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Prévia do material em texto

Diversidade étnica na formação do Brasil
Prof.ª Renata Figueiredo Moraes
Descrição
A formação do Brasil e sua diversidade. Os primeiros povos do país. O impacto da chegada dos portugueses e dos demais imigrantes. A presença africana na formação do Brasil. Os intérpretes do país e de suas identidades.
Propósito
A diversidade étnica do Brasil está em construção e possui diferentes etapas. A construção do “brasileiro” e de sua identidade não foi um processo único; portanto, não podemos descartar os conflitos e as hierarquias, principalmente na interpretação de grandes autores, sobre a origem do país.
Preparação
Um prerrequisito para a absorção deste conteúdo é a leitura de um importante documento: a Carta de Pero Vaz de Caminha.
Objetivos
Módulo 1
Os indígenas e os contatos com os europeus
Discutir a diversidade étnica do Brasil a partir dos diferentes povos indígenas.
Módulo 2
Os europeus no Brasil
Relacionar a presença dos europeus e o impacto para a formação da diversidade étnica no Brasil.
Módulo 3
Os africanos no Brasil
Identificar os africanos no Brasil como parte da nossa diversidade étnica.
Módulo 4
Interpretações sobre o Brasil
Discutir o tratamento da diversidade étnica no Brasil pela intelectualidade brasileira.
Introdução
O Brasil foi formado por milhares de nações. A diversidade de língua, de cor, de cultura e de costumes foi a marca da formação do país e da sua identidade. Ao se discutir a diversidade étnica, também é preciso pensar na palavra “etnia”, que foi criada pelas Ciências Sociais em oposição ao termo “cultura”, reconhecendo, assim, uma “etnia” em contraste com outra.
Desse modo, pensar a diversidade étnica do Brasil é refletir sobre as oposições de povos e de grupos sociais que aqui estiveram antes mesmo da chegada dos portugueses — e depois deles. A presença dos europeus provocou mudanças profundas no que se refere ao território, à exploração dos recursos naturais e humanos e, principalmente, à diversidade cultural e étnica.
Apesar de tal diversidade inerente à nossa formação, intelectuais e autoridades do Império e da República se esforçaram em criar uma ideia sobre o que é ser “brasileiro”, principalmente a respeito da cor e da cultura desse sujeito. Tal tentativa de definição fez parte dos esforços de gerações de intelectuais, os quais até hoje não chegaram a um consenso, uma vez que ele não existe.
A identidade nacional é constantemente criada no contraste com outras identidades. Dessa forma, pensar a diversidade étnica é ver nos indígenas, nos africanos e nos europeus uma origem do que é ser brasileiro apesar da própria maleabilidade dos conceitos de “indígenas”, “africanos” e “europeus”.
1 - Os indígenas e os contatos com os europeus
Ao nal deste módulo, você será capaz de discutir a diversidade étnica do Brasil a partir dos diferentes povos indígenas.
O encontro
Início do Brasil?
A chegada dos europeus às Américas foi determinante para a constituição de uma identidade americana, principalmente diante da exploração que eles fizeram sobre os povos nativos. O contato deles com os nativos, mais especificamente dos portugueses nas regiões do Brasil, marcava o início da formação de uma identidade americana que não seria única. Pelo contrário, já que a diversidade étnica é a principal característica dessa identidade.
Dessa maneira, é fundamental discutir primeiramente quem eram os povos nativos que viviam no Brasil na ocasião da chegada dos portugueses. Um dos primeiros pontos que devemos levar em consideração é o apagamento das diversidades étnicas existentes entre os povos indígenas.
Os europeus criaram a categoria “índios” após o primeiro contato em 1492 com os povos nativos, que passaram a ser chamados assim. Essa nova categoria homogeneizou uma variedade de grupos etnolinguísticos em diferentes partes das Américas.
No Brasil, na ocasião da chegada dos portugueses, existiam aproximadamente mil povos e quase 5 milhões de pessoas com etnias, idiomas e tradições diferentes. Tudo isso foi apagado pelo colonizador, aprofundando-se na organização dos indígenas em aldeias, forma implementada pelos portugueses para agregá-los e, com isso, mantê-los sob controle.
O desembarque dos portugueses no Brasil ao ser descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500, por Roque Gameiro.
Nessas aldeias, não eram consideradas as diversidades étnicas, linguísticas, ritualísticas e religiosas, sendo, assim, ignoradas as especificidades de povos tão distintos durante todo o processo da colonização. Com a chegada de novos indígenas de forma compulsória, esses aldeamentos, que poderiam ser religiosos ou civis, não conseguiram se reproduzir biologicamente, e sim de forma predatória.
A história da ação dos indígenas, da negociação e da sua resistência é sintetizada em argumentos de que eles eram um grupo frágil, rebelde ou violento e que, por esses motivos, foram sendo eliminados ao longo de batalhas que, aos olhos dos colonizadores, eram justas. Sob o manto de tais argumentos, cerca de 90% da população existente no continente americano foi eliminada no primeiro século de colonização.
Comentário
Além do apagamento das identidades étnicas e de uma supervalorização do desempenho dos colonizadores, esse grupo social aparece na crônica da extinção como vítima passiva e em papéis secundários e depreciativos. Tal fator lhes causa uma dupla violência: a física e, em seguida, a histórica.
Os sobreviventes desse genocídio, inédito na história da humanidade, lutaram para preservar suas identidades, histórias, memórias e tradições.
A diversidade étnica
Índios? Que índios?
A autora Maria Regina de Almeida (2013) destaca como é problemática a designação dos grupos étnicos por conta do desconhecimento dos portugueses em identificar e compreender a etimologia indígena.
Os tupis
No início da colonização, no século XVI, os tupis predominavam na costa e na bacia do Paraná-Paraguai, estabelecendo mais contato com os portugueses. Uma hipótese dos pesquisadores é que esse grupo tenha se dispersado da região antes de sua conquista.
Os tupinambás são um exemplo da dificuldade apontada por Almeida, que seriam um subgrupo dos tupis que habitavam na região costeira do Ceará até Iguape. A expressão “tupinambá”, contudo, também serve para designar tanto os vários grupos de tupis que habitavam o litoral quanto um de seus subgrupos.
As rivalidades interétnicas foram exploradas pelos portugueses no processo de dominação. Uma delas era a existente entre os tupis e os tapuia. Aproveitando-se dessas rivalidades, eles reclassificaram os grupos e os denominaram como “mansos” e “bravios”.
Os tapuias que ficavam no interior do território eram tidos como selvagens, bárbaros e antropófagos, ao contrário dos tupis, que viviam no litoral e eram vistos como aliados pelos portugueses.
Índio Tupi, por Albert Eckhout, 1643.
De fato, o termo “tapuia” se referia, de forma genérica, a um grupo de oposição aos tupis, fator que influenciou o olhar europeu sobre esse grupo, dando-lhe características negativas e bárbaras.
Por outro lado, os tapuias foram aliados dos holandeses no período em que eles ocuparam a região de Recife pelo fato de esse grupo indígena ser um inimigo dos portugueses. Com isso, rivalidades étnicas eram alimentadas por diferentes povos europeus que ocuparam a região do Brasil em tempos distintos.
Sendo assim, muitas dessas nomenclaturas étnicas foram dadas por cronistas. A partir de algumas situações específicas, elas acabaram por caracterizar um grupo, mas não devem ser vistas como categorias fixas, destaca John Monteiro: “o processo de invenção de um Brasil indígena envolveu a criação de um amplo repertório de nomes étnicos e de categorias sociais que buscava classificar e tornar compreensível o rico painel de línguas e culturas antes desconhecidas pelos europeus” (ALMEIDA, 2013, p. 51).
Os cronistas influenciaram a caracterização de grupo “inimigo” e outro “amigo”, uma vez que os europeus interferiram nas guerras intertribais e nas relações interétnicas. Por isso, tais características foram dadas a partir de uma conjunturaespecífica de conflito e sobrevivência na qual a presença europeia, seus artefatos e sua “amizade” poderiam determinar o destino de um grupo.
Hora de resistir
A experiência desse contato fez com que os indígenas reelaborassem comportamentos, atitudes e valores, alterando relações, história e identidade. Essa reelaboração está dentro de uma concepção de cultura que se forma e se transforma dentro dos processos históricos, alimentada pelas expectativas dos homens que viveram esses processos.
Com os indígenas tal processo não foi diferente, sendo impossível aos grupos que tiveram contato com os portugueses permanecer os mesmos depois dessa experiência. Assim, as etnias se reelaboraram, se rearticularam e construíram movimentos conforme as motivações do momento.
Esse é um ponto importante para que possamos ver os indígenas como grupo social em constante movimento e seguindo uma lógica dos demais grupos que por aqui chegaram. A reelaboração dos movimentos e da identidade faz parte de qualquer sociedade — e, com os indígenas, não foi diferente.
Na experiência dos aldeamentos, a convivência com portugueses, jesuítas e uma mistura de grupos étnicos não tirou desses aldeados a sua identidade indígena; pelo contrário, ela os colocou numa condição distinta dos outros grupos sociais da colônia, sendo submetidos a algumas regras e tendo alguns direitos.
Nos aldeamentos, os aldeados conheceram outras culturas e histórias, convivendo não apenas com outras etnias, mas também com outros grupos, como mestiços, colonos e missionários. Além disso, eles aprenderam novas práticas culturais e políticas, tendo as aldeias um papel para a ressocialização dos povos indígenas.
Soldados índios da província de Curitiba, escoltando índios prisioneiros, por Jean Baptist Debret, 1834.
A experiência do contato fez com que muitos indígenas adotassem hábitos dos colonizadores, alterando seus modos de vida e dando novas interpretações ao seu sistema cultura já existente. No entanto, essa situação não fez com que eles deixassem de ser “índios” ou que se criasse uma ideia de “índio falso” e “índio legítimo”.
Tal ideia reforçaria a crença de que esse grupo estaria condenado a um imobilismo histórico apesar das experiências de contato com outros grupos. Assim como qualquer outro agrupamento, os índios estão sujeitos a mudanças históricas, sem que, com isso, precisem abandonar totalmente suas culturas e identidades.
Todos os grupos que formaram o Brasil se transformaram, mas o indígena parece condenando a um imobilismo. Além disso, qualquer mudança é vista como uma falsidade e um movimento errado.
Formas de colonização
Re exão
Nos primeiros anos da colonização, os índios interagiram com os agentes presentes no processo de construção da sociedade colonial buscando os próprios ganhos. Com negociações e perdas, as aldeias tiveram outro tipo de vivência e de experiência de contato.
A sociedade colonial se formou a partir de dois movimentos:
Miscigenação
Adaptação cultural
Os indígenas estiveram envolvidos nesses dois processos. Ambos provocaram a reelaboração de comportamentos, valores, crenças, interesses e objetivos e a construção de histórias e identidades por parte de todos os sujeitos envolvidos, sejam eles colonizadores ou colonizados.
Cabe reconhecer quão complexos eram os contatos entre os índios e os demais agentes sociais, que muitas vezes tinham atitudes ambíguas e incoerentes, sendo constantemente reformulados por suas experiências cotidianas na colônia.
Na reflexão acerca da diversidade étnica do Brasil, os povos nativos também precisam ser protagonistas desse relato, já que não foram anulados nem física, nem politicamente nos contatos com os europeus. Desse modo, eles contribuíram para uma cultura e uma religião brasileira de diferentes modos.
Os indígenas conseguiram recriar suas identidades nos séculos seguintes a partir das diferentes formas como viveram a colonização, seja como índios aldeados, súditos cristãos ou simplesmente sem contato com o colonizador. De toda forma, eles não desapareceram nem foram totalmente assimilados, como faz crer uma história que nos foi contada e que deixa apenas no passado esse grupo.
Nos séculos seguintes, principalmente após a independência do Brasil, em 1822, os indígenas permaneceram atuando em outras esferas como forma de resistência e recriando suas identidades, sua cultura e sua história. Essa atuação fez com que eles sobrevivessem a despeito dos esforços de políticas públicas, desde os tempos da colônia, do Império e mais fortemente na República, para eliminar essa população.
Segundo Manuela Carneiro da Cunha (2012), ”o que é hoje o Brasil indígena são fragmentos de um tecido social cuja trama, muito mais complexa e abrangente, cobria provavelmente o território como um todo”. De acordo com dados do IBGE, o país conta com 305 etnias indígenas e 274 línguas diferentes, correspondendo a um percentual de 0,47% da população.
Atenção!
Esses números são constantemente alterados por fatores sociais, como à não realização do Censo (prevista para 2020) e os efeitos da pandemia da covid-19, mas serve como referência e comparação a números posteriores.

Os povos originários e a identidade brasileira
Assista agora a um vídeo que apresenta um estudo de caso baseado em documentos da época.
Falta pouco para atingir seus objetivos.Vamos praticar alguns conceitos?
 Questão 1
(Enem – 2016 – adaptada)
TEXTO I
Documentos do século XVI algumas vezes se referem aos habitantes indígenas como “os brasis” ou “gente Brasília”, e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao status econômico e jurídico desses [habitantes] eram muito mais populares. Assim, os termos “negro da terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência do que qualquer outro. (SCHWARTZ, 2000)
TEXTO II
Índio é um conceito construído no processo de conquista da América pelos europeus. Desinteressados pela diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito para com o outro, os indivíduos de outras culturas, espanhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma forma povos tão díspares quanto os tupinambás e os astecas.
(SILVA; SILVA, 2005)
Na comparação dos dois textos, as formas de designação dos grupos nativos pelos europeus, durante o período analisado, são reveladoras da
A concepção idealizada do território, entendido como geograficamente indiferenciado.
B percepção corrente de uma ancestralidade comum às populações ameríndias.
C compreensão etnocêntrica acerca das populações dos territórios conquistados.
D transposição direta das categorias originadas no imaginário medieval.
E visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza.
Parabéns! A alternativa D está correta.
Os relatos dos portugueses, principalmente do século XVI, eram carregados de preconceito em virtude da visão de cultura etnocêntrica, isto é, de uma forma de pensamento de quem acredita na superioridade do seu grupo étnico.
Questão 2
A ideia de que, no Brasil, existiam “índios” faz parte de uma visão equivocada sobre as organizações e os povos aqui estabelecidos. Nesse ponto, é necessário conseguir identificar os povos locais e suas características. Eram povos nativos do Brasil no século XVI
A maias e astecas.
B tupinambás e guaranis.
C tupiniquins e apaches.
D toltecas e incas.
E charruas e marajoaras.
Parabéns! A alternativa B está correta.
Os povos tupinambás e guaranis habitavam nosso país quando os portugueses chegaram e tais povos tiveram bastante contato com os colonizadores. Os tupinambás habitavam a região litorânea do Nordeste brasileiro até o Sudeste; os guaranis, onde fica atualmente a Região Sul do Brasil, além de territórios atualmente pertencentes ao Paraguai e à Argentina.
2 - Os europeus no Brasil
Ao nal deste módulo, você será capaz de relacionar a presença dos europeus e o impacto para a formação da diversidade étnica no Brasil.
A expansão colonialista
Navegar é preciso
A expansão marítima europeia permitiu uma circulação de diferentes povos europeus paraoutras regiões — entre elas, o continente africano e as Américas. Os primeiros a chegarem ao Brasil foram os portugueses, no entanto, outros europeus também estiveram nessa região e contribuíram para a formação da sociedade brasileira na sua diversidade étnica.
Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, por Oscar Pereira da Silva, 1922.
Os portugueses iniciaram sua empreitada de ocupação do território que seria chamado “Brasil” após algumas questões relacionadas ao seu processo de expansão. Uma delas diz respeito a seu recuo em algumas áreas do continente africano, principalmente na região norte, diante da perda do controle dessa área para os muçulmanos. A decisão de ocupar o Brasil ocorreu, entre outros motivos, devido ao perigo de perda do território para os franceses.
Essa ocupação foi realizada primeiramente por meio da doação de terras para particulares. O sistema conhecido como “capitanias hereditárias” permitiu uma divisão da área entre os burgueses e aqueles dispostos a enfrentar o desafio colocado pela Coroa. Pouco sabemos acerca da ocupação dessas áreas, assim como sobre a totalidade de portugueses e a origem dos que vieram para o Brasil.
Atravessar o Atlântico para terras desconhecidas, afinal, era um desafio que nem todos estavam dispostos a enfrentar, principalmente pela falta de recursos e de garantia da Coroa. A colonização, de fato, se iniciou anos depois, quando houve uma centralização administrativa graças ao estabelecimento do governo geral, tendo a cidade de Salvador como centro.
Mapa de Luís Teixeira com a divisão da América portuguesa em capitanias, 1574.
A vinda de portugueses não foi constante no período colonial. A Coroa portuguesa tinha dificuldades em atrair colonos para a região. Porém, com a descoberta do ouro, o fluxo migratório de portugueses para o Brasil se intensificou.
As pessoas que vieram para o Brasil eram de distintas regiões de Portugal, havendo períodos de maior presença de povos da Norte ou das ilhas portuguesas. Tal fato é significativo, já que os próprios portugueses eram um povo mestiço, afetando, assim, a própria concepção do que é ser “português”.
A ocupação europeia
Esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal
As famílias senhoriais portuguesas tentaram manter uma linhagem e hierarquias, principalmente na região agrícola, formando alianças entre famílias que também se ajudavam com recursos, terras e esposas. Muitas pesquisas mostram essa prática de casamentos endógenos, isto é, entre portugueses, em contextos específicos — principalmente aqueles ligados à produção agrícola e presentes desde os tempos da colonização.
Esses esquemas de casamentos também agregaram famílias pobres e da classe senhorial a fim de criar uma estabilidade na estrutura agrária. No entanto, apesar da forte presença portuguesa no período colonial, somente após a independência do Brasil o fluxo migratório de portugueses atingiu o seu ápice, havendo, no período republicano, outro auge da vinda desses povos para o país.
A chegada da família real em 1808 também gerou um impacto, uma vez que ela veio para o Brasil acompanhada de uma grande comitiva de portugueses, incluindo os membros da família e seus funcionários. Tal mudança atraiu alguns comerciantes e homens de negócio provenientes de Portugal.
Embarque da família real portuguesa, de artista desconhecido.
De acordo com alguns estudiosos, os portugueses que vieram para o Brasil possuíam distinções em relação à escolaridade e aos recursos, variando conforme o contexto europeu, fator que, aliás, favoreceu essa migração. Houve desde portugueses com alta escolaridade, funcionários administrativos e da Coroa e missionários até pessoas mais pobres, sem escolaridade ou recursos.
Diante de tamanha diversidade, a questão que se coloca nesses estudos sobre os imigrantes portugueses se atém à manutenção de modelos culturais de tais imigrantes. A imagem do colonizador português e a do imigrante não podem ser vistas como modelos fechados nem superiores às dos demais povos aqui existentes.
O analfabetismo dos portugueses e a pobreza de muitos deles interferiu, de algum modo, na forma como eles agiram na sociedade da colônia e do Império, assim como no legado deixado para a formação da nacionalidade brasileira.
A presença de europeus diversos no Brasil
Espanhóis
Os espanhóis fizeram parte do processo da colonização do Brasil no período da União Ibérica (1580-1640), quando as coroas portuguesas se uniram sob o rei espanhol. Nessa ocasião, a presença de espanhóis (ou castelhanos) foi constante no Brasil, voltando a ser presente nos séculos XIX e XX com as imigrações de galegos.
A invencível armada, de autor desconhecido, século XVI.
No período de domínio dos espanhóis, a expansão para o interior, se distanciando do litoral, foi iniciada com a descoberta dos “sertões”. Ficaram conhecidas como “bandeiras” as expedições de conhecimento de uma região, o aprisionamento de índigenas e a ocupação do território.
A presença dos espanhóis foi marcante no território colonial, mas teve reduzido seu impacto com o fim da União Ibérica no período colonial. Como apontamos, porém, a vinda deles se acentuou nos séculos seguintes.
Holandeses
A região do Brasil atraiu outros povos europeus. Os holandeses estavam entre os povos que cobiçaram essa região das Américas. A primeira tentativa ocorreu na Bahia ainda no final do século XVI, embora eles só tenham feito uma campanha de forma mais efetiva em 1624 — só que sem sucesso.
Batalha dos Guararapes, por Victor Meirelles, 1875.
Em 1630, os holandeses enfim chegaram a Pernambuco e por lá permaneceram até 1654. Nesse período, eles atuaram de forma diferenciada na ocupação dessa região, produzindo os registros dela por meio de obras de artistas e memorialistas que marcavam a permanência desse povo em terras anteriormente ocupadas por portugueses.
A vinda dos holandeses está ligada a um contexto específico na Europa: a visão da América como um local atrativo para novos investimentos. A permanência deles em Pernambuco — primeiramente, em Olinda; depois, em Recife — alterou a arquitetura da cidade e introduziu a religiosidade judaica em um ambiente de predominância católica por conta dos portugueses.
Os judeus atuaram fortemente na região conhecida como “Nova Holanda”, negociando escravos e alimento. Ganhar a confiança dos moradores da região garantiu a eles um grande lucro, além de influenciar outros a assumir o judaísmo como religião, principalmente os cristãos-novos recém-convertidos do judaísmo ao cristianismo.
As marcas da presença dos holandeses nessa região permanecem até hoje nos pontos turísticos de Recife e Olinda e alimentam a memória de um tempo da colonização que não era empreendimento dos portugueses, ainda que ela também fosse baseada na exploração especialmente da mão de obra escrava africana e indígena.
Judeus
Entre aqueles que vieram para o Brasil desde os primeiros momentos, estavam os judeus. Em um primeiro momento, eles eram identificados como cristãos-novos diante da política inquisitorial do reino português. Após o início da colonização, alguns senhores de engenho não só tinham origem judaica, como também eram traficantes de escravos, grandes comerciantes e demais profissionais existentes na colônia, como médicos, militares e artesãos.
A presença de cristãos-novos na colônia foi tranquila até a vinda do visitador inquisitorial disposto a encontrar aqueles que preservavam práticas judaizantes mesmo se intitulando cristãos-novos. Na época da ocupação da região de Pernambuco pelos holandeses, a comunidade judaica pôde ter uma liberdade religiosa com o estabelecimento da primeira sinagoga do Brasil.
A mais antiga sinagoga das Américas, localizada no Recife, foi fundada em 1636.
Na ocasião, esses judeus também se dedicaram ao comércio de açúcar e escravos e atuavam em cargos de administração. Tal presença judaica permitiu que muitos daqueles que se apresentavam como cristãosnovos se sentissem seguros para assumir o judaísmo como prática religiosa.
A política modernizadora deMarquês de Pombal, responsável pela expulsão dos jesuítas do Brasil, eliminou a marca de sangue e, consequentemente, a diferenciação entre cristãos-novos e velhos, marcando o fim da primeira fase da história dos judeus no Brasil, aponta Keila Grinberg (2007, p. 130).
Exemplo
A constituição do Império que estabeleceu a liberdade religiosa no Brasil favoreceu a vinda de imigrantes judeus de origem inglesa, francesa e marroquina. Com atuações no comércio e em outras atividades, eles fixaram residência em variadas cidades do Império.
Franceses
Os franceses também se interessaram na região das Américas. Eles tentaram ocupar o local onde atualmente se situa a cidade do Rio de Janeiro, porém não tiveram sucesso. Essa tentativa marcou a fundação da cidade, feita por Estácio de Sá em pleno conflito entre portugueses e franceses no ano de 1565.
Chegada da esquadra francesa na baía da Guanabara, em 12 de setembro de 1711.
Décadas depois, em 1612, os franceses investiram novamente no Brasil, mais precisamente na Região Norte, fundando a cidade de São Luís, no Maranhão, com o objetivo de criar a França Equinocial. Antes dos franceses, essa região era dominada pelos tupinambás, que chamavam a área de “ilha grande”. Contra eles, lutaram lado a lado espanhóis e portugueses.
No entanto, a presença dos franceses não durou muito na região, que também contava com a presença de holandeses e portugueses. Toda essa região do norte da colônia foi ocupada por europeus (franceses, holandeses, espanhóis e portugueses): eles montavam núcleos urbanos ao lado de religiosos, os quais, por sua vez, se empenhavam no processo de catequização dos indígenas.
Migrantes e aventureiros
Em busca da riqueza
Após o auge do período colonial e nos primeiros momentos do século XIX, houve um incentivo à vinda de imigrantes para a ocupação de algumas áreas até então desocupadas do Brasil. O incentivo foi provocado pelo fim do tráfico de escravos e a perspectiva de falta de mão de obra para a lavoura de café, que estava em ascensão na segunda metade do século XIX.
Por outro lado, é importante frisar que a vinda de imigrantes europeus para o Brasil foi um reflexo das condições políticas e econômicas desses países de origem. O caso dos imigrantes alemães é um desses exemplos diante da realidade da guerra franco-prussiana, da formação do Estado Nacional e da decomposição das características feudais ainda existentes nessa região.
Migrar da Europa, portanto, poderia ser uma opção para famílias inteiras destituídas de terras e de um futuro. Outros povos que se encaixavam nessa dinâmica de crise em seus países de origem também vieram, como, por exemplo, os próprios portugueses e suíços.
A Imperatriz Leopoldina incentivou a imigração alemã ao Brasil.
O núcleo de ocupação por parte desses imigrantes era em médias propriedades de terras. Essas pessoas, portanto, serviriam para ocupar regiões inexploradas.
As atividades desses primeiros colonos se concentravam na lavoura de subsistência e no comércio local.
Os suíços em Nova Friburgo/RJ e os alemães em São Leopoldo/RS e Blumenau/SC são exemplos disso.
Além da ocupação da região com atividades agrícolas, a chegada desses povos prometia promover a “civilização” do país de acordo com os padrões europeus. Esses povos também interferiram em uma prática religiosa existente no Brasil, principalmente na influência da religião protestante e na implantação das suas igrejas, como é o caso da Igreja Luterana, existente em várias partes do Brasil.
A cultura brasileira também foi afetada pelos diferentes povos que aqui estiveram, como alemães, italianos, judeus e suíços, além de outros.
A fuga dos con itos
Os italianos chegaram ao Brasil no final do Império, por volta da década de 1870, também influenciados pela crise política e econômica no seu país de origem. No Brasil, eles se tornaram um tipo ideal de imigrante, chegando a corresponder a quase 50% deles.
Os emigrantes, por Antonio Rocco, 1910.
A presença dos italianos se assemelhava à dos portugueses e espanhóis pelo fato de eles também serem de origem latina, diferentemente de alemães e japoneses. Além disso, eles cumpriam o aspecto da política de branqueamento do governo brasileiro tanto do Império quanto da República.
Por isso, eles se tornaram o imigrante “adequado” para os desafios que o Brasil colocava sobre a política imigrantista. A presença dos italianos se deu na região da cafeicultura, principalmente em São Paulo. Em seguida, atuaram em fábricas e indústrias, compondo um importante quadro do operariado no Brasil recémindustrializado.
Desse modo, no período imperial, o movimento migratório para o Brasil foi apoiado como política de Estado, havendo regras e leis a fim de favorecer a vinda de povos estrangeiros para o trabalho em sintonia com os interesses das elites agrárias. Isso permitiu uma integração do país na ordem capitalista e no mercado mundial que se conformou no bojo do imperialismo.
Além disso, a vinda de diferentes povos para o Brasil afetou a formação da cultura nacional e contribuiu para a diversidade étnica. Sendo assim, seria possível dizer que o Brasil é formado por “três raças”?

Europeus na colonização brasileira
Assista agora a um vídeo que apresenta um estudo de caso baseado em documentos sobre a presença de judeus ou holandeses no Brasil e que mostra, na prática, os papéis que eles assumiam.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(UEL-PR) "Como não se tratava de regiões aptas para a produção de gêneros tropicais de grande valor comercial, como o açúcar ou outros, foi-se obrigado para conseguir povoadores [...] a recorrer às camadas pobres ou médias da população portuguesa e conceder grandes vantagens aos colonos que aceitavam irem-se estabelecer lá. O custo do transporte será fornecido pelo Estado, a instalação dos colonos é cercada de toda a sorte de providências destinadas a facilitar e garantir a subsistência dos povoadores; as terras a serem ocupadas são previamente demarcadas em pequenas parcelas, [...] fornecem-se gratuitamente ou a longo prazo auxílios vários (instrumentos de trabalho, sementes, animais etc.)."
(PRADO JÚNIOR, 1982, p. 95-96)
Com base no texto, é possível afirmar que o autor se refere
A à colonização do sertão nordestino por meio da pecuária.
B à ocupação da Amazônia por meio das drogas do sertão.
C
à expansão para ocupação e manutenção de uma presença europeia — em especial, a portuguesa.
D à colonização do Sul por meio da pecuária.
E ao povoamento das capitanias hereditárias.
Parabéns! A alternativa D está correta.
Contemplando as informações do texto, temos o desenvolvimento de um processo de ocupação do território colonial que se desenvolveu à margem dos ditames que organizavam os grandes empreendimentos da colonização portuguesa no Brasil. Utilizando-se da pecuária como exemplo, o texto aborda o processo de interiorização relacionado ao desenvolvimento de outras atividades econômicas que, em muitos casos, se ampliou graças às necessidades do mercado interno.
Questão 2
(Fuvest-SP – adaptada) O que levou ao desenvolvimento e à ampliação das atividades econômicas periféricas da colônia, tais como a pecuária, o tabaco, as drogas do sertão e mesmo o pau-brasil, em detrimento da lavoura de cana-de-açúcar, após a expulsão dos holandeses, em 1654, foi
a criação de um mercado interno fomentado pelo descobrimento das minas de ouro no
A
final do século XVI e sua ampliação para as cidades litorâneas da colônia.
a inversão significativa da utilização da mão de obra escrava pela mão de obra livre na
B
região das minas, criando, assim, um mercado consumidor expressivo.
estagnação econômica do Centro-Oeste em função do renascimento agrícola no
C
Nordeste ao longo do século XVII.
o acompanhamento dessas atividades: primeiramente, como complemento da atividade
	D	açucareira; e posteriormente, como núcleos abastecedores da atividade mineradora e
seus desdobramentos.
a estagnação econômica da capital da colônia em função do desenvolvimento do cultivo E de café.
Parabéns!A alternativa D está correta.
Observando o desenvolvimento das chamadas atividades periféricas ou complementares, notamos que a sua sustentação se deu em função da paulatina formação de um mercado consumidor interno interessado na compra e na obtenção desses produtos. Sem dúvida, tais atividades inicialmente não foram acompanhadas de perto pela administração colonial, só depois ocupando o posto de sólido pilar na organização da economia brasileira.
3 - Os africanos no Brasil
Ao nal deste módulo, você será capaz de identi car os africanos no Brasil como parte da nossa diversidade étnica.
Uma escolha econômica
As costas africanas
A introdução da escravização de africanos no Brasil fez com que recebêssemos cerca de um terço dos africanos trazidos para as Américas. Esse grupo veio da região das seguintes regiões:
Costa ocidental (Costa da Mina, principalmente)
Centro-Ocidental (Angola e Congo)
Costa oriental (Moçambique)
A identificação étnica dos africanos que vieram para o Brasil poderia responder sobre a experiência da escravidão e sobre como eles viveram a diáspora. No entanto, muitos registros de nação encontrados nas documentações são apenas categorias criadas por senhores e comerciantes ou identidades adotadas pelos próprios africanos ao se reagruparem ou ressocializarem sob a escravidão.
A denominação “povos africanos” é uma terminologia que homogeneíza todos os que vieram do continente, mas que sequer se identificavam como “africanos”. As diferentes regiões do continente originaram povos distintos, porém, ao chegarem ao Brasil, eles se viram identificados a partir de algumas condições impostas a eles. A principal delas é a condição de escravizados.
Isso fez com que “africano” se tornasse sinônimo de “escravo”. Resultado: toda uma pluralidade cultural, estética, de costumes e religiosa foi desprezada por intelectuais que interpretavam o Brasil Colônia e o Império ainda dependente da escravidão.
Uma forma de perda de identidade foi a substituição de seus nomes de origem pelos do colonizador ou do senhor. Nomes africanos foram substituídos pelos de portugueses, ingleses, espanhóis, holandeses e franceses, ou seja, de todos aqueles que participaram da escravização desses povos, principalmente no Brasil.
Festa do Senhor do Bonfim, em Salvador (BA).
No entanto, é importante ressaltar que, apesar das opressões vividas por tais povos durante o período da escravização, a resistência em manter suas identidades culturais e religiosas foi predominante. Graças a isso, eles puderam contribuir com a formação da sociedade brasileira — especialmente na cultura, na religiosidade e na política.
A dinâmica de comércio de homens e mulheres africanos
A tentativa de apagar as identidades
O comércio de homens e mulheres africanos para as Américas fez com que chegassem ao Basil cerca de 4 milhões de homens e mulheres. Esses números têm sido constantemente atualizados à medida que as pesquisas sobre tráfico de escravizados descobrem novas cifras e a contabilidade desse comércio, que durou séculos.
Toda essa “mercadoria” veio para o Brasil trabalhar na lavoura e em outras atividades, por exemplo, no serviço doméstico ou no comércio das grandes e pequenas cidades. De acordo com João José Reis (2007), os africanos que aqui chegaram eram, entre outros, povos chamados de:
Congos
Angolas
Benguelas
Cabindas
Cassanges
Monjogos
Rebolos
Moçambiques
Alguns deles predominaram em alguma região, como é o caso dos angolas, que saíram do Porto de Luanda e desembarcaram, em sua maioria, no Rio de Janeiro.
Vindos da região do Golfo do Benin (sudoeste da atual Nigéria), os que chegavam à Bahia, por sua vez, eram chamados de:
Dogomés
Jejes
Ussás
Bornos
Tapas
Nagôs
O tráfico de escravizados se fazia com trocas recíprocas e complementares. A Bahia era uma importante fornecedora de tabaco, oferecido em troca de escravos. De acordo com Pierre Verger (2021), os africanos escravizados na Bahia eram provenientes de nações guerreiras.
Apesar de todos os estudos sobre os africanos no Brasil, não é possível precisar a origem e as etnias dos que foram escravizados no país, já que o termo “nação” não corresponde necessariamente a grupos étnicos constituídos, e sim a alguns critérios e variáveis que aparecem em determinada rota. Ou seja, ele faz mais referência à experiência dos traficados com a escravidão.
Os africanos no Atlântico puderam redefinir suas identidades e as fronteiras que os separavam, surgindo, assim, as organizações conhecidas como “nações”. As identidades étnicas se transformaram com a própria experiência da escravidão e se tornaram etnicidades africanas no Brasil.
Calçadores, por Jean-Baptiste Debret, 1824.
Citando Robert Slenes, um importante historiador, João José Reis indica que:
[Slenes] propõe que os escravos da África Centro-Ocidental que povoaram as fazendas e cidades do Centro-Sul do Brasil teriam aqui desenvolvido uma ‘protonação bantu’ a partir de características culturais convergentes, sobretudo linguísticas, ou seja, as línguas e outros elementos culturais próprios daquela área geográ ca africana teriam um substrato bantu que facilitou a formação de uma identidade comum no Brasil, a identidade bantu.
(REIS, 2007, p. 84)
As identidades étnicas foram construídas com base em determinados elementos da cultura de um grupo e conforme a necessidade em relação ao outro. A identidade desses africanos, fossem eles escravizados ou libertos, estava em constante transformação — seja ela a ocorrida na travessia entre África e Brasil, seja a que se deu dentro de nosso próprio país. A viagem atlântica provocou, portanto, a ruptura e a redefinição das identidades étnicas.
Reconstruindo identidades
Os minas
Os minas são exemplos da mudança anteriormente descrita. Povos de origem da África Ocidental, eles se fixaram, em grande parte, na Bahia para a substituição daqueles vindos da África Centro-Ocidental.
Muito que sabemos sobre esse grupo vem dos batismos realizados por seus senhores. Classificados como “minas”, eles recebiam os nomes dos seus senhores ou de outras origens diferentes da original.
Atenção!
Para alguns autores, a identidade “mina” — e até mesmo a africana — é uma identidade em construção e fruto das mudanças que afetaram a escravização dos africanos nas Américas, principalmente no Brasil.
Muitos africanos tidos como “minas” emigraram da Bahia para o Rio de Janeiro. Eles eram vendidos por seus donos pelo temor de revoltas semelhantes à ocorrida em 1835 (conhecida como Revolta dos Malês). Parte desses migrantes contava com as mulheres minas, as quais, aliás, já vinham com a prática do comércio em Salvador.
No Rio de Janeiro, eles continuaram nessa atividade e ocuparam as ruas da corte, vendendo panos da costa, alimentos e outros produtos. Essas características gerais não conseguem definir todas as mulheres tidas como “pretas-minas” que atuavam no comércio no Rio de Janeiro.
De acordo com Carlos Eugênio Soares (2007), o termo “mina” talvez tenha sido usado de forma generalizada para a população escrava no Rio de Janeiro, referindo-se, na verdade, a todos os africanos ocidentais vindos da Bahia.
Os contornos dessa identidade são complexos. Pelo enfoque nas quitandeiras, podemos entender que esse novo movimento de rede nição transétnico relaciona-se com a cultura de gênero, o mercado de trabalho e os espaços urbanos reinventados. Pensamos, inclusive, esse movimento num cenário transnacional, no sentido do retorno à África e da articulação com outros cenários étnicos.
(SOARES, 2007, p. 200)
Por isso, a identidade mina e todas as outras africanas devem ser pensadas num contexto dinâmico e não estático, sendo afetadas principalmente pela escravidão e pela resistência a esse sistema na busca por liberdade.
Resistência e cultura
Ressigni cações
Os africanos trouxeram da África vários de seus costumes, crenças e objetos, incorporando-os, em um movimento circular, à cultura local e imprimindo-lhes, por vezes, novos significados.
Encontro estadual de maracatus, no Carnaval do Recife, em Pernambuco.
O discurso europeu a respeitodos africanos, vistos como sem cultura, costumes e religião — e, por isso, incapazes de contribuir para a formação de nossa sociedade —, foi desmontado pela realidade brasileira, que também se baseia nesses diversos grupos étnicos.
Punição por açoitamento, por Jean-Baptiste Debret, 1830.
A escravidão nas cidades foi constante e necessária para o desenvolvimento de muitas delas. Os escravizados estavam presentes como trabalhadores em vários setores da economia das cidades e dentro das residências, sendo a escravidão uma parte da cultura da cidade e dos seus moradores.
Os habitantes das cidades coloniais e imperiais conviveram tanto com os escravizados quanto com seus descendentes, livres e libertos, no cotidiano das festas e das manifestações religiosas e culturais.
Apesar dessa convivência, ser homem negro e mulher negra durante a vigência da escravidão significava não ter respeitado seu direito de existência e de compartilhamento de valores, já que grande parte da religiosidade dessas pessoas era perseguida por ser uma manifestação exótica aos olhos das autoridades cristãs. Tais manifestações religiosas eram reminiscências das práticas africanas aprendidas no seu local de origem ou na diáspora, isto é, na experiência da escravidão.
Identidades
As identidades étnicas e de nações também podem ter sido reforçadas na experiência da violência da escravidão e nas possibilidades de resistência a esse sistema. Durante todo o período da escravidão, os escravizados resistiram. Alguns grupos se revoltavam com mais frequência, principalmente os nascidos na África, enquanto outros escolhiam novas formas de resistência, como fugas, aquilombamentos e violência.
A resistência do cotidiano, como o atraso no trabalho, as mentiras sobre doenças e outras negociações, também fizeram parte das estratégias de resistência de africanos escravizados e de seus descendentes (chamados de crioulos por terem nascido no Brasil).
As alforrias também eram um mecanismo para amenizar a violência da escravidão, sendo destinadas, em maior frequência, às mulheres e aos nascidos no país. Tal realidade permitiu o aumento de uma população livre “de cor”, que correspondia a uma significativa parcela da sociedade urbana.
Homens e mulheres negros e negras se tornaram médicos, professores, escritores ou advogados. Entre eles, estão nomes ilustres, como Luiz Gama, José do Patrocínio, Machado de Assis e Maria Firmina dos Reis.
A população afrodescendente do Brasil cresceu após 1850, fazendo com que o país tivesse o maior contingente de afrodescendentes do mundo. Houve uma nacionalização da população escrava, que permaneceu escravizada até 1888, ano em que, de fato, acabou a escravidão por meio de uma curta lei.
A força da identidade local
O Brasil foi formado pelos africanos escravizados e por seus descendentes, mestiços e crioulos, que interferiram na forma como a cultura brasileira é vista hoje em dia, assim como na religiosidade e em outros costumes culturais e políticos. Um dos pontos fundamentais desses encontros de diferentes povos (portugueses, africanos e indígenas), o sincretismo religioso há muito tem sido objeto de estudos de historiadores, antropólogos e etnólogos, além de outros profissionais.
A resistência dos povos africanos em preservar algum tipo de religiosidade original marcou os séculos de sua escravização e afetou as demais religiosidades, principalmente a cristã. Assim como a religiosidade, outras práticas culturais africanas sobreviveram à escravidão, por exemplo, algumas danças, batuques, comidas e outras manifestações culturais.
Escravos dançam em uma plantação de açúcar, por Dirk Valkenburg, 1707.
Anteriormente reprimidas, essas manifestações atualmente são reconhecidas como patrimônios culturais.
Apesar do grande número de homens e mulheres negros no Brasil hoje em dia, eles não aparecem com tanta frequência na mídia como sujeitos produtores de cultura, tampouco como intelectuais, cientistas e artistas, apenas para citar algumas participações na sociedade. Pelo contrário: ainda hoje, essas pessoas estão destinadas a ocupar um gueto social que não corresponde à realidade.
Mesmo com o sucesso das políticas de cotas nas universidades, ainda é pífia a participação mais efetiva de homens e mulheres negros em posições de poder ou ocupando altos cargos na administração de empresas e em cargos executivos, legislativos e principalmente no Judiciário. As causas para tão pouca participação podem ter várias origens, mas sabemos que o racismo ainda é o grande motivo para eles, mesmo sendo a maioria da população, ainda não terem uma posição de destaque.
O Brasil é formado majoritariamente por esse grupo e não pode deixar de reconhecer que uma minoria branca ainda domina uma maioria de homens e mulheres negros. Conhecer a origem dessa discrepância é essencial para que possamos mudar essa realidade em um futuro próximo.

Africanos e sua descendência no Brasil
Assista agora a um vídeo que expõe um depoimento sobre essas historiografias e os desafios dessas interpretações.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
“A recuperação da herança cultural africana deve levar em conta o que é próprio do processo cultural: seu movimento, pluralidade e complexidade. Não se trata, portanto, do resgate ingênuo do passado nem do seu cultivo nostálgico, mas de procurar perceber o próprio rosto cultural brasileiro. O que se
quer é captar seu movimento para melhor compreendê-lo historicamente.”
(MINAS GERAIS, 1988)
Com base no texto, a análise de manifestações culturais de origem africana, como a capoeira ou o candomblé, precisa considerar que tais manifestações
A permanecem como a reprodução dos valores e costumes africanos.
B perderam a relação com o seu passado histórico.
C derivam da interação entre valores africanos e a experiência histórica brasileira.
D contribuem para o distanciamento cultural entre negros e brancos no Brasil atual.
E demonstram a maior complexidade cultural dos africanos em relação aos europeus.
Parabéns! A alternativa C está correta.
Trata-se da ideia de uma interação; afinal, cultura é um processo em construção que mistura heranças e vivências, criando práticas locais fundamentais e de identidade singular — e que deve ser reconhecida como tal.
Questão 2
Os principais grupos vitimados pelo comércio nefando da escravidão foram os bantos e sudaneses. Segundo Reginaldo Prandi, em De africano a afro-brasileiro (2000), “os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda, mais ao norte da Tanzânia”. Quanto aos bantos, eram povos “da África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e 200 mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança”. O termo “banto” foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Willelm Bleek e significa “o povo‟, não existindo propriamente uma unidade banto na África. Assim, “bantos” e “sudaneses” são definições genéricas e imprecisas produzidas no contexto da apropriação europeia do continente e dos povos da África. Estudos mais aprofundados acabam por notar que os entrepostos dialogam intensamente com os centros estabelecidos entre as costas africanas brasileira e africana. Dessa forma,
os principais povos africanos trazidos ao Brasil via tráfico foram aqueles localizados na
A
costa leste da África devido à unidade na língua e no dialeto.
houve uma diversificação no tocante aos africanos introduzidos no comércio de
B
escravos ao longo da história.
os europeus tinham o cuidado em selecionar os negros que seriam introduzidos,
C
principalmente na Europa, a fim de diminuir a miscigenação.
o domínio português em Angola, parte do Congo e Moçambique explica que suas
	D	características se centrem em especial nesses grupos, representando cerca de 40% de
toda a população africana escravizada para o Brasil.
sudaneses e bantos chegaram a propor uma aliança no intuitode minimizar os E
deslocamentos de suas tribos para a América.
Parabéns! A alternativa D está correta.
O texto ajuda a reconhecer os pontos de concentração no comércio, os quais, amplificados, dialogam com a presença portuguesa e os portos de entrepostos colocados, além de marcarem os traços culturais fortemente identificados no Brasil e a manutenção de um processo identitário apesar das especificidades.
4 - Interpretações sobre o Brasil
Ao nal deste módulo, você será capaz de discutir o tratamento da diversidade étnica no Brasil pela intelectualidade brasileira.
Quem são os brasileiros?
IHGB
Diante de uma formação do Brasil com muitos povos de origens variadas, é normal identificar a diversidade de identidades regionais no período colonial e que se manteve no Império e no período republicano. Povos do Rio de Janeiro não compartilhavam os mesmos costumes e hábitos — e até mesmo a linguagem — de pernambucanos, paulistas, baianos e pessoas de outras regiões.
O que diferenciava esses povos e o que os aproximava? Essas são questões difíceis de responder, uma vez que a vida no período colonial e no Império tinha nuances que poderiam ligar povos distintos e separar povos irmãos.
A linguagem que os povos do Brasil praticavam em seu português era distinta daquela realizada por seus patrícios em Portugal, gerando o chamado preconceito linguístico. O que conhecemos atualmente como sociedade colonial é designado por Luiz Felipe Alencastro (2009) como “brasílico”, pois seus membros, completa Alencastro, só se tornaram “brasileiros” ao longo do século XVIII.
No entanto, tamanha diversidade não parecia interessar aos intelectuais e ao próprio Estado, desejosos de construir no país uma identidade que pudesse definir o “brasileiro” de norte a sul. No Império, houve um incentivo à formação dessa identidade, o que gerou o aprofundamento de estudos e incentivos para aqueles que pudessem apontar e identificar o que era o Brasil.
A criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838, confirmava essa direção, já que o IHGB apoiou viagens de exploração científica e publicava esses relatos, formando o país por meio do reconhecimento científico do seu território, de suas águas e de suas diversidades topográficas.
Edifício Pedro Calmon, sede da mais antiga instituição cultural do país, fundada em 1838.
Entretanto, não era possível deixar de formar o país na sua “gente”. Para isso, foi criado um concurso para premiar quem fornecesse um esquema de “como escrever a história do Brasil”.
O vencedor foi o austríaco por Karl Martius, o qual, no seu texto, já indicava uma “miscigenação racial”. Nessa obra, esse naturalista e botânico afirmava que, para escrever a história do Brasil, era necessário partir de um estudo sobre o cruzamento/fusão das três raças formadoras da nacionalidade brasileira: a branca, a indígena e a negra.
Nesse cruzamento, a contribuição branca — mais precisamente, a portuguesa — teria um peso maior, segundo Martius. Já o índio seria secundário; além disso, Martius pouco tratou da contribuição negra.
Não é de se admirar esse tal “esquecimento” de Martius, já que ele escreveu seu texto em pleno período da escravidão, ainda dependente do tráfico atlântico que trazia africanos para a escravização. Como ele poderia exaltar esses sujeitos como contribuintes da nacionalidade brasileira se eles só serviam para o trabalho escravizado?
Depois de Martius, outros autores tentaram sintetizar a história do Brasil sem deixar de mencionar quem os formava, isto é, os diferentes povos, mas sempre colocando em ordem de importância os portugueses. Esse foi o caso das obras de Adolfo de Varnhagen, que também escreveu uma grande síntese em meados do século XIX.
Varnhagen acreditava que os indígenas eram um exemplo de “raça perdida” pelo fato de sua organização física ser incompatível com o “mundo civilizado” e que, por isso, tendiam ao desaparecimento. No mesmo século em que era considerado inapto para o mundo civilizado, o indígena aparecia na literatura romântica de forma também peculiar.
As obras de José de Alencar são exemplos dessa literatura que idealizou os indígenas, o que indicava um movimento de deixá-los para a posteridade como figuras míticas, distantes da realidade e sem estar integrados ao mundo desses autores. No século XIX, as pinturas históricas também retrataram os indígenas distantes de uma realidade de resistência à dominação colonial. Pelo contrário: o índígena, nessas pinturas, está morto ou longe do centro da ação.
Mestiçagem brasileira
Capistrano de Abreu
Autor de obras literárias de síntese e livros didáticos, Silvio Romero viu como positiva a “mestiçagem racial”, principalmente no que se refere aos indígenas, que seriam o resultado da fusão de vários povos. Nesse caso, não haveria vencidos e vencedores no futuro, anulando uma perspectiva de silenciamentos e apagamento intencional de culturas e identidades.
Tal ideia se aproximava do que seria chamado mais tarde de “democracia racial”, o que se dá quando a tensão entre os diferentes povos é anulada a fim de formar uma identidade. Ela seria brasileira exatamente por conta da miscigenação, que anulou conflitos e tensões, gerando uma originalidade de povo.
Outro grande autor que interpretou o Brasil foi Capistrano de Abreu, que considerou os indígenas antes da chegada dos portugueses e pensou a sociedade colonial na sua diversidade, mesmo não rompendo com os estereótipos sobre negros e mestiços. Os mestiços, aliás, eram vistos por ele como perigosos para a civilização que se queria construir.
Capistrano não estava totalmente longe de uma teoria elaborada na Europa que recebeu a adesão da intelectualidade brasileira: a “raciologia cientificista”. Os autores das primeiras décadas do século XX reproduziam a ideia de inferioridade de algumas “raças”, estando a negra no patamar mais baixo.
Por isso, a miscigenação era tão perigosa segundo essa lógica, já que impediria o desaparecimento do negro. Ela era, assim, tratada como um problema moral ou patológico por uma intelectualidade brasileira que também interpretava o país.
Democracia racial?
Gilberto Freyre e os debates do século XX
Diferentemente de outros autores, na obra Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, publicada em 1933, a miscigenação não aparece criminalizada nem é um crime associado apenas ao negro e ao indígena. Além disso, ele retoma a ideia de Martius sobre as três raças e insere a discussão sobre o conceito de cultura, influência dos seus estudos em antropologia culturalista nos EUA.
Pela lógica freyriana, existiria uma interpenetração das culturas portuguesa, indígena e africana para formar o Brasil e sua sociedade, dando um caráter positivo à miscigenação do período colonial. Tal lógica não se limitava, contudo, a esse autor: ela fazia parte de um movimento anterior que pensou as artes e a literatura nacionais, assim como outras manifestações culturais, estendendo esse pensamento à ideia das três raças como formadoras da nação.
Essa lógica provém da década de 1920, época em que houve uma movimentação de autores, como Mário de Andrade, na pesquisa pelas “raízes do Brasil”.
Gilberto Freyre em 1956.
Essa pesquisa se deu por meio do registro de práticas culinárias, culturais, cantos... enfim, de todo tipo de contribuição.
Nessa busca, o autor encontra o africano, também retratado em pinturas e outras obras literárias. Um exemplo é Monteiro Lobato, apesar de todos os problemas que essas obras hoje em dia possam suscitar.
Nos anos seguintes, autores de variadas correntes se esforçaram em interpretar o Brasil a partir da sua diversidade étnica, tentando criar parâmetros e modelos de interpretação que pudessem se encaixar nas diferentes etapas de formação do país. No entanto, sabemos até que ponto o estabelecimento de modelos e interpretações possui intencionalidade e hierarquias.
Grande parte dessas obras sobre o país foi feita por homens brancos, sendo eles provenientes, em sua maioria, da Região Sul e da Sudeste. Isso afetou o lugar ocupado pelos homens negros, mestiços e indígenas,assim como pelas mulheres e pelos povos das regiões Norte e Nordeste, na formação étnica do Brasil que inventavam.
As primeiras décadas do século XXI mostraram que o Brasil não possui uma “cara” nem apenas uma origem. Por isso, é urgente dar voz a outros autores, homens e mulheres, para que seja possível entender esse país de dimensões continentais a partir de várias ideias — e não apenas de um modelo.

A historiogra a sobre a questão da diversidade étnica brasileira
Confira, no vídeo, fatos e informações que contribuem para o debate em torno da questão da diversidade étnica no Brasil.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(UFU, 2011)
“[...] devia ser um ponto capital para o historiador reflexivo mostrar como no desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as condições para o aperfeiçoamento de três raças humanas.” (MARTIUS, 1982, p. 89)
Considerando o texto escrito por Martius e publicado em 1845 pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, assinale a alternativa correta.
O autor demonstra que o branco português não obteve participação tão significativa na
A
formação histórica do Brasil quanto o africano ou o indígena.
O autor procura, em uma perspectiva evolutiva da humanidade, demonstrar que a
B história do Brasil é o resultado do cruzamento gradativo entre brancos, indígenas e
africanos de forma hierarquizada, com os brancos sendo o grupo principal.
O aperfeiçoamento das três raças no Brasil é resultado de um conjunto de políticas de
C branqueamento populacional, ao mesmo tempo que se extinguem as populações
africanas e indígenas.
O branco teria de aprender a cultura e a língua do indígena para sobreviver no Brasil,
D assim como deveria aprender a cultura do trabalho com o africano para desenvolver-se economicamente.
A identificação de uma democracia racial equilibrada pelas relações afetivas marca a E concepção de três raças no Brasil.
Parabéns! A alternativa B está correta.
Martius propôs a escrita de uma história do Brasil sob a perspectiva de três raças sem apagar nenhuma delas nem mencionar o branqueamento ou um ideal de democracia racial, e sim como os brancos europeus lideraram um processo de aperfeiçoamento.
Questão 2
“A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele.”
(Adaptado de: BLOCH, 2001, p. 79.)
Esse viés investigativo sobre o que se produz marca a produção de qual autor brasileiro?
A Vanhargem
B Capistrano de Abreu
C Gilberto Freyre D	Caio Prado Jr.
	E	Martius
Parabéns! A alternativa C está correta.
O antropólogo Gilberto Freyre dialogava com perspectivas da história dos Annales para propor uma investigação que passa por elementos culturais e sociais na interpretação dos documentos.
Considerações nais
Quem são o brasileiro e a brasileira? Essa difícil resposta não pode ser dada por quem conhece apenas uma região do país. Tivemos primeiramente povos nativos que sequer se viam como “indígenas”, mesmo sendo classificados desse modo pelo colonizador. Por sua vez, o colonizador português já vivia uma mestiçagem de origem e não tinha uma definição sobre sua identidade. Ele trouxe africanos para serem escravizados e os classificou a partir de alguns critérios distantes de uma lógica já preexistente.
Além de indígenas, portugueses e africanos, vimos que outros povos formaram o Brasil, como espanhóis, alemães, italianos, judeus e, mais tarde, chineses, japoneses e turcos, entre outros exemplos. Apontamos, portanto, que o país é formado por diferentes troncos étnicos, linguísticos, culturais e religiosos.
No entanto, apesar da diversidade, destacamos o esforço de criar uma identidade para o Brasil.
Encabeçadas por intelectuais — nem sempre brasileiros — que interpretaram a nação a partir de suas lentes, essas interpretações continuaram no período republicano: até hoje existem autores que querem entender o país a partir de poucas lentes sobre alguns poucos lugares.
Apontamos ainda a existência de discursos que não consideram a cultura e a religiosidade de alguns desses povos, principalmente dos indígenas, que estão em constante luta por sua sobrevivência e direito de alteridade. Tais discursos também não entendem que os africanos foram escravizados, mas que resistiram à escravização, tendo, ainda assim, contribuído para a formação do Brasil.
Esse desprezo ainda é estendido a trabalhadores e mulheres, as quais, aliás, foram o elo mais forte dessa formação do Brasil, mesmo que elas sequer sejam consideradas pelos intérpretes do país, todos eles homens. Por isso, a diversidade étnica brasileira é de difícil definição por ser complexa e dependente das lentes que usamos.

Resumindo
Neste podcast, o especialista abordará os principais tópicos que resumem o tema.
Referências
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Rio de Janeiro: FGV, 2013.
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