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Brasília-DF. Medicina de MaMíferos Elaboração Rafael Prange Bonorino Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 6 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8 UNIDADE I ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS .......................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 EXAME GERAL E CURIOSIDADES ............................................................................................ 11 CAPÍTULO 2 CONTENÇÃO FÍSICA E ESTRESSE ............................................................................................. 15 UNIDADE II MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS ................................................................................ 19 CAPÍTULO 1 MARSUPIAIS ........................................................................................................................... 19 CAPÍTULO 2 CANÍDEOS ............................................................................................................................. 28 CAPÍTULO 3 FELÍDEO1 ............................................................................................................................... 34 UNIDADE III MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS ............................................ 47 CAPÍTULO 1 ROEDORES ........................................................................................................................... 47 CAPÍTULO 2 CLÍNICA ................................................................................................................................. 51 CAPÍTULO 3 LAGOMORPHOS ................................................................................................................... 68 UNIDADE IV MANEJO E MEDICINA DE PRIMATAS ..................................................................................................... 81 CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E MANEJO ............................................................................................................. 81 CAPÍTULO 2 CLÍNICA E CIRURGIA ............................................................................................................. 86 UNIDADE V RADIOLOGIA DE MAMÍFEROS SILVESTRES E CONTENÇÃO QUÍMICA DE MAMÍFEROS SILVESTRES ............. 91 CAPÍTULO 1 RADIOLOGIA DE MAMÍFEROS SILVESTRES ................................................................................ 91 CAPÍTULO 2 CONTENÇÃO QUÍMICA DE MAMÍFEROS SILVESTRES .............................................................. 104 UNIDADE VI MANEJO E MEDICINA DE MEGAMAMÍFEROS ..................................................................................... 123 CAPÍTULO1 ELEFANTES ........................................................................................................................... 123 CAPÍTULO 2 GIRAFAS .............................................................................................................................. 129 CAPÍTULO 3 MEDICINA DE RINOCERONTES E HIPOPÓTAMOS ................................................................... 133 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 142 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 Introdução Os animais silvestres vêm ganhando espaço nas residências como pets e, por essa razão, a disciplina de animais silvestres vem crescendo nos cursos de medicina veterinária pelo país. As possibilidades na área são inúmeras; não somente em zoológicos, outros locais também necessitam de profissionais veterinários, tais como centros de triagem, biotérios, criadores conservacionistas, comerciais e científicos. É, pois, fato que o mercado de animais silvestres e exóticos com finalidade pet expandiu-se nos últimos anos. Nesse universo amplo de espécies, temos os animais silvestres, (provenientes da fauna brasileira) e os exóticos (provenientes da fauna exótica), os quais, dependendo da espécie, podem ser comercializados ou não. Entre as os comercializados (alguns legalizadas, outras não), há os pequenos primatas, por exemplo, o mico-estrela e o macaco-prego; o ouriço pigmeu africano (hedge hog); os roedores de pequeno porte (cobaias, hamster, mercol, topolino etc.), coelhos e muitos outros. Neste módulo, algumas espécies serão tratadas como animais de zoológicos, dada a impossibilidade de criação fora desses ambientes. No presente trabalho, vamos nos ater aos mamíferos silvestres ou exóticos e suas particularidades: manejo, semiologia, clínica e cirurgia. O nosso intuito é não esgotar o assunto no tocante às inúmeras espécies de mamíferos. É, na verdade, concentrar-nos nas espécies mais comuns e prováveis de serematendidas nas clínicas. Para isso, o presente texto traz informações de um compilado de inúmeros artigos e livros dos principais profissionais da área de mamíferos silvestres, além da experiência vivida pelo autor em zoológico. Bons estudos! Objetivos Esta apostila tem o objetivo de: » Demonstrar que a realidade de animais silvestres e exóticos não está restrita aos zoológicos e centros de triagem. 9 » Atualizar o clínico veterinário em uma disciplina que teve, nos últimos anos, uma demanda expressiva nas clinicas veterinárias. » Abordar de forma direta, prática e objetiva, as principais enfermidades clínico-cirúrgicas, apontando aspectos anatômicos e fisiológicos, particularidades e curiosidades das espécies abordadas. » Apresentar as enfermidades de várias espécies de mamíferos silvestres e exóticos, ressaltando as patologias mais corriqueiras dos animais e possíveis tratamentos. » Estudar as espécies mamíferas mais atendidas nas clínicas como: coelhos, roedores de pequeno porte, além de animais criados em zoológicos como megamamíferos, canídeos e felídeos, ente outros. 10 11 UNIDADE I ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS O objetivo desta unidade é apresentar as particularidades da anatomia e fisiologia dos animais silvestres correlacionando-os aos domésticos CAPÍTULO 1 Exame geral e curiosidades Biologia Os mamíferos são estimados em 6000 spp. O que os difere das outras classes são algumas características como presença de pelos e glândulas mamárias. Estão presentes em todo o planeta. São sociáveis e apresentam a endotermia, assim como as aves, ou seja, mantêm sua temperatura corporal independentemente de pequenas oscilações térmicas do ambiente. Habitam regiões terrestres, aquáticas e aéreas. Sem aprofundar-nos em grupos taxonômicos, os mamíferos são separados em um primeiro grupo: os dos prototérios (monotremados), como o ornitorrinco e a équidna, animais primitivos que têm alguma semelhança com as aves, como oviparidade, ausência de gl. mamárias, bico com dentes e endorquidismo. No segundo grupo, temos os metatherias, como os marsupiais, que, como o nome diz, apresentam o marsúpio sem placenta, animais que nascem ainda em fase embrionária; neste grupo também pouco evoluído e como representante brasileiro, temos o saruê, animal cosmopolita presente em grandes cidades e que, em alguns casos, se torna dócil, sendo criado como animal pet. O último grupo é mais evoluído e com o maior número de espécies: os eutherias, (placentados), vivíparos e placentados. Este último será o foco de nosso estudo. Outras características são: 1. sistema cardiovascular composto de coração tetracavitário, as hemácias são anucleadas; 12 UNIDADE I │ ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS 2. presença de diafragma e, consequentemente, subdivisão em cavidade abdominal e cavidade torácica com pressão negativa, auxiliando na respiração (única classe a apresentar o diafragma); 3. esqueleto bem desenvolvido com quatro membros para locomoção e sempre sete vértebras cervicais; 4. presença de arcada dentária bem desenvolvida, com exceção de alguns edentatas (tamanduás). Anamnese Na anamnese, o ideal é realizar: » perguntas relacionadas com o responsável pelo animal e o ambiente/ local no qual está o recinto/gaiola do animal; » perguntas referentes ao recinto do animal; » perguntas referentes ao animal; » perguntas referentes à população; » alimentação e mudanças de atividade do animal. É importante alertar ao proprietário que, em uma população, em caso de suspeita de alguma doença infecciosa, deve-se isolar esse animal dos outros até que se chegue ao diagnóstico. Uma curiosidade: Muitas das patologias têm o manejo nutricional ou ambiental como causador; por isso, na anamnese, perguntas relacionadas a isso não podem ser negligenciadas. Por exemplo: excesso de couve, pode levar a cálculos renais em roedores. Muitos clientes acreditam que todos os animais são comedores de ração, o que não é verdade para os coelhos, que têm como base alimentar principalmente o material verde, como o feno, e verdes escuros. Ainda em relação aos coelhos, é normal eles produzirem acidose lática pós-captura. Na experiência deste autor que lhes fala, é comum relatos de animais da casa como cães perseguirem esses herbívoros, o que lhes causas essa síndrome que lhes praticamente fatal, cujo sintomas são torcicolo, olhar perdido, estado semicomatoso. Por isso, a própria contenção deve ser rápida com pouco e estresse; caso contrário, produzirá os mesmos efeitos da perseguição comentada. 13 ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS │ UNIDADE I Assim como nas aves, o ideal é realizar várias contenções, se for preciso, em vez de uma contenção prolongada. Isso é válido para as aves, coelhos e animais de zoológico, como cervídeos. Vacinação geral em mamíferos Quanto ao questionamento sobre a prática vacinal em mamíferos silvestres, isso praticamente não é realizado. Ao longo dessa apostila, observar-se-ão os porquês: 1o A indústria não produz vacinas para esse grupo de mamíferos, com raras exceções, como para o coelho (seu calendário profilático com vacinas contra hemorragia viral e mixomatose não é encontrado facilmente no Brasil). Mesmo a vacina para a raiva, que pode afetar qualquer mamífero, não se aplica em outros animais senão os domésticos. 2o Vacinas como cinomose para canídeos e tríplice felina para felídeos silvestres ainda são polêmicas por causa da possível não produção de anticorpos, ou pior, por poder induzir a doença no animal que se pretende proteger, ou mesmo lhes causar a morte! Poderíamos pensar que, perante esse cenário, teríamos uma epidemia, o que não é verdade. Embora doenças infectocontagiosas circulem entre animais domésticos e silvestres, não se encontram com facilidade nesses últimos. Isso pode ser confirmado em Centros de Triagem de Animais Silvestres e Zoológicos que atendem animais de vida livre. Inspeção local Em casos de populações, realizar visita ao recinto dos animais é fundamental para esclarecer e complementar a anamnese que possa ter sido incompleta pelo relato do proprietário. Inspecionar in locu: as grades, telas, pontos de fuga, piso do recinto, bebedouro e comedouro (é comum a entrada de aves sinantrópicas, que causam patologias aos animais cativos). Inspecionar os outros animais e a alimentação, animais segregados, além de observação do animal à distância. Observação quanto ao comportamento, interação ao ambiente; para isso, deixar o animal à vontade. Estado nutricional e qualidade do pelo (uma das causas de pelo ruim têm origem na má nutrição ou alimentação pouco variada). 14 UNIDADE I │ ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS Características dos pets estudados Tem crescido a demanda nas clínicas veterinárias pelo atendimento de roedores em geral, como hamster e porquinho da índia. Esses são animais de baixa expectativa de vida e com metabolismo acelerado. O futuro especialista de silvestres se espantará com a questão da farmacodinâmica e os cálculos dos fármacos especificamente quanto às altas doses aplicadas a esse grupo de animais. Acompanham essa dinâmica as aves de pequeno e médio porte. Curiosamente, embora os pequenos roedores tenham metabolismo mais alto se comparado aos mamíferos de porte médio, eles têm temperatura corporal mais baixa, algo em torno de 35.5–37ºC. A indústria de rações, que cresceu muito nos últimos anos, tem buscado captar o mercado de pets exóticos e silvestres. Portanto, já temos ração para todos os roedores e lagomorphos herbívoros (como a chinchila, coelho e hamster); onívoros, como os ratos e camundongo. Também já se encontram ração para primatas, como macaco prego e mico-estrela, que estão sendo comercializados de forma legal (e ilegal!). Legislação Mencionamos somente os animais legalizado... e os ilegais? Estes aumentam a variedade de espécies atendidas nas clínicas. Os clientes ficam temerosos pela denúncia. E qual o papel do médicoveterinário neste caso? Atender! Segundo a Resolução no 829 de 25/4/2006 do CFMV, disciplina o atendimento médico veterinário a animais silvestres/selvagens, em seu artigo 1o diz: “Os animais silvestres/ selvagens devem receber assistência médica veterinária independente de sua origem.” (Seja legal ou não.) O que é obrigatório ao profissional é elaborar o prontuário de atendimento, contendo informações de identificação do animal e seu tutor. A normativa respalda o veterinário e percebe que a prioridade é o atendimento do animal, sem necessidade de denúncia posterior (o que não faria sentido!). Porém, para o tutor do animal ilegal, é diferente: ele responde por posse ilegal e outros artigos, segundo a Lei no 9605/1998 sobre Crimes Ambientais. 15 CAPÍTULO 2 Contenção física e estresse Objetivos Os métodos de contenção física são os mais variados e têm a finalidade não só de proteger a equipe envolvida, mas também o paciente de injúrias que o animal se inflige ao tentar livrar-se da condição de captura, evento que desencadeia o estresse e a miopatia de captura, fatal para muitos animais. O evento estressor pode ocorrer em situações agudas e perdurar de forma crônica até o desfecho letal. Orsini e Bondan (2006) citam em seus estudos três formas com as quais o organismo animal pode responder aos agentes estressores: pelo sistema motor voluntário, no qual o agente estressor causa impulsos nervosos que são transmitidos ao sistema nervoso central e serão assimilados, gerando uma resposta por parte do animal que as expressa com postura de fuga, defesa ou proteção. Pelo sistema nervoso autônomo, em que o agente estressor age de modo a causar impulsos no sistema nervoso autônomo simpático e este libera catecolaminas no sangue que atingirão órgãos alvo levando os animais a um estado de alerta e os preparando para possíveis danos físicos. Outro mecanismo é o do sistema neuroendócrino, empregado em situações de estresse crônico, em que o hipotálamo é estimulado pelo agente estressor levando-o à síntese de corticotropinam que atua sobre a adeno-hipofise, induzindo à liberação de adrenocorticotrópico, hormônio que atua sobre o córtex adrenal intensificando, à liberação de cortisol e corticosterona de modo a preparar o organismo a uma possível agressão. Equipamentos de contenção física Na contenção física, os equipamentos são: luvas raspa de couro, puçás, redes, cambão, pau de couro, tubos de pvc ou transparentes, além do cambeamento e da gaiola com grade móvel. 16 UNIDADE I │ ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS Figura 1. Luvas de raspa de couro. Fonte: Arquivo pessoal. As luvas de raspa de couro são ideais para pequenos mamíferos e, em alguns casos, amenizam a injúria. Figura 2. Puçás, ideais para pequenos mamíferos. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 3. Cambão, usados para canídeos, tamanduás. Fonte: Cubas, 2014. 17 ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS │ UNIDADE I Figura 4. redes, usadas para cervídeos. Fonte: Arquivo pessoal. As redes são usadas para cervídeos e outros animais que não permitem aproximação. Cuidado! Não usar pau de couro/cambão para felídeos, pois podem fraturar a cervical do animal! Figura 5. Contenção com ouriço caixeiro em tubo. Fonte: Cubas, 2014. Figura 6. Caixa de transporte e puçá. Fonte: Cubas, 2014. 18 UNIDADE I │ ANATOMIA E SEMIOLOGIA DE MAMÍFEROS Uso de puçá e caixa de transporte madeira com porta em guilhotina, a tendência é o animal entrar de forma tranquila para a caixa. O padrão das caixas de transporte e a entrada de cambeamento são feitos com portas em guilhotina. Figura 7. Gaiola com grade móvel, ideal para mamífeosferais de porte médio a grande. O sistema de manivela movimenta a grade e restringe o movimento dos animais. Fonte: Arquivo pessoal. 19 UNIDADE II MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS A presente unidade tem a finalidade de apresentar a biologia e medicina dos marsupiais, particularmente o saruê, animal comum em centros urbanos. CAPÍTULO 1 Marsupiais Biologia Os marsupiais neotropicais ocupam os mais diversos nichos e estão bem distribuídos, desempenhando um papel importante no ecossistema. Ocupam biomas de florestas, cerrado e a caatinga brasileira. Os representantes desse grupo, além do conhecido canguru australiano: é a cuíca-de-quatro-olhos, as catitas e os saruês, estes últimos bastante comuns nas cidades brasileiras. (EMMONS, 1997). Em relação aos mamíferos, há algumas poucas diferenças, como os ossos epibúbicos, que se projetam anteriormente à articulação do púbis e à musculatura ventral abdominal, sendo os músculos oblíquos internos e externos aderidos a ele (DAWSON, 1989). São pentadáctilos, o que facilita a escalada em árvores e obstáculos. Movimentam-se por quadrupedalismo tanto terrestre como arborícola. Quanto à alimentação são frugívoros/onívoros, sendo os saruês também predadores, cosmopolitas e sinantrópicos. 20 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Figura 8. Dedos pentadáctilos – Adaptados à escalada. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 9. Ossos epipúbicos de gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita), visualizados em radiografia lateral. Fonte: Cubas, 2014. Figura 10. Gambá de orelha preta (Didelphis aurita). Fonte: Cubas, 2014. 21 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Figura 11. Cauda longa, preênsil e desnuda de cuíca lanosa (Calluromys philander). Fonte: Cubas, 2014. Reprodução Uma das curiosidades nesse grupo que destoa dos mamíferos clássicos está na sua reprodução. A gestação é dividida em 2 fases; a primeira etapa ocorre no útero do animal; a final, no marsúpio, onde o feto termina seu desenvolvimento. Nos machos, o pênis é bifurcado e a bolsa escrotal está localizada na frente do pênis. (GONÇALVES, 2009). Figura 12. Pênis duplo de gambá de orelha preta (Didelphis aurita) posicionado caudalmente à bolsa escrotal. Fonte: Arquivo pessoal. Os marsupiais evolutivamente adotaram uma estratégia reprodutiva diferenciada dos outros mamíferos: priorizaram a lactação, em vez da gestação prolongada. O gasto energético durante a gestação é menor se comparado ao gasto energético da lactação e da criação dos filhotes. Desse modo, é possível gerar um maior número de descendentes, em um menor tempo e com gasto reduzido de energia. No caso de abortamento e morte dos filhotes, a fêmea rapidamente poderá iniciar nova gestação. Gestação: +/- 14 dias, maturidade sexual: 6-8 meses, poliestrais, 7 ciclos/ano em média (HURLEY, 2000). 22 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Após o parto, ainda imaturos, os fetos deslocam-se para a bolsa onde se grudam aos mamilos. Aos 50 dias saem da bolsa e com 80 dias alimentam-se de sólidos e andam nas costas da mãe. Longevidade de 3- 5 anos. Figura 13. Filhotes no marsúpio de uma fêmea de Gambá de orelha preta (Didelphis aurita). Prole numerosa. Fonte: Cubas, 2014. Nutrição Sistema digestório O sistema digestório dos marsupiais varia de acordo com a dieta. Nos carnívoros, não há ceco; o trato gastrintestinal é curto e simples, o que proporciona um trânsito alimentar rápido pelo intestino. Já os animais com hábitos onívoros apresentam glândulas salivares proeminentes, o ceco e cólon bastante desenvolvidos, com grande lubrificação e microbiota bacteriana exuberante. (DAWSON, 1989). Dieta Sua dieta é bastante variada: desde frutos, flores, néctar até carniça e predação. Além do cativeiro, deve levar-se em consideração a taxa metabólica basal baixa nessas espécies, razão por que se evita a alimentação hipercalórica. O gasto ocorre para as necessidades reprodutivas e termorregulação. Essa adaptação torna possível ao animal reservar energia para sobreviver em condições adversas; desse modo, como exigem uma baixa demanda alimentar, consequentemente exibem uma tolerância ambiental maior. Algumas espécies podem entrar em estado de torpor para preservar energia (DAWSON, 1989). Um exemplo de dieta recomendada: 70%(1 parte de ração de gato, 1 parte de vegetais frescos, 1/4 de iogurte), 20% de frutas variadas e 10% de proteínas diversas (frango, codorna, peixe, ovos cozidos, iogurte, fígado de frango cozido). Devem ser oferecidos insetos vivos. 23 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Instalações Segundo Ibama, IN 3/2002 e IN 169/2008, as instalações para o Didelphis devem ser pelo menos 4 m2, com altura de 2 m e piso de terra. Deve conter tanques de água e uma toca para o animal esconder-se, repousar e procriar. Esta deve estar em local alto. Para as espécies com hábito semiaquático, deve haver espelho d´água. Para as espécies terrestres, a toca deve estar no substrato e ter no recinto troncos e galhos. Para evitar a monotonia e o estresse do cativeiro, o enriquecimento ambiental deve ser utilizado. Com filhotes recém-nascidos, utiliza-se uma fórmula 1 gema de ovo crua, 100 ml de leite (sucedâneo comercial de cães e gatos) e 1 colher (café) de mel. Para os filhotes mais velhos, acrescenta-se ração de filhotes de gatos. Quanto aos filhotes pouco desenvolvidos, é necessário amamentá-los com uma frequência inicial a cada hora, aumentando o intervalo à medida que o animal cresce. Quando o filhote apresenta a dentição, podem ser oferecidos os itens da dieta de um indivíduo adulto, intercalados com a amamentação. Figura 14. Filhote de gambá de orelha preta (Didelphis aurita) mamando em uma seringa com scalp adaptado. Fonte: Cubas, 2014. Clínica de marsupiais A maioria dos marsupiais pode ser contida manualmente, embora também se utilizem luvas e toalhas. Conter os animais pela cauda não é indicado, pois eles conseguem flexionar seu corpo, alcançando a mão de quem os segura. Os animais maiores, principalmente os do gênero Didelphis, podem ser capturados com puçá ou cambão e contidos manualmente utilizando-se luvas de raspa de couro. Apoiar a mão na base da cabeça e do pescoço. 24 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Figura15. Contenção de marsupial. Fonte: Cubas, 2014. Anestesiologia Quanto ao protocolo anestésico, os tranquilizantes fenotiazínicos têm baixa metabolização em marsupiais e seus efeitos podem durar de dois a três dias. Por essa razão, os tranquilizantes benzodiazepínicos, como o midazolam (0,2 mg/kg/ pela via intramuscular – IM), são considerados uma classe farmacológica segura para a tranquilização dos animais; esses tranquilizantes podem ainda ser associados ao cloridrato de cetamina. Alternativamente para procedimentos não dolorosos, podemos utilizar cloridrato de cetamina (20 mg/kg/IM) ou tiletamina/zolazepam (5 a 10 mg/kg/IM) ou a associação de cloridrato de cetamina (20 a 25 mg/kg/IM), fentanila (0,75 a 1 mg/kg/IM) e droperidol (20 mg/kg/IM) (CARPENTER, 2007). Os didelfídeos são seguramente anestesiados com isoflurano (5% na indução e 1% a 3% na manutenção) e sevoflurano. Os animais podem ser anestesiados diretamente com câmara anestésica ou com máscara. Outros protocolos para anestesia em procedimentos cirúrgicos são a associação de cloridrato de cetamina (20 a 30 mg/kg/IM) e cloridrato de xilazina (5 mg/kg/IM) e alfaloxona-alfadolona (3 a 6 mg/kg/IM ou 1 a 2 mg/kg/pela via intravenosa – IV. (CARPENTER, 2007). Semiologia e anamnese Ao levar em consideração a baixa taxa metabólica, alguns de seus parâmetros fisiológicos também acompanham essa queda, por isso a frequência cardíaca deve estar entre 70 e 25 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II 100 bpm; a frequência respiratória, entre 25 e 40 movimentos respiratórios por minuto e a temperatura corporal, entre 32,5 e 35°C. O volume sanguíneo é de 5,7% do peso corporal. Diagnóstico Para a colheita de sangue, a veia de predileção é a veia lateral caudal. Outros locais de acesso: artéria coccígea ventral, veia e artéria femorais, veia metatársica medial (safena), veia cefálica, veia jugular, sendo essas pouco frequentes. Figura 16. Acesso venoso pela veia lateral coccígea em gambá da orelha preta (Didelphis aurita). Fonte: Cubas, 2014. Quadro 1. Valores de referência hematológica e bioquímica de gambá de orelha branca (Didelphis albiventris). Hematologia Eritrócitos (x 10 6/ mm3) 4,16 (+/-1) Hematócrito 24,35 (+/-7,8) Hemoglobina 10,3(+/-2,35) Leucócitos (x 10 3/ mm3) 9,48( +/- 2,2) Bastonetes (%) 4,6 (+/-3,1) Segmentados (%) 47,4(+/-14,8) Linfócitos (%) 41,5 (+/-5,5) Eosinófilos (%) 3,5 (+/- 0,8) Monócitos (%) 3,2 (+/- 2,8) Basófilos (%) 1 (+/- 0,56) Bioquímicos Albumina (g/dl) 2,75 (+/- 0,2) AST (U/l) 83 (+/- 26,5) Colesterol (mg/ dl) 213 (+/- 55,9) Creatinina (mg/ dl) 0,5 (+/- 0,1) Fosfatase alcalina (U/l) 11,9 (+/-4,2) Glicose (mg/dl) 57,6 Fonte: Malta e Luppi, adaptado, 2007. 26 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Clínica Terapêutica As afecções não infecciosas mais comuns são: os traumas, atropelamentos e ataques por outros predadores como os cães, quando os marsupiais invadem seus territórios. O protocolo terapêutico praticamente não difere dos carnívoros. São utilizados fármacos como meloxican, tramadol e antibióticos nas mesmas doses. Considera-se que o atendimento dos animais nessas condições elencadas, urgem cuidados de estabilização. Aquecimento com bolsas de água quente, controle da temperatura e cuidados com choque hipovolêmico são prioritários. A manutenção de um acesso para fluidoterapia não é fácil; pode-se usar a veia coccígea, outro acesso muito utilizado em aves e que funciona em todas as espécies é o intraósseo, tão eficiente quanto o venoso. Praticamente todos os fármacos de uso venoso, exceto os mielotóxicos, podem ser introduzidos por essa via. E em caso de choque, uma abordagem interessante é a fluidoterapia morna glicosada que ajuda a restabelecer a temperatura. O protocolo ABC (airbreathcirculation): vias respiratórias, respiração, alteração da circulação e controle da hemorragia, déficit neurológico, avaliação da dor e realização de exames complementares. Enfermidades Entre as doenças metabólicas mais comuns está a obesidade. Esses animais costumam aceitar guloseimas dos seus tutores, quando criados como animais pets, assim como síndromes de stress de cativeiro. Osteodistrofias fibrosas também são patologias comuns a essas e outras várias espécies carnívoras, principalmente quando a alimentação é prioritariamente a base de carne muscular ou visceral, o que pode levar ao desbalanceamento de Ca: P. Essa patologia leva a deficiências hormonais e renais, fazendo o tecido ósseo ser substituído por material fibroso, o que pode ser presenciado em animais com “mandíbula de borracha”, ossos valgos, entortamento de coluna e estreitamento de pelve dificultando a evacuação (LONG, 1975). Em relação a doenças infecciosas e parasitárias, essa espécie (D. albiventris) é o mais sinantrópico entre os marsupiais criados como animal de estimação na América do Sul, podendo albergar alguns vírus, como: pseudorraiva, encefalomiocardite, estomatite 27 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II vesicular e várias outras encefalites. Inacreditavelmente, são resistentes ao vírus da raiva. Quanto às doenças bacterianas, são portadores assintomáticos da salmonella e podem ter boa resistência à leptospira (FARIAS, 2008). Os gambás podem albergar tanto os agentes da leishmaniose tegumentar como os agentes da leishmaniose visceral, sendo potenciais reservatórios da doença. Os gambás são considerados os mais comuns e antigos reservatórios selvagens conhecidos para T. cruzi. O agente pode desenvolver, além das formas amastigotas no sangue, formas epimastigotas nas glândulas anais ou acessórias de gambás -Didelphis spp (DEANNE, 1984). Uma gama de doenças parasitárias ecto e endoparasitas são atribuídas a essas espécies diversas protozooses, como a toxoplasmose e muitos nematódeos. Vias de administração As vias escolhidas para administração de medicamentos são intramuscular, intraperitoneal, subcutânea,oral e intraóssea, sendo essa última muito comum em mamíferos pequenos eleves, dada a facilidade de atingir a cavidade medular de ossos longos. O local da administração pela via intramuscular é na região glútea, entre os músculos semimembranoso e semitendinoso, e na região do tríceps, com volume de até 1 ml nas espécies maiores e de 0,1 a 0,2 para as espécies menores. Pela via intraperitoneal podem ser administrados de 10 a 20 ml nos gambás (Didelphis spp.) e 5 ml nos animais com mais de 100 g. Pela via subcutânea podem ser administrados medicamentos na região escapular e na área do flanco, entre 100 e 200 ml nas espécies maiores e de 6 a 10 ml nas espécies menores. A via endovenosa mais fácil é a ventral da cauda e a via intraóssea é usada quando não se consegue acesso vascular, por exemplo, em casos de desidratação extrema. Essa via faz com que o fluido alcance os sinusoides e condutos venosos medulares, apresentando rapidamente a dispersão do fluido ou fármaco. O acesso melhor são os ossos longos como tuberosidade da tíbia, fossa trocantérica do fêmur, asa do ílio e tuberosidade maior do úmero. Alguns autores utilizam as dosagens de cães e gatos para os marsupiais, porém levando- se em consideração que seu metabolismo é mais baixo em relação aos outros mamíferos, com T.retal de 37,7º, FC de 205 Bpm e FR 37 movimentos/m e longevidade de até 5 anos. 28 CAPÍTULO 2 Canídeos Biologia Há no Brasil seis espécies de canídeos silvestres, que serão chamados neste capítulo de canídeos silvestres brasileiros, apesar de algumas delas viverem também em outros países da América do Sul (BRASIL, 2003). O cachorro vinagre (Speothos venaticus), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e o cachorro-do-mato-de-orelha-curta (Atelocynus microtis) são considerados pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) quase ameaçados de extinção. Por estarem na mesma família do cão doméstico, apresentam muitas semelhanças, não só físicas mas também em relação a doenças infecciosas que se intercambiam, valores de referência hematológicas e bioquímicas e dosagens equivalentes de medicamentos. Por isso, a conduta no tratamento de enfermidades é equivalente à que é realizada nos cães domésticos, assim como as agentes infecciosos: cinomose, leptospirose, hepatite e leishmaniose podem ocorrer com alto grau de morbidade e letalidade. Figura 17. Lobo-guará. Fonte: https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/lobo-guara-e-destaque-em-tividades-do-zoologico-de-curitiba/53057. Animais como esses, eventualmente são avistados em regiões urbanas do Cerrado brasileiro, sendo vítimas frequentes de atropelamento, ataques de cães, incêndios e doenças infecciosas dos cães domésticos como a cinomose, fatal para essa espécie. Em sua maioria, são onívoros e têm uma alimentação variada de insetos, frutas e pequenos vertebrados. Assim como nos canídeos domésticos, os neotropicais selvagens apresentam a mesma fórmula dentária I 3/3, C 1/1, P 4/4 e M 3/3 e têm cinco dedos nas patas dos membros 29 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II torácicos e quatro dedos nas patas dos membros pélvicos. As unhas não são retráteis. Alguns estão em florestas como o cachorro-do-mato-de-orelha-curta (Atelocynus microtis) e outros também no cerrado brasileiro como o cachorro-do mato (Cerdocyon thous) (CUBAS, 2014). Figura 18. Cachorro-do-mato-de-orelha-curta (Atelocynus microtis) obtida em armadilha fotográfica. Fonte: Cubas, 2014. Figura19. Raposa-do-campo (Lycalopex vetulus). Fonte: Cubas, 2014. Algumas outras características da ordem carnívora são: corpo longo, orelhas retas, o que lhes confere uma excelente audição, e osso peniano. Hábitos crepusculares, em sua maioria, e furtivos. Com expectativa de vida superior aos 10 anos são muito comuns em zoológicos brasileiros, cuja intenção é estudá-los. Sua manutenção em cativeiro tem o objetivo evitar a extinção de uma determinada espécie em seu meio, ou se ocorrer uma drástica diminuição populacional. Por isso, há programas de reintrodução de indivíduos criados em cativeiro com o objetivo de restabelecer populações viáveis in situ. Para planejar e administrar os cruzamentos de animais em cativeiro, especialmente de espécies ameaçadas de extinção, foram criados os Planos de Manejo de Fauna em Cativeiro. Eles contêm recomendações de manejo reprodutivo baseadas no registro 30 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS genealógico dos animais mantidos em cativeiro, denominado registro genealógico ou Studbooks (CHIEREGATTO, 2006). Essas informações são atualizadas periodicamente com os dados fornecidos pelas instituições mantenedoras, por meio de questionários. Apenas com elas é possível determinar quais indivíduos devem ou não ser reproduzidos e quais devem ser os pareamentos. De modo geral, existem Studbooks internacionais, que incluem indivíduos de determinada espécie mantidos em zoológicos do mundo todo, e Studbooks regionais, que incluem a população de cativeiro de determinada região ou país. Lobos guarás e cachorros vinagres têm Studbooks com informações de indivíduos dessas espécies em zoológicos e criadouros brasileiros. (CHIEREGATTO, 2006). Dieta e nutrição Segundo Lima (2009), os canídeos silvestres brasileiros têm hábitos onívoros, com exceção do cachorro-vinagre, classificado como exclusivamente carnívoro. A dieta do lobo guará tem maior predominância de itens vegetais, além de frutas com os da lobeira (ALLEN, 1995). Em cativeiro, alguns canídeos silvestres podem adquirir cistinúria, devido a uma dieta com elevado teor de proteína animal, principalmente em lobos- guarás, o que lhes compromete o sistema urinário com cálculos vesicais e uretrais, causando obstrução nos machos em sua uretra peniana. Por isso, a dieta dessa espécie é de moderada proteína animal, em torno de 20/25%, sendo as rações caninas cada vez mais frequente no cardápio, além de uma boa oferta de frutas (MUSSART, 1999). Contenção e anestesia Na maioria das vezes, em recintos fechados, é suficiente o uso de cambão ou pau de couro visto que o animal não costuma atacar o ser humano ao sentir-se acuado. Já a contenção química, eventualmente é necessária em casos de animais que estejam em espaço aberto em distâncias que não permitem a aproximação. Os dardos podem ser disparados com armas adaptadas, rifles, pistolas ou zarabatanas, sendo os dois últimos os mais indicados por causarem menos traumas nos animais. Os equipamentos utilizados e os fármacos serão abordados no capítulo VIII, sobre contenção química. 31 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Clínica Exame físico e anamnese O exame clínico externo em canídeos silvestres é bastante semelhante ao de cães domésticos, com trº de 38/39º, FC de 70/100 Bpm e FR 35/45 min. As patologias orais são comuns e envolvem: fraturas dentárias e cálculos periodontais. Os valores de referência para hemograma e bioquímicos são semelhantes aos usados em cães domésticos Doenças infecciosas mais frequentes Cinomose Como já mencionado, a cinomose afeta os canídeos neotropicais de forma agressiva, também podendo acometer outros mamíferos, como felídeos exóticos, mustelídeos como o ferrets, furões e ariranhas e procionídeos como o quati e o guaxinim. É uma enfermidade que tem o cão doméstico o seu principal disseminador, e que permite classificá-la como uma das mais preocupantes enfermidades para a conservação das populações de vida livre e de cativeiro. Lembre! O vírus da cinomose é transmitido pela via oronasal por meio de aerossóis ou pelo contato com secreção ocular, respiratória ou genital. Os sinais, assim como ocorre nos cães domésticos, são: depressão, secreção mucopurulenta oculonasal, dermatites e hiperqueratose dos coxins, febre, anorexia, vômitos e diarreia. Como o vírus tem neurotropismo, rapidamente pode evoluir para encefalite, convulsões, ataxia, paralisia, mioclonias, trismo mandibular e outros sinais neurológicos (notado autor). A vacinação em canídeos neotropicais com vacinas de cães domésticos apresentou resultados variáveis, desde: reações vacinais, baixas taxas de imunidade até produção de anticorpos. Na prática, pela inexistência de vacinas para animais silvestres, circulação de cães errantes em zoológicos e o alto grau de letalidade da doença, usa-se com cautela. O tratamento para essas espécies baseia-se no uso de fluidos, antibióticos, anticonvulsivantes e tratamento de suporte (nota do autor). Outras doenças infectocontagiosas Outras enfermidades infecciosas são: a parvovirose e a raiva com a mesma sintomatologia e letalidade conhecidas nos animais domésticos. 32 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Uma patologia emergente, tanto em canídeos domésticos quanto os silvestres neotropicais, é a leishmania visceral (LV), causada pelo protozoário Leishmania chagasi (também conhecido como L. infantum), transmitido pela picada do mosquito palha (Lutzomyia longipalpis). O principal reservatório é o cão doméstico. Até pouco tempo, o programa de controle era baseado na eutanásia de cães soropositivos e na aplicação de inseticidas de efeito residual; porém com a não obrigatoriedade de eutanásia associada a um tratamento que não cura e ainda mantém portadores assintomáticos, o protozoário torna-se um problema para os canídeos silvestres (COURTENAY, 2002). Pela circulação de cães errantes associada à proximidade das matas, alguns zoológicos têm relatado canídeos soropositivos à doença, os quais desenvolveram sintomas clínicos, o que os levou a óbito. A notificação ao serviço de saúde oficial de diagnóstico positivo de canídeos silvestres de cativeiro para infecção por Leishmania chagasi é compulsória, segundo o Decreto 123 no 51.838, de 1963; sendo assim, deve-se estabelecer a comunicação com o Ministério da Saúde e com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CENAP/ICMBio) para que o caso seja avaliado e as decisões sejam tomadas em conjunto. Assim como nos animais domésticos, o protocolo é feito com milteforan, alopurinol e cetoconazol, com resultados variáveis. Doenças parasitárias Os ectoparasitos são de grande importância, principalmente em animais de cativeiro, como sarna sarcóptica e pulgas, muito frequentes em lobos guarás. Na experiência deste autor, em zoológicos do Cerrado, em época de seca, é muito comum esses animais encontrarem-se excessivamente infestados por esses parasitas. Em muitos casos, os animais necessitam de transfusão sanguínea, antibióticos contra hematozoários, além de tratamento convencional com parasiticidas orais e tópicos, vaso sanitário nos recintos, uso de cal virgem e vassoura de fogo. Profilaxia Quarentena de pelo menos 30 dias para animais recém-chegados, exames clínicos, sorologia para leishmaniose, vermifugação, exame dentário e de sangue como hemograma e bioquímicos. 33 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II A vacinação, como mencionado, tem efeitos variáveis, sendo ideal a utilização de vacinas monovalentes recomendados pelos protocolos internacionais; no entanto, em geral, essas vacinas não estão comercialmente disponíveis no Brasil, por não atenderem aos interesses comerciais das empresas que as produzem, as quais são voltadas ao mercado de proprietários de cães domésticos. Uma vacina polivalente contendo vírus da cinomose atenuado por passagens em ovos embrionados de galinha e parvovírus vivo modificado, que imuniza também contra leptospirose, hepatite e raiva (Eurican®), foi testada em lobos-guará em zoológicos brasileiros. A vacina foi considerada segura para todos os agentes e imunogênica para os vírus da cinomose e parvovírus (MAIA, 1999). O protocolo de vacinação recomendado para canídeos em geral é: filhotes devem receber três doses da vacina com intervalos de 21 a 30 dias, iniciando o protocolo em animais com idade entre 45 e 60 dias; em adultos que não foram vacinados, devem ser aplicadas duas doses com intervalo de 21 a 30 dias; adultos vacinados anteriormente, devem receber anualmente uma dose da vacina; em fêmeas, deve-se aplicar a vacina no período pré-cobertura para maximizar a chance de proteção passiva aos filhotes (MAIA, 1999). 34 CAPÍTULO 3 Felídeo1 Biologia Na Taxomomia, a família Felidae compreende 2 subfamílias (felinae e pantherinae), 13 gêneros e 36 espécies. Das 10 espécies neotropicais, 8 encontram-se no Brasil; são eles: Quadro 2. Felídeos neotropicais brasileiros. Gênero Leopardus Leopardus pardalis Jaguatirica Leopardus wiedii Gato-maracajá Leopardus tigrinus Gato-do-mato-pequeno Leopardus geoffroyi Gato-do-mato-grande Leopardus colocolo Gato-palheiro Gênero Puma Puma yagouaroundi Gato-mourisco Puma concolor Suçuarana Gênero Panthera Panthera onça Onça-pintada Fonte: arquivo pessoal. OBS.: No Gênero Panthera, estão incluídos os exóticos: leão (Panthera leo) e tigre Panthera tigris). Entre a maioria dos neotropicais, o gato-mourisco é o único que não se encontra em extinção. As justificativas são várias, desde: o Declínio na natureza, ameaça de extinção com a fragmentação do seu habitat, em consequência do desenvolvimento agropecuário, mineração, hidrelétricas, além do tráfico ilegal. Consequentemente a diminuição da variabilidade genética- endogamia (NASCIMENTO, 2010). Esses animais têm pesagens que variam desde 1,5 até 300 Kg. Outra característica dos felídeos é a presença das doenças infecto parasitárias com a aproximação dos animais domésticos. Atualmente, há bancos genéticos in vitro p/ a manutenção das espécies ameaçadas como em alguns zoológicos brasileiros que mantém convênios com órgãos como a Embrapa. 35 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Jaguatirica Esse animal, que pode pesar entre 7 a 16 Kg, tem pelagem em rosetas que se unem na lateral do corpo, formando listras horizontais, correndo em cadeias paralelas. Animal solitário e noturno, são escaladores. Expectativa de vida de 21 anos em cativeiro. Estão localizados em todos os países da América Central e do Sul, ocupando cerrados, caatinga, pantanal, pampas, florestas tropicais e subtropicais e matas ciliares (OLIVEIRA, 2005). Gato-maracajá Encontra-se no mesmo grupo da jaguatirica, sendo semelhante a ela. De menor porte, com peso médio de 3,3 kg, cauda comprida, focinho saliente, patas e olhos grandes. Tem a pelagem muito parecida com à da jaguatirica e à do gato-do-mato-pequeno, com coloração amarelo-dourada com rosetas escuras dispostas principalmente nas laterais do corpo. No dorso as rosetas se fundem formando listras que vão do topo dos olhos à base da cauda (CUBAS, 2014). Suçuarana Segunda maior espécie de felídeo no Brasil. Peso entre 34 a 72 Kg, coloração marrom acinzentado claro ao marrom avermelhado. Adaptadas em vários ambientes e climas, diurnas e noturnas, vivem acima dos 20 anos em cativeiro. Presentes em toda a América. Figura 20. Suçuarana. Fonte: http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/sussuarana.htm. 36 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Maturidade sexual de 2 para 3 anos. Gestação de 90 a 96 dias. Números de filhotes: de 01 a 04, nascem pintados com manchas escuras no corpo. Hábitos: Crepuscular, noturno, arborícola e terrestre. Hábitos alimentares carnívoros e ictiófago. Habitat: campo, floresta e montanha. Comportamento solitário em par e sedentário. Seu pelo é em geral bege rosado, mais pode ser cinza, marrom ou cor de ferrugem. O comprimento do pelo varia conforme o habitat, vai de curto a muito longo. Categoria/Critério: Espécie ameaçada de extinção de acordo com a lista oficial do IBAMA. Apêndice I da CITES. Ameaçada criticamente em perigo-destruição de habitat, caça, populações pequenas, isoladas e em declínio (CUBAS, 2014). Gato-do-mato-pequeno É o menor gato selvagem da América do Sul. A pelagem é similar à da jaguatirica e à dogato-maracajá com presença de estrias transversais escuras circulares na porção lateral do corpo. São consideradas altamente ameaçadas devido à perda de habitat e à captura ilegal para a comercialização de peles; apresenta-se como um animal solitário, noturno, que se alimenta de pequenos roedores e aves, caçados preferencialmente durante a noite. Utilizam como abrigo tronco de árvores caídas. O período de gestação dura entre 70 a 74 dias, tendo ninhadas de 2 a 4 filhotes. (CUBAS, 2014). Onça-pintada Figura 21. Onça-pintada. Fonte: https://jornaldebrasilia.com.br/nahorah/cenas-fortes-peao-e-atacado-por-onca-pintada/. 37 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Maior felídeo neotropical; a característica marcante dessa espécie é ela não miar como os felinos. Emite uma série de roncos muito fortes que são chamados esturro. Suas presas naturais consistem de animais silvestres como catetos, capivaras, peixes, queixadas, jacarés, veados, tatus. (OLIVEIRA, 2005). A fêmea pode ter de dois a quatro filhotes, que nascem cegos e só abrem os olhos depois de 13 dias. Filhotes permanecem com a mãe até 2,5 anos de idade e a maturidade sexual é alcançada mais cedo pelas fêmeas (2 a 2,5 anos). Machos estão sexualmente maduros entre três e quatro anos. Esses animais têm hábitos noturnos. Na onça-pintada, ocorre também o fenômeno do melanismo, comum aos leopardos asiáticos (pantera-negra) e outros felinos. A coloração amarela, nesse caso, é substituída por uma pelagem preta ou quase preta. Dependendo da incidência da luz, percebe-se o mesmo tipo de manchas oceladas encontradas nas onças comuns. O animal na forma melânica é chamado de onça-preta e em tupi-guarani recebe o nome de Jaguará-pichuna. O melanismo é herdado por um gene dominante, o albinismo também é relatado. Pela sua raridade, a onça-preta é animal que desperta grande procura por parte dos zoológicos de todo o mundo (OLIVEIRA, 2005). Figura 23. melanismo em onça pintada. São a mesma espécie, muda a quantidade de melanina. Fonte: esquerda: https://detvsites-ibama.webnode.com.br/products/on%C3%A7a-preta%20/; e direita: https https://www. infoescola.com/wp-content/uploads/2008/05/onca-pintada-591459416.jpg. Gato-palheiro (Leopardus colocolo) Tem pelagem longa com coloração variando geograficamente do vermelho-alaranjado ao cinza com listras irregulares nas laterais do corpo e das patas. Apresenta uma faixa https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2008/05/onca-pintada-591459416.jpg https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2008/05/onca-pintada-591459416.jpg 38 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS de pelos mais longos que vai da cabeça à base da cauda, que se eriça quando o animal se sente ameaçado. É usualmente associado a habitats com vegetação aberta, mas também pode ser encontrado em ambientes florestados. Tem hábitos crepusculares e noturnos. Jaguarundi (Puma yagouaroundi) Seu corpo é delgado e alongado. A cabeça é pequena e achatada, as orelhas curtas e arredondadas, as pernas curtas e a cauda muito longa. Tem coloração variando do preto ou castanho escuro ao avermelhado. Os indivíduos de coloração mais escura estão comumente associados a florestas, enquanto que os mais claros são encontrados em ambientes mais secos (OLIVEIRA, 2005). Obs.: Em praticamente todos os seus representantes, o pouco conhecimento sobre a biologia das espécies limita a possibilidade de estratégias de conservação eficazes. Muitos são classificados pelo IBAMA como ameaçado de extinção. A destruição de hábitats costuma ser a principal causa de ameaça desses animais. (ADANIA, 2005). Características gerais/Manejo nutricional Manejo nutricional é importante; oferecer a carne misturada a ração de gatos e presas inteiras: cobaias, coelhos. Evitar oferecer animais abatidos sem inspeção: risco de Toxoplama gondii. Oferta de presas vivas: enriquecimento e equilíbrio Ca:P, também vitaminas e minerais. OBS: Carne: muito P e pouco Ca: osteodistrofia e fraturas espontâneas, oferecer cálcio extra. Ainda oferecer algum tipo de capimevita a liberação de bolas de pelo, a êmese. Vivem longos anos em cativeiro, muitos chegam da natureza e abarrotam os zoos (CUBAS, 2014). Resumindo: » maneira geral: aves, répteis, capim, insetos, anfíbios; » quanto maior o felídeo, maior o animal ingerido; » onça-pintada: antas, jacarés, queixada, veados; » capins ingeridos: pé de galinha, fino, napiê e marmelada; » êmese: liberação de pelos. 39 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Felídeos de porte grande alimentam-se a cada 2 dias; felídeos de porte médio e pequeno, diariamente. Filhotes (1–20 dias) criados na mão, suscedâneo de leite Royal Canin na mamadeira, após inserir carne com cálcio e banhos de sol. Em alguns casos, há constipação: dar óleo mineral, caminhadas p/ estimular a evacuação, além de probióticos. Mamadas a cada 2 horas nos 1os 10 dias, 20 – 40 ml/Kg. (CUBAS, 2014). Em cativeiro: carne de gado, pintos, pescoço de frango. Ideal oferecer ração de gatos (com melhores valores nutricionais), acostumar desde filhote. Animais de vida livre inseridos ou não em cativeiro, não aceitam a ração. Misturar a ração – 30 a 40 % com carne moída e suplemento de cálcio. As carnes devem ser congeladas em pequenos pedaços por pelo menos 5 dias a 12° C negativos. Optar pela variedade: material vegetal, evitar osteodistrofia e fraturas espontâneas (NOTA DO AUTOR). Filhotes: durante a mamada, manter o animal em posição quadrúpede. Em seguida, massagear o abdômen e ânus p/estimular a defecação. Com 1 mês, observar o desenvolvimento motor e a dentição p/começar a inserir a dieta sólida (CUBAS, 2014). Alimentação para filhotes: » Pet milk®, Cálcio de ostra oscal® Aminomix®; » 2 meses: coração bovino, aminomix, cálcio. Exames sorológicos Coleta de sangue: Toxoplasmose, Retrovirus (FIV e FELV), hemograma, ureia, creatinina e perfil hepático. Instalações 1. Animais grandes: fosso com cambeamento de grade móvel individual, árvores de porte médio no centro do recinto, vegetação, tocas, cocho de alimentação, piscinas com peixes para enriquecimento. Piso pouco abrasivo, areia, troncos área de sombra e ponto de fuga. 2. Animais de porte médio e pequenos, os mesmos itens não precisando manter em fossos: podem ficar em recintos envidraçados no horizonte do visitante. 40 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Figura 24. Cama feita de mangueira de bombeiro. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 25. Fosso para grandes felinos/Zoo de Brasília. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 26. Recinto envidraçado para pequenos felídeos. Fonte: Arquivo pessoal. 41 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Figura 27. Gaiola de restrição com grade móvel. Fonte: Arquivo pessoal. A grade móvel de restrição com portas tipo guilhotina localizam-se embaixo do fosso, longe do público. Com isso, alguns exames clínicos podem ser feitos sem a necessidade de anestesia, como também a coleta de sangue pela veia lateral da cauda. Figura 28. Retirada de miíase em pálpebra superior em leão de 22 anos. . Fonte: Arquivo pessoal. Medicina preventiva Quarentena: 30 dias para adaptação, vermifugação, vacinação, aclimatação, biometria, marcação, (microchip ou tatuagem). Coleta de material biológico. Exames sorológicos FIV/ FELV. 42 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Controle parasitário: exames coproparasitológico e vermífugo a cada 6 meses, cuidar ectoparasitos (NOTA DO AUTOR). Programa de vacinação: » tríplice felina (fel- o – vax, Fort Dodge) – panleucopenia, calicivirose e rinotraqueíte felina, 3 doses em filhotes e uma dose anual - 45, 75, 105 dias; » raiva anual (acima de 4 meses de idade); vacinar em áreas endêmicas – vacinas inativadas; » Felv – evitar vacinar. Quadro 3. Características reprodutivas dos felídeos neotropicais brasileiros. Parâmetros/ Espécie jaguatirica Gato maracajáGato do mato pequeno Gato do mato grande Gato palheiro Gato mourisco Suçuarana onça Longevidade (a) 20 13 20 - - - 20 22 Início da vida Reprodutiva Macho –meses 30 24-36 - 24 18-24 24-36 36 36- 48 Início vida Reprodutiva Fêmea – meses 18-22 24-36 18-24 18 18-24 24-36 30 24- 36 Maturidade Sexual 2- 3 anos 11 m 12-15 m 36 m 36-48 m Estro – dias 32- 36 16,4 +-1,2 20 55 28 22-65 Gestação ( dias) 70-85 81-84 73-78 72-76 80-85 72-75 84-98 90-111 Ninhada 1-2(1,5) 1-2 1-4(1,1) 1-3 1-3 1-4 1-6 1-4 Peso ao nascer 160-170 90-130 90-120 130 220-440 850 Abertura dos olhos 12 14 Desmame –semanas 3-9 7-8 5-7 8-10 3-4 6meses 5-6m Fonte: Cubas, 2014. Contenção física e química Marcação de felinos, com tinta de impressora e microship interescapular em mamíferos. 43 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Figura 29. microchip, aplicador e leitor. Fonte: http://www.animalltag.com.br/includes/exibeProduto.php?item=8&language=pt-br. Figura 30. Contenção de gato maracajá em puçá. Fonte: Cubas, 2014. Puçá: Enrolar o animal. Usado para animais com o porte limite de uma jaguatirica. Obs.: Não se usam puçás para animais maiores, e sim a anestesia em gaiolas de restrição ou dardo à distância. Evitar o uso de cambão ou pau de couro em felídeos menores, risco de traumas com fratura de pescoço. O assunto referente à anestesia será abordado em capítulo próprio. Estresse e itens de enriquecimento Estresse: conjuntos de reações de um organismo em face de estímulos externos de ordem física, psíquica, infecciosa ou outras capazes de perturbar a homeostase; esse é um fenômeno adaptativo, cumulativo, resultante da interação do organismo como meio por meio de receptores. 44 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS Comportamentos estereotipados: andar em rotas fixas, arrancar os próprios pelos, lamber excessivamente as patas e cauda, automutilação (CUBAS, 2014). Itens de enriquecimento: picolé de carne, ração espalhada, trilhas de odores, estímulo olfativo com pimenta ou canela, caixa com algum conteúdo, animais vivos, cama de capim, cama feita com mangueira de bombeiro etc. Análises de cortisol: resposta ao estresse em felídeos selvagens em cativeiro a partir da análise dos metabólitos em amostras do plasma sanguíneo e amostras fecais. Alguns estudos com saliva em pedaços de pano (CUBAS, 2014). Clínica Locais de punção de sangue jugular, safena, cefálica, cauda. Esta última é usada em grandes felídeos quando contidos em gaiolas de restrição. Temperatura retal, em média de 38-39 ºC, sendo maior em felídeos menores e maior em felídeos menores. Doença periodontal em felídeos Patofisiologia: » formação da placa bacteriana; » gengivite; » mineralização da placa bacteriana; » afecção do ligamento periodontal e do osso alveolar; » exfoliação dentária. Doenças infecciosas em felinos neotropicais Virais » Rinotraqueíte: contagiosa, infecção respiratória. Sinais: rinite, úlceras orais, conjuntivite, traqueíte, salivação, espirros e febre. 45 MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS │ UNIDADE II Evolução: geralmente autolimitante, raramente evolui para pneumonia e peritonite. Trat: antibiótico, fluidoterapia. O gato doméstico é transmissor. » Panleucopenia Vacinação felina protege. Doença semelhante à parvovirose canina, com rápida desidratação. Propicia infecção bacteriana secundária Sinais: vômitos, diarreia hemorrágica, desidratação Trat: sintomático: fluidoterapia, atbs, suporte nutricional. » Retrovirus: FIV e FELV (vírus da imunodeficiência felina e vírus da leucemia felina. » Transmissão: saliva, mordidas. Leões de circo/gatos domésticos › Fiv: distúrbios neurológicos e hematológicos. › Diagnóstico: PCR, sorológico sangue/teste rápido, hemograma e bioquímicos. › Sem vacinação. Cuidar com fômites. Felv: Manifestações neoplásicas (linfomas). Prevenção: vacinação – Tetra felina (com ag felv). Trat: cirúrgia? Eutanásia? Diag: PCR, sorológico, hemograma e bioquímicos. Prevenção: cuidar com fômites. Outros vírus: cinomose, raiva, peritonite infecciosa felina, calicivirose. Bacterianas: Salmonelose, leptospirose. O vírus da cinomose afetou felídeos em zoológicos norte-americanos (tigres, leões, leopardos e onças-pintadas). Esses animais manifestaram os mesmos sintomas dos canídeos. (KENNEDY STOSKOPF, 1999) Doença não infecciosas Osteometabólica Comum em animais em crescimento principalmente carnívoros que se alimentam basicamente de tecido muscular e visceral. Neles, estão presentes altas quantidades de 46 UNIDADE II │ MEDICINA DE MARSUPIAIS,CANÍDEOS E FELÍDEOS fósforo, podendo produzir uma desproporção de CA:P no sangue, quando o normal é de 2 :1. Para compensar, haverá retirada de cálcio do osso para equilíbrio sanguíneo, o que tornará os ossos frágeis, tortos e fraturáveis com aumento de volume das articulações. O diagnóstico é radiográfico, sendo que valores sanguíneos deCA:P podem estar normais. O tratamento está na correção alimentar ofertando presas inteiras, aporte de cálcio e radiação solar para a conversão da vitamina D. Figura 31. Ossos valgos em felídeo com doença osteometabólica. Fonte: Arquivo pessoal. intussuscepção Outra patologia comumente relatada em felídeos de zoológicos é a intussuscepção; suas causas são inúmeras: a dieta normalmente constipativa a base de tecidos musculares e ossos, pouco exercício, típico de animais cativos, em espécies maiores como o leão e tigre, além das habituais lambeduras e ingestão de pelos e, por fim, recintos pequenos e inadequados sem enriquecimento ambiental. Os sinais variam desde vômitos, inapetência a constipação. O tratamento é com óleo mineral e correção da causa. Ofertar ração e material verde misturados à carne. Aumentar o espaço, o que muitas vezes é difícil em muitos zoos. Em alguns pontos do recinto, poderá ser plantado capins que são costumeiramente ingeridos pelos animais como: napiê, marmelada e pé de galinha. Em alguns casos, é necessária cirurgia de gastro/enterotomia. Piometra e insuficiência renal também ocorrem com certa frequência em razão da idade avançada que esses animais atingem. 47 UNIDADE III MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS CAPÍTULO 1 Roedores Características São os mamíferos de pequeno porte como as cobaias (porquinho da Índia), chinchilas, ambos cavimorfos e os mimimorfos: os ratos (mercol), camundongos, gerbil e hamster de várias espécies. Esses roedores exóticos foram utilizados há muito tempo como animais em laboratório ou em criações comerciais, tendo sido consequência natural deste vínculo o surgimento de laços de afetividade entre pessoas e animais. Essa popularização dos roedores exóticos de companhia trouxe demanda para as clínicas veterinárias. Os cavimorfos têm as seguintes características: são espécies originárias das planícies elevadas do deserto andino. Apresentam longo período de gestação em relação aos outros roedores. Suas crias são recobertas de pelos e nascem com os olhos abertos. Os dentes incisivos, molares e pré-molares têm crescimento contínuo. Frequentemente são sujeitos à patologia dentária (QUINTON, 2005). Anatomia e fisiologia A capacidade de abertura da boca é restrita na maioria dos pequenos roedores de estimação, particularmente na chinchila e no porquinho da índia. Esta capacidade é limitada devido às pregas grossas de mucosa que invadem a cavidade oral e que são a continuação dos lábios inferior e superior: por isso a entubação traqueal para anestesia ou emergências torna-se muito difícil. 48 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS Os dentes incisivos, características que os define, têm crescimento contínuo, o que os faz procurar sempre uma superfície para desgaste, portanto não existem nessas espécies dentes decíduos, além de terem diastema, ou seja, um espaço entre os incisivos e os molares. Este espaço é perceptívele grande o suficiente a ponto de possibilitar a movimentação das bochechas dentro dele e efetivamente fechar a porção caudal da cavidade oral. Isso torna possível que mastiguem sem consumir o material que estão roendo. Ainda nesse espaço, alguns roedores iniciam uma pré-fermentação dos alimentos. Fisiologia digestiva Os caviomorfos são herbívoros estritos que praticam cecotrofagia; isso é comum nas espécies exóticas e possibilita a absorção de vitaminas do complexo B e aumenta a digestibilidade da dieta. Apresentam trato digestivo muito longo, comparado ao de outros roedores (cerca de 2,5m, na cobaia!). O trânsito digestivo é lento (de 13h a 30h, em média; eventualmente pode demorar até uma semana). É adaptado à digestão de alimentos pouco energéticos e ricos em celulose. Um aporte insuficiente de celulose na alimentação desses animais causa, rapidamente, estase intestinal (QUINTON, 2005). Mamíferos herbívoros têm intestinos mais comprido do que os carnívoros; quanto aos onívoros, apresentam tamanho intermediário. O ceco, muito volumoso, é o principal órgão de digestão da celulose. A microbiota digestiva é composta principalmente por bactérias anaeróbicas Gram-positivas (cocos e Lactobacillus spp.). A população de bacilos Gram-negativos, como E. coli, é muito pequena. (QUINTON, 2005). Essa flora cecal faz toda a diferença na decisão de ministrar antibióticos orais que possam comprometer essa flora e provocar enterites. O mesmo acontece nos coelhos, que serão estudados na próxima unidade. 49 MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS │ UNIDADE III Quadro 4. Em anexo, dados biomédicos mais importantes das espécies de roedores exóticos. Preá chinchila Camundongo Rato hamster Gerbil Expectativa de vida 3-8 8-10 1-3 2-4 Síro:3 Chinês:2 2- 5 Peso adulto (g) F:600/900 M:400/500 F:400/600 400/500 20/40 400 800 S: 80/150 C:35/40 F: 55/100 m: 65/120 FC (bat/min) 230/300 100/150 300/750 250/450 300/600 200/360 FR (mov/min) 70/ 130 40/80 100/250 70/150 75 90/140 TRº (C) 38,5 38 37,5 38 36/37.5 38 Vol. Sangue(ml) 24 a 45 24 a 45 2,5 a 3 25 a 35 7 7 Maturidade Sexual F:2 a 3 m M:3 a 4 m 7 a 9 m 6 a 7 semanas 6 a 10 semanas 45 a 75 dias F:12/14 s M:10/12s Ciclo (dias) 16 24 a 45 4 a 5 4 a 5 3 a 4 4 a 6 Cio (horas) 50 1 a 2 12 12 6 12 a18 1o cio pós-parto < 24 h 24 a 48 h 18 a 24 h 18 a 24 h 4 a 6 dias 24 a 48 h Idade limite p/ reproduzir 3 anos 10 anos 12 a 18 meses 12 a 16 meses 10 a 18 meses F: 18 m M; 24 m Gestação (d) 63 a 68 105 a 111 19 a 21 21 a 24 Sírio:15/17 C:21 24 a 26 42(cio pós-parto) No filhotes 2 a 4 1 a 4 4 a 12 6 a 14 4 a 12 4 a 7 Peso ao nascer 70 a 100 30 a 40 1 a 2 5 a 10 2 a 5 1 a 3 Abertura de olhos (d) _ _ 12 a 14 10 a 16 10 a 14 10 a 12 Desmame 21 a 45 d 6 a 8 sem. 20 dias 20 a 30 d 20 a 25 d 21 a 28 d Fonte: Banks, 2010. 50 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS Figura 32. Espécies de roedores exóticos mantidos como animais de estimação. O Camundongo (Mus musculus). B. Rato (Rattus rattus). C.Hamste rsírio(Mesocricetus auratus). D. Hamster chinês (Cricetulus griseus). E. Gerbilo (Meriones unguiculatus). F. Porquinho-da-índia (Cavia porcellus). G. Chinchila (Chinchilla lanigera). Fonte: Pessoa, 2014. *Obs.: Nota-se claramente uma elasticidade muito grande entre os valores mínimos máximos de muitas enzimas. É provável que o número de amostras analisadas tenha sido pequeno, o que comprometeu o valor final. Esse quadro serve apenas de referência para o clínico (NOTA DO AUTOR). 51 CAPÍTULO 2 Clínica Valores biológicos Bioquímica sanguínea Na cobaia, há discreta atividade de ALT nos hepatócitos. Portanto, essa enzima não é considerada um indicador de lesão hepática nessa espécie. Como nos outros roedores, os constituintes do sangue dos caviomorfos diferem daqueles de carnívoros pela predominância da população de linfócitos. Quanto à urina, essa se apresenta com pH alto entre 8,5 a 9 nos roedores herbívoros e mais neutro nos roedores onívoros (QUINTON, 2005). Quadro 5. Parâmetros hematológicos e bioquímicos. Preá Chinchila camundongo Rato Hamster gerbil Hematócrito % 32 a 50 25 a 54 42 a 44 39 a 55 45 a 50 35 a 45 Hemáceas 106/mm3 3.2 a 8 6.6 a 10,7 8,7 a 12 ,5 6 a 10 5.5 a 9 7.5 a 9 Hemoglobina 10 a 17 11.7 a 13,5 10 a 16.2 11 a 19,5 14.5 a 18 13 a 15 Leucócitos 10 6/mm3 5, 5 a 17,5 7,6 a 11.5 5 a 12 6 a 15 6 a 10 9 a 12 Neutrófilos% 22 a 48 23 a 45 7 a 40 * 9 a 34 * 18 a 40 20 a 25 Linfócitos % 39 a 72 51 a 73 55 a 95 65 a 85 56 a 80 75 Monócitos% 1 a 10 1 a 4 0,1 a 3, 5 0 a 4 1,4 a 2,5 0 a 4 Eosinófilos% 0 a 7 0 a 3 0 a 4 0 a 3 0 a 1 0 a 3 Basófilos % 0 a 3 0 a 1 0 a 1,5 0 a 1,2 0 a 1 0 a 1 Plaquetas (103/mm3) 260 a 740* 254 a 298 100 a 1000* 500 a 1300 300 a 500 400 a 600 Glicose (mg/dl) 60 a 125 60 a 125 73 a 183 80 a 300* 60 a 160 47 a 135 Uréia(mg/dl) 9 a 31,5 10 a 40 18 a 31 15 a 21 14 a 27 17 a 31 Creatinina Mg/dl 0,6 a 2,2 0,8 a 2,3 0,48 a 1.1 0,2 a 0,8 0,4 a 1 0,5 1.4 ALT (ul/l) 25 a 99 10 a 35 44 a 87 17 a 224 * 21 a 134 _ AST(ul/l) 26 a 68 15 a 100 55 a 251 39 a 92 53 a 124 -- Prot total (g/dl) 4.2 a 6.8 5 a 8 42 a 103 5,6 a 7,6 5.5 a 7.2 4.3 a 14 Fonte: Quinton, 2005. *Obs.: Nota-se claramente uma elasticidade muito grande entre os valores mínimos máximos de muitas enzimas. É provável que o número de amostras analisadas tenha 52 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS sido pequeno, o que comprometeu o valor final. Esse quadro serve apenas de referência para o clínico (NOTA DO AUTOR). Alimentação Cobaia/porquinho-da-índia As cobaias não têm enzima necessária para a síntese de vitamina C.A carência dessa vitamina é responsável por afecções dentárias, musculares e cutâneas. Mesmo nas rações destes animais, a vit C é volátil no processo de produção e armazenamento do pacote de ração, por isso a necessidade de suplementar com vit, pode ser ofertada em gotas na água de beber ou direto na boca do animal. Também pode-se colocar de 50 a 100 mg/kg na água de bebida (GIRLING, 2003). Dieta: 3 a 4 colheres de sopa de ração para cobaia (20% de proteínas e 16% de fibras), Quantidade generosa de verduras e legumes, feno de boa qualidade, à vontade, pois é o alimento que mais ingere e água fresca em bebedouro adaptado (tipo niple). O vegetal grosseiro (feno) faz gastar o dente, mantém a flora mutualística gastro/ intestinal viva e funcional e é a base da alimentação de roedores herbívoros. Outros verdes ofertados, (inclusive para outros roedores herbívoros) como o coelho e hamster são: espinafre, salsinha, cebolinha, cenoura, chicória e outros verdes escuros. Chinchila É um pouco semelhante à alimentação das cobaias: evita-se verduras frescas, porém se mantém a ração e o feno. O excesso de proteína para esse animal provoca alteração do pelame da chinchila, que se torna fraco e ondulado (síndrome do pelame de algodão). As fibras grosseiras estimulam o peristaltismo e auxiliam na prevenção de disfunções digestivas, como amolecimento de fezes, acúmulo de tricobezoares no estômago e estase intestinal (GIRLING, 2003). Ratos e camundongos São onívoros, ração peletizada específica, frutas, verduras e legumes. A importância da fibra para os roedores herbívoros é porque ela é essencial para estímulo da motilidade intestinal. Essas espécies são fermentadoras intestinais e dependem de microbiota, que auxilia na quebra da celulose. A fibra é convertida 53 MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS │ UNIDADE III pela microbiota em ácidos graxos voláteis, que diminuem o pH do ceco e do intestino grosso, prevenindo a superpopulação de bactérias indesejáveis e minimizando os problemas de enterite. Sem a quantidade suficiente de fibras, as espécies que têm ceco fermentador desenvolvem enteropatia mucoide com constipação intestinal intermitente, diarreia e cólica (CUBAS, 2014). Contenção física Toalhas e luvas como materiaispara contenção são desejados, pois diminuem o estresse, amplia a área de captura e evita mordidas indesejadas. Camundongos e ratos podem morder quando não familiarizados. Os camundongos devem ser inicialmente seguros pela cauda, próximo à sua inserção, e então são posicionados em uma superfície não escorregadia. Enquanto se segura a cauda, a prega do pescoço é contida firmemente entre o polegar e o indicador da mesma mão. Figura 33. Contenção física de camundongo (Mus musculus). Após suspender o animal pela base da cauda, ele pode ser colocado sobre uma superfície não escorregadia. Fonte: Pessoa, 2014. Já os ratos são contidos adequadamente se forem segurados ao redor do peito, imediatamente atrás dos braços com o polegar e o indicador de uma das mãos e suportando os membros pélvicos com a outra mão. Ratos mais agressivos podem ser contidos temporariamente segurando a prega do pescoço com o polegar e o indicador e a base da cauda com a outra mão. Sob nenhuma circunstância ratos e camundongos devem ser contidos pela ponta da cauda, pois lesão e avulsão podem ocorrer. 54 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS Se o hamster for relativamente dócil, pode-se formar uma concha com a mão e colocá- lo na palma da mão. Alguns animais são mais agressivos e, neste caso, recomenda-se colocar o animal em superfície lisa e firme e com pressão gentil, mas firme, segurar a prega do pescoço com o polegar e o indicador. Deve-se ter cuidado ao segurar apenas a prega da pele, pois hamsters podem ter os globos oculares prolapsados. Outra maneira é conter o animal com uma das mãos, pondo os dedos indicador e médio atrás de cada lado da cabeça e apoiando o dorso do animal na palma da mesma mão. Figura 34. Contenção física de hamster sírio (Mesocricetus auratus). O animal é suspenso pela prega do pescoço entre o indicador e o polegar do manipulador. Fonte: Pessoa, 2014. Figura 35. Contenção física de gerbilo (Meriones unguiculatus). Fonte: Cubas, 2014. As chinchilas podem estressar-se com facilidade e a redução da luz e do barulho facilitam a captura. Não devem ser contidas pela prega da nuca, pois pode ocorrer perda de pelos, que levam semanas para crescer. As chinchilas perdem pelos durante o estresse da contenção, mesmo que não sejam seguras pela pele. 55 MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS │ UNIDADE III Figura 36. Contenção física de porquinho-da-índia (Cavia porcellus). Fonte: Pessoa, 2014. Figura 37. Contenção física de chinchila (Chinchilla lanigera). Fonte: Cubas, 2014. Observações: 1. A maioria desses roedores respira pelas narinas com os palatos moles permanentemente fechados ao redor da epiglote. Dessa maneira, se o paciente estiver com as narinas obstruídas por secreção, sangue ou tumor, pode ocorrer parada respiratória. 2. Esses pequenos mamíferos são propensos à hipotermia durante o procedimento anestésico. Os gases anestésicos reduzem a temperatura corporal e a atividade muscular, aumentando o risco anestésico para o paciente que se apresenta hipotérmico (QUINTON, 2005). 56 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS Contenção química A contenção química pode ser necessária para colheita de amostras (citologia, biopsia, sangue e urina), realização de procedimentos (diagnóstico por imagem e cirurgias) e exame clínico (até mesmo da cavidade oral). A pesagem é fundamental para cálculos farmacológicos e, principalmente, anestésicos, uma vez que erros de pesagens podem ser fatais aos animais Diferentemente dos mamíferos de porte médio, o jejum pré-anestésico é curto. Para porquinhos da índia e chinchilas, recomenda-se jejum de 3h a 6h antes da cirurgia. Para gerbilos e hamsters, o tempo de 45min costuma ser suficiente. A indução pode ser realizada por fármacos injetáveis ou em câmaras anestésicas com anestesia inalatória, usando-se principalmente o isoflurano. A colocação de um tubo endotraqueal requer prática. Abaixo, uma lista de pré- anestésicos e anestésicos mais utilizados (TEIXEIRA, 2014). Quadro 6. Doses anestésicas usados para pequenos roedores de estimação em mg/kg. Preá Chinchila camundongo Rato hamster Gerbil Acepramo Mazina 0,5 a 1,5 0,5 a 1 0,05 a 2,5 0,5 a2,5 0,5 a 5 Não usar Diazepan 1 a 5 2,5 3 a 5 3 a 5 3 a 5 3 a 5 Meperidina 10 a 20 10 a 20 10 a 20 10 a 20 10 a 20 10 a 20 Xilazina 1 a 5 2 a 10 10 a15 10 a 15 8 a 10 5 a 10 Acepram+ Cetamina 0,5 +20/40 0,5 +20/40 5 + 150 2,5 a 5 +50 /150 2,5 a 5 +50 /150 Não usar Diazepan+ cetamina 3 a 5 +20/40 1 a 5 +20/40 2 + 70 3 a 5 + 40/100 5 + 40/150 3 a 5+ 40/150 Xilazina + Cetamina 3 a 5 + 20 /40 4 a 8 + 30/ 40 10 + 200 5 a 10 +50 /150 5 a 10 50/150 2 a 3 +50/70 Tiletamina +zolazepan 20 a 40 20 a 40 50 a 80 50 a 80 50 a 80 50 a 80 Fonte: Quinton, 2005. Obs.: Notam-se as altas doses de alguns fármacos, como a cetamina, xilazina e a tiletamina /zolazepan em função do alto metabolismo desses animais. Alguns cuidados devem-se ter em relação à anestesia, pois os gases anestésicos esfriam o paciente rapidamente pelas mucosas orais e respiratórias, efeito que é agravado em procedimentos prolongados, aumentando assim, a hipotermia, por isso algumas sugestões a serem tomadas: 57 MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS │ UNIDADE III 1. realizar antissepsia sem molhar excessivamente o animal; 2. depilar apenas a área da cirurgia e não usar álcool, que causa rápido esfriamento da pele; 3. manter a temperatura da sala confortavelmente aquecida; 4. posicionar o paciente sobre um colchão aquecido ou improvisado com luvas de látex ou garrafas e bolsas cheias de água morna, mas evitar contato direto com a pele, pois se a água estiver muito quente pode provocar queimadura; 5. o uso de papel laminado ou plástico bolha para enrolar o paciente inibe a perda de temperatura; 6. administrar fluidos isotônicos aquecidos por via subcutânea antes e durante a cirurgia. (TEIXEIRA, 2014). A reposição hidroeletrolítica pré, trans e pós-cirúrgica é muito importante em pequenos mamíferos, mesmo para cirurgias de rotina, e a razão entre área de pele e volume corporal favorece uma rápida desidratação. A administração de fluidos de manutenção para pequenos mamíferos durante ou imediatamente após a cirurgia de rotina aumenta os níveis de segurança da anestesia. Em função de pequeno tamanho e os aparelhos que mensuram a função cardiovascular em animais de porte médio não servirem a esses animais, lança-se mão de algumas sugestões: Acompanhamento da função cardiovascular pode ser feito de maneira convencional, com estetoscópio e avaliação do pulso femoral. Como em cães e gatos, o aumento da frequência cardíaca e respiratória pode indicar superficialização do plano anestésico. Equipamentos mais sofisticados, como oxímetros de pulso, podem ser usados para monitorar a frequência cardíaca e a saturação da hemoglobina. Sondas lineares podem ser usadas no aspecto ventral da cauda, quando possível. Outras maneiras incluem eletrocardiograma, adaptado para minimizar o traumatismo com pinças, que são substituídas por agulhas. Um aparelho de monitoramento extremamente útil é o doppler, que pode detectar o fluxo de sangue em vasos menores. Caso seja necessário o uso de doxapram, a dose preconizada é 10 mg/kg em hamster (RICHARDSON, 2003). 58 UNIDADE III │ MEDICINA E MANEJO DE ROEDORES DE COMPANHIA E LAGOMORPHOS Exame físico Temperatura retal em torno de 37-38 ºC para a maioria das espécies, estetoscópio neonatal, de preferência, sendo para essas espécies a FR entre 60/70 movimentos respiratórios e FC entre 180/250 BPM. Alguns animais utiliza-se uma caixa para pesagem. Examina-se a cavidade oral, pois, em muitas vezes, a inapetência tem como causa dentes quebrados. O uso de otoscópio auxilia a visualizar os molares dos animais. Abscessos são comuns na cavidade oral devido à cama e ao alimento que pode ter inoculado alguma bactéria. Qualidade
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