloca em questão um dos 
grandes dogmas da cultura ocidental: "o possuído 
é, evidentemente, um ser unitário e, no entanto, 
de modo paradoxal, ele é mais que um ... Como 
O que é Umbanda 
aceitar que o 'sujeito' pode se colocar fora do 
domínio 'pré-civilizado' ou mesmo a irrupção de 
um processo patológico? As formas de êxtase 
reconhecidas como mais ou menos legítimas pelo 
Ocidente, longe de questionarem essas consta-
tações, reforçam-nas". Em nome da fé, ou da 
consciência, tanto faz, a possessão sofre junto a 
esses sistemas de pensamento o exorcismo. Tanto 
em um quanto no outro a questão da unidade 
da pessoa se coloca de modo fundamental. De um 
lado o sujeito deve ser englobado. pelos valores 
morais, sem admitir em si o que tiver condenado 
como uma das faces do Mal. De outro lado, a 
razão como império da consciência nega e expulsa 
tudo que se assemelhar a uma perda de coerência 
do sujeito. 
O paradoxo umbandista 
. Voltemos, agora, à fórmula introduzida na 
discussão sobre possessão. Foi dito que, em relação 
à representação da pessoa humana, a umbanda 
tem a possibilidade de empregar a seguinte 
fórmula: "vários espíritos numa só cabeça". 
Ora, tal fórmula junta termos que se nos apresen-
tam de forma contraditória. Como é possível 
sustentar esse paradoxo de "várias pessoas numa 
só pessoa", ou em outra linguagem, de "vários 
23 
24 Patrícia Birman 
espíritos numa só cabeça"? 
Essa fórmula paradoxal no seu sentido coloca, 
em termos gerais, o seguinte problema: como é 
possível falar de "um" englobando "muitos"? 
Esta questão da relação entre o Um e o Múltiplo 
não pertence somente à umbanda. Vamos encon-
trá-la em todas as religiões. Mas, há na maneira 
óe a umbanda lidar com esse problema algo que 
lhe é peculiar, a sua marca, de fato. 
Comecemos por um exemplo bastante eluci-
dativo. Nas últimas eleições, uma mãe-de-santo que 
se candidatava a vereadora confidenciou-me que 
um de seus espíritos, o preto-velho Pai Antônio, 
desde o inícioda campanha fora contra o seu 
envolvimento com a política. No julgamento dele, 
política nunca é uma boa coisa. Mas, contradi-
zendo os conselhos desse guia, o seu Exu Caveira 
deu-lhe todo apoio. Tanto assim que ela já tinha 
resolvido, caso houvesse vitória, dedicar uma 
grande festa para Exu. Os espíritos deram indica-
ções contraditórias. Como fazer, se não há nada 
que exija uma orientação única e exclusiva? 
A diferença entre os pontos de vista de um exu e 
um preto-velho tem a sua plausibilidade. Afinal de 
. contas, pertencem a domínios distintos: enquanto 
um exu tem compromissos com a esquerda, com as 
"trevas", o preto-velho é sempre considerado um 
espírito de "luz". E o médium, que deve graças a 
todos, é obrigado, como nesse exemplo, a conciliar 
na sua pessoa pontos de vista e orientações diversos. 
O que é Umbanda 
Com isso não queremos dizer que não haja 
critérios para os méd uns avaliarem as palavras e 
conselhos dos espírito; . As próprias características 
destes servem de ponto de apoio para uma tomada 
da posição. Entre o que diz um exu e um preto-
velho, certamente é preciso distinguir para si que 
tipo de interferência na realidade se deseja, ou 
ainda, quais ·as razões que levaram tal ou qual 
espírito a dar o seu conselho. i: plausível, por 
exemplo, considerar que os conselhos de um 
preto-velho guardam necessariamente um fundo 
moral e, além disso, são sempre dados com base 
em uma grande lealdade para com o médium. 
E, quanto ao exu, todos sabem que este, detentor 
de um grande poder, é capaz de abrir os caminhos 
mais difíceis. 
Os umbandistas são, portanto, súditos de vários 
senhores e dividem o seu tempo, o seu corpo e a 
sua pessoa trabalhando para todos, tentando 
conciliar essas vontades diversas entre si e consigo 
mesmos. Em termos simbólicos, a possessão 
representa a tensão que apresentamos como 
paradoxal - de uma pessoa, em sendo ela mesma, 
poder se apresentar com muitas faces. Mas a 
tensão entre o Um e o Múltiplo não se esgota aí. 
Ela avança pela doutrina e pelas formas de orga-
nização da umbanda. 
No plano da organização social, a religião 
umbandista pode ser considerada um agregado 
de pequenas unidades que não formam um 
25 
./ 
26 Patrícia Birman 
conjunto unitário. Não há, como na Igreja Católica, 
um centro bem estabelecido que hierarquiza e 
vincula todos os agentes religiosos. Aqui, ao 
contrário, o . que domina é a dispersão. Cada 
pai-de-santo é senhor no seu terreiro, não havendo 
nenhuma autoridade superior por ele reconhecida. 
Há, portanto, uma multiplicidade de terreiros 
autônomos, embora estejam unidos na mesma 
crença, havendo também um esforço permanente 
por parte dos 1 íderes umbandistas no sentido de 
promover uma unidade tanto doutrinária quanto 
na organização. Criam federações, tentam esta-
belecer formas de relacionamento entre os vários 
centros decisórios, tentam enfim enfrentar a 
dificuldade de conviver simultaneamente com 
formas de organização dispersas e tentativas de 
centralização. 
A mesma dificuldade se reflete no plano dou-
trinário. Entre os terreiros são encontradas dife-
renças sensíveis no modo de se praticar a religião. 
Tais diferenças, contudo, se dão num nível que 
não impede a existência de uma crença comum 
e de · alguns princípios respeitados por todos. 
Há, pois, uma certa unidade na diversidade. 
A diversidade se expressa nas várias e reconhe-
cidas · influências de outros credos na umbanda. 
Encontramos adeptos de umbanda que praticam a 
religião em combinação com o candomblé, com o 
catolicismo, que se dizem também espíritas, 
absorvendo os ensinamentos de Kardec e, entre 
O que é Umbanda 
estes, as variações continuam: centros que aceitam 
determinados princípios do candomblé e excluem 
outros, que se vinculam a uma tradição por muitos 
ignorada etc. Não há limites na capacidade do 
umbandista de combinar, modificar, absorver 
práticas religiosas existentes dentro e fora desse 
campo fluido denominado "afro-brasi lei r'o". 
Fato é que os umbandistas desenvolveram formas 
próprias de lidar com essas características da sua 
religião. A segmentação, a dispersão, a multipli-
cidade · se combinam de alguma maneira com a 
unidade, a doutrina, a hierarquia. Essas combi-
nações estão claramente presentes nas formas 
como os religiosos elaboram a relação dos médiuns 
com os esp fritos, nas formas pelas quais organizam 
a multiplicidade de santos num conjunto inteli-
gível e como também conseguem, apesar da 
segmentação, reunir todos os fiéis numa mesma 
doutrina. 
São essas formas, em suma, que pretendemos 
entender aqui. A possessão é o melhor paradigma 
dessa tensão entre o Um e o Múltiplo que atravessa 
todas as questões peculiares à umbanda. Encerra o 
paradoxo de uma só religião com muitas faces 
e muitos deuses. 
• • •• •• 
27 
O SIMBOLISMO DA UMBANDA 
Guias e orixás 
Um amigo umbandista, pai-de-santo de longa 
data, me confidenciou que nada em sua casa se 
decide sem que se consulte o seu preto-velho, 
Pai Joaquim D' Angola. Para qualquer assunto, 
problemas com as crianças, doenças, uma decisão 
importante - pronto, "o velho baixa" e resolve. 
Mas Pai Joaquim, embora tão requisitado, não 
é o único presente na cabeça desse pai-de-santo. 
Ele conta com outros guias que também são 
muito considerados. Tanto é assim que outro dia 
compareci a uma festa na sua casa em homenagem 
a Exu_ Caveira. Como várias outras festas, essa foi 
cuidadosa e requintadamente preparada. Lá pude 
observar que esse exu também conta com uma 
grande clientela - recebeu muitos presentes, a 
O que é Umbanda 
casa estava cheia, com todos os médiuns e convi-
dados se esmerando para dar à ocasião o máximo 
de brilho. 
Já um outro conhecido semanalmente consulta 
o seu exu, Zé Pilintra, exu de tipo malandro com 
uma vasta popularidade na vizinhança. Embora 
seja quem, de longe, mais compareça ao terreiro, 
esse exu disputa as preferências do centro com 
várias outras entidades. Nessa casa, que, segundo o 
séu pai-de-santo, é traçada com angolaJ ou seja, 
mistura candomblé com umbanda, há lugar de 
destaque para todos os orixás e cada filho-de-
santo sabe quem é o dono de sua cabeça - se é 
Ogum, lansã, Oxum ou outros. 
Como entender tais entidades, seus papéis, a 
importância e as diferenças que existem entre 
elas? Qual é a lógica que lhes dá sentido? 
Os livros de divulgação da doutrina umbandista 
habitualmente sugerem dois argumentos, comple-
mentares. Um, de que as divindades cultuadas na 
umbanda e no candomblé são de origem africana 
e que, com a convivência ·no Brasil, sofreram 
um processo de sincretismo com a tradição 
católica. Assim, para compreendê-las é preciso 
voltar às origens, restabelecendo o sentido que 
possuíram no passado, até hoje presente nas casas 
mais tradicionais. Outro argumento nos diz que 
a umbanda "desvirtuou" o sentido original das 
crenças africanas e nela é possível reconhecer 
outras influências, como a indígena, o espiritismo 
29 
30 Patrícia Birman 
branco, que devem então ser incluídos no estudo 
de suas origens. 
A busca das origens e o estudo dos processos de 
sincretismo entre as várias tradições presentes 
nesses cultos não me parecem suficientes para dar 
conta do sentido que possuem tais práticas 
re.ligiosas. Não importa muito saber se em tempos 
passados um orixá tinha tal ou qual característica 
de origem africana mas sim compreender que a 
característica de ontem não significa a mesma 
coisa agora. O sentido dos símbolos muda junto 
com a sociedade que os utiliza. 
Para entender o porquê e o sentido dessa expe-
riência religiosa que implica tantos recursos ao 
sobrenatural, partiremos da maneira como os 
umbandistas ordenam a sua doutrina de modo a 
conter tantos guias, divindades e espíritos. 
Com efeito, o que causa espanto a qualquer 
pessoa é o número incrivelmente grande de 
espíritos que são capazes de incorporar num 
único médium. E, por mais que um determinado 
médium tenha uma vasta capacidade de incorpo-
ração, jamais conseguiráesgotar todo o repertório 
de santos e espíritos existente. Mostramos há 
pouco que os médiuns e pais-de-santo cultivam as 
suas preferências - cada qual tem um espírito 
a quem recorre com mais facilidade e que considera 
de modo especial, não· importa qual o motivo. 
As preferências se dão, contudo, numa certa 
lógica que tentaremos entender aqui. 
O que é Umbanda 
Aparentemente, é tudo muito simples. Os 
livros de umbanda nos ensinam que existe uma 
hierarquia no "astral", da qual emana o valor de 
todas as entidades sobrenaturais. Nessa hierarquia 
temos, segundo uma ordem de importância, 
primeiro o deus supremo, denominado Oxalá, 
que corresponderia ao Deus católico. Em seguida, 
vêm os orixás, divindidades de origem africana, 
que estariam relacionadas com determinados 
domínios da Terra. Os orixás seriam santos que 
nunca "encarnaram". Vinculados a estes, seguem 
os espíritos de diversas "linhas", que podem 
ainda se subdividir em "reinos" ou "falanges". 
Para exemplificar, daremos uma classificação. 
Renato Ortiz escolhe uma classificação que 
considera das mais consistentes entre os vários 
autores umbandistas, retirada do livro Umbanda 
de todos nós, de Matta e Silva (Ortiz, 1978). 
Essa classificação nos apresenta um conjunto de 
santos e orixás divididos em sete linhas que, por 
sua ' vez, subdividem-se em mais sete, e assim 
por diante. 
Teríamos, então: 
31 
Oxalá /emanjá Xangõ Ogum 
Caboclo Urubatão Cabocla Yara Xangô-Kaô Ogum de Lei .. Ubirajara .. lndayá .. Sete Pedreiras .. Yara .. Ubiratâ' .. Nanã-Burucu .. Pedra.Preta " Megê .. Aymoré .. Estrela-do-Mar .. Pedra-Branca " Rompe-Mato .. Guaracy .. Oxum " Sete Cachoeiras " Malê 
" Guarani " lansã " Agodô " Beira-Mar 
" Tupy " Sereia do Mar " Matina ta 
Oxóssí Crianças Pretos· Velhos 
Caboclo Arranca-Toco Tupãzinho Pai Guiné 
" Jurema Ori Pai Tomé .. Araribóia Yariri Pai Arruda 
" Guiné Doum Pai Congo de Aruanda .. Arruda Yari Maria Conga .. Pena-Branca Damião Pai Benedito .. Cobra-Coral Cosme Pai Joaquim 1 
O que é Umbanda 
\. 
Mas, de fato, as classificações variam. O exemplo 
acima, como vemos, não apresenta o exu como 
um orixá da umbanda. E várias das entidades que 
aí se encontram vinculadas a uma determinada 
linha vão aparecer ligadas a outras na concepção e 
na prática de médiuns diversos. O que é interes-
sante reter é a idéia de fifJha. Cada orixá é conce-
bido de uma determinada maneira, com algumas 
qualidades e ligado a um domínio espedfico da 
natureza. As entidades que se manifestam "na linha" 
de um determinado orixá são representadas com 
seus atributos básicos. Constituem-se como varian-
tes de um tipo fixado. 
Temos, então, um sistema que classifica espécies 
de acordo . com determinados domínios, como: 
Xangô, divindade que se associa aos trovões, aos 
raios; Oxum, deusa associada às águas doces, ao 
arco-íris; lemanjá, que domina as águas etc. Cada 
entidade tem a possibilidade de se desdobrar em 
variantes de um número infinito, mantendo a rela-
ção com o domínio do seu orixá. E essas variantes, 
por sua vez, podem combinar-se entre si. 
Quem freqüenta os meios umbandi'stas e can-
domblecistas pode observar que os orixás também 
se apresentam como signos importantes na 
construção dos apelidos de determinados rei igiosos. 
Armando de Ogum, Luís de Xangô, Marisa de 
Oxum e assim por diante. Não há dúvida de que 
aquele que associa o seu nome a um determinado 
orixá está não só afirmando uma filiação a um 
33 
34 Patrícia Birman 
santo mas também acrescentando à sua pessoa 
atributos pertencentes ao orixá, dono da sua 
cabeça. Quem se diz "de Ogum" se associa à 
imagem do santo guerreiro, vencedor de demandas 
- à bravura, à luta se junta a imagem de um 
corpo fechado, imune aos ataques do mal. Já 
Oxum lembra a vaidade, o feminino etc. As re-
ferências aos orixás se constituem, pois, como 
emblemas importantes tanto para a construção 
dos espíritos das respectivas linhas quanto para 
a construção da imagem e identidade do filho-de-
santo. 
Na figura de um filho-de-santo, pronto para 
receber as suas entidades no terreiro, destacam-se 
os colares, também chamados de guias, que são 
indicativos dos orixás que ele possui. Cada cor 
se associa a um deles, formando sobre o peito dos 
mais antigos um enorme volume de contas colori-
das. Não é qualquer um que pode exibir uma 
grande quantidade de guias - o seu número se 
associa à importância do médium, à sua anti-
guidade no terreiro, ao seu posto na hierarquia. 
Dificilmente alguém terá um número de guias 
maior que a mãe ou o pai-de-santo da casa, que, 
por princípio, é quem conta com o maior número 
de espíritos na sua cabeça. 
Mas percebemos que somente algumas das 
entidades ordenadas no conjunto daquela classifi-
cação são objeto de uma relação mais especial 
com os médiuns. Citei, há pouco, dois pais-de-
0 que é Umbanda 35 
J 
~ 
1 
$ 
f ' f : 
' \ ~ 1 \ ' I 
~ .. 
Preto Velho. 
36 Patrícia Birman 
santo que, na hora de resolverem seus problemas, 
apelam para um guia determinado, embora 
trabalhem para muitos. Com efeito, os umbandistas, 
apesar de fazerem obrigações para todos os orixás 
- nas cachoeiras, nos cemitérios, nas matas, nas 
encruzilhadas, ofertando-lhes velas, comidas e 
flores em arranjos caprichados-, destacam apenas 
alguns deles para a resolução de seus problemas 
cotidianos. Em outras palavras, de acordo com 
uma ordem "prática", alguns guias possuem 
maior importância que outros. 
Quais são os critérios que distinguem uns de 
outros? E, finalmente, que guias são esses? 
Em termos práticos, os umbandistas privilegiam 
os espíritos que "dão consulta", isto é, que são 
capazes de, incorporados no corpo do médium, 
interagi r com os participantes do terreiro, aju-
dando-os a resolver seus problemas. Os que "dão 
consulta" formam um certo conjunto à parte, 
pela importância que possuem na vida cotidiana 
dos terreiros. 
E: interessante observar a metamorfose por que 
passam as entidades que dão consulta incorporadas 
nos médiuns. Ao longo do tempo, vão adquirindo 
contornos cada vez mais precisos; suas formas, 
seus estilos tornam-se, com o passar do tempo, 
marcas inconfundíveis da sua presença. No final 
de alguns anos, são verdadeiras personagens de 
"carne e osso" conhecidas não só no âmbito 
do terreiro mas também na sua vizinhança, no 
O que é Umbanda 
bairro. Algumas chegam a ocupar a cena no estado, 
como foi o caso do Seu Sete da Lira, exu que 
incorporava numa senhora da periferia do Rio 
de Janeiro que ganhou fama e espaço na televisão. 
Cada centro tem uns poucos personagens assim. 
Os freqüentadores lá aparecem semanalmente 
para obter uma consulta com um deles. Num 
terreiro que conheci, o guia mais famoso era um 
caboclo, "Seu Pena-Branca". As pessoas da casa 
eram capazes de enumerar grande quantidade de 
curas que ele teria realizado. Sabiam dizer do que 
o guia gostava, que tipo de problema ele melhor 
resolvia, qual o seu temperamento. Eram capazes 
também de reconhecer a sua voz e os seus gestos 
mais comuns. · 
Existe uma separação nítida entre as entidades 
que "dão consulta" e as demais. Somente as primei-
ras se transformam em personagens com vida própria 
nos terreiros. O instrumento de tal transformação 
nada mais é do que a materializaçâ'o de uma idéia 
que, de início, só existe na mente do religioso - a 
consulta materializa o espírito para todos. 
Caboclos, pretos-velhos, exus e crianças formam 
o conjunto do qual são retirados os espíritos que 
dão consulta. 
Há algo de peculiar que une esses tipos de 
espíritos entre si. E são essas particularidades que 
dão à umbanda · o que ela tem de mais específico 
na sua dinâmica. A eficácia social que possui 
essa religião se baseia em grande parte no papel 
37 
38 Patrícia Birman 
atribu ido a esses quatro tipos de espíritos. 
Uma característica marcante dos orixás na 
concepção do candomblé é que todos pertencem 
à natureza. O mundo natural é dividido em 
domínios regidos por suas respectivas divindades. 
Já o pensamentoumbandista, através desse 
conjunto, redimensiona· a natureza e introduz 
espíritos pertencentes ao domínio da "civilização". 
Cria, portanto, uma outra forma de pensar o 
mundo sobrenatural e o sagrado. 
Basicamente, teríamos o mundo pensado em 
três domínios distintos: a natureza, o mundo 
civilizado e o terceiro seria o avesso da civilização, 
que podemos chamar de mundo marginal e peri-
férico. Teríamos assim quatro tipos de espíritos 
originários de três domínios: 
Natumza Mundo civilizado Mundo marginal 
caboclos pretos-velhos exus 
crianças 
Passemos a descrevê-los concebidos de acordo 
com esses três domínios. 
Caboclo é o nome dado aos índios na umbanda. 
A concepção desse tipo se apóia nitidamente numa 
idéia romântica da natureza, vista como uma 
fonte de emanação de qualidades que se vinculam 
ao estado selvagem. Os caboclos, por essa razio, 
são representados como personagens altivos, 
O que é Umbanda 
orgulhosos, indomáveis. Quando desce um caboclo 
no corpo de um médium é impossível não reco-
nhecê-lo: solta gritos, bate com as mãos no peito, 
anda pelo centro de cabeça erguida, como um 
verdadeiro senhor das selvas. E desse jeito eles 
se apresentam porque, afinal de contas, são os 
nossos índios, "selvagens e primitivos". Orgulho 
e altivez são qualidades que possuem os homens 
ainda não contaminados pela civilização. E lugar-
comum dizermos que os nossos índios, ao contrá-
rio dos africanos, sempre resistiram à escravidão. 
Os seres da natureza, informam-nos os livros 
escolares, são fortes, brutos e indóceis, já que não 
se sentem relacionados nem comprometidos com 
os valores da civilização. 
A representação que os umbandistas fazem dos 
espíritos de índios está expressa nos nomes que 
lhes atribuem. Geralmente são nomes que indicam 
como estes são e a que lugar pertencem. Por 
exemplo: Caboclo Arranca-Toco, Caboclo Tira-
Teima, Caboclo Rompe-Mato; esses nomes, 
bastante comuns, inclusive, dão relevo a um 
movimento de força bruta e, ao mesmo tempo, 
uma relação com a natureza, lugar onde essa força 
pode ser exercida com plenitude e autonomia. 
Outra série de nomes de caboclos tende a enfatizar 
a condição de índios desses espíritos, e para 
isso relaciona-os com tribos indígenas que já 
existiram ou ainda existem no país. A língua 
tupi é a fonte privilegiada para alimentar esse 
39 
40 Patrícia Binnt11 
exercício de denominação; surgem assim vanos 
caboclos Mirim, Ubiratã, Jacira, Jurema, Tupi-
nambá etc. Outros vão ter seus nomes formados 
a partir do destaque de uma parte da imagem do 
índio, tomada como emblema - são os vários 
Pena-Branca, Seté Flechas etc. 
Os orixás tradicionais do candomblé se apre-
sentam, predominantemente, como caboclos na 
umbanda, já que estes são identificados com vários 
domínios da natureza: selva, cachoeira, águas, 
pedreira. 
Em oposição aos seres da natureza, os caboclos, 
temos os pretos-velhos, associados, juntamente 
com as crianças do astral, ao domínio da civilização. 
Os pretos-velhos se apresentam no corpo dos 
médiuns como figuras de velhos, curvados pelo 
peso da idade, falando errado, pitando um 
cachimbo, bebendo vinho numa cuia, numa ima-
gem que pretende retratar fielmente o ex-escravo 
africano das senzalas brasileiras no século passado. 
A elaboração desse tipo faz sobressair com vigor a 
condição de pretos e escravos. Por vezes, ouvimos 
nos terreiros referências aos pretos-velhos como 
grandes feiticeiros - teriam aprendido no período 
da escravidão mandingas infalíveis que usavam 
para se defender da maldade dos senhores brancos. 
A essa feição intimidante associada à magia negra 
se contrapõem as qualidades que mais se destacam 
nesse tipo: os pretos-velhos são vistos como 
bondosos, humildes, generosos e paternais. Tratam 
O que é Umbanda 
a todos como filhos e são chamados pelos inte-
grantes dos terreiros como pais ou avós. O predo-
mínio dessas qualidades afetivas na construção 
dos pretos-velhos como personagens da umbanda 
se dá pelo fato de serem eles pensados como ele-
mentos subordinados (escravos) numa área em que 
a nossa sociedade os coloca como predominantes 
das relações afetivas e de parentesco - a área 
doméstica. Assim, apesar de grandes feiticeiros, os 
pretos-velhos são aqueles que foram vencidos 
pelo afeto e sentimentos paternais, estabelecendo 
com os seus senhores uma relação de lealdade, 
como humildes servidores da casa-grande. 
A criação desses personagens sabiamente salienta 
em seus nomes os seus traços mais marcantes. 
Marca-se nos nomes o vínculo com relações fami-
liares, o lugar doméstico que o escravo ocupa e 
a origem africana. Temos, assim, Pai Joaquim 
D' Angola, Vovó Catarina, Vovó Maria Conga, 
Pai Antônio da Guiné, Tia Rita etc. 
Vejamos agora os exus. Não há quem ignore a 
força e o perigo potencial dos exus. Representam 
o "outro lado" da civilização, o lado marginal e 
-ambíguo. O seu domínio, afinal, é exatamente o 
inverso do privado e familiar. Os exus nada têm 
a ver com os valores da casa, da família - deles, 
portanto, não se espera lealdade nem afeto. !: 
impossível chamar um exu de "vó" ou de "pai" 
como acontece com os pretos-velhos. A sua área 
por excelência é a rua. Quando se quer fazer uma 
41 
42 
r 
Patrícia Birman 
obrigação ritual para eles, os locais escolhidos são 
marcados por uma certa condição marginal, como 
os cemitérios e as encruzilhadas. Os exus são 
referidos habitualmente como "povo da rua". 
E é interessante essa forma de denominá-los; 
podemos retirar daí algumas associações. Povo 
da rua lembra facilmente a massa anônima que 
circula pela cidade, os trabalhadores, as pessoas 
comuns que ocupam o espaço público nas suas 
idas e vindas. Fica claro que na elaboração do tipo 
exu existe uma oposição fundamental entre o 
domínio da casa e da rua. O primeiro é marcado 
pelas relações de afeto e de parentesco e o segundo 
pela marginalidade, pelo anonimato e relações 
impessoais. Freqüentemente os e?<US são conce-
bidos como malandros, mestres em contornar 
situações difíceis. A identificação do exu ·com o 
domínio da rua gerou um tipo que é muito popular 
na umbanda: o exu Zé Pilintra, figura gêmea do 
malandro carioca. A versão feminina da malandra-
gem fica por conta de uma outra figura, a da 
pomba-gira, que compõe a imagem de uma mulher 
ligada ã prostituição. 
e notória a ambigüidade moral dos exus. Se por 
alguns são nitidamente associados ao diabo, por 
outros são considerados seres amorais, ambíguos, 
que por isso mesmo são representados como 
bons mediadores, capazes de quebrar qualquer 
galho e excelentes abridores de caminhos. 
Tranca-Ruas, Caveira, Sete Encruzilhadas são 
O que é Umbanda 
alguns exemplos de nomes de exus que explicitam 
o compromisso dessas entidades com a área urbana 
marginal. Representam, pois, o avesso da civiliza-
ção, das regras, da moral e dos bons costumes. 
Por último, fechando o quadro das entidades 
que mais dão consulta na umbanda, temos as 
crianças, relacionadas como Cosme e Damião ou 
lbeji. O conjunto dos tipos, como é possível 
acompanhar pela descrição que vamos fazendo, é 
organizado de maneira que cada um se relaciona 
de algum modo com os outros, através do contraste 
de algum traço que lhe é fundamental. São elabo-
rados, pois, não como tipos isolados, mas em 
articulação com os demais. 
As crianças, cor:no é de se esperar, são tipos mais 
próximos dos pretos-velhos, já que dividem com 
eles o espaço doméstico. Também como eles são 
dependentes dos adultos, brancos. Nos terreiros, 
os médiuns possu idos por crianças exageram nos 
gestos que denotam infantilidade - usam chupetas, 
falam tatibitati, brincam, melam a todos com 
doces. Por oposição aos adultos, as crianças não 
possuem nem senso de moral nem de responsabili-
dade. Por isso, são mestres em fazer brincadeiras 
nem sempre inocentes mas que se explicam pelo 
fato de que "ainda não cresceram". Seriam assim 
pequenos selvagens no interior do domínio 
civilizado. Pouco evolu idas em · relaçâ'o aos 
adultos,nâ'.o são, contudo, humildes como se 
exige dos escravos. São brancas e no futuro serão 
43 
44 Patrícia Birmmt 
patrões. Por isso primam pela irreverência, além 
de serem exigentes e mandonas. Dizem os médiuns 
que castigo aplicado por criança é muito mais 
duro do que qualquer outro. Mas, por outro lado, 
o fato de serem crianças dá a esses espíritos um 
poder de limpeza particular. Terminar a gira com 
crianças é uma forma de afastar espíritos muito 
atrasados, como os obsessores e todas as vibrações 
negativas. São chamadas por nomes como Luizinho, 
Rosinha, Mariazinha, . que são, se retirarmos o 
diminutivo, os nomes originalmente u5ados pela 
elite branca portuguesa em nosso país. 
O conjunto assim formado se ordena, pois, 
pela interação de três domínios básicos: a natureza, 
o mundo civilizado representado pelo espaço 
familiar e doméstico e o mundo marginal situado 
no espaço da rua e áreas periféricas. E os três 
domínios são organizados de acordo com algumas 
oposições; retomemos o quadro inicial: 
Natuf'f/Za Mundo civilizado Mundo marginal 
(caboclos) (pretos-velhos/ (exus) 
crianças) 
selvagens domesticados avessos ã ordem 
orgulhosos humildes (escravos) desobedientes 
irreverentes (crianças) 
independentes dependentes marginais 
do homem do homem 
branco branco 
O que é Umbanda 
Observemos que os tipos pertinentes aos dom í-
nios são todos subalternos. De um modo ou de 
outro, as entidades consideradas são vistas como 
"pouco evoluídas". Há aquelas que são pouco 
evoluídas porque ainda não cresceram, como as 
crianças; outras, porque não são moralmente 
confiáveis, como os exus, ou os caboclos, que 
ainda não tiveram acesso à civilização; e os que, 
como os pretos-velhos, são primitivos porque 
pertenceram a uma civilização mais "atrasada" 
na África. 
Ora, para se pensar alguém, algum costume, 
como menos evoluído do que outro, é necessário 
ter em mente um critério comparativo. E aí per-
guntamos: quem e que culturas são considerados 
mais evoluídos do que os personagens que os 
umbandistas fazem baixar nos terreiros? Não é 
difícil adivinhar que o ponto de partida para tal 
comparação e o seu valor de referência é a cultura 
do homem branco, ocidental e dominante. Este 
é considerado mais racional do que os caboclos e 
africanos, moralmente mais evoluído que os 
exus e mais adulto que as erianças. E assim que os 
espíritos são todos subalternos e inferiores em 
comparação com a imagem ideal de homem e 
civilização que está implícita na ordenação desse 
conjunto. 
A imagem ideal do homem branco é colocada 
como ponto de chegada de um processo evolutivo 
por que passa toda a humanidade. Essa teoria 
4S 
..1 
46 
r 
Patrícia Birman 
evolucionista, evidentemente, não é privilégio 
do umbandista. Está presente de diversas maneiras, 
em nosso senso comum, além de ter sido por um 
bom tempo o pensamento dominante na ciência. 
A u·mbanda está cheia de referências desse 
gênero - pessoas consideradas "ignorantes" são 
vistas como "pouco evoluídas", idéias "mais 
elevadas" não cabem ria mente de espíritos 
"atrasados" que, por sua vez, estão mais próximos 
de instintos "primitivos" e apegos materiais. 
Há nessa concepção algo de aparentemente 
paradoxal. As entidades mais valodzadas na um-
banda são pensadas pelos próprios umbandistas 
como seres inferiores e subalternos ao homem 
branco. Só podemos supor, então, que a subalter-
nidade tem um valor positivo para a religião. 
E é exatamente isso que acontece. Podemos dizer 
que o poder religioso da umbanda decorre disso, 
de uma inversão simbólica em que os estrutural-
mente inferiores na sociedade são detentores de 
um poder mágico particular, advindo da própria 
condição que possuem. 
O grande trunfo da umbanda é esse - inverte 
os valores da hierarquia que ordena os espíritos, 
e esse "menos" em vários aspectos passam a 
"mais" em outros. O homem branco, imagem ideàl 
colocada no topo da ordem evolutiva, não tem os 
poderes que possuem seus subalternos. Esses 
grupos estruturalmente inferiores ganham por 
meio da inversão simbólica um poder mágico 
O que é Umbanda 
inigualável. Vários antropólogos já chamaram 
atenção para essa característica da religião um-
bandista, em que os fracos e socialmente despos-
su í dos vão ter, através do santo poder mágico, 
sabedoria e força, virando pelo avesso as razões 
que legitimam a hierarquia social (Velho, 1975; 
Da Matta, 1979; Fry, 1982). 
Ao mesmo tempo que a umbanda acata os 
valores sociais dominantes em que determinados 
grupos sociais são vistos como "inferiores" e 
"primitivos", ela retira desse estigma a sua força. 
Mary Douglas (1976), antropóloga inglesa, chama 
atenção para fenômenos semelhantes que ocorrem 
em outras sociedades. O mesmo movimento que 
nas sociedades cria a ordem, estabelecendo o 
padrão e a norma, cria o seu avesso como fonte .de 
desordem e perigo. Os magos e feiticeiros vão 
nutrir-se nessa fonte - as áreas que na sociedade 
se estabelecem ·como marginais em relação ao 
centro, desorganizadas em relação ao padrão 
estabelecido. 
Nada mais distante da concepção católica a 
respeito dos santos do que a concepção umban-
dista. Do ponto de vista cristão, é conceber o 
poder desvinculado dos valores morais. 
O que dizer de um exu, uma pomba-gira, por 
exemplo, ser objeto de admiração, contar com 
muitos fiéis e ser louvada em prosa e verso dentro 
dos terreiros? A concepção de hierarquia na 
umbanda contém esse aspecto paradoxal - separa 
47 
48 Patrícia Birman 
pela inversão simbólica a fonte de poder dos 
santos da fonte que emite os valores morais culti-
vados e aceitos. O poder vem dos. fracos, enquanto 
a ordem e a moral vêm do outro extremo da 
hierarquia - dos poderosos, dos brancos. 
Não é à toa que os rituais umbandistas possuem 
um certo sabor de transgressão. Aos olhos da 
sociedade abrangente, são vistos como situações 
em que se cultiva as fontes da .desordem e do 
perigo. Mas o que o coração dos umbandistas 
sente é um enorme prazer em participar de uma 
gira com todas as entidades em terra. Batem 
palmas, cantam, dançam e são possuídos pelos 
espíritos de pretos-velhos, exus, caboclos e outros, 
renovando para eles próprios uma outra fonte 
de poder na sociedade. 
Entre a hierarquia e a 
igualdade: um especialista 
em passagens 
Imaginemos uma hipotética ida a um terreiro. 
Lá chegando, em pouco tempo alguém da · casa 
viria nos perguntar se desejamos consultar algum 
guia em especial. Causaria estranheza se dissésse-
mos que só estamos ali por curiosidade. Dificil-
mente iríamos embora sem, antes, levar um passe, 
receber alguma recomendação de uma ou mais 
O que é Umbanda 
entidades que estivessem incorporadas nos médiuns. 
Sim, porque é raro alguém comparecer a um 
centro de umbanda sem estar interessado em 
utilizá-lo para resolver algum problema. Para isso, 
vai recorrer a um médium incorporado, de prefe-
rência com alguma entidade sua preferida. 
Há terreiros cujas sessões de consulta provocam 
um grande afluxo de pessoas, de tal modo que 
seus responsáveis organizam filas na porta, distri-
buem fichas por ordem de chegada, o que lembra 
de perto as nossas experiências com o serviço 
público - atendimento demorado, burocracia etc. 
A imagem do INAMPS nos vem imediatamente 
à cabeça. 
Depois de vencidos esses obstáculos, chegando 
ao guia a que se deseja consultar, as pessoas perdem 
qualquer pressa - a consulta é longa, fala-se com 
o espírito como se fosse um grande amigo. E, de 
fato, é essa a representação dominante. Os 
espíritos na umbanda sã'o chamados de santos 
protetores. A sua função, como o nome indica, 
é oferecer proteção aos seus clientes, interferindo 
por eles junto às forças sobrena~urais, fechando o 
seu corpo contra os · inimigos, limpando-os de 
carregas, isto é, maus espíritos, e abrindo os 
seus caminhos. 
Não há problema que não caiba numa consulta. 
Os médiuns de umbanda sempre têm para contar 
muitas histórias em que o impossível foi conse-
guido. Ninguém melhor do que os beneficiários49 
so Patrícia Birman 
desses milagres para relatar seus casos. Dona · 
Lourdes, numa visita que fiz ao centro que ela 
freqüenta, fez questão de me mostrar a cicatriz de 
uma hérnia que teria sido operada pelo Caboclo 
Urubatão. Outra senhora me disse que todos os 
seus filhos tiveram suas infâncias acompanhadas 
e protegidas pela Vovó Maria Conga. Outro me 
contou como conseguiu vencer o alcoolismo e 
o desemprego através da ajuda de Pai Joaquim 
D'Aruanda. 
Em tais histórias, percebemos que a relação que 
o cliente estabelece com o médium incorporado 
é bastante singular. Habitualmente, os médiuns 
atendem a uma clientela fixa, que possui um 
vínculo com os espíritos que neles se incorporam. 
E a representação que os clientes fazem do "guia" 
é a de um padrinho que se adquiriu para sempre . . 
Vários autores (Brown, 1977; Fry, 1982; Ortiz, 
1978) já destacaram, com razão, que uma das 
relações básicas que a umbanda estabelece no 
plano simbólico é a · relação de apadrinhamento. 
A pessoa, quando recorre à umbanda, espera obter . 
proteção no plano sobrenatural através do vínculo 
que forjar com algumas de suas entidades. Essas 
passarão a interferir a seu favor. 
Os umbandistas acreditam que exista um nível 
dos acontecimentos que sofre injunções que vão 
além daquelas que podem ser previstas e contro-
ladas pelos homens. Se há um plano da vida de 
cada um que pode ser determinado pela economia, 
O que é Umbanda 
/' 
pelas relações sociais, há também um certo nível 
que escapa a tudo isso, que não pode ser explicado 
por nenhuma causa de natureza universal. i: aí 
que a umbanda se propõe a atuar, porque é esse 
nível que pode ser influenciado por forças mágicas. 
Por que, na crise econômica que estamos vivendo, 
o fulano, entre tantos colegas, foi "premiado" 
com o desemprego, quando outros tiveram sorte 
diferente? Esse acaso, para os umbandistas, é 
determinado. Pertence à área de atuação do sobre-
natural. Quando protegidos pelos santos, os indi-
víduos passam a usufruir de uma boa relação com 
a sorte. A magia, como explicou Evans-Pritchard, 
não é fruto de um pensamento irracional, mas 
uma crença na determinação do acaso (Pritchard, 
1978). 
Vencer o acaso, ter a sorte sempre a seu favor 
depende, contudo, de um esforço no sentido de 
garantir para si a proteção dos espíritos. Em 
outras palavras, a norma é que se institua entre 
o cliente e o médium incorporado uma relação 
de troca mútua de favores. O santo aceita proteger 
seus clientes se estes, por sua vez, "pagarem" a 
proteção recebida. 
Os filhos-de-santo que contam com a proteção 
de muitos espíritos são geralmente pessoas muito 
ocupadas. Estão sempre envolvidos com algum 
trabalho para o santo, multiplicando esforços 
para servir a todos. 
Arreiam obrigação para as suas entidades, fazem 
Sl 
52 Patrícia Bimum 
oferendas diversas para os orixás, cuidàm do 
corpo tomando "banhos de descarrego", preparam 
cuidadosamente cada sessão do terreiro - provi-
denciando velas, bebida, roupas do santo - volta 
e meia defumam a própria casa, plantam ervas 
especiais para os banhos e obrigações e, além de 
tudo isso, são obrigad9s em cada sessão do terreiro 
a passar a noite inteira acordados trabalhando 
para os santos, atendendo à clientela no árduo 
dever de prestar caridade. 
Cada obrigação que "se arreia", seja na mata 
ou no cemitério, implica um preparo cuidadoso. 
E isso dá trabalho. Por exemplo, uma receita que 
transcrevo de um livro de divulgação de umbanda: 
"Oferenda para Ogum 
Local - Na entrada da mata 
Oferenda - Um churrasco de costela, cerveja branca, 
farinha, 1 charuto e fósforo. 
Modo de preparar - Prepara-se o churrasco untando-se 
antes com azeite de dendê, temperando-o na forma 
normal e levando-o ao fogo para assar. A farinha é 
preparada em gema de ovo batida e levada ao fogo para 
corar com azeite de dendê. Coloca-se, depois, a farinha 
numa bandeja e sobre esta o churrasco e em volta 
rodelas de tomate e ovo -cozido. Prepara-se o local, 
cobrindo-o com papel de seda branco e vermelho -
coloca-se a oferenda, abrindo-se a cerveja, que é deposi-
tada ao lado, juntamente com o copo com um pouco 
O que é Umbanda 53 
l nena Branca. Caboc or, · 
54 Patrícia Birman 
de bebida; acende-se o charuto, que é depositado do 
outro lado da bandeja, deixando--0 sobre a caixa de 
fósforos aberta". (Sem autor - Banhos de descarga e 
amacis. Rio, Ed. Eco, s. data) 
Quando se aproxima a data comemorativa de 
algum orixá, as obrigações dobram; o terreiro 
promove festa, o que implica também fazer comida 
para todos os convidados, além das comidas do 
santo. O trabalho avança pela madrugada adentro 
vários dias antes da festa - que por sua vez, dura 
uma noite inteira, terminando com dia claro. 
Cotidianamente, os religiosos estão servindo a 
seus guias e orixás. E, quanto mais ·dedicação 
demonstrarem maiores serão os benefícios que 
poderão obter. i= uma relação de troca que, evi-
dentemente, não se passa entre parceiros iguais. 
Os homens, por princípio, são muito mais sujeitos 
a dificuldades do que aqueles que se encontram 
no plano sobrenatural. Dependem, pois, dos 
favores destes. 
As diversas obrigações, os despachos, as oferendas 
são meios que os umbandistas usam para manter 
as entidades espirituais com boa vontade e dispos-
tas a retribuir o que recebem. Cria-se uma relação 
vertical, com os homens esforçando-se para manter 
aberto o canal de acesso para cima. Um filho-de-
santo cuidadoso usará todos os recursos que 
puder para contar com a benevolência dos orixás, 
porque sabe que se for relapso sofrerá as canse-
O que é Umbanda 
/ 
qüências - os santos de sua cabeça, raivosos por 
não estarem sendo bem servidos, vingam-se e 
desgraças e mais desgraças passam a se suceder 
na vida do infeliz, até que ele pague as d ívidas 
que acumulou. 
Há nessa concepção uma idéia de hierarquia -
os "pequenos" devem .servir aos "grandes" - e 
também a idéia de uma multiplicidade de poderes 
que não se somam num só: são vários santos . 
particulares e cada qual com suas exigências 
específicas. As oferendas são planejadas levando-se 
em conta o desejo e as particularidades de cada 
um, fora as exigências que são de viva voz coloca-
das para os fiéis. Haja trabalho para agradar a todos! 
Sem dúvida, é possível fazer uma analogia entre 
o lugar do favor na umbanda e o nosso sistema 
social. A forma de a umbanda se relacionar com 
o sobrenatural é através de uma ponte construída 
penosamente por meio de mil e uma obrigações 
(inclusive a possessão), feitas para agradar os 
orixás. O caminho de volta nessa ponte são os 
favores e a proteção. Como afirma Peter Fry, 
essas relações de favor são equivalentes às existen-
tes no cotidiano da vida social brasileira: 
"Questiono por exemplo, se há uma grande diferença 
entre o eleitor suplicante que promete seu voto em troca 
de uma casa do BNH e um cliente da umbanda que faz 
um acordo com o espírito de Exu para ganhar um 
emprego'~ (Fry, 1982) 
55 
56 Patrícia Birman 
Por essa semelhança que salta aos olhos, o 
mesmo autor interpreta a umbanda como uma 
dramatização ritual de alguns princípios que 
ordenam a vida social. Mas estes princípios não 
correspondem à ideologia "oficial" promovida 
pelo Estado e suas camadas dominantes. "Oficial-
mente" o favor e a proteção não têm lugar junto 
aos ideais de uma sociedade moderna, igualitária, 
que se pretende composta por cidadãos 1 ivres e 
iguais nos seus direitos. 
Isto posto, façamos uma outra pergunta: por que 
é o umbandista que tem as condições ideais e 
necessárias de modo a poder dar e "vender" 
proteção? · 
Num primeiro momento a resposta é óbvia: 
como médium, ele tem acesso às forças sobrena-
turais. Mas há ainda outras razões. Vimos que o 
médium. de umbanda tem na sua cabeça santos e 
orixás de todos os domínios. Ele é capaz de colocar 
em terra um santo relacionado com os valores da 
casa, cómo o preto-velho, que valoriza acima de 
"· tudo aqueles a quem vê como "parentes"; e é 
· :'tambémcapaz de se relacionar com o domínio da 
tua, onde impera a impessoalidade e é exigida a 
esperteza dos exus; e, por último, possui inúmeros 
caboclos, cada qual ligado a um poder específico 
da natureza. 
Não é de maneira alguma gratuita a insistência 
dos clientes da umbanda em pedir a pais-de-santo 
poderosos que lhes dêem um diagnóstico preciso 
O que é Umbanda 
de seus males. Esse diagnóstico nada mais é do que 
o estabelecimento de uma relação entre o problema 
e um domínio específico no qual este pode ser resol-
vido. Para alguns será dito que o seu problema é com 
lemanja; para outros, será o espírito de criança o 
responsável e assim por diante. O pai-de-santo, 
capaz de controlar e ter acesso a todos os dom f nios, 
é um verdadeiro especialista em passagens, entre os 
vários mundos que existem na sua sociedade e no 
universo (Fernandes, 1982). Sabe controlar as fron-
teiras do mundo humano e com o sobrenatural, 
sabe repartir a própria cabeça entre os vários santos 
servindo a todos, sabe o que convém a cada um de 
seus senhores, sejam estes da natureza, da civilização 
ou do mundo perigoso da marginalidade. 
De fato, a forma pela qual a umbanda concebe o 
mundo com o seu conjunto de orixás divididos entre 
domínios com características bem marcadas tem 
profundas analogias com princípios que encontra-
, mos presentes na vida social (Da Matta, 1979). 
Tomemos por exemplo a diferença tematizada pela 
umbanda entre o domínio dos pretos-velhos e crian-
ças e o domínio dos exus. Em um temos a ordem 
da casa, onde se valorizam a hierarquia, as relações 
de família, os laços afetivos que devem ter preva-
lência sobre a diferença e o conflito. No outro se 
apresenta o domínio da rua, onde o princípio que 
impera contrasta claramente com o primeiro - ao 
invés dos laços de parentesco determinando o lugar 
das pessoas e estabelecendo uma hierarquia entre 
S7 
58 Patrícia Birman 
elas, temos regras impessoais que recaem sobre um 
conjunto de pessoas vistas individualizadamente. 
A oposição casa/rua nâ'o é utilizada somente 
pelos umbandistas para representar domínios 
distintos que eles reconhecem na sua sociedade. 
Como demonstra Roberto Da Matta, essa concep-
ção se encontra difundida entre todos os grupos 
sociais que reconhecem formas de ser e de agir 
distintas, de acordo com as regras de cada um 
desses domínios em que se encontrem. Esse 
autor, que analisa a sociedade brasileira através de 
seus dramas e rituais, demonstra que na oposiçâ'o 
casa/rua podemos encontrar a vigência de dois 
princípios opostos: um igualitário, que promove 
a crença na lei e na idéia de homens livres e iguais; 
o outro, hierarquizante, em que as pessoas são 
vistas como partes de famílias ou de grupos diver-
sos, prevalecendo o status sobre a impessoalidade 
das regras (Da Matta, 1979). 
Nesse sentido é que o umbandista, vendo a sua 
sociedade composta por domínios diferenciados, é 
capaz de se nutrir em cada um deles e auxiliar a 
· todos no complicado mister de viver nas regiões 
urbanas da sociedade brasileira. Ele tem a compe-
tência de controlar as fronteiras do mundo 
humano com o sobrenatural, sabe relacionar as 
forças da natureza com a cultura, a vida com a 
morte, o branco com o negro, os valores universais 
com os interesses particulares, os poderes de cima 
com os poderes de baixo. Em suma, a sua especia-
O que é Umbanda 
lidade é lidar com as varias faces da sociedade 
em que vive, retirando delas a sua força . . 
Numa interpretação muito sugestiva, Zélia 
Lóssio Seiblitz descreve um ritual num terreiro na 
Baixada Fluminense em que um pai-de-santo, 
candidato nas últimas eleições, promoveu uma gira 
para se fortalecer no embate eleitoral: 
"O ponto culminante foi a segunda parte, quando se 
bateu para Ogum e a entidade desceu em vários médiuns 
e pessoas da assistência. A um gesto do babalorixá 
fez-se silêncio. Ele então improvisou breve discurso 
onde disse o motivo da gira - o seu fortalecimento - e 
para isto pediu a todos os presentes que fizessem uma 
corrente a Oxalá para que todos seus objetivos fossem 
alcançados. Os filhos-de-santo, em torno, de braços 
estendidos, ampliavam as vibrações. Então, cada um 
dos quatro babaloríxás puxou um ponto curto, dando 
um passe no candidato. Ao último passe recebido o 
babá 'virou no santo', colocando mais um Ogum na 
terra, em meio aos outros que estavam incorporados nos 
médiuns. Com a valentia e a dignidade do santo-guer-
reiro, empunhou a espada e antecipou a luta que pre-
tendia travar na Câmara. Os atabaques soaram mais 
forte e os médiuns formaram um grande exército de 
defensores do povo. Verdadeira consagração do candi-
dato, redefinia-se ali uma aliança que explorava os 
mortais eleitores e colocava, entre eles/do lado deles, 
vários tipos de Ogum: Iara, Megê, Beira-Mar. Após o 
último intervalo bateu-se ainda para Exu, e outra vez 
59 
60 Patrícia Birman 
o candidato recebeu a entidade. Desta vez já não era o 
candidato vitorioso, vencedor de demandas, era o 
responsável pela abertura de caminhos, garantindo um 
mandato que, por mais difícil que seja, terá os obstá-
culos afastados". (Seiblitz, 1982) 
Esse exemplo das eleições vem a calhar. Afinal, 
estas representam um momento democrático na 
vida da sociedade. Nessa hora de escolha pelo 
voto há um embate político e, por isso, o umban-
dista citado recorreu aos vários espíritos de Ogum 
para travar a guerra santa das idéias. E se eleito, 
ninguém melhor do que Exu para ultrapassar as 
artimanhas colocadas pelo poder e lhe garantir, 
na Câmara, a abertura dos caminhos para o difícil 
mister da representação popular. 
Caridade e demanda - os dois 
pólos da identidade 
social umbandista 
, Aqui enfrentaremos um ponto bastante sensível 
para os umbandistas: como eles se vêem e são 
· vistos na sociedade. A identidade social desse 
segmento da nossa população é um tema relevante, 
pois ela repercute nos papéis sociais que lhes são 
atribuídos. 
Como já vimos, o médium de umbanda lida com 
forças sobrenaturais que possuem a singularidade 
O que é Umbanda 
de serem representadas como subalternas - são 
forças tidas como primitivas, marginais e sempre 
vistas como distantes dos núcleos de onde emanam 
os poderes e as razões civilizadas. 
Há, contudo, um preço social a pagar pelo fato 
de se ter poderes às vezes tão perigosos. Esse preço 
é, como sabem todos os umbandistas, o enfrenta-
mento cotidiano de Üm estigma. São, com freqüên-
cia, vistos como pessoas suspeitas, despertam 
desconfiança e sofrem, volta e meia, acusações 
as mais variadas. 
Mas o estigma e o tratamento pejorativo que 
é dado à religião não é a sua única face. Existe uma 
outra, certamente menos visível, pela qual o 
umbandista comunga com os valores dominantes 
na sua sociedade. Vê a si próprio e luta para ser 
visto por todos como uma pessoa de respeito, 
cumpridora dos seus deveres e incapaz de fazer 
mal a alguém. Apesar de cultivar uma imagem 
social positiva e próxima aos valores dominantes, 
nem por isso abre mão daquilo que na sua identi-
dade social lhe traz tantos problemas - a sua 
relação com as forças sobrenaturais identificadas 
negativamente pela sociedade. Há, portanto, um 
problema que é de difícil solução: entre ficar com 
a imagem de sua pessoa ligada aos seres e poderes 
da periferia · e permanecer com uma identidade 
social não estigmatizada, o umbandista pretende 
ficar com as duas alternativa~. 
Como já vimos, ao contrário do católico, que 
61 
62 Patrícia Birman 
exorciza de si tudo que escapar do único caminho 
correto e compatível com a sua identidade com 
Cristo e com o Criador, o umbandista escolhe 
conviver com os variados perfis e poderes de seus 
santos, independentemente do nível moral atri-
buído a eles. 
No entanto, não é fácil lidar com os aspectos 
contraditórios porém constitutivos da sua identi-
dade social. Se não é possível expulsar o que a 
sociedade aponta como negativo, o que fazer? 
Vejamos o caso de dona Selma, mãe-de-santo 
feita há trintaanos, respeitada e querida na sua 
casa por todos os clientes e médiuns. Ela não pode 
se furtar de ouvir, ainda que raramente, comentá-
rios depreciativos sobre a sua atividade. Pelas 
costas a chamam de "macumbeira", "pomba-gira", 
e os que fazem isso, afirma, certamente já foram 
atendidos no seu terreiro. Mas, o que a deixa 
indignada é quando, além da ofensa, levantam 
alguma suspeita. Foi o caso de uma jovem freqüen-
tadora do t~rreiro que acusou-a de ter ajudado 
uma outra a "roubar" seu marido, por intermédio 
do Exu Tiriri. Dona Selma evidentemente negou. 
Ela jamais faria um papel desses. O esp frito de 
Exu pode fazer, mas ela, experiente nas coisas do 
santo, não deixa. São trinta anos, o que não é 
pouco - não há entidade, seja de onde for, que 
ela não possa enfrentar e que não obedeça às suas 
ordens dentro do terreiro. Mas ela reconhece que 
há outros que fazem coisas assim - gente sem 
O que é Umbanda 
\.. 
princípios que, em troca de qualquer dinheiro, 
prejudica os outros. 
Essas acusações não são rarás na umbanda. 
Ao contrário, o cotidiano dos terreiros é povoado 
por fofocas dos mais diversos teores. Muitos 
comentários se dão em torno de acusações de 
demandas, trabalhos de magia que visam "derrubar" 
alguém por intermédio das entidades. Yvonne 
Maggie (1975) explorou, no seu livro Guerra de 
orixás, os conflitos internos de um terreiro que 
emergiam na forma de acusações mútuas entre 
filhos e pai-de-santo e entre uma casa e outra. 
Esse "clima" de acusações mútuas, evidentemente, 
depende em parte da idéia que se faz da religião. 
Uma vez acreditando-se que esta leva a um 
contato permanente com forças a-éticas, também 
não é estranho supor que alguém está se utilizando 
de espíritos contra uma outra pessoa. 
O que se pode contrapor a essas acusações que 
nascem num campo fértil é a integridade moral 
de · cada pessoa em particular. Depende, pois, da 
constituiçâ'o moral de cada um aceitar ou não a 
utilização desses recursos escusos. 
Por essa razão não é raro vermos, lado a lado, as 
mais violentas acusações e declarações enfáticas 
sobre o caráter incorruptível, sobre a bondade 
a toda prova dos integrantes de um determinado 
terreiro em contraposição aos "outros", sujeitos 
à suspeição. 
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos 
63 
64 Patrícia Birman 
entender uma classificação da umbanda que a 
separa em duas vertentes opostas: a umbanda e 
a quimbanda. Fala-se também em "macumba", 
como um termo pejorativo para umbanda, que 
equivale à quimbanda. Essa última se dedicaria 
aos trabalhos "para o mal", ao contrário da pri-
meira. O interessante dessa história é que é sempre 
a casa do vizinho a suspeita de praticar quimbanda, 
e deve ser difícil encontrarmos alguém que assuma 
como autodefinição a classificação de quimban-
deiro. 
Por tais acusações percebemos a ambigüidade 
que existe na identidade social do umbandista. 
Ao mesmo tempo, é também visível a existência 
de formas de lidar com os problemas que essa 
ambigüidade ocasiona. Com efeito, ela tem um 
sentido integrado à crença religiosa como um 
todo. Na defesa que a mãe-de-santo fez da sua 
pessoa, acusada de ter trabalhado "para o mal", 
destaca-se um argumento: os espíritos que descem 
num terreiro de umbanda subordinando-se à 
vontade do médium desenvolvido, · ou seja, aquele 
que já fez o seu aprendizado. As pessoas decentes 
não deixam · uma entidade sem luz fazer bobagens. 
Postula-se, portanto, uma diferença entre o mé-
dium - indivíduo que está sujeito às normas da 
sua sociedade, que possui valores éticos, profissão 
definida - e ele mesmo em estado de possessão, 
quando são os espíritos e orixás que se manifestam. 
Os espíritos fazem parte do médium mas este 
O que é Umbanda 
pode se destacar deles, como bem explicitam as 
cenas de possessão. Como vimos, o conjunto 
formado pelos espíritos que "dão consulta" é 
ordenado de tal forma que supõe uma subordina-
ção hierárquica a um elemento que se encontra 
fora dele - o homem branco, fonte de todas as 
comparações que estabelecem o caráter "pouco 
evoluído" dos espíritos umbandistas. O médium 
em pessoa, fora do transe, tende a se identificar 
com esse modelo. 
Vale dizer que este jogo de identidades possíveis 
tem então uma forma particular de se realizar 
entre duas imagens básicas: uma, ·que aciona a 
idéia de respeitabilidade, do umbandista sintoni-
zado com os valores da sua sociedade; a outra, de 
um sujeito capaz de manipular o acesso que possui 
aos santos da sua cabeça, marcados pelo estigma 
do primitivismo. 
Há pouco falamos do umbandista como um 
especialista em passagens, como aquele que se 
encontra na privilegiada posição de poder produzir 
o contato entre a natureza e a cultura, a ordem e 
a desordem, a periferia e o centro. E agora estamos 
vendo que essa su'a capacidade aplica-se também 
à sua própria pessoa. Se, por um lado, ele pode ser 
identificado com a. imagem do homem branco, 
racional, evoluído, de outro, pela possessão, ele 
pode acionar uma outra imagem que é o reflexo 
invertido da primeira. Essas duas imagens são 
simbolicamente separadas pelo ritual de possessão, 
65 
66 Patrícia Birman 
que garante a passagem de uma à outra. 
Há ainda um outro elemento de fundamental 
importância para entendermos esse jogo de 
imagens constitutivo da identidade social do 
umbandista - é a caridade, em nome da qual se 
exerce toda a sua prática religiosa. A função de um 
centro de umbanda, segundo os seus praticantes, 
resume-se numa só - fazer caridade. 
De fato, os religiosos da umbanda entendem 
como função da religião prestar caridade aos 
necessitados. As consultas são meios de se prestar 
caridade. Ao lado destas, os umbandistas se preo-
cupam em desenvolver outras formas de ação 
caritativa - alguns centros distribuem alimentos 
aos pobres, outros, mais estruturados, organizam 
campanhas de doações de roupas e bens diversos. 
A caridade, por um lado, está relacionada com 
a face "branca" e "evolüída" dos médiuns, e por 
outro, é mais um nome do exercício da possessão 
- meio pelo qual os umbandistas exercem o poder 
mágico. Há, então, na categoria caridade elementos 
pelos quais é possível para o umbandista conciliar 
essas faces contraditórias da sua identidade social. 
Ele é o mais branco dos brancos por fazer coti-
dianamente aquilo que na cultura deles é visto 
como um dos símbolos de um alto grau de 
elevação moral; mas é também negro, pelas enti-
dades negras que trabalham e pertencem à sua 
cabeça, e pelo mesmo motivo, é índio, malandro, 
criança, guerreiro valente, abridor de caminhos 
O que é Umbanda 
- junta, pois, numa só pessoa estes aspectos 
conflitivos, sem precisar negar a existência de 
nenhum deles. A articulação numa mesma pessoa 
de aspectos ditos primitivos e evoluídos, a-éticos 
e moralizantes, civilizados e selvagens tem uma 
nítida analogia com uma outra idéia muito cara 
à nossa cultura, que ··é a idéia de nacionalidade, 
que passaremos a desenvolver a seguir. 
Entre brancos, negros e índios 
- a umbanda coqio o paradigma 
da nação brasileira 
Assisti a uma mesa-redonda, promovida por 
uma federação umbandista, cuja discussâ'o versava 
sobre a importância das entidades espirituais, 
caboclos e pretos-velhos. Estavam presentes vários 
pais e mães-de-santo, além de alguns líderes 
reconhecidos da religião. A grande questão que 
mobilizava a todos era a seguinte: quem é mais 
importante para a religião - caboclos ou pretos-
velhos? Resumindo a discussâ'o, que foi longa, 
teríamos o plenário dividido em torno dos 
seguintes argumentos: os caboclos são mais impor-
tantes porque eles foram os habitantes originais 
do Brasil, antes era tudo deles, são espíritos mais 
brasileiros do que os ex-escravos africanos. Cada 
um de nós tem sangue índio nas veias, e por tudo 
67 
68 Patrícia Birman 
isso não existe umbanda sem caboclo. Os que 
estavam a favor dos pretos-velhos contra-argu-
mentavam: embora seja inegável a contribuição 
dos índios, foram os africanos que construíramo país pelo trabalho escravo. Tudo que temos 
hoje, todo o progresso se deve ao trabalho deles. 
Fiquei surpresa com os rumos que a discussão 
tomou. Afinal, o que estava em pauta eram espíritos, 
pertinentes à religião, ou grupos sociais, integrantes 
da nação brasileira? Qual era o ponto de referência, 
a nação ou a religião? 
O debate ilustra bem o significado dos espíritos 
para a umbanda: são pensados como tipos 
nacionais. A discussão visava estabelecer qual o 
tipo que melhor encarnava a idéia da nação brasi-
leira. Diga-se de passagem que não se chegou a 
nenhum acordo que estabelecesse a exclusividade 
de um em detrimento do outro. A soluçã'o foi 
verificar que cada entidade, a seu modo, era 
representativa da nação brasileira. · 
Erigir o negro e o índio como tipos nacionais 
não é, mais uma vez, algo feito com exclusividade. 
Encontramos essa mesma relação ·simbólica 
presente na representação de nação de outros 
segmentos soc1a1s. Brasileiros freqüentemente 
associam a sua nacionalidade ao samba, a comidas 
como vatapás e feijoada, que são elementos cultu-
rais a princípio restritos a determinados segmentos 
étnicos, como os negros. Quando nos apanhamos 
dando exemplos distintivos da nacionalidade 
O que é Umbanda 
\. 
-
brasileira, o que aparece são os símbolos do negro 
e do índio em nosso país. Peter Fry foi quem 
chamou atenção para essa relação que estabelece-
mos entre símbolos étnicos e os símbolos nacio-
nais. Comparando-nos com os Estados Unidos, ele 
demonstra que lá, ao contrário daqui, os símbolos 
étnicos permanecem como tais - ninguém usa 
como símbolo da nação americana algo peculiar 
de um dos grupos que a compõem (Fry, 1982). 
O compromisso da umbanda com a idéia da 
nacionalidade brasileira não é de hoje. Desde a 
década de 20 encontramos referências explícitas 
à umbanda como a "legítima religião brasileira". 
Uma das justificativas utilizadas pelos adeptos da 
religião era que esta, ao contrário do candomblé, 
que aceitava somente a influência africana, inte-
grava a influência das "três raças" aqui existentes: 
a branca, a negra e a indígena. Diana Brown 
(1977), que fez um longo e importante trabalho 
sobre a umbanda enquanto movimento social, 
destacou a presença dessa ideologia da nacionali-
dade, particular!Tlente intensa entre os seus 
membros dirigentes. Relaciona-a com o clima 
populista, incentivado por Getúlio Vargas no 
período democrático que se seguiu ao Estado 
Novo. Outro pesquisador, Renato Ortiz, atribui 
como uma das funções da religião a integração 
do negro à sociedade nacional, o que faria com que 
este perdesse a religião como símbolo de uma 
outra cultura, de origem africana (Ortiz, 1978). 
69 
70 Patrícia Birman 
Todos nós, a bem dizer, privamos de intimidade 
com a concepção de nacionalidade que está sendo 
exposta. A idéia das "três raças" harmoniosamente 
entrelaçadas compondo a nação brasileira encontra-
se nos livros escolares, na literatura, na produção 
musical e' também difundida no nosso senso 
comum. 
O tema nação, seja tratado pela umbanda ou 
por qualquer outro segmento social, coloca em 
pauta um problema que vimós desenvolvendo ao 
longo deste texto, ou seja, a relação entre a unidade 
e a multiplicidade, de um lado, e a questão da 
hierarquia, do outro. De fato, a idéia de nação 
coloca em pauta a questão da unidade: como 
falar de uma nação com várias . "raças"? Como 
falar de um único povo, o brasileiro, num conjunto 
que prima pela variedade? Na idéia de nação o 
Um deve prevalecer sobre o Múltiplo, e as formas 
de fazer isso não têm sido sempre· as mesmas. 
A solução que a nossa idéia de nação apresenta 
- uma nação composta por três raças - precisou 
utilizar como recurso a noção de complementa-
ridade, isto é, cada uma das "raças" presentes teria 
participado na formação de um único tipo, o 
brasileiro. Particularmente um autor merece ser 
referido como ideólogo dessa concepção de nacio-
nalidade: Gilberto Freyre. Em Casa grande & 
senzala (Freyre, 1973), ele desenvolve o argumento 
central da sua obra, a idéia de que o brasileiro é 
o resultado feliz da conjugação do negro, do 
O que é Umlxznda 
índio e do branco. Cada uma dessas "raças" teria 
trazido a sua contribuição particular para a for-
mação da nossa nação e do tipo único do brasileiro. 
Nessa forma de conjugar o Um com o Múltiplo 
· vemos que se apresenta uma hierarquia. De fato, as 
"contribuições" por parte de cada um desses 
segmentos, que Gilberto freyre destaca, são 
condizentes com o lugar que ele lhes dá numa 
hierarquia baseada num critério evolutivo: os mais 
evoluídos - os brancos, naturalmente - contri-
buíram com o empenho civilizador, a raciona-
lidade ocidental. Sofrendo a miscigenação com 
o negro, o branco modificou-se, adquirindo traços 
mais emocionais, adoçando a rispidez que por 
vezes acompanha a frieza da racionalidade. E 
finalmente o índio temperou essa mistura com a 
força, a ligação com a natureza, o espírito Vivre e 
resistente à escravidão. O tipo brasileiro, assim, se 
fez pela articulação desses elementos provenientes 
de "raças" que pertencem a uma escala evolutiva 
com os atributos que lhes são correspondentes. 
Um outro autor já citado, Roberto da Matta, 
explora essa representação que fazemos do "bra-
sileiro" e que se encontra tão difundida. Mostra 
como a nossa identidade social se articula num 
"triângulo de heróis": 
. "Podemos ser a um só tempo e simultaneamente o 
branco colonizador e civilizador, o preto escravo que 
corporifica a forma mais vil de exploração do trabalho -
71 
72 Patrícia Birman 
a escravidão - e, finalmente o lndio, dono original da 
terra, marcado por seu amor à liberdade e à natureza. 
E, além disso, somos - além da ideologia das três raças 
que acabamos de apresentar e que surgem também num 
triângulo - soldados, fiéis e foliões . .. ". (Da Matta, 
1979,p. 202) 
Ao lado dessa explicação sobre a umbanda 
alimentando a representação de nacionalidade 
brasileira pelos "tipos" de seus orixás, é interes-
sante detectar também a semelhança dessa idéia de 
nação com outras que vimos desenvolvendo aqui, 
pertinentes à umbanda. Há uma nítida analogia 
entre o tipo brasileiro, compreendido como uma 
conjugação das três raças, e o médium umbandista. 
Este, tal qual aquele, integra em si mais de uma 
"raça" (é o problema da multiplicidade) mas, da 
mesma forma que a nação, apresenta-se como um 
todo hierarquizado - há lugar para todos, mas 
cada qual no seu lugar, e, por isso, é o branco que 
oferece a moral civilizada, os valores adequados, a 
ordem a sér seguida. 
Como já menCionei anteriormente, o mesmo 
mecanismo que permite associar o brasileiro com 
a feijoada, com o samba e com a mulata permite 
ao umbandista destacar entre as suas partes aquelas 
vistas como "inferiores", já que estas só fazem 
sentido, como no caso dos símbolos de brasil idade, 
dentro de um sistema que lhes dá pesos e valores 
distintos, numa hierarquia, portanto . •• •• •• 
AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO 
DO CULTO 
Construindo um terreiro 
As casas de culto de umbanda, na sua maioria, 
possuem a peculiar propriedade de serem quase 
invisíveis aos olhos dos leigos. Ao contrário das 
igrejas cristãs, que ocupam pontos de destaque na 
geografia urbana, os terreiros são difíceis de 
encontrar, o que é compatível com o lugar social 
da religião na nossa sociedade. 
E isso não depende da vontade de seus dirigentes. 
Por eles certamente suas casas teriam destaque 
igual ao que possuem as igrejas, socialmente mais 
legítimas. O problef11a é, pois, de uma outra 
natureza. 
Como são fundados os terreiros? A resposta a 
essa questão nos dirá bastante a respeito das razões 
74 Patrícia Birman 
da sua pouca visibilidade social. Os terreiros se 
iniciam a partir do movimento de um médium 
no sentido de ganhar autonomia de seu pai ou 
mãe-de-santo. Geralmente é um médium que se 
considera já "preparado", que tem cabeça feita, e 
mais, alguma clientela estabelecida. Passa a dar 
passes, a atender conhecidos em suacasa. De 
início, poucas horas na semana, ocupando dentro 
de casa um espaço pequeno. Aos poucos, a sua 
. clientela aumenta e ele já conta com algum auxiliar 
no santo. Mais um tempo, e está criada a necessi-
dade de ter a casa aberta, organizada e indepen-
dente da movimentação doméstica. 
Os recursos com que conta um terreiro emergente 
são bastante escassos. Deve ser por isso que os 
terreiros que se iniciam na sala de estar do pai~de­
santo acabam com uma construção no terreno da 
própria casa. E · o caso, por exemplo, de dona 
Esmeralda, que para arrumar um espaço mais 
compatível com a sua clientela e com o número 
crescente de médiuns mudou-se da sua sala para 
o subsolo de seu barraco, espaço este "inventado" 
com a força dos braços de todos os seus médiuns 
e parentes, que cavaram o chão construindo a 
nova sala de culto, com entrada independente e 
oficializada perante uma das federações de 
umbanda. De forma semelhante foi construído 
o terreiro de um pai-de-santo conhecido, que se 
mudou para os fundos de seu quintal e, na frente, 
montou a casa de culto. 
O que é Umbanda 
Essa forma de montagem dos terreiros remete a 
duas questões; uma, a sua autonomia, e a outra, a 
maneira pela qual conseguem obter e acumular 
prestígio de modo a se transformarem em institui-
ções públicas com uma razoável importância 
dentro do espaço social que ocupam. 
A primeira questão, a autonomia dos terreiros, 
se deve aos princípios simbólicos que ordenam o 
poder dos religiosos de umbanda. Tomemos o 
caso de dona Esmeralda. O que permitiu que seu 
terreiro crescesse foi o reconhecimento paulatino 
dos seus guias como aqueles mais capacitados a 
resolver os problemas das pessoas a sua volta. Os 
médiuns que se foram filiando â sua casa conta-
vam primordialmente com os guias da mãe-de-
santo e a eles recorriam constantemente. O desen-
volvimento da mediunidade dos iniciantes se fazia 
também na dependência dos mesmos santos. 
Embora no final de algum tempo todos os 
médiuns passem a contar com os santos das suas 
próprias cabeças, as graças que obtiveram na 
umbanda vão ser tributadas ao papel da mãe-de-
santo. Há, portanto, uma autoridade religiosa 
inquestionável na figura do pai ou da mãe-de-santo 
que é vista como a fonte de todos os bens que seus 
filhos conseguiram alcançar. Na relação de troca 
que se estabelece com os espíritos, as obrigações 
maiores cabem aos "guias da cabeça da mãe", e 
as menores aos próprios guias dos médiuns. De 
forma análoga, o investimento maior dos médiuns 
75 
76 Patrícia Birman 
é no terreiro de "sua mãe" e não na sua própria 
casa. 
Não é difícil de concluir que o médium que 
quiser abrir a sua casa simbolicamente prepara-se 
para considerar os "guias da sua cabeça" suficientes 
para tratar dos seus problemas. A partir daí a sua 
tendência é de investir em seus próprios guias, 
obtendo mais prestígio, dando mais consultas, para 
finalmente abrir o terreiro. Com esse ato de inde-
pendência, a sua autoridade não reconhece nin-
guém acima da sua posição. Interpreta a doutrina, 
segue e modifica rituais, certamente amparado no 
que aprendeu, mas sempre ciente de que tem legi-
timidade para, dentro de sua casa, fazer o que 
considerar mais correto. E a cada mudança que 
empreender, somente seus próprios guias serão 
juízes. 
Os terreiros nascem portanto da divisão de 
outros, num movimento permanente que se inicia 
com a formação do médium. Cada um, aliás, é 
potencialmente um futuro pai-de-santo. Com esse 
princípio de divisões sucessivas, a umbanda na 
verdade é um conjunto de terreiros independentes, 
na sua maioria pequenos. 
A outra questão que levantamos se refere às 
formas utilizadas pelos umbandistas para tornar 
viável a organização do culto. Devemos considerar, 
de início, que não é nada fácil criar uma instituição 
religiosa que tenha credibilidade e reconhecimento. 
E, apesar disso, elas existem e seu número não pára 
O que é Umbanda 
de crescer. 
E é com um enorme orgulho que os pais-de-santo 
apresentam as suas casas. Quanto maiores e mais 
bonitas mais fica claro para todos o longo per-
curso que eles foram obrigados a percorrer. Um 
elemento fundamental na edificação material e 
simbólica das casas de umbanda é o reconheci-
mento progressivo do poder e eficiência junto aos 
santos, acatado por todos que lá comparecem. 
Tal reconhecimento, de fato, é o que "faz" a casa 
e lhe dá condições de crescer. Há, contudo, um 
efeito que volta sobre si mesmo, formando uma 
cadeia tal que, em pouco tempo, não se consegue 
perceber o que é causa e o que é conseqüência. 
Quanto mais prestígio o religioso acumular mais 
recursos virão ter à sua mão, recursos esses que, 
por sua vez, irão contribuir para aumentar o seu 
prestígio. Esse círculo de efeitos foi esquematizado 
por Peter Fry (1982) da seguinte maneira: · 
77 
público 
em geral 
clientes 
ricos 
reconhecimento 
festas 
dinheiro 
serviços mágicos 
serviços ri-
tuais de 
reconhecimento 
pai-
de-
santo 
filhos-
de-
santo 
evidência de 
sucesso 
dinheiro 
terreiro 
evidência de 
sucesso 
.....i 
00 
O que é Umbanda 79 
Segundo esse autor: 
"O pai-de-santo é o centro de uma rede de distribui-
ção onde serviços mágicos são trocados por dinheiro com 
os clientes ricos, festas são trocadas por reconhecimento 
da parte do público em geral e dos filhos-de-santo e 
o dinheiro investido no terreiro torna-se um símbolo 
de sucesso'~ (Fry, 1982, p. 15) 
Para que possa produzir-se este círculo de 
efeitos, é preciso fundamentalmente que o pai-de-
santo consiga credibilidade para a sua atuação 
religiosa. E é o seu público que vai lhe garantir 
isso. Esse público que se origina muitas vezes de 
uma pequena rede de relações: os parentes mais 
próximos, um ou outro amigo. A capacidade do 
pai-de-santo vai se apresentar na medida em que, 
com tão poucos recursos materiais e simbólicos, 
ele tiver condições de fazer reverter esse pouco 
em benefício do terreiro. 
Um dos problemas pertinentes a essa forma de 
acumulação de prestígio decorre da possibilidade 
de dispersão dos médiuns. Porque, como vimos, a 
tendência existente nos terreiros de umbanda é 
de estes, em um determinado momento, pararem . 
de acumular e iniciarem um prqcesso de segmen-
tação, com os médiuns formados naquele período 
de tempo se encaminhando no sentido de abrir as 
suas próprias casas. Essas situações freqüentemente 
provocam conflitos internos, desconfianças, já 
80 Patrícia Birman 
que por natureza são delicadas. O movimento de 
saída de um médium pode ajudar a romper essa 
cadeia de efeitos que garante o prestígio da casa. 
Voltamos, pois, ao nosso velho problema - a 
tensão entre a Unidade e a Multiplicidade. A 
segmentação como forma de renovação d9s terrei-
ros leva-os a permanecerem, via de regra, pequenos. 
São grupos organizados em torno da autoridade 
inquestionável do pai/mãe-de-santo, o que introduz 
uma outra ordem de questões que examinaremos 
a seguir - as várias formas de se praticar a um-
banda e os limites das variações doutrinárias. 
As várias linhas de um 
mesmo riscado 
As umbandas existentes são ricas em variações 
doutrinárias e seus participantes são exímios 
mestres em inovar, em assimilar influências, em 
compor rituais. Procedem, em suma, de acordo 
com o movimento · duplo já apontado: manter 
uma certa unidade sem abrir mão das múltiplas 
variações. 
A autonomia dos centros é sem dúvida o ponto 
nodal dessa permeabilidade à variação que encon-
tramos na umbanda. E aqui cabe um reparo: 
não há dúvida de que todos os grupos sociais são 
sujeitos a influências culturais diversas. Mas o 
O que é Umbanda 
processo de assimilação de influências vai estar 
de um certo modo condicionado à forma de 
organização interna do grupo. Porque na dinâmica 
das relações sociais não há qualquer influência 
cultural - tanto através da televisão como dos 
jornais ou das promoções do governo - que 
seja simplesmente "engolida" sem o devido pro-
cesso de "digestão", isto é, adaptada às expe-riências de vida dos grupos, refletida à luz de sua 
história e de suas tradições .. 
Na minha interpretação, o processo de "digestão" 
que implica refazer e reordenar o sentido de 
produtos culturais diversos é mais simples no meio 
umbandista devido às suas particularidades no 
plano da organização. i: mais fácil para um pai-
de-santo adaptar uma reza que escutou num 
programa de rádio, incorporar um novo "ponto . 
cantado" que apreAdeu num festival de cantigas 
de umbanda do que uma comunidade de fiéis, 
numa paróquia católica, realizar qualquer modi-
ficação nos rituais de sua igreja. 
Na umbanda, o que observamos é um campo 
mais permeável às influências, já que nele não 
encontramos as barreiras impostas pela existência 
de uma hierarquia única que reúna todos os fiéis 
nos mesmos gestos. 
Num interessante trabalho de pesquisa, · Liana 
Trindade levantou junto a cinqüenta médiuns de 
umbanda várias versões sobre a divindade Exu 
(Trindade, 1982). Fica patente nos discursos 
81 
82 Patrícia Birman 
produzidos que são fruto de um processo de 
"mistura" e "cruzamento" das várias doutrinas, 
numa solução que salienta o papel reinterpreta-
tivo dos indivíduos envolvidos, conforme destacou 
Cantor Magnani (1982). Estes, com freqüência, 
transpõem para a divindade as suas experiências, as 
suas concepções de vida que, por sinal, estão 
intimamente relacionadas com o lugar que ocupam 
na sociedade. Como exemplo passo a citar um 
dos depoimentos obtidos pela pesquisadora: 
"Depoimento do senhor J., mulato, 53 anos, sem 
profissão definida, natural de Cuiabá, pai-de-santo em 
terreiro umbandista: Exu são espíritos de pessoas que 
não tinham nada, como Exu Pretinho, que se manifesta 
em mim. -Ele era um menino pretinho que foi uma 
criança deixada pela mãe, foi criado assim, um dia com 
uma pessoa cuidando, outro dia com outra. Igualmente 
eu mesmo, minha vida foi assim': (Trindade, 1982, 
p. 34) 
Na visão que esse senhor apresenta de Exu são 
mantidos os elementos básicos da concepção 
umbandista. Lembremos que essa entidade se 
relaciona com áreas periféricas e marginais, em 
oposição às entidades que pertencem ao domínio 
da natureza, como os caboclos, e ao domínio da 
casa, como crianças e pretos-velhos. Mas, conser-
vando o lugar estrutural do exu no sistema um-
bandista, é possível, como fez esse médium, 
O que é Umbanda 83 
Zé Pelintra. 
84 Patrícia Birman 
acrescentar aspectos inusitados, criando um perso-
nagem rico em características particulares, com 
uma densidade que só é possível porque é fruto 
da experiência de vida do sujeito. 
Um outro exemplo interessante, citado no 
mesmo trabalho, é o depoimento de um senhor 
branco, lojista, natural de São Paulo: 
"Exu Anastácio foi mineiro na época dos irmãos 
Naves, foi acusado injustamente de fazer contrabando 
de arroz. Ele e a mulher foram mortos na prisão. Pomba-
Gira morava na Freguesia do ó, era operária, a sua mãe 
era prostituta e ela acabou na prostituição''. (Trindade, 
1982,p. 34) 
Essas duas versões de exu que mencionamos 
dão destaque a aspectos biográficos desses espí-
ritos quando em vida. Os exus nada mais eram do 
que pessoas comuns em posições sociais difíceis -
um negro, que iniciou sua vida como "menor 
abandonado" e um operário, vítima do sistema 
judiciário, que acabou pagando por um crime que 
não cometeu. Sem dúvida que tais situações nos 
soam familiares, mas ninguém mais hábil para 
destacar essas dificuldades na . biografia de um exu 
do que aquele que vive identificado com a sua 
posição. 
Parte-se de uma categoria, exu, que como 
estamos vendo se refere a um lugar estrutural entre 
outros existentes na nossa sociedade - o lugar 
O que é Umbanda 
dos pobres que estão sempre sujeitos a serem 
marginalizados - e essa categoria é então preen-
chida e dotada de significações retiradas do coti-
diano das pessoas que se identificam com esse 
lugar. Os exus, portanto, podem ser negros numa 
versão, diabos redivivos em outra, malandros 
numa terceira, operários, nordestinos, ciganos e 
assim por diante. Então, as variações interpreta-
tivas, a invenção, a recriação na umbanda são 
um processo dinâmico e constante. Novas enti-
dades, novas características, novos tipos estão 
permanentemente em elaboração a partir da 
mesma matriz. 
E: impossível enumerar todas as possibilidades 
interpretativas que surgem nesse contexto religioso. 
Nada nos impede, contudo, de, grosso modo, 
relacionar com certos contextos sociais determi-
nadas ênfases e padrões interpretativos. 
De fato, os terreiros freqüentados por camadas 
mais populares tendem a ver as entidades de culto 
sem comprometê-las com uma visão moralizante. 
E, ainda, é nesses terreiros que o caráter poliva-
lente e ambíguo das entidades ressalta mais. 
Nos terreiros onde há prevalência das camadas 
médias é maior o lugar dado a interpretações que 
destacam o valor- moral das entidades e é maior 
a preocupação com a "evolução" dos seres 
espirituais e terrestres. 
Essa diferença, que ressalta a experiência e as 
preocupações de classes sociais distintas, vai 
85 
86 Patrícia Birman 
refletir-se numa outra questão: as variações 
doutrinárias. Como se comporta a umbanda face 
à diversidade de influências e às variações doutri-
nárias e rituais? 
Essa diversidade, que adiante analisaremos no 
seu conteúdo, não é vista por todos da mesma 
maneira. Podemos destacar dois comportamentos 
básicos frente a ela. Um, que considera a diver-
sidade como parte da própria religião. Outro, que 
a considera parte, mas parte defeituosa e que 
deve ser eliminada o mais rápido possível. 
Essas duas maneiras de encarar a diversidade 
correspondem também à divisão social apontada: 
as camadas médias tendem a ver o múltiplo como 
defeito, ao contrário das camadas mais populares, 
que não encaram a multiplicidade de uma forma 
depreciativa. -- . 
ComecemCi>s por esta última alternativa. Uma 
idéia importante que as camadas populares usam 
para pensar a religião é a idéia de destino. As 
pessoas viram no santo porque esse é o destino 
delas: é algo predeterminado. Da mesma maneira, 
uma pessoa ter ou não ter guias na sua cabeça 
não depende de nenhum esforço pessoal. Ou se · 
tem ou não se tem. A mediunidade pode ser 
cultivada mas não "inventada" - para isso os 
pais-de-santo ouvem o veredito dos espíritos 
que, por um conhecimento inacessível aos homens, 
podem dizer quais são os santos da sua cabeça 
e o destino de cada um. Uns poucos são chamados 
O que é Umbanda 
para "botar roupa" e vir "fazer caridade" nos 
terreiros. 
Caminha junto com essa idéia de destino a 
avaliação que se faz das diferentes formas de se 
praticar o culto. Por exemplo: se uma determinada 
pessoa pratica umbanda "traçada" com o candom-
blé e um amigo seu segue uma orientação mais 
voltada para o espiritismo, isso se deve apenas à 
diferença de destinos - os santos de uma possuem 
mais afinidade com o candomblé, os da outra 
sâ"o "de mesa". Nenhuma das duas elegeu essas 
afinidades. E assim refletiu um filho-de-santo, 
justificando a sua mudança de um terreiro de 
umbanda para um "traçado" com candomblé: 
"Se um orixá da pessoa tem mais dom pro candomblé 
então a pessoa se prepara no candomblé . . . se tem mais 
dom para a umbanda a pessoa vai para a umbanda, se 
tem mais dom para a quimbanda então vai para a quim-
banda". 
Vê-se que em nenhum momento esse médium 
considerou o candomblé melhor ou pior que a 
umbanda, mas tratou simplesmente de encontrar 
aquele adequado à sua pessoa, de acordo com o 
seu dom particular, determinado pelos santos 
da sua cabeça. 
Recordemos que o umbandista acredita na 
existência de muitas linhas e falanges que formam 
um conjunto diferenciado, composto por várias 
87 
88 Patrícia Btnn. 
espécies de seres sobrenaturais. Cada linha possui 
a sua particularidade e nisso elas se assemelham às 
religiões, que de certo modo podem ser compa-
radas a linhas. 
As linhas dos espíritos na umbanda se traçam, 
se cruzam, se encontram de diversas maneiras,formando novas configurações, novos personagens 
que, apesar de tudo, guardam identidade com os 
princípios da religião. Não foi visto que os seres 
humanos são concebidos como sendo também 
"traçados", já que contaram nas suas composições 
com virtudes e defeitos de espíritos de procedên-
cias distintas? 
Tanto pessoas qUanto espíritos e religiões são 
pensados pela umbanda como sujeitos a influências 
de linhas e falanges. As linhas "irradiam" energias 
que determinam modos e comportamentos em 
quem as recebe. Um caboclo na linha de lemanjá 
difere de outro na linha ou na vibração de Ogum. 
A presença dessas linhas diversas nas pessoas e na 
religião não depende da participaçâ'o humana -
somos simples objetos de forças do destino. 
As discussões sobre as várias vertentes rei igiosas 
vão dar-se no interior dessa concepção; destacando-
se não uma "opção" do indivíduo, mas o reco-
nhecimento de várias forças que forjaram o destino 
daqueles que se encontram nesse ou naquele culto. 
E as voltas do destino podem se manifestar por 
meios prosaicos. Por isso, muitos dizem com 
inegável sinceridade que pertencem a um deter-
O que é Umbanda 
/ 
\. 
minado tipo de terreiro porque foi lá que se viram 
bem atendidos, que seus orixás julgaram conve-
niente etc. As razões e contextos particulares à 
vida dos indivíduos apresentam-se como legítimos 
pelo simples motivo de que são estas as razões de 
seus orixás. Sendo assim, não há a preocupação 
em estabelecer um critério de verdade que diga 
qual é o orixá "certo", o terreiro "verdadeiro". 
Ao invés de oposições com base em questões de 
princípio separando e organizando os umbandistas 
em correntes de pensamento, encontramos um 
conjunto em que a segmentação é a regra, sem, 
contudo, ser operada por causa de princípios 
únicos e exclusivos, mas em razão de critérios 
particulares, relativos e contextualizados que 
correspondem ao destino de cada um na Terra. 
Esse modo de encarar a variedade de práticas 
na sua religião difere tanto dos terreiros com 
predominância das camadas médias entre os seus 
participantes quanto de alguns candomblés de 
tradição nagô, cujos integrantes são verdadeiros 
especialistas- em elaborar critérios de distinção 
separando-os de outras vertentes no interior do 
culto afro-brasileiro. Para o candomblé nagô, a 
fidelidade à origem africana é um dos princípios 
distintivos mais importantes, separando o candom-
blé puro dos misturados. 
O ·afã de pureza e fidelidade à tradição nem 
sempre é entendido pelos médiuns de umbanda. 
Por isso não .é raro encontrarmos pessoas que 
89 
90 Patrícia BinnaJt 
observam: se fulano é nagô e apesar disso tem um 
caboclo ou preto-velho na sua cabeça não pode 
prender os guias, tem que deixar descer e incorpo-
rar, mesmo sendo de outra linha. E muitos fazem 
exatamente isso. Não são poucos os terreiros que 
praticam umbanda às segundas· e quartas e can-
domblé às terças e quintas. Os responsáveis se 
explicam: seus santos e orixás exigem o trabalho 
para as duas linhas. 
A umbanda mais praticada, que se dissemina 
sem nenhum controle, é essa - misturada, que não 
dá importância à pureza, seja esta de cunho moral, 
com a pretensão de impor códigos doutrinários, 
seja de caráter ritual. Através da representação 
das diferenças religiosas como linhas possíveis e 
legítimas comandadas pelos espíritos e orixás, 
torna-se sempre possível para o umbandista com-
por, somar, articular princípios diversos na sua 
prática. 
Cada uma dessas influências imprime a sua 
marca na prática religiosa, dando um tom diverso 
à argumentação, direções inusitadas a seus rituais, 
compondo, em suma, padrões diversificados de 
se praticar a religião. Encontramos, pois, umbandas 
misturadas com o candomblé, o catolicismo, o 
judaísmo, com cultos orientais, espiritismo, com 
a maçonaria, o esoterismo ... E claro, no entanto, 
que algumas influências estão mais presentes do 
que outras, como é o caso do candomblé, do 
espiritismo e do catolicismo. 
O que é Umbanda 
Entre estas percebemos dois movimentos que 
caminham em direções opostas. De um lado, uma 
certa tendência a valorizar a eficácia da religião 
associada ao seu poder sobre as forças periféricas 
e perigosas. De outro, a tendência a valorizar os 
critérios morais e a hierarquia com base numa 
ordem evolutiva dos espíritos, dos homens e da 
sociedade. Como se fossem dois pólos dos quais 
tendencialmente os terreiros se aproximam mais 
ou menos. 
Assim, os centro sob maior influência do can-
domblé, além de assimilarem de forma significativa 
seus rituais, suas divindades e oferendas, dão valor 
sobretudo às práticas identificadas · como de 
"origem africana", símbolo ao mesmo tempo da 
religião e da fonte inesgotável de poder mágico, 
ligado ao "primitivismo". Percebe-se nessa 
umbanda praticada com a influência do candomblé 
a explicitação de critérios estéticos, rituais que 
vão ter como referencial a Africa. São terreiros 
que valorizam os atabaques, as roupas coloridas, as 
oferendas que implicam matança de animais, os 
trabalhos perigosos que envolvem cachaça, pólvora, 
enxofre e tudo mais que puder aumentar o valor 
e eficácia mágica dos seus filhos-de-santo. 
Os centros marcados por uma certa filiação com 
o espiritismo dão mais lugar às elaborações que 
dizem respeito à moralidade do culto, à sua face 
"branca", através de uma ênfase toda especial 
· na teoria da reencarnação e nos vários níveis 
91 
92 Patrícia Binnan 
evolutivos a que são submetidos os homens. Seus 
rituais procuram valorizar tudo aquilo que se 
apresente como mais elevado e mais despido das 
contingências materiais da . vida. Os símbolos de 
elevação espiritual tanto podem ser uma música 
de órgão ou uma luz azulada quanto qualquer 
outro símbolo que na nossa cultura se identifique 
com o "civilizado", "erudito", "puro", moral-
mente elevado. O branco, a luz de vela, a unifor-
midade na vestimenta dos médiuns, a ausência 
de atabaques e de espíritos "atrasados" são uma 
marca notória em tais centros. Certa vez, uma 
mãe-de-santo me falou que ela havia iniciado a 
sua vida mediúnica num centro "de mesa" mas, 
como era analfabeta e não tinha escola, não pôde 
continuar lá. A "elevação" espiritual exigia nesse 
centro pessoas "cultas", capazes de receber 
espíritos de médicos, advogados, que são "mais 
evoluídos" do que os espíritos que baixam num 
terreiro de umbanda. Explicitou dessa forma uma 
certa analogia entre o "destino" de câda um, 
propiciado pelos espíritos, e a sua situação de 
classe. · 
Os centros de umbanda que se dizem cristãos 
tentam disseminar um critério moral para distinguir 
as diferenças religiosas. E junto com isso acionam 
também o ponto de vista evolutivo, fazendo uma 
analogia dos "mais evoluídos" com pessoas de 
status social superior. Evidentemente que aqui 
encontramos a maior participação das camadas 
O que é Umbanda 
médias na religião umbandista. Nesse tipo de 
centro há lugar para tentativas de dotar a umbanda 
de um sentido unívoco, vendo a multiplicidade 
segundo um critério que a apresenta mais como 
um defeito do que uma qualidade benvinda na 
religião. 
Vale a pena mencionar que, para os umbandistas, 
neste último caso, a umbanda nasceu de um 
movimento dirigido no início do século por Zélio 
de Morais, pessoa de um círculo de intelectuais 
· de classe média em Niterói, que se atribuiu a 
missão de salvar a mediunidade das influências 
"nocivas" advindas das práticas africanas, implan-
tando a "verdadeira religião brasileira". Em tal 
movimento predominava a intenção de fazer da 
umbanda cristã a única verdadeira e legítima, 
excluindo os terreiros e centros mais africanizados. 
As tentativas de "codificação" da umbanda, no 
sentido de· homogeneizá-la, partem geralmente 
de setores mais intelectualizados. São os intelec-
tuais da religião que buscam não só a codificação 
mas também e;> estabelecimento de um ceritro 
decisório único, que subordine os terreiros, e do 
qual emanem os princípios doutrinários. 
Mas, pormais que a variação na umbanda nesse 
caso seja vista como um "defeito" da religião -
que ainda não teria conseguido estabelecer para 
todos um único critério de verdade em matéria 
de ritual, de moralidade, de doutrina - esses 
umbandistas têm, ao longo do tempo, aprendido 
93 
94 Patrícia Birman 
a conviver com as diferenças. Se não é e nunca foi 
possível eliminá-las, o jeito é conviver com elas. 
Contudo, é importante insistir: entre as ten-
dências mais populares - que valorizam a diver-
sidade como uma manifestação positiva do destino 
- e as tendências mais comprometidas com uma 
visão moralizante - que procuram excluir do 
culto o que vêem como "pouco evoluído" - há 
graus variados de combinações. São tendências 
e não cultos que estabelecem fronteiras rígidas 
nesse conjunto de práticas ·religiosas da umbanda. 
A regra, mais uma vez, é a mistura, apesar de todas 
as tensões que esta possa engendrar. São as várias 
linhas de um mesmo riscado. 
Unir para vencer. O projeto 
das federações de umbanda* 
Contra as várias "I inhas" e lutando por uma 
religião unificada, temos as federações de umbanda. 
Estas, que analisaremos · agora, constituem o 
movimento básico no sentido oposto ao da dis-
persão e segmentação, que se origina nos terreiros. 
Vejamos, pois, esse lado da moeda. 
* e'ste capítulo é um resumo das reflexões que Zélia Lóssio Sei-
blitz, Leni Silvestein e eu estamos desenvolvendo numa pesquisa 
sobre as federações de umbanda no Rio de Janeiro. 
O que é Umbanda 
As federações de umbanda surgiram como 
propostas que visavam responder simultaneamente 
a dois problemas. Um deles, já mencionado, era o 
de encontrar uma forma que contornasse a auto-
nomia dos terreiros de modo a poder organizar os 
praticantes dos cultos afro-brasileiros num con-
junto articulado e com um centro decisório único. 
O outro problema, de caráter político, era o de 
enfrentar a repressão do Estado sobre a umbanda e 
os cultos afro-brasileiros em geral. Os umbandistas 
consideraram necessário promover uma organização 
que pudesse contrapor-se de modo eficaz às 
medidas discriminatórias e repressivas praticadas 
pelo Estado contra essas religiões. 
Esses dois 'motivos distintos, com maior ênfase 
em um ou no outro no decorrer de quatro décadas, 
têm colocado permanentemente para os umban-
distas o problema da organização religiosa. 
A primeira tentativa de criar uma hierarquia 
religiosa para o conjunto dos umbandistas se deu 
em 1937 e veio acompanhada de um modelo 
ideológico de "embranquecimento" dos cultos de 
origem africana. A União Espírita de Umbanda do 
Brasil, fundada por Zélia de Morais, propunha 
uma religião destituída dos símbolos africanos e 
que, ao mesmo tempo, valorizasse uma orientação 
doutrinária com base no Evangelho. De forte 
influência do espiritismo, essa federação surgiu, 
pois, no interior de um movimento que se atribuía 
·como missão disciplinar e normalizar os cultos nos 
95 
96 Patrícia Birman 
terreiros. Esse movimento, estudado por Diana 
·Brown (1977), foi fruto de um interesse crescente 
da classe média pela umbanda, onde até então 
predominavam os segmentos populares. A classe 
média na umbanda foi quem se armou de recursos 
materiais e simbólicos no sentido de se apropriar 
das tradições, redefinindo os seus rumos. Refe-
rindo-se aos fundadores desse movimento, por 
volta dos anos vinte, Diana Brown afirma: 
"Eram espíritas insatisfeitos e entediados com o que , 
consideravam ser uma ênfase doutrinária superinte-
lectualizada do espiritismo. Isto os conduziu aos terreiros 
afro-brasileiros, situados nas favelas ao redor das cidades 
( . .. } Estes ilmbandistas pioneiros ansiavam por loca-
lizar as origens da umbanda na respeitabilidade das 
grandes tradições místicas do mundo e encaravam como 
sua missão salvar a umbanda das influOncias negativas 
associadas ao seu passado africano, purificando-a de 
suas práticas africanas". (Brown, 1977, p. 33} 
A União Espírita de Umbanda do Brasil, resul-
tante desse movimento e fundada com esse 
intuito, não conseguiu preservar nem ao menos 
internamente a sua pureza ideológica - em pouco 
tempo foi atingida tanto pelo movimento inverso 
da parte dos terreiros quanto pelo surgimento de 
outras federações. A tentativa de estabelecer uma 
hierarquia que contasse com a obediência ritual e 
doutrinária dos terreiros também fracassou, e com 
O que é Umbanda 
\.. 
isso logo surgiram outras federações disputando 
com a primeira a sua parcela de poder sobre 
a umbanda. 
Em resumo, a dinâmica da dispersão, própria 
das formas de organização dos cultos, não pôde 
ser evitada nem mesmo entre aqueles que tentavam 
colocar em prática um projeto de centralização e 
unificação doutrinária. 
Em 1950, várias outras federações foram for-
madas. Nestas não havia nenhum projeto ideo-
lógico claramente definido como encontramos 
na primeira. Mas, se não era mais possível definir 
um centro único, dada a realidade dispersa e 
segmentada que já se anunciava nas próprias 
federações, era possível tentar uni-las num outro 
organismo, uma espécie de confederação. Nessa 
época foi realizada a primeira tentativa de coalizão 
entre as federações. Mas durou pouco. Ao longo 
dos anos, podemos dizer com certeza que a 
umbanda oscilou permanentemente entre tenta-
tivas de unificação e movimentos de separação das 
cúpulas. Enquanto isso, a presença da umbanda 
na sociedade aumentava. Na década de 60, por 
exemplo, houve um reconhecimento oficial do 
poder de influência da religião pela sua indicação 
na pesquisa do censo. (Antes, não estava prevista 
a indicação de opção por esse culto.) ~ dessa 
época também a eleição do deputado Atila Nunes 
com base em votos dados por umbandistas. A 
primeira tentativa de união entre as federações 
97 
98 Patrícia Birman 
existentes foi sucedida pela criação de uma série 
de órgãos confederativos que multiplicavam as 
confederações ao lado da própria multiplicação 
de federações. Cada vez ficava mais difícil efetivar 
o projeto de unir os umbandistas. 
A última tentativa nesse sentido que demons-
trou maior eficácia se deu·no início da década de 
· 70, com a formação de um órgão colegiado -
CONDU (Conselho Deliberativo de Umbanda) -
que conseguiu congregar as federações, as quais, no 
conjunto, eram as que tinham maior respeitabi-
lidade e reconhecimento religioso (Pechman, 
1982). 
Mas o CONDU, embora conte cõm um número 
significativo de membros associados, não agrega 
nem 50% das federações existentes. Ao invés de 
um único centro aglutinador, o que se tem são 
várias tentativas dispersas entre si. Ao invés de uma 
única doutrina, continua cada terreiro com a sua 
autonomia, "cruzando" linhas e influências. 
E, então, cabem as perguntas: por que e para que 
os umbandistas insistem nesse projeto? Quais são 
os seus contornos no momento atual? Em que 
direção atuam com eficácia? 
Com efeito, apesar da tensão que enunciamos 
entre as tentativas de unificação e os movimentos 
de dispersão, as federações cumprem um papel 
nada desprezível, tanto no plano da organização 
política quanto no plano da arregimentação 
ideológica. Vejamos, inicialmente, o papel político 
O que é Umbanda 
das federações. 
Para entendê-lo precisamos voltar a nos referir 
à repressão do Estado sobre a umbanda. Não são 
passados .tantos anos assim - e a memória disso 
está presente em muitos terreiros - que os prati-
cantes dos cultos afro-brasileiros tinham os seus 
atabaques retidos rias delegacias, que os terreiros 
eram invadidos pela polícia e que, para abrir uma 
casa, era necessário registrá-la na delegacia. A 
relação do Estado com essas religiões foi sempre 
discriminatória, quando não diretamente repressiva. 
Para isso contou com decidido apoio da Igreja 
até recentemente. 
Qualquer dirigente umbandista justifica a 
existência das federações como uma reação a essa 
política repressiva - elas viriam preencher um 
papel de defesa dos umbandistas num meio social 
discriminatório. 
Contudo, não simplifiquemos.A relação dos 
umbandistas com a pol ftica é bem mais complexa. 
O surgimento das federações se deu no quadro 
de um Estado autoritário.que lhes colocou, desde o 
início, um dilema que pode ser resumido em duas 
formas distintas de atuação política: clientelismo 
e dependência do Estado; ou autonomia e orga-
nização dos terreiros. Explicitemos o sentido 
dessas fórmulas. 
De modo semelhante ao que ocorreu na formação 
dos sindicatos brasileiros, os umbandistas desen-
volveram junto aos terreiros uma função assisten-,,._ . 
~ ..i 
99 
100 Patrícia Birman 
cial que tinha como garantia da sua eficiência 
um amparo da parte do Estado. Diante da repres-
são, as federações tinham como possibilidade 
oferecer aos terreiros uma "proteção", por meio 
de vínculos cultivados com a burocracia estatal. 
Estar filiado a uma federação significou ·e ainda 
significa para os terreiros uma garantia contra as 
investidas policiais. Essas. formas de garantia 
tiveram ainda maior eficiência do que possuem 
hoje na medida em que, até 64, eram as federações 
os órgãos que providenciavam perante o Estado a 
legalização dos terreiros. Ao invés de "represen-
tantes" autônomos da religião eram mediadores 
da relação dos terreiros com o Estado. 
De fato, pela posição em que se encontram, as 
federações exercem com facilidade essa função 
mediadora. Por contarem com uma abrangência 
política maior do que cada terreiro em particular, 
são órgãos privilegiados para se relacionar com 
políticos, com as agências diversas como prefei-
. turas, assembléias legislativas, cartórios, delegacias, 
órgãos assistenciais etc. O acesso mais fácil a esses 
serviços possibilita às· federações existirem em 
função do papel de mediação burocrática entre 
as necessidades dos seus filiados e as fontes estatais 
capazes de supri-las. 
A forma de exercer tal mediação sofre variações 
significativas no conjunto das federações. Algumas 
dão ênfase ao papel assistencial, usam mesmo 
denominar-se /tiA'dicatos da umbanda" -, buscam 
O que é Umbanda 
criar vínculos com ambulatórios médicos, investem 
na legalização dos terreiros e procuram funcionar 
como "quebra-galho" de todos os problemas que 
lhes chegam. Outras, essas em minoria, passaram de 
tal modo a se confundir com o Estado que se 
especializaram em coagir os terreiros, obrigando-os 
à compra de "proteção" e contando, para tanto, 
com auxílio dos órgãos repressivos. i: a repre-
sentação decididamente às avessas. 
101 
O sentido da participação política dos umban-
distas em parte deriva da condição mediadora que 
assumem as federações. Mas, na verdade, não é 
esse o único sentido presente nas atividades desses 
órgãos. Um outro, que deriva também da atuação 
discriminatória do Estado, é a luta por um lugar 
não estigmatizado para a rei igião. Aparentemente 
há entre esses dois sentidos uma contradição 
insolúvel: um leva ao caminho do clientelismo e 
dependência do Estado e o outro leva à criação 
de um movimento autônomo de organização dos 
, terreiros. Mas, de fato, as coisas não se passam 
bem assim. Na variação que encontramos no papel 
de mediação exercido pelas federações, é possível 
perceber que para a grande parta das instituições 
existentes a atividade assistencialista se soma 
sem contradição com uma pai ítica voltada para os 
"direitos" dos umbandistas. A política da proteção 
e a luta contra a discriminação religiosa são vistas, 
ambas, como formas de defesa dos umbandistas 
num m~io ~~~ali~h~~ti~Pl m'eio do favor e da 
102 
/ 
Patrícia Birman 
proteção, as federações contribuem de forma real 
para lhes garantir o direito de existirem; direito 
este que, por não estar claramente estabelecido, é 
considerado um privilégio e, como tal, necessita 
da intervenção nas relações com o Estado. O 
direito de não ter o terreiro invadido pela polícia, 
o direito de bater atabaques durante a noite é 
apresentado pelas lideranças umbandistas tanto 
como algo obtido por uma luta social quanto 
por um favor, graças à intervenção particular 
junto à delegacia local, a um deputado etc. 
Entre o direito e o privilégio, as federações 
umbandistas ficam com os dois. E essa política 
dúbia, fruto de uma sociedade autoritária, 
acrescenta dificuldades no projeto de unificação 
do culto. Se cada federação, por conta própria, a 
partir dos vínculos particulares com os políticos 
pode resolver os problemas de seus filiados, por 
que irá investir numa unidade de todas? Por 
outro lado, se existe o poder local, ancorado na 
amizade com o deputado da área, ou na relação 
com o cartório, existe também a realidade de 
uma fraqueza diante · da necessidade de inter-
venções num plano mais abrangente - a união 
continua em pauta na medida em que os dirigentes 
umbandistas reconhecem que cada federação, 
por maior que seja seu poder de mediação, não 
consegue ter o poder de barganha que teria um 
único . órgão centralizado que falasse em nome 
de todos. Mantém-se, então, a tensão entre a 
O que é Umbanda 
'unidade e a multiplicidade como formas combina-
das e também conflitivas de participaçâ'o política. 
Vejamos agora o papel desses órgãos centra-
lizados no plano ideológico. As tentativas de 
unificação da umbanda no plano doutrinário e 
ritual foram ao longo do tempo adquirindo uma 
subordinação ao papel político desempenhado 
pelas federações. Em outras palavras, diante das 
divergências doutrinárias, das quais nenhuma 
federaçâ'o escapa, o projeto de união política é 
suficientemente forte de modo a não ser atrope-
lado pelas divergências de caráter propriamente 
religioso. 
103 
Mas então, em que consiste a atuação no sentido 
de uma codificação doutrinária da umbanda? 
Os dirigentes umbandistas não conseguiram com 
efeito impor aos terreiros nenhuma regra de 
caráter religioso. Mas, apesar disso, exercem 
uma influência expressiva. A dispersão entre os 
umbandistas, cada qual na sua casa, e muito 
freqüentemente em briga com o seu vizinho, foi 
e tem sido contrabalançada pela presença das 
federações. Estas funcionam como centros -difu-
sores e produtores de doutrinas. 
Se podemos falar de pontos de vista comuns no 
interior da umbanda, isto se deve, ao menos em 
parte, ao papel exercido pelas federações. Enquan--
to que os terreiros criam e recriam as práticas 
religiosas, as federações aglutinam essas informa-
ções, produzem reflexões sobre elas e as difundem 
104 Patrícia Birman 
num nível mais abrangente. Por meio de contatos, 
cultos coletivos, festas, publicações, programas de 
rádio, as federações de forma modesta mas perma-
nente influem no sentido de criar entre todos os 
praticantes da religião uma linguagem comum. 
E, dessa maneira, ajudam a gerar entre os umban-
distas a consciência de que formam um coletivo 
que existe para além das fronteiras de suas 
próprias casas. 
Várias atividades convergem nessa direção. Uma 
delas são as giras de confraternização: sob o 
comando de uma ou mais federações, reúnem-se 
vários terreiros na participação do culto. Cantam, 
dançam e recebem suas entidades num espaço 
ritual que consegue abrigar religiosos de várias 
linhas. Em tais eventos religiosos há algo que, ao 
menos momentaneamente, estremece as formas 
tradicionais do exercício religioso. Unir os um-
bandistas de diferentes terreiros numa mesma 
gira significa passar por cima das particularidades 
rituais e doutrinárias de cada um deles e partir 
de uma forma de participação comum com um 
ritual que seja aceito ·por todos, num grande 
coletivo umbandista. 
Não há dúvida de que esse tipo de atividade 
contribui para estabelecer um certo padrão para 
os umbandistas. Mas encontramos ainda outras 
atividades também importantes. Uma delas, farta-
mente utilizada, são os festivais de cantiga de 
umbanda. Nestes, os terreiros se apresentam como 
O que é Umbanda 105 
concorrentes, defendendo num concurso público 
o valor estético e ritual de suas músicas e danças. 
Por meio da animação, das músicas, das torcidas 
concorrentes, do clima de festa cria-se uma ponte 
decomunicação entre os terreiros, promovem-se 
e difundem-se posturas, rezas, músicas e também 
critérios comuns de se pensar a prática religiosa. 
Agindo no mesmo sentido, há também os 
programas de rádio que, em grande número, estão 
vinculados às federações. Os radialistas da umbanda 
se constituem como instrumentos preciosos no 
movimento de homogeneização dos cultos. Seus 
programas, assim como as atividades já descritas, 
criam um campo de relacionamento comum, em 
que são discutidos com seus ouvintes os problemas 
da religião, e forma-se uma rede de informações 
que espanta pela rapidez com que funciona. São 
centros informando os "irmãos" de suas festas, 
são avisos os mais diversos que circulam por 
esse meio, ao lado de uma atividade permanente 
de doutrinação e de defesa dos umbandistas 
contra a discriminação social. 
Por meio das federações, portanto, se instituiu 
uma estratégia que deu à umbanda não só uma 
linguagem comum, mas também propiciou aos 
umbandistas uma maior visibilidade social - os 
cultos afro-brasileiros adquiriram um caráter mais 
público, tornando-se mais respeitáveis aos olhos 
da sociedade abrangente. 
Os efeitos religiosos, em suma, se somam aos 
106 Patrícia Birman 
efeitos pai íticos na avaliação que fazemos das 
federações de umbanda. As tentativas de união, 
sem dúvida, possibilitaram aos umbandistas maior 
consciência crítica em relação ao processo de 
discriminação social que sofrem, ao lado do reco-
nhecimento de que todos formam um coletivo que 
pertence à mesma religião, apesar das diferenças 
entre eles. 
Resumindo, então, a importância da dinâmica 
federações/terreiros se deve a dois níveis das 
atividades que aí se apresentam. Um, no plano 
político, em que as federações ao mesmo tempo 
fortaleceram uma ação cliente! ística e uma maior 
consciência dos umbandistas em prol dos seus 
direitos religiosos. Outro, no plano religioso, em 
que, apesar das diferenças e da multiplicidade de 
"linhas", os terreiros tiveram nas federações um 
instrumento que estabeleceu uma linguagem 
comum entre eles, e que faz com que se reconhe-
çam como pertencentes a uma mesma religião. 
O dilema da união versus segmentação mais 
uma vez não foi abolido. As tentativas das fede-
rações no sentido de alterar essa dinâmica falharam 
todas. Contudo, nem por isso a tensão entre o Um 
e o Múltiplo deixou de produzir seus efeitos 
relevantes. 
• • .... .. 
INDICAÇÕES PARA LEITURA 
Para entender de umbanda nada melhor do que dar um mergulho 
no livro de Roberto Da Matta Carnavais, malandros e h8róis, que 
fornece um quadro interpretativo extremamente rico de cultura 
brasileira. 
O livro de Peter Fry Para ingl§s ver aborda os cultos afro-brasilei-
ros relacionando-os com os vários assuntos: sexualidade, identidade 
étnica, organização política e cidadania. t de leitura indispensável. 
O livro de Yvonne Maggie Guerra de orixás analisa a religião 
umbandista a partir de uma situação específica: um terreiro em 
crise, ameaçado de dissolução: Com esta abordagem nos oferece uma 
visão rica dos mecanismos rituais e simbólicos da umbanda. 
Numa outra perspectiva temos o livro de Renato Ortiz A morte 
branca do feiticeiro negro, que dá um quadro geral do sistema de 
crença umbandista. 
A umbanda enquanto movimento social e suas conotações 
políticas é o objeto do livro de Diana Brown Umbanda: politics of 
an urban re/igious movement, ainda não traduzido para o português. 
Da mesma autora temos o artigo "O papel histórico da classe média 
na umbanda", em Religião e Sociedade, n'? 1; e com preocupação 
similar, o artigo de Tema Pechman "Umbanda e política no Rio 
de Janeiro", em Religião e Sociedade, n~ 8, também de leitura 
obrigatória. 
108 Patrícia Birman 
BIBLIOGRAFIA 
Birman, Joel (1982): "Repensando Freud e a constituição da clínica 
psicanalítica", in Tempo Brasileiro, n9 70, Rio de Janeiro. 
Brown, Diana (1977): "Umbanda e classes sociais", in Religião e ' 
Sociedade, n~ 1, São Paulo, HUCITEC. 
Cantor Magnani, José Guilherme (1982): Apresentação no VI 
Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e 
Pesquisa em Ciências Sociais (mimeo). 
Da Matta, Roberto (1.979) : Carnavais. malandros e heróis, Rio de 
Janeiro, Zahar. 
Douglas, Mary (1976): Pureza e perigo, São Paulo, Perspectiva. 
Fernandes, Rubem César (1982) : Os cavaleiros de Bom Jesus, São 
Paulo, Brasiliense. 
Freyre, Gilberto (1973): Casa grande & senzala, Rio de Janeiro, 
José Olympio. 
Fry, Peter (1982): Para ingl§s ver, São Paulo, Brasiliense. 
Goldman, Márcio (1982): A construção ritual da pessoa: A posses-
são no candomblé. Friburgo, VI Encontro Anual da Associação 
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais 
(mimeo). 
Maggie, Yvonne (1975): Guerra de orixás, Rio de Janeiro, Zahar. 
Ortiz, Renato (1978): A morte branca do feiticeiro negro, Petró-
polis, Vozes. 
Pechman, Tema (1982): "Umbanda e política no Rio de Janeiro", 
in Religião e Sociedade, n~ 8, São Paulo, Cortez Ed. e Tempo 
e Presença Ed. 
Pritchard, Evans (1978): Bruxaria, oráculos e magia entre os Azan-
de, Rio de Janeiro, Zahar. 
Seiblitz, Zélia Lóssio (1982) : " Voto vinculado singular: entre Ogum e 
Exu", in Comunicações do /SER, n9 3, Rio de Janeiro (mimeo). 
Trindade, Liana (1982): "Exu: reinterpretações individualizadas de 
um mito", in Religião e Sociedade, n~ 8, São Paulo, Cortez 
Ed. e Tempo e Presença Ed . 
•• •• •• 
Biografia 
Patrícia Birman, carioca, nascida em 1949, formou-se em Psico-
logia e, depois de algumas hesitações, mudou-se com armas e baga-
gem para o campo da Antropologia Social. Atualmente trabalha 
no ISE R (Instituto Superior de Estudos da Religião), faz pesquisa 
sobre as religiões afro-brasileiras no Rio e cursa o doutoramento 
em Antropologia Social no Museu Nacional da UFRJ. 
Caro leitor: 
Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para 
as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias. 
novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um 
já públicado serão sempre bem recebidos . 
•• •• •• 
COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS 
1 • Soclalfsmo· Arnaldo Spíndel 
2 • Comunismo Arnaldo Spindel 
3 • Sindicalismo Ricardo C. Antu· 
nes 4 - Capitalismo A. Mendes 
Catani 5 • Anarquismo Caio Túlio 
Costa 6 - Liberdade Calo Prado 
Jr. 7 • Racismo J. Rufino dos 
Santos 8 • Indústria Cultural T el-
xeira Coelho 9 • Cinema J. Clau· 
de Bernardet 10 • Teatro Fernan-
do Peixoto 11 • Energia Nuclear 
J. Goldemberg 12 • Utopia Tei-
xeira Coelho 13 · Ideologia Ma· 
rilena Chauí 14 • Subdesenvolvi· 
mento H. Gonzalez 15 • Jornalis-
mo Clóvis Rossl 16 • Arquitetura 
Carlos A. C. Lemos 17 • História 
Vavy Pacheco Borges 18 • Ques-
tão Agrária José G. da Sllva 19 • 
Comunidade Ec. de Base Frei 
Betto 20 • Educação Carlos R. 
Brandão 21 • Burocracia F. C. 
Prestes Motta 22 • Ditaduras 
Arnàldo Splndel 23 · Dialética 
Leandro Konder 24 • Poder Gé-
rard Lebrun 25 • Revolução Flo-
restan Fernandes 26 - Multina-
cionais Bernardo Kuclnskl 27 -
Marketing Aaimar Aichers 28 • 
Empregos e Salários P. A. de 
Souza 29 • lnte1ectuais Horácio 
Gonzalez 30 • Recessão Paulo 
Sandroni 31 • Religião Rubem 
Alves 32. Igreja P. Evaristo. Car· 
deal Arns 33 - Reforma Agrária 
J'. Ell Veiga 34 • Stalinismo J . 
Paulo Netto 35 • Imperialismo 
ASAIR: 
Alfabetização Ana Maria Poppo-
vic Angústia André Gafarsa Ar-
queologia Ulplano B. Menezes 
Astrologia Juan Müller Auto· 
nomlsmo Maurício Tragtenberg 
Autoritarismo Carlos Estevan 
Martins Biologia Warnlck Kerr 
Candomblé Lenl Myra Slversteln 
Capitalismo Monopolista de Es· 
tado J. M. Cardoso de Mello 
Carnaval , Roberto da Matta Ci· 
bernética Jocelyn Bennaton Cl-
dadanla Sérgio Adorno Ciência 
Rubem Alves Comunicação Ru-
ral Juan D. Bordenave Contra· 
cultura Carlos A. Pereira Corpo 
Ana Verônica Mautner Critica 
Marlene Bilinsky Curandeiris-
mo Zelia Selblitz Democracia 
Ruben Casar Keinert Economia 
Polftlce L. G. de Mello Belluz-
A. Mendes Catani 36 • Cultura 
Popular A. Augusto Arantes 37 • 
Filosofia Caio Prado Jr. 38 • Mé-
todo Paulo Freire C. R.Brandão 
39 - Psicologia Soctal S. T. Mau-
rer Lane 40 • Trotsklsmo J. Ro-
berto Campos 41 · Islamismo 
Jamll A. Haddad 42 • Violência 
Urbana Regis de Morais 43 • Poe-
sia Marginal Glauco Mattoso 44 • 
Feminismo B. M. Alves/J. Pitan· 
guy 45 • Astronomia Rodo1pho 
Caniato 46 ·· Arte Jorge Coli 47 • 
Comissões de Fábrica R. Antu-
nes/ A. Nogueira 48 ·• Geografia 
Ruy Moreira 49 • · Direitos da 
Pessoa Oalmo de Abreu Oallarl 
50 • Familia Danda Prado 51 • Pa-
trimônio Histórico Carlos A_. C. 
Lemos 52 • Psiquiatria Alterna-
tiva Alan lndio Serrano 53 - Lite-
ratura Marisa lajolo .54 • Polít1ca 
Wolfgang Leo Maar 55 • Espiri .. 
tismo Roque Jaclntho 56 - Po-
der Legislativo Nelson Saldanha 
57 • Sociologia Carlos B. Mar-
tins 58 • Direito lntemacional J. 
Monserrat Filho 59 • Teoria Ota· 
viana Pereira 60 • Folclore Car· 
los Rodrigues Brandão 61 • Exi&-
tencialismo João da Penha 62 • 
Direito Roberto Lyra Fiiho 63 • 
Poesia Fernando Paixão 64 • Ca-
pital Ladis lau Dowbor 65 • Mais. 
Valia Paulo Sandroni 66 • Recur-
sos Humanos Flávio de To ledo 
67 • Comunicação Juan Díaz Bor-
zo Educação Ambiental José 
M. Almeida Jr. Educação Indíge-
na Araci l. Silva Educador Ru-
bem Alves Estados Unidos Paulo 
Francis Estudar Paulo Freire Fe-
tiche Lillana Segnlnl Física Er-
nest Hamburger Fome Ricardo 
Abramovay Geologia Conrado 
Paschoale Geopolítica Ruy Mo.. 
reira Inflação J. B. Amaral Fiiho 
Judaismo Anita Novinsky Lingua-
gem Carlos Vogt Literatura Po-
pular Joseph M. Luyten Maçona-
ria Arnaldo tAindlin Mediclna Po-
pular Elda Rizzo de Oliveira Me-
tafisica Gerd A. Bornhein MP.. 
seu Marlene Suano Nacionalida· 
de Guilherme R. Ruben Naclona. 
Rsmo Toledo Machado Papel Otá-
vio Roth Planejamento Empre. 
sarial Rogério Machado Planeja-
denave 68 • Rock Paulo Chacon 
69 • Pastoral João Batista Liba-
nio 70 - Contabilidade Roque Ja-
clntho 71 • Capital Internacional 
Rabah Benakouche 72 • Positivis-
mo João Ribeiro Jr. 73 - Loucura 
João A. Frayze-Perelra 74 • Lef. 
tura Maria Helena Martins 75 • 
Questão Palestina Helena SaJem 
76 • Pl.lnk Antonio Bivar n · Pro-
paganda Ideológica Nelson Jahr 
Garcia 78 • Magia João Ribeiro 
Jr. 79 • Educação Física Vitor 
Marinho de Oliveira 80 • Música 
J. Jota de Moraes 81 • Homos-
sexualidade Peter Fry/E.duard 
MacRae 82 • Fotografia Cláudio 
A. Kubrusly &3 • Polftica Nuclear 
Ricardo Amt 84 · Medicina Al-
ternativa Alan índio Serrano 85 • 
Violência Niio Odalia 86 • Psica-
nálise Fabio Herrmen 87 • Parla· 
mentarismo Ruben Cesar Kelnert 
88 • Amor Betty Milan 89 - Pes. 
soas Deficientes João B. Cintra 
Rlba!:l 90 • Desobediência· Civil 
Evaldo Vieira 91 • Universidade 
Luiz E. W. Wanderley .92 • Ques-
tão da Moradia Luiz C. O. Ribei-
ro/ Robert M. Pechman 93 • Jazz 
Roberto Mugglati g4 · Biblioteca 
Luiz Mllanesl 95 • Participação 
Juan E. Dlaz Bordenave 96 • Ca-
poeira Almlr das Areias 97 - Um-
banda Patrícia Bfrman. 
menta Familiar R. Darcy de 011· 
velra Planejamento Urbano Cân-
dido M. Campos Politlca Cultural 
Martin C. Feijó Prevldôncla So-
cial Moyses Quadros Psicologia 
Arno Engelman Psicomotricidade 
Eduardo Ravagnl Religião Popular 
Rubem . C. Fernandes Repressão 
Sexual Marilena Chaui Serviço 
Social Ana Maria Estevão Silên· 
cio André Gaiarsa Sistema Ro-
gério Machado Solo Urbano Sér· 
gio Souza lima Taylorismo 
Eduardo Moreira/Luzia Rago Te. 
levisão Walter Salles Jr. Teo-
logia Rubem Alves Terrorismo 
Sérgio Souza Lima Trabalho Er-
nildo Staine Vinho Abelardo 
Blanco. 
Que pode haver d.e maior ou menor que um toque? 
W . Whüman 
VOCÊ CONHECE O PRIMEIRO TOQUE? 
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PRIMEIRO TOQUE é uma publicação com crônicas, 
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·Brasiliense. Saí de três em três meses. 
Por que não recebê-lo em casa? Além do mais, 
não custa nada. Só o trabaJho 
de preencher os dados aí de baixo, 
recortar, selar e pôr no correio. 
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editora brasiliense s.a. 
01223 - r. general jardim, 160 - são paulo 
P-97 . 
AltiilttU&IE 
Arquitetura 
Arte 
Astronomia 
Biblioteca 
Burocracia 
Capital 
Capital Internacional 
Capitalismo 
Capoeira 
Cinema 
Comissões de Fábrica 
Comunicação 
Com. Eclesial de Base 
Co1mmismo 
Contabilidade 
Cultura Popular 
Desobediência Civil 
Dialética 
Direito 
Direito Internacional 
Direitos da Pessoa 
Ditaduras 
Educação 
Educação Física 
Empregos e Salários 
Energia Nuclear 
Espiritismo 
Existencialismo 
Família 
Feminismo 
Filosofia 
Folclore 
Fotografia 
Geografia 
História 
Homossexualidade 
Ideologia 
Igreja 
Imperialismo 
Indústria Cultural 
Intelectuais 
Islamismo 
Jazz 
Jornalismo 
Leitura 
Liberdade 
(§) 
(16) 
(46) 
(45) 
(94) 
(21) 
(64) 
(71) 
(4) 
(96) 
(9) 
(47) 
(67) 
(19) 
(2) 
(70) 
(36) 
(90) 
(23) 
(62) 
(58) 
(49) 
(22) 
(20) 
(79) 
(28) 
(11) 
(55) 
(61) 
(50) 
(44) 
(37) 
(60) 
(82) 
(48) . 
(17) 
(81) 
(13) 
(32) 
(35) 
(8) 
(29) 
(41) 
(93) 
(15) 
(74) 
(6) 
Magia 
Mais-Valia 
Marketing 
e 
Medicina Alternativa 
Método Paulo Freire 
Multinacionais ' 
Música 
Parlamentarismo 
Participação 
Pastoral 
Patrimônio Histórico 
Pessoas Deficientes 
Poder 
Poder Legislativo 
Poesia 
Poesia Marginal 
Política 
Política Nuclear 
Positivismo 
Propaganda Ideológica 
Psicanálise 
Psicologia Social 
Psiquiatria Alternativa 
Punk 
Questão Agrária 
Questão da Moradia 
Questão Palestina 
Racismo 
Recessão 
Recursos Humanos 
Reforma Agrária 
Religião~ : • 
Revoluçao ' " 
Rock 
Sindicalismo 
Socialismo 
Sociologia 
Stalinismo 
Subdesenvolvimento 
Teatro 
Teoria 
Trotskismo 
Umbanda 
Universidade 
Utopia 
Violência 
Violência Urbana 
t1JJ 
(78} 
(65) 
(27) 
(84) 
(38) 
(26) 
(80) 
(87) 
(95) 
(69) 
(51) 
(89) 
(24) 
(56) 
(63} 
(43) 
(54) 
(83) 
(72) 
(77) 
(86) 
(39) 
(52) 
(76) 
(18) 
(92) 
(75) 
(7) 
(30) 
(66) 
(33) 
(31) 
(25) 
(68) 
(3) 
(1) 
(57) 
(34) 
(14) 
(10} 
(59) 
(40) 
(97) 
(91) 
(12} 
. (85} 
(42} 
,. . 
·canher&i, fambém 
a coleção 
tudo é h isf ória 
({LTIMOS LANÇAMENTOS 
5 7. OS JESUÍTAS - j osé Carlos Sebe . 
58. A REPÚBLICA DE WEIMAR E A ASCENSÃO DO NAZISMO 
· ., - Angela M. Almeida 
59. A REFORMA AGRÂRIA NA NICARÁGUA 
- Cláudio T. Bornstein 
60. TEATRO OFICINA - Fernando Peixoto 
61. RÚSSIA {1!)17-1921) OS ANOS VERMELHOS - Dà1tiel A . R. 
Filho 't 
62. A REVOLUÇÃ O .'rfEXICANA (1910· 1917) - Anna M. M. 
Corre a 
.63. À.MÉRICA CENTRAL: DA COLÔNIA À CRISE ATUAL 
- H5ctof Pérez Brignoli 
fi4. A GUERRA FRIA - Déa R. Fenelon 
65. O FEUDALISMO - Hilán'o Franco Jr. 
66.- URSS: O SOCIALISMO RJ!.AL - Daniel Aarão Reis Filho 
67. OS LIBERAIS E A CRISE DA REPL'i3TICA VELHA 
_.:_. Paulo Gilbf rto F. Vizentini 
68. A REDEMOCRATIZA ÇÃO ESPANHOLA - Regina/do .Moraes 
69. 4. ETIQUEli'. NO ANTIGO REGIME - Renato }anine Ribeiro 
70:' CONTESTADO: .A GUERRA DO NOYO MUNDO 
:;_ Antonio P. Tota . . 
71. A FAMÍLIA BRASIIEIR.A - Eni de Mesquita Samara . 
72. A ECONOMIA CAFEEIRA - }oíé Roberto do Amaral Lapa 
'73. -ARGÉLIA: A GUERP • u •· r.rnunu.rnlhrrr • 
- Mustafo Yazbek 
'74. REFORMA AGR.ÁR.J 
- Le'opoldo Jobim 
75. OS CAIPIRAS DE S, 
76. A CHANCHADA N 
- Afrânio M. Catan 
ecHtora brasiliense

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