Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • INTRODUÇÃO INFECÇÕES A infecção do trato urinário(ITU) é definida como a presença de microorganismo patogênico detectado na urina, na uretra, na bexiga, no rim ou na próstata. Na maioria das vezes, o crescimento de mais de 105 colônias de microorganismos/mL de urina coletada indica infecção. Em alguns casos, a ausência de bacteriúria não afasta seu diagnóstico. Em casos de punção suprapúbica e cateterização da bexiga, a presença de 102 a 104 colônias/mL já indica infecção. No entanto, casos de crescimento de múltiplos microorganismos, ou ainda crescimento superior a 105 colônias/mL podem indicar contaminação da amostra. As ITU podem ser divididas em duas categorias anatômicas: infecções do trato urinário baixo (cistites, uretrites e prostatites) e infecções do trato urinário alto (pielonefrites e abscessos perinefréticos). As ITU podem ainda ser divididas em relação à presença ou não de cateter e também podem ser sintomáticas ou assintomáticas. A ITU é classificada como não complicada quando ocorre em paciente com estrutura e função do trato urinário normal e é adquirida na comunidade. As ITU complicadas são associadas a algumas condições como: causas obstrutivas (hipertrofia prostática b e n i g n a , l i t í a s e , e s t e n o s e d a j u n ç ã o ureterpiélica), alterações anatomofuncionais (bexiga neurogênica, refluxo vesicoureteral, nefrocalcinose, divertículos vesicais) e a presença de sonda vesical de demora, cateter duplo J ou derivações ileais. Doenças sistêmicas do hospedeiro, como insuficiência renal crônica, diabetes mellitus e transplante renal, também recebem a classificação de ITU complicada. Infecções que recorrem após o tratamento com antibiótico podem ser devidas à persistência da infecção, até duas semanas do tratamento anterior, ou reinfecção. Considera-se reinfecção quando a recorrência é causada por uma cepa bacteriana diferente daquela que causou a infecção inicial e recidiva quando se trata da mesma cepa, que teria persistido em um foco no trato urinário. No entanto, como frequentemente a flora fecal serve como reservatório para uropatógenos, muitas vezes é difícil determinar se, de fato, houve recidiva ou reinfecção pelo mesmo agente. A importância dessa distinção é grande, já que a recidiva demanda avaliação urológica. No caso de homens com cistites recorrentes, deve-se pesquisar o diagnóstico de prostatite. • DADOS EPIDEMIOLÓGICOS Infecção do trato urinário (ITU) é a infecção bacteriana mais comum na espécie humana, representando cerca de 5% das consultas ambulatoriais em hospital geral. As ITU são mais prevalentes em crianças de até 6 anos de idade, mulheres jovens com vida sexual ativa e idosos. Na infância, ITU é mais frequente no sexo masculino até o primeiro ano de vida, devido ao maior número de malformações congênitas, principalmente da válvula de uretra posterior. Após o primeiro ano de vida, a frequência aumenta no sexo feminino, chegando a uma proporção de 10 a 20:1. Quase 50% das mulheres terão pelo menos um episódio de ITU ao longo da vida. Dessas, 20 a 30% terão infecções urinárias de repetição, a maioria cistites. A maior susceptibilidade das mulheres à ITU deve-se à uretra mais curta e à sua proximidade com o intróito vaginal. A prevalência de ITU aumenta substancialmente com a idade, tanto em homens como em mulheres. Nessa fase, a partir da quinta e sexta década de vida, a presença de prostatismo torna os homens mais susceptíveis a ITU. A presença de bacteriúria assintomática é comum em idosos, com prevalência de 40 a 50% em alguns estudos. • ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA As ITU são geralmente causadas por bactérias gram- negativas originárias da flora intestinal. A Esche- richia coli é o agente em aproximadamente 80% das in- fecções agudas em pacientes sem cateteres e sem altera- ções urológicas. Outros agentes gram-negativos Klebsiella sp., Proteus sp., e Enterobacter sp. são respon- sáveis por uma proporção pequena de infecções não complicadas. Esses microorganismos, acompanhados de Pseudomonas APG 15 Infecções do Trato Urinário Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 sp. e Serratia marcescences, apresentam maior importância em infecções associadas a presença de cateteres, manipulação urológica, cálculos ou obs- trução urinária. Proteus sp., pela produção de urease, e Klebsiella sp., pela produção de matriz extracelular e polissacárides, predispõem a formação de cálculos e são isolados mais freqüentemente em pacientes com litíase. Cocos gram-positivos apresentam papel de menor importância nas infecções do trato urinário. Entretan- to, o Staphylococcus saprophyticus, um agente coagulase negativo, é a segunda causa de infecção aguda em mu- lheres jovens. Os enterococos ocasionalmente causam cistite não complicada em mulheres jovens. A presença de S. aureus deve levar à suspeita de bacteremia como causa da ITU. Aproximadamente um terço das mulheres jovens com quadro de disúria e urgência apresenta número não significante de bactérias ou urina estéril, sendo, en- tão, diagnosticadas como com síndrome uretral. Em al- guns casos, germes menos freqüentes, como Chamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Neisseria gonor- rhoeae e herpes vírus podem ser responsáveis pelo qua- dro. O intróito vaginal e a uretra distal são normalmen- te colonizados por lacotobacilos, streptococcos e estafi- lococos, mas não por bacilos gram negativos entéricos. Em mulheres predispostas ao desenvolvimento de cisti- tes, microorganismos entéricos colonizam a uretra e, a partir daí, podem atingir a bexiga. Na maioria das infec- ções, as bactérias entram na bexiga através da uretra, e a partir daí podem ascender ao parênquima renal. Além da via ascendente, a via hematogênica tam- b é m é r e s p o n s á v e l p o r p a r t e d a s I T U , principalmente em pacientes que apresentam obstrução intra ou extra- renal ao fluxo urinário. As ITU dependem basicamente da virulência bacte- riana e de fatores predisponentes do hospedeiro. - Virulência Bacteriana A virulência bacteriana é determinada pela capacidade de adesão da bactéria à camada mucosa ou à célula urotelial. A adesão de enterobactérias é particularmente importante em casos de cistites recorrentes, pielonefrites em pacientes com trato urinário anatomicamente normal e infecções relacionadas a cateteres vesicais de demora. A virulência bacteriana e, por conseguinte, a adesão bacteriana ao trato urinário, depende da produção de substâncias ou da presença de algumas estruturas, como: flagelo, ou antígeno “H” (responsáveis pela motilidade); produção de hemolisina (que induz a formação de poros na membrana celular); produção de aerobactina (responsável pela aquisição de ferro); produção de urease (levando à formação de amonium e alcalinização da urina, promovendo a precipitação de fosfato, carbonato e magnésio e, assim, a formação do cálculo de estruvita); cápsula, ou antígeno “K” (conferindo resistência à fagocitose); e polissacarídeos, ou antígeno “O” (determinantes antigênicos). Também as fímbrias, ou pili, são responsáveis pela interação entre adesinas bacterianas e componentes da célula epitelial, garantindo uma ligação irreversível entre essas células. As fímbrias podem ser de dois tipos: tipo I, ou manose-sensíveis, que se ligam à manose ou à proteína de Tamm-Horsfall, e tipo II, ou manose-resistentes, que se ligam ao digalactosídeo P, determinante de grupo sanguíneo importante na susceptibilidade populacional à infecção. - C o n d i ç õ e s p r e d i s p o n e n t e s d o hospedeiro √ Gênero e atividade sexual A uretra feminina é particularmente susceptível à colonização por bacilos gram-negativos devido a sua proximidade com o ânus, seu tamanho mais curto, de aproximadamente 4 cm, e sua terminação próxima ao intróito vaginal. A atividade sexualpode introduzir a bactéria na bexiga e é frequentemente relacionada ao início de sintomas de cistite. O uso de geléia espermicida altera dramaticamente o pH e a flora do intróito vaginal e está associado ao aumento da colonização por E. coli e da incidência de cistites. Em homens, prostatite e obstrução uretral por hipertrofia prostática são fatores que predispõe a bacteriúria. O intercurso anal também está associado a maior probabilidade de cistite em homens. √ Gravidez Infecções do trato urinário são detectadas em 5 a 10% das grávidas. A maioria das infecções é inicialmente assintomática, mas cerca de um quarto a metade dessas evoluem para infecção sintomática se não tratada. Há também maior risco de desenvolvimento de pielonefrite. Os principais fatores que predispõem a grávida à ITU são a modificação da posição da bexiga, o aumento da capacidade vesical devido à redução do tônus vesical, o relaxamento da musculatura lisa da bexiga e do ureter e a dilatação do ureter e da Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 p e l v e r e n a l , q u e f a c i l i t a m o r e f l u x o vesicoureteral. √ Obstrução do trato urinário Qualquer fator que interfira com o fluxo urinário, como litíase, tumor, estenose ou hipertrofia prostática, pode resultar em estase urinária, aumento da proliferação bacteriana e distensão vesical. Infecções de repetição podem ocasionar lesão renal permanente e, portanto, a obstrução deve ser sempre submetida a investigação para determinar a necessidade de correção cirúrgica. √ Bexiga neurogênica A disfunção neuromotora da bexiga que ocorre em lesões da medula espinal, tabes dorsalis, esclerose múltipla, diabetes mellitus e outras doenças, está frequentemente associada à presença de ITU. A estase urinária e o uso de catéteres de drenagem intermitente favorecem a contaminação do trato urinário. Além disso, a frequente imobilização desses pacientes predispõe a aumento da reabsorção óssea, hipercalciúria, nefrolitíase e associação com obstrução e infecções de repetição. √ Refluxo Vesicoureteral A presença de refluxo de urina da bexiga para o ureter e, algumas vezes, para a pelve renal, pode ocorrer durante episódios de infecção urinária, principalmente em crianças. Alterações da junção vesicoureteral podem facilitar esse refluxo durante a micção. Em pacientes com sinais de cicatrizes renais, é importante a realização de cistoureterografia miccional retrógrada para o diagnóstico de refluxo. √ Cateterização urinária A utilização de sondas vesicais de demora predispõe à bacteriúria, geralmente assintomática. A presença de leucocitúria não apresenta boa correlação com ITU nesses pacientes. Algumas bactérias produzem uma matriz de polissacáride que as envolve e as protege das defesas do hospedeiro, além de conferir resistência a alguns antibióticos. Dessa forma, é recomendada a troca de catéteres pelo menos a cada 21 dias. O risco de bacteremia por microorganismos gram-negativos nesses pacientes é aumentado e proporcional ao tempo de cateterização. • QUADRO CLÍNICO O quadro clínico das ITU é bastante variável, mas geralmente os principais sinais e sintomas podem sugerir seu espectro clínico. - CISTITE - também denominada infecção de trato urinário baixo. Caracteriza-se por disúria, geralmente associada a polaciúria, urgência miccional, dor em região suprapúbica e hematúria. Normalmente não está associada a outros sintomas sistêmicos em adultos, com exceção dos idosos, que podem apresentar febre ou hipotermia e alterações do comportamento e/ou do nível da consciência. Seus principais diagnósticos diferenciais são uretrites e vaginites, em mulheres, ou prostatites, em homens. - PIELONEFRITE AGUDA - também denominada de infecção de trato urinário alto, ou nefrite intersticial bacteriana. A pielonefrite aguda não complicada é caracterizada por lombalgia, náuseas ou vômitos, febre (maior que 38oC) e sinal de Giordano positivo (dor a punho percussão em região de loja renal), com ou sem associação de sintomas de cistite. Pode haver superposição entre sintomas de cistite e pielonefrite, mas estudos mostram que lombalgia, febre e náuseas ou vômitos são muito mais frequentes em pacientes com pielonefrite. A distinção entre pielonefrite complicada ou não complicada nem sempre é possível com base na apresentação clínica. Em casos de urolitíase a presença de cólica nefrética e hematúria macroscópica, além de sintomas inespecíficos, como mal-estar, fadiga ou dor abdominal, podem sugerir o diagnóstico de pielonefrite complicada. Embora a maior parte dos casos de pielonefrite, principalmente em pacientes jovens com infecções não complicadas, não apresentem maior gravidade, havendo demora no diagnóstico e no tratamento, há risco de evolução para quadro séptico, disfunção de múltiplos órgãos e sistemas e insuficiência renal aguda. Pacientes com catéteres urinários de demora geralmente não apresentam os mesmos sinais e sintomas de ITU. Estudos mostram que não há diferenças em sinais e s i n t o m a s c l í n i c o s e n t r e p a c i e n t e s cateterizados com ou sem ITU. Entretanto, deve- se investigar ITU sempre que pacientes com catéteres vesicais de longa permanência apresentarem febre, urina leitosa ou outras ma- nifestações sistêmicas compatíveis com infecção, como alteração do nível da consciência, hipotensão, acidose metabólica ou alcalose respiratória. Em crianças, o principal sintoma Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 de ITU pode ser dor abdominal. Neonatos costumam apresentar icterícia fisiológica prolongada, hipertermia, diarréia, vômitos, cianose e, em 30% dos casos, perda de peso e/ou alterações neurológicas. Lactentes costumam manifestar uma ITU com alterações do hábito intestinal, déficit pôndero-estatural, anorexia, vômitos ou febre de etiologia não determinada. Finalmente, na faixa pré-escolar, os sintomas podem ser enurese, disúria, polaciúria ou febre. - Diagnóstico e exames complementares O diagnóstico das ITU é feito com base nos sinais e nos sintomas clínicos apresentados pelo paciente e na análise da amostra de urina, confirmando a presença de leucocitúria significativa e bactérias. Todos os pacientes com quadro clínico de ITU devem ter seu diagnóstico confirmado por meio da análise da urina e da cultura, com exceção de mulheres jovens com leucocitúria confirmada por fitas reagentes ou análise de sedimento urinário, nas quais normalmente não é necessária a realização de culturas. As indicações de cultura urinária em mulheres jovens são: sintomas atípicos, suspeita de infecção complicada, falência terapêutica inicial e sintomas que recorrem em menos de um mês após o tratamento de uma ITU. √ Amostra de urina O método padrão de referência para o diagnóstico de ITU é a coleta de amostra de urina estéril, por intermédio da aspiração suprapúbica da bexiga em indivíduos normais. Entretanto, esse método não é aplicado na prática clínica, e a urina é normalmente coletada após micção natural, devendo- se levar em consideração, em sua análise, a provável contaminação por microorganismos que geralmente colonizam a uretra. Algumas medidas para reduzir o grau de contaminação por bactérias são: desinfecção do meato uretral e mucosa adjacente com solução anti-séptica não espumosa (essa região deve ser posteriormente seca com gaze ou swab estéril para evitar a mistura do anti- séptico com a urina); redução do contato do jato urinário com a mucosa, afastando os pequenos e grandes lábios em mulheres e retraindo o prepúcio em homens não circuncidados, e utilização do jato médio urinário, descartando a urina do jato inicial, que carrega os contaminantes uretrais. A sensibilidade da cultura urinária é maior com a coleta da primeira urina da manhã, que é mais concentrada e contém mais bactérias devido ao tempo para sua multiplicação. A amostra urinária deve serenviada ao laboratório imediatamente após sua coleta, para evitar que as bactérias continuem proliferando, o que levaria a uma falsa elevação na contagem de colônias. Caso esse envio não possa ser imediato, preconiza-se que o frasco com a amostra deva ser armazenado no refrigerador a 4oC, para evitar o crescimento bacteriano durante a refrigeração e permitir sua proliferação em meio de cultura no dia seguinte. Deve-se atentar que o resfriamento da amostra pode alterar os leucócitos presentes na urina e afetar a análise do sedimento urinário. √ Fitas reagentes (dipstick) As fitas reagentes detectam esterase leucocitária, indicativa de leucocitúria significativa e nitrito, em caso de infecção por enterobactérias, as quais promovem a redução de nitrato para nitrito. Têm baixo custo e praticamente afastam a presença de infecção quando negativas em paciente com sintomatologia incaracterística. Entretanto, pacientes com sintomatologia sugestiva de ITU e com fita reagente negativa devem ter amostra de urina submetida a análise de sedimento e/ou cultura para confirmação diagnóstica. √ Sedimento urinário ITU sem leucocitúria é extremamente incomum. Leucocitúria significativa, ou piúria, é definida como a contagem, na urina, igual ou superior a 10.000 leucócitos/mL ou 10 leucócitos/campo. Quando há utilização de técnicas mais sensíveis, como citometria de fluxo, são consideradas anormais, em mulheres, contagens superiores a 30.000 leucócitos/mL. Entretanto, a presença de leucocitúria significativa não é diagnóstica de ITU e pode ter origem não-infecciosa, como nefrite intersticial, litíase, neoplasias urológicas e traumatismos geniturinários, entre outras. É importante lembrar como causas de piúria estéril a presença de leucorréia em mulheres, que pode interferir na contagem de leucócitos, e a contaminação da amostra com anti-sépticos, interferindo no crescimento bacteriano. Quando as causas mais comuns de piúria estéril sintomática (síndrome uretral) forem descartadas, devem ser investigados organismos atípicos ou de crescimento lento, como Chlamydia, Ureaplasma urealyticum ou Mycobacteria, ou abscessos renais sem drenagem para trato urinário. A presença de cilindros leucocitários sugere pielonefrite, nessa situação Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 o pH urinário é geralmente alcalino. Quando o pH encontrado é superior a 8,0 pode se suspeitar de infecção por Proteus. Hematúria, quando presente, geralmente é discreta, e a presença de proteinúria costuma ser discreta e variável. A presença de bactérias é frequente, mas precisa ser confirmada por cultura urinária. √ Urocultura Classicamente, considera-se como bacteriúria significante a contagem superior a 105 colônias/ mL. Entretanto, esse critério tem sido muito questionado, e contagens inferiores, geralmente maiores que 102 colônias/mL, são aceitas como significativas em pacientes com sintomas sugestivos e piúria e que tiveram descartada a possibilidade de contaminação fecal durante a coleta da amostra. Fatores que interferem na contagem de colônias são: contaminação com anti- séptico durante a coleta da amostra, urina muito diluída, uso concomitante de antimicrobianos e demora no encaminhamento da amostra para o laboratório. Bacteriúria assintomática é definida como a presença de bacteriúria significativa na ausência de sintomatologia. Para diferenciação com contaminação da amostra em mulheres, são necessárias duas uroculturas em que a mesma bactéria foi isolada em contagens superiores a 105 colônias/mL ou uma urocultura colhida após sondagem intermitente em que uma bactéria foi isolada em contagens superiores a 102 colônias/mL. Para homens, uma urocultura com uma bactéria isolada em contagens superiores a 105 colônias/mL é significativa. Em pacientes com catéteres vesicais de demora, recomenda-se, sempre que possível, a coleta da amostra de urina após a troca do cateter. Quando não é possível a remoção e/ou a troca do cateter, a amostra não deve ser coletada do saco coletor. √ Outros exames A dosagem da proteína C-reativa é um exame inespecífico que pode auxiliar na diferenciação entre os diagnósticos de cistite e pielonefrite. Menos utilizados, a imunofluorescência do sedimento urinário, ou ACB (antibody-coated bacteria), que indica comprometimento urotelial, e a dosagem de enzimas tubulares na urina, que indica lesão tubular, também podem auxiliar na diferenciação entre ITU baixa e alta. √ Exames de imagem Os exames de imagem são indicados em casos de suspeita ou diagnóstico de ITU complicada ou recorrente, para identificação de anormalidades predisponentes. - U l t r a - s o n o g r a f i a : u t i l i z a d a p a r a identificação de cálculos e suas repercussões no trato urinário, nos rins policísticos, nas coleções e nos abscessos. - Tomografia computadorizada: raramente indicada na investigação de ITU, é utilizada para descartar a presença de abscesso perinefrético e tem maior sensibilidade na identificação de cálculos. - Uretrocistografia miccional: não é indicada na avaliação de ITU em adultos, com exceção de ITU recorrente em paciente transplantado renal, para afastar refluxo vesicoureteral (RVU) ao rim transplantado. Em crianças abaixo de 2 anos é o padrão de referência para diagnóstico de RVU e está indicada, juntamente com a urografia excretora, para investigação de ITU recorrente. - Urografia excretora: não deve ser realizada na fase aguda da ITU, pelo risco da nefrotoxicidade pelo contraste associado a sua baixa sensibilidade. Pode fornecer dados na investigação de ITU complicada, como duplicidade calicial, estenose de JUP, adequação do esvaziamento vesical, presença de cálculos e hidronefrose. É importante salientar que a ultra-sonografia também pode auxiliar na maior parte desses diagnósticos. - Cintilografia com DMSA: indicada na fase aguda de ITU em crianças por auxiliar no diagnóstico diferencial com pielonefrite. - Cistoscopia: indicada em pacientes idosos e transplantados renais com ITU recorrente e hematúria, para afastar a presença de neoplasia de bexiga. Deve ser realizada com urina estéril e/ou após profilaxia antibiótica. • TRATAMENTO - Cistites Para o tratamento de cistites não complicadas em mulheres, recomenda-se o uso de esquemas antimicrobianos por três dias, pela maior adesão da paciente, menores frequência de efeitos colaterais e custo e efetividade comparável aos esquemas mais prolongados. Esquemas com dose única mostram-se menos eficazes. O tratamento empírico deve cobrir os uropatógenos mais frequentes: recomenda-se, como terapia antibacteriana empírica Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 inicial, o uso de fluoroquinolonas, como norfloxacino (400 mg, via oral, a cada 12 horas), ou sulfonamidas, como sulfametoxazol-trimetoprim (SMZ- TMP). Estudos mostram que esquemas com amoxacilina-clavulonato são menos eficazes que quinolonas. Devido ao crescimento de uropatógenos resistentes a quinolonas, pode-se utilizar nitrofurantoína (por sete dias) como alternativa inicial no lugar de SMZ-TMP (800 mg de trimetoprim, via oral, a cada 12 horas). Deve-se atentar, no entanto, ao fato de que a nitrofurantoína (100 mg, via oral, a cada 6 horas) não tem ação contra Proteus sp. e algumas linhagens de Enterobacter e Klebsiella. Para o tratamento sintomático em pacientes com disúria importante, pode-se associar fenazopiridina (200 mg, via oral, a cada 8 horas) por 1 a 2 dias. O tratamento empírico inicial para a maioria das cistites complicadas e cistites em homens requer o uso de antimicrobianos de amplo espectro por 7 a 14 dias. Posteriormente, deve-se adequar a terapia, reduzindo o espectro e/ou utilizando esquemas mais baratos, de acordo com os resultados das culturas e antibiogramas. Recomenda-se, inicialmente, a utilização de fluoroquinolonas, como ciprofloxacino (500 mg,via oral, a cada 12 horas) ou levofloxacino (500 mg, via oral, a cada 24 horas). Quando há presença de cocos gram- positivos, sugestivos de enterococos, pode-se associar ampicilina (1 g, via oral, a cada 6 horas) ou amoxacilina (500 mg, via oral, a cada 8 horas). Em gestantes, sugere-se terapia inicial com cefalexina (500 mg, via oral, a cada 6 horas), amoxacilina ou nitrofurantoína. Espera-se a melhora da sintomatologia após cerca de 48 horas do início da terapêutica adequada. Caso esta não ocorra, considera-se a realização de novas culturas e de exames de imagem, como ultra- sonografia ou tomografia computadorizada. Em pacientes com catéteres vesicais de demora, recomenda-se, além da antibioticoterapia guiada por culturas e antibiogramas, a remoção do cateter de demora e a realização de cateterização intermitente até resolução da infecção, ou troca por um novo cateter vesical de demora. Caso seja necessário iniciar tratamento antimicrobiano empírico antes do resultado das culturas, este deve ser baseado no resultado do exame de gram da urina, uroculturas prévias do paciente e/ou susceptibilidade antimicrobiana nosocomial em pacientes internados. No caso de presença de bacilos gram-negativos, sugere-se terapia inicial com cefalosporinas de terceira geração, como ceftriaxone (2 g, via intravenosa, a cada 24 horas) ou fluoroquinolonas, como ciprofloxacino (500 mg, via oral, ou 400 mg, via intravenosa, a cada 12 horas) ou levofloxacino (500 mg, via oral ou intravenosa, a cada 24 horas). Cocos gram- positivos geralmente são enterococos ou estafilococos, devendo-se associar vancomicina (1 g, via intravenosa, a cada 12 horas) até i d e n t i f i c a ç ã o f i n a l d o p a t ó g e n o s e desescalonamento da terapia. A presença de fungos em pacientes cateterizados é comum, principalmente em idosos, diabéticos e naqueles em uso de antibióticos, e pode representar colonização do sistema coletor, sendo seu tratamento reservado a pacientes sintomáticos ou em investigação de foco infeccioso, sem outro identificado. Geralmente trata-se de candidúria, e pode-se iniciar a terapia empírica com fluconazol (200 mg, via intravenosa, ao dia, após dose de ataque de 400 mg) até identificação final do fungo, direcionando-se para o tratamento mais adequado. - Pielonefrites Pacientes com pielonefrite aguda não complicada devem ser internados para início de terapia parenteral quando incapacitados de ingerir líquidos e medicações ou apresentarem episódios frequentes de vômitos, quando houver dúvidas quanto ao diagnóstico ou adesão ao tratamento, ou quando apresentarem sinais de sepse grave. A terapia empírica inicial deve incluir antibióticos que atingem níveis teciduais elevados, como fluoroquinolonas (ciprofloxacino ou levofloxacino) ou ceftriaxone no caso de terapia intravenosa. Aminoglicosídeos também podem ser utilizados em dose única e lenta diária, com ressalvas a sua potencial nefrotoxicidade. Após 48 horas de início de terapia intravenosa, pode-se passar para esquema antibiótico oral caso haja sinais de melhora clínica do paciente. Caso não se verifique m e l h o r a c l í n i c a a p ó s 7 2 h o r a s d e antibioticoterapia adequada, deve-se realizar exame de imagem para afastar uropatia obstrutiva ou presença de abscessos renais ou perirrenais. Sugere-se que a terapia antimicrobiana dure 14 dias, ou naqueles pacientes com resposta clínica mais lenta, 21 dias. Não se recomenda a realização de culturas urinárias após término do tratamento, a não ser em pacientes que apresentem recorrência dos sintomas dentro de duas semanas. Caso seja i s o l a d o o m e s m o a g e n t e , c o m a m e s m a susceptibilidade, sugere-se a realização de ultra- sonografia ou tomografia computadorizada para avaliar a presença de cálculos ou uropatia obstrutiva. Pacientes com pielonefrite complicada geralmente devem ser hospitalizados. Devido à grande variedade de condições associadas, amplo Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 espectro de agentes etiológicos possíveis e presença frequente de resistência bacteriana múltipla é difícil a generalização da escolha terapêutica empírica inicial. Sugere-se iniciar o tratamento com fluoroquinolona (ciproflo- xacino ou levofloxacino) por via oral, em pacientes com doença leve a moderada, ou intravenosa até determinação final do agente em urocultura. Após 48 horas de início de terapia intravenosa, pode-se passar para esquema antibiótico oral, caso haja sinais de melhora clínica do paciente. É importante ressaltar a maior prevalência de ITU estafilocócica nesses pacientes, sendo prudente a utilização de vancomicina se houver identificação de cocos gram-positivos na urina, até resultado final da cultura. Recomenda-se que a terapia dure 14 dias, mas pode se prolongar caso o fator associado retarde a cura. Em gestantes, inicia-se terapia parenteral empírica com ceftriaxone ou gentamicina. Deve-se repetir a urocultura após 1 a 2 semanas do término do tratamento. Sugere-se não tratar pacientes com bexiga neurogênica ou com catéteres vesicais de demora e urocultura positiva, mas assintomáticos. É importante lembrar que se deve corrigir a causa associada sempre que possível (desobstrução de vias urinárias, controle glicêmico, dentre outras). - Bacteriúrias assintomáticas Bacteriúria assintomática normalmente é uma condição benigna que não requer o uso de antimicrobianos nem rastreamento periódicos. Entretanto, alguns grupos de pacientes têm maior risco de desenvolvê-la, são eles: idosos, pacientes com lesão medular, gestantes, transplantados renais, pacientes com catéteres vesicais de demora, pacientes com cálculos de estruvita e crianças com refluxo vesicoureteral. A recomendação para rastreamento e tratamento reserva-se para gestantes, pacientes que vão ser submetidos a ressecção prostática transuretral ou procedimentos urológicos com previsão de sangramento de mucosa vesical e, em alguns casos, crianças com refluxo vesicoureteral.
Compartilhar