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Pesquisa Qualitativa em Engenharia de Produção e Gestão de Operações - livro

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Capa: Caio Cardoso 
Produção digital: Geethik
Imagem da capa: PlargueDoctor / iStockphoto
CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE. 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
B444p 
Bernardes, Ednilson
Pesquisa qualitativa em engenharia de produção e gestão de operações / Ednilson Bernardes, Jorge Muniz Júnior, Davi
Noboru Nakano. – São Paulo: Atlas, 2019.
Apêndice
Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-97-01870-7
1. Engenharia de produção – Pesquisa – Metodologia. 2. Administração de produção – Pesquisa – Metodologia. 3. Pesquisa
qualitativa. I. Muniz Júnior, Jorge. II. Nakano, Davi Noboru. III. Título. IV. Série.
18-52404 CDD: 658.57 
CDU: 658.5:005.311.11
Leandra Felix da Cruz – Bibliotecária – CRB-7/6135
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Sumário
Introdução
O que é pesquisa qualitativa
Estrutura de uma proposta de pesquisa qualitativa
Decisões sobre amostragem e coleta de dados
Análise e apresentação dos dados
Desenvolvimento de pesquisa qualitativa confiável
O estudo de caso
A pesquisa-ação
A teoria fundamentada (grounded theory)
Conclusão
Apêndice – Revisão da literatura para artigos empíricos
Referências bibliográficas
Introdução
Um visitante que vá ao Museu do Louvre, em Paris, pode apreciar de perto obras de grandes artistas, como
Leonardo da Vinci, Raphael e Rembrandt, entre muitos outros. Se caminhar pouco mais de 1000 metros, do outro
lado do Rio Sena, a mesma pessoa pode ir também ao Museu Orsay e admirar obras de Renoir, Gauguin, Monet e
outros grandes mestres da arte. Terá tido então a oportunidade de admirar obras belas e marcantes, que traduzem
duas visões distintas: de um lado a busca da retratação fiel da realidade, como em um retrato de Ticiano, e do outro,
o esforço para registrar como a realidade é percebida pelo artista, como nos retratos de Van Gogh e Cézanne.
Da mesma forma, a condução de um projeto de pesquisa está fundamentada em pressupostos do pesquisador: em
como ele entende a realidade e como acredita ser possível retratá-la. Esses pressupostos criam duas grandes “rotas”
para a pesquisa: a quantitativa e a qualitativa. A primeira é a mais tradicional, tendo sido utilizada para a produção
de boa parte do conhecimento que possuímos hoje. Porém, em muitos casos, ela pode mostrar-se limitada, pois a
realidade pode se apresentar mais complexa, com nuances e tons que tornam difícil seu entendimento mais
aprofundado utilizando-se somente uma perspectiva. Além disso, assim como diferentes períodos artísticos retratam
não somente diferenças em paradigmas, mas também nos objetivos de seus autores, a pesquisa qualitativa e a
quantitativa podem ser mais apropriadas para determinados objetivos, sendo capazes de fornecer explicações gerais,
embora com critérios de generalização diferentes.
A pesquisa qualitativa abre a possibilidade de exploração e de desenvolvimento de teoria que a abordagem
quantitativa tem dificuldade em fornecer. A flexibilidade para o desenvolvimento de quadros teóricos, de forma
interativa com as descobertas de campo e a valorização do ponto de vista dos participantes, permitem ao
pesquisador encontrar novos conceitos e relações, de forma a propor teoria significativa e ancorada na realidade. Ela
também permite que o desenvolvimento teórico resulte da análise criteriosa de dados e informações provenientes do
campo de pesquisa, e não de um modelo teórico, abstraído por sua vez de outros modelos, nos quais a realidade foi
simplificada para que eles tivessem resolução possível.
A pesquisa qualitativa aproxima o pesquisador de seu objeto de estudo, faz com que ele o sinta, interaja com o
seu contexto e seus participantes, conferindo uma riqueza de observações que não poderia ser atingida de outra
forma, e que possibilita o desenvolvimento de teoria significativa. Ela também é fundamental quando o
conhecimento sobre um assunto ainda é escasso, e há necessidade de avançar em terreno pouco conhecido, pois dá
instrumentos ao pesquisador para elaboração de explicações inéditas. Muitos desenvolvimentos importantes em
Engenharia de Produção e Gestão de Operações foram feitos utilizando a pesquisa qualitativa: os primeiros estudos
sobre o Sistema Toyota de Produção, a concepção da Produção Enxuta e do World Class Manufacturing foram
baseados em estudos de caso, já que não havia teoria para estudá-los e explicá-los.
Porém, nossas observações durante nosso período como editores do periódico Production, a nossa experiência
como orientadores e como pareceristas de diversos periódicos e congressos nos fez notar que a pesquisa qualitativa
em Engenharia de Produção e Operações é numerosa, mas em muitos casos, carente de qualidade, impedindo a
utilização do seu potencial. Tal fato não decorre da falta de empenho e dedicação dos pesquisadores, pelo contrário,
o esforço e o trabalho árduo transparece em diversos trabalhos; mas, em nossa opinião, é decorrente do fato de uma
compreensão limitada do que vem a ser a pesquisa qualitativa.
Para compreender seus fundamentos e utilizá-la corretamente, o pesquisador deve, em primeiro lugar, estar
consciente de seus pressupostos ontológico (o que se acredita verdadeiro), axiológico (a influência de seus valores)
e epistemológico (como a verdade pode ser compreendida). Não ousamos aqui discutir e discorrer sobre a Filosofia
da Ciência, mas a aplicação da pesquisa qualitativa exige um mínimo de conhecimento sobre ela, do contrário o
pesquisador pode cometer erros que poderão comprometer seu trabalho. Por esse motivo, no capítulo de
apresentação da pesquisa qualitativa, apresentamos brevemente os pressupostos, e como eles definem nossas
perspectivas teóricas. Sem isso, o pesquisador corre o risco de incorrer em uso inadequado e desperdiçar seu
esforço.
Uma das situações na qual a pesquisa qualitativa é mal aplicada é, até certo ponto, muito simples. Ela acontece
quando o pesquisador chama o seu trabalho de qualitativo simplesmente porque utiliza dados qualitativos. A
representação de manifestações e eventos que não podem ser diretamente mensurados dá origem a dados
qualitativos, por exemplo, opiniões, sensações, sentimentos, não são passíveis de medição direta, e são
representados indiretamente por palavras e textos. O simples uso de dados qualitativos não qualifica um trabalho
como pesquisa qualitativa, pois ela está ligada à forma como o pesquisador conduz sua investigação.
Outra ocorrência frequente na produção acadêmica em Engenharia de Produção e Operações é a escrita de
relatos de ocorrências técnicas ou profissionais. Frequentemente um texto é chamado de Estudo de Caso (EC)
quando se trata de uma narrativa, cuidadosa, detalhada e bemelaborada a respeito da solução de um problema
específico pela adoção de um método ou procedimento técnico. Porém, um EC não é somente uma descrição
detalhada, e ela não qualifica a pesquisa como qualitativa. O motivo pelo qual a concepção equivocada seja aplicada
por muitos pesquisadores pode estar ligada ao fato de que o EC, além de estar entre os métodos qualitativos mais
conhecidos e utilizados, também identifica textos didáticos para cursos de negócios, nos quais é utilizado para
propor uma situação que será resolvida e discutida em sala de aula, além de relatos técnicos utilizados para
exemplificar uma situação ou problema (o case), o que pode levar à confusão citada.
Há quase três décadas, Bryman (1989) já alertava que os métodos qualitativos atraem pesquisadores pela sua
aparente flexibilidade. Muitas vezes, pesquisadores entendem que devem usar métodos qualitativos porque
pretendem produzir trabalhos exploratórios, outra situação que pode levar à aplicação deficiente desses métodos.
Nesse caso, o engano não é propriamente na adoção do método qualitativo, que é adequado para estudos
exploratórios, mas no que, de fato, consiste esse tipo de estudo. Um trabalho exploratório investiga um fenômeno
que ainda não foi estudado e sobre o qual não há desenvolvimento teórico suficiente, e o pesquisador vai
literalmente explorar, desbravar um campo desconhecido.
Porém, na maior parte das vezes, pesquisadores denominam seus estudos como exploratórios, justificando a
adoção de métodos qualitativos, quando seus trabalhos lidam com fenômenos ou situações para as quais a literatura
é abundante e os conceitos são bem desenvolvidos. O engano se estabelece porque o pesquisador entende,
erroneamente, que o fato de a aplicação ser sobre um novo objeto ou situação não documentada na literatura torna
seu estudo exploratório. O caráter desse tipo de estudo não está sobre o objeto de estudo, mas sobre a teoria a ele
relacionada, estudos exploratórios visam produzir teoria inédita.
Outra situação na qual a aplicação dos métodos qualitativos é problemática acontece quando o pesquisador julga
que pode fazer observações e produzir conclusões sem preocupação com uma firme ligação com a teoria existente.
Como será apresentado nos próximos capítulos, a perspectiva qualitativa se originou de um paradigma que entende
que novos conhecimentos se originam da interpretação do pesquisador a respeito da realidade, e que essa
interpretação deve ser livre de tendências. Por esse motivo, na origem dos métodos qualitativos houve a
recomendação de que o pesquisador deveria adentrar seu campo de pesquisa com um mínimo de bagagem teórica.
Porém, isso não significa superficialidade, pelo contrário, a produção de teoria exige um firme contato e diálogo
com a teoria existente, que o pesquisador deve conhecer e dominar com profundidade.
Esses são exemplos que foram observados em nossa experiência, e que motivaram este livro. Ele procura definir
com clareza o que é a pesquisa qualitativa, suas bases filosóficas, suas limitações e cuidados para garantir sua
validade e confiabilidade. Apresentamos também a elaboração da proposta para uma pesquisa qualitativa, e os
cuidados que inspira. Em seguida, detalhamos três métodos qualitativos: Estudo de Caso, Teoria Fundamentada
(Grounded Theory) e Pesquisa-Ação. A escolha desses três métodos foi norteada por alguns fatores. Quando o
pesquisador identifica a necessidade de conduzir um estudo qualitativo, existe uma diversidade considerável de
escolhas e abordagens, no entanto, algumas delas têm sido mais desenvolvidas e utilizadas ao longo dos anos, como
as três discutidas neste livro. Além disso, esses três métodos de pesquisa qualitativa são bastante populares em
estudos na engenharia e na gestão de operações. Finalmente, seguindo a nossa orientação pós-positivista e realista
para esse trabalho, decidimos focar em abordagens que têm procedimentos sistemáticos de investigação, métodos
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rigorosos para coleta de dados, e métodos de análise que são atraentes tanto para pequisadores iniciantes como
experientes.
Além desta introdução, este livro está organizado em oito capítulos e uma conclusão. A seguir, delineamos
brevemente o conteúdo de cada um deles.
O que é pesquisa qualitativa?
Nossos pressupostos filosóficos, conscientes ou não, dirigem as escolhas metodológicas na pesquisa. O que se
acredita verdadeiro (Ontologia), como a verdade pode ser compreendida (Epistemologia), qual a influência dos
valores do pesquisador em sua discussão (Axiologia), definiram os paradigmas Positivista/Pós positivista e o
Interpretativo, que são a base para a distinção entre pesquisa quantitativa e qualitativa. De um lado, a crença de que
o conhecimento é objetivo, único e independente do pesquisador, mas não pode ser apreendido de forma completa
(Pós-positivismo) e de outro, a convicção de que o conhecimento é múltiplo e subjetivo, dependente do contexto e
da interpretação do pesquisador (Interpretativismo), deram origem às perspectivas teóricas quantitativa, originada
do Positivismo/Pós-positivismo, e qualitativa, proveniente do Interpretativismo. Cada perspectiva teórica deu
origem a métodos, como o experimental e o levantamento (survey) – quantitativos, e o estudo de caso, a teoria
fundamentada e a pesquisa-ação – qualitativos. Porém, a relação não é rígida e determinística: é possível partir de
um paradigma e utilizar outra perspectiva e método.
A estrutura de uma proposta de pesquisa qualitativa
Todo o projeto de pesquisa bem-sucedido começa com um planejamento adequado, que se torna concreto na
proposta de pesquisa. Uma proposta visa detalhar cada parte da pesquisa e garantir que estejam alinhadas, de forma
a resultar em um trabalho consistente e coerente.
Uma boa proposta (a partir de qualquer perspectiva, seja quantitativa ou qualitativa) se inicia apresentando o
problema de pesquisa, sua importância e relevância, elabora as questões de pesquisa a serem respondidas, detalha o
quadro teórico preliminar e apresenta as principais ações e prazos estimados do projeto. A proposta deve responder
às seguintes perguntas:
O que será estudado?
Por que existe interesse?
Para que servirá o estudo?
A quem ele interessa?
O que já se sabe a respeito?
Que método será empregado?
Como será feita a análise dos dados?
Decisões sobre amostragem e coleta de dados
A coleta cuidadosa e criteriosa de dados é a base para qualquer projeto de pesquisa bem-sucedido. Na pesquisa
qualitativa, o uso de amostras intencionais ou por conveniência é comum e não representa, a princípio, um problema
para o projeto. Porém, é necessário que a escolha seja corretamente planejada para que os resultados possam
efetivamente responder as questões de pesquisa. Entrevistas, observações e documentos são as fontes de dados mais
utilizadas na pesquisa qualitativa, e cada uma delas tem características e limitações que devem ser consideradas pelo
pesquisador.
Análise e estruturação dos dados
A pesquisa qualitativa produz dados em forma de texto: transcrições de entrevistas, anotações de observações e
documentos. São fontes ricas e volumosas, que muitas vezes levam o pesquisador a sentir dificuldade em analisá-
las. A organização, redução e codificação desses dados são fundamentais para que o trabalho de análise seja bem
conduzido.
Desenvolvendo Pesquisa Qualitativa Confiável
Durante o planejamento da pesquisa, e muitas vezes durante a análise dos dados, o pesquisador precisa prever as
ameaças a validade de seus resultados, e as estratégias que serão usadas para descobrir se elas são plausíveis para
sua situação. O pesquisador precisa conceber estratégias para lidar com as ameaças que forem identificadas como
plausíveis. O objetivo é assegurar a maior aderência possível entre os dados coletados e interpretados e a realidade.
O Estudo de Caso
O Estudo de Caso é o método qualitativo empregado com mais frequência e, infelizmente, também o mais mal
utilizado. Como já dito, ele é confundido com relatórios técnicos detalhados, com relatosde ocorrências na área de
negócios, ou com “causos”, relatos de experiências pessoais. Um Estudo de Caso é uma investigação aprofundada
sobre um evento contemporâneo, sobre o qual o pesquisador não tem ação. Ele se presta tanto para a produção
(Estudo de caso indutivo) como para o teste de teoria (Estudo de caso confirmatório), sendo a primeira finalidade, a
mais frequente. Ele pode estudar um caso único, ou dois ou mais casos, e os resultados podem ser estendidos para
outros casos, desde que o pesquisador tome alguns cuidados em seu planejamento.
A Teoria Fundamentada (Grounded Theory)
A teoria fundamentada é uma forma indutiva de pesquisa, com um componente dedutivo, que foi introduzido por
Glaser e Strauss (1967). É uma abordagem de pesquisa na qual a teoria é desenvolvida a partir dos dados coletados e
não o oposto. O pesquisador combina a coleta e a análise de dados, os quais ocorrem iterativamente: a análise inicial
de dados informa e apoia a coleta de dados subsequente. A discussão nesse capítulo segue uma perspectiva
interpretativa fundamentada na abordagem de Corbin e Strauss (2015), por que ela fornece um procedimento mais
metódico, estruturado e analítico. O processo envolve um procedimento sistemático de definição de conceitos e sua
integração em um modelo teórico.
A Pesquisa-Ação
Pesquisa-Ação (PA) é um método de pesquisa que alinha interesses acadêmicos e organizacionais. Ela propõe
solução a problemas complexos, que apresentem contribuição teórica por meio de questionamento iterativo e
interativo no decorrer de ciclos sequenciais de atividades que envolvem planejamento, ação, observação, reflexão
sobre o fenômeno estudado, com parceria de pesquisadores acadêmicos e representantes da organização diretamente
envolvidos no contexto pesquisado.
A motivação para a elaboração deste livro foi a percepção de uma deficiência na pesquisa em Engenharia de
Produção e Gestão de Operações. Esperamos que esta obra seja útil para supri-la, que contribua para o avanço do
conhecimento e para o amadurecimento da área.
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O que é pesquisa qualitativa
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao �nal deste capítulo, o leitor deverá ser capaz de:
Discutir a in�uência dos pressupostos �losó�cos na condução de pesquisa.
Descrever as características da pesquisa qualitativa.
Distinguir as abordagens qualitativa e quantitativa.
Utilizar dados qualitativos e quantitativos.
Selecionar entre métodos qualitativos e quantitativos.
Pressupostos filosóficos
Embora raramente considerado de forma explícita ou consciente, os pressupostos filosóficos e os paradigmas do
pesquisador, ou seja, suas crenças pessoais e sua visão de mundo, guiam seu trabalho e influenciam o processo de
pesquisa (Denzin e Lincoln, 2011; Creswell e Poth, 2018; Maxwell, 2013). Dessa forma, esses aspectos permitem
um entendimento mais aprofundado da natureza da pesquisa qualitativa e por essa razão, começaremos este capítulo
com uma breve discussão sobre o assunto.1
Os pressupostos filosóficos se referem a como o pesquisador define a natureza da realidade (ontologia), o que o
pesquisador aceita como conhecimento (epistemologia), o papel dos valores na pesquisa (axiologia) e o processo de
pesquisa (metodologia). O pesquisador aplica seus pressupostos filosóficos em seu trabalho, muitas vezes de
maneira inconsciente, implícita, ao utilizar seus paradigmas, expressos em sua escolha de teorias ou orientações
teóricas para seu trabalho. O Quadro 1.1 apresenta os pressupostos filosóficos e suas descrições.
Quadro 1.1 Pressupostos filosóficos
Ontologia O que é realidade e qual a sua natureza
Epistemologia Como a realidade é compreendida
Axiologia O papel dos valores no processo de pesquisa
Metodologia Quais procedimentos são usados para adquirir conhecimento
Quadro interpretativo A abordagem usada para se obter conhecimento
A Ontologia se ocupa com a natureza e visão de mundo e da realidade. Ela requer que o pesquisador reflita
como o mundo funciona, no que se constitui a realidade e como entender a sua existência. A pergunta ontológica
fundamental é se existe um mundo real exterior que é independente do nosso conhecimento. Aqui podemos
contrastar o objetivismo e o construtivismo. A posição ontológica objetivista considera que um fenômeno e seu
significado têm existência independente do pesquisador, enquanto a construtivista considera que esses são
continuamente formados mediante interação social do pesquisador e outros envolvidos.
A Epistemologia se ocupa com o estudo do conhecimento e do que se aceita como tal. Ela requer que o
pesquisador defina o que é um conhecimento válido, e como ele pode ser obtido. Aqui, novamente podemos
contrastar o objetivismo (positivismo) e o subjetivismo (interpretativismo), como posturas epistemológicas
extremas. Pesquisadores positivistas consideram que somente fenômenos que são observáveis e mensuráveis podem
ser considerados como conhecimento válido e para obtê-lo tentam manter uma postura independente e objetiva.
Essa é a base dos paradigmas Realismo e Positivismo. Por sua vez, pesquisadores interpretativistas consideram que
o conhecimento é baseado na percepção dos indivíduos e tentam minimizar a distância entre o pesquisador e o
fenômeno estudado. Essa é a base dos paradigmas Interpretativo e Fenomenológico.
A Axiologia se ocupa dos valores pessoais e requer que o pesquisador reflita sobre o papel dos seus valores e
opiniões em suas observações e conclusões. Pesquisadores positivistas consideram que a ciência e o processo de
pesquisa são isentos de valor, ou seja, o pesquisador está dissociado do que está estudando. Já os interpretativistas
consideram que o pesquisador tem valores, que esses influenciam o que se considera como fato e sua interpretação,
pois ele está envolvido com o que está estudando.
Ontologia, epistemologia e axiologia se combinam para formar paradigmas, que se constituem em um conjunto
básico de crenças que orientam a ação do pesquisador (Guba e Lincoln, 1989). Há muitos paradigmas baseados
nessa trindade, mas aqui vamos nos focalizar em dois: o científico tradicional, objetivo e o construtivista, subjetivo.
O Quadro 1.2 contrasta os dois paradigmas.
Quadro 1.2 Posições filosóficas e os paradigmas pós-positivista e construtivista
Paradigma Ontologia Epistemologia Axiologia Metodologia
Pós-positivismo Há uma realidade única
além e independente do
pesquisador, mas que é
apreensível de forma
imperfeita e probalística
A realidade só pode ser
aproximada, sendo
construída por meio de
pesquisa e estatística
O viés do pesquisador
precisa ser controlado e
não ser expresso no estudo
O método cientí�co e a
escrita impessoal são
utilizados
Construtivismo Realidades múltiplas são
construídas por meio de
nossas experiências e
interações com os outros
Múltiplas realidades são
construídas entre o
pesquisador e o
pesquisado e modeladas
por suas experiências
Valores individuais são
honrados, negociados
entre os indivíduos
O estilo mais literário de
escrita é utilizado
Ontologia, epistemologia e axiologia fornecem a essência para a distinção entre as perspectivas teóricas, ou
abordagens qualitativa e quantitativa. O Quadro 1.3 resume as diferenças principais.
Quadro 1.3 Contraste entre as perspectivas teóricas (abordagens) qualitativas e quantitativas
  Quantitativa Qualitativa
Orientação epistemológica Pós-positivista, realidade única Interpretativa, realidade múltipla
Orientação ontológica Objetivismo Construtivismo
Orientação axiológica Objetiva, imparcial Subjetiva, carregada de valor
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Orientação metodológica Dedutiva Indutiva
Até aqui, foram apresentadas as características filosóficas gerais que diferenciam as abordagens qualitativa e
quantitativa, fundamentais para esta análise. Foram também contrastados dois paradigmas que apresentam visões de
mundo opostas (o pós-positivismo e o construtivismo), e que exemplificam o papel dos pressupostos filosóficos. No
entanto, o pesquisador deve notar que os paradigmas têm evoluído assim como novostêm surgido, e que alguns
autores também combinam pressupostos filosóficos de diferentes paradigmas em seus trabalhos. Por exemplo,
Maxwell (2013) combina dois quadros teóricos que são tipicamente vistos como opostos: a ontologia realista, para a
qual existe um mundo real único, independentemente das crenças e percepções do pesquisador, com a epistemologia
construtivista, para a qual o entendimento do mundo é necessariamente uma construção, e toda teoria é
necessariamente uma tentativa simplificada e incompleta de se entender uma realidade complexa.
Neste livro, adotamos o paradigma pós-positivista. Consideramos que ele é mais adequado para a pesquisa nas
áreas de engenharia, saúde, cadeia de suprimentos e operações, que seguem uma perspectiva mais tradicional de
pesquisa, e nas quais os pesquisadores têm, em geral, treinamento prévio em pesquisa quantitativa. Os pós-
positivistas reconhecem que toda relação causal é probabilística, isto é, pode ou não ocorrer, em contraste com os
positivistas que consideram tais relações determinísticas. O pesquisador pós-positivista adota métodos rigorosos de
coleta e análise de dados qualitativos, tipicamente utiliza formas de validação, e estrutura sua investigação em série
de etapas logicamente relacionadas (Phillips e Burbules, 2000; Churchill et al., 2007; Denzin e Lincon, 2011). O uso
do paradigma pós-positivista é ilustrado nos procedimentos sistemáticos de Strauss e Corbin (1998) e Corbin e
Strauss (2015), adotados neste livro, para a teoria fundamentada e na análise de dados entre estudos de casos de Yin
(2018).
O que é pesquisa qualitativa?
Em uma definição ampla, a pesquisa qualitativa (ou interpretativa) procura compreender o ponto de vista daqueles
que estão envolvidos na situação sob investigação, procurando interpretar os significados que eles atribuem à
situação ou evento em estudo (Bryman, 1989), isto é, ela parte de uma perspectiva interpretativista. Quando
comparada à pesquisa quantitativa, sua aplicação é mais recente e defini-la exige cuidado, já que diferentes
paradigmas utilizam a pesquisa qualitativa e seus métodos (Koro-ljungberg e Douglas, 2008).
Porém, antes disso, é preciso diferenciar pesquisa qualitativa como aquela que utiliza dados qualitativos. Esses
são representações simbólicas de uma manifestação ou evento que não pode ser diretamente quantificado, e para o
qual o pesquisador procura dar objetividade (Pereira, 1999). O dado qualitativo é o que não permite mensuração
direta: por exemplo, opiniões e sensações não podem ser medidas diretamente, enquanto massa e distância podem,
mediante instrumentos e escalas padronizadas por convenções. O dado qualitativo é muitas vezes capturado e
apresentado na forma de palavras e textos (Miles e Huberman, 1994), ou medido indiretamente por meio de seus
atributos (Pereira, 1999). O Quadro 1.4 sintetiza as características dos dados quantitativos e qualitativos.
Quadro 1.4 Dados quantitativos e qualitativos
Tipo de dado Quantitativo Qualitativo
Forma de obtenção Mensuração direta Mensuração indireta
Característica Objetivo Subjetivo
Exemplo Tempo, massa, distância Opinião, sentimento, sensação
Observação ou medição Escalas prede�nidas por convenções Dependem de interpretação ou de atribuição de
valor com escalas nominais (por exemplo a escala
de Likert)
De forma equivocada, é comum que se classifique como pesquisa qualitativa aquela que utiliza dados
qualitativos, o que não é necessariamente verdade: por exemplo, uma pesquisa de satisfação ou de clima
organizacional coleta dados qualitativos (opiniões e sensações), mas não é, na maior parte das vezes, uma pesquisa
qualitativa.
Produção enxuta e cultura organizacional
A aplicação da produção enxuta exige, além do uso de suas técnicas, uma cultura organizacional que a apoie. Losonci, Kása, Demeter, Heidrich e
Jenei (2017) estudaram a cultura organizacional de uma empresa na Hungria que aplica a produção enxuta. Seu estudo analisa a percepção dos
trabalhadores do chão de fábrica, perspectiva essa que, de acordo com os autores, é pouco usual na literatura, já que usualmente são colhidas as
percepções da média e alta gerência.
Os autores elaboraram um questionário com perguntas relacionadas com a produção enxuta e com a cultura da empresa, que foi respondido por
51 trabalhadores. O questionário foi composto por a�rmações como: “quando um defeito é identi�cado, os trabalhadores responsáveis podem
corrigi-lo”, “O estilo de gestão da empresa é caracterizado pelo trabalho em equipe, consenso e participação”. Para cada uma das a�rmações (um
total de 32 para produção enxuta e 24 para cultura organizacional), os respondentes indicaram respostas em uma escala de Likert de cinco
pontos, variando de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. O uso desse tipo de escala é uma forma de mensurar um dado qualitativo,
uma opinião ou percepção, que não podem ser diretamente mensuradas .
Nota: Os autores do artigo indicam que realizaram um estudo de caso, colocação que não é compartilhada por nós, autores deste livro.
Na realidade, o que diferencia a pesquisa qualitativa da quantitativa são suas perspectivas teóricas (Koro-
ljungberg e Douglas, 2008), ou abordagens (Martins, 2010), que estão relacionadas com as tradições de pesquisa
que representam (Hamilton, 1994; Gephart, 2004), e que se baseiam nos paradigmas, nos pressupostos ontológicos,
epistemológicos e axiológicos do pesquisador, como já apresentado na seção anterior. A perspectiva mais antiga é a
quantitativa, que devido ao paradigma ao qual está mais associada também é chamada de positivista/pós-positivista,
ou “científica” (Bryman, 1989), já que boa parte do conhecimento científico que possuímos foi construído com o
seu uso. Também é conhecida por perspectiva ou paradigma positivista, que como foi visto, parte do pressuposto de
que somente o que pode ser objetivamente mensurado e empiricamente verificado tem significado (Coombs, 2017;
Meredith, 1989).
Dentro dessa perspectiva, o trabalho de pesquisa se inicia com o estabelecimento de um quadro teórico e
hipóteses, que são confirmadas ou refutadas pelo trabalho de campo (Bryman, 1989). Ela tem forte influência sobre
a formação em engenharia, já que suas disciplinas foram desenvolvidas a partir dela. Uma variação mais recente
dessa perspectiva é o pós-positivismo, que considera que a realidade, embora única e definível, só pode ser
conhecida probabilisticamente tendo, portanto, verificação limitada (Gephart, 2004) e, como comentado, é adotada
nesta obra.
Já a perspectiva qualitativa, interpretativa (Bryman, 1989), ou construtivista (Martins, 2010), associada ao
paradigma interpretativo (do qual alguns emprestam o nome) assume que a realidade é subjetiva, isto é, ela depende
tanto de quem dela participa quanto de quem a observa (Coombs, 2017). O pesquisador deve ter especial cuidado
para capturar a visão dos que vivem a situação, sem preconceitos e ideias preconcebidas e por esse motivo, muitas
vezes inicia o estudo sem um quadro teórico sedimentado, para evitar tendenciosidade em sua interpretação. À
medida que sua compreensão evolui, ele estabelece conexões e relações com a teoria e desenvolve quadros de
referência.
O uso da perspectiva qualitativa tomou impulso principalmente a partir dos anos 1970, quando cresceu o
argumento de que estudar seres humanos e sua complexidade exigia uma postura do pesquisador, e por
consequência, métodos de pesquisa, que fossem capazes de capturá-la (Bryman, 2008). Um projeto de pesquisa
dentro dessa perspectiva, quando bem conduzido, pode ser replicado nos seus procedimentos, mas de forma limitada
em seus resultados, já que eles dependem do pesquisador. O Quadro 1.5 resume as principais características de cada
perspectiva dentro dos dois paradigmas extremos.
A fábrica de sorrisos: uma análise do trabalho no Parque Disney por uma perspectiva qualitativa
Van Maanen (1990) nos oferece uma interessante análise das ocupações no parque Disneylândia nos anos 1980 e 1990. Ele começa seu texto nos
lembrandoque o parque é um local de entretenimento onde os trabalhadores contribuem para criar o ambiente de alegria e passatempo.
Utilizando entrevistas, observações e análise documental, Van Maanen nos descreve a cultura de trabalho entre os empregados Disney, a
hierarquia das posições, seus signi�cados, as expectativas existentes e as tensões aparentes e ocultas entre eles, que representam a face humana
visível do parque para seus visitantes. Utilizando o método da etnogra�a, Van Maanen coloca-se na posição dos empregados e procura
compreender e interpretar a visão e os signi�cados que eles atribuem aos requisitos e normas formais e informais aos quais são submetidos.
Quadro 1.5 Comparação entre as perspectivas quantitativa e qualitativa
Perspectiva Quantitativa Qualitativa
Paradigma Positivista/Pós-positivista Interpretativo
Pressupostos sobre a realidade Realidade objetiva que pode ser revelada
pela pesquisa
Realidade subjetiva, composta tanto por
signi�cados objetivos quanto subjetivos
Objetivo Encontrar relações entre variáveis e causa
e efeito
Descrever e compreender signi�cados,
experiências e fenômenos
Papel do pesquisador Observador não envolvido Observador envolvido, participante, parceiro
Ação do pesquisador Formular e veri�car hipóteses, de�nindo e
controlando variáveis
Compreender e descrever interpretações e
signi�cados dos envolvidos
Métodos De�nidos a priori e voltados
principalmente ao teste de teorias
Emergem e são ajustados durante a pesquisa
Resultados Resultados independentes do contexto e
generalizáveis
Descrições dependentes do contexto
Embora pouco frequentes na pesquisa em Engenharia de Produção e Operações, existem outras perspectivas
teóricas que orientam programas de pesquisa, especialmente nas Ciências Sociais. Por exemplo, algumas dessas
perspectivas podem ser agrupadas, simplificadamente, dentro do chamado Pós-modernismo crítico (Koro-ljungberg
e Douglas, 2008; Gephart, 2004). Para essa perspectiva, a realidade é múltipla e fragmentada, e apresenta
contradições, por ser resultado do conflito de interesses entre seus diversos participantes. Há assimetria nas relações,
os mais poderosos têm posição privilegiada e influência desproporcional na definição de valores e normas e,
portanto, as organizações atendem seus interesses em detrimento dos outros. Racionalidade e eficiência podem ser a
razão declarada das ações na organização, mas elas escondem outros interesses, em geral dos mais poderosos, e
assim, as estruturas não são neutras e voltadas somente para os resultados, elas se prestam a atingir os interesses de
alguns, mesmo que excluindo outros. Nessa situação, os grupos minoritários estão sempre em desvantagem, e seus
interesses e necessidades são deixados de lado. A pesquisa, dentro dessa perspectiva, deve ter por objetivo
desconstruir e criticar as narrativas dominantes, revelar os interesses ocultos e as contradições que são criadas por
sua causa. O pesquisador deve ser um ativista, expor desigualdades e buscar transformação e emancipação, dando
voz aos silenciados.
3
Uma visão crítica do trabalho de consultoria
A formação em engenharia leva a ocupações nas quais o conhecimento é o principal ativo. Atualmente, nesse tipo de ocupação a alta carga de
trabalho, longas jornadas, fronteira entre pro�ssão e vida pessoal tênue ou inexistente são a realidade, especialmente para os jovens que iniciam
suas carreiras. Há entre muitos deles uma crença de que essa é a realidade contemporânea, fruto da crescente competição e que, portanto, deve
ser aceita. Porém, Kärreman e Alvesson (2009) perguntam: por que as pessoas se submetem a isso? Elas resistem a isso de alguma forma? Quando
e como?
Para responder a essas perguntas, eles estudaram uma grande empresa de consultoria: entrevistaram 51 pessoas e as observaram em reuniões,
treinamentos e no dia a dia do seu trabalho. Identi�caram nos pro�ssionais um con�ito entre duas visões: a ambição pelo sucesso e
desenvolvimento pro�ssional, e a necessidade de equilíbrio entre vida pessoal e pro�ssional, e de autonomia pessoal. Chamaram a primeira de
Discurso da Ambição, e a segunda de Discurso da Autonomia, e constataram que os próprios pro�ssionais, por diversos motivos, silenciam o
segundo discurso, aderindo às condições de trabalho.
Os autores utilizam a perspectiva crítica para mostrar as contradições entre a altíssima demanda de trabalho, a aparente aceitação por parte dos
jovens pro�ssionais e as estratégias de resistência à situação de desgaste, ao mesmo tempo em que eles acabam por elaborar uma posição de
contrarresistência, para aceitar a condição de trabalho, em detrimento de sua autonomia pessoal.
Métodos de Pesquisa
Cada perspectiva tem métodos que lhe são nativos, desenvolvidos com a prática da pesquisa. A perspectiva
quantitativa tem como métodos natos: a pesquisa de levantamento (survey), o experimento e o quase experimento.
A pesquisa de levantamento é normalmente conduzida com a aplicação de questionários, cujas questões são
desenvolvidas para medir as variáveis em estudo, os respondentes são escolhidos seguindo um padrão de
amostragem (aleatório ou intencional) e os resultados são analisados utilizando-se técnicas estatísticas. No
experimento, o grupo em estudo é submetido, sob condições controladas, a diversos estados de uma variável, e para
cada um deles a variável de resposta é medida. Em muitos experimentos é comum que o estudo utilize dois grupos,
submetidos às mesmas condições ambientais, e submeta somente um deles aos diferentes estados da variável, de
forma a poder, por comparação, isolar o seu efeito. No quase experimento, embora o pesquisador possa selecionar
grupos e submetê-los aos diferentes estados da variável independente, ele não tem controle sobre todas as variáveis
ambientais.
Além dos métodos empíricos, a perspectiva quantitativa tem ainda métodos que fazem uma “reconstrução
artificial da realidade” (Meredith, 1989, p. 314, nossa tradução). Esses métodos podem ser divididos em dois
grupos: axiomáticos e empíricos (Meredith, 1989). Entre os axiomáticos estão a dedução lógica e a demonstração de
teoremas, e a modelagem matemática, que tanto pode ter finalidade prescritiva (por exemplo, encontrar o nível de
uma variável que resulte na maior eficiência no uso de um recurso) ou descritiva (descrever o funcionamento de um
sistema). Entre os métodos empíricos estão a prototipação e modelagem física (construção de modelos em escala de
um sistema) e a simulação matemática (representação do sistema por equações matemáticas cujos parâmetros são
ajustados com dados reais).
Os métodos do estudo de caso, pesquisa participante, grounded theory, etnografia, entre outros, são nativos da
perspectiva qualitativa. Eles permitem a observação do contexto e a compreensão da perspectiva dos participantes, o
que os métodos quantitativos, pelo próprio distanciamento do pesquisador, não permitem. Os três primeiros métodos
serão discutidos com mais detalhes nos próximos capítulos. O Quadro 1.6 organiza os métodos dentro das suas
perspectivas.
Quadro 1.6 Perspectivas e métodos mais comuns em engenharia
Perspectiva Quantitativa Qualitativa
3.1
  Empírica Reconstrução arti�cial da
realidade
 
Métodos de pesquisa nativos de
cada perspectiva
Pesquisa de levantamento
(survey)
Experimento
Quase experimento
Demonstrações
Modelagem matemática
Prototipação e modelagem física
Simulação
Estudo de caso
Pesquisa participante
Grounded theory
Os métodos nativos da perspectiva qualitativa passaram a ser chamados simplesmente de “pesquisa qualitativa”,
enquanto o survey e o experimento, de “pesquisa quantitativa”. Isso não representa problema no caso dos métodos
quantitativos, já que esses métodos são majoritariamente aplicados utilizando sua perspectiva de origem. Porém, não
é o caso dos métodos qualitativos: eles podem ser aplicados tanto dentro da perspectiva em que foram concebidos,
quanto a partir de uma perspectiva quantitativa.
Este ponto inspira cuidado: o uso de um método qualitativonão significa que o projeto de pesquisa utilize a
perspectiva qualitativa, pelo contrário, é muito comum na pesquisa em Engenharia de Produção e Operações que um
método qualitativo possa ser aplicado dentro de uma perspectiva quantitativa. Por exemplo, o estudo de caso (um
método qualitativo) pode ser empregado dentro de um pressuposto de que o caso retrata uma realidade objetiva,
única e independente do pesquisador (uma perspectiva quantitativa), sem nenhum problema tanto quanto à aplicação
do método como quanto à perspectiva utilizada. Dessa forma, diferentes métodos podem ser utilizados sob
diferentes perspectivas (Coombs, 2017), sem que isso represente contradição ou problema metodológico, mas é
fundamental que o pesquisador tenha claro suas escolhas de perspectiva e método no início de seu projeto.
Dado, perspectiva e método
Como explicado até aqui, os termos “quantitativo” e “qualitativo” são aplicados em três situações: em referência a
dados, a perspectivas e a métodos. Em primeiro lugar, estão os dados. Dados quantitativos representam grandezas
para as quais existem unidades de medida, escalas padronizadas por convenções, instrumentos e técnicas para medi-
los, como massa, distância, corrente elétrica, campo magnético etc. Os dados qualitativos são representações de
variáveis não direta e objetivamente mensuráveis, como opiniões, expectativas e sensações.
A perspectiva quantitativa, também conhecida como positivista/pós-positivista, ou ainda, científica, é a
perspectiva tradicional na ciência, que assume que existe uma realidade objetiva e independente do observador, que
pode ser revelada, medida e para a qual se podem estabelecer relações causais entre suas variáveis. Já para a
perspectiva qualitativa construtivista, por exemplo, a realidade é dependente do contexto, das interpretações e
significados que seus participantes lhe atribuem, e sua representação depende de quem faz a observação.
Cada uma dessas perspectivas tem métodos de pesquisa mais utilizados, que lhe são nativos: os métodos
quantitativos mais conhecidos são a pesquisa de levantamento (survey), o experimento e o quase experimento, que
permitem a necessária objetividade e repetitividade da perspectiva. Entre os métodos qualitativos, estão por
exemplo: o estudo de caso, a pesquisa-ação, a grounded theory etc., que permite ao pesquisador a proximidade ao
objeto de pesquisa, fundamental dentro da perspectiva qualitativa.
O aspecto delicado é que perspectivas, métodos e dados podem ser utilizados em diferentes combinações. Em
primeiro lugar, é evidente que dados quantitativos e qualitativos podem ser utilizados por qualquer método. Um
levantamento (survey), pode utilizar dados quantitativos e qualitativos, sem nenhum problema: por exemplo, o
conhecido modelo SERVQUAL para avaliação da qualidade em serviços é um levantamento que utiliza somente
dados qualitativos.
Porém, entre perspectivas e métodos, há distinção. Enquanto os métodos qualitativos podem ser utilizados tanto
dentro de uma perspectiva quantitativa quanto qualitativa, os métodos quantitativos não apresentam a mesma
flexibilidade, especialmente o levantamento (survey), já que eles não permitem a proximidade ao objeto de pesquisa
que é necessária ao pesquisador. A Figura 1.1 ilustra as diferentes combinações possíveis entre dados, métodos e
perspectivas.
Figura 1.1 Dados, métodos e perspectivas quantitativas e qualitativas.
Os artigos “A Agência de Projetos Avançados de Pesquisa para Defesa” e “Empresas e suas estórias”
apresentam duas das rotas ilustradas na Figura 1.1: o artigo de Fuchs (2010), sobre a DARPA é um exemplo de
perspectiva quantitativa, utilizando método qualitativo, com dados qualitativos e quantitativos. O artigo de
Kärreman e Alvesson (2009), sobre empresas de serviços profissionais, e o de Boje (1991) sobre histórias na
organização ilustram uma perspectiva qualitativa, que utiliza um método qualitativo e dados qualitativos em sua
discussão.
A Agência de Projetos Avançados de Pesquisa para Defesa (DARPA) (Fuchs, 2010)
Credita-se à agência DARPA a criação de alguns dos artefatos de maior impacto na vida recente das pessoas, como a Internet e o computador
pessoal, além do laser, o que levou diversos departamentos dentro do governo norte-americano a criarem suas próprias agências de pesquisa
avançada. Porém, a DARPA sofreu uma modi�cação profunda entre 2001 e 2008, que levou muitos a a�rmarem que ela perdera parte de sua
liderança tecnológica e vigor. Fuchs (2010) utiliza grounded theory para entender e explicar o processo de transformação que ocorreu. Utilizando
observação participante, entrevistas, material de arquivo e dados bibliométricos, a autora descreve a evolução histórica da agência dos anos 1990
até a década de 2010, chegando à conclusão de que não houve mudança nos processos de incentivo à inovação da agência, mas sim na forma
como são aplicados. A autora utiliza um método qualitativo (Grounded theory), dentro de uma perspectiva quantitativa (há uma realidade, a dos
processos de trabalho da agência, que pode ser objetivamente retratada e analisada).
Empresas e suas estórias
Todas as organizações têm estórias, que são utilizadas por seus membros para descrever situações, justi�car decisões, cursos de ação e mudanças,
socializar novos membros etc. Estórias são o modo preferencial das pessoas para se comunicar e interpretar fatos e ocorrências (Boje, 1991). O
autor argumentou que, até aquele momento, tinha considerado a pesquisa sobre o papel das estórias nas organizações simplesmente como
textos, e que a compreensão do papel das estórias deveria considerar não somente o seu conteúdo, mas a forma como são contadas. Nas
conversas e discussões, estórias não são narradas de forma contínua, elas fazem parte do diálogo, são interrompidas, narradas por diferentes
participantes, deixadas subentendidas.
Utilizando observação participante, Boje acompanhou reuniões formais e informais, dentro e fora da organização em estudo, além de sessões de
treinamento e conversas, coletando mais de 100 horas de gravações. O autor identi�cou dois níveis na comunicação com o uso de estórias: no
primeiro, a forma como são contadas, o papel dos participantes, e no segundo, os padrões seguidos no uso das estórias: busca, elaboração e ajuste
de signi�cados.
Boje utiliza um método qualitativo, dentro de uma perspectiva qualitativa, buscando a visão e interpretação dos participantes para ampliar o
conhecimento sobre o uso de estórias nas organizações.
A Engenharia de Produção, pela sua origem nas ciências naturais, tem mais familiaridade com a perspectiva
quantitativa. Isso é evidenciado no levantamento de Meredith (1989), que identificou que nada menos de 91% dos
artigos de pesquisa em operações utilizavam a perspectiva quantitativa (modelagem, simulação e empíricos
quantitativos) entre o final da década de 1970 até meados da década de 1980, e 65% no início dos anos 2000
(Craighead e Meredith, 2008), porém a queda se deveu à redução nos artigos de modelagem e simulação, e não aos
empíricos. Os autores concluem que artigos empíricos que seguem a perspectiva quantitativa representam 50% da
pesquisa em Engenharia de Produção.
Por esse motivo, o que será chamado de pesquisa qualitativa será majoritariamente a aplicação de métodos
qualitativos por meio de uma perspectiva quantitativa, isto é, o uso de métodos como estudo de caso, pesquisa ação
e teoria fundamentada, a partir de uma perspectiva que considera que a realidade é objetiva e independente do
pesquisador, mas que pode ser apreendida somente de forma probabilística (por isso na seção introdutória
afirmamos que o paradigma adotado é o pós-positivista).
Exemplo: A progressão nas cadeias globais de valor
A terceirização da manufatura é um fenômeno comum desde a década de 1980, que foi analisada, por exemplo, por (Gereffi, 1999) na indústria
têxtil. Uma das trajetórias possíveis para os fabricantes contratados é a progressão técnica, quando passam de atividades de manufatura, para o
projeto e gestãode marca. Chen, Wei, Hu e Muralidharan (2016) estudaram fabricantes de brinquedos contratados na China, que fabricavam
cerca de 70% dos brinquedos comercializados no mundo, empregando mais de 600 mil trabalhadores em 2014. Os autores utilizaram um estudo
de caso múltiplo, em oito empresas, coletando dados �nanceiros, outros materiais públicos e entrevistas com gestores, para entender que modelo
de atuação aquelas empresas adotavam, além de averiguar se e como conseguiram progressão.
O texto utiliza um método qualitativo, o estudo de caso múltiplo, dentro de uma perspectiva que podemos chamar de fortemente quantitativa: os
autores investigam uma realidade objetiva, que independe de sua interpretação, e as entrevistas são consideradas como fontes objetivas de
informação, sujeitas a baixa subjetividade dos respondentes.
Embora o objetivo não seja o de limitar o campo de possibilidades, é preciso reconhecer que a formação em
Engenharia é baseada na perspectiva quantitativa, e isso se reflete nos pesquisadores. A situação mais comum é
aquela na qual o pesquisador escolhe um método qualitativo, devido aos objetivos de seu projeto, e mantém, como
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seria esperado, a perspectiva dentro da qual foi formado, a quantitativa. Por esse motivo, essa é a combinação mais
frequente na pesquisa em engenharia de produção. Isso não quer dizer que não existam trabalhos dentro da
perspectiva qualitativa, mas explica porque são menos frequentes. O pesquisador formado em engenharia de
produção precisa acrescentá-la a sua formação para conduzir projetos dentro de uma perspectiva qualitativa, já que
essa não é natural dentro de sua formação.
Etnogra�a e Relato Confessional
A etnogra�a é um método originalmente empregado para estudar e representar culturas, no qual o(a) pesquisador(a) faz uma imersão no grupo,
comunidade ou organização que pretende estudar, e o relato confessional, a autorre�exão do pesquisador sobre suas observações de campo, é
uma técnica cada vez mais utilizada em conjunto com a etnogra�a, pois permite ao pesquisador examiná-los (Van Maanen, 2011). Schultze
(2000) estudou a implantação de um sistema de software corporativo em uma grande empresa, utilizando etnogra�a e relato confessional. O
artigo é um exemplo de um método qualitativo, aplicado a partir de uma perspectiva também qualitativa, no qual a autora procura interpretar a
implantação do sistema a partir da visão dos envolvidos, fazendo um contraponto com a sua própria experiência.
A pesquisa qualitativa não deve ser confundida com aquela que utiliza dados qualitativos, que são originados de variáveis que não podem ser
medidas diretamente. Ela se baseia em nossos pressupostos �losó�cos, que de�nem o que entendemos como verdade e como fazemos para
obtê-la. A perspectiva qualitativa entende que a realidade é construída pelos que a vivenciam, enquanto a quantitativa a considera como
existente e independente de quem a observa. Cada perspectiva tem métodos que lhe são nativos, porém os métodos qualitativos podem ser
utilizados a partir de uma perspectiva quantitativa, que é a posição deste livro. O Quadro 1.7 resume essa posição.
Quadro 1.7 A pesquisa qualitativa
Perspectiva Quantitativa Existe uma realidade objetiva, independente do
pesquisador, que pode ser observada e retratada
Métodos Qualitativos Estudo de caso, grounded theory, pesquisa-ação
Dados Quantitativos e
qualitativos
 
QUESTÕES PARA FIXAÇÇO DO CONTEÚDO
Qual a distinção entre dado qualitativo e quantitativo?
Quais as características da perspectiva qualitativa?
É possível ter um paradigma positivista/pós-positivista e, ao mesmo tempo, assumir que a realidade é construída?
Como é possível utilizar um método de pesquisa qualitativo a partir de uma perspectiva quantitativa?
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Para uma discussão mais aprofundada, consultar, por exemplo, Denzin e Lincoln (2011).
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Estrutura de uma proposta de pesquisa qualitativa
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao �nal deste capítulo, o leitor deverá ser capaz de:
Identi�car as várias partes de um projeto de pesquisa qualitativa.
Discutir os aspectos principais de um plano de pesquisa qualitativa.
Descrever os tipos gerais de questões de pesquisa qualitativa.
Diferenciar a justi�cativa da signi�cância de estudo qualitativo.
Discutir a relevância de se re�etir no papel do quadro teórico preliminar.
Introdução
A proposta ou plano de pesquisa estabelece como o pesquisador planeja conduzir cada aspecto de um estudo
qualitativo de modo a não apenas satisfazer as características de um bom trabalho, mas também de alinhar suas
partes, formando um todo coerente. Portanto, no estágio inicial, o pesquisador precisa tomar decisões cuidadosas
sobre cada parte de seu projeto e garantir que estejam alinhadas umas às outras. Esse aspecto é crítico, porque
nenhuma quantidade de dados coletados, ou esforço para argumentar altos níveis de confiabilidade podem superar o
desalinhamento entre as partes do projeto: seus propósitos, as perguntas de pesquisa, a coleta de dados, sua análise e
discussão. A falta de adequação ou incongruência entre as partes constitui uma falha fatal que provavelmente levará
à rejeição, no caso de artigos acadêmicos submetidos ao processo de revisão em periódicos. Além disso, em muitos
casos, a recuperação do trabalho pode ser difícil ou impossível, devido a restrições de prazo e recursos.
O plano de pesquisa de um estudo qualitativo começa com a formulação do problema que motivou o estudo, a
declaração de propósito, a apresentação da sua importância, com a formulação do objetivo do estudo e de sua
questão de pesquisa central. Todos esses elementos são e precisam estar firmes e cuidadosamente alinhados.
O problema de pesquisa
O pesquisador inicia seu estudo qualitativo declarando o problema de pesquisa. Os primeiros parágrafos de seu texto
devem apresentar a situação que motivou o estudo e o problema de pesquisa claramente definido, que é identificar o
que o pesquisador está tentando resolver. O problema de pesquisa é uma declaração precisa do objeto de
investigação, que deve ser apoiada por evidências (Bryman, 2007), e seu objetivo é fornecer a justificativa ou a
necessidade de seu estudo (Creswell, 2007). O desafio para o pesquisador aqui é fornecer um argumento
convincente que responda à questão: “Por que o estudo é necessário?” Há várias fontes de problemas de pesquisa,
como projetos do orientador ou experiências pessoais do pesquisador, mas as duas fontes mais importantes são
problemas da vida real e as lacunas da literatura acadêmica.
Uma fonte muito prolífica de problemas de pesquisa com alto potencial de impacto são as complicações e
problemas da realidade cotidiana industrial ou empresarial. O pesquisador pode identificar um problema de pesquisa
observando o seu local de trabalho, acompanhando tendências na indústria, conversando com profissionais da área
ou acompanhando notícias em revistas profissionais, especializadas ou de negócios. Desafios, preocupações e
debates sobre questões importantes em andamento no campo de interesse do pesquisador podem ser o catalisador
3
para o desenvolvimento de um problema de pesquisa interessante. Porém, é preciso cuidado para que o problema
tenha de fato algum aspecto novo que justifique um projeto de pesquisa. A aplicação de métodos conhecidos em
situações específicas dificilmente se constitui justificativa aceitável. Além disso, o problema pode de fato ser real,
mas já ter sido estudado em pesquisas anteriores e já ter soluções conhecidas. O ponto crítico é que a proposta gere
uma pesquisa com potencial de avançar o conhecimento e práticas existentes.
Alternativamente, o pesquisador pode identificar problemas de pesquisa por meio da revisão da literatura
acadêmica recente, relatórios ou bancos de dados em sua área de estudo. Frequentemente, artigos acadêmicos,
dissertações de mestrado ou teses de doutorado apresentam em seu final recomendações para estudos futuros, que
sugerem problemas potenciais de pesquisa. Além disso,relatórios técnicos ou bancos de dados na área do
pesquisador podem revelar resultados ou discrepâncias que requerem investigação adicional ou sugerem possíveis
problemas a serem abordados. O pesquisador também pode identificar na literatura acadêmica existente teorias que
não foram testadas ou que precisam ser revistas ou ampliadas. Nesse caso, o pesquisador precisa refletir
cuidadosamente se o conhecimento potencialmente gerado pela pesquisa de fato constituirá uma contribuição. Uma
lacuna de pesquisa por si mesma muito raramente constitui justificativa suficiente para pesquisa.
Independentemente da fonte do problema de pesquisa, o pesquisador necessita revisar a literatura acadêmica
contemporânea na área para desenvolver a justificativa para sua pesquisa e, posicionar o estudo dentro da literatura
atual sobre o assunto. Embora existam opiniões divergentes sobre a extensão da revisão de literatura necessária
antes do início de um estudo qualitativo, a nossa posição é que o pesquisador precisa efetuar uma busca abrangente
para identificar o que já é conhecido sobre o tema. Sem tal busca, o pesquisador terá dificuldades para justificar o
seu estudo e posicioná-lo num diálogo acadêmico corrente. Uma boa referência para a seção de revisão de literatura
é Nakano e Muniz (2018).
Outra recomendação que achamos apropriada é a de Creswell (2007) com relação ao enquadramento do
problema em uma tradição qualitativa específica. Sua orientação é que, além de determinar a origem do problema de
pesquisa e enquadrá-lo na literatura acadêmica existente, o pesquisador qualitativo precisa introduzir o problema de
uma forma que a discussão prenuncie um dos métodos qualitativos, como o estudo de caso ou a pesquisa-ação. Para
isso, o pesquisador precisa articular em sua justificativa como a escolha de uma dada abordagem preenche uma
necessidade ou lacuna na literatura acadêmica. Por exemplo, para um estudo adotando a teoria fundamentada, o
pesquisador deve argumentar sobre a necessidade de uma teoria que explique um processo, por que as teorias
existentes são inadequadas ou inexistentes para uma dada população, ou ainda, precisam ser modificadas. Mas se a
investigação adotar o estudo de caso, então o pesquisador pode discutir como a análise de um dado caso (ou casos)
pode ajudar a elucidar o problema de pesquisa ou avançar o seu entendimento.
O tópico e o problema de pesquisa
Às vezes, pesquisadores iniciantes confundem tópico com problema de pesquisa. O tópico identifica uma área
geral de interesse, por exemplo: o pesquisador pode estar interessado em inovações tecnológicas disruptivas.
Tanto a literatura acadêmica como revistas e publicações profissionais têm discutido inovações tecnológicas
recentes, e como, potencialmente, elas podem desestabilizar modelos de negócios e operações existentes.
Esse é um tópico, porém o problema de pesquisa precisa ser mais específico, ele se refere a algum aspecto
particular dentro do tópico geral. Por exemplo, no tópico inovações tecnológicas disruptivas sabe-se que elas
podem eliminar muitos postos de trabalho tradicionais na manufatura mas, por outro lado, podem abrir novas
ocupações. Assim, um problema de pesquisa seria entender como os trabalhadores percebem o processo de
mudança e como se adaptam ao processo de transição e implementação de uma tecnologia disruptiva.
A declaração de propósito da pesquisa
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Uma declaração de propósito comunica qual é o objetivo principal da pesquisa e indica como o pesquisador vai
abordar um problema. Ela tem papel importante na introdução de um estudo qualitativo e, por isso, o pesquisador
precisa desenvolvê-la com atenção, usando linguagem clara e concisa. Uma boa prática aqui é utilizar uma
declaração sucinta e objetiva para comunicá-la. Creswell e Poth (2018, p. 132) e Creswell (2007) sugerem o
seguinte roteiro para comunicar a declaração de propósito:
“O objetivo deste(a) ________ (estudo de caso, teoria fundamentada etc.) é (foi) ___________ (entender?
descrever? desenvolver? descobrir?) o _______________ (fenômeno central do estudo) para o __________
(participante) no ________(local). Neste estágio da pesquisa, o _______________ (fenômeno central) será
geralmente definido como __________ (uma definição geral do fenômeno central do estudo).”
De forma similar ao que foi discutido no segmento a respeito da pergunta de pesquisa, e como sugerido pelo
roteiro acima, há uma relação estreita entre uma dada abordagem qualitativa e a declaração de propósito. Enquanto
todas as abordagens qualitativas têm como propósito descobrir algo, cada abordagem tem um foco específico. Por
exemplo, num estudo de caso, o propósito do pesquisador é tipicamente entender, descrever ou explorar um
fenômeno. Já em um estudo baseado na abordagem da teoria fundamentada, o propósito do pesquisador é o
desenvolvimento ou geração de uma teoria. A declaração do propósito antecipa a abordagem de pesquisa para coleta
de dados, análises e redação do relatório final. Ela também está diretamente relacionada com o problema de
pesquisa. É preciso que o pesquisador alinhe lógica e coerentemente todos esses aspectos. Eles devem informar e,
naturalmente, fluir um do outro.
A questão de pesquisa
Todo projeto científico necessita de uma pergunta de pesquisa para orientar a investigação. No entanto, as questões
de pesquisa qualitativa são normalmente um pouco mais amplas e menos específicas do que as da pesquisa
quantitativa. Uma consideração inicial prática com relação à questão de pesquisa é que ela determina os métodos
apropriados para um dado estudo. Assim sendo, a maneira como o pesquisador articula a questão de pesquisa é
importante e o método precisa estar alinhado com ela. Por exemplo, se o problema de pesquisa foca no quanto a
variação em X causa variação em Y, o pesquisador deve utilizar métodos quantitativos. No entanto, se o foco é no
papel que X desempenha na ocorrência de Y, ou no processo pelo qual X e Y estão relacionados, o pesquisador deve
utilizar métodos qualitativos. Outro exemplo: se o problema de pesquisa envolve entender um processo de mudança
ao longo do tempo e a pergunta de pesquisa propõe investigar os mecanismos responsáveis pelo processo e seu
desenvolvimento, o pesquisador deve utilizar métodos qualitativos. Porém, embora o problema específico dite o
método geral mais apropriado, existem certos problemas para os quais o pesquisador pode enquadrar a questão da
pesquisa de forma que ela possa ser investigada usando métodos qualitativos ou quantitativos, de acordo com a
preferência do pesquisador. O ponto crítico é que a questão de pesquisa e o método estejam corretamente alinhados,
pois sua falta se constitui falha fatal para o projeto de pesquisa.
Marshall e Rossman (2006) categorizam os propósitos e tipos de questões de pesquisa qualitativa em:
Descritivos: desenvolvem descrições detalhadas de um fenômeno.
Exploratórios: investigam fenômenos complexos e inexplorados e geram proposições de pesquisa para estudos
futuros.
Explanatórios: investigam padrões recorrentes em um fenômeno ou relações plausíveis que moldam o
fenômeno.
Emancipatórios: criam oportunidades para a tomada de ação como parte da pesquisa.
A pergunta de pesquisa retoma e reafirma a declaração de propósito, de maneira mais específica, e na pesquisa
qualitativa, ela tipicamente começa com “o que” e “como” (Creswell, 2007). Recomenda-se que o pesquisador
reduza o seu estudo inteiro à uma questão única e abrangente, que esclareça e norteie sua investigação (Creswell and
Poth, 2018). Em trabalhos mais longos, como dissertações de mestrado ou teses de doutorado, a questão central de
pesquisa pode ser subdividida em um número pequeno de subquestões que refinam e especificam a questão central.
No entanto, para manuscritos que serão submetidos ao processo de revisão em periódicos acadêmicos,
recomendamos o uso de uma única questão central, abrangente e clara. Independentemente do tipo de trabalho, a
questão central requer reflexão considerável do pesquisador.
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Afunção da questão de pesquisa é explicar especificamente qual conhecimento ou entendimento será produzido,
mas em um projeto de pesquisa qualitativa, ela também tem duas funções adicionais: ajudar o pesquisador a se
focalizar no estudo e orientá-lo na condução da pesquisa (Maxwell, 2013) e, por isso, o pesquisador precisa elaborá-
la com bastante cuidado. Um plano de pesquisa qualitativo com questões muito gerais ou difusas gera dificuldades
para o pesquisador conduzir seu estudo. Por exemplo, dificuldade em identificar e escolher os locais e participantes
mais apropriados para o estudo, em como coletar os dados e como analisá-los. Também cria dificuldades para o
pesquisador relacionar claramente seus resultados com a declaração de propósito da pesquisa. Porém, por outro
lado, questões muito focalizadas podem fazer com que o pesquisador não perceba e ignore aspectos importantes do
fenômeno. Para evitar isso, a familiarização e o conhecimento do problema são muito importantes, pois quando o
pesquisador se antecipa e formula suas questões precocemente de forma rígida, pode negligenciar relacionamentos
importantes e imprevistos durante a pesquisa (Maxwell, 2013).
Justificativa não é significância
No texto introdutório de uma proposta de estudo qualitativo, o pesquisador precisa apresentar a justificativa para o
estudo na forma de um argumento lógico, ele deve descrever porque é importante executar o projeto. Porém, a
“justificativa” difere da “significância” do estudo, a qual o pesquisador também precisa incluir na introdução de seu
projeto. A significância se refere aos benefícios que podem ser auferidos com a conclusão do estudo. Enquanto a
pergunta que a Justificativa responde é: “Para quê?”, a questão principal para a significância é: “E daí, que diferença
isso faz?” Uma vez concluída a pesquisa, essa pergunta é determinante no julgamento da importância e impacto dos
resultados. Muitos estudos falham nesse ponto e, no caso de textos para periódicos acadêmicos, acabam sendo
rejeitados no processo de revisão, ou no caso de dissertações ou teses, a possibilidade de produzir um trabalho sem o
impacto requerido pode ser desastrosa. Nesse último caso, é prudente que o pesquisador elabore um argumento
lógico, antecipando a possível significância do estudo e submeta ao seu orientador e sua banca. Independentemente
do tipo de publicação, o pesquisador precisa refletir cuidadosa e repetidamente nos elementos do plano de pesquisa
discutidos acima – problema de pesquisa, declaração de propósito, questão de pesquisa específica e significância do
estudo. Embora a significância do estudo pode ser considerada uma decorrência natural dos outros três elementos,
todos eles estão intimamente relacionados, e dão coerência e consistência ao plano geral de pesquisa que será
seguido pelo pesquisador na condução de seu trabalho.
Formulação de quadro teórico prévio
Entre os tipos de lógica na ciência, encontram-se a dedução e a indução. No raciocínio dedutivo, parte-se da teoria,
ou seja, do conhecimento existente, para formular novos conceitos, o pesquisador desenvolve uma explicação lógica
(a teoria) para, em seguida, coletar evidências (dados) para verificá-la. Já no raciocínio indutivo, o pesquisador
sistematicamente observa um problema (dados) e então produz uma explicação lógica (a teoria) para suas
observações (Remler e Ryzin, 2011). Pesquisadores qualitativos tipicamente seguem uma lógica predominantemente
indutiva, embora utilizem também a lógica dedutiva. Em estudos qualitativos, os pesquisadores tipicamente
organizam os dados indutivamente, em unidades de informação cada vez mais abstratas, para então elaborar um
conjunto de temas, que são verificados de forma dedutiva, utilizando dados coletados durante a pesquisa (Creswell,
2013).
A prevalência da lógica indutiva na pesquisa qualitativa está associada a diferentes visões sobre o papel da teoria
em estudo dessa natureza. Alguns teóricos argumentam em favor de uma abordagem puramente indutiva, na qual o
pesquisador não desenvolve nenhuma teoria ou quadro teórico preliminar antes de iniciar a coleta de dados (Corbin
e Strauss, 2008; Lincoln e Guba, 1985), enquanto outros defendem o desenvolvimento de proposições teóricas
preliminares (Yin, 2009). Esse contraste foi discutido em parte no Capítulo 1 O que é Pesquisa Qualitativa, pois tem
relação com a abordagem, ou paradigma, utilizado. Mas, em âmbito mais aplicado, diferentes métodos de pesquisa
qualitativa favorecerão abordagens diversas quanto ao desenvolvimento de teoria preliminar, o que será discutido
nos capítulos referentes a cada estratégia apresentada neste livro: estudo de caso, pesquisa-ação e teoria
fundamentada.
No entanto, queremos aqui discutir algumas considerações práticas gerais sobre o desenvolvimento de teoria a
priori baseadas em nossas experiências com a revisão editorial de manuscritos qualitativos. A extensão e o papel do
desenvolvimento da teoria antes da coleta de dados não se diferenciam somente entre os métodos de pesquisa
qualitativa. Mesmo um determinado método admite pontos de vista diferentes. Por exemplo, embora a teoria
fundamentada seja um método mais apropriado para quando não há teoria prévia para explicar certo fenômeno, os
teóricos divergem quanto a extensão da teoria preliminar que o projeto de pesquisa correspondente deve incorporar.
As preferências filosóficas pessoais e a escolha de diferentes métodos de pesquisa qualitativa influenciam o papel e
a extensão dos referenciais teóricos preliminares. É importante ressaltar a importância de o pesquisador elaborar
uma revisão abrangente da literatura durante os estágios iniciais de elaboração do projeto de pesquisa. A ausência de
tal conhecimento preliminar pode prejudicar até mesmo a capacidade básica do pesquisador em julgar se um
determinado tópico ou problema realmente merece ser pesquisado, ou se já possui solução. O foco aqui não está na
extensão ou no papel do desenvolvimento teórico preliminar, mas na sua aplicação.
Um perigo que manuscritos que desenvolvem teorias preliminares muito rígidas correm (mesmo que bem
articuladas) é perder um dos pontos fortes da pesquisa qualitativa: o potencial para gerar percepções gerenciais e
científicas mais sutis e verdadeiramente novas. Não é incomum encontrarmos manuscritos propondo examinar
tópicos interessantes, com argumentos iniciais bem articulados e bom desenho de pesquisa qualitativa, mas que
acabam produzindo uma contribuição muito limitada, sendo mal avaliados e rejeitados pelos processos editoriais
dos periódicos, mesmo que tenham leitura empolgante e gerem altas expectativas de impacto. A consideração
prática que queremos destacar não é sobre a elaboração ou não de teoria preliminar na proposta, mas o seu uso
durante a análise de dados. Embora isso também seja discutido no capítulo de análise de dados, decisões durante a
fase de planejamento têm impacto durante todo o processo de pesquisa.
Como Corbin e Strauss (2008) alertam, é improvável que um pesquisador conheça antecipadamente todos
problemas ou todos os conceitos relevantes que podem surgir em estudo qualitativo. Exceto no caso de o estudo
testar hipóteses (uma aplicação do estudo de casos), mesmo quando as preferências filosóficas e metodológicas do
pesquisador ditarem o desenvolvimento extensivo de teoria preliminar, abordar tais estruturas teóricas como
“preliminares” e “tentativas” é mais propício para a descoberta de perspectivas inovadoras. O que observamos na
revisão de manuscritos acadêmicos é que, quando as pesquisas se prendem muito fortemente a um modelo teórico
preliminar, os resultados de sua análise de dados geralmente geram descobertas limitadas e, muitas vezes, triviais.
Por exemplo, é comum o uso de conceitos existentes como dados durante a análise. Os autores afirmam que um
conceito “emergiu” dos dados, quando, de fato, ele foi derivado da literatura utilizada. De forma semelhante,
também não é incomum que os autores informem que um estudo tem caráter exploratório e indutivo, mas o projetamquase como hipotético-dedutivo, com estrutura conceitual totalmente desenvolvida e interpretação limitada dos
dados. A consequência é que esses estudos normalmente geram “descobertas” esperadas, deixando de produzir
contribuições, porque não encontraram nada novo e nem testam o que é previsto pela teoria. Com a exceção do uso
de estudo de caso para teste de teoria, quando o projeto tiver desenvolvimento de teoria preliminar, o pesquisador
deve permanecer aberto e atento a novos conceitos que possam emergir. Essa flexibilidade não deve comprometer a
confiabilidade do estudo, porém também não significa que tudo seja válido. A familiaridade com a literatura é a
base para a identificação de novas nuances, mas o pesquisador deve cuidar para não impor e forçar conceitos aos
dados para atingir suas conclusões (Corbin e Strauss, 2008). Quando um conceito emerge dos dados e parece
consistente com a literatura, deve ser criticamente examinado quanto a semelhanças e diferenças contextuais.
Esse aspecto é importante quando se considera a quantidade de tempo e esforço necessários para conduzir um
bom projeto de pesquisa qualitativa. A questão não é o nível de desenvolvimento da teoria preliminar, mas como ela
é usada durante a coleta e interpretação dos dados. O pesquisador deve considerar tal aspecto durante o
planejamento e elaboração de sua proposta de pesquisa.
A realidade por trás dos estudos clássicos hipotético-dedutivo de desenvolvimento de teoria é que, partindo do
pressuposto pós-positivista que a avaliação de uma teoria é um julgamento probabilístico, não podemos saber nada
com certeza e até as próprias hipóteses de um estudo podem acabar se tornando falsas (Van de Ven, 2011). No
entanto, os métodos de pesquisa qualitativa raramente são usados para testar hipóteses no sentido clássico e sua
própria natureza os torna mais apropriados para situações complexas, nas quais o conhecimento prévio é inexistente
(Corbin e Strauss, 2008). Embora existam exceções, na engenharia e na gestão de operações e cadeia de
suprimentos, os projetos de pesquisa qualitativos são tipicamente usados para desenvolver ou elaborar uma teoria.
Portanto, um projeto flexível, um traço comum aos métodos de pesquisa qualitativa (Creswel, 2011), e uma abertura
“disciplinada, metódica e seguindo princípios científicos” para o surgimento de novos conceitos e ideias durante o
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processo de pesquisa devem ser encorajados, para que o pesquisador possa produzir resultados realmente novos e de
maior contribuição e impacto teórico e prático.
A proposta de pesquisa
A redação da proposta de um projeto de pesquisa qualitativa deve conter o problema de pesquisa, a declaração de
propósito, a justificativa para o estudo e uma descrição de sua significância, a questão de pesquisa e suas derivações
quando for o caso, uma breve revisão da literatura que embase o argumento, uma visão geral do método a ser
utilizado, com a justificativa de sua aderência ao objetivo da pesquisa, com uma descrição preliminar do processo de
coleta de dados e do método de análise.
As seções introdutórias de relatos de pesquisas concluídas, por exemplo, um artigo acadêmico, apresentam
definições precisas de todos os conceitos principais utilizados, o que contribui para o fluxo e a qualidade do texto.
No entanto, numa proposta de pesquisa, as definições dos conceitos centrais podem ser um pouco mais gerais e
tentativas, dado que elas serão refinadas ao longo do estudo e podem até mesmo ser modificadas.
A proposta deve ser escrita em linguagem apropriada, com clareza, equilíbrio entre detalhamento e concisão, de
forma a transmitir os objetivos e conceitos de forma adequada. É comum também que a proposta apresente um
cronograma preliminar com uma ideia dos prazos que o pesquisador prevê para as fases a serem executadas.
A proposta ou plano de pesquisa estabelece como o pesquisador planeja conduzir cada aspecto de um estudo qualitativo de modo a não apenas
satisfazer as características de um bom trabalho, mas também de alinhar suas partes, formando um todo coerente. O plano de pesquisa de um
estudo qualitativo começa com a formulação do problema que motivou o estudo, a declaração de propósito, a apresentação da sua importância
com a formulação do objetivo do estudo e de sua questão de pesquisa central. Todos esses elementos são e precisam estar �rme e
cuidadosamente alinhados.
QUESTÕES PARA FIXAÇÃO DO CONTEÚDO
Identi�que em sua área uma situação problemática na literatura acadêmica ou em revistas pro�ssionais, especializadas ou de negócios.
Re�ita sobre como você escreveria sobre esse problema. Descreva a situação problemática em algumas sentenças e discuta a literatura que
fornecerá a evidência da necessidade de estudar esse problema.
Escolha uma das abordagens de pesquisa qualitativa discutidas neste livro (estudo de casos, pesquisa-ação, teoria fundamentada).
Identi�que uma lógica para descrever o problema da questão 1, acima, dentro da abordagem qualitativa que você escolheu.
Para o estudo que você está projetando ou o problema que você identi�cou, escreva uma questão central de pesquisa utilizando o roteiro
apresentado neste capítulo.
Discuta a diferença entre justi�cativa e signi�cância de um estudo qualitativo.
Discuta suas decisões quanto ao quadro teórico preliminar em seu estudo.
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Decisões sobre amostragem e coleta de dados
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao �nal deste capítulo, o leitor deverá ser capaz de:
Diferenciar os tipos de dados utilizados na pesquisa qualitativa.
Descrever as decisões críticas gerais do método de pesquisa qualitativa.
Identi�car os instrumentos principais de coleta de dados qualitativos.
Discutir as principais decisões e cuidados no uso de entrevistas e documentos.
Introdução
Após identificar um problema de pesquisa, elaborar a declaração de propósito, justificar o estudo e sua significância
e desenvolver a questão de pesquisa, o pesquisador precisa considerar os métodos que serão utilizados no estudo, os
meios que o pesquisador utiliza para responder às questões de pesquisa. Decisões sobre onde conduzir sua pesquisa
e sobre quem incluir nela são aspectos críticos do método. Até mesmo um único estudo de caso requer que o
pesquisador faça cuidadosamente sua escolha. Por exemplo, num estudo focado na configuração internacional da
cadeia de valor produtiva de uma empresa brasileira do setor automotivo, Bernardes (2000) decidiu pelo caso da
empresa Marcopolo S.A. em vez da Busscar ou da Caio, outras empresas brasileiras do setor na época.
O planejamento do método de pesquisa requer que o pesquisador tome várias decisões com relação à
amostragem e à coleta de dados. Como sugerido por Maxwell (2013), ele precisa ter cuidado com o significado do
termo “amostragem” na pesquisa qualitativa. Esse termo está associado à pesquisa quantitativa e é normalmente
utilizado para conotar o propósito de representar a população amostrada. A amostragem probabilística constitui a
base das principais pesquisas em várias áreas acadêmicas (Remler e Ryzin, 2011) e é um padrão de pesquisa de alta
qualidade. Assim sendo, o uso de amostragem não probabilística, ou de conveniência, é fortemente desencorajado
na pesquisa quantitativa. No entanto, na pesquisa qualitativa, o pesquisador tipicamente seleciona locais e
indivíduos pela amostragem intencional ou de conveniência (Creswell and Poth, 2018), e não da probabilística. A
estratégia de amostragem intencional não permitirá ao pesquisador fazer inferências estatísticas para uma
população, mas permite a ele selecionar determinados ambientes ou pessoas deliberadamente, considerados os mais
apropriados para fornecer informações particularmente relevantes para atingir os objetivos do estudo e solucionar a
questão de pesquisa (Creswell and Poth, 2018).
Dados primários e secundários
De modo geral, um conjunto de informações não se tornam dados de pesquisa até que tenha sido coletado
intencionalmente pelo pesquisador com o propósito de responder a uma questão da pesquisa.

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