Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Se o domicílio é entendido como o próprio ambiente familiar e é nesse ambiente que se constrói, especialmente no aspecto afetivo, “o conjunto das mais poderosas forças” que influenciam a promoção, a proteção e a recuperação da saúde das pessoas, é legítimo reconhecer nessa prática um aspecto relevante na abordagem da saúde da pessoa e da família (GUSSO, 2ª ed.). É o espaço mais pessoal que pode existir, a última fronteira da intimidade. Adentrar o domicílio e o quarto da pessoa é estar no lugar do outro, em que está o âmbito da máxima autonomia do sujeito em relação ao serviço de saúde, embora também seja um lugar onde se lide com a falta dela (GUSSO, 2ª ed.). ↠ A Organização Mundial da Saúde (OMS) define assistência domiciliar como “a provisão de serviços de saúde por prestadores formais e informais com o objetivo de promover, de restaurar e de manter o conforto, a função e a saúde das pessoas em um nível máximo, incluindo cuidados para uma morte digna (GUSSO, 2ª ed.). ↠ Os serviços de assistência domiciliar (SADs) podem ser classificados como preventivos, terapêuticos, reabilitadores, de acompanhamento por longo tempo e de cuidados paliativos” (GUSSO, 2ª ed.). Atenção Domiciliar ↠ O cuidado domiciliar pode ser caracterizado da seguinte forma: (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Atenção domiciliar. É a categoria mais ampla, que inclui as outras e pode ser também denominada atendimento ou cuidado domiciliar. Baseia-se na interação do profissional com a pessoa, com sua família e com o cuidador, quando este existe, e se constitui em um conjunto de atividades realizadas no domicílio de forma programada e continuada, conforme a necessidade. Envolve ações de promoção à saúde em sua totalidade, incluindo a prática de políticas econômicas e sociais que influenciam o processo saúde-doença. Tem caráter ambulatorial e envolve ações preventivas e curativo assistenciais (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Assistência domiciliar. Está ligada a todo e qualquer atendimento a domicílio realizado por profissionais que integram a equipe de saúde. Não leva em conta a complexidade ou o objetivo do atendimento, que pode ser uma orientação simples até um suporte ventilatório invasivo domiciliar. ➢ Atendimento domiciliar. É a categoria diretamente relacionada à atuação profissional no domicílio, que pode ser operacionalizada por meio da visita e da internação domiciliar. Envolve atividades que vão da educação e prevenção à recuperação e manutenção da saúde das pessoas e seus familiares no contexto de suas residências. Abrange ou não cuidados multiprofissionais e pode ser semelhante a um consultório em casa. Alguns autores o relacionam a uma atenção mais pontual e temporária, ligada a situações agudas (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Visita domiciliar. Prioriza o diagnóstico da realidade do indivíduo e as ações educativas. É geralmente programada e utilizada com o intuito de subsidiar intervenções ou o planejamento de ações. ➢ Internação domiciliar. É uma categoria mais específica, que envolve a utilização de aparato tecnológico em domicílio, de acordo com as necessidades de cada situação. Não substitui a internação hospitalar, mas pode se constituir como uma continuidade desta, de forma temporária. ACOMPANHAMENTO DOMICILIAR VIGILÂNCIA DOMICILIAR Cuidado no domicílio para pessoas que necessitem de contatos frequentes e programáveis com a equipe. Comparecimento de integrante da equipe de saúde até o domicílio para realizar ações de promoção, prevenção, educação e busca ativa da população de sua área de responsabilidade, geralmente vinculadas à vigilância da saúde que a UBS desenvolve. Ex.: pessoas portadoras de doenças crônicas que apresentem dependência física, doentes em fase terminal, idosos morando sozinhos. Ex.: visitas a puérperas, busca de recém- nascidos, busca ativa dos programas de prioridades, abordagem familiar para diagnóstico e tratamento. OBS.: Entende-se que a classificação é didática, já que as modalidades se sobrepõem em muitas situações no trabalho do cotidiano (GUSSO, 2ª ed.). 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck A APS representa hoje o maior serviço de AD em funcionamento no Brasil, por meio das cerca de quarenta mil equipes de saúde da família, responsáveis pela parcela da população que não conta com equipes multiprofissionais de assistência domiciliar (EMADs) por critérios populacionais. São também responsáveis pela maior carga de cuidados realizados no domicílio mesmo nos municípios com SAD, cuidando de todos aqueles qualificados como AD1. Por fim, mantém-se responsável pela pessoa cuidada e seus familiares mesmo nas situações definidas como AD2 e AD3 (GUSSO, 2ª ed.). MODALIDADES DE CUIDADOS ↠ No Brasil, a Atenção Domiciliar (AD) se organiza sob três modalidades de cuidados, com crescentes níveis de densidade tecnológica e de carga horária dedicada de acordo com as necessidades de saúde das pessoas sob este tipo de cuidados (GUSSO, 2ª ed.). Na atenção básica, várias ações são realizadas no domicílio, como o cadastramento, busca ativa, ações de vigilância e de educação em saúde. Cabe destacar a diferença desses tipos de ações, quando realizadas isoladamente, daquelas destinadas ao cuidado aos pacientes com impossibilidade/dificuldade de locomoção até a Unidade Básica de Saúde (UBS), mas que apresentam agravo que demande acompanhamento permanente ou por período limitado (MS, 2013). É desse recorte de cuidados no domicílio de que trata este material e que a Portaria GM/MS nº 2.527, de 27 de outubro de 2011, classifica como modalidade AD1 de atenção domiciliar, isto é, aquela que, pelas características do paciente (gravidade e equipamentos de que necessita), deve ser realizada pela atenção básica (equipes de atenção básica – eAB e Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF), com apoio eventual dos demais pontos de atenção, inclusive, os Serviços de Atenção Domiciliar (compostos por equipes especializadas – EMAD e EMAP – cujo público-alvo é somente os pacientes em AD) (MS, 2013). ↠ Os problemas de saúde e procedimentos que indicam a inclusão das pessoas nas modalidades de cuidado AD2 e AD3 e, portanto, inclusas em um ponto da Rede de Atenção à Saúde complementar à APS – os SADs – são: (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Afecções agudas ou crônicas agudizadas, com necessidade de cuidados intensificados e sequenciais, como tratamentos parenterais ou reabilitação. ➢ Afecções crônico-degenerativas, considerando o comprometimento causado pela doença, que demande atendimento no mínimo semanal. ➢ Necessidade de cuidados paliativos com acompanhamento clínico no mínimo semanal, com o fim de controlar a dor e o sofrimento do usuário. ➢ Prematuridade e baixo peso em bebês com necessidade de ganho ponderal. ORGANIZANDO A VISITA DOMICILIAR: Antes da visita ao domicílio, é preciso que o profissional tenha muito claro qual(is) o(s) seu(s) objetivo(s) (assistencial, educativo, de avaliação, busca, vigilância, etc.). É importante revisar o prontuário e reunir todos os dados sobre a pessoa ou a família que irá visitar. Isso é possível a partir da anamnese com o familiar/cuidador que solicitou a visita e do entendimento das condições de manejo do problema no domicílio. Após essa primeira avaliação, deve-se organizar o material e as medicações apropriadas para o atendimento do caso. Após a visita, é imprescindível um registro claro e abrangente (GUSSO, 2ª ed.). CUIDADOR: Assim como existe a pessoa que necessita de cuidados domiciliares de forma temporária ou permanente, há também o cuidador temporário e o permanente. O cuidador pode ser formal, contratado e remunerado para exercer tal função ou pode ser informal, quando emerge das relações interpessoais que se constroem no cotidiano familiar e social. É eleito pela família e normalmente tem poucaou nenhuma experiência em cuidar de pessoas doentes, mas possui algum poder decisório. É relevante o apoio psicológico ao cuidador, pois, além das pressões que enfrenta, é frequente que o familiar “escolhido” apresente uma série de características pessoais que o identifiquem como tal (GUSSO, 2ª ed.). A PESSOA: Ao se desenvolver cuidado domiciliar, é preciso considerar que o foco da atenção é a pessoa recebedora do cuidado. Mesmo que, por vezes, ela apresente limitações nas relações interpessoais, ao realizar as VDs, devem-se ter presentes os mesmos aspectos éticos que regem a consulta em outros cenários do cuidado (GUSSO, 2ª ed.). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck PAPÉIS DE ALGUNS PROFISSIONAIS NO CUIDADO DOMICILIAR ↠ Embora a VD deva ser realizada por todos os integrantes da equipe de saúde da família, observa-se que os ACS são os maiores responsáveis pelo acompanhamento domiciliar. Nesse sentido, faz-se necessária a capacitação do ACS como profissional de interlocução entre os diversos setores, desde a educação, o meio ambiente e o serviço de saúde (GUSSO, 2ª ed.). ↠ Além disso, no processo de visitação, a equipe deve estar ciente que este é um espaço fundamental para a legitimação do espaço do ACS, que deve encabeçar a equipe neste momento (GUSSO, 2ª ed.). PAPÉIS DOS PROFISSIONAIS DAS EQUIPES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CUIDADO DOMICILIAR ACS TÉC. DE ENFERMAGE M ENFERMEIRO MÉDICO Comunicar à equipe de saúde a necessidade de avaliação da pessoa para cuidado domiciliar. Auxiliar no treinamento do cuidador domiciliar. Avaliar de modo integral, individual, familiar e no contexto social a situação da pessoa enferma. Esclarecer a família sobre os problemas de saúde e construir plano de cuidados para a pessoa enferma. Estabelecer forma de comunicação participativa com a família Identificar sinais de gravidade. Elaborar, com base no diagnóstico de enfermagem, a prescrição dos cuidados Promover e participar das avaliações periódicas do plano de acompanhamento . Servir de elo de comunicação entre a pessoa, sua família e a equipe. Comunicar ao enfermeiro e ao médico alterações no quadro clínico da pessoa. Comunicar ao enfermeiro e ao médico alterações no quadro clínico da pessoa. Emitir prescrição do tratamento medicamentoso ↠ Entende-se que os profissionais citados acima são os que fazem parte da equipe básica da UBS, não sendo, entretanto, os únicos capazes de atuar no domicílio. Nesse sentido, a fonoaudiologia em equipe matricial também contribui com questões específicas ligadas às dificuldades de deglutição e de fala, situações muito frequentes em pessoas com sequelas neurológicas ou mesmo com senilidade (GUSSO, 2ª ed.). OBS.: É importante citar algumas situações que dificultam a realização das VDs pela equipe e que devem ser consideradas. A sobrecarga de trabalho é a mais citada, mas também existem as distâncias territoriais, especialmente em regiões rurais, que requerem infraestrutura quanto aos recursos necessários para a locomoção. É importante salientar que o horário de funcionamento dos serviços de saúde coincide com o horário de trabalho dos adultos e de escola das crianças e adolescentes. Esse fato aumenta ainda mais a necessidade de planejar a visita e otimizar o tempo. A violência no território é outro importante fator que impede a visita em áreas de conflito (GUSSO, 2ª ed.). IMPORTANTE: A VD pode ser realizada como fim e/ou como meio. A primeira tem objetivos específicos de atuação na AD terapêutica e visita a pessoas restritas ao domicílio, temporária ou permanentemente. Como meio, a VD não se restringe à busca ativa, em especial para dar conta da demanda reprimida, da vigilância em saúde relacionada aos programas prioritários. Ainda tem importante papel como forma de inserção profissional e de conhecimento da realidade de vida da família e da população e, especialmente, para o estabelecimento de vínculos (GUSSO, 2ª ed.). OS SERVIÇOS DE ATENÇÃO DOMICILIAR E SUAS POTENCIALIDADES ↠ A partir de 2011, com o lançamento do “Programa Melhor em Casa”, pelo MS, os SADs passaram a exercer um importante papel na RAS como uma estratégia substitutiva ou complementar à atenção centrada em hospitais, articulados com todos os pontos de atenção à saúde, principalmente com a atenção básica (GUSSO, 2ª ed.). ↠ Os SADs têm como objetivos principais: (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Redução da demanda por atendimento hospitalar. ➢ Redução do período de permanência de usuários internados.. ➢ Humanização da atenção à saúde, com ampliação da autonomia dos usuários. ➢ Desinstitucionalização e otimização dos recursos financeiros e estruturais da RAS. VISITA DOMICILIAR DE URGÊNCIA ↠ Um termo bastante utilizado pelos médicos que trabalham nos serviços de APS, sobretudo na ESF, é a chamada “VD de urgência”, situação que surge geralmente por meio do chamado de um cuidador, familiar, vizinho, ACS ou da própria pessoa e que, muitas vezes, coloca o profissional em dúvida sobre como agir diante dessas situações: se “abandona” sua unidade de saúde para realizar a VD, se solicita que a pessoa seja trazida até a unidade, se orienta que não se realize ou se a pessoa, a partir do relato do solicitante, deverá ser referenciada a um serviço de urgência/emergência (GUSSO, 2ª ed.). ↠ Algumas informações deverão ser obtidas para facilitar a tomada de decisão mediante cada demanda. Sugerem- 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck se os seguintes passos quando surgirem demandas de VD de urgência: (GUSSO, 2ª ed.). ➢ Descobrir qual é o motivo da VD, para verificar se há gravidade no caso (história clínica, sinais, sintomas). ➢ Verificar se a pessoa pode ser trazida até a UBS. ➢ Averiguar se a pessoa já é conhecida da equipe (conhecendo sua lista de problemas, é possível verificar se há necessidade da VD naquele momento, ou se poderá ser agendada para outro turno ou dia, ou, ainda, se a pessoa deverá ser referenciada a outro serviço). ➢ Saber qual é a distância da UBS (importante, para ter ideia do meio de locomoção e do tempo necessário para a VD). Referências Ministério da Saúde. Caderno de atenção domiciliar. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. GUSSO et. al. Tratado de Medicina de Família e Comunidade, 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2019.
Compartilhar