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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO NATÁLIA CARVALHO PASSOS A SUPERVALORIZAÇÃO DO PET CANINO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO FORTALEZA 2021 NATÁLIA CARVALHO PASSOS A SUPERVALORIZAÇÃO DO PET CANINO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO Monografia submetida ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Direito Ambiental. Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior. FORTALEZA 2021 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) P322s Passos, Natália. A Supervalorização do Pet Canino e suas Implicações nas Propostas Legislativas e no Poder Judiciário / Natália Passos. – 2021. 65 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2021. Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior. 1. Pets. 2. Supervalorização. 3. Bem-estar animal. I. Título. CDD 340 SUPERVALORIZAÇÃO DOS PETS E SUAS IMPLICAÇÕES NAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS E NO PODER JUDICIÁRIO Monografia submetida ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Direito Ambiental. Aprovada em: ___/___/______. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo Universidade Federal do Ceará (UFC) A Deus, Cristo Jesus. Aos meus pais, Manoel e Esmeraldina. AGRADECIMENTOS A Deus, por toda condução e formação me dadas até o presente momento. Aos meus pais, Manoel da Silva Passos e Esmeraldina Rodrigues de Carvalho por sempre fazerem tudo que está ao seu alcance para me ajudar. À senhora Maria de Lourdes Pereira Cavalcanti, por todo o apoio me dado no início da graduação. Aos meus tios, Francinilton Rodrigues de Carvalho e Cléia Rodrigues Alves por todo o suporte financeiro. Às minhas primas queridas, Gabriela, Graziela e Isabella. À minha acompanhadora, Naira Thais Paulo de Oliveira. Ao meu orientador, Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior, pela magnífica orientação realizada durante o processo de feitura deste trabalho. Às amizades construídas durante a passagem pela Faculdade de Direito: Rayza Rodrigues, Juliana Carvalho, Diego Jeferson e Luan Oliveira. Aos profissionais e amigos que compõem a Coordenadoria de Procedimento Administrativo e Julgamento, do Procon Municipal de Fortaleza: Dr. Sérgio Henrique Oliveira Sales, Dr.ª Nina Colaço Facó, Cláudia Santiago, Karine Melo Frazão, Hortência Campos, Dr. José Cláudio Porto, Dr. Ronaldo Peixoto, Dr. Airton Melo, Dr.ª Bruna Feliciano, Lara Rodrigues e Solano Lima. À Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Ceará, por proporcionar todos os benefícios necessários à permanência estudantil. Aos professores participantes da banca examinadora: Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo e a Prof.ª Dr.ª Geovana Cartaxo Freire, pela pronta disposição em compor esta banca. RESUMO O presente trabalho tem por finalidade a análise da supervalorização dos pets, por meio da verificação de fatores que potencializam esta elevação, especialmente a dos pets caninos. E como esta supervalorização tornou-se combustível para aquecer o Mercado Consumerista e as Propostas Legislativas. Com o reconhecimento da senciência aos animais, não se faz necessária a mudança do status jurídico dos pets, especialmente o do cão, já que a garantia do seu bem-estar pode realizar-se tranquilamente, se for seguido o disposto na Lei Ordinária nº 14064/2020 que alterou a Lei nº 9.605/98, ao inserir ao artigo 32, o §1º-A, que dispõe acerca das penas dirigidas àqueles que praticarem atos cruéis contra cães e/ou gatos. Sendo assim, é possível concluir que o tratamento reivindicado pelos tutores dos pets, no sentido de salvaguardá-los de maus tratos e/ou situações degradantes pode ser alcançada de forma eficaz se delimitada à esfera ambiental, sem que se faça necessário a inserção dos pets, especialmente o pet canino, em outros ramos do Direito, como o Direito Civil e o Direito Processual Civil, por serem áreas que regulam majoritariamente os animais-humanos. A metodologia utilizada para chegar-se a estes resultados e conclusões foi o referencial bibliográfico, por meio da leitura de artigos científicos, doutrinas jurídicas, teses de mestrado e das Jurisprudências dos Tribunais Nacionais. Palavras-chave: Pets. Supervalorização. Bem-estar animal. ABSTRACT The present work aims to analyze the overvaluation of pets, through the verification of factors that enhance this increase, especially that of canine pets. And how this overvaluation became fuel to heat up the Consumer Market and the Legislative Proposals. With the recognition of sentience to animals, it is not necessary to change the legal status of pets, especially that of dogs, as the guarantee of their well-being can be carried out smoothly, if the provisions of Ordinary Law nº 14064/2020 are followed which amended Law nº 9.605/98, by inserting in article 32, §1-A, which provides for the penalties for those who commit cruel acts against dogs and/or cats. Therefore, it is possible to conclude that the treatment claimed by the pets´ guardians, in order to safeguard them from mistreatment and/or degrading situations, can be effectively achieved if limited to the environmental sphere, without the need for the insertion of pets, especially the canine pet, in other fields of law, such as Civil Law and Civil Procedural Law, as they are áreas that mostly regulate human-animals. The methodology used to reach these results and conclusions was the bibliographical reference, through the reading of scientific articles, legal doctrines, master´s theses and the Jurisprudence of the National Courts. Keywords: Pets. Overvaluation. Animal Welfare. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Genealogia dos cães ......................................................................................... 18 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Taxa Bruta de Natalidade - Brasil - 2000 a 2015 .......................................... 40 Tabela 2 Taxa de Fecundidade Total - Brasil - 2000 a 2015 ..................................... 41 Tabela 3 Distribuição das Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos - Brasil - 2014 - 2015 ....................................................... 42 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................14 2. A RELAÇÃO ENTRE OS SERES HUMANOS E OS CÃES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ........................................................16 2.1 A senciência como elemento de reconhecimento dos Direitos Animais....................................................................................................... 24 2.2 A valoração dada aos animais não-humanos ao decorrer dos períodos históricos .................................................................................................... 28 2.3 As correntes da Ética Ambiental .......................................................... 33 3. A INSERÇÃO DOS PETS NOS LARES BRASILEIROS ................... 37 3.1 Pets como parte da família, a família multiespécie ............................. 43 3.2 O consumo como forma de demonstrar afeto aos pets ........................ 45 4. A IMPOSSIBILIDADE DE ATRIBUIR AOS PETS PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 49 4.1 A garantia do bem-estar animal ao pet canino, com a inserção do § 1º - A pela Lei nº 14.064/2020 ............................................................................ 53 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………... 60 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 62 14 1. INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade, os animais foram de crucial importância para a nossa sobrevivência, sendo utilizados para alimentação, vestimenta, e como meios de transporte. Ou seja, o animal era visto apenas como meio de subsistência. Até o momento em que houve a aproximação entre os seres humanos e os lobos. Uma tese é de que os lobos menos ariscos se aproximaram de grupos de caçadores humanos para se alimentar dos restos deixados por eles. Já os homens perceberam que ter lobos por perto era uma proteção contra os ataques de animais maiores. A relação de ajuda mútua foi firmada daí em diante. Os filhotes das gerações seguintes deixaram de caçar sozinhos e passaram a alimentar-se apenas em cooperação com os novos companheiros. Há teses de que os cães atuais descendem de dois grupos de lobos separados por milhares de quilômetros. Após longos séculos de convivência humana e canina, é fácil compreender como estes dois seres vivos desenvolveram um forte companheirismo, comprovado pelo ditado popular de que o cão é o melhor amigo do homem. Contudo, o que se verá no desenrolar deste trabalho, é que atualmente o título de melhor amigo do homem, ganhou novas proporções, saindo da esfera de convivência amigável, para ocupar um espaço nas famílias, como membro integrante desta instituição, com a denominação de pet, e por isso lhe é devido amparo e respeito por todos aqueles que estão fora da relação familiar, ainda que se faça necessário socorrer-se do auxílio de leis. O primeiro capítulo, constitui-se do referencial teórico, expondo como se deu a aproximação entre os seres humanos e os cães, e como os questionamentos, estudos e teorias acerca da proteção aos animais, não são um assunto restrito aos dias atuais, mas permeiam-se por toda a história da humanidade. O segundo capítulo, demonstra como se deu a inserção dos pets, mais especificamente o cão, pelos lares nacionais e como esta relação afetuosa multiespécie, tornou-se mola propulsora tanto para aquecer o Mercado Consumerista, quanto para a criação de Propostas Legislativas. O terceiro capítulo trata da impossibilidade de atribuir aos pets personalidade jurídica, e como o Welfare State (bem-estar animal) é suficiente para resguardar os pets dos maus-tratos e da crueldade, e como a inserção do §1º-A pela Lei nº 14064/2020 ao artigo 32 da Lei nº 9.605/98 cumpre perfeitamente esta incumbência de proteger os pets, principalmente os mais populares: o cão e o gato. Sendo assim, uma das Propostas Legislativas qual seja a PL nº 145/2021 que disciplina a capacidade de ser parte dos animais 15 não-humanos em processos judiciais, não merece prosperar, tendo em vista já existirem dispositivos legais garantidores do bem-estar animal. A World Health Organization, classifica como pet, como sendo os animais de companhia, porém com relação próxima e afetuosa com seus guardiões, sendo considerados como membros da família. O termo pet também é utilizado para caracterizar um tipo específico de consumo desde o ano de 2012, ano em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva, dos Animais de Estimação ou simplesmente Câmara Pet (BRASIL,2012) voltada para a aquisição de produtos e serviços destinados aos animais não-humanos que se enquadrem nesta categoria. Toda esta mudança ocorrida na utilidade dos cães, está ocasionando uma supervalorização destes pets. Tendo como fatores de relevância, a queda da taxa bruta de natalidade dos brasileiros, a diminuição no tamanho das famílias, o fenômeno da verticalização urbana e o aumento na quantidade de horas trabalhadas semanalmente. Com todas estas alterações ocorridas atualmente nas estruturas familiares, não demorou muito para que demandas relacionadas à mudança no status jurídico dos pets, fossem apresentadas no Congresso Nacional a partir de diversas Propostas Legislativas. A exemplo da PL nº 6054/2019, apresentada pelos Deputados Federais Ricardo Izar (PSD/SP) e Weliton Prado (PROS/MG) tendo por ementa, acrescentar parágrafo único ao artigo 82 do Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres. Mais recentemente, há o Projeto de Lei nº 145/2021 de autoria do Deputado Federal, Eduardo Costa (PTB-PA) que disciplina a capacidade de ser parte dos animais não- humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao artigo 75 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) para determinar quem poderá representar animais em juízo. Frente a esta movimentação social, surgiu o questionamento: Será que realmente os pets poderiam ser classificados como sujeitos de direitos? Já não seria suficiente a classificação como seres sencientes, a fim de lhe dar o devido tratamento, sem que houvesse alterações legislativas no âmbito civil e do processo civil? Mantendo-se apenas na área ambiental por estarem inseridos na fauna? E para responder a estes questionamentos, a metodologia utilizada constitui-se do referencial bibliográfico, por meio da leitura de artigos científicos, doutrinas jurídicas, teses de mestrado e das Jurisprudências dos Tribunais Nacionais. 16 2 A RELAÇÃO ENTRE OS SERES HUMANOS E OS CÃES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE A história dos animais humanos e todo o seu desenvolver é marcada pelo intenso contato com os animais não-humanos, afinal, estes são indispensáveis a nossa sobrevivência. Os seres humanos possuem uma conexão emocional inata (portanto genética) com as demais espécies da Terra (WILSON,1989). Esta ligação emotiva varia da atração à aversão, da admiração à indiferença. A interdependência da espécie humana com os demais elementos bióticos da natureza tem sido explicada pela hipótese da biofilia, segundo a qual o homem teve 99% de sua história evolutiva intimamente envolvida com outros seres vivos, tendo desenvolvido um significativo sistema informacional acerca das espécies e do ambiente, que se traduz nos saberes, crenças e práticas culturais relacionados com a fauna de cada lugar. (COSTA-NETO, 2007) Como indicado por (REGIS, 2017) estes seres vivos são: fontes de alimento (atualmente, em sistemas de produção de grande escala, na exploração marítima e na produção agrícola), fontes de energia (na tração de implementos agrícolas), meio de transportes (de humanos e de cargas) além de serem origem de extensa variedade de matérias- primas para o vestuário, ferramentas, adornos e utensíliosdomésticos. Os animais não-humanos também foram utilizados como combustível (óleo de baleia para iluminação), como um meio de controle natural às pragas e predadores, em eventos religiosos (os animais não-humanos são ou foram sagrados em algumas religiões, assim como eram objetos de sacrifícios) utilizados em esportes e para a diversão de seres humanos (corridas de cavalos, vaquejadas, circos, zoológicos e etc.) e ainda para o desenvolvimento de atividades específicas (como cão-guias e cães policiais farejadores), bem como no ensino, pesquisa e nas biociências (como modelos biológicos para aplicação de novas técnicas cirúrgicas ou testes de novas drogas). Direcionando o enfoque ao apanhado histórico de como iniciou-se o contato entre estas duas espécies, tem-se que a relação entre os animais humanos e os animais não- humanos, inicialmente era de predação, passando mais tarde para a domesticação. Chama-se “domesticação”, o ato de tornar doméstico os animais selvagens. A expressão “doméstico” vem do latim domus (casa) sendo domésticos então, os animais que convivem com o homem, em sua casa ou dependência, estabelecendo com ele uma simbiose permanente através das gerações. O homem proporciona a estes animais cuidados e alimentação, e em troca recebe utilidades, neste caso especificamente, o animal recebe afeto e status de membro familiar. 17 Esta domesticação se deu com a passagem do homem de uma vida nômade, para a fixação da agricultura, recaindo sobre os animais não-humanos uma visão diferenciada, já que a imagem que se tinha anteriormente de que eles eram apenas meios primordiais para o sustento humano, deu lugar à aproximação entre estas duas espécies, por meio da domesticação, iniciando assim, a relação humano-animal. O autor José Francisco Botelho, assim explica como se deu este processo de domesticação, em que o homem transformou lobos em cachorros: tudo começa com o hesperocyon (cão do Ocidente) o mais antigo canino conhecido. Ele viveu na América do Norte há mais de 37 milhões de anos. Tinha cerca de meio metro de comprimento, cauda longa e dentes afiados, próprios para rasgar carne e triturar ossos. Apesar disso vivia fugindo de predadores maiores. Mas o ágil tataravô dos cães soube adaptar-se às dificuldades e deu origem a uma enorme variedade de descendentes. Um deles foi o eucyon (cão verdadeiro) surgido há mais de 9 milhões de anos, também na América do Norte. Lobos, coiotes e chacais teriam o eucyon como ancestral em comum. Aliás, os lobos vagaram selvagens por 8 milhões de anos até encontrarem os primeiros humanos - provavelmente, do outro lado do Atlântico. E é a partir daí que as teorias científicas divergem de forma mais drástica. O mais antigo fóssil conhecido de um cão doméstico (Canis lupus familiaris) é uma mandíbula de 14.700 anos, achado na Alemanha. Demonstrando assim, que o cão foi o primeiro animal - e o único carnívoro de grande porte - domesticado pelo ser humano. Mas ainda não se sabe quando e onde isso aconteceu. “Os cães surgem de uma população de lobos - cinzentos que parece já ter sido extinta. Não há registros arqueológicos deles’’, diz Greger Larson, diretor do Centro de Bioarqueologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido. De acordo com um estudo de 2016, da própria Universidade de Oxford, os cães de hoje descendem de dois grupos de lobos separados por milhares de quilômetros: um bando teria vivido na Europa, outro no Leste Asiático. Nesse caso, os humanos primitivos teriam domesticado o lobo não uma, mas duas vezes - o que explicaria a diferença genética entre as raças caninas do Extremo Oriente e aquelas surgidas em outras regiões. Em 2018, no entanto, uma pesquisa da Universidade Stony Brook, dos Estados Unidos, afirmou que todos os cães vêm de um único grupo de lobos, domesticados na Europa entre 40 mil e 20 mil anos atrás. A conclusão baseou-se no DNA dos ossos de três cachorros, desenterrados na Alemanha. Uma tese é de que os lobos menos ariscos se aproximaram de grupos de caçadores 18 humanos para se alimentar dos restos deixados por eles. Já os homens perceberam que ter lobos por perto era uma proteção contra os ataques de animais maiores. A relação de ajuda mútua foi firmada daí em diante. Os filhotes das gerações seguintes deixaram de caçar sozinhos e passaram a se alimentar apenas em cooperação com os novos companheiros. Milhares de anos depois, os grupos nômades se tornaram sedentários e adotaram a agricultura como sustento. Também começaram a criar rebanhos - como ovelhas e bois. E o cão, mais uma vez, precisou adaptar-se: de caçador, tornou-se pastor. Os humanos passaram a selecionar cães fortes, mas menos propensos a atacar outros animais domésticos e com maior habilidade para interagir com os donos. Figura 1. Genealogia dos cães. Fonte: Alexandre Jubran/Superinteressante, 2019. Após sua domesticação os cães participaram ativamente da história das civilizações humanas. Eles serviram de transporte, de guarda, de caçadores, pastores, foram adorados como deuses, assassinados em revoluções, viajaram pelo mundo com as Grandes Navegações, sofreram com as guerras e lutaram nelas, participando assim ativamente da história da humanidade. Como afirmado por (SOTER,2021) estruturas como as pirâmides de Gizé foram 19 erigidas como túmulos elaborados para os faraós, pois acreditava-se que eles eram literalmente deuses. Quando um faraó morria, era acrescentado ao panteão de deuses egípcios e idolatrado. Afinal, se alguém disser que, ao morrer, vai virar um deus, eis uma boa motivação para fazer o melhor velório possível. Ao contrário do que diz o ditado, os egípcios acreditavam que, sim, da vida se leva alguma coisa, por isso enchiam o túmulo com tudo o que mais importava na vida da pessoa. Em alguns casos, era o cachorro. Quando um rei egípcio perdeu o querido cão, quis garantir que a ka ou a alma do cachorro encontrasse a vida após a morte e o esperasse quando seu próprio dia chegasse. Por isso, fez um velório de rei para o animal e escreveu seu nome em hieróglifos nas paredes do túmulo. Abuwtiyuw, é seu nome. Sua Majestade ordenou que fosse enterrado com cerimônia em um caixão do tesouro real, com enorme quantidade do melhor linho e incenso. E ordenou que seu túmulo fosse construído por equipe de pedreiros. Abuwtiyuw foi um dos muitos cachorros mumificados encontrados em escavações no Egito, enterrados com os donos ou em gloriosos túmulos próprios. Na cidade de Abidos, parte do cemitério era dedicada especialmente aos cachorros, e o cemitério de Ascalão, no que hoje é Israel, mas que já fez parte do Egito, é o cemitério canino mais bem preservado da Antiguidade. O amor do Egito pelo cachorro foi imortalizado pela personificação do deus Anúbis, que é representado com uma cabeça de chacal. Egípcios também idolatravam a divindade canina Upuaut, nome que significa “abridor de caminhos”. A função de Upuaut era definir um trajeto para o exército e ajudar a levar os mortos ao submundo. O deus Set às vezes também era representado como um animal fictício chamado Sha, que se parecia muito com um cachorro. No México, a.C. o xolo era sagrado para muitos povos indígenas das Américas, incluindo colimas, maias, toltecas, zapotecas e astecas. Alguns pesquisadores acreditam que ele acompanhou os primeiros migrantes da Ásia há mais de 3 mil anos. O nome do xolo vem de duas palavras da língua asteca: xolotl, o deus do trovão e da morte, e itzcuintli que significa cachorro. De acordo com a mitologia asteca, o deus Xolotl criou o xoloitzcuintli a partir de um pedaço do Osso da Vida, o mesmo que deu origem a toda humanidade. Xolotl deu aos humanos esse presente com a instrução de que ele deveria ser guardado e protegido. Em troca, o Xolo guiaria os astecas através dos perigos do Mictlan, o submundo. Esculturas do Xolo muitas vezes eram incluídasem túmulos para representar como ele guiaria a pessoa até a outra vida. Em alguns estados mexicanos, quase 75% dos túmulos antigos continham algum tipo de 20 representação do Xolo. O trabalho de primeiro cão-guia costumava envolver seu sacrifício para acompanhar os humanos mortos. Pior ainda: ocasionalmente, o Xolo servia de iguaria em cerimônias de casamento ou velório. Além das responsabilidades do Xolo no pós-vida, os astecas acreditavam que ele tinha poderes de cura. O cão também chamou a atenção de Cristóvão Colombo, que levou várias espécies de volta para a Europa, ele e seus homens também quase os levaram à extinção de tanto comê-los. De acordo com (SOTER,2021) no sul da China, a história de Panhu é muito conhecida e alguns grupos indígenas, incluindo os miao, os yao e os she, consideram Panhu seu ancestral original. Como a maioria dos mitos, esse possui muitas variantes. Era uma vez, uma velha no palácio do imperador. Ela achava estar sofrendo de zumbido no ouvido, mas ao consultar um médico, ele tirou um inseto do seu canal auditivo, o que acabou com o barulho. A velha guardou o inseto numa cabaça e a cobriu com uma bandeja: virou seu bicho de estimação. Graças a um pouco de magia mitológica, o inseto se transformou em um cachorro de cinco cores que o imperador chamou de Panhu: “hu”significa cabaça e “pan” bandeja. O reino do imperador, foi definido pelo conflito com invasores bárbaros, comandados por um general vil e abominável, designado em alguns relatos como general Wu. O imperador, cansado de perder para o general Wu, declarou que quem trouxesse a cabeça do invasor receberia a mão da sua filha em casamento. Pouco depois, Panhu apareceu na corte, com a cabeça do general Wu na boca. Ao que o imperador respondeu: “Eu cometi um grande erro”. Por motivos óbvios, ele não queria que a filha se casasse com um cachorro. No entanto, a princesa argumentou que era importante manter a promessa e convenceu o pai a deixá-la se casar com Panhu. Mas, então, eis que a mágica resolve tudo. O imperador soube que Panhu poderia se transformar em ser humano se fosse deixado debaixo de um enorme sino de ouro por sete dias e sete noites, mas o feitiço só funcionaria se ninguém olhasse para ele durante esse tempo. Infelizmente, a princesa se preocupou com seu cachorro/marido e no sexto dia, deu uma olhada por debaixo do sino. O feitiço se rompeu e a transfiguração de Panhu foi interrompida. Ele ficou com corpo de homem, mas cabeça de cachorro. E casaram-se. O povo yao honra Panhu como seu primeiro ancestral e, por causa disso, é muito cuidadoso para nunca ofender cachorros. Também não comem carne canina. Alguns grupos étnicos na China, assim como em outros países asiáticos, usam carne de cachorro como fonte de alimentação desde aproximadamente 500 a.C. alguns 21 cientistas acreditam que, originalmente, os cachorros foram domesticados na China para fornecer carne. Hoje, o consumo de carne canina na China, varia de acordo com a região. Em Hong Kong, um Decreto sobre cães e gatos foi instaurado pelo governo britânico em 6 de janeiro de 1950, proibindo que esses animais sejam mortos para fins alimentícios. Taiwan, Índia e Cingapura têm leis parecidas. Entretanto, alguns festivais gastronômicos culturais continuam a servir esse tipo de carne. A história de Panhu ainda é uma parte importante da vida de muitos grupos étnicos do sul da China. Muitos têm altares em casa e usam iconografia associada a Panhu em trajes tradicionais. Ainda na China, os pequineses existem desde a dinastia Shu, há mais de 2 mil anos, o que faz deles uma das raças caninas mais antigas ainda entre nós. Shu, ou Shu Han, era um dos três principais Estados competindo pela supremacia na China entre 220 e 280, período apropriadamente conhecido como o dos Três Reinos. Apesar da palavra “reinos” nenhum dos Estados era governado por reis, na verdade, eram governados por imperadores, cada um deles convencido de que controlava a China inteira. Durante essa época, a China tornou-se um país budista, mas a conversão enfrentou um obstáculo significativo: o leão, símbolo importante do budismo, não habitava a China. Acreditava-se que Buda tinha domado o leão, que se tornara seu protetor, portanto o animal era necessário para várias cerimônias. Já que não havia leão por perto, os monges budistas decidiram improvisar. Usaram cachorros. Para tornarem o cachorro um substituto adequado do leão de Buda, os monges começaram um programa de cruzamento seletivo. No início, os cães foram cruzados com foco no tamanho e na pelagem: o objetivo era parecerem o máximo possível com um leão. Ao longo de vários séculos, eles diminuíram a escala, até criar um cachorro tão parecido com um leão que, assim pensavam os monges, Buda não se importaria que fosse usado em cerimônias religiosas em vez de um leão de verdade. Chamaram esse cão de pequinês. O pequinês tornou-se um símbolo sagrado do budismo chinês, mas era encantador demais para ficar restrito às cerimônias, então logo passou a ser adotado como animal de estimação na corte imperial. Mas só na corte imperial. As pessoas comuns eram proibidas de adotar e criar pequineses e precisavam curvar-se diante deles quando os encontravam. O castigo para quem fosse cruel com os pequineses ou tirasse um deles do palácio real,era a morte. A variedade menor e mais feroz era conhecida como “cão de manga” porque imperadores e cortesãos tinham a mania de carregá-los nas mangas volumosas das roupas. Se 22 o dono se sentisse ameaçado ou se visse no meio de uma tentativa de assassinato, ele tirava o pequinês da manga, assustando o atacante. Pequineses continuaram a ser uma raça inteiramente chinesa até 1860. O Palácio de Verão de Pequim foi invadido pelas tropas inglesas na Segunda Guerra do Ópio, um conflito entre a China e o Império Britânico. Para impedir que os cachorros sagrados caíssem nas mãos dos invasores, a família real chinesa matou todos os seus cães. No entanto, cinco pequineses sobreviveram e foram levados à Inglaterra. Um deles foi dado à rainha Vitória, que já amava cachorros. A chegada do pequinês deu a largada para a nova moda da Inglaterra vitoriana: cachorros de colo. Ter um cachorrinho pequeno logo se tornou o maior símbolo de status. Era uma forma de ostentar que não só se tinha dinheiro para sustentar a família, como também para sustentar um cachorro inteiramente decorativo, cuja única função prática era ser fofo e brincar. Por isso, criar cachorros e cuidar deles, logo tornou-se o hobby da vez. Embora a maioria não tivesse acesso ao raro pequinês puro, muitos conseguiram produzir a própria versão falsificada do acessório canino essencial da elite. Essa tentativa de criar cachorrinhos parecidos, deu pontapé no desenvolvimento de muitas das raças pequenas que ainda se adota até hoje. Na Índia, o mahabharata é um dos maiores épicos em sânscrito da Índia Antiga. Conta a história da Guerra de kurukshetra, que envolveu principalmente duas famílias brigando pelo trono do Reino de Hastinapura - os kaurava e os pandava, além de brigas internas em cada família para decidir quem seria o herdeiro legítimo. (SOTER,2021) O Mahabharata termina com uma sequência de batalhas no campo kurukshetra. Todos os kaurava são mortos e, apesar da vitória, só cinco irmãos Pandava sobrevivem. Yudhisthira, o mais velho, vira rei e governa por trinta anos, antes de fazer uma peregrinação com os irmãos, até seu descanso final no Himalaia. Ao longo da jornada, todos os irmãos morrem, assim como suas esposas, até que só resta Yudhisthira. Yudhisthira e um cachorro. No início da jornada, um vira-lata começou a acompanhá-lo e continuou ao seu lado no último trecho da subida. Finalmente, quando atingiram o topo da montanha, Indra, rei dos deuses e dos céus, ascendeu em sua carruagem para encontrar o rei Yudhisthira e convidá- lo ao paraíso.“Claro” disse o rei Yudhisthira. “Desde que meu cachorro vá junto” Indra, no entanto, recusou sua entrada. Ele recusou-se a entrar sem o cachorro. Os prazeres do paraíso de nada valiam diante da perda do companheiro fiel que viajara a seu lado por todo aquele tempo. No fim, o cachorro era a divindade Yama disfarçada. Era tudo um último teste para Yudhisthira. 23 Na Mesopotâmia, entre 323 a 336 a.C. muito antes de ser grande, Alexandre nasceu em 356 a.C. filho do rei macedônio Filipe II e de uma de suas esposas, Olímpia. Na época, a Macedônia era um reino no canto nordeste da Península Grega, considerado um lugar brutal e bárbaro, especialmente em comparação com os reinos próximos de Atenas e Esparta. (SOTER,2021) Na mais tenra idade, aos dezoito anos, Alexandre ajudou o pai a invadir a Grécia, (SOTER,2021) o que inspirou uma paixão pela conquista que o acompanharia por toda a vida. Depois da morte de Filipe, Alexandre assumiu o trono macedônio e o legado do pai. O pai tinha conquistado a Grécia inteira, mas Alexandre ainda avançou sobre o império persa e tomou terras do Egito à Índia. Acompanhado de Peritas, seu cachorro. Apesar de sua raça não ter sido registrada, com base em representações artísticas, Peritas provavelmente era um molossus, um cão cuja raça foi criada para lutar na guerra. Hoje extintos, eles se pareciam com mastins e são um ancestral comum importante das raças modernas como: mastim inglês, são-bernardo, cão de montanha de pirineus, rottweiller, dogue alemão, terra nova e boiadeiro-bernês. Plutarco, o único historiador antigo a mencionar peritas, só diz que Alexandre tinha um cão com esse nome, que ele amou tanto a ponto de dar seu nome a uma cidade. Com um monumento ao cachorro na praça central como agradecimento por ele ter salvo sua vida no campo de batalha. Mais tarde, no século XIV a Escócia e a Inglaterra tinham reis diferentes, mas o rei da Inglaterra era o rei supremo, enquanto os reis escoceses eram obrigados a jurar que fariam o que a Inglaterra quisesse. Parte dessa promessa de lealdade, era que a Escócia não podia declarar um novo rei sem aprovação inglesa, o que se tornou um problema quando o rei Alexandre III morreu sem deixar herdeiros. O rei Eduardo I da Inglaterra considerou os dois pretendentes ao trono e selecionou John Balliol, que reconheceu Eduardo como seu mestre legítimo. (SOTER,2021) Com sua marionete no trono, Eduardo I mandou a Escócia ajudá-lo a financiar a guerra da Inglaterra contra a França, além de enviar tropas. Em resposta, o governo escocês decidiu dar um golpe: o rei John assinou um tratado de aliança com a França e renunciou à lealdade com a Inglaterra. Depois de várias derrotas violentas, o exército escocês cedeu. O rei John abdicou e Eduardo passou a comandar a Escócia, alegando que todas as terras eram suas. Em 1306, Roberto I foi coroado rei da Escócia e passou a focar na recuperação das terras do sul, ainda dominadas pelos ingleses. Aos olhos de Eduardo, isso seria traição, portanto ele mandou seus 24 homens caçarem Roberto I. A companhia da esposa de Roberto I já tinha sido capturada pelos britânicos, incluindo o cachorro preferido dele, donnchadh. Donnchadh era um talbot (um ancestral do cão-de-santo-humberto moderno) Donnchadh é um nome gaélico antigo que mistura os termos para “marrom” e “nobre”. Esse nome acabaria evoluindo para “Duncan” em inglês. Quando o principal aliado de Eduardo, John de Loren, foi mandado para encontrar Roberto, ele teve uma ideia genial para usar o cachorro. John ordenou que os homens soltassem o cão, acreditando que Donnchadh os levaria diretamente até Roberto. O cão imediatamente localizou o cheiro do mestre e saiu correndo, levando os soldados ingleses exatamente onde Roberto estava escondido com seus homens. Entretanto, uma coisa deu errado nessa genial trama inglesa: um cão fiel o bastante para encontrar seu mestre, também é fiel o suficiente para lutar por ele. Quando os soldados cercaram Roberto, donnchadh se virou contra eles e atacou. Roberto e o cachorro escaparam da emboscada juntos, e o rei continuou sua guerra de guerrilha contra os ingleses. Tendo em vista esta exposição histórica, demonstrativa da aproximação entre o animal-humano e mais especificamente o cão, é fácil compreender como estes dois seres vivos desenvolveram um forte companheirismo, comprovado pelo ditado popular de que o cão é o melhor amigo do homem. Contudo, o que se verá mais à frente, é que atualmente o título de melhor amigo do homem ganhou novas proporções, saindo da esfera de convivência amigável para ocupar um espaço nas famílias, como membro integrante desta instituição e por isso lhe é devido, amparo e respeito por todos aqueles que estão fora da relação familiar, ainda que se faça necessário socorrer-se do auxílio de leis. 2.1 A senciência como elemento de reconhecimento dos Direitos Animais Senciência, palavra originada do latim sentire, que significa sentir, é a capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade. (SINGER, 2002). Utiliza-se a terminologia “Direitos Animais”, semelhantemente a “Direitos Humanos” e não “Direitos dos Animais”, uma vez que esta última remete à ideia de direitos positivados, ao passo que aquela engloba e ultrapassa as elementares legais. Já que a ideia central dos Direitos Animais é eliminar o conceito de animais como propriedade. E mais, admitir sua relativa “autonomia” e a relevância de seus interesses biológicos e psicológicos elevando-os à categoria de pacientes morais e sujeitos de direitos. (VELOSO,2011) O Direito Animal pode ser conceituado como o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, 25 independentemente da sua função ambiental ecológica. (ATAIDE JUNIOR,2018) De acordo com (OLIVEIRA,2013) em 1789, Jeremy Bentham, lança Uma introdução aos princípios morais e da legislação, onde há uma das mais famosas passagens a respeito de um novo reconhecimento em relação aos animais, tendo por base a capacidade de sofrer (dorência; senciência) Esta é a passagem tantas vezes citada: Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adulto são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar?’ nem, ‘São capazes de falar?’, mas, sim: ‘Eles são capazes de sofrer?’ (OLIVEIRA,2013) Fábio Correia de Oliveira, ainda afirma que embora subsista uma discussão sobre a definição de senciência e, também por isso, quais animais são ou não sencientes (uma fronteira vacilante, nas palavras de Carlos Naconecy), pode-se dizer que senciente é o ser capaz de sofrer, sentir dor física ou abalo psicológico, bem como de se perceber enquanto indivíduo e ter um entendimento acerca do seu meio, de buscar seu bem-estar, conforto, felicidade. Este conceito abarca uma definição de consciência, também, objeto de debate. No âmbito do Direito comparado, coube à Grã-Bretanha, o pioneirismo na elaboração de leis de proteção aos não-humanos. Data de 1822 a primeira lei proibindo os maus-tratos contra animais, tornando a crueldade para com os não-humanos uma infraçãopunível. Surgiu também na Inglaterra, a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, primeira sociedade de proteção aos animais, em 1824 na chamada era Vitoriana. Na América Latina, pode-se citar o exemplo da República Argentina, que desde 1891 possui uma lei de proteção aos animais. Percebe-se que o avanço no reconhecimento dos direitos dos animais não é uma realidade presente apenas no Brasil, mas uma transformação em nível mundial oriunda das próprias mudanças pelas quais passa o pensamento da sociedade ocidental. (SILVA,2010) No ano de 1997, o Tratado de Amsterdã (UNIÃO EUROPÉIA,1997) que introduziu adaptações aos tratados anteriores da União Europeia, reconheceu os animais como seres sencientes, ou seja, com capacidade de experimentar sentimentos. Neste se fez acordar que as políticas públicas do bloco, em matérias relativas à agricultura, transporte, mercado interno e pesquisa deveriam ter em conta as necessidades dos animais e seu bem-estar. 26 A doutrina anglo-saxônica tem sido a principal referência em Direito Animal no mundo moderno e a legislação de alguns países europeus têm avançado bastante ao reconhecer que os animais não são coisas, mas seres sensíveis. (ATAIDE JUNIOR,2018) Pelo exposto, e levando em consideração os países referência em Direito Animal (Estados Unidos e Canadá) a legislação pátria em nível federal, deveria seguir este mesmo ritmo, de reconhecer que os animais são seres sensíveis, a fim de intensificar a proteção contra os maus-tratos, tudo isto restrito à seara ambiental, deixando de lado as searas do Direito Civil e do Processo Civil, áreas reservadas a legislar acerca dos direitos e obrigações atribuídas aos seres humanos. Quanto às legislações em nível estadual que tratam da proteção animal e/ou da senciência, há o artigo 216 da Lei nº 15.434/2020, que institui o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e assim dispõe: Art. 216. É instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente. § único: Os animais domésticos de estimação, que não sejam utilizados em atividades agropecuárias e de manifestações culturais reconhecidas em lei como patrimônio cultural do Estado, possuem natureza jurídica “sui generis” e são sujeitos de direitos, despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado seu tratamento como coisa. O Código Estadual de Proteção aos Animais do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 34-A com redação dada pela Lei nº 17.526/2018 passa a vigorar assim: Para os fins desta Lei, cães e gatos ficam reconhecidos como seres sencientes, sujeitos de direitos, que sentem dor e angústia, o que constitui o reconhecimento da sua especificidade e das suas características face a outros seres vivos. Sendo assim, a senciência é a capacidade que um ser vivo possui de sentir, e de importar-se com o que está sentindo, além disso, ele também possui o desejo de que as sensações de dor e sofrimento acabem. Pois o animal percebe como está se sentindo e como está sendo tratado. Um ser senciente possui consciência e tem experiências subjetivas de dor e sofrimento. Luna, assim conceitua a senciência: De forma sintética é a capacidade de sentir, estar consciente de si próprio ou apenas do ambiente que o cerca. Não cabe aqui estabelecer uma discussão filosófica do termo senciência, mas sim das implicações práticas relacionadas ao fato inquestionável cientificamente de que pelo menos os animais vertebrados sofrem e são seres sencientes. A evidência de que os animais sentem dor se confirma pelo fato que estes evitam ou tentam escapar de um estímulo doloroso e quando apresentam limitação de capacidade física pela presença de dor, esta é eliminada ou melhorada com o uso de analgésicos. Para muitos filósofos, a senciência fornece ao animal um valor moral intrínseco, dado que há interesses que emanam destes sentimentos. Estas evidências estão bem documentadas por estudos comportamentais, pela similaridade anatomo-fisiológica em relação ao ser humano e pela teoria da evolução. (LUNA, 2008, p.18) 27 Essa noção de senciência como a consciência da dor é o ponto distintivo entre os seres sencientes de outros seres vivos que possuem apenas reações reflexas. Ainda que haja dificuldade em traçar uma linha que separe os animais sencientes dos não-sencientes, alguns teóricos adotam a premissa de que os mamíferos, os peixes e as aves (pelo benefício da dúvida) são sencientes. Considerando esta afirmativa de que a senciência engloba os mamíferos, as aves e os peixes, é interessante destacar o posicionamento defendido por (GONÇALVES,2015) de que o fato de acreditar nos direitos de alguns animais não significa que todos os animais possuem direitos, ou que a concessão de direitos para alguns animais denota direitos para todos os animais. Diante desta afirmativa, surge o seguinte questionamento: por que fazer essa distinção entre os animais? Colocando uns de certa forma como “superiores” e só a estes exigindo-se o respeito aos seus direitos morais? Esta questão também foi levantada por (NACONECY,2007) In: Ética animal... Ou uma ética para vertebrados? Um animalista também pratica especismo? Em que o autor afirma que a preocupação pelos animais sencientes deixaria de fora do âmbito da consideração moral uma infinidade de formas de vida animal sobre a Terra. As proposições da Ética Animal, incluindo as teses da corrente dos Direitos Animais, dizem respeito, portanto, a uma percentagem ínfima do Reino Animal. E acrescenta ainda: Peter Singer e Tom Regan mostram, da primeira à última página dos seus livros, que parecem ter esquecido as lições mais elementares da biologia escolar. Qualquer pessoa minimamente informada em ciência básica sabe que minhocas, camarões, aranhas, formigas, ostras, estrelas-do-mar e outras tantas criaturas não são vegetais nem minerais, são também animais, animais invertebrados. Direcionando esta questão para a relação entre o humano e o pet, e observando os seguintes pontos: aproximação entre estas duas espécies pela domesticação e a convivência geradora de intenso afeto entre eles, é possível concluir, que o respeito que tanto se exige, seria pelo fato de estes animais estarem mais próximos dos seres humanos, física e afetivamente, surgindo assim, o interesse de serem protegidos, por serem úteis na satisfação das necessidades dos animais humanos. Ademais, amar um animal não é amar toda a sua espécie, menos ainda significa amar todas as espécies alocadas na categoria. Cria-se então uma subcategoria de animais privilegiados: os animais de estimação, mas só enquanto a estimação durar, e sua duração pode não ser para sempre. (ABONIZIO, BAPTISTELLA, 2016) 28 2.2 A valoração dada aos animais não-humanos ao decorrer dos períodos históricos A cada período histórico da humanidade, os animais não - humanos receberam uma valoração distinta e a forma como eram vistos pelo corpo social modificou-se a cada época. Tendo por início o século XVII, com o cartesianismo de René Descartes. Com a publicação de “Discours de la Méthode” (Discurso do Método) em 1637 (DESCARTES, 1987), Descartes divulga a ideia de que os animais são verdadeiramente máquinas. Assim além de negar a racionalidade dos animais, ele também nega que eles tenham emoções e/ou sensações. Atribui aos animais o conceito de autômatos, isto é, seus corpos obedeciam às leis da mecânica, como concebido pelo físico inglês Isaac Newton. (PAIXÃO, 2001) A partir desse pensamento cartesiano, aqueles que usavam os animais não deviam se importar com o seu sofrimento, já que os animais não sentem dor, e nem precisavam se preocupar com a retirada das suas vidas, já que eles não tinhaminteresses que pudessem ser prejudicados. Portanto, os animais poderiam ser usados sem qualquer preocupação moral. (PAIXÃO,2001) Segundo (SILVA,2010) opondo-se à linha de pensamento de Descartes, segue-se outra, da qual são representantes Voltaire e Rousseau, que defendiam uma concepção não manipuladora da natureza. Tal corrente defendia ser o homem, parte dos mecanismos de funcionamento do universo, devendo atuar em consonância com os demais e não um agente externo que por sua capacidade intelectual superior, deteria o poder de usar o meio ambiente conforme suas vontades. Voltaire ataca o pensamento cartesiano partindo da ideia de que não é possível que, possuindo uma estrutura física tão parecida com a humana, que é capaz de sentir dor, os animais não a sintam. Uma célebre e histórica réplica à teoria de Descartes merece ser revista, frente sua lucidez e clareza de argumentação: É preciso, penso eu, ter renunciado à luz natural, para ousar afirmar que os animais são somente máquinas. Há uma contradição manifesta em admitir que Deus deu aos animais todos os órgãos do sentimento e em sustentar que não lhes deu sentimento. Parece-me também que não é preciso jamais ter observado os animais para distinguir neles as diferentes vozes da necessidade, da alegria, do medo, do amor, da cólera e de todos os afetos, seria muito estranho exprimirem o que não sentem. (VOLTAIRE, 1993, p.169) No século XVIII, a questão animal foi tratada pelo filósofo Immanuel Kant. Este filósofo, embora tenha mantido a visão antropocêntrica tradicional, de que os animais são seres irracionais, e, portanto, inferiores aos seres humanos, vai introduzir um argumento até hoje utilizado: o argumento da crueldade. (KANT,1963, p.239-241) A grande diferença entre os humanos e os animais estabelecida por Kant, é que os 29 animais não sendo racionais, não representavam um fim em si mesmo, sendo então, meros meios, o que justificava sua utilização para fins humanos. (VELOSO, 2011) Kant acreditava que os animais eram sencientes, apesar disso, não havia uma obrigação moral, no tratamento dos animais não humanos, pois as condutas de crueldade dirigidas a estes, eram tidas como reprováveis, mas apenas em razão de impulsionarem a crueldade com humanos ou por ferir interesses humanos. Ele teria ilustrado seu pensamento a partir do trabalho do inglês William Hogarth (1697-1764) em sua pintura “Os quatro estágios da crueldade”. Nesta obra, por meio de quatro telas, o artista exibe o desenvolvimento da crueldade em Tom Nero, seu personagem principal, que na infância agredia animais e quando na vida adulta tornou-se um homicida. No século XIX, a questão animal foi analisada por Jeremy Bentham (GONÇALVES,2015) idealizador do Movimento Bem - Estarista. Este movimento defende a ideia de que os próprios animais não humanos possuem interesse em evitar o seu sofrimento e os animais humanos tem um dever moral e legal de tratá-los de forma humanitária, devendo- se evitar o sofrimento desnecessário destes animais, quando utilizados nas mais diversas atividades. Para Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, os atos dos indíviduos tornam-se adequados aos fins quando maximizam o prazer e minimizam a dor, ou até mesmo visam sua eliminação. Uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação, mas também a de todos afetados por ela. O utilitarismo rejeita o egoísmo, opondo-se a que o indivíduo deva perseguir seus próprios interesses: a finalidade tem que ser abrangente ao maior número de pessoas. (BARRETO, 2009, p.837-840) No século XX, Richard Ryder, obteve notoriedade no campo de estudos dos direitos animais com a criação do termo especismo, na década de 1970. O termo, serve para referir-se à discriminação que os seres humanos praticam contra os animais de outras espécies, alegando-se que é possível a utilização dos animais não-humanos para nossos próprios fins. Tendo por motivação a superioridade da espécie humana, por ser esta a espécie dominante sobre o planeta. Esta é a definição cunhada por Ryder em seu sentido original, não tendo outras vertentes. Todavia, acatando a sugestão de desdobrar o termo especismo em dois, e com o intuito de demonstrar de forma incisiva, a proteção seletiva que há na defesa dos direitos de algumas espécies de animais não - humanos, assim afirma (FELIPE,2007): Sugiro que distingamos, a partir desse momento, duas formas de especismo: o elitista, que considera os interesses de sujeitos racionais sempre mais relevantes, pelo simples fato de que os sujeitos dotados da capacidade de raciocinar são 30 membros da espécie homo sapiens; e o eletivo ou afetivo, que considera importante defender os interesses de um animal, apenas quando sua figura ou forma de interação desperta no sujeito alguma simpatia, ternura ou compaixão. Na prática especista eletiva, o sujeito permanece indiferente ao sofrimento dos animais que não se incluem no âmbito de sua predileção. Dando continuidade a esta exposição acerca do tratamento concedido aos animais não-humanos ao longo dos períodos históricos, chega-se ao Bem-Estarismo de Bentham numa versão reformulada, versão a qual, influenciou um dos filósofos que deram início aos debates intensos sobre a forma como os animais deveriam ser tratados. O filósofo australiano Peter Singer, sustentou que os animais possuem interesses parecidos aos humanos e desta forma deveriam ser tratados com igual consideração. Como afirmado por (GONÇALVES,2015): Para Singer, estender o princípio da igualdade para além das espécies significa que o fato de os animais serem de outra espécie não nos autoriza a explorá-los, ou que, por serem diferentes, menos inteligentes ou racionais, devemos ignorar seus interesses em evitar o sofrimento e a dor. Peter Singer, trabalhava numa abordagem chamada de utilitarismo preferencialista, defendendo que a igualdade entre os seres humanos está assentada no princípio da igual consideração de interesses, que tem por objetivo tratar os casos semelhantes semelhantemente, também defende que mesmo com as inúmeras diferenças existentes entre os indivíduos humanos, todos devem ser tratados com igual consideração, em respeito aos seus interesses básicos. Tomando por base o Princípio da Igualdade de Consideração e o fato de que alguns animais possuem interesses básicos, Peter Singer sugere a ampliação deste Princípio aos animais, a fim de proteger os seus interesses básicos, quais sejam: o interesse em evitar o sofrimento e viver uma vida agradável. Peter Singer (GONÇALVES,2015) sustentava a tese de que alguns animais aparentam ter racionalidade e autoconsciência, enxergando-se com passado e futuro, e por este motivo se estaria cometendo um erro ao matá-los, ainda que a morte se desse de forma indolor e sem causar sofrimento aos outros membros da comunidade animal. Se o princípio da igual consideração de interesses semelhantes determina que interesses maiores não devem ser sacrificados em prol de interesses menores, o desejo de comer carne deve ser desconsiderado em razão do interesse dos animais, em ter seu bem-estar e sua vida resguardados. Portanto, a questão principal para Singer, era saber se a carne utilizada no consumo dos seres humanos foi produzida gerando sofrimento aos animais, e não se ela poderia ter sido resultada sem sofrimento. Já que a maioria das carnes fornecidas nos 31 mercados das grandes cidades é proveniente da escala industrial ou até de fazendas menores, mas que mesmo assim geraram angústia nos animais. Diante deste cenário de sofrimento causados aos animais, o ideal seria que houvesse o reconhecimento da necessidade da adoção de uma alimentação vegetariana, para levar os interesses dos animais a sério. Em oposição a esta filosofiautilitarista, proposta por Peter Singer, encontra-se a chamada ética do respeito, assegurando que os direitos são invioláveis, exceto em casos de legítima defesa ou necessidade, mesmo que esta garantia acabe por ferir o bem-estar geral. Para (MACIEL,2009) ao citar (REGAN,2006) argumenta que o critério ético que deve guiar a relação entre animais e animais humanos deve ser o valor inerente a que todo sujeito-de-uma-vida, por uma questão de justiça, têm o direito moral básico, de serem tratados respeitosamente, de modo que se reconheça seu valor inerente. Para este autor, os sujeitos-de uma-vida têm importância independente de sua utilidade para os outros, portanto, todos os indivíduos possuem igual valor inerente. O valor inerente é absoluto: independe da utilidade que um indivíduo possa ter para outros. Por esta razão Regan, propõe uma ruptura total com o antropocentrismo de modo a propugnar pelos direitos dos não-humanos. De acordo com Regan, os direitos animais e humanos são validados de acordo com o princípio moral da justiça, inscrito sob a premissa de que todos os que têm valor inerente merecem o mesmo respeito. Assim, tratar com respeito os animais, deixa de ser uma questão de bondade ou sentimentalismo, torna-se questão de justiça, pois a capacidade dos animais de diferenciar experiências de prazer e de dor, de sentir bem-estar ou mal-estar e de ter preferência por um estado, em vez de outro, evidencia a capacidade de agregar valor intrínseco à própria vida. Assim como os seres humanos, os animais também possuem um bem-estar experiencial que independe da utilidade que possam ter para os humanos. E se esta capacidade de experienciar a vida é o que fundamenta o respeito aos direitos do homem, então também deve-se respeitar os direitos básicos dos animais, ou assegurar que haja a proteção destes direitos. E da mesma forma que os animais humanos possuem uma vida, os animais não- humanos também são sujeitos de uma vida e titulares de valores inerentes, e por isso detém o direito de não serem utilizados para a satisfação dos interesses de terceiros. Restando aos humanos a incumbência de tratar os animais não-humanos com o devido respeito. Tom Regan adotava uma postura abolicionista, o que quer dizer que, para o autor, toda e qualquer exploração animal deve ser abolida, em razão do respeito que se deve aos animais. 32 Portanto, Regan afirma que somos obrigados, moralmente, a parar de comer os corpos e subprodutos animais, adotando uma alimentação vegetariana, pois somos obrigados a tratá-los com respeito. (GONÇALVES, 2006) Portanto, para Regan a moralidade só seria efetivamente cumprida quando se optasse por uma alimentação vegetariana e além disso também deveria adotar-se um estilo de vida vegano, que apregoa a exclusão de quaisquer tipos de produtos obtidos pelo uso de animais, seja em vestimentas, cosméticos, produtos de limpeza, higiene e no entretenimento. Por fim, ainda há o posicionamento defendido pelo scholar de Direito norte- americano Gary L. Francione. Este especialista defendia que o movimento pelos direitos animais não tinha por meta dar aos animais os mesmos direitos que os seres humanos possuem, a exemplo dos direitos políticos, mas, estender aos animais o mais precioso direito fundamental: o de não serem tratados como propriedades dos seres humanos. Francione, afirmava que os animais não-humanos são autoconscientes, possuindo interesse em manter suas vidas, pois eles não são indiferentes ao fato dos seres humanos usá- los e matá-los para satisfazer seus interesses. Não há justificação moral para manter o uso de animais, ainda que eles sejam tratados de forma humanitária. Tem-se que os seres humanos e os animais são semelhantes entre si e diferentes de tudo o mais no universo, que não seja senciente. Se nossa suposta proibição de imposição do sofrimento desnecessário em animais tem algum significado, devemos respeitar os interesses dos animais em não sofrer. (FRANCIONE, 2008, p.44) Para Francione, um ser senciente é um ser com interesse em continuar a viver, que deseja, prefere ou quer continuar a viver. Desta forma, para que um indivíduo humano tenha qualquer direito, ele deve ter o direito básico de não ser tratado como coisa. Pois este direito básico, o de não ser considerado propriedade alheia, é uma condição necessária para inserir um indivíduo no status de pessoa moral e legal. E ao superar e extinguir o status dos animais como propriedades eles se tornarão pessoas. Segundo Francione, ser uma pessoa significa que o indivíduo detém interesses moralmente relevantes, e por isso o princípio da igual consideração deve ser aplicado a este ser, já que ele não é uma coisa. Para este teórico, ou os animais estão inseridos no universo enquanto coisas, ou como pessoas. Como coisas os animais não se encaixavam, já que possuem a senciência, e levando em conta este critério, os animais não-humanos fariam parte do grupo de pessoas. Sendo assim, a senciência para Gary Francione era o ponto principal, já que ao possuí-la o animal não-humano seria automaticamente inserido na esfera moral. 33 2.3 As correntes da Ética Ambiental A reflexão quanto à sadia convivência entre os animais não-humanos e os seres humanos não se deteve apenas na esfera moral, e difundiu-se por outras áreas da ética. A ética estuda o agir humano na medida em que este é orientado por hábitos, costumes e representações de virtude (MILEIPE, 2011). Neste sentido, de a ética estudar a forma como deve agir-se, pautado por representações de virtude, a ética ambiental tem por intuito direcionar a humanidade ao tratamento do meio-ambiente de maneira a não lhe acarretar danos. E para demonstrar a forma como o homem se relaciona com o meio ambiente, assim como a posição dos seres humanos frente a este, surgiram algumas correntes da ética ambiental. A partir da verificação no Direito Brasileiro e no Direito Comparado, as correntes interpretativas do Direito Ambiental, são analisadas sob três modelos ético-jurídicos básicos: 1- Antropocentrismo Puro (também nominado dogmático ou cartesiano); 2- Antropocentrismo Intergeracional; 3- Não-Antropocentrismo (ecocentrismo, geocentrismo, biocentrismo ou a ecologia profunda) A primeira delas, o antropocentrismo, apregoa que o humano está em posição central no universo, colocando os demais seres vivos integrantes do ecossistema em posição inferior, a fim de servirem às necessidades humanas. Tudo que não for da espécie humana terá uma utilidade. (SILVA; RECH, 2017) A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III) como fundamento destinado a interpretar todo o sistema constitucional adotou visão explicitamente antropocêntrica, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (artigos 1º, inciso I e 5º da Carta Magna) uma posição de centralidade em relação ao nosso sistema de direito positivo. De acordo com esta visão, tem se que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. (FIORILLO,2009) O antropocentrismo clássico, encontra-se na defesa do homem como ponto central do meio ambiente, na medida em que este serve tão somente para realizar os desejos humanos, implicando assim, numa perspectiva utilitarista do meio ambiente. (BELCHIOR, DIAS, 2020) O antropocentrismo ainda apresenta outra vertente: o antropocentrismo moderado. Também conhecido por alargado, tem por intuito o amparo ao meio ambiente, bem como expressa que os interesses humanos não precisam fazer oposição aos interesses dos animais 34 não humanos, na medida em que permite até mesmo negociar os interesses destes. (MEDEIROS, 2013). Segundo os ensinamentos de (MEDEIROS,2013) em oposição ao antropocentrismo moderado há o antropocentrismo radical. O antropocentrismo radical, revela-secomo aquele que atribui exacerbada importância aos animais humanos, classificando-os como de categoria especial, levando-se em consideração um valor notável, ao passo que as vidas não-humanas se mostram com pouco ou até mesmo sem nenhum valor, vistas como bens, propriedade ou fontes de subsídios para os animais humanos. Importante ressaltar que o sistema consagrado na Constituição da República de 1988, representou a ruptura do modelo jurídico constitucional pátrio com o padrão antropocêntrico clássico, despontando assim o Antropocentrismo Intergeracional. Para (MARQUES JÚNIOR, MORAES,2013) o Antropocentrismo Intergeracional, também concede ao homem papel de destaque no meio ambiente e em torno do qual todo o resto era tutelado, amenizando a questão de seu enaltecimento, defendendo que os seres humanos teriam de se preocupar com a questão ambiental, para que as gerações vindouras pudessem desfrutar dos benefícios da natureza. No artigo, A natureza no Direito Brasileiro: Coisa, sujeito ou nada disso, (BENJAMIN,2011) assim afirma que o Antropocentrismo Intergeracional, das gerações futuras é uma forma temporalmente ampliada da visão antropocêntrica clássica, já que enfatiza obrigações do presente para com os seres humanos do futuro. Concretizando-se assim, a Solidariedade Intergeracional prevista no artigo 225 da Constituição de 1988, que é mecanismo do Antropocentrismo Mitigado. Em contraposição a estas correntes em que o ser humano é tido como ponto central, existem as correntes não-antropocêntricas, quais sejam: o ecocentrismo, geocentrismo, biocentrismo ou a ecologia profunda. A corrente biocêntrica, prioriza a senciência (capacidade que os animais não- humanos tem de experimentar sensações como dor, sofrimento ou bem-estar) e vai além, pois abarca outros seres e organismos vivos. Para (MEDEIROS,2013) a ética biocêntrica, abarca animais humanos, animais não-humanos, plantas, organismos unicelulares, vírus e até bactérias. Sendo assim, há a consideração do direito à vida a todos os seres vivos, sendo todos eles moralmente considerados. O Ecocentrismo, é um paradigma ecocêntrico plasmado no constitucionalismo dos países andinos, fundado na cosmovisão dos povos indígenas e admitindo direitos próprios da natureza e direitos ao desenvolvimento do bem viver. Inclusive, a leitura do Texto 35 Constitucional equatoriano de 2008, em seu artigo 74 não deixa dúvida quanto à filiação ao ecocentrismo: Art. 74. - Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse del ambiente y de las riquezas naturales que les permitam el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado. (CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DEL ECUADOR,2008) Quanto à questão do ecocentrismo, importante destacar o julgamento do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Recurso Especial 1.797. 175 - SP. A Ementa deste Recurso Especial, assim afirma: Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no intuito de anular os autos de infração emitidos pelo Ibama e restabelecer a guarda do animal silvestre apreendido. No que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese a atuação do Ibama na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira, o Princípio da Razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que cada caso examinado demanda uma solução própria. Nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer. (JUSBRASIL,2019) (MORAES,2013) ao tecer comentários acerca deste julgamento, afirmou que esta demanda configurou-se como o precedente pioneiro do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer direitos e a dignidade dos animais, sob a perspectiva da ampliação do espectro do princípio da Dignidade na Constituição Brasileira e da Jurisprudência Constitucional Latino- Americana, afirmativa dos direitos da natureza, inclusive a do direito à relação de Harmonia entre os seres. João Paulo Miranda (2016) argumenta que o ecocentrismo ou holismo, como também é conhecido, reflete a concepção de igual respeito entre criaturas e ecossistema. Para a autora (MEDEIROS,2013) há uma preocupação maior com a ecologia, tendo em vista a interação entre todos os seres do ecossistema. Já que esta vertente, leva em consideração o ecossistema como um todo, dentro de um pensamento filosófico voltado para a ecologia, apresentando valores na natureza em regime de igualdade, tanto entre os seres bióticos (com vida) e os seres abióticos (sem vida). Esta estudiosa, ainda afirma que a corrente ecocêntrica está relacionada ao holismo, onde todos os seres interagem e compõem um todo, e por isso seria impossível desligá-los para compreendê-los de forma isolada. Quanto à Ecologia Profunda, o termo Deep Ecology foi cunhado, em 1972, por Arne Naess, professor de Filosofia da Universidade de Oslo. O movimento da Ecologia Profunda foi bem recebido e ganhou considerável adesão no meio acadêmico estadunidense. 36 Defendendo que todo ser vivo ostenta valor em si mesmo, e que todo ser vivo merece respeito. A Ecologia Profunda, veicula que a riqueza e a diversidade das formas de vida humana e não-humana além de serem valores em si, já que de acordo com a implicação da sentença nº 3 da Plataforma Comum da Ecologia Profunda: Humans have no right to reduce this richness and diversity except to satisfy vital needs. Terminada esta exposição acerca das correntes da ética ambiental, é possível afirmar que a corrente que mais concilia-se com o objetivo deste trabalho, seria a corrente do antropocentrismo moderado, tendo em vista a possibilidade do ajuste entre o cuidado com o meio ambiente, na perspectiva dos pets (mais precisamente do cão) com os interesses dos seres humanos. Isto tornou-se possível através da inserção do §1º-A ao artigo 32 da Lei nº 9.605/98 que garante a punibilidade dos atos atentatórios ao bem-estar destes animais, tendo assim os seus interesses resguardados. Interesses, no sentido atribuído por Peter Singer ao afirmar que os animais teriam os seguintes interesses básicos: o de evitar sofrimento e de viver uma vida agradável. Portanto, de um lado estaria se resguardando o bem-estar do animal não-humano, o cão, e por outro lado, o direito subjetivo (direito de ação) atribuído ao ser humano, também estaria sendo protegido, já que não haveria a necessidade dos animais não-humanos serem parte em processos judiciais, como disciplina o Projeto de Lei nº 145/2021 de autoria do Deputado Eduardo Costa (PTB/PA) que disciplina a capacidade de ser parte dos animais não- humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao artigo 75 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) para determinar quem poderá representar animais em juízo. Este Projeto de Lei está aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados. 37 3. A INSERÇÃO DOS PETS NOS LARES BRASILEIROS Em 2019 a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE,2020) estimou que 46,1% dos domicílios do país possuíam pelo menos um cachorro (44,3% em 2013) o equivalente a 33,8 milhões de unidades domiciliares. A Região Sul, apresentou a maior proporção (57,4%) enquanto a Região Nordeste, a menor (37,6%). Nas demais, as estimativas foram: 56,3% na Região Centro-Oeste; 52,4% na Região Norte e44,3% na Região Sudeste. Em relação à presença de gatos, em 2019, 19,3% dos domicílios do país possuíam pelo menos um, o equivalente a 14,1 milhões de unidades domiciliares. As regiões Norte e Nordeste apresentaram os maiores percentuais (25,3% e 24,1% respectivamente), enquanto as Regiões Sudeste e Centro-Oeste, os menores (15,2% e 16,6% respectivamente). Na Região Sul, havia ao menos um gato em 21,2% dos domicílios. Levando em consideração os dados colhidos nesta Pesquisa Nacional referentes aos domicílios, é evidente o quanto os brasileiros nutrem um intenso afeto pelos animais de estimação, pelo menos no que se refere ao cão e ao gato. Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL,2019) animais de estimação, são os animais criados para o convívio com os seres humanos por razões afetivas, gerando uma relação benéfica. Tendo como destinações principais: terapia, companhia, lazer, auxílio aos portadores de necessidades especiais, esportes, ornamentação, participação em torneios e exposições, conservação, preservação, criação, melhoramento genético e trabalhos especiais. Diante esta definição, é possível concluir que o conceito de animal de estimação é mais extenso, pois não se baseia apenas no benefício afetivo que o animal não-humano pode trazer ao seu tutor. Além do conceito de animal de estimação, há também o conceito dos animais de companhia. De acordo com o artigo 1º do Decreto nº 13/93, que estabeleceu a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia: Entende-se por animal de companhia qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente em sua casa, para seu entretenimento e enquanto companhia. Para a Organização Mundial da Saúde, o uso dos cães como animais de companhia, caracteriza-se pela posse, somente para companhia ou lazer, sem interação afetuosa mais intensa com seus guardiões. Pois quando se fala em afetividade, imediatamente o pensamento se volta aos pets, já que são eles que mantém uma convivência intensa com os humanos nas mais distintas famílias espalhadas pelos lares brasileiros. O termo pet define a condição de um animal e seu papel em relação aos humanos e esse papel pode ser transformado ao longo da biografia do próprio animal. Um gato, 38 por exemplo, pode ser um pet, e ao ser abandonado, tornar-se um alegado problema de saúde pública. (ABONIZIO; BAPTISTELLA, 2016) A Organização Mundial da Saúde, classifica pet, como sendo os animais de companhia, porém com relação próxima e afetuosa com seus guardiões, sendo considerados como membros da família. E quando esta relação afetuosa se encontra ameaçada, os guardiões não medem esforços para resguardar este laço afetivo, prova disso, são as inúmeras demandas realizadas ao Poder Judiciário, com o intuito de manter esta relação familiar multiespécie. E dentre os inúmeros casos direcionados ao Poder Judiciário, destaque-se o julgamento do Recurso Especial nº 1783076/DF (2018/0229935-9). O Recurso Especial nº 1783076/DF teve origem em ação ajuizada por uma moradora de condomínio do Distrito Federal para ter o direito a criar a sua gata de estimação no apartamento. A parte autora alegou que a gata, considerada um membro da família, não causa transtorno nas dependências do edifício. Após o indeferimento de seu pedido na 1ª Instância e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas, quando o animal não apresentar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossêgo dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do local. Após o deferimento do pedido, a parte autora comemora e ressalta o elo afetivo gerado entre ela e o pet: A gente se acostuma com o animal dentro de casa, e eles com a gente. O meu maior medo era ter de me desfazer dela, que está completando 4 anos. A Nina é uma companheira e me faz muito bem. (CORREIO BRASILIENSE, 2019) O termo pet, também é utilizado para caracterizar um tipo específico de consumo desde o ano de 2012, ano em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva, dos Animais de Estimação, ou simplesmente Câmara Pet (BRASIL, 2012) voltada para a aquisição de produtos e serviços destinados aos animais não humanos que se enquadrarem nesta categoria. (ABONIZIO; BAPTISTELLA, 2016) Ainda na Agenda Estratégica realizada por este Ministério para os anos de 2019 a 2023, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ao conceituar o setor pet incluiu os seguintes animais: aves canoras e ornamentais, cães, gatos, peixes ornamentais, pequenos répteis e mamíferos. E dentre todos estes animais - não humanos, classificados como pets, o cão, é o bichinho que mais tem trazido modificações intensas aos lares brasileiros, devido à alteração 39 ocorrida na posição ocupada por este pet, já que inicialmente os cães habitavam os lares com a finalidade de guarda e proteção das residências: É um fato da sociedade atual admitir que animais façam parte da família. Cães e gatos deixaram de assumir suas funções primárias de guarda e controle de pragas, para ser companhia. A entrada dos animais nos espaços internos das residências foi impulsionada pela verticalização da estrutura das grandes cidades, diminuindo a incidência de pátios e quintais nas moradias dos centros urbanos, trazendo os animais para dentro das casas. Os animais começaram a assumir a função de companhia para adultos e crianças, paralelamente às mudanças nos padrões familiares. (LIMA, 2015) Atualmente, estes animais de companhia se encontram revertidos de intensos cuidados, chegando a serem considerados como “filhos” por pessoas solteiras, em uniões estáveis heterossexuais ou homossexuais e ainda daqueles casados civilmente. O animal pode desempenhar um papel substitutivo de um filho, com a vantagem de raramente a autoridade familiar, ser posta em causa, no que respeita quer à pontualidade das refeições, quer à obediência (PAIS,2006). Citando YONNET (1985), PAIS (2006) afirma que os animais de companhia acabam por ser caracterizados por obediência, submissão, previsão, dependência, lealdade, justamente as características que os donos gostariam de ver em seus filhos. O traço marcante nesta relação, destacado por Pais, é a infantilização, o que faz com que os cães de estimação sejam crianças mesmo na velhice. O estudo feito por Calmon de Oliveira aponta essa transferência do papel do filho para o animal de estimação: devido a esta instabilidade dos casamentos, o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu, aparecendo o cão como um mediador entre o casal, muitas vezes no lugar da criança. A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou riscos. (OLIVEIRA, 2006, p.41) Os cães são os animais de companhia mais populares mundialmente, desempenhando papel importante como membros das famílias humanas. Na rede social familiar, o suporte social derivado da relação homem-cão no tocante à companhia, cuidados e aliança confiável é, em algumas situações, mais importante que os derivados das relações entre humanos (BONAS,2000). Bonas ainda afirma que a relação de humanos com cães, geralmente desempenha um papel compensatório, ou seja, pessoas podem estabelecer relações com cães para compensar a baixa satisfação com outros membros humanos da família. Toda esta mudança ocorrida na utilidade dos cães está ocasionando uma supervalorização destes pets. E um fator de grande relevância para esse fenômeno da supervalorização dos pets é a queda da taxa bruta de natalidade dos brasileiros.
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