Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 3 A PSICOPEDAGÓGICA COMO CIÊNCIA .......................................................... 4 2.1 Objeto de estudo da psicopedagogia ....................................................... 6 2.2 A interdisciplinaridade na psicopedagogia ............................................... 8 O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO ......................................................... 14 3.1 Anamnese: momento do resgate histórico ............................................. 16 3.2 Entrevista operativa centrada na aprendizagem .................................... 19 3.3 Testes projetivos .................................................................................... 22 3.3.1. Conceitos fundamentais dos métodos projetivos .................. 22 3.3.2. Projeção ................................................................................ 25 3.3.3. A técnica do desenho no psicodiagnóstico ........................... 23 3.3.4. Aspectos básicos .................................................................. 25 A PSICOPEDAGOGIA E OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM .................. 28 4.1 O significado do sintoma na família ........................................................ 29 4.2 O significado do sintoma para a família .................................................. 29 4.3 A Família e a intervenção psicopedagógica ........................................... 29 4.4 Causas pré-natais .................................................................................. 30 4.5 Causas perinatais ................................................................................... 30 4.6 Causas pós-natais .................................................................................. 31 4.7 As doenças ............................................................................................. 31 4.8 O desenvolvimento ................................................................................. 32 4.9 A aprendizagem ..................................................................................... 32 AFETIVIDADE NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA .............................. 35 A FUNÇÃO PREVENTIVA E CURATIVA DA PSICOPEDAGOGIA .................. 39 6.1 O trabalho pedagógico na escola ........................................................... 42 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 43 3 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 A PSICOPEDAGÓGICA COMO CIÊNCIA Fonte: https://www.edchoice.org/ Desde o seu nascimento, várias são as obras que tratam da psicopedagogia, embora a produção literária – como corpo científico – ainda seja limitada. Percorrendo a bibliografia sobre esse tema, podemos notar a ambiguidade e diversidade que determinados autores qualificam essa disciplina. Alguns se unem a uma perspectiva pedagógica; outros, à psicológica. Mas não faltam elos com outras áreas, como filosofia, neurologia, linguística e orientação. De qualquer maneira, o amplo campo problemático em que ela pode intervir, a diversidade de métodos e técnicas de trabalho, assim como a dificuldade de posicionamento dessa disciplina, dificultam a possibilidade de uma definição exata da psicopedagogia como um corpo de conhecimento científico. Alguns estudiosos argumentam que a psicopedagogia não está totalmente definida como uma disciplina, uma vez que ela trabalha com vários enfoques disciplinares. Mesmo que essa ciência tenha começado a se delimitar na última parte dos séculos XIX e XX, não devemos perder de vista que o humanismo nos deu possibilidades incalculáveis, uma vez que a psicopedagogia pode ter raízes antropológicas que sustentavam sua prática desde os tempos antigos. Para que uma atividade possa ser qualificada como profissão deve atender a pelo menos dois 5 requisitos. O primeiro é assegurar um corpo de conhecimento especializado, contrastado por uma prática e por uma investigação científica; o segundo, oferecer um serviço aos indivíduos e/ou à sociedade. A comunidade científica também dita certos fatores para a emergência de uma nova disciplina. Por um lado, espera-se que surjam novas necessidades para atender novos problemas; por outro lado, que haja a descoberta ou a invenção de novos métodos de investigação. No caso da psicopedagogia, no final do século XIX e início do XX, precisava-se resolver problemas educacionais. Novos métodos de investigação provenientes de outras disciplinas, cujas metodologias favoreciam a fundamentação da psicologia experimental e da pedagogia, levavam a uma série de práticas experimentais que definiriam as bases para a consolidação de novas disciplinas, entre as quais a psicopedagogia. Apesar de serem termos distintos, a orientação e a psicopedagogia têm uma base comum em sua origem, como campo disciplinar e como ação profissional. A psicopedagogia se propõe a compreender os fenômenos de ensino, aprendizagem e desenvolvimento pessoal para neles intervir, a fim de controlá-los e otimizá-los. Assim, constata-se uma relação muito direta entre orientação e psicopedagogia. A orientação é um processo de ajuda contínua a todas as pessoas, em todos os aspectos, com o objetivo de potencializar o desenvolvimento humano ao longo de toda a vida. Essa ajuda se realiza mediante uma intervenção profissional, baseada em princípios científicos e filosóficos. Assim, a psicopedagogia foi concebida como a confluência de diversas áreas do conhecimento – principalmente a orientação, a pedagogia, a didática e a psicologia da educação –, assegurando-se como um corpo de conhecimento complexo que requer uma aproximação interdisciplinar. Ainda é grande a dificuldade de se delimitar as áreas de disciplinas relacionadas à psicopedagogia, como a psicologia e as ciências da educação. Isso é fruto de um desenvolvimento histórico, uma vez que ao longo do tempo têm-se compartilhado questões teóricas comuns, metodologias de trabalho similares e intervenções profissionais dentro de um mesmo âmbito. 6 2.1 Objeto de estudo da psicopedagogia A psicopedagogia permite conhecer o processo de aprendizagem dos estudantes com o objetivo de melhorar seu desempenho, e agir para que os alunos aprendam efetivamente. Ela pode atuar na vida do aluno, intervindo em seu processo de estudo e aprendizagem, ou na vida dos professores e dos recursos externos, incorporando conhecimentos e técnicas para a melhoria da aprendizagem dos estudantes. Atualmente, portanto, já não podemos definir a psicopedagogia como simplesmenteuma aplicação da psicologia à pedagogia. É mais do que isso. Ela tem como foco o estudo sobre como os indivíduos aprendem e as maneiras pelas quais eles podem aprender melhor. A psicopedagogia se constitui como produção de um ramo científico e seu objeto de estudo; embora ainda gere discussões, nunca deixou de ter como foco os diferentes processos de aprendizagem e suas implicações no desenvolvimento e desempenho do “sujeito cognoscente”, isto é, do sujeito aprendente. Diferentes psicopedagogos consideram de formas variadas o objeto de estudo da psicopedagogia, conforme lista abaixo: Engloba o processo de aprendizagem humana, levando em consideração os padrões evolutivos normais e patológicos e a influência do meio – escola, família, sociedade. Abarca o ato de aprender e ensinar, tomando sempre como base as realidades interna e externa da aprendizagem, em seu conjunto. Abrange o processo de aprendizagem e suas dificuldades, englobando variados campos do conhecimento, de forma integrada Compreende dois enfoques: preventivo e terapêutico. Inclui a investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, levando em conta todas as variáveis que interferem nesse processo. Busca a melhoria das relações com a aprendizagem e a melhoria da qualidade da própria construção da aprendizagem de alunos e docentes. 7 Conforme podemos observar, o objeto de estudo da psicopedagogia tem enfoques distintos. Em diferentes momentos históricos, esse objeto também foi entendido de várias formas. Nos anos de 1960, era o sujeito que não aprendia, concebia-se a não aprendizagem a uma falta, a um déficit; priorizava-se a reeducação. Aqui interessa a situação individual, o problema específico de um sujeito que tem dificuldade em aprender e que essa dificuldade se manifesta no ambiente escolar. Nos anos de 1970 e 1980, o objeto de estudo era como se aprende, as alterações, os fatores a que o sujeito está condicionado, os obstáculos (como reconhecê-los, tratá-los e preveni-los). Dos anos de 1990 até hoje, o objeto de estudo passou a ser o sujeito aprendente, sendo influenciado pelas condições socioculturais do meio que o cerca, ou seja, levou-se em conta a singularidade do indivíduo. Aí reconhece- se a subjetividade em sua singularidade e se começa a levar em consideração os diferentes contextos, não apenas os escolares, mas os familiares e os sociais. Surge certo consenso quanto ao fato de que a psicopedagogia deve se ocupar em estudar a aprendizagem humana. Esse processo de aprendizagem ocorre com um indivíduo situado: como sujeito cognitivo e sua particular maneira de conceber o conhecimento; como sujeito desejante de formação; a sua posição frente à aprendizagem; o seu modo particular de apreender conhecimentos; em sua estrutura familiar e no seu posicionamento nesse contexto, sua relação com o saber e o conhecer, o modo de processar, de mudar as normas e as complicações decorrentes do impacto sobre o sintoma do não aprender; em um contexto socioeconomico-cultural, em sua qualidade de transmissor de valores, ideologias e expectativas, mediado pelas instituições e seus discursos. Considerando a sua condição dialética de produto e produtor de contextos. A psicopedagogia assume o desafio de atuar e articular, com sua ação de interpretação, a compreensão do processo de aprendizagem, fortalecendo a presença de identidades particulares e plenas de significados sociais. Nesse contexto complexo, proporcionará a construção e desconstrução de valores e atitudes, a fim de que 8 abarquem as reais necessidades sociais, culturais e político- educativas dos sujeitos rodeados por histórias e culturas diversas. 2.2 A interdisciplinaridade na psicopedagogia Ao falarmos em interdisciplinaridade, estamos, de alguma maneira, nos referindo à busca sistemática de integração de teorias, métodos, instrumentos, e, em geral, fórmulas de ação científica de diferentes disciplinas ou áreas do conhecimento. Vista dessa forma, como uma relação entre disciplinas, podemos dizer que a interdisciplinaridade refere-se à comunicação entre duas ou mais disciplinas, tendo por objetivo a abordagem problemas complexos. Tal interação pode ser desde uma simples comunicação de ideias até ́a integração de teorias envolvidas nessa interação, os conceitos fundamentais, os dados e os métodos de investigação. Alguns teóricos consideram a psicopedagogia um campo de estudo transdisciplinar. Porém, esse entendimento não se sustenta. Na transdisciplinaridade ocorre a integração de várias áreas, gerando uma interpretação mais global dos fatos e dos fenômenos estudados. Já na interdisciplinaridade há a possibilidade de criação de um novo campo de conhecimento a partir da superposição de diversas áreas. Não se trata apenas de uma junção, mas de um campo novo que surge. Como já se sabe, a psicopedagogia estuda a aprendizagem humana. Entretanto, para compreender essa atividade, deve-se ultrapassar os limites de uma disciplina específica, pois ela abrange outros aspectos: físicos, biológicos, cognitivos, afetivos, sociais. Também já temos conhecimento de que a psicopedagogia não pode, obviamente, esgotar-se com as contribuições da psicologia e da pedagogia; pelo contrário, baseia-se em todas as ciências que estudam os seres humanos e a sociedade, direta e indiretamente, enriquecendo conceituações teóricas gerais dessa ciência. A psicopedagogia possui antecedentes históricos que lhe dão um status científico, seja como ciência ou como disciplina intermediária com outras áreas psiicológicas – por exemplo, com a psicologia geral, a psicologia da personalidade, a 9 psicologia da aprendizagem, a psicologia do desenvolvimento. No entanto, ela também se integra às ciências da educação, por sua natureza interdisciplinar. A aceitação do processo educativo como seu objeto essencial pressupõe conceber um sentido geral e integral, pois existe dentro desse mesmo objeto uma ampla gama de fenômenos, incluindo o ensino-aprendizagem, que pode ser estudado de forma independente e analítica, mas sem separá-lo do contexto mais amplo, que é o educativo, visando, assim, à formação, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento dos alunos. No cotidiano do ambiente escolar, a psicopedagogia não é a única ciência útil, mas desempenha um papel fundamental porque valoriza a subjetividade dos atores, um elemento essencial que, se ignorado ou desprezado, pode impedir qualquer tentativa de inovação e de melhoria no processo pedagógico. Há vários argumentos teóricos a favor da psicopedagogia como uma ciência interdisciplinar: A impossibilidade atual de estudar os fenômenos educativos somente a partir da psicologia ou da pedagogia. Para conseguir um estudo verdadeiramente científico, é imprescindível que o objeto de investigação seja de caráter psicopedagógico; do contrário, estaremos fragmentando uma realidade. A acumulação quantitativa e qualitativa de conhecimentos científicos de diferentes áreas contribui para o desenvolvimento de um corpus teórico e metodológico que sustenta a psicopedagogia. A contribuição de métodos de investigação e técnicas que não são exclusivos da psicologia ou da pedagogia facilitam a obtenção de conhecimentos científicos mais abrangentes, possibilitando respostas mais oportunas e precisas aos problemas da prática educativa. Esses argumentos permitem defender a existência de uma disciplina psicopedagógica com seu objeto, seus métodos e com um sistema de conhecimentos que não pode ser restrito às ciências de base (psicologia e pedagogia). Como disciplina, deve, necessariamente, ter um corpo teórico próprioque lhe possibilite 10 dispor de bases científicas próprias e desenvolver suas próprias abordagens, apesar de isso não ser tão fácil. A psicopedagogia não se diferencia pela variedade de aspectos concretos ou parciais da experiência humana que aborda (mente, cultura, linguagem etc.), mais que isso: ela centra-se em um conjunto de práticas e atividades sociais com um caráter claramente educativo. A criação de um sistema epistêmico da psicopedagogia é um desafio urgente. Porém, pesquisadores têm de tomar consciência da sua relevância e necessidade, principalmente diante das condições complexas em que a educação tem se desenvolvido neste século. É perceptível o número de investigações e publicações com recorte psicopedagógico, e é fundamental que se mantenha a necessidade de aprofundamento, acrescentando novos elementos a seu status científico. A ampliação do conceito de educação constitui, pois, um aspecto importante dentro do cenário profissional e investigativo. De maneira progressiva, esse processo tem rompido os muros acadêmicos, expandindo-se à comunidade e à família, contrariamente às concepções tradicionais que restringiam o conceito às instituições escolares. Nessa abordagem, o processo de aprendizagem humana adquire um caráter complexo por receber influências provenientes não apenas das escolas, mas da família e da comunidade. A educação é, portanto, escolar, familiar e comunitária – a psicopedagogia não pode ignorar esse fato em sua conceituação teórica e metodológica. O papel da escola, porém, não pode e não deve ser subestimado – ela é mais bem preparada para lidar com o processo pedagógico em cooperação com outras instituições sociais já mencionadas. Longe de ser diluído, o papel da escola, dentre outros, é reforçar a sua grande relevância social, tendo em vista que na família e na comunidade existem influências formativas com alto grau de espontaneidade e pouca sistematização. A disciplina sociologia da educação deveria, portanto, estar diretamente ligada à psicopedagogia, devido ao tratamento científico que esta última requer do contexto social na formação dos seres humanos. Quando nos referimos à educação como 11 realidade social, estamos fazendo referência a uma realidade complexa, constituída por uma série de práticas, processos, contextos, sujeitos, instituições, conteúdos culturais, intenções, fundamentos, áreas etc. A educação é determinada historicamente por fatores políticos, sociais, culturais, ideológicos, geográficos e demográficos. A dimensão sociológica da educação nem sempre é abordada explicitamente. Entretanto, implicitamente, está sempre presente. Essa afirmação torna-se evidente porque nem sempre os contextos sociais e culturais são levados em consideração em resultados científicos. Todos os problemas psicopedagógicos têm raízes que emergem e se desenvolvem em contextos históricos, sociais, culturais e geográficos específicos, e sem as contribuições da sociologia da educação é praticamente impossível analisá-los de forma abrangente e rigorosa. Outra disciplina importante para a psicopedagogia é a história da educação, que não deve ser restrita a estudar o pensamento pedagógico e suas condições históricas, mas incluir os sistemas e as políticas educativas com as atuais tendências e perspectivas, a fim de garantir uma compreensão mais completa e complexa do fenômeno educativo em suas dimensões subjetiva, social e histórica. Conforme já mencionamos, a própria existência da psicopedagogia como disciplina científica tem influenciado o surgimento de princípios interdisciplinares que não correspondem ao puramente psicológico ou pedagógico, já que há uma transcendência destes, por sua amplitude. Entretanto, não os exclui. Assim, existem várias disciplinas que intervêm no processo educativo. Cada uma se concentra em uma dimensão. Por exemplo, a biologia dá conta da estrutura genética e neurofisiológica do sujeito; a antropologia trata da relação entre as formas de vida dos povos e das comunidades e a sua educação; a história fornece informações sobre o desenvolvimento da educação em uma sociedade, estado ou país, em determinada época. Essas disciplinas, com seus próprios campos de conhecimento e metodologias particulares, abordam alguns aspectos do processo educativo em particular. É claro que a interdisciplinaridade não é exclusividade da psicopedagogia. Ela pertence a 12 todos os fenômenos sociais e até mesmo naturais. Por exemplo, no campo da política se fala em economia política, filosofia política, geopolítica. Para lidar com a complexidade que envolve os processos educativos, deve- - se conceber a ideia da articulação entre disciplinas, na medida em que nos colocamos frente a uma realidade que vai além dos conteúdos disciplinares. A interdisciplinaridade tem como vantagem permitir uma visão integral do objeto de estudo, estimulando o surgimento de novas concepções teóricas e metodológicas para a solução dos problemas científicos. Além disso, ela contribui para elevar o potencial teórico das ciências e, portanto, aumentar a sua relevância ante as crescentes demandas de desenvolvimento social. A interdisciplinaridade em psicopedagogia é de grande importância, principalmente, porque ela permite: desenvolver modelos de investigação integradores, com os quais é possível obter um conhecimento mais profundo, objetivo e real da problemática; combinar contribuições de todas as especialidades possíveis de integração, facilitando a elaboração de uma proposta metodológica mais consistente desde o ponto de vista teórico para a análise até a interpretação dos fenômenos sociais; resgatar a realidade excedente que escapa de uma visão unidisciplinar. A dificuldade de delimitar as áreas das disciplinas relacionadas à psicopedagogia, como a psicologia e as ciências da educação, é fruto de um desenvolvimento histórico, já que, ao longo do tempo elas compartilham questões teóricas de interesse comum, metodologias de trabalho similares e intervenções profissionais dentro de um mesmo âmbito. Como muitas outras disciplinas, a psicopedagogia apresenta dimensões diferentes: A dimensão teórica precisa da elaboração de um marco teórico de conhecimento que permita compreender e explicar os diferentes processos de intervenções pedagógicas. 13 A dimensão tecnológica se propõe a elaborar procedimentos, estratégias, modelos e métodos para melhorar a intervenção. A dimensão prática facilita a implementação de práticas psicopedagógicas mais eficazes e satisfatórias. Naturalmente, devemos dizer que a psicopedagogia não existe em estado puro, mas interdisciplinar. Essa aparente fragmentação, por ser composta de várias disciplinas, não impede que a psicopedagogia seja suscetível de investigação científica. Diferentes disciplinas produzem uma pluralidade de saberes, integrando corpos teóricos mais abrangentes e sistemáticos e permitindo, assim, uma compreensão mais completa, porém não acabada, de uma realidade educativa. Se a psicopedagogia trata de dar explicações sobre a aprendizagem humana, ela o faz a partir de contribuições ou conhecimentos de outras ciências, sem as quais seria praticamente impensável como ciência. Por exemplo, se a psicopedagogia dá explicações sociológicas sobre a aprendizagem humana é porque se apoia em conhecimentos sociológicos. Portanto, ela não pode se referir à educação sem, necessariamente, se reportar a outras ciências (pedagogia, filosofia, psicologia, antropologia, sociologia, biologia, entre outras). Fonte: https://blog.psiqueasy.com.br/14 O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO Fonte: https://cincodias.elpais.com/ O processo de ensino e aprendizagem é o eixo principal da psicopedagogia para que seja possível encontrar soluções para as dificuldades no aprender. O ato de investigar esse processo é conhecido como anamnese psicopedagógica. Nesse contexto, o papel do psicopedagogo é o de investigador do processo de ensino e aprendizagem, considerando todos os fatores envolvidos nele. Para Weiss (1992), o diagnóstico psicopedagógico é uma averiguação do que não vai bem com o sujeito em relação ao rendimento escolar esperado. Contudo, a sua realização requer um esclarecimento da queixa pelos pais, pelo próprio sujeito avaliado e pela escola. Alguns fatores envolvidos para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça são a linguagem, a afetividade, a interação familiar, bem como outros fatores que precisam ser compreendidos e avaliados a fim de identificar alguma alteração no processo. Na busca pelo diagnóstico do problema de aprendizagem, Weiss (1992) afirma que todos os aspectos devem ser considerados, favorecendo uma abordagem global da pessoa em suas múltiplas facetas, na tentativa de encontrar todas as possíveis causas do não aprender. Alguns aspectos importantes estão ilustrados na Figura 1. 15 Figura 1: Fatores envolvidos no processo de ensino aprendizagem Fonte: Adaptado de Weiss (1992) Para Bossa (2009), é possível dizer que o diagnóstico psicopedagógico é considerado um processo contínuo, passível de ser reavaliado, em que a ação do psicopedagogo se inicia em uma atitude investigadora e é concluída em uma intervenção. É desejável, portanto, que essa postura investigadora seja mantida pelo profissional ao longo de todo o trabalho, com a intenção de observar o sujeito e de supervisionar as mudanças ocorridas. A realização do diagnóstico de uma pessoa inclui compreendê-la como um ser único e não comparada a outros sujeitos. Ao mesmo tempo, é imprescindível entender essa pessoa como um ser que faz parte de um contexto que influencia e que é 16 influenciado por ele. Dessa forma, a avaliação psicopedagógica segue um estilo ativo, interativo e sequencial, a partir de instrumentos de coletas de múltiplos aspectos enredados nos processos de ensino e aprendizagem. Existem diferentes recursos que podem ser utilizados no processo de investigação da queixa em relação à aprendizagem. Rubinstein (1996) destaca a importância da entrevista com a família, considerando que é com ela que o primeiro vínculo é estabelecido para o início da investigação psicopedagógica. Nesse sentido, Polity (2004) corrobora ao afirmar que a relação com o saber é construída conforme e juntamente com o sistema familiar. Assim, é imprescindível reconhecer se há barreiras existentes nesse processo e buscar proporcionar benefícios aos envolvidos por meio do diagnóstico. Portanto, a participação da família no processo de diagnóstico psicopedagógico é fundamental, particularmente em sessões que tenham como objetivo reconhecer o motivo da consulta para a realização de um diagnóstico. A coleta de dados merece toda atenção, já que essas informações servirão de bússola para a investigação psicopedagógica. Por fim, vale lembrar que a forma como o psicopedagogo acolhe e recebe a família e o aluno impactará na continuidade do processo diagnóstico. Durante a entrevista, é fundamental o registro preciso dos dados coletados, que serão comparados com os dados obtidos em outros momentos do diagnóstico. 3.1 Anamnese: momento do resgate histórico Dando continuidade ao processo de diagnóstico psicopedagógico, a anamnese se apresenta como uma segunda entrevista realizada com os pais dos alunos. O objetivo da sessão de anamnese psicopedagógica é fazer um levantamento da história de vida do aluno, abordando o seu contexto histórico com uma visão do presente, do “aqui e agora”, a fim de reconhecer os aspectos que fazem parte da construção do sujeito. A anamnese deve ser realizada pelo psicopedagogo, que deverá ter em mãos um roteiro para orientar suas perguntas e conduzir a anamnese com maestria, 17 lembrando que não se trata de um inquérito de perguntas e respostas, mas sim de um momento de conversa. O roteiro contribui para que nenhuma etapa da vida do sujeito seja esquecida, e, assim, em outras etapas do diagnóstico, o psicopedagogo poderá recorrer às perguntas e às respostas da anamnese. Para que o diagnóstico seja considerado eficaz, é fundamental colher dados importantes sobre a história do sujeito na família, associando passado, presente e futuro. Assim, a anamnese é um dos pontos principais do processo de investigação psicopedagógica, tendo seu início no conhecimento da história da aprendizagem do aluno, da história da construção da família, até chegar na família atual, com a intenção de correlacionar as informações com possíveis interferências na vida do aluno. Além disso, nesse momento, o psicopedagogo buscará informações sobre o desenvolvimento geral da criança. É questionado sobre a gestação, opções de parto, como se deu as primeiras aprendizagens, como, por exemplo, uso de mamadeira, a idade em que aprendeu a sentar, a engatinhar, a andar, como foi o processo de desfralde e como os pais agiram nesse processo de autonomia (SILVA; SOUSA, 2020). Conforme Pain (1992), saber se as aquisições foram feitas pela criança no momento esperado ou se foram precoces ou tardias possibilita o conhecimento do processo de desenvolvimento da criança investigada. Compreende-se que os primeiros anos de vida da criança representam uma importante etapa, pois se trata do período em que é construída a identidade e que são desenvolvidas estruturas cognitivas, afetivas, sociais e físicas. Além disso, questões sobre a história clínica também são importantes na anamnese, como doenças, diagnósticos e tratamentos; se houve necessidade de internação ou de tratamentos de médio ou longo prazo, atendimentos por especialistas como psicólogos, neurologistas, etc. Para concluir a averiguação, faz-se necessário abranger a história escolar, desde quando a criança começou a frequentar a escola, como foi o primeiro dia de aula, história de frustrações e entusiasmos; o que levou à escolha da escola, se foi necessário mudar de escola, e o que esta apresenta de positivo e de negativo e como contribuiu para o processo de aprendizagem do aluno. Faz-se necessário também investigar a relação da família com a criança, se são pais punitivos, sobre os limites 18 impostos, se são afetivos, se incentivam novas descobertas, se os pais são democráticos ou autoritários, se a autonomia foi estimulada dentro de casa e se a família tem consciência da dificuldade da criança. A relação familiar e a construção do aprendizado (SILVA; SOUSA, 2020). Durante a história de vida da criança contemplarão aspectos do diagnóstico e servirão de embasamento para as outras etapas. Assim, a anamnese não é somente do aprendente, mas da família. E espera-se desse recurso saber sobre as expectativas, a circulação dos afetos e do conhecimento. Além disso, Weiss (1992) destaca que é importante observar a qualidade da fala dos pais e a forma como são produzidas as falas, e não somente a quantidade de informações alcançadas na anamnese. O psicopedagogo poderá enfatizar as inúmeras possibilidades do aprender e despertar a consciência da família de que a aprendizagem pode ir além do que se aprende na sala de aula, pois a aprendizagem, enquanto ação educativa, pode acontecer em casa, a partir do primeiro dia de vida da criança. A criança começa a ser educada quando ela nasce, e é a partir desse momento que se inicia o seu processo de desenvolvimento, no percurso das relações estabelecidas pela convivência familiar (SILVA; SOUSA, 2020). Dessa forma, o psicopedagogo precisa propiciarque o ambiente seja de amparo, favorecendo a construção de uma relação de confiança entre ele e os demais envolvidos, de modo que todos se sintam à vontade para expor tanto seus sentimentos quanto seus pontos de vista e, assim, consigam compreender os aspectos impactantes relacionados à aprendizagem (WEISS, 1992). Todos os dados obtidos na etapa de anamnese precisam ser registrados, pois eles vão contribuir para a formação das hipóteses diagnósticas que justifiquem as dificuldades do aprendente e colaborar para escolha de outros instrumentos. Essas informações coletadas pelo psicopedagogo deverão ser confrontadas com os outros dados do diagnóstico para a conclusão satisfatória do processo. A atuação espontânea, segura e, ao mesmo tempo, flexível e acolhedora do profissional fará toda a diferença na realização do diagnóstico psicopedagógico e, 19 consequentemente, no sucesso do tratamento do aprendente, se isso for necessário (SILVA; SOUSA, 2020). 3.2 Entrevista operativa centrada na aprendizagem Como mais uma parte do diagnóstico psicopedagógico, em que se coletam informações necessárias para elaborar as hipóteses diagnósticas, convém utilizar a entrevista operativa centrada na aprendizagem (EOCA). A EOCA é um instrumento de avaliação da aprendizagem elaborado por Jorge Visca, fundamentado na psicologia social de Pichon-Rivière e no método da escola de Genebra, apresentando-se em forma de entrevista (WEISS, 2004). A EOCA é realizada de forma espontânea, em que o avaliado é exposto a uma caixa com diversos objetos relacionados ao ensino, tais como papel branco e colorido, cola, tesoura, livros, revistas, jogos, lápis de cor, massinha de modelar e outros materiais escolares. Com o aluno diante da caixa, o psicopedagogo fará o seguinte questionamento: “gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram e o que você aprendeu. Esse material é para que você use para me mostrar, caso precise”. Durante a atividade, que deve decorrer livremente, o psicopedagogo fará perguntas como “qual é o significado disso para você?”; “porque você escolheu essa cor, esse jogo?”. Nesse contexto, o avaliador coletará informações conforme o desenvolvimento da atividade, podendo acrescentar novos objetos que motivem a continuidade da entrevista (VISCA, 1994). O objetivo é proporcionar ao aluno avaliado oportunidades de exploração dos materiais para que o psicopedagogo possa observá-lo, centrando sua análise em aspectos como reação, organização, apropriação, imaginação, criatividade, preparação e regras. De forma geral, a observação deve ser direcionada conforme três aspectos: temática, dinâmica e produto, cujas definições serão vistas mais a diante neste texto (WEISS, 2004). O uso da EOCA é baseado na ideia de que a capacidade de conhecer provém da interação do sujeito junto ao meio, demonstrando não as estruturas mentais, mas 20 a forma como o organismo constrói essas estruturas. Nesse sentido, Luz (1994) cita Piaget, que defende que a cognição é um processo universal que favorece ao sujeito epistêmico selecionar, generalizar e representar, por meio de sua ação, as leis que lhe capacitam atuar sobre a realidade. Já na visão socio-histórica, a brincadeira, o jogo são atividades específicas da infância, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. É uma atividade social humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos (VYGOTSKY, 1984). Durante o processo diagnóstico, Oliveira (1993) afirma ser fundamental perceber o aprendente em toda sua singularidade. A partir da realização da entrevista de maneira adequada e por profissionais preparados, será possível conhecer a relação de afeto e de conhecimento que o sujeito tem com os variados objetos escolares e como ele se comporta nessa relação, proporcionando descobertas sobre variadas condutas. Conforme Visca (1987, p. 73), “durante a EOCA é preciso observar no aprendente seus conhecimentos, suas atitudes, mecanismos de defesa, ansiedade, áreas de expressão da conduta, níveis de operatividade, dentre outros”. Ao realizar a EOCA, o profissional de psicopedagogia tem o desígnio de averiguar o modelo de aprendizagem do aluno e, para tanto, é oportuno apreender o que a criança investigada sabe fazer e o que ela já aprendeu a fazer. Nesse contexto, Sampaio (2012) propõe três aspectos que devem ser observados durante a entrevista e que contribuirão para formação de hipóteses em outros momentos, sendo eles: 1. temática — o que é dito, aspecto manifesto e latente; 2. dinâmica — o que é feito, gestos, postura; 3. produto — o que é produzido. 21 Por fim, Visca (1987) sugere que todos os dados obtidos na EOCA precisam ser submetidos a uma verificação mais rigorosa, contribuindo para o próximo passo do processo diagnóstico. Durante a EOCA, o psicopedagogo precisa estar atento para ouvir, perceber e registrar todos os comportamentos observados, portanto, sua conduta e sua postura são extremamente importantes para que a EOCA seja realizada com sucesso. Dessa forma, ao realizar o processo de investigação psicopedagógica, o psicopedagogo precisa ouvir a família e o aprendente, pois somente ao compreender todas as dimensões da queixa será possível realizar uma análise e interpretar de forma adequada a realidade das pessoas envolvidas, para, finalmente, contribuir para a melhoria da aprendizagem, com sugestões de atividades que promovam progresso e também proporcionando o suporte necessário. Ainda, cabe destacar que o processo diagnóstico psicopedagógico precisa ser realizado com ética e profissionalismo. A sua relevância é inquestionável, e, em muitos momentos, são considerados pelos envolvidos como uma intervenção, por isso é fundamental ter cuidado e observar todos os comportamentos e as mudanças que poderão surgir nesse contexto. A investigação, conforme Bossa (2009), permanece em todo o trabalho diagnóstico por meio da escuta psicopedagógica para que se possa identificar os processos e, a partir do observado, determinar a intervenção. Ao pensar na realização do processo de diagnóstico psicopedagógico, é importante entender que esse momento é de fundamental importância para que as estratégias de intervenção possam ser estabelecidas com eficácia. Com isso, o psicopedagogo precisa conhecer e dominar todas as técnicas que podem ser utilizadas no diagnóstico para que a sua atuação seja coerente, profissional e que transmita segurança para os alunos e seus familiares. Todos esses achados passam pelo olhar do psicopedagogo, que, ao analisar os dados advindos desse processo, será capaz de propor novas ações ao processo de diagnóstico, bem como realizar encaminhamentos que se fizerem necessários, como, por exemplo, novas avaliações por parte de outros profissionais para colaborar com o processo e com a definição de técnicas fundamentais para a conclusão satisfatória do diagnóstico. 22 3.3 Testes projetivos O desenho infantil tem sido um meio importante de avaliação e intervenção psicológica e psicopedagógica, já que é uma das principais formas de expressão dessa etapa, permitindo avaliar o desenvolvimento da criança em vários níveis e áreas. Entretanto, o uso do desenho para compreender aspectos subjetivos de um indivíduo, sua personalidade, seu inconsciente e fatores socioemocionais fundamenta-se não no desenho em si, isoladamente, mas no conceito de projeção e, consequentemente, nos métodos e técnicas projetivas (PINTO, 2014). A partir dos primeiros estudos das técnicas projetivas, a psicologia teve acesso ao mundo dos sentidos, significados, padrões e sentimentos revelados por meio dasobras artísticas e literárias, compreendendo aquilo que o sujeito não pode ou não consegue dizer, frequentemente por não se conhecer bem ou por envolver fatores inconscientes. Assim, as técnicas projetivas podem recorrer a desenho, história, poema, teatro, brincadeiras e diferentes formas de expressão e de linguagem (PINTO, 2014). 3.3.1. Conceitos fundamentais dos métodos projetivos As produções realizadas pelos sujeitos, sejam escritas, desenhadas, faladas ou dramatizadas, frente a estímulos diversos, são consideradas expressões da personalidade que podem ser analisadas por diferentes métodos psicológicos, incluindo o projetivo. Embora o termo “projetivo” venha da psicanálise, o termo “métodos projetivos” não engloba apenas métodos de fundamentação psicanalítica, engloba também os métodos que ajudam para acessar as vivências internas, os conflitos e os desejos do sujeito. Os especialistas afirmam que quanto mais a técnica projetiva for livre, não estruturada, ambígua e amorfa, mais criará possibilidades de revelação (projeção) das vivências internas e subconscientes do sujeito, estando mais próximo de expressar seu mundo interior. 23 Por outro lado, quanto mais a técnica for direcionada, com material bem- definido e solicitação precisa, maiores serão as possibilidades de revelação próxima de uma descrição objetiva da realidade externa. Assim, quando o examinador solicita um desenho livre e quando solicita especificamente que se desenhe uma pessoa, por exemplo, ele está avaliando diferentes profundidades e diferentes dimensões psicológicas. (PINTO, 2014). 3.3.2. A técnica do desenho no psicodiagnóstico O grafismo, em especial o desenho, vem sendo utilizado como forma indispensável de comunicação pela criança no psicodiagnóstico, para a qual constitui atividade tão essencial quanto o jogo e o brinquedo. No contexto terapêutico, é um instrumento de contato, investigação e tratamento (VAN KOLCK, 1984). A potência dos movimentos, do traçado e do manejo, a ocupação da folha e até o elemento formal da tarefa podem ser utilizados como suporte para captar a projeção de sentimentos e ideias. As cores também são elementos simbólicos que podem mobilizar e expressar emoções e afetos (PINTO, 2014; HAMMER, 1989). Odette Van Kolck (1984) destaca que o desenho há bastante tempo é utilizado como teste de desenvolvimento mental, de avaliação da personalidade e de aptidões específicas. Para tanto, cada tipo de desenho tem seu objetivo diagnóstico próprio, o qual o examinador deverá avaliar conforme orientação de autores específicos para cada objetivo. Van Kolck (1984) recomenda que, no ato de desenhar, mais do que em outra forma de produção pessoal, estejam presentes e devam ser analisados cuidadosamente: a adaptação — um desenho será considerado em termos de adequação à tarefa solicitada ou proposta, assim como de correspondência de cada protocolo de avaliação conforme o grupo de idade, sexo e eventualmente a patologia; 24 a expressão — analisa-se o estilo peculiar da resposta do sujeito, que se revela através das qualidades propriamente gráficas que dizem respeito mais à forma; a projeção — verifica-se a atribuição de qualidades às situações e objetos, que se denotam no conteúdo e na maneira de tratar o tema. Essas três abordagens se completam, assumindo cada uma delas um papel mais preponderante conforme a situação em que o desenho foi colhido ou executado e a motivação que o determinou. Ainda conforme Van Kolck (1984), as produções gráficas colhidas durante a avaliação psicopedagógica são distribuídas entre dois extremos: o das situações muito estruturadas e o daquelas que apresentam um mínimo de estrutura possível. Essas produções podem ser agrupadas em quatro grandes conjuntos: 1. Cópias de desenhos determinados ou desenhos temáticos com modelo completo: Teste de Prudhommeau, Teste Gestáltico Visomotor de Bender, Teste das Figuras Complexas de Rey. 2. Completar linhas, pontos e desenhos: Testes de Wartegg e Teste de Frank e Rosen. 3. Desenho temático sem modelo, de um tema proposto: Desenho da Figura Humana, Teste da Árvore, Teste da Casa–Árvore–Pessoa, Teste da Família, Desenho do Interior do Corpo, Teste da Garatuja e inúmeros outros. 4. Desenhos atemáticos e pintura a dedos: os desenhos livres e a pintura a dedos, desenvolvidos como técnicas projetivas por vários autores. Em cada um desses conjuntos, desenvolvem-se procedimentos próprios de exploração psicopedagógica, que são numerosos e variados, com níveis diferentes de elaboração e padronização. No entanto, existem alguns pontos básicos que são comuns nos diferentes tipos de testes de desenhos para interpretação e significado. Vejamos a seguir um resumo desses pontos comuns, conforme Van Kolck (1984). 25 3.3.3. Projeção O conceito de projeção é considerado um mecanismo psicológico primitivo, por se manifestar já no início da infância. A projeção inicialmente era um conceito restrito, e acreditava-se que se tratava apenas de um mecanismo de defesa psicológico (PINTO, 2014). Digamos, por exemplo, que uma pessoa tem pensamentos de agredir outra durante uma seleção de emprego. Como forma de proteção (defesa) para não admitir a si próprio como um sujeito hostil, e em vez de lidar com tais pensamentos indesejáveis de forma consciente de si, o indivíduo os projeta de forma inconsciente no outro, e começa a acreditar que o outro é que parece ser agressivo e antipático. No entanto, o desdobramento do termo projeção vai além de projetar em outros aspectos negativos internos. O termo ganha uma compreensão mais precisa, considerando projeção tudo aquilo que o psíquico coloca para fora: seus pensamentos, motivações, desejos e sentimentos, negativos ou positivos, que não conseguem ser facilmente expostos pela fala. Veja o que Freud (1948) diz a respeito: Porém a projeção não é unicamente um meio de defesa. Podemos observá- la também em casos onde não existe conflito. A projeção para o exterior de percepções interiores é um mecanismo primitivo, em que nossas percepções sensoriais se acham também submetidas, e que desempenham um papel essencial em nossa representação do mundo exterior (FREUD, 1948, p. 454). Nessa explicação, percebe-se que a projeção não surge apenas em conflitos; na verdade, vai sendo utilizada para explicar eventos acontecidos na nossa vida quotidiana, visto que ocupa um papel importante em nossa representação do mundo exterior. Os estudos de projeção podem ser classificados em: Projeção catártica — quando a pessoa não reconhece como próprios os sentimentos e as ideias expressadas e as delega pra outra pessoa ou a fatores externos. 26 Projeção complementar — quando se atribui valor de causalidade às características próprias como podem ser as superstições. Projeção especular — quando o sujeito espelha comportamentos de outra pessoa. A interpretação dependerá de experiências de vida, crenças, valores, personalidade e do ângulo pessimista ou otimista, de gratidão ou insatisfação, do sujeito, e de como enxerga as situações com que se depara (PINTO, 2014). 3.3.4. Aspectos básicos O desenho, seja ele qual for, representa o sujeito, enquanto a folha de papel representa o ambiente. Cabe compreender como e de que forma o sujeito se encontra no ambiente (nas situações sociais). Posição da folha: A posição em que a folha é entregue ao sujeito representa como o ambiente é imposto a ele e como ele o manipula. Se o sujeito fizer um mero ajeitamento na folha, então não há nada a considerar nesse aspecto; porém, se o sujeito modificar a posição em que o papel lhe foi entregue (da posição vertical para horizontal ou vice-versa), isso pode representar liberdade em relação ao ambiente, espírito curioso e cheio de iniciativa.No entanto, modificações muito radicais na posição da folha também podem representar oposição ao ambiente e negativismo. Localização na página O lugar da folha em que o sujeito faz seu desenho mostra sua orientação geral no ambiente e consigo próprio: Centro: um desenho realizado no centro da folha representa pessoa centrada em si mesma, autodirigida, segura, autovalorizada, que tem comportamento adaptativo. 27 Canto superior direito: representa contato ativo com a realidade, projetos para o futuro, podendo também expressar rebelião e ataque. Canto inferior direito: representa sujeito submetido à força dos desejos, impulsos, obstinação e teimosia. Canto inferior esquerdo: representa conflitos, egoísmo, regressão, fixação em estágio primitivo. Canto superior esquerdo: mostra passividade, atitude de expectativa diante da vida, desejo de retornar ao passado ou permanecer em fantasia. Há ainda outras localizações na folha que sugerem interpretações próprias, como desenho na diagonal, na metade superior e inferior, esquerda e direita, mas couberam aqui apenas alguns exemplos. Tamanho em relação à folha: O tamanho do desenho em relação à folha representa o quanto o sujeito se valoriza diante do ambiente e o quanto ele reage diante das pressões. Um desenho muito grande pode representar supervalorização de si mesmo e reação de agressividade em relação às pressões, enquanto um desenho muito pequeno pode representar que o sujeito se sente inferior e inadequado. Existem ainda os extremos nos protocolos de interpretação, cujos significados também variam: muito grande saindo do papel, muito grande, grande, médio, pequeno, muito pequeno. Ademais, há estudos que ainda relacionam o tamanho do desenho com graus de ansiedade e depressão. Qualidade do grafismo: O tipo de linha (grossa, média ou fina) e a qualidade do traçado (contínuo, interrompido, com avanços e recuos, ou trêmulo) representam desde a manifestação 28 de energia, vitalidade, iniciativa, decisão, até outras representações, como medo, insegurança, sentimento de incapacidade e timidez. A PSICOPEDAGOGIA E OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Fonte: https://institutoneurosaber.com.br/ Tanto Pain (1985) quanto Fernández (1991) ressaltam a importância de realizar uma entrevista com a família da criança. Os objetivos dessa entrevista são: obter informações sobre como colaborar com o professor e explicar a situação do filho; obter informações sobre a situação familiar, como se convive com a problemática, as estratégias de intervenção utilizadas; explicar o que a escola tem feito diante da problemática; e, finalmente, solicitar colaboração. Na entrevista, Pain (1985) entende que deverão ser indagados os seguintes aspectos: o significado do sintoma na família, o significado do sintoma para a família e as expectativas que a família tem em relação à intervenção psicopedagógica. 29 4.1 O significado do sintoma na família Trata-se de detectar se o “problema” apresentado pela criança é um problema do grupo à qual pertence. Deve-se, portanto, levar em conta a versão familiar acerca da “problemática” da criança. Interessa entender os significantes de linguagem que a família utiliza que podem expressar um conteúdo importante. Por exemplo, Pain (1985) menciona que na frase “meu filho não aprende, mas ele é muito esperto”, podemos observar que a mãe discrimina a sua relação com a criança e a entende como um sujeito independente. Outros casos são aqueles em que se mantém de modo secreto. Pain (1985) cita como exemplo as crianças adotadas, as que nasceram fora do vínculo matrimonial ou após uma tentativa de aborto. São situações que, às vezes, são acobertadas e que podem ser a causa do não aprender. 4.2 O significado do sintoma para a família Refere-se à imagem que os pais têm das causas e dos motivos que levaram ao problema e os mecanismos postos a serviço da defesa contra a exclusão social que tal problema provoca (PAIN, 1985). O psicopedagogo deverá se atentar ao que a família pensa sobre as causas dos distúrbios de aprendizagem e quais são as suas consequências. Isso dependerá do lugar que a aprendizagem ocupa no grupo familiar, e não apenas na classe social a que o sujeito pertence. Os pais podem atribuir os distúrbios às “dificuldades” exclusivas da criança, à instituição educativa ou até́ mesmo se responsabilizarem e se sentirem culpados pelos distúrbios da criança. 4.3 A Família e a intervenção psicopedagógica Há casos em que a família espera que o psicopedagogo diga o que se passa com a criança. No diagnóstico, os pais esperam saber se as crianças não podem ou não querem aprender; a causa dos distúrbios; como podem proceder; se é necessário mudar de escola; se tem cura etc. 30 Nesse sentido, Pain (1985) sugere uma segunda entrevista com a família para indagar sobre a história de vida da criança. Essa história é muito importante para o diagnóstico dos distúrbios, uma vez que proverá uma série de dados relativamente objetivos vinculados às condições atuais do problema e, ao mesmo tempo permitirá detectar o grau de individualização que a criança tem com os pais. Para iniciar a história de vida, o psicopedagogo deverá começar a indagar sobre os antecedentes natais, ou seja, sobre os aspectos relacionados às condições da criança e da sua mãe desde a gestação até o nascimento. Os antecedentes natais se subdividem em: pré-natais, perinatais e pós-natais. 4.4 Causas pré-natais Tem a ver com as condições de gestação e as expectativas familiares quanto à chegada da criança. Certamente, durante a gravidez podem ocorrer vários fatos que afetam o sistema nervoso central do feto. As enfermidades que a mãe contrai, as intoxicações, a higiene e a nutrição durante a gravidez têm consequências sobre o desenvolvimento do nascituro. Recentemente, a grande preocupação tem sido quanto às crianças expostas “pré-natalmente” às drogas, incluindo as drogas legais como o álcool, o cigarro e os remédios. 4.5 Causas perinatais Referem-se às circunstâncias do parto, principalmente aquelas que podem trazer sofrimento ou lesão ao feto. Desde muito tempo, sabe-se que as crianças nascidas prematuramente têm maior tendência a problemas de desenvolvimento do que as crianças que nascem no tempo certo. Muitas crianças prematuras, no entanto, não experimentam dificuldades. Durante o nascimento, também podem ocorrer problemas que reduzam o fluxo de oxigênio do cérebro, como quando a criança nasce com o cordão umbilical enrolado ao pescoço. Felizmente, a tecnologia moderna tem contribuído para reduzir esses casos. Falta de dilatação, postergação de parto cesárea, o uso de manobras ou pinças, feridas ou acidentes ocorridos durante o nascimento podem ocasionar algum 31 dano cerebral – o que resultará em posteriores distúrbios de aprendizagem. 4.6 Causas pós-natais Existem vários fatores pós-natais que podem prejudicar o sistema nervoso central; entre eles, febres muito altas com convulsões, doenças como encefalite e as feridas na cabeça provocadas por acidentes. Uma criança desnutrida pode ter um desenvolvimento cerebral deficiente. Alguns fatores pós-natais podem causar distúrbios de aprendizagem, mesmo quando não há danos no sistema nervoso central. Há outros motivos pelos quais algumas crianças ingressam na escola sem terem sido expostas a conceitos e materiais com os quais as demais crianças já se encontram familiarizadas. Talvez a família não disponha de meios econômicos para promover essa exposição ou talvez os pais também possuam distúrbios de aprendizagem e nunca tenhamrecebido ajuda na escola. Por essa razão, não sabem como ajudar seus filhos. Existem outros aspectos a indagar aos pais sobre a história de vida das crianças, como as doenças, o desenvolvimento e a aprendizagem. 4.7 As doenças Principalmente aquelas relacionadas à atividade nervosa superior, interessa saber o tempo que durou a doença, se a criança teve algum membro engessado e se lesionou algum órgão ou inibiu o seu desenvolvimento. É importante conhecer as doenças psicossomáticas, seu surgimento e sua recuperação. Isto é, doenças envolvendo vômitos, bronquite asmática, diarreias, cefaleias etc. O estado físico da criança também deverá ser levado em consideração. Avaliar se a condição física é compatível com a idade; as habilidades manuais; a disposição para esportes; o peso; a altura; as possibilidades e limitações em relação ao corpo, especialmente aos órgãos dos sentidos. 32 4.8 O desenvolvimento Nesse caso, interessa estabelecer se as aquisições foram feitas pela criança no tempo esperado ou se, ao contrário, aconteceram de forma precoce ou atrasada (PAIN, 1985). Conhecer a idade em que a criança começou a andar independentemente, a falar, a pedir para solucionar suas necessidades e desde qual idade realiza sozinha suas atividades. Interessa, ainda, outras características de sua independência, como a alimentação, o sono etc. 4.9 A aprendizagem Nesse caso, seria conveniente o psicopedagogo indagar aos pais as modalidades de aprendizagem da criança. A modalidade de aprendizagem é a maneira pessoal para apreender um conhecimento (FERNÁNDEZ, 1991). A modalidade de aprendizagem se constrói desde o nascimento, de acordo com Fernández, e, por meio dela, enfrentamos a angústia inerente ao conhecer- desconhecer. A estrutura intelectual tende a um equilíbrio para estruturar a realidade e sistematizá-la por meio de movimentos. São os processos de assimilação e acomodação descritos por Piaget. Conforme já vimos, segundo Piaget (2005), a assimilação consiste na internalização de um objeto ou evento em uma estrutura comportamental e cognitiva pré- definida. Por exemplo, a criança usa um objeto para realizar uma atividade que pré-existe em seu repertório motor ou para decodificar um novo evento com base em experiências e elementos que ela já conhece (um bebê que tem um novo objeto e leva- o à boca; pegar e levá-lo à boca são atividades praticamente inatas, que agora são utilizadas para um novo objetivo). Já a acomodação implica uma modificação da atual organização em resposta às demandas do meio. No exemplo dado, se o objeto é difícil de ser pego, o bebê deverá modificar os modos de apreensão desse objeto. Por meio da assimilação e da acomodação, o sujeito vai cognitivamente reestruturando a sua aprendizagem ao longo do desenvolvimento (reestruturação cognitiva). Uma adaptação inteligente 33 seriam os processos de assimilação e acomodação equilibrados, ou seja, não haveria o predomínio excessivo de um sobre o outro. Nos distúrbios de aprendizagem existem perturbações no nível desses processos, na inibição deles, ocorrendo o predomínio de um dos momentos sobre o outro e impedindo-se a integração que possibilita a aprendizagem (PAIN, 1985). Como a escola e a família devem agir diante dos distúrbios de aprendizagem Família e escola duas das instituições mais relevantes da vida durante os anos de infância e de adolescência. Cada criança é membro de sua família, que possui uma configuração única em sua estrutura e em suas relações, e que está ancorada em sua própria história cultural e social. Simultaneamente, essa criança é membro de uma classe escolar que também tem sua própria e única estrutura ancorada em uma matriz de complexas estruturas mais amplas. A instituição da família ocupa um lugar importante no processo de aprendizagem, e desta dependerá, em grande parte, o lugar que a aprendizagem ocupará na vida da criança. Nesse sentido, os recursos com os quais a família conta também incidirão, de alguma forma, no processo de aprendizagem da criança. Por exemplo, se a família vive em uma situação de vulnerabilidade socioeconômica, em que as necessidades básicas não são satisfeitas, evidentemente, a aprendizagem não ocupará um lugar central. Isso coincide com Pain (1985), já que, em um contexto vulnerável, não há condições favoráveis para o desenvolvimento sadio de um processo de aprendizagem e um melhor aproveitamento da experiência. Quando os pais recebem o diagnóstico de que o filho possui um distúrbio de aprendizagem, eles não sabem como agir. Vários pais investem muita energia emocional, tempo e dinheiro tratando de determinar a causa e a cura para os distúrbios de aprendizagem. Mas a diferença entre as dificuldades de aprendizagem e os distúrbios de aprendizagem é que estes últimos não podem ser curados. A mudança que deve ser feita é a identificação das formas com as quais a criança aprende melhor e as estratégias de ensino e os materiais de ensino que funcionam para ela. 34 A seguir, são apresentados alguns conselhos que podem ajudar os pais a proceder de maneira que o filho se sinta apoiado e motivado a aprender, apesar das dificuldades que enfrenta: a) aprender mais sobre os distúrbios de aprendizagem. Quanto mais a família souber, mais poderá ajudar a si mesma e ao seu filho; b) elogiar o filho quando ele vai bem. As crianças com distúrbios de aprendizagem se saem bem em uma variedade de tarefas. Os pais devem averiguar o que o filho gosta de fazer: dançar, jogar futebol, trabalhar com computadores. Dar bastante oportunidades a ele para perceber seus talentos; c) averiguar como o filho aprende melhor. Ele aprende por meio de experiências práticas ou por meio de escuta e da visão. Ajudá-lo a aprender por meio de suas áreas fortes; d) deixar o filho ajudar em tarefas domésticas. Estas podem aumentar sua confiança. Os pais podem dar instruções simples, dividindo as tarefas em passos pequenos, e recompensando os esforços do filho com elogios; e) ter as tarefas escolares como uma prioridade; f) dar atenção à saúde mental do filho. Os pais devem estar dispostos a receber conselhos que podem ajudar o filho a tratar das frustrações, sentir-se melhor acerca de si mesmo e aprender mais sobre as habilidades sociais; g) falar com outros pais cujos filhos têm distúrbios de aprendizagem. Os pais podem compartilhar conselhos práticos e apoio emocional; h) estabelecer uma relação de trabalho positiva com o professor do filho. Por meio da comunicação regular, pode-se trocar informações sobre o progresso da criança em casa e na escola. Uma intervenção família-escola se faz necessária para assistir ambos os sistemas em uma atitude colaborativa para resolver problemas mútuos, comuns, atitude que envolve mudar a maneira de pensar, entender ou definir o problema, examinar as crenças que sustentam determinada conduta e refletir sobre o que foi feito, ou será feito, a respeito. Quando o psicopedagogo trabalha com a cooperação entre família e escola, têm-se uma alta melhoria dos resultados acadêmicos da 35 criança. Por sua vez, a melhoria do desempenho escolar, muitas vezes, é acompanhada por uma melhoria das habilidades sociais e da mudança de status (hierarquia) pessoal e grupal. AFETIVIDADE NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Fonte: https://theearlychildhoodacademy.com/ A afetividade é um dos aspectos que direcionam o desenvolvimento do indivíduo e o caráter de sua dinâmica comportamental. Assim, podemos dizer que a afetividade seria uma capacidade que permite converter em experiência interna qualquer conteúdoda consciência. Em outras palavras, é a capacidade de re- ação que o sujeito apresenta ante estímulos provenientes do meio interno ou externo e cujas principais manifestações são os sentimentos e as emoções. Ela sempre se produz em um quadro interativo, ou seja, quem sente afeto por alguém é porque, também, da parte do outro, recebe o mesmo afeto. Esta é uma das 36 paixões da nossa mente, é a inclinação que manifestamos em direção a algo ou alguém, especialmente de amor ou de carinho. Existem quatro características básicas que nos permitem definir afetividade: a) trata-se de um estado subjetivo, pessoal, interior, em que o protagonista é o próprio indivíduo; b) trata-se de algo experimentado pessoalmente pelo sujeito que o vivencia; c) tem três expressões: emoções, sentimentos e paixões. Manifesta-se pelo esta- do de espírito, que é o afeto fundamental ou humor dominante; d) toda experiência tem uma manifestação afetiva e deixa um impacto que persiste na história de vida do indivíduo. As qualidades mais específicas da afetividade implicam o reconhecimento de um duplo aspecto, o psíquico e o orgânico, admitindo, assim, a intervenção de ambas dimensões da natureza humana. Tais aspectos definem em sua interação, três estados afetivos básicos: os sentimentos dirigidos como o resultado da relação entre o eu e o meio; os estados de consciência que surgem espontaneamente; os sentimentos vitais com uma significação imediata e subjetiva. Geralmente, identificamos e relacionamos o afeto à emoção, mas são fenômenos distintos, ainda que estejam interligados. A emoção é uma resposta individual interna que informa as probabilidades de sobrevivência diante de uma situação. Já o afeto, é um processo de interação social entre duas ou mais pessoas. O afeto envolve a realização de um trabalho não remunerado em benefício do outro: fazer um agrado, visitar um doente, explicar um conceito ou ideia para um colega etc. O afeto é algo que se transfere. As emoções, no entanto, não são dadas; são experimentadas. A afetividade é a necessidade que todo ser humano tem de estabelecer vínculos com outras pessoas. Um clima afetivo adequado constitui um fator de proteção ante possíveis comportamentos de risco. Além disso, uma adequada expressão de afetos ao longo do desenvolvimento evolutivo do sujeito afeta outros fatores de caráter individual, promove o desenvolvimento saudável de autoconceito, autoestima, aceitação pessoal, autoconfiança etc. 37 Ela é essencial em uma intervenção psicopedagógica, uma vez que é um processo de comunicação e unidade de contato interpessoal. Nesse sentido, o psicopedagogo deve ser sensível e identificar os sentimentos, os ritmos e o nível de desenvolvimento do paciente. O psicopedagogo deve estar totalmente presente com e para o paciente. Isso inclui um interesse genuíno com o mundo intrapsíquico e interpessoal do paciente e uma comunicação centrada na atenção, na investigação e na paciência. Esse profissional deve se manter em constante vigilância para proporcionar ao paciente um ambiente e uma relação de segurança e certeza. Para Bleichmar (1999), existem quatro dimensões de estar com o outro: afetiva, cognitiva, instrumental e corporal, e a relação analítica se reduz às três primeiras. A relação analítica está marcada pelo conteúdo e pelo ritmo da afetividade, por um trabalho compartilhado (aliança de trabalho), por uma consonância ou dissonância de estilos cognitivos. Tudo isso afeta a possibilidade de que se produza um sentimento de intimidade. A relação psicopedagogo-paciente ocorre não só através de palavras, mas da entonação da voz, de gestos, de atitudes latentes etc. Entre paciente e psicopedagogo se produz uma mútua comunicação não verbal, emocional, que leva a momentos de sintonia e de ruptura de sintonia, de desconexão, que são sempre produto não só do que foi dito, mas do que foi transmitido por canais não verbais. Através da sensibilidade às necessidades relacionais ou expressão fisiológica das emoções, o psicopedagogo orienta o paciente a perceber e a expressar as suas necessidades e os sentimentos. Para que a afetividade entre o paciente e o psicopedagogo aconteça, é fundamental que este tome algumas atitudes básicas: aceitação positiva incondicional: fundamenta-se na crença de que cada pessoa é diferente, singular. Isso supõe uma abertura da mente ao cultural, social etc. Nesse sentido, deve aceitá-la sem julgar suas condições; compreensão empática: supõe colocar-se no lugar do outro; tratar de captar não só o sentido “objetivo” do que o paciente diz, mas o “subjetivo” também. 38 Essa empatia se expressa através de uma série de habilidades e qualidades, tais como: demonstração de interesse pelo paciente e os seus problemas; compreensão e utilização da linguagem do paciente; entendimento do por que o paciente experimentar determinados sentimentos; reativação dos sentimentos e estabelecimento de relação afetiva através da escuta ativa e da atenção a tudo o que acontece; recapitulação adequada dos elementos da história do paciente; procurar saber perguntar adequadamente e no momento certo, e saber usar sinais extraverbais; autodomínio e paciência para respeitar o ritmo dos entrevistados; identificação com o paciente, sem afetar seu estado emocional; valorização do paciente a ponto de fazê-lo se sentir confiante e motivado. A atitude de sinceridade significa a capacidade de combinar palavras com fatos e com princípios que regem o paciente. O psicopedagogo tem que manter uma relação de autenticidade com ele. A autenticidade se baseia na honestidade pessoal e se expressa através da comunicação verbal e não verbal aberta e trans- parente com os pacientes. Já a atitude de respeito é a consequência lógica da aceitação positiva incondicional e da compreensão empática. Supõe por parte do psicopedagogo que ele reconheça no outro a capacidade de escolha, o direito de tomar suas próprias decisões. A afetividade se faz presente quando o comportamento e a comunicação do psicopedagogo a todo o momento respeita e reforça a integridade do paciente. Nesse sentido, mais do que a comunicação verbal, a afetividade é essencial para uma comunhão entre o paciente e o psicopedagogo. 39 A FUNÇÃO PREVENTIVA E CURATIVA DA PSICOPEDAGOGIA Fonte: https://phillospsicopedagogia.com.br/ Como se sabe, a psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, ou melhor, de tudo que está relacionado à aprendizagem humana: como o ser humano aprende; como a aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores; o que leva esse ser humano a aprender; o que leva o ser humano a não aprender; como e por que ocorrem distúrbios de aprendizagem; como re- conhecer esses distúrbios e tratá-los; o que fazer para prevenir e para promover processos de aprendizagem que sejam significativos para os estudantes. A psicopedagogia possui duas vertentes: curativa ou terapêutica e a preventiva. Na vertente curativa ou terapêutica, ela se desenvolve na maioria das vezes em consultórios, tendo uma conotação clínica, geralmente individual, embora hoje as práticas individuais tenham sido repensadas, cedendo espaço a práticas grupais. 40 As bases de intervenção curativa psicopedagógica se fundamentam em diferentes teorias. Podem ser: de base behaviorista: corrente de pensamento relativa às posições inatistas e especulativas sobre o conteúdo da mente humana e que concede especial importância à influência do meio. Considera-se como fundador desta corrente o americanoJohn B. Watson; de base cognitivista: corrente cujo objeto de estudo é saber como a mente interpreta, processa e armazena a informação na memória. Tal corrente é apoiada principalmente nas contribuições de Jean Piaget; resultante das postulações da chamada epistemologia convergente: corrente segundo a qual o homem assume uma posição de destaque, o “homem em situação”, suscetível a uma abordagem multidimensional. Essa corrente foi proposta por Jorge Visca. Tendo em vista essas, ou outras teorias, a vertente curativa tem como função descobrir e “curar” as causas que levam o aluno a não aprender. Por isso, geralmente a psicopedagogia curativa é individual, uma vez que o psicopedagogo irá observar o educando, identificar, analisar, planejar, intervir em suas dificuldades através das etapas de diagnóstico e tratamento e utilizando técnicas apropriadas para cada caso. O psicopedagogo curativo irá tratar o problema de aprendizagem do aluno, reintegrando-o e readaptando-o à situação de sala de aula. Suas necessidades e ritmos serão respeitados. Tal orientação tem como objetivo o desenvolvimento das funções cognitivas integradas ao afetivo, de forma a desbloquear e a canalizar no aluno a aprendizagem de conceitos de acordo com os objetivos da aprendizagem formal (Bossa, 2011). A prática psicopedagógica curativa não é realizada somente em consultórios, mas também em hospitais de atendimento psicológico ou psiquiátrico e mesmo em hospitais gerais. Ou ainda, em instituições que mantêm serviços de atendi- mento psicopedagógico às crianças provenientes de comunidades. 41 Já a psicopedagogia preventiva, diferentemente da curativa, é uma prática que busca evitar que dificuldades de aprendizagem ocorram. Ela toma como base a observação e a análise de uma situação concreta, reconhecendo os obstáculos e os elementos que podem facilitar a aprendizagem. Possui como semelhança em relação à psicopedagogia curativa, o fato de ela também poder ser desenvolvida de forma individual ou em grupo. Essa vertente cria estratégias, juntamente com a escola, procurando atenuar ou evitar os problemas de aprendizagem. Por isso, ela pode ter, na escola, diferentes formas de intervenção (Fagali; Vale, 1993): auxiliar na releitura e na reelaboração das propostas curriculares de acordo com as capacidades dos alunos; desenvolver atividades que ampliem os variados modos de trabalhar conteúdo programático; criar materiais, textos e livro para o uso próprio do aluno. O psicopedagogo preventivo irá realizar um trabalho na escola para que esta seja capaz de reconhecer e respeitar as dificuldades do aluno, ajudando-o a superá-las. Nesta intervenção, a escola é compreendida como um espaço físico e psíquico de aprendizagem. Tal espaço pode possibilitar a aquisição de conhecimento ou levar o aluno ao fracasso escolar. Junto a pedagogos, orientadores e professores, o psicopedagogo preventivo irá atuar como um assessor, participando do planejamento escolar e elaborando propostas pedagógicas pertinentes. Sua função é trabalhar as questões relacionadas aos vínculos professor-aluno e redefinir metodologias, incorporando afetivo e cognitivo (Fagali; Vale, 1993). O psicopedagogo preventivo deve tomar a escola de maneira abrangente, observando não apenas procedimentos pedagógicos, mas relacionais e socioculturais, ou seja, levando em consideração toda a comunidade escolar. Tanto na intervenção curativa quanto na preventiva, o psicopedagogo deverá ter um “olhar clínico”, realizando um diagnóstico preciso. Assim como na medicina, deve- se observar o paciente, olhá-lo, capturar suas representações, suas percepções, seus 42 desejos, seus sentimentos sobre o que acontece, sobre suas práticas, e a partir daí realizar o diagnóstico e proceder o tratamento. Na instituição escolar, podemos identificar as duas vertentes do trabalho psico- pedagógico: a curativa, destinada a um sujeito ou grupos de alunos que apresentam dificuldades escolares, procurando reintegrá-los ou readaptá-los à situação de sala de aula, respeitando suas necessidades e ritmos; e a preventiva, trabalhando junto a pedagogos, orientadores e professores, auxiliando na organização de condições de aprendizagem de modo integrado e conforme as capacidades dos alunos. 6.1 O trabalho pedagógico na escola Na escola, na maior parte dos casos, não é possível determinar as causas dos distúrbios de aprendizagem. Quando uma criança é detectada com distúrbio de aprendizagem, ela já está na escola. Isso porque a escola se concentra naquelas tarefas que podem ser difíceis para a criança – ler, escrever, fazer cálculos, escutar, falar. Os professores e pais observam que a criança não está aprendendo como se esperava. É possível que a escola solicite uma avaliação para ver qual é a causa do problema. Os pais também podem solicitar uma avaliação. É fundamental que o professor fale com especialistas em sua escola (por exemplo, professores da educação especial, psicopedagogos) sobre métodos para ensinar a criança que possui distúrbio de aprendizagem. Ele deve proporcionar instrução e acomodações para que o aluno portador de necessidades educacionais especiais se sinta motivado a aprender. O professor pode: a) dividir tarefas em etapas menores e proporcionar instruções verbais e por escrito; b) proporcionar ao aluno mais tempo para completar o trabalho escolar e provas; c) deixar que o aluno com distúrbio na escrita use um computador com programas especializados que revisem a ortografia, a gramática e reconheçam a fala; 43 d) deixar que o aluno com distúrbio na escuta peça notas de outros alunos ou que use um gravador; e) ensinar habilidades de organização, de estudo, e estratégias para a aprendizagem. Isso ajuda a todos os alunos, principalmente aqueles com distúrbios de aprendizagem. Com trabalho duro e a ajuda apropriada, as crianças com distúrbios de aprendizagem podem aprender mais fácil e com êxito. Para as crianças em idade escolar (incluindo as crianças pré-escolares), os serviços de educação especial e serviços relacionados são fontes de ajuda importantes. As Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) auxiliam a maioria dos alunos com distúrbios de aprendizagem. A tecnologia também pode ajudar muitos alunos a superarem seus problemas de aprendizagem. Nesse processo, podem ser utilizados tanto equipamentos de “baixa tecnologia”, como gravadores, quanto ferramentas de “alta tecnologia”, como máquinas de leitura (que leem livros em voz alta) e sistemas de reconhecimento de voz (que permitem ao aluno escrever por meio da fala dita ao computador). O que acontece com a criança na escola pode ter efeitos na família ou vice- - versa. Por isso, o contexto de trabalho do psicopedagogo sempre envolve estas duas instituições: família e escola, uma vez que qualquer mudança em uma delas afetará a outra. Assim, o psicopedagogo assumirá o papel de facilitador, de “conector”, envolvendo profissionais e familiares (e, eventualmente, a comunidade) para manter uma comunicação aberta e fluida. BIBLIOGRAFIA BLEICHMAR, H. (1999) Del apego al deseo de intimidad: las angustias del desencuentro. Disponível em: <http://www.aperturas.org> Acesso em: 04 abr. 2022. BOSSA, N. A. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2009. 44 BOSSA, N. A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 4ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2011. FAGALI, Eloísa Quadros; VALE, Zélia Del Rio do. Psicopedagogia institucional aplicada: aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1993. FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada.
Compartilhar