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25 4 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 4.1 Compreendendo o conceito de sociologia O primeiro ponto a destacar quando falamos no ser humano é sua capacidade e necessidade de viver como um ser social, de maneira organizada e interdependente, em que suas características culturais podem ser ensinadas e aprendidas. Neste processo de convivência social, as estruturas que constituem tais associações vão sendo modifi cadas, incorporando novas maneiras de viver e de agir. A vida do homem em sociedade passa por inúmeros movimentos e reconfigurações associadas a diversos fatores, como o próprio desenvolvimento da noção de comunidade, dos avanços nas áreas que envolvem as questões econômicas e de governo, as mudanças de paradigmas nas buscas por explicações para os fenômenos, entre outros. O ser humano apresentou, no percurso de seu desenvolvimento histórico, inúmeras mudanças nas suas maneiras de viver e relacionar-se em sociedade, desde as estruturas comunitárias mais simples, como a família, até a complexidade das grandes corporações empresariais e das relações de governo estabelecidas. A busca pela conceituação do que vem a ser a sociologia enquanto ciência passa pela percepção e pelo entendimento do que vem a ser o conceito de sociedade em si e de como se organizam e se movimentam os mais diversos grupos humanos e seus fenômenos sociais. Temos que destacar que as reflexões em torno de como os seres humanos vivendo em sociedade se organizavam remontam à Antiguidade Clássica, muito antes da elaboração do conceito de sociologia por Auguste Comte, na Modernidade, mais especificamente no século XIX. Sobre este fato, Vila Nova (2013, p. 29) comenta: 26 É óbvio que a reflexão sobre os fenômenos sociais não começou com a sociologia, no século XIX. Antes que Auguste Comte inventasse, na primeira metade daquele século, a palavra sociologia para denominar a nova ciência e proclamasse a necessidade, a conveniência e a possibilidade de aplicação dos princípios da ciência – até então aplicados apenas ao estudo dos fenômenos da natureza – ao conhecimento da sociedade, os filósofos se ocuparam da explicação dos fenômenos sociais. As reflexões de Platão, de Aristóteles, por exemplo, na Antiguidade, ou mesmo de Maquiavel, já no século XVI, apesar de toda a revisão, no Renascimento, das ideias tradicionais até então predominantes, são muito diversas das teorias sociológicas. A reflexão filosófica a respeito da sociedade difere da sociologia tanto nos resultados quanto, principalmente, na maneira de alcançá-los. A citação do autor nos aponta algumas questões muito interessantes, como a busca do homem em fornecer explicações para os fenômenos sociais que nos acompanham há muito tempo e a distinção entre a sociologia e a Filosofia enquanto ciências. Dentre os inúmeros conceitos apontados em busca de uma definição do que seria a sociologia, veja o que nos dizem Lakatos e Marconi (1990, p. 22): Estudo científico das relações sociais, das formas de associação, destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes de fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos entre seres humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas interações reciprocas. A sociologia não é normativa, nem emite juízos de valor sabre os tipos de associação e relações estudados, pois se baseia em estudos objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza dos fenômenos sociais. A sociologia, desta forma, é o estudo e o conhecimento objetivo da realidade social. Como podemos perceber na conceituação das autoras, para a sociologia interessam como principais focos de análise as relações entre os homens no meio em que vivem. 4.2 O percurso histórico do surgimento da sociologia Para que possamos entender de forma mais consistente o surgimento da sociologia, precisamos pontuar alguns aspectos históricos que colaboram para que isto ocorra. Para essa tarefa iremos nos remeter ao século XVIII e às transformações 27 que ocorrem na sociedade nos aspectos políticos e econômicos. Claro que, antes disso, devemos apontar grandes acontecimentos históricos que antecedem o surgimento da ciência como um todo e que modificam a forma como a sociedade irá pensar e agir. Entre eles, temos, no século XV, os esforços em busca de expansão territorial das nações europeias, conhecido como o período das Grandes Navegações, e o estabelecimento de colônias nas Américas, na Ásia e na África, o que acelera o desenvolvimento da economia monetária e fortalece a burguesia destes países. No século XVI, temos a Reforma Protestante, que marca um rompimento entre o pensamento ou conhecimento teológico (explicações divinas) e o conhecimento racional (explicações pela razão do homem). A Reforma Protestante vai muito além da simples ruptura do modo de pensar da Igreja da época e da contestação dos poderes papais, pois representa a busca do próprio homem para as explicações dos fenômenos que ocorrem ao seu redor. Segundo Tomazi (2000), essa nova forma de conhecimento da natureza e da sociedade, na qual a experimentação e a observação são fundamentais, aparece neste momento, representada pelas ideias e pelas obras de diversos pensadores, entre os quais Nicolau Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei (1564-1642), Thomas Hobbes (1588-1679), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650). Junto com esses, há outros dois pensadores que farão a ponte entre esses novos conhecimentos e os que se desenvolverão no século seguinte: John Locke (1632- 1704) e Isaac Newton (1642-1727). Já no século XVII, percebemos a ascensão da burguesia comercial nos países europeus, que se estendia a todo o restante do mundo. Nesta época, irão surgir novos formatos de organização da produção das manufaturas, criando novos inventos que pudessem aprimorar os processos e diminuíssem o número de pessoas envolvidas neles. É quando surgem as primeiras máquinas de tecer, descascar algodão, as máquinas a vapor, etc. O trabalho mecânico começa a ser utilizado paralelamente ao trabalho artesanal. O século XVIII começa em meio a toda essa ebulição de novas descobertas focadas na produção e numa sociedade em modificação, proposta pelos eventos anteriores. Da mesma forma, a Revolução Inglesa ocorrida no século anterior irá inspirar as Revoluções Americanas e Francesas e irá trazer novos formatos de organização política para as nações. 28 As transformações nas esferas da produção, a emergência de novas formas de organização política e a exigência de representação popular dão características muito específicas a esse século, em que pensadores como Montesquieu (1689- 1755), David Hume (1711-1776), Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), Adam Smith (1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros, procurarão, por caminhos às vezes divergentes, refletir sobre a realidade, na tentativa de explicá-la (TOMAZI, 2000). Estas tentativas de busca por explicações das novas realidades no século XVIII citadas pelo autor irão servir de base para o surgimento da sociologia como uma ciência; ciência esta que nasce em meio à consolidação do sistema capitalista. No início do século XIX, pensadores como Saint-Simon, Hegel e David Ricardo irão fazer com que Auguste Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883) venham a refletir sobre a sociedade, porém de maneiras muito divergentes. Comte irá focar seus pensamentos em busca de uma filosofia positiva, que busca a explicação dos fenômenos e a modificação da maneira de pensar do homem utilizando as ciências existentes na época e propondo uma reforma prática das instituições. Outro expoente da sociologia que irá se inspirar nas ideias propostas por Comte nesta época é Emile Durkheim. Karl Marx e Friederich Engels, por sua vez, irão analisar os aspectos sociais, econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, entre outros,sem a preocupação de definição de uma ciência específica para tal, como a sociologia representava para Auguste Comte. Suas análises procuraram focar as mudanças nos processos produtivos, o surgimento da sociedade capitalista, visando fornecer aos trabalhadores condições de melhor analisar o contexto em que se encontram vivendo e as relações entre as classes trabalhadoras e capitalistas. Podemos dizer que a sociologia como ciência, acadêmica, irá afirmar-se nas obras de Émile Durkheim, na França, e de Max Weber, na Alemanha; ambos preocupados em integrar a sociologia aos aspectos científicos necessários para garantir os métodos e teorias necessárias para tal afirmação. 29 4.3 Características da sociologia como ciência A sociologia apresenta alguns aspectos bem particulares que a distinguem de outras Ciências Sociais, como a Antropologia, a Economia ou a Filosofi a Social. Vamos conhecer, agora, alguns destes aspectos que caracterizam a sociologia enquanto ciência. Indução como método predominante — através da observação sistemática e planejada dos fatos, de casos bem particulares e específicos, a sociologia vai formulando, construindo suas teorias e explicações acerca da vida em sociedade. Lembramos que a observação sistemática faz parte da própria característica de toda a ciência que se vale do método científico para o estabelecimento de suas regras e verdades sobre o objeto estudado; com a sociologia não é diferente! Neutralidade valorativa — não cabe à sociologia realizar juízos de valor sobre os objetos e fatos pesquisados, ou afirmar e estabelecer o certo e o errado, o justo e o injusto, como faria a Ética. Tampouco apontar o que deveria ser feito, o que seria legítimo, como faz o Direito. A sociologia estuda as relações que ocorrem na sociedade, tentando classificar e identificar seus componentes, porém isentando-se de julgá-los, deixando de exercer os juízos binários que comentamos anteriormente entre o que é bom e mau para a sociedade. Moralmente neutra — este aspecto refere-se ao não estabelecimento de juízos de valores que falamos antes; porém, o sociólogo possui compromisso moral com a verdade que foi buscada através da observação realizada sobre os fenômenos sociais. É preocupação dos sociólogos, também, não permitir que suas questões morais pessoais interfiram nos resultados de suas análises, nas suas percepções e leituras sobre as mais diversas realidades sociais que estejam sendo observadas/ pesquisadas. A transitoriedade — a sociologia estabelece o estudo de fatos que venham a acontecer na sociedade com uma certa regularidade. Esta 30 observação, porém, pode ser modificada com o próprio desenvolvimento ou reconfiguração destes aspectos observados pelo pesquisador com o passar do tempo. Ou seja, as teorias e análises sociológicas efetuadas anteriormente sobre algum fato social poderão vir a ser reformuladas em observações posteriores sobre este mesmo objeto pesquisado, o que caracteriza este aspecto da transitoriedade. A busca pela classificação — as atividades do cientista sociólogo vão além dos pressupostos estabelecidos pelo método científico, como a elaboração de hipóteses, a observação em si, as generalizações típicas e a criação de teorias. O sociólogo também se encarrega da busca pela classificação dos fenômenos que ocorrem no tecido social. Essas classificações são observadas nos esforços em dividir a sociedade em partes, como: grupos, culturas, categorias, castas, classes, entre outros. Entender estes princípios é muito importante neste momento, pois são marcadores que serão utilizados pelo sociólogo em suas análises e são estes que reforçam o caráter científico da sociologia, ciência, conforme vimos anteriormente, que nasce dentro do contexto do surgimento e afirmação da própria racionalidade científica proposta no século XIX, através dos estudos de Francis Bacon e Renée Descartes, principalmente com a criação do Método Científico. Fonte: www. casaruibarbosa.gov.br
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