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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO NATÁLIA CARVALHO PASSOS A SUPERVALORIZAÇÃO DO PET CANINO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO FORTALEZA 2021 NATÁLIA CARVALHO PASSOS A SUPERVALORIZAÇÃO DO PET CANINO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO Monografia submetida ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Direito Ambiental. Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior. FORTALEZA 2021 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) P322s Passos, Natália. A Supervalorização do Pet Canino e suas Implicações nas Propostas Legislativas e no Poder Judiciário / Natália Passos. – 2021. 65 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2021. Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior. 1. Pets. 2. Supervalorização. 3. Bem-estar animal. I. Título. CDD 340 SUPERVALORIZAÇÃO DOS PETS E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO Monografia submetida ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Direito Ambiental. Aprovada em: ___/___/______. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo Universidade Federal do Ceará (UFC) A Deus, Cristo Jesus. Aos meus pais, Manoel e Esmeraldina. AGRADECIMENTOS A Deus, por toda condução e formação me dadas até o presente momento. Aos meus pais, Manoel da Silva Passos e Esmeraldina Rodrigues de Carvalho por sempre fazerem tudo que está ao seu alcance para me ajudar. À senhora Maria de Lourdes Pereira Cavalcanti, por todo o apoio me dado no início da graduação. Aos meus tios, Francinilton Rodrigues de Carvalho e Cléia Rodrigues Alves por todo o suporte financeiro. Às minhas primas queridas, Gabriela, Graziela e Isabella. À minha acompanhadora, Naira Thais Paulo de Oliveira. Ao meu orientador, Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior, pela magnífica orientação realizada durante o processo de feitura deste trabalho. Às amizades construídas durante a passagem pela Faculdade de Direito: Rayza Rodrigues, Juliana Carvalho, Diego Jeferson e Luan Oliveira. Aos profissionais e amigos que compõem a Coordenadoria de Procedimento Administrativo e Julgamento, do Procon Municipal de Fortaleza: Dr. Sérgio Henrique Oliveira Sales, Dr.ª Nina Colaço Facó, Cláudia Santiago, Karine Melo Frazão, Hortência Campos, Dr. José Cláudio Porto, Dr. Ronaldo Peixoto, Dr. Airton Melo, Dr.ª Bruna Feliciano, Lara Rodrigues e Solano Lima. À Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Ceará, por proporcionar todos os benefícios necessários à permanência estudantil. Aos professores participantes da banca examinadora: Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo e a Prof.ª Dr.ª Geovana Cartaxo Freire, pela pronta disposição em compor esta banca. RESUMO O presente trabalho tem por finalidade a análise da supervalorização dos pets, por meio da verificação de fatores que potencializam esta elevação, especialmente a dos pets caninos. E como esta supervalorização tornou-se combustível para aquecer o Mercado Consumerista e as Propostas Legislativas. Com o reconhecimento da senciência aos animais, não se faz necessária a mudança do status jurídico dos pets, especialmente o do cão, já que a garantia do seu bem-estar pode realizar-se tranquilamente, se for seguido o disposto na Lei Ordinária nº 14064/2020 que alterou a Lei nº 9.605/98, ao inserir ao artigo 32, o §1º-A, que dispõe acerca das penas dirigidas àqueles que praticarem atos cruéis contra cães e/ou gatos. Sendo assim, é possível concluir que o tratamento reivindicado pelos tutores dos pets, no sentido de salvaguardá-los de maus tratos e/ou situações degradantes pode ser alcançada de forma eficaz se delimitada à esfera ambiental, sem que se faça necessário a inserção dos pets, especialmente o pet canino, em outros ramos do Direito, como o Direito Civil e o Direito Processual Civil, por serem áreas que regulam majoritariamente os animais-humanos. A metodologia utilizada para chegar-se a estes resultados e conclusões foi o referencial bibliográfico, por meio da leitura de artigos científicos, doutrinas jurídicas, teses de mestrado e das Jurisprudências dos Tribunais Nacionais. Palavras-chave: Pets. Supervalorização. Bem-estar animal. ABSTRACT The present work aims to analyze the overvaluation of pets, through the verification of factors that enhance this increase, especially that of canine pets. And how this overvaluation became fuel to heat up the Consumer Market and the Legislative Proposals. With the recognition of sentience to animals, it is not necessary to change the legal status of pets, especially that of dogs, as the guarantee of their well-being can be carried out smoothly, if the provisions of Ordinary Law nº 14064/2020 are followed which amended Law nº 9.605/98, by inserting in article 32, §1-A, which provides for the penalties for those who commit cruel acts against dogs and/or cats. Therefore, it is possible to conclude that the treatment claimed by the pets´ guardians, in order to safeguard them from mistreatment and/or degrading situations, can be effectively achieved if limited to the environmental sphere, without the need for the insertion of pets, especially the canine pet, in other fields of law, such as Civil Law and Civil Procedural Law, as they are áreas that mostly regulate human-animals. The methodology used to reach these results and conclusions was the bibliographical reference, through the reading of scientific articles, legal doctrines, master´s theses and the Jurisprudence of the National Courts. Keywords: Pets. Overvaluation. Animal Welfare. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Genealogia dos cães ......................................................................................... 18 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Taxa Bruta de Natalidade - Brasil - 2000 a 2015 .......................................... 40 Tabela 2 Taxa de Fecundidade Total - Brasil - 2000 a 2015 ..................................... 41 Tabela 3 Distribuição das Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos - Brasil - 2014 - 2015 ....................................................... 42 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................14 2. A RELAÇÃO ENTRE OS SERES HUMANOS E OS CÃES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ........................................................16 2.1 A senciência como elemento de reconhecimento dos Direitos Animais....................................................................................................... 24 2.2 A valoração dada aos animais não-humanos ao decorrer dos períodos históricos .................................................................................................... 28 2.3 As correntes da Ética Ambiental .......................................................... 33 3. A INSERÇÃO DOS PETS NOS LARES BRASILEIROS ................... 37 3.1 Pets como parte da família, a família multiespécie ............................. 43 3.2 O consumo como forma de demonstrar afeto aos pets ........................ 45 4. A IMPOSSIBILIDADE DE ATRIBUIR AOS PETS PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 49 4.1 A garantia do bem-estar animal ao pet canino, com a inserção do § 1º - A pela Lei nº 14.064/2020 ............................................................................ 53 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………... 60 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 62 14 1. INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade, os animais foram de crucial importância para a nossa sobrevivência, sendo utilizados para alimentação, vestimenta, e como meios de transporte. Ou seja, o animal era visto apenas como meio de subsistência. Até o momento em que houve a aproximação entre os seres humanos e os lobos. Uma tese é de que os lobos menos ariscos se aproximaram de grupos de caçadores humanos para se alimentar dos restos deixados por eles. Já os homens perceberam que ter lobos por perto era uma proteção contra os ataques de animais maiores. A relação de ajuda mútua foi firmada daí em diante. Os filhotes das gerações seguintes deixaram de caçar sozinhos e passaram a alimentar-se apenas em cooperação com os novos companheiros. Há teses de que os cães atuais descendem de dois grupos de lobos separados por milhares de quilômetros. Após longos séculos de convivência humana e canina, é fácil compreender como estes dois seres vivos desenvolveram um forte companheirismo, comprovado pelo ditado popular de que o cão é o melhor amigo do homem. Contudo, o que se verá no desenrolar deste trabalho, é que atualmente o título de melhor amigo do homem, ganhou novas proporções, saindo da esfera de convivência amigável, para ocupar um espaço nas famílias, como membro integrante desta instituição, com a denominação de pet, e por isso lhe é devido amparo e respeito por todos aqueles que estão fora da relação familiar, ainda que se faça necessário socorrer-se do auxílio de leis. O primeiro capítulo, constitui-se do referencial teórico, expondo como se deu a aproximação entre os seres humanos e os cães, e como os questionamentos, estudos e teorias acerca da proteção aos animais, não são um assunto restrito aos dias atuais, mas permeiam-se por toda a história da humanidade. O segundo capítulo, demonstra como se deu a inserção dos pets, mais especificamente o cão, pelos lares nacionais e como esta relação afetuosa multiespécie, tornou-se mola propulsora tanto para aquecer o Mercado Consumerista, quanto para a criação de Propostas Legislativas. O terceiro capítulo trata da impossibilidade de atribuir aos pets personalidade jurídica, e como o Welfare State (bem-estar animal) é suficiente para resguardar os pets dos maus-tratos e da crueldade, e como a inserção do §1º-A pela Lei nº 14064/2020 ao artigo 32 da Lei nº 9.605/98 cumpre perfeitamente esta incumbência de proteger os pets, principalmente os mais populares: o cão e o gato. Sendo assim, uma das Propostas Legislativas qual seja a PL nº 145/2021 que disciplina a capacidade de ser parte dos animais 15 não-humanos em processos judiciais, não merece prosperar, tendo em vista já existirem dispositivos legais garantidores do bem-estar animal. A World Health Organization, classifica como pet, como sendo os animais de companhia, porém com relação próxima e afetuosa com seus guardiões, sendo considerados como membros da família. O termo pet também é utilizado para caracterizar um tipo específico de consumo desde o ano de 2012, ano em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva, dos Animais de Estimação ou simplesmente Câmara Pet (BRASIL,2012) voltada para a aquisição de produtos e serviços destinados aos animais não-humanos que se enquadrem nesta categoria. Toda esta mudança ocorrida na utilidade dos cães, está ocasionando uma supervalorização destes pets. Tendo como fatores de relevância, a queda da taxa bruta de natalidade dos brasileiros, a diminuição no tamanho das famílias, o fenômeno da verticalização urbana e o aumento na quantidade de horas trabalhadas semanalmente. Com todas estas alterações ocorridas atualmente nas estruturas familiares, não demorou muito para que demandas relacionadas à mudança no status jurídico dos pets, fossem apresentadas no Congresso Nacional a partir de diversas Propostas Legislativas. A exemplo da PL nº 6054/2019, apresentada pelos Deputados Federais Ricardo Izar (PSD/SP) e Weliton Prado (PROS/MG) tendo por ementa, acrescentar parágrafo único ao artigo 82 do Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres. Mais recentemente, há o Projeto de Lei nº 145/2021 de autoria do Deputado Federal, Eduardo Costa (PTB-PA) que disciplina a capacidade de ser parte dos animais não- humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao artigo 75 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) para determinar quem poderá representar animais em juízo. Frente a esta movimentação social, surgiu o questionamento: Será que realmente os pets poderiam ser classificados como sujeitos de direitos? Já não seria suficiente a classificação como seres sencientes, a fim de lhe dar o devido tratamento, sem que houvesse alterações legislativas no âmbito civil e do processo civil? Mantendo-se apenas na área ambiental por estarem inseridos na fauna? E para responder a estes questionamentos, a metodologia utilizada constitui-se do referencial bibliográfico, por meio da leitura de artigos científicos, doutrinas jurídicas, teses de mestrado e das Jurisprudências dos Tribunais Nacionais. 16 2 A RELAÇÃO ENTRE OS SERES HUMANOS E OS CÃES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE A história dos animais humanos e todo o seu desenvolver é marcada pelo intenso contato com os animais não-humanos, afinal, estes são indispensáveis a nossa sobrevivência. Os seres humanos possuem uma conexão emocional inata (portanto genética) com as demais espécies da Terra (WILSON,1989). Esta ligação emotiva varia da atração à aversão, da admiração à indiferença. A interdependência da espécie humana com os demais elementos bióticos da natureza tem sido explicada pela hipótese da biofilia, segundo a qual o homem teve 99% de sua história evolutiva intimamente envolvida com outros seres vivos, tendo desenvolvido um significativo sistema informacional acerca das espécies e do ambiente, que se traduz nos saberes, crenças e práticas culturais relacionados com a fauna de cada lugar. (COSTA-NETO, 2007) Como indicado por (REGIS, 2017) estes seres vivos são: fontes de alimento (atualmente, em sistemas de produção de grande escala, na exploração marítima e na produção agrícola), fontes de energia (na tração de implementos agrícolas), meio de transportes (de humanos e de cargas) além de serem origem de extensa variedade de matérias- primas para o vestuário, ferramentas, adornos e utensíliosdomésticos. Os animais não-humanos também foram utilizados como combustível (óleo de baleia para iluminação), como um meio de controle natural às pragas e predadores, em eventos religiosos (os animais não-humanos são ou foram sagrados em algumas religiões, assim como eram objetos de sacrifícios) utilizados em esportes e para a diversão de seres humanos (corridas de cavalos, vaquejadas, circos, zoológicos e etc.) e ainda para o desenvolvimento de atividades específicas (como cão-guias e cães policiais farejadores), bem como no ensino, pesquisa e nas biociências (como modelos biológicos para aplicação de novas técnicas cirúrgicas ou testes de novas drogas). Direcionando o enfoque ao apanhado histórico de como iniciou-se o contato entre estas duas espécies, tem-se que a relação entre os animais humanos e os animais não- humanos, inicialmente era de predação, passando mais tarde para a domesticação. Chama-se “domesticação”, o ato de tornar doméstico os animais selvagens. A expressão “doméstico” vem do latim domus (casa) sendo domésticos então, os animais que convivem com o homem, em sua casa ou dependência, estabelecendo com ele uma simbiose permanente através das gerações. O homem proporciona a estes animais cuidados e alimentação, e em troca recebe utilidades, neste caso especificamente, o animal recebe afeto e status de membro familiar. 17 Esta domesticação se deu com a passagem do homem de uma vida nômade, para a fixação da agricultura, recaindo sobre os animais não-humanos uma visão diferenciada, já que a imagem que se tinha anteriormente de que eles eram apenas meios primordiais para o sustento humano, deu lugar à aproximação entre estas duas espécies, por meio da domesticação, iniciando assim, a relação humano-animal. O autor José Francisco Botelho, assim explica como se deu este processo de domesticação, em que o homem transformou lobos em cachorros: tudo começa com o hesperocyon (cão do Ocidente) o mais antigo canino conhecido. Ele viveu na América do Norte há mais de 37 milhões de anos. Tinha cerca de meio metro de comprimento, cauda longa e dentes afiados, próprios para rasgar carne e triturar ossos. Apesar disso vivia fugindo de predadores maiores. Mas o ágil tataravô dos cães soube adaptar-se às dificuldades e deu origem a uma enorme variedade de descendentes. Um deles foi o eucyon (cão verdadeiro) surgido há mais de 9 milhões de anos, também na América do Norte. Lobos, coiotes e chacais teriam o eucyon como ancestral em comum. Aliás, os lobos vagaram selvagens por 8 milhões de anos até encontrarem os primeiros humanos - provavelmente, do outro lado do Atlântico. E é a partir daí que as teorias científicas divergem de forma mais drástica. O mais antigo fóssil conhecido de um cão doméstico (Canis lupus familiaris) é uma mandíbula de 14.700 anos, achado na Alemanha. Demonstrando assim, que o cão foi o primeiro animal - e o único carnívoro de grande porte - domesticado pelo ser humano. Mas ainda não se sabe quando e onde isso aconteceu. “Os cães surgem de uma população de lobos - cinzentos que parece já ter sido extinta. Não há registros arqueológicos deles’’, diz Greger Larson, diretor do Centro de Bioarqueologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido. De acordo com um estudo de 2016, da própria Universidade de Oxford, os cães de hoje descendem de dois grupos de lobos separados por milhares de quilômetros: um bando teria vivido na Europa, outro no Leste Asiático. Nesse caso, os humanos primitivos teriam domesticado o lobo não uma, mas duas vezes - o que explicaria a diferença genética entre as raças caninas do Extremo Oriente e aquelas surgidas em outras regiões. Em 2018, no entanto, uma pesquisa da Universidade Stony Brook, dos Estados Unidos, afirmou que todos os cães vêm de um único grupo de lobos, domesticados na Europa entre 40 mil e 20 mil anos atrás. A conclusão baseou-se no DNA dos ossos de três cachorros, desenterrados na Alemanha. Uma tese é de que os lobos menos ariscos se aproximaram de grupos de caçadores 18 humanos para se alimentar dos restos deixados por eles. Já os homens perceberam que ter lobos por perto era uma proteção contra os ataques de animais maiores. A relação de ajuda mútua foi firmada daí em diante. Os filhotes das gerações seguintes deixaram de caçar sozinhos e passaram a se alimentar apenas em cooperação com os novos companheiros. Milhares de anos depois, os grupos nômades se tornaram sedentários e adotaram a agricultura como sustento. Também começaram a criar rebanhos - como ovelhas e bois. E o cão, mais uma vez, precisou adaptar-se: de caçador, tornou-se pastor. Os humanos passaram a selecionar cães fortes, mas menos propensos a atacar outros animais domésticos e com maior habilidade para interagir com os donos. Figura 1. Genealogia dos cães. Fonte: Alexandre Jubran/Superinteressante, 2019. Após sua domesticação os cães participaram ativamente da história das civilizações humanas. Eles serviram de transporte, de guarda, de caçadores, pastores, foram adorados como deuses, assassinados em revoluções, viajaram pelo mundo com as Grandes Navegações, sofreram com as guerras e lutaram nelas, participando assim ativamente da história da humanidade. Como afirmado por (SOTER,2021) estruturas como as pirâmides de Gizé foram 19 erigidas como túmulos elaborados para os faraós, pois acreditava-se que eles eram literalmente deuses. Quando um faraó morria, era acrescentado ao panteão de deuses egípcios e idolatrado. Afinal, se alguém disser que, ao morrer, vai virar um deus, eis uma boa motivação para fazer o melhor velório possível. Ao contrário do que diz o ditado, os egípcios acreditavam que, sim, da vida se leva alguma coisa, por isso enchiam o túmulo com tudo o que mais importava na vida da pessoa. Em alguns casos, era o cachorro. Quando um rei egípcio perdeu o querido cão, quis garantir que a ka ou a alma do cachorro encontrasse a vida após a morte e o esperasse quando seu próprio dia chegasse. Por isso, fez um velório de rei para o animal e escreveu seu nome em hieróglifos nas paredes do túmulo. Abuwtiyuw, é seu nome. Sua Majestade ordenou que fosse enterrado com cerimônia em um caixão do tesouro real, com enorme quantidade do melhor linho e incenso. E ordenou que seu túmulo fosse construído por equipe de pedreiros. Abuwtiyuw foi um dos muitos cachorros mumificados encontrados em escavações no Egito, enterrados com os donos ou em gloriosos túmulos próprios. Na cidade de Abidos, parte do cemitério era dedicada especialmente aos cachorros, e o cemitério de Ascalão, no que hoje é Israel, mas que já fez parte do Egito, é o cemitério canino mais bem preservado da Antiguidade. O amor do Egito pelo cachorro foi imortalizado pela personificação do deus Anúbis, que é representado com uma cabeça de chacal. Egípcios também idolatravam a divindade canina Upuaut, nome que significa “abridor de caminhos”. A função de Upuaut era definir um trajeto para o exército e ajudar a levar os mortos ao submundo. O deus Set às vezes também era representado como um animal fictício chamado Sha, que se parecia muito com um cachorro. No México, a.C. o xolo era sagrado para muitos povos indígenas das Américas, incluindo colimas, maias, toltecas, zapotecas e astecas. Alguns pesquisadores acreditam que ele acompanhou os primeiros migrantes da Ásia há mais de 3 mil anos. O nome do xolo vem de duas palavras da língua asteca: xolotl, o deus do trovão e da morte, e itzcuintli que significa cachorro. De acordo com a mitologia asteca, o deus Xolotl criou o xoloitzcuintli a partir de um pedaço do Osso da Vida, o mesmo que deu origem a toda humanidade. Xolotl deu aos humanos esse presente com a instrução de que ele deveria ser guardado e protegido. Em troca, o Xolo guiaria os astecas através dos perigos do Mictlan, o submundo. Esculturas do Xolo muitas vezes eram incluídasem túmulos para representar como ele guiaria a pessoa até a outra vida. Em alguns estados mexicanos, quase 75% dos túmulos antigos continham algum tipo de 20 representação do Xolo. O trabalho de primeiro cão-guia costumava envolver seu sacrifício para acompanhar os humanos mortos. Pior ainda: ocasionalmente, o Xolo servia de iguaria em cerimônias de casamento ou velório. Além das responsabilidades do Xolo no pós-vida, os astecas acreditavam que ele tinha poderes de cura. O cão também chamou a atenção de Cristóvão Colombo, que levou várias espécies de volta para a Europa, ele e seus homens também quase os levaram à extinção de tanto comê-los. De acordo com (SOTER,2021) no sul da China, a história de Panhu é muito conhecida e alguns grupos indígenas, incluindo os miao, os yao e os she, consideram Panhu seu ancestral original. Como a maioria dos mitos, esse possui muitas variantes. Era uma vez, uma velha no palácio do imperador. Ela achava estar sofrendo de zumbido no ouvido, mas ao consultar um médico, ele tirou um inseto do seu canal auditivo, o que acabou com o barulho. A velha guardou o inseto numa cabaça e a cobriu com uma bandeja: virou seu bicho de estimação. Graças a um pouco de magia mitológica, o inseto se transformou em um cachorro de cinco cores que o imperador chamou de Panhu: “hu”significa cabaça e “pan” bandeja. O reino do imperador, foi definido pelo conflito com invasores bárbaros, comandados por um general vil e abominável, designado em alguns relatos como general Wu. O imperador, cansado de perder para o general Wu, declarou que quem trouxesse a cabeça do invasor receberia a mão da sua filha em casamento. Pouco depois, Panhu apareceu na corte, com a cabeça do general Wu na boca. Ao que o imperador respondeu: “Eu cometi um grande erro”. Por motivos óbvios, ele não queria que a filha se casasse com um cachorro. No entanto, a princesa argumentou que era importante manter a promessa e convenceu o pai a deixá-la se casar com Panhu. Mas, então, eis que a mágica resolve tudo. O imperador soube que Panhu poderia se transformar em ser humano se fosse deixado debaixo de um enorme sino de ouro por sete dias e sete noites, mas o feitiço só funcionaria se ninguém olhasse para ele durante esse tempo. Infelizmente, a princesa se preocupou com seu cachorro/marido e no sexto dia, deu uma olhada por debaixo do sino. O feitiço se rompeu e a transfiguração de Panhu foi interrompida. Ele ficou com corpo de homem, mas cabeça de cachorro. E casaram-se. O povo yao honra Panhu como seu primeiro ancestral e, por causa disso, é muito cuidadoso para nunca ofender cachorros. Também não comem carne canina. Alguns grupos étnicos na China, assim como em outros países asiáticos, usam carne de cachorro como fonte de alimentação desde aproximadamente 500 a.C. alguns 21 cientistas acreditam que, originalmente, os cachorros foram domesticados na China para fornecer carne. Hoje, o consumo de carne canina na China, varia de acordo com a região. Em Hong Kong, um Decreto sobre cães e gatos foi instaurado pelo governo britânico em 6 de janeiro de 1950, proibindo que esses animais sejam mortos para fins alimentícios. Taiwan, Índia e Cingapura têm leis parecidas. Entretanto, alguns festivais gastronômicos culturais continuam a servir esse tipo de carne. A história de Panhu ainda é uma parte importante da vida de muitos grupos étnicos do sul da China. Muitos têm altares em casa e usam iconografia associada a Panhu em trajes tradicionais. Ainda na China, os pequineses existem desde a dinastia Shu, há mais de 2 mil anos, o que faz deles uma das raças caninas mais antigas ainda entre nós. Shu, ou Shu Han, era um dos três principais Estados competindo pela supremacia na China entre 220 e 280, período apropriadamente conhecido como o dos Três Reinos. Apesar da palavra “reinos” nenhum dos Estados era governado por reis, na verdade, eram governados por imperadores, cada um deles convencido de que controlava a China inteira. Durante essa época, a China tornou-se um país budista, mas a conversão enfrentou um obstáculo significativo: o leão, símbolo importante do budismo, não habitava a China. Acreditava-se que Buda tinha domado o leão, que se tornara seu protetor, portanto o animal era necessário para várias cerimônias. Já que não havia leão por perto, os monges budistas decidiram improvisar. Usaram cachorros. Para tornarem o cachorro um substituto adequado do leão de Buda, os monges começaram um programa de cruzamento seletivo. No início, os cães foram cruzados com foco no tamanho e na pelagem: o objetivo era parecerem o máximo possível com um leão. Ao longo de vários séculos, eles diminuíram a escala, até criar um cachorro tão parecido com um leão que, assim pensavam os monges, Buda não se importaria que fosse usado em cerimônias religiosas em vez de um leão de verdade. Chamaram esse cão de pequinês. O pequinês tornou-se um símbolo sagrado do budismo chinês, mas era encantador demais para ficar restrito às cerimônias, então logo passou a ser adotado como animal de estimação na corte imperial. Mas só na corte imperial. As pessoas comuns eram proibidas de adotar e criar pequineses e precisavam curvar-se diante deles quando os encontravam. O castigo para quem fosse cruel com os pequineses ou tirasse um deles do palácio real,era a morte. A variedade menor e mais feroz era conhecida como “cão de manga” porque imperadores e cortesãos tinham a mania de carregá-los nas mangas volumosas das roupas. Se 22 o dono se sentisse ameaçado ou se visse no meio de uma tentativa de assassinato, ele tirava o pequinês da manga, assustando o atacante. Pequineses continuaram a ser uma raça inteiramente chinesa até 1860. O Palácio de Verão de Pequim foi invadido pelas tropas inglesas na Segunda Guerra do Ópio, um conflito entre a China e o Império Britânico. Para impedir que os cachorros sagrados caíssem nas mãos dos invasores, a família real chinesa matou todos os seus cães. No entanto, cinco pequineses sobreviveram e foram levados à Inglaterra. Um deles foi dado à rainha Vitória, que já amava cachorros. A chegada do pequinês deu a largada para a nova moda da Inglaterra vitoriana: cachorros de colo. Ter um cachorrinho pequeno logo se tornou o maior símbolo de status. Era uma forma de ostentar que não só se tinha dinheiro para sustentar a família, como também para sustentar um cachorro inteiramente decorativo, cuja única função prática era ser fofo e brincar. Por isso, criar cachorros e cuidar deles, logo tornou-se o hobby da vez. Embora a maioria não tivesse acesso ao raro pequinês puro, muitos conseguiram produzir a própria versão falsificada do acessório canino essencial da elite. Essa tentativa de criar cachorrinhos parecidos, deu pontapé no desenvolvimento de muitas das raças pequenas que ainda se adota até hoje. Na Índia, o mahabharata é um dos maiores épicos em sânscrito da Índia Antiga. Conta a história da Guerra de kurukshetra, que envolveu principalmente duas famílias brigando pelo trono do Reino de Hastinapura - os kaurava e os pandava, além de brigas internas em cada família para decidir quem seria o herdeiro legítimo. (SOTER,2021) O Mahabharata termina com uma sequência de batalhas no campo kurukshetra. Todos os kaurava são mortos e, apesar da vitória, só cinco irmãos Pandava sobrevivem. Yudhisthira, o mais velho, vira rei e governa por trinta anos, antes de fazer uma peregrinação com os irmãos, até seu descanso final no Himalaia. Ao longo da jornada, todos os irmãos morrem, assim como suas esposas, até que só resta Yudhisthira. Yudhisthira e um cachorro. No início da jornada, um vira-lata começou a acompanhá-lo e continuou ao seu lado no último trecho da subida. Finalmente, quando atingiram o topo da montanha, Indra, rei dos deuses e dos céus, ascendeu em sua carruagem para encontrar o rei Yudhisthira e convidá- lo ao paraíso.“Claro” disse o rei Yudhisthira. “Desde que meu cachorro vá junto” Indra, no entanto, recusou sua entrada. Ele recusou-se a entrar sem o cachorro. Os prazeres do paraíso de nada valiam diante da perda do companheiro fiel que viajara a seu lado por todo aquele tempo. No fim, o cachorro era a divindade Yama disfarçada. Era tudo um último teste para Yudhisthira. 23 Na Mesopotâmia, entre 323 a 336 a.C. muito antes de ser grande, Alexandre nasceu em 356 a.C. filho do rei macedônio Filipe II e de uma de suas esposas, Olímpia. Na época, a Macedônia era um reino no canto nordeste da Península Grega, considerado um lugar brutal e bárbaro, especialmente em comparação com os reinos próximos de Atenas e Esparta. (SOTER,2021) Na mais tenra idade, aos dezoito anos, Alexandre ajudou o pai a invadir a Grécia, (SOTER,2021) o que inspirou uma paixão pela conquista que o acompanharia por toda a vida. Depois da morte de Filipe, Alexandre assumiu o trono macedônio e o legado do pai. O pai tinha conquistado a Grécia inteira, mas Alexandre ainda avançou sobre o império persa e tomou terras do Egito à Índia. Acompanhado de Peritas, seu cachorro. Apesar de sua raça não ter sido registrada, com base em representações artísticas, Peritas provavelmente era um molossus, um cão cuja raça foi criada para lutar na guerra. Hoje extintos, eles se pareciam com mastins e são um ancestral comum importante das raças modernas como: mastim inglês, são-bernardo, cão de montanha de pirineus, rottweiller, dogue alemão, terra nova e boiadeiro-bernês. Plutarco, o único historiador antigo a mencionar peritas, só diz que Alexandre tinha um cão com esse nome, que ele amou tanto a ponto de dar seu nome a uma cidade. Com um monumento ao cachorro na praça central como agradecimento por ele ter salvo sua vida no campo de batalha. Mais tarde, no século XIV a Escócia e a Inglaterra tinham reis diferentes, mas o rei da Inglaterra era o rei supremo, enquanto os reis escoceses eram obrigados a jurar que fariam o que a Inglaterra quisesse. Parte dessa promessa de lealdade, era que a Escócia não podia declarar um novo rei sem aprovação inglesa, o que se tornou um problema quando o rei Alexandre III morreu sem deixar herdeiros. O rei Eduardo I da Inglaterra considerou os dois pretendentes ao trono e selecionou John Balliol, que reconheceu Eduardo como seu mestre legítimo. (SOTER,2021) Com sua marionete no trono, Eduardo I mandou a Escócia ajudá-lo a financiar a guerra da Inglaterra contra a França, além de enviar tropas. Em resposta, o governo escocês decidiu dar um golpe: o rei John assinou um tratado de aliança com a França e renunciou à lealdade com a Inglaterra. Depois de várias derrotas violentas, o exército escocês cedeu. O rei John abdicou e Eduardo passou a comandar a Escócia, alegando que todas as terras eram suas. Em 1306, Roberto I foi coroado rei da Escócia e passou a focar na recuperação das terras do sul, ainda dominadas pelos ingleses. Aos olhos de Eduardo, isso seria traição, portanto ele mandou seus 24 homens caçarem Roberto I. A companhia da esposa de Roberto I já tinha sido capturada pelos britânicos, incluindo o cachorro preferido dele, donnchadh. Donnchadh era um talbot (um ancestral do cão-de-santo-humberto moderno) Donnchadh é um nome gaélico antigo que mistura os termos para “marrom” e “nobre”. Esse nome acabaria evoluindo para “Duncan” em inglês. Quando o principal aliado de Eduardo, John de Loren, foi mandado para encontrar Roberto, ele teve uma ideia genial para usar o cachorro. John ordenou que os homens soltassem o cão, acreditando que Donnchadh os levaria diretamente até Roberto. O cão imediatamente localizou o cheiro do mestre e saiu correndo, levando os soldados ingleses exatamente onde Roberto estava escondido com seus homens. Entretanto, uma coisa deu errado nessa genial trama inglesa: um cão fiel o bastante para encontrar seu mestre, também é fiel o suficiente para lutar por ele. Quando os soldados cercaram Roberto, donnchadh se virou contra eles e atacou. Roberto e o cachorro escaparam da emboscada juntos, e o rei continuou sua guerra de guerrilha contra os ingleses. Tendo em vista esta exposição histórica, demonstrativa da aproximação entre o animal-humano e mais especificamente o cão, é fácil compreender como estes dois seres vivos desenvolveram um forte companheirismo, comprovado pelo ditado popular de que o cão é o melhor amigo do homem. Contudo, o que se verá mais à frente, é que atualmente o título de melhor amigo do homem ganhou novas proporções, saindo da esfera de convivência amigável para ocupar um espaço nas famílias, como membro integrante desta instituição e por isso lhe é devido, amparo e respeito por todos aqueles que estão fora da relação familiar, ainda que se faça necessário socorrer-se do auxílio de leis. 2.1 A senciência como elemento de reconhecimento dos Direitos Animais Senciência, palavra originada do latim sentire, que significa sentir, é a capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade. (SINGER, 2002). Utiliza-se a terminologia “Direitos Animais”, semelhantemente a “Direitos Humanos” e não “Direitos dos Animais”, uma vez que esta última remete à ideia de direitos positivados, ao passo que aquela engloba e ultrapassa as elementares legais. Já que a ideia central dos Direitos Animais é eliminar o conceito de animais como propriedade. E mais, admitir sua relativa “autonomia” e a relevância de seus interesses biológicos e psicológicos elevando-os à categoria de pacientes morais e sujeitos de direitos. (VELOSO,2011) O Direito Animal pode ser conceituado como o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, 25 independentemente da sua função ambiental ecológica. (ATAIDE JUNIOR,2018) De acordo com (OLIVEIRA,2013) em 1789, Jeremy Bentham, lança Uma introdução aos princípios morais e da legislação, onde há uma das mais famosas passagens a respeito de um novo reconhecimento em relação aos animais, tendo por base a capacidade de sofrer (dorência; senciência) Esta é a passagem tantas vezes citada: Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adulto são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar?’ nem, ‘São capazes de falar?’, mas, sim: ‘Eles são capazes de sofrer?’ (OLIVEIRA,2013) Fábio Correia de Oliveira, ainda afirma que embora subsista uma discussão sobre a definição de senciência e, também por isso, quais animais são ou não sencientes (uma fronteira vacilante, nas palavras de Carlos Naconecy), pode-se dizer que senciente é o ser capaz de sofrer, sentir dor física ou abalo psicológico, bem como de se perceber enquanto indivíduo e ter um entendimento acerca do seu meio, de buscar seu bem-estar, conforto, felicidade. Este conceito abarca uma definição de consciência, também, objeto de debate. No âmbito do Direito comparado, coube à Grã-Bretanha, o pioneirismo na elaboração de leis de proteção aos não-humanos. Data de 1822 a primeira lei proibindo os maus-tratos contra animais, tornando a crueldade para com os não-humanos uma infraçãopunível. Surgiu também na Inglaterra, a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, primeira sociedade de proteção aos animais, em 1824 na chamada era Vitoriana. Na América Latina, pode-se citar o exemplo da República Argentina, que desde 1891 possui uma lei de proteção aos animais. Percebe-se que o avanço no reconhecimento dos direitos dos animais não é uma realidade presente apenas no Brasil, mas uma transformação em nível mundial oriunda das próprias mudanças pelas quais passa o pensamento da sociedade ocidental. (SILVA,2010) No ano de 1997, o Tratado de Amsterdã (UNIÃO EUROPÉIA,1997) que introduziu adaptações aos tratados anteriores da União Europeia, reconheceu os animais como seres sencientes, ou seja, com capacidade de experimentar sentimentos. Neste se fez acordar que as políticas públicas do bloco, em matérias relativas à agricultura, transporte, mercado interno e pesquisa deveriam ter em conta as necessidades dos animais e seu bem-estar. 26 A doutrina anglo-saxônica tem sido a principal referência em Direito Animal no mundo moderno e a legislação de alguns países europeus têm avançado bastante ao reconhecer que os animais não são coisas, mas seres sensíveis. (ATAIDE JUNIOR,2018) Pelo exposto, e levando em consideração os países referência em Direito Animal (Estados Unidos e Canadá) a legislação pátria em nível federal, deveria seguir este mesmo ritmo, de reconhecer que os animais são seres sensíveis, a fim de intensificar a proteção contra os maus-tratos, tudo isto restrito à seara ambiental, deixando de lado as searas do Direito Civil e do Processo Civil, áreas reservadas a legislar acerca dos direitos e obrigações atribuídas aos seres humanos. Quanto às legislações em nível estadual que tratam da proteção animal e/ou da senciência, há o artigo 216 da Lei nº 15.434/2020, que institui o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e assim dispõe: Art. 216. É instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente. § único: Os animais domésticos de estimação, que não sejam utilizados em atividades agropecuárias e de manifestações culturais reconhecidas em lei como patrimônio cultural do Estado, possuem natureza jurídica “sui generis” e são sujeitos de direitos, despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado seu tratamento como coisa. O Código Estadual de Proteção aos Animais do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 34-A com redação dada pela Lei nº 17.526/2018 passa a vigorar assim: Para os fins desta Lei, cães e gatos ficam reconhecidos como seres sencientes, sujeitos de direitos, que sentem dor e angústia, o que constitui o reconhecimento da sua especificidade e das suas características face a outros seres vivos. Sendo assim, a senciência é a capacidade que um ser vivo possui de sentir, e de importar-se com o que está sentindo, além disso, ele também possui o desejo de que as sensações de dor e sofrimento acabem. Pois o animal percebe como está se sentindo e como está sendo tratado. Um ser senciente possui consciência e tem experiências subjetivas de dor e sofrimento. Luna, assim conceitua a senciência: De forma sintética é a capacidade de sentir, estar consciente de si próprio ou apenas do ambiente que o cerca. Não cabe aqui estabelecer uma discussão filosófica do termo senciência, mas sim das implicações práticas relacionadas ao fato inquestionável cientificamente de que pelo menos os animais vertebrados sofrem e são seres sencientes. A evidência de que os animais sentem dor se confirma pelo fato que estes evitam ou tentam escapar de um estímulo doloroso e quando apresentam limitação de capacidade física pela presença de dor, esta é eliminada ou melhorada com o uso de analgésicos. Para muitos filósofos, a senciência fornece ao animal um valor moral intrínseco, dado que há interesses que emanam destes sentimentos. Estas evidências estão bem documentadas por estudos comportamentais, pela similaridade anatomo-fisiológica em relação ao ser humano e pela teoria da evolução. (LUNA, 2008, p.18) 27 Essa noção de senciência como a consciência da dor é o ponto distintivo entre os seres sencientes de outros seres vivos que possuem apenas reações reflexas. Ainda que haja dificuldade em traçar uma linha que separe os animais sencientes dos não-sencientes, alguns teóricos adotam a premissa de que os mamíferos, os peixes e as aves (pelo benefício da dúvida) são sencientes. Considerando esta afirmativa de que a senciência engloba os mamíferos, as aves e os peixes, é interessante destacar o posicionamento defendido por (GONÇALVES,2015) de que o fato de acreditar nos direitos de alguns animais não significa que todos os animais possuem direitos, ou que a concessão de direitos para alguns animais denota direitos para todos os animais. Diante desta afirmativa, surge o seguinte questionamento: por que fazer essa distinção entre os animais? Colocando uns de certa forma como “superiores” e só a estes exigindo-se o respeito aos seus direitos morais? Esta questão também foi levantada por (NACONECY,2007) In: Ética animal... Ou uma ética para vertebrados? Um animalista também pratica especismo? Em que o autor afirma que a preocupação pelos animais sencientes deixaria de fora do âmbito da consideração moral uma infinidade de formas de vida animal sobre a Terra. As proposições da Ética Animal, incluindo as teses da corrente dos Direitos Animais, dizem respeito, portanto, a uma percentagem ínfima do Reino Animal. E acrescenta ainda: Peter Singer e Tom Regan mostram, da primeira à última página dos seus livros, que parecem ter esquecido as lições mais elementares da biologia escolar. Qualquer pessoa minimamente informada em ciência básica sabe que minhocas, camarões, aranhas, formigas, ostras, estrelas-do-mar e outras tantas criaturas não são vegetais nem minerais, são também animais, animais invertebrados. Direcionando esta questão para a relação entre o humano e o pet, e observando os seguintes pontos: aproximação entre estas duas espécies pela domesticação e a convivência geradora de intenso afeto entre eles, é possível concluir, que o respeito que tanto se exige, seria pelo fato de estes animais estarem mais próximos dos seres humanos, física e afetivamente, surgindo assim, o interesse de serem protegidos, por serem úteis na satisfação das necessidades dos animais humanos. Ademais, amar um animal não é amar toda a sua espécie, menos ainda significa amar todas as espécies alocadas na categoria. Cria-se então uma subcategoria de animais privilegiados: os animais de estimação, mas só enquanto a estimação durar, e sua duração pode não ser para sempre. (ABONIZIO, BAPTISTELLA, 2016) 28 2.2 A valoração dada aos animais não-humanos ao decorrer dos períodos históricos A cada período histórico da humanidade, os animais não - humanos receberam uma valoração distinta e a forma como eram vistos pelo corpo social modificou-se a cada época. Tendo por início o século XVII, com o cartesianismo de René Descartes. Com a publicação de “Discours de la Méthode” (Discurso do Método) em 1637 (DESCARTES, 1987), Descartes divulga a ideia de que os animais são verdadeiramente máquinas. Assim além de negar a racionalidade dos animais, ele também nega que eles tenham emoções e/ou sensações. Atribui aos animais o conceito de autômatos, isto é, seus corpos obedeciam às leis da mecânica, como concebido pelo físico inglês Isaac Newton. (PAIXÃO, 2001) A partir desse pensamento cartesiano, aqueles que usavam os animais não deviam se importar com o seu sofrimento, já que os animais não sentem dor, e nem precisavam se preocupar com a retirada das suas vidas, já que eles não tinhaminteresses que pudessem ser prejudicados. Portanto, os animais poderiam ser usados sem qualquer preocupação moral. (PAIXÃO,2001) Segundo (SILVA,2010) opondo-se à linha de pensamento de Descartes, segue-se outra, da qual são representantes Voltaire e Rousseau, que defendiam uma concepção não manipuladora da natureza. Tal corrente defendia ser o homem, parte dos mecanismos de funcionamento do universo, devendo atuar em consonância com os demais e não um agente externo que por sua capacidade intelectual superior, deteria o poder de usar o meio ambiente conforme suas vontades. Voltaire ataca o pensamento cartesiano partindo da ideia de que não é possível que, possuindo uma estrutura física tão parecida com a humana, que é capaz de sentir dor, os animais não a sintam. Uma célebre e histórica réplica à teoria de Descartes merece ser revista, frente sua lucidez e clareza de argumentação: É preciso, penso eu, ter renunciado à luz natural, para ousar afirmar que os animais são somente máquinas. Há uma contradição manifesta em admitir que Deus deu aos animais todos os órgãos do sentimento e em sustentar que não lhes deu sentimento. Parece-me também que não é preciso jamais ter observado os animais para distinguir neles as diferentes vozes da necessidade, da alegria, do medo, do amor, da cólera e de todos os afetos, seria muito estranho exprimirem o que não sentem. (VOLTAIRE, 1993, p.169) No século XVIII, a questão animal foi tratada pelo filósofo Immanuel Kant. Este filósofo, embora tenha mantido a visão antropocêntrica tradicional, de que os animais são seres irracionais, e, portanto, inferiores aos seres humanos, vai introduzir um argumento até hoje utilizado: o argumento da crueldade. (KANT,1963, p.239-241) A grande diferença entre os humanos e os animais estabelecida por Kant, é que os 29 animais não sendo racionais, não representavam um fim em si mesmo, sendo então, meros meios, o que justificava sua utilização para fins humanos. (VELOSO, 2011) Kant acreditava que os animais eram sencientes, apesar disso, não havia uma obrigação moral, no tratamento dos animais não humanos, pois as condutas de crueldade dirigidas a estes, eram tidas como reprováveis, mas apenas em razão de impulsionarem a crueldade com humanos ou por ferir interesses humanos. Ele teria ilustrado seu pensamento a partir do trabalho do inglês William Hogarth (1697-1764) em sua pintura “Os quatro estágios da crueldade”. Nesta obra, por meio de quatro telas, o artista exibe o desenvolvimento da crueldade em Tom Nero, seu personagem principal, que na infância agredia animais e quando na vida adulta tornou-se um homicida. No século XIX, a questão animal foi analisada por Jeremy Bentham (GONÇALVES,2015) idealizador do Movimento Bem - Estarista. Este movimento defende a ideia de que os próprios animais não humanos possuem interesse em evitar o seu sofrimento e os animais humanos tem um dever moral e legal de tratá-los de forma humanitária, devendo- se evitar o sofrimento desnecessário destes animais, quando utilizados nas mais diversas atividades. Para Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, os atos dos indíviduos tornam-se adequados aos fins quando maximizam o prazer e minimizam a dor, ou até mesmo visam sua eliminação. Uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação, mas também a de todos afetados por ela. O utilitarismo rejeita o egoísmo, opondo-se a que o indivíduo deva perseguir seus próprios interesses: a finalidade tem que ser abrangente ao maior número de pessoas. (BARRETO, 2009, p.837-840) No século XX, Richard Ryder, obteve notoriedade no campo de estudos dos direitos animais com a criação do termo especismo, na década de 1970. O termo, serve para referir-se à discriminação que os seres humanos praticam contra os animais de outras espécies, alegando-se que é possível a utilização dos animais não-humanos para nossos próprios fins. Tendo por motivação a superioridade da espécie humana, por ser esta a espécie dominante sobre o planeta. Esta é a definição cunhada por Ryder em seu sentido original, não tendo outras vertentes. Todavia, acatando a sugestão de desdobrar o termo especismo em dois, e com o intuito de demonstrar de forma incisiva, a proteção seletiva que há na defesa dos direitos de algumas espécies de animais não - humanos, assim afirma (FELIPE,2007): Sugiro que distingamos, a partir desse momento, duas formas de especismo: o elitista, que considera os interesses de sujeitos racionais sempre mais relevantes, pelo simples fato de que os sujeitos dotados da capacidade de raciocinar são 30 membros da espécie homo sapiens; e o eletivo ou afetivo, que considera importante defender os interesses de um animal, apenas quando sua figura ou forma de interação desperta no sujeito alguma simpatia, ternura ou compaixão. Na prática especista eletiva, o sujeito permanece indiferente ao sofrimento dos animais que não se incluem no âmbito de sua predileção. Dando continuidade a esta exposição acerca do tratamento concedido aos animais não-humanos ao longo dos períodos históricos, chega-se ao Bem-Estarismo de Bentham numa versão reformulada, versão a qual, influenciou um dos filósofos que deram início aos debates intensos sobre a forma como os animais deveriam ser tratados. O filósofo australiano Peter Singer, sustentou que os animais possuem interesses parecidos aos humanos e desta forma deveriam ser tratados com igual consideração. Como afirmado por (GONÇALVES,2015): Para Singer, estender o princípio da igualdade para além das espécies significa que o fato de os animais serem de outra espécie não nos autoriza a explorá-los, ou que, por serem diferentes, menos inteligentes ou racionais, devemos ignorar seus interesses em evitar o sofrimento e a dor. Peter Singer, trabalhava numa abordagem chamada de utilitarismo preferencialista, defendendo que a igualdade entre os seres humanos está assentada no princípio da igual consideração de interesses, que tem por objetivo tratar os casos semelhantes semelhantemente, também defende que mesmo com as inúmeras diferenças existentes entre os indivíduos humanos, todos devem ser tratados com igual consideração, em respeito aos seus interesses básicos. Tomando por base o Princípio da Igualdade de Consideração e o fato de que alguns animais possuem interesses básicos, Peter Singer sugere a ampliação deste Princípio aos animais, a fim de proteger os seus interesses básicos, quais sejam: o interesse em evitar o sofrimento e viver uma vida agradável. Peter Singer (GONÇALVES,2015) sustentava a tese de que alguns animais aparentam ter racionalidade e autoconsciência, enxergando-se com passado e futuro, e por este motivo se estaria cometendo um erro ao matá-los, ainda que a morte se desse de forma indolor e sem causar sofrimento aos outros membros da comunidade animal. Se o princípio da igual consideração de interesses semelhantes determina que interesses maiores não devem ser sacrificados em prol de interesses menores, o desejo de comer carne deve ser desconsiderado em razão do interesse dos animais, em ter seu bem-estar e sua vida resguardados. Portanto, a questão principal para Singer, era saber se a carne utilizada no consumo dos seres humanos foi produzida gerando sofrimento aos animais, e não se ela poderia ter sido resultada sem sofrimento. Já que a maioria das carnes fornecidas nos 31 mercados das grandes cidades é proveniente da escala industrial ou até de fazendas menores, mas que mesmo assim geraram angústia nos animais. Diante deste cenário de sofrimento causados aos animais, o ideal seria que houvesse o reconhecimento da necessidade da adoção de uma alimentação vegetariana, para levar os interesses dos animais a sério. Em oposição a esta filosofiautilitarista, proposta por Peter Singer, encontra-se a chamada ética do respeito, assegurando que os direitos são invioláveis, exceto em casos de legítima defesa ou necessidade, mesmo que esta garantia acabe por ferir o bem-estar geral. Para (MACIEL,2009) ao citar (REGAN,2006) argumenta que o critério ético que deve guiar a relação entre animais e animais humanos deve ser o valor inerente a que todo sujeito-de-uma-vida, por uma questão de justiça, têm o direito moral básico, de serem tratados respeitosamente, de modo que se reconheça seu valor inerente. Para este autor, os sujeitos-de uma-vida têm importância independente de sua utilidade para os outros, portanto, todos os indivíduos possuem igual valor inerente. O valor inerente é absoluto: independe da utilidade que um indivíduo possa ter para outros. Por esta razão Regan, propõe uma ruptura total com o antropocentrismo de modo a propugnar pelos direitos dos não-humanos. De acordo com Regan, os direitos animais e humanos são validados de acordo com o princípio moral da justiça, inscrito sob a premissa de que todos os que têm valor inerente merecem o mesmo respeito. Assim, tratar com respeito os animais, deixa de ser uma questão de bondade ou sentimentalismo, torna-se questão de justiça, pois a capacidade dos animais de diferenciar experiências de prazer e de dor, de sentir bem-estar ou mal-estar e de ter preferência por um estado, em vez de outro, evidencia a capacidade de agregar valor intrínseco à própria vida. Assim como os seres humanos, os animais também possuem um bem-estar experiencial que independe da utilidade que possam ter para os humanos. E se esta capacidade de experienciar a vida é o que fundamenta o respeito aos direitos do homem, então também deve-se respeitar os direitos básicos dos animais, ou assegurar que haja a proteção destes direitos. E da mesma forma que os animais humanos possuem uma vida, os animais não- humanos também são sujeitos de uma vida e titulares de valores inerentes, e por isso detém o direito de não serem utilizados para a satisfação dos interesses de terceiros. Restando aos humanos a incumbência de tratar os animais não-humanos com o devido respeito. Tom Regan adotava uma postura abolicionista, o que quer dizer que, para o autor, toda e qualquer exploração animal deve ser abolida, em razão do respeito que se deve aos animais. 32 Portanto, Regan afirma que somos obrigados, moralmente, a parar de comer os corpos e subprodutos animais, adotando uma alimentação vegetariana, pois somos obrigados a tratá-los com respeito. (GONÇALVES, 2006) Portanto, para Regan a moralidade só seria efetivamente cumprida quando se optasse por uma alimentação vegetariana e além disso também deveria adotar-se um estilo de vida vegano, que apregoa a exclusão de quaisquer tipos de produtos obtidos pelo uso de animais, seja em vestimentas, cosméticos, produtos de limpeza, higiene e no entretenimento. Por fim, ainda há o posicionamento defendido pelo scholar de Direito norte- americano Gary L. Francione. Este especialista defendia que o movimento pelos direitos animais não tinha por meta dar aos animais os mesmos direitos que os seres humanos possuem, a exemplo dos direitos políticos, mas, estender aos animais o mais precioso direito fundamental: o de não serem tratados como propriedades dos seres humanos. Francione, afirmava que os animais não-humanos são autoconscientes, possuindo interesse em manter suas vidas, pois eles não são indiferentes ao fato dos seres humanos usá- los e matá-los para satisfazer seus interesses. Não há justificação moral para manter o uso de animais, ainda que eles sejam tratados de forma humanitária. Tem-se que os seres humanos e os animais são semelhantes entre si e diferentes de tudo o mais no universo, que não seja senciente. Se nossa suposta proibição de imposição do sofrimento desnecessário em animais tem algum significado, devemos respeitar os interesses dos animais em não sofrer. (FRANCIONE, 2008, p.44) Para Francione, um ser senciente é um ser com interesse em continuar a viver, que deseja, prefere ou quer continuar a viver. Desta forma, para que um indivíduo humano tenha qualquer direito, ele deve ter o direito básico de não ser tratado como coisa. Pois este direito básico, o de não ser considerado propriedade alheia, é uma condição necessária para inserir um indivíduo no status de pessoa moral e legal. E ao superar e extinguir o status dos animais como propriedades eles se tornarão pessoas. Segundo Francione, ser uma pessoa significa que o indivíduo detém interesses moralmente relevantes, e por isso o princípio da igual consideração deve ser aplicado a este ser, já que ele não é uma coisa. Para este teórico, ou os animais estão inseridos no universo enquanto coisas, ou como pessoas. Como coisas os animais não se encaixavam, já que possuem a senciência, e levando em conta este critério, os animais não-humanos fariam parte do grupo de pessoas. Sendo assim, a senciência para Gary Francione era o ponto principal, já que ao possuí-la o animal não-humano seria automaticamente inserido na esfera moral. 33 2.3 As correntes da Ética Ambiental A reflexão quanto à sadia convivência entre os animais não-humanos e os seres humanos não se deteve apenas na esfera moral, e difundiu-se por outras áreas da ética. A ética estuda o agir humano na medida em que este é orientado por hábitos, costumes e representações de virtude (MILEIPE, 2011). Neste sentido, de a ética estudar a forma como deve agir-se, pautado por representações de virtude, a ética ambiental tem por intuito direcionar a humanidade ao tratamento do meio-ambiente de maneira a não lhe acarretar danos. E para demonstrar a forma como o homem se relaciona com o meio ambiente, assim como a posição dos seres humanos frente a este, surgiram algumas correntes da ética ambiental. A partir da verificação no Direito Brasileiro e no Direito Comparado, as correntes interpretativas do Direito Ambiental, são analisadas sob três modelos ético-jurídicos básicos: 1- Antropocentrismo Puro (também nominado dogmático ou cartesiano); 2- Antropocentrismo Intergeracional; 3- Não-Antropocentrismo (ecocentrismo, geocentrismo, biocentrismo ou a ecologia profunda) A primeira delas, o antropocentrismo, apregoa que o humano está em posição central no universo, colocando os demais seres vivos integrantes do ecossistema em posição inferior, a fim de servirem às necessidades humanas. Tudo que não for da espécie humana terá uma utilidade. (SILVA; RECH, 2017) A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III) como fundamento destinado a interpretar todo o sistema constitucional adotou visão explicitamente antropocêntrica, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (artigos 1º, inciso I e 5º da Carta Magna) uma posição de centralidade em relação ao nosso sistema de direito positivo. De acordo com esta visão, tem se que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. (FIORILLO,2009) O antropocentrismo clássico, encontra-se na defesa do homem como ponto central do meio ambiente, na medida em que este serve tão somente para realizar os desejos humanos, implicando assim, numa perspectiva utilitarista do meio ambiente. (BELCHIOR, DIAS, 2020) O antropocentrismo ainda apresenta outra vertente: o antropocentrismo moderado. Também conhecido por alargado, tem por intuito o amparo ao meio ambiente, bem como expressa que os interesses humanos não precisam fazer oposição aos interesses dos animais 34 não humanos, na medida em que permite até mesmo negociar os interesses destes. (MEDEIROS, 2013). Segundo os ensinamentos de (MEDEIROS,2013) em oposição ao antropocentrismo moderado há o antropocentrismo radical. O antropocentrismo radical, revela-secomo aquele que atribui exacerbada importância aos animais humanos, classificando-os como de categoria especial, levando-se em consideração um valor notável, ao passo que as vidas não-humanas se mostram com pouco ou até mesmo sem nenhum valor, vistas como bens, propriedade ou fontes de subsídios para os animais humanos. Importante ressaltar que o sistema consagrado na Constituição da República de 1988, representou a ruptura do modelo jurídico constitucional pátrio com o padrão antropocêntrico clássico, despontando assim o Antropocentrismo Intergeracional. Para (MARQUES JÚNIOR, MORAES,2013) o Antropocentrismo Intergeracional, também concede ao homem papel de destaque no meio ambiente e em torno do qual todo o resto era tutelado, amenizando a questão de seu enaltecimento, defendendo que os seres humanos teriam de se preocupar com a questão ambiental, para que as gerações vindouras pudessem desfrutar dos benefícios da natureza. No artigo, A natureza no Direito Brasileiro: Coisa, sujeito ou nada disso, (BENJAMIN,2011) assim afirma que o Antropocentrismo Intergeracional, das gerações futuras é uma forma temporalmente ampliada da visão antropocêntrica clássica, já que enfatiza obrigações do presente para com os seres humanos do futuro. Concretizando-se assim, a Solidariedade Intergeracional prevista no artigo 225 da Constituição de 1988, que é mecanismo do Antropocentrismo Mitigado. Em contraposição a estas correntes em que o ser humano é tido como ponto central, existem as correntes não-antropocêntricas, quais sejam: o ecocentrismo, geocentrismo, biocentrismo ou a ecologia profunda. A corrente biocêntrica, prioriza a senciência (capacidade que os animais não- humanos tem de experimentar sensações como dor, sofrimento ou bem-estar) e vai além, pois abarca outros seres e organismos vivos. Para (MEDEIROS,2013) a ética biocêntrica, abarca animais humanos, animais não-humanos, plantas, organismos unicelulares, vírus e até bactérias. Sendo assim, há a consideração do direito à vida a todos os seres vivos, sendo todos eles moralmente considerados. O Ecocentrismo, é um paradigma ecocêntrico plasmado no constitucionalismo dos países andinos, fundado na cosmovisão dos povos indígenas e admitindo direitos próprios da natureza e direitos ao desenvolvimento do bem viver. Inclusive, a leitura do Texto 35 Constitucional equatoriano de 2008, em seu artigo 74 não deixa dúvida quanto à filiação ao ecocentrismo: Art. 74. - Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse del ambiente y de las riquezas naturales que les permitam el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado. (CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DEL ECUADOR,2008) Quanto à questão do ecocentrismo, importante destacar o julgamento do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Recurso Especial 1.797. 175 - SP. A Ementa deste Recurso Especial, assim afirma: Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no intuito de anular os autos de infração emitidos pelo Ibama e restabelecer a guarda do animal silvestre apreendido. No que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese a atuação do Ibama na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira, o Princípio da Razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que cada caso examinado demanda uma solução própria. Nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer. (JUSBRASIL,2019) (MORAES,2013) ao tecer comentários acerca deste julgamento, afirmou que esta demanda configurou-se como o precedente pioneiro do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer direitos e a dignidade dos animais, sob a perspectiva da ampliação do espectro do princípio da Dignidade na Constituição Brasileira e da Jurisprudência Constitucional Latino- Americana, afirmativa dos direitos da natureza, inclusive a do direito à relação de Harmonia entre os seres. João Paulo Miranda (2016) argumenta que o ecocentrismo ou holismo, como também é conhecido, reflete a concepção de igual respeito entre criaturas e ecossistema. Para a autora (MEDEIROS,2013) há uma preocupação maior com a ecologia, tendo em vista a interação entre todos os seres do ecossistema. Já que esta vertente, leva em consideração o ecossistema como um todo, dentro de um pensamento filosófico voltado para a ecologia, apresentando valores na natureza em regime de igualdade, tanto entre os seres bióticos (com vida) e os seres abióticos (sem vida). Esta estudiosa, ainda afirma que a corrente ecocêntrica está relacionada ao holismo, onde todos os seres interagem e compõem um todo, e por isso seria impossível desligá-los para compreendê-los de forma isolada. Quanto à Ecologia Profunda, o termo Deep Ecology foi cunhado, em 1972, por Arne Naess, professor de Filosofia da Universidade de Oslo. O movimento da Ecologia Profunda foi bem recebido e ganhou considerável adesão no meio acadêmico estadunidense. 36 Defendendo que todo ser vivo ostenta valor em si mesmo, e que todo ser vivo merece respeito. A Ecologia Profunda, veicula que a riqueza e a diversidade das formas de vida humana e não-humana além de serem valores em si, já que de acordo com a implicação da sentença nº 3 da Plataforma Comum da Ecologia Profunda: Humans have no right to reduce this richness and diversity except to satisfy vital needs. Terminada esta exposição acerca das correntes da ética ambiental, é possível afirmar que a corrente que mais concilia-se com o objetivo deste trabalho, seria a corrente do antropocentrismo moderado, tendo em vista a possibilidade do ajuste entre o cuidado com o meio ambiente, na perspectiva dos pets (mais precisamente do cão) com os interesses dos seres humanos. Isto tornou-se possível através da inserção do §1º-A ao artigo 32 da Lei nº 9.605/98 que garante a punibilidade dos atos atentatórios ao bem-estar destes animais, tendo assim os seus interesses resguardados. Interesses, no sentido atribuído por Peter Singer ao afirmar que os animais teriam os seguintes interesses básicos: o de evitar sofrimento e de viver uma vida agradável. Portanto, de um lado estaria se resguardando o bem-estar do animal não-humano, o cão, e por outro lado, o direito subjetivo (direito de ação) atribuído ao ser humano, também estaria sendo protegido, já que não haveria a necessidade dos animais não-humanos serem parte em processos judiciais, como disciplina o Projeto de Lei nº 145/2021 de autoria do Deputado Eduardo Costa (PTB/PA) que disciplina a capacidade de ser parte dos animais não- humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao artigo 75 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) para determinar quem poderá representar animais em juízo. Este Projeto de Lei está aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados. 37 3. A INSERÇÃO DOS PETS NOS LARES BRASILEIROS Em 2019 a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE,2020) estimou que 46,1% dos domicílios do país possuíam pelo menos um cachorro (44,3% em 2013) o equivalente a 33,8 milhões de unidades domiciliares. A Região Sul, apresentou a maior proporção (57,4%) enquanto a Região Nordeste, a menor (37,6%). Nas demais, as estimativas foram: 56,3% na Região Centro-Oeste; 52,4% na Região Norte e44,3% na Região Sudeste. Em relação à presença de gatos, em 2019, 19,3% dos domicílios do país possuíam pelo menos um, o equivalente a 14,1 milhões de unidades domiciliares. As regiões Norte e Nordeste apresentaram os maiores percentuais (25,3% e 24,1% respectivamente), enquanto as Regiões Sudeste e Centro-Oeste, os menores (15,2% e 16,6% respectivamente). Na Região Sul, havia ao menos um gato em 21,2% dos domicílios. Levando em consideração os dados colhidos nesta Pesquisa Nacional referentes aos domicílios, é evidente o quanto os brasileiros nutrem um intenso afeto pelos animais de estimação, pelo menos no que se refere ao cão e ao gato. Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL,2019) animais de estimação, são os animais criados para o convívio com os seres humanos por razões afetivas, gerando uma relação benéfica. Tendo como destinações principais: terapia, companhia, lazer, auxílio aos portadores de necessidades especiais, esportes, ornamentação, participação em torneios e exposições, conservação, preservação, criação, melhoramento genético e trabalhos especiais. Diante esta definição, é possível concluir que o conceito de animal de estimação é mais extenso, pois não se baseia apenas no benefício afetivo que o animal não-humano pode trazer ao seu tutor. Além do conceito de animal de estimação, há também o conceito dos animais de companhia. De acordo com o artigo 1º do Decreto nº 13/93, que estabeleceu a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia: Entende-se por animal de companhia qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente em sua casa, para seu entretenimento e enquanto companhia. Para a Organização Mundial da Saúde, o uso dos cães como animais de companhia, caracteriza-se pela posse, somente para companhia ou lazer, sem interação afetuosa mais intensa com seus guardiões. Pois quando se fala em afetividade, imediatamente o pensamento se volta aos pets, já que são eles que mantém uma convivência intensa com os humanos nas mais distintas famílias espalhadas pelos lares brasileiros. O termo pet define a condição de um animal e seu papel em relação aos humanos e esse papel pode ser transformado ao longo da biografia do próprio animal. Um gato, 38 por exemplo, pode ser um pet, e ao ser abandonado, tornar-se um alegado problema de saúde pública. (ABONIZIO; BAPTISTELLA, 2016) A Organização Mundial da Saúde, classifica pet, como sendo os animais de companhia, porém com relação próxima e afetuosa com seus guardiões, sendo considerados como membros da família. E quando esta relação afetuosa se encontra ameaçada, os guardiões não medem esforços para resguardar este laço afetivo, prova disso, são as inúmeras demandas realizadas ao Poder Judiciário, com o intuito de manter esta relação familiar multiespécie. E dentre os inúmeros casos direcionados ao Poder Judiciário, destaque-se o julgamento do Recurso Especial nº 1783076/DF (2018/0229935-9). O Recurso Especial nº 1783076/DF teve origem em ação ajuizada por uma moradora de condomínio do Distrito Federal para ter o direito a criar a sua gata de estimação no apartamento. A parte autora alegou que a gata, considerada um membro da família, não causa transtorno nas dependências do edifício. Após o indeferimento de seu pedido na 1ª Instância e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas, quando o animal não apresentar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossêgo dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do local. Após o deferimento do pedido, a parte autora comemora e ressalta o elo afetivo gerado entre ela e o pet: A gente se acostuma com o animal dentro de casa, e eles com a gente. O meu maior medo era ter de me desfazer dela, que está completando 4 anos. A Nina é uma companheira e me faz muito bem. (CORREIO BRASILIENSE, 2019) O termo pet, também é utilizado para caracterizar um tipo específico de consumo desde o ano de 2012, ano em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva, dos Animais de Estimação, ou simplesmente Câmara Pet (BRASIL, 2012) voltada para a aquisição de produtos e serviços destinados aos animais não humanos que se enquadrarem nesta categoria. (ABONIZIO; BAPTISTELLA, 2016) Ainda na Agenda Estratégica realizada por este Ministério para os anos de 2019 a 2023, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ao conceituar o setor pet incluiu os seguintes animais: aves canoras e ornamentais, cães, gatos, peixes ornamentais, pequenos répteis e mamíferos. E dentre todos estes animais - não humanos, classificados como pets, o cão, é o bichinho que mais tem trazido modificações intensas aos lares brasileiros, devido à alteração 39 ocorrida na posição ocupada por este pet, já que inicialmente os cães habitavam os lares com a finalidade de guarda e proteção das residências: É um fato da sociedade atual admitir que animais façam parte da família. Cães e gatos deixaram de assumir suas funções primárias de guarda e controle de pragas, para ser companhia. A entrada dos animais nos espaços internos das residências foi impulsionada pela verticalização da estrutura das grandes cidades, diminuindo a incidência de pátios e quintais nas moradias dos centros urbanos, trazendo os animais para dentro das casas. Os animais começaram a assumir a função de companhia para adultos e crianças, paralelamente às mudanças nos padrões familiares. (LIMA, 2015) Atualmente, estes animais de companhia se encontram revertidos de intensos cuidados, chegando a serem considerados como “filhos” por pessoas solteiras, em uniões estáveis heterossexuais ou homossexuais e ainda daqueles casados civilmente. O animal pode desempenhar um papel substitutivo de um filho, com a vantagem de raramente a autoridade familiar, ser posta em causa, no que respeita quer à pontualidade das refeições, quer à obediência (PAIS,2006). Citando YONNET (1985), PAIS (2006) afirma que os animais de companhia acabam por ser caracterizados por obediência, submissão, previsão, dependência, lealdade, justamente as características que os donos gostariam de ver em seus filhos. O traço marcante nesta relação, destacado por Pais, é a infantilização, o que faz com que os cães de estimação sejam crianças mesmo na velhice. O estudo feito por Calmon de Oliveira aponta essa transferência do papel do filho para o animal de estimação: devido a esta instabilidade dos casamentos, o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu, aparecendo o cão como um mediador entre o casal, muitas vezes no lugar da criança. A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos. (OLIVEIRA, 2006, p.41) Os cães são os animais de companhia mais populares mundialmente, desempenhando papel importante como membros das famílias humanas. Na rede social familiar, o suporte social derivado da relação homem-cão no tocante à companhia, cuidados e aliança confiável é, em algumas situações, mais importante que os derivados das relações entre humanos (BONAS,2000). Bonas ainda afirma que a relação de humanos com cães, geralmente desempenha um papel compensatório, ou seja, pessoas podem estabelecer relações com cães para compensar a baixa satisfação com outros membros humanos da família. Toda esta mudança ocorrida na utilidade dos cães está ocasionando uma supervalorização destes pets. E um fator de grande relevância para esse fenômeno da supervalorização dos pets é a queda da taxa bruta de natalidade dos brasileiros.Considerando as taxas de natalidade obtidas entre os anos 2000 a 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na Projeção da População do Brasil - 2013 é possível constatar esta diminuição: 40 Tabela 1 Considerando o contexto atual da Pandemia do Sars-Cov-2 (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) já é possível vislumbrar suas implicações nas taxas de natalidade: A pandemia intensificou a redução na taxa de natalidade. Em janeiro deste ano, foram registrados 210.066 nascimentos no Brasil, 34.922 a menos do que os 244.988 do mesmo mês em 2020. Os números demonstram uma queda de 14% em 2021, em relação ao ano anterior. Em 2020, já era observada uma queda de 6% na quantidade de nascimentos, em relação a 2019. No começo da pandemia, acreditava-se que o número de nascimentos seria maior, uma vez que a maioria dos casais estariam, em tese, dentro de casa o tempo inteiro. No entanto, o medo e as inseguranças trazidas pela crise fez com que o número de gestações diminuísse. (CULTURA,2021) Outro ponto que deve ser observado no que se refere a esta supervalorização dos pets, é a diminuição no tamanho das famílias. Os arranjos familiares das décadas passadas, que possuíam uma prole numerosa, deu lugar a núcleos familiares menores com apenas dois, um e em alguns casos o casal de pessoas não possuem filhos e optam por serem tutores de um pet. Cães ou gatos, na maioria das vezes. Quanto à denominação tutor, (GONTIJO,2020) assim explica: Com relação aos animais, a palavra tutor, acaba se encaixando melhor, já que o significado de tutor é: indivíduo que exerce uma tutela, aquele que ampara, protege, o guardião. Ao pensar-se nos animais, faz muito mais sentido substituir a palavra dono por tutor, pois os animais sendo seres vivos, precisam de cuidado, proteção, amparo e não apenas posse. Cabendo à pessoa que adquiriu o animal cuidar dele, protegê-lo e ser responsável pela sua saúde e bem-estar e não exercer posse sob ele, limitando suas vontades e até mesmo fazendo o que bem entendem como o animal. De fato, em 2015 existem mais lares com cachorros (44%) que com crianças (36%) no Brasil. Além dos motivos demográficos (redução do número de filhos), estariam também os econômicos, haja vista o alto custo de criação de filhos. As projeções de 2013, em 41 45 milhões de crianças e 52 milhões de cães, apontam para 2020 o aumento dessa diferença: 41 milhões de crianças contra 71 milhões de cães. Há ainda, uma tendência de aumento dos domicílios onde mora uma só pessoa. São denominados arranjos unipessoais, onde, principalmente, pessoas sozinhas com mais de 50 anos, são “potenciais pais de um totó” [...] Essa mudança ocorreu por diversos fatores, dentre eles famílias cada vez menores, maior número de pessoas morando sozinhas e o envelhecimento da população, tem favorecido o aumento dos animais de estimação nos lares brasileiros. (SÉGUIN, 2016) Esta diminuição na quantidade de filhos pelas famílias no Brasil, é demonstrada a seguir, com os dados recolhidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Tabela 2 Ou seja, a taxa de fecundidade que já era baixa, quando comparada a períodos anteriores, vem diminuindo ano a ano pelos lares do país. A ligação criada entre o ser humano e o seu pet é tão intensa, que diante dos casos de divórcio ou dissolução da união estável, os casais recorrem ao Poder Judiciário para definirem acordos sobre a guarda compartilhada de seus pets. (CHAVES,2016) afirma que o primeiro caso, relativo à guarda compartilhada de animais foi registrado na 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em janeiro de 2015, em sede de Apelação contra uma decisão da 5ª Vara de Família do Fórum Regional do Meier que julgou demanda de dissolução de união estável com partilha de bens entre um casal. O litígio envolvia a disputa pelo cãozinho chamado de “Dully”. Assim afirma (SILVA,2018) ao observar que os juízes têm priorizado, na tomada de sua decisão, o afeto desenvolvido no seio familiar pelos animais de estimação, que acabam por envolver toda a família que passa a considerá-los como membros dessa família. Isso tem 42 levado muitos juízes a basearem suas decisões não mais no direito de propriedade e sim no Direito de Família, com as devidas adaptações na parte sobre a guarda dos filhos, enquanto uma legislação específica, que venha regular a guarda compartilhada de animais de estimação, não seja editada. Outro fator determinante para a escolha dos pets pelos casais de pessoas é o aumento na quantidade de horas trabalhadas semanalmente. Pois este aumento da atividade laboral, faz com que haja uma diminuição nos cuidados que necessariamente deveriam ser dispensados aos filhos. E como as incumbências básicas para um bom tratamento aos pets não exige tantos esforços, quando comparado aos cuidados que devem ser dedicados aos filhos, a preferência pelos pets se mostra a mais adequada na conciliação do tempo ao afeto. Quanto à afirmativa do aumento das horas trabalhadas semanalmente, esta pode ser comprovada com a análise dos dados produzidos durante os anos de 2014 e 2015 pela Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Tabela 3 Portanto, a queda da taxa bruta de natalidade dos brasileiros, a diminuição no tamanho das famílias, o fenômeno da verticalização urbana e o aumento na quantidade de horas trabalhadas semanalmente, são fatores relevantes na supervalorização dos pets, de forma particular, os cães. 43 3.1 Pets como parte da família, a família multiespécie. Como demonstrado anteriormente, os pets, com mais enfoque no cão, adentraram pelos lares brasileiros, envoltos por um véu de afago e cuidados. E diante todo o zelo dispensado no tratamento dos pets, nota-se que não há muitas diferenças entre o trato direcionado ao animal não humano e ao direcionado ao animal humano. Já que as duas espécies, atualmente, compõem o núcleo familiar. Isto é possível, graças ao novo alicerce em que se constituem os mais diversos arranjos familiares: o afeto, produto das mudanças ocorridas na sociedade. A comprovação da relevância que o afeto tem recebido está concretizada no Princípio da Afetividade, um dos princípios do novo Direito de Família. (TARTUCE,2017) assim aponta: O Direito de Família passou por profundas alterações nas últimas décadas, transformações essas que atingiram também o nosso país. Esta mudança no conceito do que seria família, sua constituição e alterações, já tinha sido apontada pelo ilustre jurista viçosense Clóvis Beviláqua: A família primitiva é vacilante, inconsistente, não toma um caráter fixo e se dissolve em pouco tempo, ligada que se acha somente pelas energias biológicas. Numa definição contemporânea, do que seja esta instituição, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a determina como o meio para a realização de anseios e pretensões. Não é mais a família um fim em si mesmo, mas o meio social para a busca de felicidade na relação com o outro. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2011) Neste mesmo sentido, posiciona-se Maria Berenice Dias, de que o novo modelo de família, funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova roupagem axiológica ao Direito de Família. A família- instituição foi substituída pela família-instrumento. Ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado. Ressalte-se contudo, que esta mudança na conceituação e abrangência da instituição família, se deu de forma vagarosa, tendo por protagonista o Poder Judiciário, pois como apontado por HIRONAKA in Tratadode Direito das Famílias, 2015, a legislação tem-se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleos familiares que se apresentam como verdadeiras entidades familiares, embora o não reconhecimento legal. Esta inércia do Poder Legislativo, contudo, tem sido oposta a um proficiente ativismo do Poder Judiciário, cuja atuação eficiente tem estabelecido o liame imprescíndivel 44 entre as expectativas e o ordenamento jurídico, principalmente para garantir a dignidade dos membros de tais arranjos familiares e o alcance da justiça. Foi deste ativismo judicial que numerosas famílias tiveram sua legitimação reconhecida, como a: família monoparental, família anaparental, família reconstituída, família unipessoal, família paralela, a família eudemonista e a família multiespécie. E no intento, de melhor esclarecer como se constitui cada família (OLIVEIRA, 2018) assim explica: Família Matrimonial: formada pelo casamento; Família Informal: formada pela união estável; Família Monoparental: qualquer um dos pais com seu filho, a exemplo da mãe solteira e do seu filho; Família Anaparental: Sem pais, formada apenas pelos irmãos; Família Reconstituída: Pais separados, com filhos, que começam a viver com outro também com filhos; Família Unipessoal: Apenas uma pessoa, como a viúva por exemplo. Família Eudemonista: Formada unicamente pelo afeto e solidariedade de um indivíduo com o outro, buscando principalmente a felicidade. Quanto à família multiespécie, é o grupo familiar que reconhece ter como seus membros os humanos e os animais de estimação, em convivência respeitosa. (FARACO, 2008, p. 37) Esta família composta por membros de espécies distintas, consiste em um grupo familiar composto por pessoas que reconhecem e legitimam seus animais de estimação como membros da família, e onde a convivência é respeitosa, e são travadas interações significativas. (GAZZANA, 2015) Para (BELCHIOR, DIAS, 2020) a família multiespécie é tendência do pluralismo familiar, não cabendo ao Estado definir o que seria família e de que maneira deveria se compor, mas ao contrário, é dever seu, abraçar e proporcionar proteção e valorização, tendo em vista a liberdade de seus componentes, bem como a relevância social que o animal de estimação ganhou ao longo de sua trajetória. Sendo assim, é possível vislumbrar o quanto os pets têm trago alterações no seio das mais diversas famílias. Pois, a visão que se tinha anteriormente do cão como o guardião da propriedade, deu lugar ao cão, membro do núcleo familiar. O antropomorfismo (atribuição de características e comportamentos típicos da condição humana às formas inanimadas da natureza ou aos seres vivos irracionais) atribuído aos cães, leva uma parcela significativa de seus guardiões a permitir que durmam em suas camas, subam nos móveis, obtenham comida na mesa de jantar, conversem ou organizem festas de aniversário. (VOITH, 1992) A morte de um membro canino da família pode até mesmo deflagrar emoções comparavéis à perda de um humano (MIKLÓSI, 2007) o cão tornou-se, portanto, membro de 45 uma família multiespécie. (BELK, 1996) Por estes motivos, é devido que o pet receba um tratamento humanitário. E qual seria a melhor forma de exigir um comportamento de outra pessoa, e de maneira eficaz? Por meio de leis, afinal, elas têm poder cogente. É justamente este, o movimento que vem surgindo no Congresso Nacional, por meio das Propostas Legislativas feitas por Senadores e Deputados, no intuito de proporcionar aos pets a devida valoração que tanto é exigida por seus tutores. Tutores, no sentido de que o trato dirigido aos pets como se eles fossem apenas propriedades e até mesmo animais semoventes, de acordo com o Código Civil de 2002, não é bem visto e aceito atualmente. O pet, além de enquadrar-se como bem semovente, também é um bem infungível e indivisível, que pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não podendo ser substituído por outro, sem que isso acarrete uma alteração substancial no seu conteúdo. Daí ser esta a justificativa civilística, apontada pelo Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do Recurso Especial nº 1.713. 167 - SP (2017/0239804-9)1, que expõe com exatidão o motivo pelo qual os pets não devem ser classificados como bens unicamente, já que representam para seus tutores um ser vivo único e insubstituível. 1 Ementa. 1.Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 46 Destoando assim do status atual dos pets, com enfoque no cão, já que a Legislação Civil discplina que eles são tidos como bens móveis semoventes: Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinaçãoeconômico-social. (CÓDIGO CIVIL, online) 3.2 O consumo como forma de demonstrar afeto aos pets Como já bem demonstrado até aqui, os pets com foco no cão, recebem atualmente um tratamento exagerado, no sentido de que, o zelo que lhes é dirigido ultrapassa a linha do que é necessário para garantir-lhes uma vivência sadia. O necessário, qualifica-se como os cuidados básicos que visem à saúde do bichinho e ao seu bem-estar. Porém, diante deste pedestal, em que os tutores colocam seus cãezinhos, dar-lhe apenas os cuidados referentes à saúde e bem-estar são insuficientes para demonstrar aos outros o quanto o seu pet é zelado, querido e amado. Perante este anseio dos tutores em comprovar o afeto (um sentimento imaterial) o meio mais eficaz de materializá-lo é por meio do consumo, em muitos casos, um consumo desenfreado de produtos que não se mostram essenciais na “humanização” dos pets. Em notícia veiculada no site do IPB - Instituto Pet Brasil, em 17 de setembro de 2020, há claramente esta ligação da humanização ao quanto de dinheiro se está disposto a gastar com o pet: O nível de humanização e o quanto o pet é tratado como outra criança na casa, ou não, varia bastante de acordo com a renda das casas. Isso é o que revela a pequisa Estilos de Vida da Euromotor International. A América do Norte é líder na tendência de humanização. Mercados emergentes, especialmente na Ásia, Àfrica e Oriente Médio marcam menos ponto nesse placar. Na América Latina as elasticidades de renda são relativamente altas para o cuidado de animais de estimação, mas apesar disso, a região é o segundo lugar na pesquisa. Isso quer dizer que, mesmo que haja um cenário de recessão, os donos de pet ainda chegam a sacrificar seus gastos pessoais para fornecer um cuidado especial aos pets. Percebendo o quanto os tutores estão empenhados em oferecer aos seus pets os melhores cuidados, os melhores produtos, o mercado logo adaptou-se a esta nova demanda, tendo em vista o potencial de vendas que poderia surgir. E surgiu, alavancado pela dedicação diária dos tutores em zelar por seus cãezinhos, que desemborcou numa grande cadeia: a Cadeia Pet. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Cadeia Pet é o segmento relacionado com o desenvolvimento das atividades de criação, indústrias e comercialização de animais de estimação e de produtos relacionados, bem como serviços. Os animais de estimação receberam tamanha relevância, que dentro do Ministério 47 da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento criou-se uma Câmara Setorial dedicada exclusivamente para tratar dos assuntos referentes aos animais de estimação, desde o Manual de boas práticas direcionadas a estes animais até a inteligência de mercado pet. No intuito de concretizar as propostas idealizadas pela Câmara Setorial, as Agendas Estratégicas foram criadas. A agenda Estratégica Pet Brasil, é fruto do trabalho coletivo do conjunto das entidades representantes do setor privado em seus diversos elos da Cadeia Pet e representantes do Governo que compõem o GTPet, proporcionando o ordenamento dos trabalhos, organizando, sistematizando e racionalizando as ações e objetivos estabelecidos pela Câmara Setorial com uma visão de futuro. Para o ano de 2020, algumas prioridades relacionadas aos pets, foram lançadas, prioridades estas que fazem parte da Agenda Estratégica de 2019 a 2023, tais como: Indústria Pet Food, Manual Pet Food Brasil, Passaporte Pet, Atualização da População de Animais de Estimação, RG Pet, Programa Pet Brasil e Capacitação por meio de parcerias: Indústria Pet Care. Inclusive, quanto à prioridade do RG Pet, esta foi concretizada no município de Fortaleza por meio de uma Campanha de Emissão do RG pet, promovida pelo Shopping RioMar Fortaleza. A notícia foi veiculada pelo jornal online “O Povo” em 12 de dezembro de 2020: No primeiro dia de campanha para confecção de registros gerais (RGs) de animais de estimação, neste sábado, 12, no RioMar Fortaleza, tutores de pets marcaram presença para garantir o registro do animal. A campanha é em parceria com o Instituto Pet Brasil, a organização que criou o RG Pet, e segue até amanhã, 13 de dezembro. Para participar, basta levar um quilo de ração para gatos ou cachorros por pet a ser cadastrado. O mercado pet tem se mostrado um ramo próspero e com expectativa de crescimento para os anos vindouros, tanto no mercado interno como no externo. Aliás, o Marketing e Promoção da Cadeia Pet, apresentado na Agenda Estratégica de 2019-2023, teve como diretrizes: 1- Divulgar a utilidade e benefícios do pet para o ser humano e 2- Divulgar informações sobre o mercado pet e seus benefícios. Tudo isto, com vistas a aquecer este mercado que cresce exponencialmente. De acordo com a Apresentação realizada pelo Instituto Pet Brasil na 26ª Reunião Ordinária da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Animais de Estimação, referente ao Mercado Pet, com os resultados de 2018, o faturamento das vendas no varejo do setor Pet no mundo foi de aproximadamente US$ 124,6 bilhões em 2018, de acordo com os dados da Euromomonitor International (premiada empresa, que possui base de dados de pesquisas de mercado com dados e análises sobre indústrias, países e consumidores). http://fivenews/Shopping%20faz%20campanha%20para%20emitir%20RG%20de%20pets%20ap%C3%B3s%20doa%C3%A7%C3%A3o%20de%201kg%20de%20ra%C3%A7%C3%A3o http://fivenews/Shopping%20faz%20campanha%20para%20emitir%20RG%20de%20pets%20ap%C3%B3s%20doa%C3%A7%C3%A3o%20de%201kg%20de%20ra%C3%A7%C3%A3o 48 De acordo com dados do Instituto Pet Brasil (2021,online) relacionados à evolução do faturamento, o Setor Pet apresentou no ano de 2013 um faturamento de 24,3 bilhões de reais, em 2014; 26,7 bilhões de reais, em 2015; 28,9 bilhões de reais, em 2016; 31,1 bilhões de reais, em 2017; 32,9 bilhões de reais e em 2018, 34,4 bilhões de reais. Estima-se que a participação do setor de Produtos para Animais de Estimação no PIB do Brasil, tenha alcançado 0,36% em 2018. Essa representatividade é superior a setores como o de utilidades domésticas e de automação industrial. (2021,online) Frente a estes percentuais tão significativos é inegável que o animal-produto adquire o status de pet ao ser comprado, mas para ocupar definitivamente um espaço na família e ser recebedor de afeto, demanda-se tempo e coisas. Onde os tutores enchem suas sacolas de produtos destinados a seus pets, o que pode ser visto como um aspecto de aburguesamento de cães e gatos quando passam a ser animais de companhia. Em artigo publicado pela Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, no ano de 2016, as autoras fazem uma crítica quanto a este consumo desmedido que os tutores de pets realizam: A imoralidade do consumo esbanjador em relação aos pets encontra suas bases na condição de pobreza na qual vivem muitos humanos, o que se pode traduzir em culpa, por parte do humano, ou, mais frequentemente, por acusação de falta de consciência ou pela falta de humanidade ao tutor dispendioso. E esta mesma autora ainda diz que: se o luxo é condenado, a falta de condições também o é. Ser tutor de um pet, nem todos podem. Pois o tutor, é um tipo de consumidor específico, que faz investimentos até o dia da morte do seu pet, sob o risco de não ser considerado adequado à categoria. Considerando os dados anteriormente apresentados, referentes ao intenso consumo destinado aos pets, a criação de uma Câmara Setorial criada com o objetivo de expandir mais e mais este mercado, traçando metas e estratégias, é possível concluir que este seja um grande propulsor de Propostas Legislativas, juntamente ao anseio da sociedade em vê materializado por meios legais, o respeito e a proteção que seus pets tanto merecem, considerando os fortes impactos econômicos dos animais domésticos no mercado de consumo. 49 4. A IMPOSSIBILIDADEDE ATRIBUIR AOS PETS PERSONALIDADE JURÍDICA Para Gary Francione, abolicionista, no sentindo de que os animais não deveriam ser utilizados nas atividades humanas, e que também defendia o veganismo como forma de alcançar-se o fim da exploração animal, ser uma pessoa significa que o indivíduo possui interesses moralmente significativos e que não podem ser negociados, para este autor ou os animais estão inseridos no universo enquanto coisas, ou como pessoas. Realmente, os animais não humanos não devem ser considerados como coisas unicamente, já que poderia causar a impressão de que eles não seriam dignos de receberem cuidados e proteção, além do mais, motivaria as práticas de crueldade, que feririam o mandamento constitucional do artigo 225, §1º, inciso VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. Todavia, o intuito de proteger os animais de atos cruéis não constitui justificação para atribuir aos pets, especialmente ao cão, o status de pessoa. Segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Michaelis (online) pessoa é: 1- Criatura humana; 2- Caráter peculiar que dá distinção a alguém; 3- Em sentido filosófico: no kantianismo, a criatura humana como um fim em si mesmo e que apresenta, desse modo, um valor absoluto, opondo-se às coisas, que são apenas instrumentos e têm, portanto, um valor relativo. 4- Gramaticamente, é uma categoria gramatical ou linguística que indica as pessoas que participam do discurso: aquele que fala (falante), aquele com quem se fala (ouvinte) e aquele ou aquilo de que se fala, correspondendo, respectivamente à primeira, segunda e terceira pessoas, e a relação entre elas. Para (MONTEIRO, 2012) a palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antiguidade romana. A palavra em questão pode ser tomada em três acepções diferentes: vulgar, filosófica e jurídica. Na acepção vulgar, pessoa é sinônimo de ente humano. Essa acepção não se adapta à técnica jurídica. Efetivamente, há instituições que têm direitos, e por isso são reconhecidas como pessoas, e no entanto, não são entes humanos (as pessoas jurídicas). Por outro lado, existiram entes humanos que não foram pessoas (escravos). Na acepção filosófica, pessoa é o ente que realiza seu fim moral e emprega sua atividade de modo consciente. Nesse sentido, pessoa é o homem ou qualquer coletividade, que preencha aquelas condições. 50 Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica. No direito moderno, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico. Mas, além dos homens, são também dotadas de personalidade certas organizações ou coletividades que tendem à consecução de fins comuns. Nessas condições, presente determinado direito, há de existir forçosamente um sujeito que lhe detenha a titularidade. Considerando assim, os sentidos anteriormente atribuídos à palavra pessoa, é manifesto que tais peculiaridades não podem ser exercidas pelos pets, desta maneira, o posicionamento pela impossibilidade de outorgar aos pets o status de pessoa, mantém-se firme. E acrescente-se ainda que, os pets (com enfoque no cão) não possuem uma característica primordial, que faz parte de todos os seres humanos, e que os distinguem uns dos outros: a personalidade. De acordo com (REIS,2017) na psicologia, o estudo da personalidade começou a ser expressivamente estruturado na década de 1930, por meio das proposições de Gordon Allport, sendo que seu livro Personality: a psychological interpretation (ALLPORT,1937) oficializou o marco inicial do estudo da personalidade na ciência psicológica. Carvalho ao citar Nicholson, afirma que Allport perseguiu dois objetivos aparentemente contraditórios na tentativa de definir e sistematizar o construto no campo da psicologia. O teórico tentou preservar uma concepção da personalidade como uma essência espiritual, a qual não pode ser completamente mensurada por métodos científicos, ao mesmo tempo em que adotou uma compreensão behaviorista de traços, em que sistemas de hábitos e medidas seriam componentes básicos da personalidade. Sendo assim, Allport foi o responsável por dar o pontapé inicial no estudo da personalidade e suas afirmações constituíram-se alicerce para os teóricos que viriam futuramente, compartilhando da mesma linha de pensamento ou defendendo outros pontos de vista, e gerando divergências. E mesmo diante destas incompatibilidades de entendimento, os autores compartilham de alguns pontos em comum na definição da personalidade na literatura (Millon & Davis, 1996; Millon, 2011) de que o construto da personalidade: a) corresponde a um padrão de funcionamento individual; está relacionado a uma combinação de traços de personalidade específicos; apresenta b) uma relativa estabilidade de resposta ao meio, baseada no padrão de funcionamento e c) uma estruturação com base em cinco agrupamentos amplos compostos por traços. Para Millon e Davis (1996), a personalidade se refere a padrões de funcionamento psicológicos, mais ou menos adaptativos (isto é, eficazes), apresentados recorrente e 51 sistematicamente pelos indivíduos diante das demandas do cotidiano. Frente a estas definições do que seja personalidade, pelo prisma da psicologia, infere-se que o pet (cão) não possui tais mecanismos e ainda: Os pets seriam animais personalizados pelos tutores, que fazem aportes tanto financeiros quanto emocionais em sua relação com os bichos, apesar de não ser incomum qua a atribuição de sua personalidade seja confundida com características da raça, item não raramente levado em conta na aquisição do pet. Após a aquisição e através da convivência vão se configurando características que fazem daquele animal – exclusivamente para seus tutores e coabitantes, um ser singular, dotado de individualidade e personalidade única. (BAPTISTELLA, 2016) (grifo nosso) Ou seja, o que os tutores dizem ser a personalidade do bichinho, nada mais é do que a forma como o tutor molda o compartamento do pet para adequá-lo a sua própria personalidade e anseios. Uma outra face do que seja personalidade, do latim personalitate, é indicada pelo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, que assim a define como qualidade pessoal. Caráter essencial e exclusivo de uma pessoa. Para (SILVA,1967) a personalidade opõe-se à acepção de generalidade e expressa a singularidade, a independência, a vida autônoma do ente. Como é de praxe da ciência do Direito, a formulação de diversas teorias para explicar os institutos jurídicos, uma das teorias que ilustra como se dar a aquisição da personalidade jurídica é a Teoria da Ficção. Esta teoria parte do princípio de que só o homem é capaz de ser sujeito de direitos. Mas o ordenamento jurídico pode modificar esse princípio, ora negando capacidade ao homem, ora a estendendo a outros entes que não o homem, a exemplo das pessoas jurídicas, que são seres fictícios, incapazes de vontade e representadas. Assim, como a personalidade humana deriva do direito, da mesma forma pode haver a concessão a outros entes, que não o ser humano, contanto que visem a realização de interesses humanos. Seguindo esta linha de pensamento, a personalidade jurídica não é pois, ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo, que o Estado defere a certos entes, tidos como merecedores dessa situação. Ou seja, o Estado não outorga tal predicado de maneira arbitrária, e sim tendo em vista determinada situação, que já se encontra devidamente concretizada (MONTEIRO, 2012) À vista disso, conclui-se que não há a necessidade do Estado deferir aos cães, personalidade jurídica e os direitos que provém desta, já que a legislação existente, a Leinº 9.605/98 já resguarda tais direitos. (GUIMARÃES,1995) define personalidade, como sendo a aptidão que tem todo homem, por força da lei, de exercer direitos e contrair obrigações. Importante se faz, indicar o 52 sentido da palavra direito. Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de Direito Civil (2012) assim conceitua direito, como sendo a faculdade ou o poder de agir conferido a um sujeito ou titular. O primeiro elemento que aparece, portanto, na relação jurídica é o sujeito ou a pessoa, sem o qual, ou sem a qual, não pode existir o direito. Direito subjetivo, destaque-se. (BITTAR,1994) conceitua direito subjetivo, como o poder atribuído à vontade da pessoa para a satisfação de seus interesses protegidos juridicamente. É, pois, o poder reconhecido à pessoa para ter e exercer direitos em consonância com os fins próprios, e de outro lado, para fazê-los valer contra quem os ameace ou viole. E ainda continua: Os sujeitos de direito estão habilitados, portanto, a exercitar atividade jurídica própria, nos atos e negócios da vida material (capacidade civil), bem como a defender em Juízo os respectivos interesses (capacidade processual) observadas sempre as limitações decorrentes da ordem jurídica incidente. Fazem-no em consequência de direitos subjetivos de que se encontram revestidos. E como todo ser humano é um ser personalizado, logo este, classifica-se como sujeito de direitos. Como bem colocado por (TARTUCE, 2017) para ser classificado como sujeito de direito é necessário possuir personalidade jurídica, sendo esse o ponto de partida para adquirir direitos e contrair obrigações. Em relação aos animais, como não possuem personalidade jurídica, são classificados pelo Código Civil como bens semoventes. E mais, como bem afirmado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento de Recurso Especial, nº 1.713.167 - SP na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. O que houve foi, o reconhecimento de que os animais são seres sensíveis e portanto, não podem ser submetidos a atos cruéis, tendo por fundamentação o artigo 225, §1º inciso VII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o que não implica, mais uma vez, na admissão da titularidade de direitos. E acrescente-se, como todos os seres humanos, sem nenhuma distinção, são dotados de personalidade, intrisecamente a ela estão conectados os benefícios e as contraprestações e elevar os animais ao status de pessoa seria garantir a eles amplos direitos, inclusive patrimoniais, e criar a possibilidade de eles serem responsabilizados por seus atos, solução a nosso ver incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. (FIUZA, op. cit. p.196) Para (STOCO,2004) os direitos da personalidade são de direito natural, os quais 53 antecedem à criação de um ordenamento jurídico, posto que nascem com a pessoa, de modo que precedem e transcedem o ordenamento positivo, considerando existirem pelo só fato da condição humana. E como afirmado pelo autor, os direitos da personalidade nascem conectados à pessoa e permanecem com ela durante toda sua existência e mesmo que o status civil mude de pessoa natural para de cujus, os direitos da personalidade ainda subsistem. Tudo isto, porque eles não podem ser objeto de transação, nem se transmitem a qualquer título aos sucessores do seu detentor, que também a eles não pode renunciar, nem estabelecer limites. A personalidade jurídica engloba diversas garantias, como indicado por (BERTONCELLO, 2006). No capítulo dedicado aos direitos da personalidade, o Código Civil elenca, expressamente: o direito ao corpo (arts. 13 a 15), o direito ao nome e ao pseudônimo (arts. 16 a 19), direito autoral, à imagem, à honra, à boa fama (art.20). Frente à enumeração dos direitos intitulados como direitos da personalidade, é indubitável que não seria possível concedê-los aos pets. Uma vez que o artigo 1º do Código Civil de 2002, é muito claro: toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, ou seja, se houver a conferência de tão consideráveis direitos aos pets, também lhes seriam incumbidos deveres, já que a aplicação de um instituto jurídico deve dar-se por inteiro. Neste mesmo sentido, (GOMES,1977) proclama que a personalidade é um atributo jurídico. Todo homem atualmente, tem aptidão para desempenhar na sociedade um papel jurídico, como sujeito de direito e obrigações. Sua personalidade é institucionalizada num complexo de regras declaratórias das condições de sua atividade jurídica e dos limites a que se deve se circunscrever. Ou seja, de um lado há as mais diversas normas declaratórias de direitos referentes à personalidade, tanto na Constituição de 1988, como no Código Civil de 2002, todavia, há uma fronteira que não deve ser ultrapassada, no sentido de outorgar aos semoventes tais direitos, sob o risco de perder-se o equilíbrio entre as prerrogativas e as contraprestações. 4.1 A garantia do Bem-Estar animal ao pet canino, com a inserção do §1º - A pela Lei nº 14.064/2020 O cuidado com o bem-estar animal teve por impulso a publicação de uma série de reportagens no Reino Unido, pela jornalista Ruth Harrison. Estas reportagens foram reunidas mais tarde no livro “Animal Machines”. Harrison foi crítica em relação às práticas intensivas de produção animal que tinham se tornado mais comuns após a segunda guerra mundial, particularmente a utilização de gaiolas industriais para galinhas, gaiolas para vitelos e a 54 produção em larga escala de frango de corte. Sua preocupação não incluiu somente o bem- estar animal, mas também o uso de drogas na produção animal, a qualidade de produtos de origem animal e a estética da agricultura. (SUREK,2008) A publicação deste livro, despertou a atenção do público quanto ao aumento da produção animal, dando a entender que os animais de produção eram tratados como máquinas inertes, ao invés de indivíduos vivos. A comoção gerada com a publicação deste livro, teve como decorrência o estabelecimento do Comitê de Brambell, coordenado pelo professor Francis William Rogers Brambell no ano de 1965, tendo por intuito tratar de questões relacionadas ao modo de criação dos animais produtores. Também fazia parte deste Comitê o etólogo da Universidade de Cambridge, William Homan Thorpe, o qual frisou a relevância de se entender a biologia e as necessidades dos animais, para que fosse possível o melhoramento do bem-estar destes. (CEBALLOS, SANT’ANNA,2018) Sendo assim, o ano de 1965 tornou-se o marco histórico do bem-estar animal como uma área do conhecimento, a partir da publicação do memorável relatório Brambell, tendo por título“Report of the Technical Committe to Enquire into the Welfare of Animals kept under Intensive Livestock Husbandry Systems”. Este relatório serviu como resposta às apreensões da opinião pública, acerca das condições em que os animais de fazenda eram mantidos nos sistemas intensivos de criação na Grã-Bretanha. O documento indicou as condições de criação e definiu padrões que deveriam ser seguidos, para que houvesse um alto grau de bem-estar destes animais. No relatório foram apontadas as primeiras instruções, reconhecidas como condições mínimas que deveriam ser propiciadas para os animais de produção, e que ficaram conhecidas como as “cinco liberdades de Brambell” que tinham por intuito garantir que os animais tivessem liberdade para “virar- se”, “deitar-se”, “levantar-se”, “estirar seus membros” e “cuidar do seu próprio corpo”. As “cinco liberdades de Brambell” foram reformuladas em 1979 pelo Conselho para o Bem-Estar dos animais de produção (Farm Animal Welfare Council, FAWC). O Farm Animal Welfare Council, foi estabelecido em 1979. Seus termos de referência são para manter sob revisão o bem-estardos animais de fazenda em terras agrícolas, em ajuntamentos de animais, em trânsito e no local de abate; e para aconselhar o Governo e as Administrações de quaisquer alterações legislativas ou outras alterações que possam ser necessárias. O Conselho pode investigar qualquer tópico que se enquadre nesta área e comunicar-se livremente com órgãos externos, com a Comissão Europeia e o público e publicar seus conselhos de forma independente. (REPORT FAWC,2009) Após a reformulação das liberdades de Brambell e considerando as disposições 55 que devem ser feitas por aqueles que usam animais de fazenda, para evitar sofrimentos desnecessários e promover o bem-estar, o Conselho é guiado pelas cinco liberdades: I- livre de fome e sede, com fácil acesso à água e uma dieta para manter a saúde e vigor; II- livre de desconforto, proporcionando um ambiente adequado; III- livre de dor, ferimentos e doenças, por prevenção ou diagnóstico e tratamentos rápidos; IV- livre de medo e estresse, garantindo condições e tratamento que evitem sofrimento. V- livre para expressar seus comportamentos naturais, fornecendo espaço suficiente, instalações adequadas e companhia apropriada da própria espécie. Ao adotar estas liberdades houve uma mudança de paradigma no que se refere ao bem-estar, com a adoção da filosofia: “a vida que que vale a pena ser vivida”. There is therefore strong evidence of significant improvements in livestock welfare since the Brambell report of 1965. However, further progress is needed, such that British citizens can be assured that eachand every farm animal has had a life worth living.(REPORT FAWC,2009) (grifo nosso) Ainda é resguardada a importância histórica das “cinco liberdades” para a ciência do bem-estar animal, bem como sua forte influência sobre a formulação de boas práticas de manejo. (CEBALLOS,SANT’ANNA,2018) Quanto ao desenvolvimento do bem-estar como ciência, em 1976, Barry O. Hughes propôs que bem-estar seria o estado de harmonia do animal com seu ambiente, apresentando completa saúde física e mental. Posteriormente, Donald M. Broom, definiu bem-estar como o estado do animal em relação às tentativas de adaptar-se ao meio em que vive (BROOM,1996). Esta definição tornou-se largamente utilizada, pois pode abarcar as mais diferentes situações que o animal venha a enfrentar em termos de qualidade de vida. Retomando esta perspectiva histórica do bem-estar animal, a necessidade de combater as doenças animais em nível global levou à criação do Office International des Epizooties por meio do Acordo Internacional assinado em 25 de janeiro de 1924. Em maio de 2003, o Office tornou-se Organização Mundial de Saúde Animal, mas manteve sua sigla histórica: OIE. A OIE é a organização intergovernamental responsável por melhorar a saúde animal em todo o mundo. É reconhecida como organização de referência pela organização Mundial do Comércio (OMC) e em 2018 contava com um total de 182 países membros. (OIE,2021) O Código Sanitário de Animais Terrestres da OIE (o Código Terrestre) fornece 56 padrões para a melhoria da saúde e bem-estar animal e saúde pública veterinária em todo o mundo, incluindo por meio de padrões para o comércio internacional seguro de animais terrestres (mamíferos, répteis, aves e abelhas) e seus produtos. As medidas de saúde no Código Terrestre devem ser usadas pelas Autoridades Veterinárias dos países importadores e exportadores para fornecer detecção precoce, notificação e controle de agentes patogênicos para animais ou humanos, e para prevenir sua transferência por meio do comércio internacional de animais e produtos de origem animal, evitando barreiras sanitárias injustificadas ao comércio. Os padrões do Código Terrestre foram adotados pela Assembleia Mundial dos Delegados, que constitui o mais alto órgão de decisão da organização. As seguintes alterações foram adotadas na 87ª Sessão Geral em maio de 2019 para inclusão na 28ª edição do Código Terrestre. (OIE,2021) O tratamento dispensado ao bem-estar animal no Código Terrestre da OIE, encontra-se na seção 7 deste Código, e em seu artigo 7.1.1. ao conceituar bem-estar animal, define como o estado físico e mental de um animal em relação às condições em que vive e morrem. Um animal experimenta bem-estar se é saudável, possui conforto, está bem nutrido, seguro, não está sofrendo de estados desagradáveis, como dor, medo e angústia, e é capaz de expressar comportamentos que são importantes para o seu estado físico e mental. (CÓDIGO SANITÁRIO DE ANIMAIS TERRESTRES,2019) Em nível nacional, a legislação de bem-estar animal no Brasil teve início com o Decreto nº 24.645 de julho de 1934, que estabelece medidas de proteção animal. Assim afirma (FIORILLO,2009) que verificando a importância do meio ambiente, porquanto este é um direito fundamental, bem de uso comum do povo, o legislador infraconstitucional elaborou a Lei nº 9.605/98, a qual disciplinou os crimes ambientais, atento ao preceito trazido pelo artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal, que determina: XLI- A Lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,1988) Desse modo, fez-se com que a tutela do meio ambiente fosse implementada através da forma mais severa de nosso ordenamento: pela tutela penal. Além disso, a mesma Lei nº 9.605/98 inovou consideravelmente o ordenamento jurídico penal, pois, em conformidade com o artigo 225, §3º, da Constituição Federal de 1988, trouxe a possibilidade da penalização da pessoa jurídica. (FIORILLO,2009) A atual Constituição Federal de 1988, no seu artigo 225, dota o poder público de 57 competência para proteger a fauna e a flora, vedando práticas que submetam os animais à crueldade. A Coordenação de Boas Práticas e Bem-estar animal (CBPA) busca fomentar o desenvolvimento e o conhecimento técnico sobre o tema, de forma a promover o aprimoramento das legislações nacionais em conjunto com demais unidades do Ministério da Agricultura. (BRASIL,2021) Tendo em vista este panorama do bem-estar animal, que defende um tratamento livre de crueldade, e contrário àqueles que defendem que os animais devem ser sujeitos de direitos, neste caso mais especificamente o pet canino, o ideal seria que as propostas Legislativas futuras migrassem para esta corrente, a de proteção aos pets por meio do bem- estar. Acrescente-se ainda, que é possível a garantia da proteção e do respeito, que tanto é buscada pelos tutores de pets, sem que haja necessariamente uma mudança no seu status jurídico. É notável que diante das crueldades noticiadas e que tanto chocam os brasileiros, a sociedade espera uma resposta legislativa a essas barbáries. Um bom exemplo disto é a Lei Ordinária nº 14064/2020 de autoria do Deputado Fred Costa (PATRIOTAS/MG). Na justificação ao seu projeto de lei, o Deputado assim afirmou: “recentemente, a forma brutal como um cachorro foi morto dentro de um supermercado Carrefour, em Osasco, São Paulo, chocou o país. O animal foi espancado e envenenado por um segurança do local, no dia 28 de novembro passado, e acabou não resistindo aos ferimentos”. E ainda acrescentou: “ao determinar pena de reclusão, de um a quatro anos, para a prática de crimes de maus tratos, este Projeto visa aumentar o rigor legal com o objetivo de punir e coibir a prática desses delitos”. Posto isto, é possível deduzir que o bom tratamento aos pets (de forma delimitada, ao cão) pode realizar-se tranquilamente, se for seguido o disposto na Lei Ordinária nº 14.064/2020, que alterou a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente) inserindo ao artigo 32 da Lei referida anteriormente, o §1º - A que assim dispõe: Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferirou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: § 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. Sendo assim, o cão encontra-se juridicamente protegido. Tanto é que a Lei de Proteção Ambiental, Lei nº 9.605/98, (norma objetiva) assegura aos pets o (direito subjetivo) de não serem maltratados, e assim a tutela jurídica quanto a estes animais não-humanos foi devidamente realizada, dispensando a necessidade de demandar outras searas jurídicas. 58 Além de que, a Ação Civil Pública é o instrumento competente para a defesa dos Direitos dos Animais no âmbito judicial, tal entendimento decorre dos dispositivos da Lei 6.938/1981 e do conteúdo expresso da Lei nº 7.347/1985, que disciplina a referida ação e logo em seu início estabelece: Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I- ao meio-ambiente. A Ação Popular é um instrumento disponível para interposição por parte de qualquer cidadão para invalidar atos ou contratos da Administração Pública que tragam lesões à fauna. Todos esses instrumentos estão à disposição de todos que desejem exercer o papel constitucional atribuído à coletividade de proteção à natureza no art. 225 da Constituição Federal. Tendo o Ministério Público como principal ente fiscalizador das Leis de Proteção e responsável direto pela tutela dos animais e do meio ambiente como um todo em juízo, abrindo possibilidades de atuação a qualquer cidadão. Essas possibilidades são claramente exploradas pela grande quantidade de entidades que lutam pelos direitos dos animais no país. (SILVA,2010) Isso reforça a ideia de que não se faz necessário uma Lei que atribua a representação processual, por já existirem mecanismos legais aptos para realizar esta proteção. Observe-se ainda, que frente a conceituação do setor pet, estabelecida na Agenda Estratégica do Ministério da Agricultura para os anos de 2019 a 2023, o conceito de pet abrange os seguintes animais: aves canoras e ornamentais, cães, gatos, peixes ornamentais, pequenos répteis e mamíferos. E diante da redação trazida pela Lei Ordinária anteriormente citada, surge o seguinte questionamento: se o objetivo era proteger os pets, a redação desta Lei deveria ser estendida para abranger outras espécies de animais não-humanos. Portanto, o tratamento reivindicado pelos defensores dos direitos animais, no sentido de salvaguardá-los de maus tratos e/ou situações degradantes, pode ser alcançado de forma eficaz se delimitado à esfera ambiental, já que a vida em todas as suas formas é destinatária do Direito Ambiental e por intermédio desta visão o Direito Ambiental teria por objeto a tutela de toda e qualquer vida. (FIORILLO,2009) Excluindo-se assim, a necessidade da inserção dos pets em outros ramos do Direito, como o Direito Civil e o Processo Civil, já que estas áreas regulam majoritariamente os animais humanos. Todo este movimento de delimitar, de concentrar, as demandas relacionadas aos 59 pets, apenas nesta esfera ambiental parte da reflexão de que, todas estas Propostas Legislativas que tem por objeto mudar o status jurídico dos pets figuram momentaneamente no âmbito formal. Porém, como concretizar tais disposições normativas quando trazidas para o plano material? Já que isso demandaria uma equipe composta por juízes, promotores e demais servidores públicos para dar prosseguimento à demanda processual e garantir o “acesso à justiça” destes animais não-humanos. Um exemplo de como esta mudança abrupta pode trazer transtornos, é o caso ocorrido no ano de 2020 em Salvador/BA no caso Diego e outros versus Barcino, em que 23 gatos representados pela guardiã Camila Oliveira, ingressaram com ação de obrigação de fazer, cumulada com indenização por dano moral, contra a empresa Barcino Esteve Construções e Incorporações LTDA, o processo se encontra na 5ª Vara Cível e Comercial de Salvador com o número dos seus autos 8000905-50 2020.8.05.0001. (GORDILHO,2020) Comprovando assim, que a chegada de tais demandas processuais relacionadas aos pets, sem que haja um Juízo Competente para recepcioná-las de forma adequada, gera o abarrotamento das Varas Cíveis com demandas que não são originariamente suas, e ainda prejudicando o andamento dos processos ali existentes. Além de contribuir com o aumento na quantidade de processos sem julgamento definitivo. Já que o Poder Judiciário finalizou 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação que aguardavam alguma solução definitiva. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,2020) 60 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS É fim do Direito adequar as normas jurídicas às demandas específicas de cada tempo na sociedade. E tomando como ponto de partida, a Apelação Cível de nº 0019757- 79.2013.8.19-0208, que chegou ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2015, que tratava da dissolução de união estável com a guarda compartilhada de pet, é possível vislumbrar que desde aquele período até o presente ano de 2021, a coletividade reivindica do Poder Legislativo a mudança no status jurídico dos pets, já que durante esses anos eles deixaram de ser um bem-semovente, uma propriedade, para se tornarem membro de uma família multiespécie. Mas, somente de modo informal, o que gera o interesse por parte dos tutores em mudar esta situação. Reflexo disto, é a quantidade de Propostas Legislativas que versam sobre esta mudança no status jurídico, para alterar a denominação de bens semoventes, por causar a impressão de que os pets não passam apenas de “coisas”. A descoberta da senciência pelos estudiosos, é um dos grandes impulsionadores para estas mudanças legislativas, e com razão, pois já é comprovado cientificamente, o quanto estes seres vivos sentem dor e sofrimento advindos de atos cruéis. Todavia, a mera inserção de um parágrafo ou de um inciso ao artigo da Lei Civil ou da Lei Processual Civil, não terá a mesma intensidade na produção de efeitos no plano material, quanto o já exercido pelo §1º A do artigo 32 da Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, ao estabelecer uma pena cumulativa, pois além do regime privativo ainda traz como sanção a multa e a proibição da guarda. No âmbito do Direito como um todo, ou se é res ou persona (sujeito de direitos) sendo assim, esforços são produzidos para que haja esta passagem do pet canino res, para o pet canino, sujeito de direitos. Realmente, os animais não-humanos não devem ser considerados como coisas unicamente, já que poderia causar a impressão de que eles não seriam dignos de receberem cuidados e proteção, além do mais, isto motivaria as práticas de crueldade. Todavia, o intuito de proteger os animais de atos cruéis não constitui justificação para atribuir aos pets, especialmente ao cão, o status de pessoa. Já que na acepção vulgar, pessoa é sinônimo de ente humano. Na acepção filosófica, pessoa é o ente que realiza seu fim moral e emprega sua atividade de modo consciente. Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. E além disso, os pets (com enfoque no cão) não possuem uma característica primordial, que faz parte de todos os seres humanos, e que os distinguem uns dos outros: a personalidade. Levando em consideração todos estes fatores, unido ao intuito de salvaguardar os 61 pets de atos cruéis, mas sem trazer mudanças inesperadas e repentinas ao Poder Judiciário, o ideal seria manter as demandas relacionadas aos maus-tratos de pets, apenas no âmbito Ambiental, amparadas pelo §1º-A do artigo 32 da Lei nº 9.605/98, até que houvesse uma organização e determinação de uma Vara Competente.Quem sabe, uma Vara Ambiental, com competência para receber demandas processuais relacionadas às transgressões de direitos dos seres sencientes? Fica a sugestão. Acentue-se que, este movimento de proteger os pets de atos bárbaros é justo, pois estes seres vivos não devem receber tratamento degradante, contudo, ao invés de restringir a salvaguarda apenas ao Direito Ambiental, por este tutelar todos os tipos de vida, ela vem tomando proporções desmedidas, ao tentar atribuir capacidades e direitos que não poderão ser exercidos de forma autônoma, pelo próprio animal não-humano. Ademais, como bem afirmado pelo Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do Recurso Especial 2017/0239804-9 em 19 de junho de 2018, na forma da Lei Civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 62 REFERÊNCIAS ABONIZIO Juliana, BAPTISTELLA Eveline dos Santos Teixeira. O papel do consumo na construção de relacionamentos entre humanos e pets. Ponto Urbe, São Paulo, v. 19, 2016. DOI 10.4000/pontourbe.3257. 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