Buscar

O Cinema no Ensino de Línguas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

487 
O CINEMA NO APERFEIÇOAMENTO DAS COMPETÊNCIAS DO APRENDIZ DE LÍNGUAS 
(MATERNA E ESTRANGEIRA)1 
Maria de Lourdes Otero Brabo CRUZ2 
Angela Patricia Felipe GAMA3 
Fábio Marques de SOUZA4 
Resumo: Neste artigo, compartilhamos nossa preocupação com a maneira como o ensino de 
línguas (materna e estrangeira) pode preparar o aluno para situações reais de 
comunicação e nossas experiências na busca de um caminho para que o estudante 
desenvolva uma sensibilidade para perceber o impacto que a diferença cultural 
exerce no processo comunicativo. Neste intuito, problematizamos a questão do uso 
do vídeo na escola, pois acreditamos que o cinema pode ser usado além de mera 
ilustração de aulas, podendo tornar-se um instrumento didático poderoso no trabalho 
docente. Dessa forma, aqui apresentamos alguns caminhos que têm como objetivo 
gerar no ensino de línguas experiências significativas que instrumentalizem o aluno 
para que se torne um promotor na construção de seu conhecimento crítico. As 
questões teóricas são acompanhadas com possibilidades de atividades práticas para 
a aula de Português e Espanhol-Língua Estrangeira, baseadas em produções de fácil 
acesso. 
Palavras-chave: competência lingüística; competência comunicativa; interculturalidade, 
Lingüística Aplicada; cinema. 
1. REFLEXÕES INICIAIS 
Ao pensarmos o ensino de língua materna, devemos levar em conta que ao 
ingressar na escola o aluno já tem o conhecimento das estruturas fundamentais da sua língua, 
portanto, o que se deve buscar nos cursos de Língua Portuguesa é “que o aluno use mais 
adequadamente e para maior variedade de fins, o conhecimento lingüístico que já possui e foi 
adquirido antes mesmo de seu ingresso na escola” (Negrão, Scher & Viotti, 2003, p. 95) ou seja, 
cabe a esta disciplina apontar novos usos de uma língua já conhecida e proficiente para o 
aprendiz. 
Infelizmente, nem sempre foi isso que pudemos notar em nossa trajetória pelas 
escolas de ensino fundamental e médio – seja como alunos, estagiários, professores, 
investigadores. Esta situação é retratada por Luft (1985): 
 
 
1Este artigo é um dos frutos do projeto “Produção de material didático e formação de multiplicadores para a aquisição de línguas e 
culturas estrangeiras mediada pelo cinema”, selecionado Núcleo de Ensino e desenvolvido em 2005 com o patrocínio da Pró-Reitoria 
de Graduação (PROGRAD). 
2Professora do Departamento de Letras Modernas – UNESP – Assis. 
3Graduada em Letras (UNESP/Assis), Professora da Rede Pública do Estado de São Paulo. 
4Graduando em Letras (UNESP/Assis). 
 
 488 
Por que os professores em geral não capacitam melhor os alunos para a comunicação 
oral e escrita? Porque, em vez de fazê-los trabalhar INTENSAMENTE com sua gramática 
interior, fazendo frases, compondo textos, lendo e escrevendo, pretendem impor-lhes 
Gramática, teoria e regras. Um ENSINO GRAMATICALISTA abafa justamente os talentos 
naturais, incute insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, horror à 
expressão livre e autêntica de si mesmo. (p.22) 
Reflexões sobre o aspecto trágico deste panorama frustrante que temos vivido em 
nosso sistema educacional são apresentados e discutidos com a merecida atenção em várias 
obras como Cagliari (1996), Soares (1993), Luft (1985), Geraldi (2002), Possenti (1996), dentre 
outros. 
A rejeição daquilo que o aluno traz consigo enquanto gramática inata e repertório 
comunicativo faz com que quando ele chegue à escola se sinta alheio à língua que fala, tortura 
que, repetida por anos a fio, acaba por gerar a “patologia” da inferioridade lingüística: 
Existe uma sensação que acompanha as pessoas durante toda a vida e que surge a 
partir do momento em que elas terminam o período regular de escolarização: a sensação 
de que não dominam a língua portuguesa. 
Com efeito, as pessoas saem, após 11 anos tendo aulas de português, com a sensação 
de que não sabem a própria língua, com um sentimento de incapacidade, de fracasso 
perante seu próprio instrumento de comunicação. É o que chamamos síndrome de 
inferioridade lingüística: por terem absorvido convicções a respeito da língua que as 
convenceram de sua inferioridade, por terem internalizado a idéia de que o português é 
complicado, por receberem críticas quando de sua expressão oral e/ou escrita, as 
pessoas se julgam inaptas a dominar a língua, a produzir um texto, uma vez que não 
adquiriram os instrumentos necessários que as levassem a ser proficientes 
produtores/consumidores lingüísticos. (Simka, 2002) 
No que concerne ao aprendizado de Línguas Estrangeiras, já é de senso comum 
que memorizar regras gramaticais e listas de vocabulário não é suficiente para garantir ao falante 
entender e fazer-se entendido. Sabemos que aprender uma outra língua, diferente da nossa, é 
mergulhar em um universo novo que deve ser desvendado, conhecido, idéia que é sintetizada por 
Almeida Filho (1993, p. 15): 
 
 489 
O aprender uma língua é [...] aprender a significar nessa nova língua e isso implica entrar 
em relações com outros numa busca de experiências profundas, válidas, pessoalmente 
relevantes, capacitadoras de novas compreensões e mobilizadoras para ações 
subseqüentes. 
Nesse aspecto, além das competências lingüísticas e comunicativas, o aprendiz 
bem sucedido deve conquistar um perfil intercultural, pois além de se comunicar adequadamente 
em contextos interculturais, terá sensibilidade para perceber o impacto que a diferença cultural 
exerce no processo comunicativo, em outras palavras, “compreenderá os padrões de 
comunicação, as expectativas e interpretações do outro”5. 
Diante do panorama exposto, no próximo tópico apresentaremos o cinema como 
possibilidade no aperfeiçoamento das competências que permeiam o desenvolvimento em língua 
materna e língua estrangeira. 
2. O CINEMA COMO POSSIBILIDADE 
O cinema, com o seu aparato tecnológico apropriado para documentar, encenar e 
narrar histórias, nos permite uma nova maneira de olhar para o mundo e, com isso, estabelece 
uma forma peculiar de inteligibilidade e conhecimento. Dessa forma, podemos considerar que o 
texto fílmico atua na escola como sendo um recurso lúdico e extremamente sedutor, que atrai a 
atenção dos alunos e os envolve na realização das tarefas. 
A sétima arte tem se apresentado como uma grande aliada do ensino, seu potencial 
de reunir diversas realidades em um mesmo contexto permite preparar o aluno para compreendê-
las e respeitá-las enquanto diferentes, porém possíveis (Cf.: Cruz; Souza & Lima, 2004). 
Napolitano (2003, p.11-12) apresenta o caráter social e inclusivo do texto fílmico 
como possibilidade de problematizar diferenças culturais: 
Trabalhar com o cinema na sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao 
mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a 
ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. 
No que tange ao ensino de línguas estrangeiras, o filme apresenta mais uma 
vantagem pelo fato de ser uma mostra autêntica produzida na língua-alvo sem manipulações com 
fins didáticos. 
 
5 (Jin & Cortazzi, 2001). Esta e todas as demais citações de origem em espanhol que aparecem no texto são de tradução nossa. 
 
 490 
Todo texto é sempre resultado da uma rede complexa de discursos porque todo 
sujeito criador está sempre em sintonia cultural com o seu tempo histórico e em sua produção 
recupera outras experiências de leitura (Cf.: Trevizan, 1998). Para o professor, proporcionar ao 
aprendiz oportunidades para desvendar a pluralidade contida em um filme pode acrescentar muito 
ao desenvolvimento global enquanto indivíduo: 
Cumpre ressaltarmos, ainda, a importância da exploração em sala de aula, da natureza 
intertextual do texto fílmico. Assim, como o texto literário,também o texto fílmico e 
construído pelo processo dialogante com outros textos. Escritores, pintores, cineastas, 
artistas em geral dialogam culturalmente, resgatando, nos textos produzidos, o ‘tesouro 
enciclopédico do já dito’ (ECO, 1991:2289). É possível, portanto, em sala de aula, 
recuperarmos o diálogo de um filme em análise com outros filmes e também com textos 
estranhos ao universo cinematográfico. 
(Trevizan, 1998, p.91-92) 
Levar o cinema para a sala de aula pode implicar em proporcionar aos aprendentes6 
um trabalho interdisciplinar que pode ir desde o resgate da história da sétima arte, por exemplo, 
até o desenvolvimento de conceitos da linguagem cinematográfica que propiciem elementos 
básicos de análise que permitam ler além das imagens. 
Dentro da diversidade de obras disponíveis, pode-se trabalhar, com as devidas 
adaptações, desde dança, música, teatro, literatura, culinária e até mesmo oficinas para os alunos 
produzirem seus vídeos. 
Um outro potencial do cinema reside no fato de possibilitar a exploração da crítica à 
violência doméstica e da discriminação de raça, gênero, orientação sexual, origem ou etnia, tema 
que teve sua inserção, de forma transversal, nos currículos escolares proposta pela Lei n.º 12.284 
de 22/02/2006. 
3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS 
 Dividiremos este tópico em três momentos, apresentaremos algumas obras 
que, em alguns aspectos, permitem abordar as especificidades do processo de 
aquisição/aprendizado de Língua Estrangeira, posteriormente, compartilharemos algumas de 
nossas experiências com o uso da sétima arte em contexto de ensino de Espanhol-Língua 
Estrangeira e Português enquanto língua materna. 
 
6 Termo utilizado por Shulman (986) apud Brzezinski (2002, p.2) para designar aquele ser que aprende como autor de sua própria 
aprendizagem. 
 
 491 
 
O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 
Diversas obras permitem trabalhar as especificidades do processo de 
aquisição/aprendizado7 de línguas estrangeiras. Nesta oportunidade lançaremos mão do filmes 
Albergue Espanhol, produzido em 2003 pelo cineasta francês Cédric Klapisch e das produções 
hollywoodianas O Terminal, obra de 2004 dirigida por Steven Spielberg e Espanglês, filme de 
2004, com o roteiro e direção de James L. Brooks. 
Nossa intenção não é esgotarmos todas as análises possíveis nem reduzir as 
produções aos aspectos aqui abordados, nos guiaremos por aquilo de específico que cada obra 
pode apresentar para a compreensão do processo de aquisição de uma Língua Estrangeira. 
Albergue Espanhol apresenta a contemporaneidade múltipla e apressada em que 
vivemos; nele aparece o jovem Xavier, que aos 25 anos deixa a França para morar um ano em 
Barcelona, onde pretende, além de aprender a língua do país, terminar sua graduação em 
Economia (pois o curso superior aliado ao domínio do espanhol lhe garantirá, ao regressar, um 
bom emprego – prometido por um amigo). 
Logo no início, nosso protagonista, após passar por algumas dificuldades, aluga um 
quarto num apartamento onde residem outros seis estudantes que, por serem todos de países 
diferentes, marcam o filme com conversas em Francês, Inglês, Espanhol, Dinamarquês e Catalão. 
Neste filme podemos observar o perfil do aprendiz intercultural. Se levarmos em 
conta que cada falante pertence, de forma potencial, a várias comunidades discursivas que o 
reconhece como seu, em maior ou menor grau, concluiremos que é o aprendiz estrangeiro o que 
tem maior capacidade para perceber as diferenças. O que confere ao estudante esta 
capacidade é o fato de olhar com os olhos de quem vê de fora, sem estar imerso naquela 
comunidade lingüística. Este potencial só pode aprimorar o repertório daquele que desvenda o 
novo: 
O privilégio do falante intercultural tem que estar acompanhado de uma 
valorização da responsabilidade no uso das palavras e da posse de seus 
significados. 
(Kramsch, 2001) 
 
7 Neste trabalho, optamos por não fazer distinção entre aquisição e aprendizagem. 
 
 492 
Um outro exemplo muito interessante de línguas em contato é o filme Spanglish, no 
português ficaria Espanglês, língua fruto da mistura entre o espanhol e o inglês com surgimento na 
intercomunicação de americanos e latinos que vivem nos EUA. Na tela de projeção aparece Flor, 
uma mexicana, que junto com sua filha de 12 anos parte para os Estados Unidos em busca de 
trabalho. 
O choque de culturas não se dá logo no início porque nossa protagonista passa 
anos vivendo em seu porto seguro, o lado “mexicano” de Los Angeles, até que um dia tem que 
desbravar o desconhecido e é ai que ela consegue um trabalho na casa de uma família americana 
e se vê obrigada a interagir com uma nova cultura e uma forma diferente da sua de ver o mundo. 
Esta obra lança luz sobre as dificuldades que as pessoas têm de se comunicar, e dá 
destaque às situações de línguas em contato bem como a relação entre língua e identidade e a 
aquisição de uma língua outra em contato de imersão, onde a necessidade de sobrevivência 
naquela nova comunidade lingüística é latente. 
O processo de desestrangeirização8 da língua inglesa pode ser assistido também 
desde “O Terminal” onde podemos extrair diversos significados das situações cômicas pelas quais 
Viktor Navorski passa. 
Nosso personagem é um cidadão da Europa Oriental (Krakozia, um país fictício) 
que ao chegar em Nova Iorque não consegue visto para sair do aeroporto. Como o inglês dele é 
limitado a algumas poucas palavras soltas, demora muito para perceber que seu país sofreu um 
golpe de Estado e, com isso, todos os acordos internacionais foram cessados, ou seja, o 
passaporte dele não tem valor nenhum para o burocrático processo de imigração norte-americana. 
De uma maneira divertida, este filme narra todas as possíveis peripécias pelas 
quais pode passar um aprendiz de LE em contexto de imersão sem ter tido nenhum contato prévio 
com aquela língua. Aprender uma nova língua é aprender a significar nesta nova língua, e é isto 
que nosso personagem faz. Pena que tudo isso demora muito e Viktor sofre muito até aprender a 
ler a intencionalidade implícita nos enunciados lingüísticos. 
Ele está o tempo todo descobrindo como interagir e sobreviver nesse novo contexto. 
Em cada novo dia vê uma oportunidade para acrescentar novas palavras ao seu repertório 
lingüístico-comunicativo para sobreviver, conseguir comida e onde dormir. 
 
8 Este termo é apresentado por Almeida Filho (1993, p.12) 
 
 493 
A questão da aquisição da LE é tratada como pano de fundo, pois o objetivo da 
produção é contar um romance que acontece em um terminal. Neste filme aparecem situações 
que nos permitem trabalhar com os alunos questões como a de que todo enunciado tem uma 
intencionalidade, um traço cultural e, assim sendo, não basta traduzir ao pé da letra para entender 
e fazer-se entendido. 
O ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA: 
A produção Fale com Ela (Hable con Ella, direção do cineasta espanhol Pedro 
Almodóvar – Espanha, 2002) permitiu-nos um espaço para significação e representação na língua 
estrangeira. Trata-se de um filme sobre a alegria de narrar e sobre a palavra como arma para fugir 
da solidão, da enfermidade, da morte e da loucura. Nesta obra, a trama se desenvolve de maneira 
que, através da narrativa, a vida das personagens flui em todas as direções: passado, presente e 
futuro. Na tela são apresentados narradores que falam sobre si mesmos a quem possa e a quem 
não os possa ouvir. 
Nesta experiência lançamos mão da Pesquisa Narrativa (Cf.: Clandinin & Connelly, 
1990; Telles, 1999) pelo fato de esta modalidade de pesquisa dar voz aos sujeitos participantes e 
permitir, por meio da reflexão na e pela linguagem, compartilharem suas vidas historiadas de 
maneira individual e coletiva, impondo-se como sujeitosdo discurso. 
Utilizamos cartas como instrumento de coleta de dados, após diversas atividades de 
aquecimento (antes da exibição) e de análise e compreensão (após os alunos assistirem o filme), 
pedimos que inspirando-se no filme, os participantes escrevessem cartas contando suas histórias 
de vida. 
Para auxiliá-los, sugerimos as reflexões: Quem fui?, Quem sou?, Quem serei?, 
Qual a relação e a importância da escola na minha vida?, Quais foram as minhas experiências de 
aprendizado de língua estrangeira?. 
A análise destas cartas proporcionou-nos a construção das narrativas dos 
aprendizes. Deste material, apresentaremos aqui algumas tematizações: 
A primeira experiência com Língua Estrangeira: 
• “(...) Passada essa fase, me tornei uma menina, que nunca se contentou até hoje com 
notas baixas. E não poderia deixar de falar da 1.ª série, aprender a ler, a escrever e a 
contar, e muito menos da ansiedade ao entrar na 5.ª série...um professor para cada 
matéria, e principalmente aprender a falar uma nova língua, o inglês. De início tudo 
era gostoso, até que me toquei...De novo o verbo TO BE?” 
 
 494 
Francine, 16 anos. 
A oportunidade e o desejo de falar de si: 
• “PS: Esta é uma carta contando minha vida ligada à escola, não são citados 
sentimentos, trabalhos e tempestades já vividas. ” 
Francine, 16 anos. 
As concepções de escola: 
• “Quando terminei a quarta série foi uma alegria muito grande (...) mas quando 
descobri que aquilo ali só era o começo fiquei muito triste [...] O primeiro dia na quinta 
série foi muito confuso, batia um sinal, saia um professor entrava outro. Era tanta 
matéria que fiquei até perdido, mas foi legal” 
Gustavo, 16 anos. 
A criatividade na produção do texto em uma situação real: 
• “Tudo começou com óvulo fecundado por um espermatozóide que acabou originando 
um... Há deixa essa parte pra lá, vocês já sabem o que irá acontecer. Vamos adiantar 
um pouco a nossa história. (...) 
José Rodrigo, 15 anos. 
A reprodução da ideologia contida no senso comum: 
• Não vou falar que sempre gostei de estudar, mas procuro me esforçar ao máximo 
para levar adiante meus estudos, até porquê nos dias de hoje uma pessoa sem 
estudos não é nada.” 
José Rodrigo, 15 anos. 
Estes dados foram coletados durante oficinas oferecidas a um grupo de 23 alunos 
(com idade entre 13 e 17 anos) do terceiro semestre de um curso que tem a duração de três anos 
e é ofertado pelo Centro de Estudos de Línguas (CEL) , projeto do governo estadual com diversas 
unidades no estado, sendo a pesquisada localizada no interior do estado de São Paulo. 
O contato com as histórias de vida destes alunos revelam muito de suas 
abordagens de aprendizado (Cf.: Almeida Filho, 1993), propiciando-nos uma compreensão mais 
ampla do processo em que estão inseridos. 
NA SALA DE AULA DE LÍNGUA MATERNA 
Apresentaremos aqui, como utilizamos a produção cinematográfica Shrek, uma obra 
que trata da história de um ogro solitário que, para recuperar a tranqüilidade em que vivia em seu 
 
 495 
pântano antes do mesmo ser invadido por uma série de personagens dos contos de fadas, resgata 
a princesa Fiona, que era prisioneira de um dragão. 
Foi um trabalho desenvolvido com trinta e cinco alunos (com idade entre 11 e 13 
anos) do segundo ciclo do Ensino Fundamental (5.ª série) de uma escola pública do interior do 
estado de São Paulo. 
Esta rica produção permitiu-nos, num primeiro momento, apresentar e desenvolver 
a noção de texto e intertexto dentro da perspectiva da Lingüística Textual. Num segundo momento, 
trabalhar os contos de fadas e sua relação com o filme serviu como dispositivo para a realização 
de atividades de produções escritas e orais, cuja análise compartilhada em reuniões de análise 
hermenêutica do corpus reunido, permitiu-nos entender o ponto de vista desses jovens sobre o 
belo e o disforme bem como suas concepções de valores. 
O aquecimento foi feito com alguns clássicos da literatura infantil que aparecem no 
filme, a saber: Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e A Bela Adormecida. Divididos em 
grupos, os alunos realizaram a leitura dos clássicos e transmitiram para o resto da turma em forma 
de teatro. 
Na fase seguinte, os alunos compararam as histórias, fazendo relações de 
semelhanças e diferenças entre os contos. Aos poucos, eles foram descobrindo o esteriótipo dos 
príncipes encantados que apareceram nas histórias9: 
• O príncipe sempre salva a princesa e casa com ela no final da história (Ana 
Clara). 
• É professora, são tudo saradão, os bonzão. (Paulo). 
Feito isso, fizemos uma pequena exposição da estrutura dos contos de fadas, 
explicando essa relação de proximidade que eles apresentam. Com a tipologia dos contos 
tradicionais em mente, o próximo passo foi a projeção de Shrek. Por se tratar de uma turma de 
uma escola situada numa cidade muito pequena, onde não há cinema, era a primeira vez que a 
maioria dos alunos assistia ao filme. Esse é um fator que deve ser levado em consideração porque 
se percebe que não houve nenhum tipo de influência na primeira leitura dos clássicos. 
Após o filme, retornamos aos clássicos e os alunos fizeram comparações entre os 
príncipes de outras histórias e Shrek. Foi colocado também de que forma as personagens 
 
9 Nos depoimentos dos aprendizes optamos por não efetuar revisões ortográficas porque acreditamos que durante o processo de 
aquisição/aperfeiçoamento quer seja de uma língua materna ou estrangeira os ‘erros’ na forma fazem parte do processo e nunca devem 
ser realçados, o que poderia cercear o desenvolvimento do conteúdo. 
 
 496 
clássicas apareceram na obra. Esse trabalho causou discussões em torno da questão de valores e 
ideais de beleza e personalidade, o que gerou uma produção de texto sobre questão de valores e 
ideais. 
• “A diferença entre o Sherk e o príncipe era que o príncipe não era um bom homem e o 
Sherk não era aquele príncipe encantado mas era um homem bom. O Sherk e a 
princesa se casaram e viveram felizes para sempre” 
(Ariele) 
• “Eu acho que Shuerk é diferente do príncipe por os príncipes são bonitos e charmosos 
e Shuerk é verde e feio alto e careca e se vesti mal. Mas ele tem amigo e o príncipe 
não tem. O burro falante é o amigo do Shuerk” (Eliane) 
• “O Sherk era encantado por dentro” (Rodrigo) 
• “O príncipe queria casar porque era interessero. O Sherk gostava da Fiona. Mais na 
vida rea acontece isso tudo, tem muita gente namora e casa porque olha só para o 
dinheiro ou para o carro se a pessoa tiver carro e por aí vai”.(Fernanda) 
• “E a comparação de um príncipe encantado com o Sherk é uma grande diferencia. 
Que nem Sherk ele é um príncipe encantado mais com poucas riquezas e outro ele 
era muito corajoso e tudo que ele ponhava na cabeça ele fazia. Já um príncipe ele 
tem muitas riqueza e ele acha que pode ter direitos como os professores. Já o Sherk 
ele apenas tinha seu pântano e mais nada apenas sua coragem e amor pela princesa 
Fiona. Só que ela escondeu dele que ela era ogra porque ela não pensava que a 
beleza de dentro é melhor.” (Matheus) 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Não tivemos, neste trabalho, a intenção de esgotar os temas propostos, todas as 
possibilidades de análise, nem de apresentar ‘receitas de sucesso’, mas sim esboços de idéias 
que podem ser desenvolvidas e, quem sabe, com as adequações a cada contexto de ensino-
aprendizagem contribuir com aqueles que ao ensinar línguas possibilitam novas maneiras de 
compreender ao mundo e a si mesmo. 
O filme como uma mostra autêntica produzida na língua-alvo sem manipulações 
com fins didáticos, fornece um insumo que possibilita a reflexão, conhecimento da cultura da 
língua-alvo e a conseqüente produção escrita ou oral contextualizada. 
 
 497 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ADAMSON, A. & JENSON, V. (Dir.) Shrek. DVD: EUA, 2001. 
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Dimensões comunicativas noensino de línguas. Pontes, 
Campinas,1993. 
ALMODÓVAR, P. (Dir.) Fale com ela (Hable con ella). DVD: Espanha, 2002. 
BROOKS, J.L. (Dir.) Espanglês (Spanglish). DVD: EUA, 2004. 
CAGLIARI, L. C. Alfabetização & Lingüística. São Paulo: Scipione,1996. 
CLANDININ, D.J. & CONNELLY, M.F. Stories of experience and narrative inquiry. Educational 
Researcher, 19(5), 1990. 
CRUZ, M.L.O.B.; SOUZA, F.M.; LIMA, L.F.M. “Adquisición de español-lengua extranjera por 
brasileños, ¿cuál variante enseñar?: la pluralidad lingüística y cultural mediada por el cine”. Actas 
del I Congreso de laS lenguaS: por el reconocimiento de una Iberoamérica pluricultural e 
multilingüe. Rosario, 2004. 
GERALDI, J.W. Portos de passagem. São Paulo, Martins fontes, 2002. 
JIN, L. & CORTAZZI, M. “La cultura que aporta el alumno: ¿puente u obstáculo?” In: BYRAM, M. & 
FLEMING, M. (Org) Perspectivas interculturales en el aprendizaje de idiomas:enfoques a través 
del teatro y la etnografía. Madrid: Cambridge University Press, 2001. 
KLAPISCH, C. (Dir.) Albergue Espanhol (L´Auberge espagnole). DVD, Espanha/França: 2003. 
KRAMSCH, C. El privilegio del hablante intercultural. In: BYRAM, M. & FLEMING, M. (Org) 
Perspectivas interculturales en el aprendizaje de idiomas:enfoques a través del teatro y la 
etnografía. Madrid: Cambridge University Press, 2001. 
LUFT, C.P. Língua e Liberdade: por uma nova concepção da língua materna. Porto Alegre: L&PM, 
1985. 
NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003. 
NEGRÃO, E.; SCHER, A.; VIOTTI, E. (2002) “A competência Lingüística” In: FIORIN, J.L. (Org.) 
Introdução à Lingüística I: Objetos teóricos. São Paulo: Contexto. 
PAIVA, V.L.M.O. Aquisição em memórias de falantes e de aprendizes de línguas estrangeiras. 
Site: http://www.veramenezes.com/amfale2.htm [Acesso em: Set/2005] 
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, Mercado de Letras/ALB, 
1996. 
SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Autoriza o poder executivo a incluir no currículo do 
Ensino Fundamental e Médio a crítica da violência doméstica e da discriminação de raça, gênero, 
orientação sexual, origem ou etnia Lei n.º 12.284 de 22/02/2006. São Paulo, Diário Oficial do 
Estado, Caderno Executivo I, p. 01 de 23/02/2006. 
SIMKA, S. “O discurso da inferioridade lingüística”. In: Ensino Superior. São Paulo: Segmento, n.º 
46, julho de 2002. 
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo, Ática, 1993. 
SPIELBERG, S. (Dir.) O terminal (The Terminal). DVD: EUA, 2004. 
TELLES, J.A. “A trajetória narrativa: histórias sobre a formação do professor de línguas e sua 
prática pedagógica” In: Trabalhos em Lingüística Aplicada, 34. Campinas: UNICAMP, 1999. 
 
 498 
TREVIZAN, Z. As malhas do texto: escola, literatura, cinema. São Paulo: Clíper, 1998. 
 
 
 
 
 
 
ANEXO 1 
SUGESTÃO DE ROTEIRO PARA ANÁLISE DE FILMES COM OS ALUNOS 
(Adaptado do modelo proposto por Napolitano, 2003) 
1. Qual o tema do filme? O que os realizadores do filme tentaram nos contar? Eles 
conseguiram passar sua mensagem? Justifique sua resposta. 
2. Você aprendeu alguma coisa com este filme? O quê? 
3. Algum elemento do filme não foi compreendido? Qual? 
4. Do que você mais gostou nesse filme? Por quê? 
5. Qual o seu personagem favorito no filme? Por quê? 
6. Qual é o personagem de que você menos gostou? Por quê? 
7. Todos os eventos retratados no filme são verdadeiros (ou verossímeis)? Descreva uma 
cena que você achou bem fiel à realidade. Qual a seqüência que parece menos 
realista? Por quê? 
8. Qual é a síntese da história contada pelo filme? 
9. Você gostou do filme? Por quê? 
 
ANEXO 2 
GUIA PARA ELABORAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO ARTICULANDO O CINEMA NOS 
COMPONENTES CURRICULARES 
 
• Definir o filme, levando-se em conta os objetivos, a abordagem e o grupo a ser trabalhado; 
• Opção de áudio/legenda que será utilizada na exibição do filme; 
• Aspectos apresentados pelo filme que serão desenvolvidos; 
• Elaboração das atividades que serão trabalhadas; 
• Quantidade de aulas que serão necessárias; 
• Pressuposto teórico; 
• Pergunta de pesquisa/Característica a ser observada no que concerne aos objetivos do 
 
 499 
trabalho; 
• Metodologia: sujeitos/materiais (o que e como será feito)/forma de coleta de dados (antes, 
durante, depois....); 
• Instrumentos para coleta de dados, 
(formulários, gravações....) 
• Como a experiência será registrada? Como será dará a análise dos dados?

Continue navegando