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Introdução à Educação em Direitos Humanos Educação em Direitos Humanos Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria VITTORIO LO BIANCO AUTORIA Vittorio Lo Bianco Olá. Meu nome é Vittorio Lo Bianco. Sou formado em Relações Internacionais, com Mestrado em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento e Doutorado em Educação, com experiência técnico- profissional na área de educação de mais de 10 anos. Sou servidor do Estado do Rio de Janeiro. Trabalho com educação na Secretaria de Ciência e Tecnologia. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Delimitações Teóricas e Metodológicas da Educação em Direitos Humanos ........................................................................................10 Delimitações Teóricas da Educação em Direitos Humanos ............................10 A Educação em Direitos Humanos ................................................................. 13 Delimitações Metodológicas da Educação em Direitos Humanos ............ 15 Tratados Internacionais de Direitos Humanos................................18 Educação em Direitos Humanos e o Contexto Brasileiro ...........25 Contexto Histórico ..........................................................................................................................25 Contexto Brasileiro da Educação em Direitos Humanos ...................................26 Educação em Direitos Humanos na Contemporaneidade .........31 Conexão entre Direitos Humanos e Educação atualmente ............................. 31 Estratégias para a Conexão entre Direitos Humanos e Educação Atualmente...........................................................................................................................................34 7 UNIDADE 01 Educação em Direitos Humanos 8 INTRODUÇÃO Prezado aluno, o que você entende por “Direitos Humanos”? Muito se fala atualmente sobre o conjunto de direitos individuais e coletivos que regem nossa vida em sociedade, porém nem todos sabem precisar do que se trata. Para os educadores, compreender de quais direitos tratamos quando usamos essa expressão e como trabalhar com o tema em suas aulas é fundamental. Nesta unidade iremos refletir juntos sobre o surgimento do que se concebe como Direitos Humanos, sua aplicação e sobre como conjugar esse conhecimento com a área de educação. Na atualidade, de onde surgiu o que conhecemos hoje como esse conjunto de direitos? A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, surgida como resposta às atrocidades cometidas pelo fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, foi o marco inicial para alçar os direitos humanos a um patamar de guia ético para a ordem internacional. Era o momento de reconstruir os direitos interrompidos pela guerra, através da universalização dos direitos individuais e coletivos do ser humano, tirando do domínio exclusivo dos Estados a questão da garantia destes direitos. Além do caráter universal, uma vez que a condição de pessoa é o único requisito para ter direitos, os direitos humanos têm também a característica da indivisibilidade, dado que apenas garantindo os direitos civis e políticos pode-se garantir os direitos econômicos, sociais e culturais, e vice-versa. Foi a primeira declaração moderna de direitos que conjugou o discurso liberal de cidadania com o discurso social. Esse processo de universalização dos direitos humanos, reafirmado pela Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e universais), dá origem a um sistema normativo internacional de proteção aos direitos. Vamos acompanhar essa trajetória juntos nesta unidade. Educação em Direitos Humanos 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Estabelecer as delimitações teóricas e metodológicas da educação em direitos humanos. 2. Identificar os tratados internacionais de direitos humanos. 3. Conhecer a educação em direitos humanos e o contexto brasileiro. 4. Refletir sobre a educação em direitos humanos na contempora- neidade. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conheci- mento? Ao trabalho! Educação em Direitos Humanos 10 Delimitações Teóricas e Metodológicas da Educação em Direitos Humanos OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de identificar as delimitações do campo de estudos da educação em direitos humanos. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão. A compreensão da interseção entre o processo de ensino-aprendizagem e o tema transversal direitos humanos é essencial para educadores que buscam desenvolver a capacidade crítica de seus alunos em um contexto de educação para a cidadania. A compreensão dos direitos básicos dos seres humanos é fundamental para uma inserção plena dos indivíduos em sociedade. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante!. Delimitações Teóricas da Educação em Direitos Humanos Quando pensamos os direitos humanos em âmbito internacional, o que vem à sua mente? A concepção dos direitos humanos como universais somente ganhou esse real escopo com a Carta das Nações Unidas em 1945. A partir de então, o novo direito internacional reconhecia que a proteção dos indivíduos deveria se dar também no âmbito internacional, não mais somente pelos Estados como fora produzido desde a formação dos Estados Nacionais. Educação em Direitos Humanos 11 Figura 1: Símbolo da Organização das Nações Unidas Fonte: @pixabay A história dos direitos atribuídos aos seres humanos data desde a antiguidade, quando o poder do Estado não era limitado, logo os indivíduos não possuíam direitos frente ao poder do soberano. Foi a Magna Carta inglesa que em 1215 apresentou uma limitação ao poder de atuação do soberano, dando início ao constitucionalismo e às conquistas liberais culminadas nas Revoluções Francesa e Americana. VOCÊ SABIA? John Locke foi um filósofo inglês, considerado um dos “pais” do liberalismo filosófico. Foi um dos principais teóricos do que ficou conhecido como teoria do “contrato social”. Educação em Direitos Humanos https://pixabay.com/pt/vectors/das-na%C3%A7%C3%B5es-unidas-internacional-303926/ 12 O jusnaturalismo de Locke deu um caráter mais universal aos recém-criados direitos da Inglaterra. Segundo o pensamentopolítico de Locke, o ser humano constitui a base e origem do poder que é transferido ao soberano mediante o contrato social, reconhecendo assim a base dos direitos como dos homens. Nas revoluções americana e francesa, os direitos do homem e do cidadão são instituídos em um conteúdo de característica individualista, apesar do universalismo da fraternidade, igualdade e liberdade. Objetivavam uma República democrática que, através do contrato social, garantiriam os direitos dos homens. DEFINIÇÃO: Segundo Massaro, o jusnaturalismo ou o direito natural É a corrente de pensamento jurídico-filosófica que pressupõe a existência de uma norma de conduta intersubjetiva universalmente válida e imutável, fundada sobre a peculiar ideia da natureza preexistente em qualquer forma de direito positivo que possa formar o melhor ordenamento possível para regular a sociedade humana, principalmente no que se refere aos conflitos entre os Estados, governos e suas populações. (MASSARO, 2019, on-line) Assim, surge a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que dava prioridade à liberdade em detrimento do poder estatal. Com a Declaração da ONU em 1945 e os tratados e as convenções posteriores que traziam de fato um caráter internacional à legislação dos direitos humanos, a jurisdição doméstica deixou de ser a única responsável pelas garantias dos direitos. Sua primeira negociação teve início em 1941, com o documento “Carta do Atlântico”, assinada por 9 governos, mas a Carta da ONU de 1945 foi assinada por 50 países em São Francisco, nos Estados Unidos da América. Hoje em dia, a estrutura central da ONU fica em Nova York, com sedes também em Genebra (Suíça), Viena (Áustria) e Nairóbi (Quênia), além de escritórios espalhados em grande parte do mundo. Educação em Direitos Humanos 13 Após o totalitarismo da guerra, com elevado número de mortes e ainda o Holocausto, os Estados objetivavam construir um sistema internacional seguro, onde a garantia da paz viria através do cumprimento da legislação internacional e da vigilância dos demais Estados. A questão da etnia judaica foi fundamental para a redação dos direitos humanos na Carta da ONU, pois o “problema judeu” apresentado pelas autoridades nazistas alemãs fez com que o povo judeu fosse desprovido de seus direitos estatais através da desnacionalização. Sem Estado, os judeus não possuíam garantias de respeito aos direitos, assim como outras minorias. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surgia como resposta às atrocidades cometidas pelo fascismo durante a Segunda Guerra Mundial e foi o marco inicial para alçar os direitos humanos a um patamar de guia ético para a ordem internacional. Porém, é importante frisar que como vencedores da 2ª. guerra mundial, China, EUA, França, Reino Unido e a atual Rússia possuem poder de veto no Conselho de Segurança. SAIBA MAIS: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em sua introdução, diz: No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos cujo texto, na íntegra, pode ser lido a seguir. Logo após, a Assembleia Geral solicitou a todos os países-membros que publicassem o texto da Declaração para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados. (UNICEF, 1948) Acesse a declaração na página da Organização das Nações Unidas: Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2APIx5U 14 A Educação em Direitos Humanos O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, publicado pelo Governo Federal brasileiro em 2003, define que a educação em direitos humanos é: Compreendida como um processo sistemático e multidi- mensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: • apreensão de conhecimentos historicamente construí- dos sobre direitos humanos e a sua relação com os con- textos internacional, nacional e local; • afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que ex- pressem a cultura dos direitos humanos em todos os es- paços da sociedade; • formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político; • desenvolvimento de processos metodológicos partici- pativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; • fortalecimento de práticas individuais e sociais que ge- rem ações e instrumentos em favor da promoção, da pro- teção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações. (BRASIL, 2018, p. 11) Para a área de estudos da educação em direitos humanos, a educação além de ser um direito por si, possibilita o conhecimento, o acesso e a compreensão a respeito dos demais direitos, permitindo que o cidadão possa se inserir plenamente em sociedade, ciente do conjunto de seus direitos. A partir do estudo da educação em direitos humanos, é possível que a cultura criada em torno da valorização dos direitos humanos permita o respeito às diversidades, seja de ordem religiosa, cultural, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, entre outras. Para Maria Victoria Benevides (BENEVIDES, 2000, p. 1), três pontos são premissas para a educação em direitos humanos: “a educação continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção”. Educação em Direitos Humanos 15 A autora enfatiza ainda a ideia de que a educação em direitos humanos também é a educação para a cidadania, de formação de cidadãos participativos e, além disso, solidários. É necessário que os educadores conheçam, por suposto, os direitos humanos e as instituições relacionadas à promoção dos mesmos. Delimitações Metodológicas da Educação em Direitos Humanos Como vimos na seção anterior, quando tratamos da educação em direitos humanos estamos abordando diretamente a questão da formação de discentes e docentes para compreenderem a realidade à sua volta a partir dos pressupostos teóricos dos direitos humanos. Partindo da ideia de que essa educação pressupõe a educação para a cidadania e para a concepção de democracia com participação popular, podemos considerar a concepção de Adorno a respeito do tema: A seguir, e assumido o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isso seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado”. (ADORNO, 2003, p. 142) Dentro dessa concepção, a metodologia relacionada à educação em direitos humanos diz respeito a uma prática de ensino-aprendizagem que seja orientada para a educação em direitos humanos, considerando o caráter transversal e articulando conhecimentos e práticas com os demais atores sociais, para além dos espaços formais de educação. Para isso, é importante a integração dos objetivos previstos para a educação em direitos humanos em todo o processo de ensino-aprendizagem, inclusive em diferentes formas de avaliação. Também se faz necessário o desenvolvimento de programas e metodologias voltados para estimular Educação em Direitos Humanos 16 a reflexão e a formação do tema, estabelecendo a troca de informações e experiências entre os atores governamentais e demaismembros da sociedade civil organizada, inclusive os relacionados à educação não formal, a fim de construírem conjuntamente estratégias de formação. A resolução CNE/CP do Governo Federal, nº 1, de 30 de maio de 2012, prevê em seu artigo 6º que: A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes processos de avaliação. (BRASIL, 2012, p. 2) Em seu artigo 7º, prevê as seguintes formas de inserção dos conhecimentos nas diferentes etapas da educação formal: I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente; II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade [...]. (BRASIL, 2012, p. 48) SAIBA MAIS: Projeto de pesquisa financiado pelo MEC em parceira com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) estimula alunos de escola pública sobre Direitos Humanos. Saiba mais aqui Segundo Bittar (2007, on-line), uma das formas de incentivar a educação em direitos humanos é a partir do “desenvolvimento e da valorização da pesquisa”, que vise o “desenvolvimento da consciência crítica e enraizadora” e, ainda, seja capaz de: aprofundar a consciência sobre a importância dos direitos humanos e de sua universalização; provocar a abertura criativa de horizontes para a auto compreensão; incentivar Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2YPc2Dx 17 a reinvenção criativa permanente das próprias técnicas; habilitar à criticidade; desenvolver o reconhecimento histórico dos problemas sociais; incentivar o conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar sobre a condição humana; habilitar a uma compreensão segundo a qual a conquista de direitos depende da luta pelos direitos; valorizar a sensibilidade em torno do que é humano; aprofundar a conscientização sobre questões de justiça social; recuperar a memória e a consciência de si no tempo e no espaço; habilitar para a ação e para a interação conjunta e coordenada de esforços; desenvolver o indivíduo como um todo, como forma de humanização e de sensibilização; capacitar para o diálogo e a interação social construtiva, plural e democrática. (BITTAR, 2007, on-line) RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a forma como compreendemos hodiernamente o que são os direitos humanos, compreendidos como universais, ganhou essa dimensão com a Carta das Nações Unidas em 1945. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi a primeira Declaração que conjugou o discurso liberal de cidadania com o discurso social. Oficialmente no Brasil, a educação em direitos humanos é compreendida a partir da consideração de uma organização sistemática e com mais de uma dimensão orientada para a formação de sujeitos de direitos. Algumas premissas teóricas da educação em direitos humanos dizem respeito à compreensão da área como educação continuada para a mudança compreensiva. Metodologicamente, a educação em direitos humanos se estabelece de forma transversal na educação formal e na não formal, por meio de estratégias de ensino-aprendizagem, como o desenvolvimento do reconhecimento histórico dos problemas sociais, a valorização da sensibilidade em torno do que é humano e o aprofundamento da conscientização sobre questões de justiça social. Educação em Direitos Humanos 18 Tratados Internacionais de Direitos Humanos OBJETIVO: Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como já vimos, há outros documentos importantes para o processo de universalização desses direitos. A Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e universais), dá origem a um sistema normativo internacional de proteção aos direitos. Esse processo, por sua vez, foi responsável por apresentar questionamentos à noção de soberania estatal ao introduzir o tema de uma “cidadania global”, uma vez que o interesse sobre o respeito ao indivíduo era internacional, e não mais apenas assunto de jurisdição doméstica. Figura 2: Sede das Nações Unidas em Nova York/EUA Fonte: @pixabay Desse modo, as necessidades consideradas fundamentais dos seres humanos, em grande parte contempladas pelos direitos de segunda Educação em Direitos Humanos https://pixabay.com/pt/photos/das-na%C3%A7%C3%B5es-unidas-sede-paz-722211/ 19 geração, conhecidos como direitos coletivos, devem de fato ser definidos como direitos, dado que acima de tudo protegem grupos vulneráveis da sociedade. Apesar de estar claro em âmbito internacional que os direitos são indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e culturais ainda necessitam de implementação e garantias. A Declaração de Viena é bastante clara na defesa dessa concepção ao definir a interdependência entre os Direitos Humanos, a Democracia e o Desenvolvimento. Os direitos da segunda geração surgiram nas duas primeiras décadas do século XX, quando a Constituição Mexicana de 1917, a Revolução Russa, a Constituição da República de Weimar em 1919 e a criação da Organização Internacional do Trabalho levaram os Direitos Humanos a ter uma abrangência maior, incorporando essa nova gama de direitos que exigem a ação positiva do Estado (e não somente a negativa, ou seja, a ausência de interferência do Estado na garantia dos direitos individuais, como é o caso dos direitos de primeira geração). Assim como a garantia dos direitos da primeira geração foi fruto da luta contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, a garantia dos direitos de segunda geração foi fruto das lutas sociais contra a exploração do trabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva e por uma igualdade material maior que possibilitasse a dignidade humana. No final da Guerra Fria, surgem ainda novas demandas dos novos movimentos sociais. Tais demandas deram origem aos Direitos dos Povos, ou Direitos da Solidariedade, a terceira geração dos Direitos Humanos, que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos, demandantes de um esforço coletivo entre indivíduos e Estados e demais atores da ordem mundial atual. Na terceira geração estão o Direito ao Desenvolvimento, o Direito à Paz, o Direito à Autodeterminação dos Povos, ao Desenvolvimento Sustentável, entre outros. Educação em Direitos Humanos 20 IMPORTANTE: Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estão garantidos não só pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Declaração de Viena, mas também por tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, entre outros. Ainda sobre isso, salientamos o papel-chave da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986. Vale apontar que, apesar de já ter sido reconhecida pela Comissão da ONU de Direitos Humanos em 1977, a Declaração foi consagrada pela Assembleia Geral da organização em 1986. Ao vincular os Estados ao dever de adotarem medidas efetivas, em âmbito individual ou coletivo, voltadas para políticas de desenvolvimento internacional a fim de realizar plenamente os direitos e acrescentando que a cooperação internacional é uma peça-chave no quebra-cabeça do desenvolvimento,em seu artigo 4º, o Direito ao Desenvolvimento apresenta a importância de uma globalização inclusiva, solidária e que garanta o respeito aos direitos humanos. Todavia, para garantir esse respeito, a Declaração Universal de 1948 não era suficiente, uma vez que não possui força jurídica vinculante, logo, foi necessária a criação de tratados internacionais que fossem juridicamente obrigatórios no plano do direito internacional. Surgem então, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os dois pactos, em conjunto com a Declaração Universal formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos, ou International Bill of Rights. Educação em Direitos Humanos 21 ACESSE: Conheça um pouco mais sobre a Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights) acessando o link: Continuando, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) inclui deveres para os Estados, ao contrário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que lista os direitos referentes aos indivíduos. Os direitos da segunda geração (PIDESC) representam um esforço dos Estados a fim de progressivamente assegurar esses direitos, que incluem, entre outros, o direito à previdência social, à moradia, à educação, ao trabalho e à justa remuneração, à formação e filiação a sindicatos, à saúde física e mental adequadas e a um nível de vida adequado e ao gozo dos benefícios da liberdade cultural e do progresso científico. O mecanismo disponível para o monitoramento e a implementação é o de relatórios periódicos, em que os Estados apontam que medidas estão sendo tomadas em âmbito interno para a observância dos direitos, assim como dificuldades que assegurem uma real efetivação. Os relatórios são encaminhados ao Secretário-Geral da ONU e depois repassados para análise por parte do Conselho Econômico e Social (ECOSOC). Quando o mecanismo de exigibilidade implementado pelo Estado Parte não é suficiente, a ONU recomenda mecanismos mais eficazes. A Declaração de Viena recomenda que seja criado também o direito de petição com relação aos direitos previstos no Pacto, através de Protocolo Adicional. Ela ainda sugere que sejam estabelecidos indicadores para o acompanhamento da garantia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC), assim como um esforço integrado pelo seu reconhecimento. No âmbito da OEA, existe o Protocolo de San Salvador de 1999, que estabelece deveres jurídicos dos Estados Parte com relação aos direitos sociais. Segundo o protocolo, os Estados Parte devem dispor ao máximo de recursos disponíveis para progressivamente alcançarem a plena Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2Pu5Jkq 22 realização dos DESC. No Protocolo de San Salvador, existe a possibilidade de petição individual a instâncias internacionais com relação ao direito à educação e aos direitos sindicais. Com o fim da Guerra Fria e o avanço nas telecomunicações, o surgimento dos novos temas e o aumento da cooperação internacional, o tema dos direitos humanos passou a ter mais destaque como pauta da agenda internacional. Todavia, mesmo com a ratificação dos principais instrumentos de proteção dos direitos humanos em âmbito internacional (a Carta de Direitos e os Pactos Internacionais de 1966), o caráter social da jurisdição internacional em prol da garantia dos direitos humanos só passou a se consolidar com a Conferência do Cairo de 1944, sobre População e Desenvolvimento (onde surgiu a expressão “Agenda Social da ONU”), que deu origem ao Programa de Ação do Cairo, como um conjunto de medidas a serem implementadas de forma conjunta em prol das questões sociais relativas ao tema principal da Conferência. A Conferência do Cairo foi essencial para a evolução da proteção aos DESC, uma vez que concluiu que famílias que possuem os direitos fundamentais garantidos são capazes de planejar a fecundidade e garantir a sustentabilidade dos filhos, recriando assim o conceito de Direito Reprodutivo. Em Copenhague, 1995, na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, os países em desenvolvimento resistiram aos condicionantes que os países desenvolvidos apresentavam para a consecução de investimentos, entre eles o de possuir uma “boa governança”. Na Cúpula Mundial de 1995, podemos apontar as bases para a Declaração do Milênio de 2000, em especial sobre os compromissos de redução da pobreza e miséria absoluta em 2015, através de medidas como a destinação de 0,7% do PIB dos países desenvolvidos à Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Foram estabelecidas também as bases para as metas relativas à igualdade de gênero, à redução da mortalidade infantil e à educação. Ainda na década de 90 podemos apontar a Conferência de Beijing, de 1995, sobre os Direitos da Mulher e a Habitat II (Conferência sobre Assentamentos Humanos) de 1996, em Istambul. Educação em Direitos Humanos 23 Figura 3: Sala da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas Fonte: @wikimedia O principal resultado dessas conferências foi o fortalecimento do conceito de empowerment das mulheres e o fortalecimento do direito à moradia como direito humano. Na agenda da Habitat, houve ainda a inovação da participação de outros atores como ONGs, sindicatos e diversos movimentos sociais e a repetição das soluções apontadas em Copenhague para o financiamento das propostas, que foi essencialmente a questão dos 0,7% de investimento do PIB dos países desenvolvidos na Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Diante da situação apresentada pelas Conferências da década de 90, surge a Declaração do Milênio, no ano 2000, com metas a serem alcançadas até o ano de 2015, complementando e tomando como base as diversas Conferências previamente citadas. A Conferência de Monterrey, de 2002, apresenta soluções de como viabilizar a implementação dos acordos de 2000, fechando a série de Conferências sobre as questões sociais no âmbito das Nações Unidas. Educação em Direitos Humanos 24 Também devemos destacar, em 2001, a Conferência de Durban contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Intolerância Correlata, que apesar da resistência dos países desenvolvidos, as recomendações de Durban têm se mostrado positivas para a implementação da proteção e medidas de reparação contra o racismo em âmbito interno de Estados em desenvolvimento. RESUMINDO: Gostou do que lhe mostramos? Ainda temos muita coisa para aprender! Vamos resumir tudo o que vimos até agora. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como já vimos, há outros documentos importantes para o processo de universalização dos direitos humanos. A Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e universais), dá origem a um sistema normativo internacional de proteção aos direitos. Apesar de estar claro em âmbito internacional que os direitos são indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e culturais ainda necessitam de implementação e garantias. Assim como a garantia dos direitos da primeira geração foi um fruto da luta contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, a garantia dos direitos de segunda geração foi fruto das lutas sociais contra a exploração do trabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva e por uma igualdade material maior que possibilitasse a dignidade humana. No final da Guerra Fria, surgem ainda novas demandas dos novos movimentos sociais, que deram origem aos Direitos dos Povos ou Direitos da Solidariedade, a terceira geração dos Direitos Humanos, que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos, demandantes de um esforço coletivo entre indivíduos e Estados e demais atores da ordem mundial atual. Educação em Direitos Humanos 25 Educação em Direitos Humanos e o Contexto Brasileiro Contexto Histórico O tema dos direitos humanosno Brasil passou por contextos diferenciados nas últimas décadas. Previamente ao contexto do governo militar de 1964, a discussão sobre os direitos humanos e suas garantias não era um tema central no país, focado nas questões ligadas ao desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. Até então, desde Getúlio Vargas a discussão girava em torno dos direitos trabalhistas e das conquistas sociais relacionadas ao mundo do trabalho, como na Consolidação das Leis do Trabalho. DEFINIÇÃO: A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a unificação das leis trabalhistas até então em vigência no país. Foi criada pelo Presidente Getúlio Vargas em 1º de março de 1943. A CLT regulamenta as leis individuais e coletivas relacionadas ao trabalho no Brasil. Figura 4: Carteira de Trabalho e Previdência Social Fonte: @wikimedia Educação em Direitos Humanos https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carteiradetrabalho.jpg 26 A repressão aos direitos durante o governo militar instaurado em 1964 inaugurou uma nova etapa na consideração a respeito dos direitos humanos no país. O cerceamento às liberdades individuais e coletivas como a proibição da organização sindical, a censura à liberdade de expressão e o cerco à imprensa, além da tortura e da prisão de oponentes políticos violava não apenas os direitos civis e políticos, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. A reação a esse contexto de violações de direitos trouxe ao contexto nacional de forma mais evidente o debate internacional sobre a necessidade de respeito e da garantia dos direitos humanos. O período seguinte, da transição democrática após o fim do regime militar, insere o país em um processo de abertura comercial. No mesmo contexto em que a “Constituição Cidadã” de 1988 foi promulgada, a inserção do país na globalização econômica internacional colocava em cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de ordem econômica e social previstos na Constituição Federal de 1988. SAIBA MAIS: A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a “Constituição Cidadã” por marcar a transição entre o regime autoritário e a reconquista da democracia, além de conter princípios constitucionais e garantias de direitos que consolidam direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, entre outros. Para mais informações acesse Contexto Brasileiro da Educação em Direitos Humanos Como observamos durante o período do regime militar de 1964 a abordagem ao tema dos direitos humanos conforme compreendido em âmbito internacional ganhou mais relevo no país. Comissões de direitos humanos foram organizados por membros da Igreja Católica, movimentos sociais, entre outros. Após a transição democrática, o tema foi incorporado Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2KLG1CD 27 à discussão sobre a democracia em si. Nos espaços formais de educação o tema passou a ser abordado de forma transversal, além da organização de cursos, palestras e outras ações nos espaços não formais. Na atualidade, a discussão sobre os direitos humanos enfrenta dois grandes desafios, o que atravessa diretamente a abordagem da educação sobre o tema, perpassando limitações: Duas ordens de limitações pesam sobre o conceito de direitos humanos e sua capacidade de constituir força educadora significativa na consciência das pessoas. A primeira vem do choque desses direitos com o forte impulso repressivo que as reiteradas – e, via de regra, sensacionalistas – denúncias de casos de crimes violentos aponta, para a acentuação das condenações e penalizações, como se o aumento das penas pudesse, por si só, ter efeito importante na luta contra a impunidade e a imposição do Estado de Direito [...] A outra grande dificuldade consiste na consideração dos direitos humanos de forma restrita, separado dos outros direitos – sobretudo econômicos e sociais. A origem do conceito contemporâneo permitiu essa fragmentação, porque ele nasceu na resistência à ditadura militar, com essa conotação, além do marco internacional, de hegemonia das concepções liberais, quer apontam nessa direção [...]. (SADER, 2007, p. 82-83) Sader (2007) argumenta que apenas uma abordagem que considere o tema dos direitos humanos de forma mais abrangente pode superar os desafios propostos. Conforme já foi estabelecido internacionalmente, os direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais ou dos direitos coletivos, impacta diretamente na garantia dos direitos individuais e vice-versa. No que tange às ações oficiais sobre o tema da educação em direitos humanos devemos pontuar a previsão da Constituição Federal de 1988, além da Lei Darcy Ribeiro, a lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a respeito da centralidade do exercício da cidadania como um dos objetivos da educação em nosso país, prevendo, para esse fim um processo de ensino-aprendizagem inspirado “nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu Educação em Direitos Humanos 28 preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, Atr. 2º). Conforme falamos anteriormente, em 2003 foi lançado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos a partir dos parâmetros internacionais e nacionais sobre o tema, em especial a consideração do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH). No Plano Nacional, o governo brasileiro em conjunto com as organizações da sociedade civil estabeleceu como objetivos em seu artigo 2º: a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade humana; c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito; e) construir, promover e manter a paz. ACESSE: Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) disponibilizado em português, conheça a primeira e a segunda fase dos planos de ação. Acesse: Figura 5: 70 anos da Declaração Internacional dos Direitos Humanos Fonte: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/ Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2Z2JYI5 https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/ 29 Nas reflexões sobre o contexto da educação em direitos humanos no Brasil é sempre importante lembrar que a desigualdade, em especial a social, que marca a sociedade brasileira, representa um desafio potencial e, ao mesmo tempo, evoca a necessidade da reflexão, discussão e implementação de ações sobre o tema. A educação que estimule a consciência para os processos que geram e legitimam a desigualdade podem fomentar a reflexão sobre a necessidade da solidariedade e da tolerância entre aqueles “diferentes”. A exclusão social marca também o distanciamento de ampla parcela da sociedade brasileira de seu conjunto de direitos, relacionando diretamente a falta de acesso à educação de qualidade ao processo de não reconhecimento do papel de cidadão em sociedade. O obstáculo ao exercício da cidadania perpassa não apenas a assimetria com relação à informação, à educação e à participação política, mas às condições básicas de existência, como a alimentação, o saneamento básico, entre outros fatores, evidenciando a importância das discussões sobre os direitos humanos perpassarem os processos formais e informais de educação. Educação em Direitos Humanos 30 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. O tema dos direitos humanos no Brasil passou por contextos diferenciadosnas últimas décadas. Previamente ao contexto do governo militar de 1964 a discussão sobre os direitos humanos e suas garantias não era um tema central no país, focado nas questões ligadas ao desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. A repressão aos direitos durante o governo militar instaurado em 1964 inaugurou uma nova etapa na consideração a respeito dos direitos humanos no país, ensejando a organização de movimentos que pleiteassem o respeito e a garantia de direitos diante das violações identificadas naquele período histórico. No mesmo contexto em que a Constituição Cidadã de 1988 foi promulgada, a inserção do país na globalização econômica internacional colocava em cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de ordem econômica e social previstos na Constituição Federal de 1988. Atualmente, debatemos a consideração de que os direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais ou dos direitos coletivos, impacta diretamente na garantia dos direitos individuais e vice-versa, o que está diretamente relacionado a dois grandes desafios dos direitos humanos no Brasil: a questão da violência e a fragmentação de direitos. Desde 2003 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem buscado balizar a orientação oficial sobre o tema, após discussões com entidades da sociedade civil. Educação em Direitos Humanos 31 Educação em Direitos Humanos na Contemporaneidade Conexão entre Direitos Humanos e Educação atualmente Atualmente, a necessária conexão entre os direitos humanos e a educação em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande defasagem na educação formal, reflexo da desigualdade social, o modelo tradicional de educação e a resistência a pressupostos teóricos e práticas inovadoras que considerem o tema dos direitos humanos de forma transversal, a não implementação das ações previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, especialmente no que tange à abordagem do tema na formação continuada dos docentes e os desafios aos direitos humanos como a resistência devido ao quadro de insegurança pública e o privilégio dado à consideração dos direitos civis e políticos em detrimento dos demais. A excessiva ênfase na consideração da educação como instrumento exclusivo de formação de mão de obra, desconsiderando o caráter de inclusão, estímulo à reflexão crítica e inserção plena do cidadão em sociedade representa um desafio extra à educação em direitos humanos nos tempos atuais. Em paralelo, as sucessivas crises, em especial na educação pública nas últimas décadas, fruto de uma (re)consideração do papel do Estado e de crises orçamentárias do setor público, agravam ainda mais o cenário, impondo uma agenda do “mínimo” às condições adversas enfrentadas pela educação pública, considerando projetos e tarefas “extras” como podem vir a ser consideradas as que levam o tema dos direitos humanos à centralidade (em uma visão que não concebe a questão desde o início do planejamento escolar). A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a educação enquanto direito humano fundamental, em seu artigo 26, que prevê que: 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e Educação em Direitos Humanos 32 fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz [...]. (UNICEF, 1948) Dentro desse contexto, o direito à educação pressupõe, dentro da concepção da educação em direitos humanos, que o aluno seja visto como sujeito detentor de direitos e deveres, que deve ser respeitado em suas características étnicas, culturais, econômicas, entre outras. O direito à educação recebe a missão de ser uma “porta de entrada” aos demais direitos, pois a reflexão do papel do indivíduo enquanto membro de uma coletividade, da sociedade, desperta a reflexão crítica necessária para compreensão dos direitos, além dos deveres. Cabe ressaltarmos que no Brasil, para além da educação formal, desde a década de 80 há um trabalho intenso das organizações da sociedade civil organizada, como as organizações não governamentais e movimentos sociais. Conforme vimos, a mobilização inicial em torno da garantia dos direitos civis e políticos no contexto do regime militar de 1964 despertaram o ativismo pelos direitos humanos e a mobilização em torno do tema. Esse trabalho ocorre em consonância com o poder público, porém, muitas vezes, busca suprir lacunas que a oferta de políticas públicas deixa no país. DEFINIÇÃO: A sociedade civil designa todas as formas de ação social levadas a cabo por indivíduos ou grupos que não emanam do Estado nem são por ele determinadas. Uma sociedade civil organizada é uma estrutura organizativa cujos membros servem o interesse geral através de um processo democrático, atuando como intermediários entre os poderes públicos e os cidadãos. Disponível aqui Educação em Direitos Humanos https://bit.ly/2Sh96ch 33 Assim, tanto em espaços de educação não formal quanto, e principalmente, em espaços de educação formal, um dos desafios contemporâneos à educação em direitos humanos é a formação de professores habilitados a considerar o tema em seus planejamentos de aula, a partir de uma formação deles mesmos em direitos humanos e a compreensão de como, metodologicamente, trabalhar as questões relacionadas. Apesar do Plano Nacional em Direitos Humanos prever ações no sentido da educação em direitos humanos integrar o currículo das instituições de formação de professores, ainda há lacunas nessa formação. Outra questão correlata, conforme debatemos no início desta unidade, é a necessidade da superação de uma educação meramente tecnicista, voltada exclusivamente para a capacitação específica para um ofício. É essencial a consideração dos professores também como cidadão capaz de não apenas participar do processo de ensino-aprendizagem, mas também enquanto agente fundamental de mobilização para os direitos humanos. Cabe ressaltarmos que nos espaços de educação não formal como presídios, organizações não governamentais, espaços de educação religiosa, entre outros, também cabe a mobilização dos docentes para o tema, pois estes, muitas vezes, lidam diretamente com grupos excluídos e marginalizados em nossa sociedade, justamente onde a conscientização para a cidadania plena pode fazer ainda mais diferença. Hodiernamente também é fundamental a conceptualização e a promoção da reflexão a respeito dos direitos de igualdade e os de diferença que compreendem especificidades das pautas identitárias relacionadas a temas como sexualidade, étnico-raciais, entre outras. Esses são temas que têm mobilizado a sociedade devido a diferentes visões sobre como o direito à diferença deve ser tratado. Todavia, se consideramos a questão da educação em direitos humanos devemos sempre lembrar que estamos partindo de pressupostos teóricos e metodológicos consolidados nacional e internacionalmente a partir da garantia e da promoção de direitos, estabelecendo um roteiro mínimo e que busca ser consensual para estes temas. Para além de disputas políticas e ideológicas, há seres humanos Educação em Direitos Humanos 34 que necessitam da intervenção da sociedade para terem o direito à vida e à inclusão social garantidos. IMPORTANTE: Algumas estratégias para a superação das questõesaqui tratadas relacionadas aos desafios da educação em direitos humanos na contemporaneidade passam pelo trabalho de formação dos professores, para a consideração da temática na educação desde o ensino fundamental, pelo reconhecimento das diferenças e do tratamento básico dado a essa questão e a efetivação do direito em direitos humanos em espaços formais e não formais de ensino. Estratégias para a Conexão entre Direitos Humanos e Educação Atualmente O desafio da implementação e da garantia dos direitos humanos na sociedade moderna é permanente. Demanda educação e mobilização de indivíduos conscientes de seu papel na sociedade moderna e que possam, para além da consciência, ter acesso a mecanismos efetivos de garantia desses direitos. Como vimos ao longo da unidade 1, há tanto em âmbito internacional quanto em âmbito nacional no que tange à construção de direitos positivados, marcos legais que subsidiam e efetivam os direitos humanos. Todavia, é importante que a sociedade tenha a seu dispor a concepção de uma reflexão crítica contínua, além de instrumentos práticos. No Brasil, é importante irmos além do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, fundamental em sua concepção e estratégias. Porém, enquanto fruto de discussão e implementação de políticas públicas é um instrumento que baliza as discussões e as ações sobre o tema, demandando o investimento público e privado, tanto em termos de recursos financeiros quanto na concepção de estratégias e planejamentos de efetivação. Educação em Direitos Humanos 35 Para isso, iniciativas de valorização de projetos e experiências que já lidam como o tema são fundamentais, assim como a parceria entre os diferentes setores da sociedade. Por fim, é necessária a reflexão constante sobre a formação de professores, a pesquisa científica na área e a implementação pedagógica em educação em direitos humanos, a fim de que os processos teóricos e metodológicos sejam constantemente revistos e melhorados em prol da consolidação e ampliação de direitos. Figura 6: Formação em Direitos Humanos Fonte: http://portaledh.educapx.com/projetos-de-educacao-em-direitos-humanos.html Exemplo: Um exemplo de iniciativa de formação e valorização da educação em direitos humanos é o “Prêmio Municipal Educação em Direitos Humanos da Cidade de São Paulo”, que divide a premiação de boas práticas em categorias de projetos feitos por professores, estudantes, da unidade escolar como um todo, entre outros. Para mais informações sobre o prêmio acesse: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ direitos_humanos/edh/programas_e_projetos/premios_municipais/ Educação em Direitos Humanos http://portaledh.educapx.com/projetos-de-educacao-em-direitos-humanos.html 36 RESUMINDO: Nossa primeira unidade está chegando ao fim. Então, gostou do que lhe mostramos? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Atualmente, a necessária conexão entre os direitos humanos e a educação em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande defasagem na educação formal, o reflexo da desigualdade social, o modelo tradicional de educação e a resistência a pressupostos teóricos e práticas inovadoras que considerem o tema dos direitos humanos de forma transversal e a não implementação das ações previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. As sucessivas crises nas últimas décadas, em especial na educação pública, fruto de uma reconsideração do papel do Estado e de crises orçamentárias do setor público, agravam ainda mais o cenário. Tanto em espaços de educação não formal quanto, e principalmente, em espaços de educação formal, um dos desafios contemporâneos à educação em direitos humanos é a formação de professores habilitados a considerar o tema em seus planejamentos de aula. Iniciativas de valorização de projetos e experiências que já lidam com o tema são fundamentais, assim como a parceria entre os diferentes setores da sociedade. Para isso, é necessária a reflexão constante sobre a formação de professores, a pesquisa científica na área e a implementação pedagógica em educação em direitos humanos, a fim de que os processos teóricos e metodológicos sejam constantemente revistos e melhorados em prol da consolidação e ampliação de direitos. Educação em Direitos Humanos 37 REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. Educação e emancipação. 3. ed. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2003. BITTAR, E. Educação e metodologia para os direitos humanos: cultura democrática, autonomia e ensino jurídico. In: SILVEIRA, R. M. G. et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007. Disponível em: http:// www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm. Acesso em: 10 maio 2019. BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. 2007 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional- pdf/file. Acesso em: 06 abr. 2021. BRASIL. Resolução CNE/CP 1/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de maio de 2012. Seção 1. Disponível em: http://portal.mec.gov. br/dmdocuments/rcp001_12.pdf. Acesso em: 6 abr. 2021. MASSARO, V. Reflexões sobre o jusnaturalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Tresina, ano 22, n. 5198, 24 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39884. Acesso em: 5 maio 2019. SADER, E. Contexto histórico e educação em direitos humanos no Brasil: da ditadura à atualidade. In: SILVEIRA, R. M. G. et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológico. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007. Disponível em: http://www.dhnet.org. br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm . Acesso em: 22 abr. 2011. Acesso em: 10 maio 2019. UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. 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