Prévia do material em texto
CAPA 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?) 5 3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT ............................................................. 7 3.1 As fases do pensamento de Kant ......................................................... 9 3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas). 9 3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo ..................... 13 3.4 Kant e a crítica ................................................................................... 15 3.5 O tema ético em Kant ......................................................................... 21 3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica ........ 25 4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL ....................... 29 4.1 O sistema de Hegel é idealista. .......................................................... 32 4.2 Hegel e a história ............................................................................... 34 4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST) ................................................. 35 5 A FILOSOFIA E A VIDA DE NIETZSCHE ................................................ 38 6 O MARXISMO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS............................. 41 7 FENOMENOLOGIA: GENÊSE E FORMA ............................................... 44 7.1 Edmund Husserl ................................................................................. 47 7.2 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) .................................................. 49 7.3 Simone de Beauvoir (1908–1986) ...................................................... 52 7.4 Martin Heidegger (1889-1976) ........................................................... 53 8 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA ............................. 56 9 ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO E DESCONSTRUÇÃO 59 3 9.1 Os pensadores da estrutura ............................................................... 61 9.2 Pós-estruturalismo: filosofia e rebelião social ..................................... 64 9.3 A desconstrução das estruturas estáveis ........................................... 67 9.4 Experiência e subjetivação: o conceito de dobra em Gilles Deleuze . 70 9.5 O conceito de rizoma.......................................................................... 74 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 76 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?) Deleuze, Foucault e Sartre ao fundo, três importantes filósofos contemporâneos. Fonte: https://abre.ai/ffew A filosofia é um campo de experiência que se constituiu, desde os gregos, enquanto uma prática de pensamento que questiona e investiga os fenômenos da vida, da natureza e da cultura, buscando no uso autônomo do entendimento seus fundamentos e motivações. A filosofia não consiste, assim, em um simples amor ao saber. A significação da palavra deve ser compreendida como a expressão de um afeto amoroso específico, que se configura segundo os problemas de uma época e pela presença orientada de métodos e motivos intrínsecos e necessários à sua realização. Isso não quer dizer que a filosofia seja única ou fácil de definir. Pensadores, filósofos ou simplesmente estudantes e estudiosos de filosofia ou profissionais de qualquer área, ao começarem a lidar com um conteúdo de natureza filosófica, devem considerar que estão em um campo de experiência com uma estrutura inconfundível, onde o constante aprendizado é imprescindível, marcado pelo espanto e pela construção de conceitos que buscam exprimir o sentido do mundo, como também participar de sua produção. Quando falamos de filosofia contemporânea é preciso, nesse sentido, considerar a forma de amor ao saber que a filosofia constitui no período ‘histórico’ que 6 chamamos contemporâneo. Uma maneira de compreender esse amor é diferenciar a filosofia contemporânea de sua manifestação em outros períodos da história do pensamento, identificando os temas e os problemas discutidos pelos filósofos e a relação deles com as condições históricas e sociais nas quais eles constituem seu amor à sabedoria. Se a filosofia medieval surge, por exemplo, marcada pela relação entre fé e razão, através do esforço genial de autores como Tomás de Aquino e Agostinho que buscam conciliar o pensamento cristão com a filosofia grega; a filosofia moderna, por outro lado, entra em cena enquanto esforço de dar à racionalidade sua autonomia, contestando às formas religiosas de compreensão do mundo medieval, algo que será herdado pela filosofia contemporânea. Por contemporâneo devemos entender o momento histórico em que estamos e a nossa relação atual e virtual com o presente, com o passado e com o futuro da modernidade, identificando o momento em que o pensamento moderno (Descartes, o iluminismo, a física clássica, o Renascimento, a Reforma protestante) começa a tomar feições que vão ser denominadas como contemporâneas. Por outro lado, a modernidade e o mundo contemporâneo não são homogêneos e únicos, nem se referem somente ao ‘’homem europeu’, visto como o primeiro a questionar os valores da religião que configuram a vida social no mundo medieval. A modernidade constitui-nos e é referência habitual do nosso pensamento, existindo, ainda, na perspectiva de cada cultura e grupo social que a assume e a vivencia como herança. Para entender a filosofia contemporânea precisamos, assim, ver onde ela nasce e como ela nasce e qual a sua relação com a modernidade entendida em sentido amplo, ou seja, segundo problemas que ainda nos dizem respeito (BERMAN, 2007). Historicamente, a filosofia contemporânea tem como marco cronológico a Revolução Francesa e os inúmeros pensadores que constituíram discursos e práticas que justificaram e questionaram sua existência. Considerando esse marco histórico e cronológico, o primeiro grande pensador contemporâneo pode ser considerado Immanuel Kant (1724-1804). É com ele que vamos começar nossos estudos. 7 3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT Nascido em uma cidade do antigo Reino da Prússia chamada de Konigsberg, Kant é um filósofo moderno e contemporâneo ao mesmo tempo, já que sua filosofia está na passagem entre a primeira modernidade ou idade clássica para o mundo contemporâneo (MERLEAU-PONTY, 1999). Sua filosofia se configura pelo debate com o racionalismo, com o empirismo e pelo impacto da Física de Galileu na vida intelectual de seu tempo. Interessantenotar, que o que chamamos de contemporaneidade pós-revolução Francesa, tem como característica o surgimento das diversas ciências humanas, enquanto abordagens específicas de temas e fenômenos que eram até então tratados pela filosofia. A psicologia, a sociologia e a antropologia são exemplos de ciências que retomam problemas da filosofia, tais como o comportamento humano, o sentido da subjetividade e o mundo da política e das relações sociais. O diferencial encontra-se no uso de uma perspectiva inédita, que visa repetir no âmbito da investigação dos fenômenos humanos um sucesso similar àquele das ciências naturais (GOLDMANN,1978; LYOTARD, 2008). Por outro lado, esse período surge marcado por um profundo questionamento da função da subjetividade na formulação do conhecimento, algo que se inicia com a filosofia de Descartes. Descartes funda a filosofia no ‘eu penso’, isso quer dizer que ele parte do sujeito enquanto base para fundação de um sistema voltado a compreender de modo distinto e rigoroso vários objetos e fenômenos. O eu “penso cartesiano” começa, nesse sentido, a ser questionado e esse questionamento, assume, na filosofia de Kant, um caráter crítico e transcendental, como veremos a seguir. Nesse contexto, Kant preparou um terreno para uma filosofia que pudesse ser desenvolvida com bases completamente novas e iluminou os problemas relacionados à subjetividade e à teoria do conhecimento. Esses temas ainda têm grande impacto no âmbito das ciências humanas e naturais, como também em discussões no campo das artes e da estética. O pensamento de Kant se destacou por levar até às últimas consequências a virada antropocêntrica iniciada no período renascentista (CASSIRER, 1986; LEBRUN, 2002)). pablo campos pereira 8 A filosofia de Kant pode ser equiparada à metáfora, usada por ele mesmo, de que era necessária uma revolução copernicana em filosofia. Dessa forma, em astronomia, a revolução copernicana concluiu que o sol está no centro do nosso sistema planetário, e tudo se move ao seu redor, contrariando as antigas teorias medievais e gregas do geocentrismo. Apoiando-se, nessa imagem, Kant criticou a tradição filosófica de sua época, mostrando que ela praticava uma forma de pensamento semelhante àquela dos astrônomos geocêntricos, buscando um centro para a filosofia e para ciência que não é verdadeiro. Ele indicava, assim, a necessidade de deslocar o olhar do objeto para o sujeito que conhece, buscando entender a forma como sujeito humano se coloca no mundo do conhecimento. Nesse sentido, Kant se esforçará exatamente para compreender qual a função do sujeito na constituição do conhecimento científico, pondo em relevo não mais a estrutura do objeto, mas as condições que permitem o ato de conhecer. A filosofia de Kant pode ser considerada uma das formas mais acabadas e consistentes da filosofia iluminista, fazendo parte da tradição do século das Luzes, o século da razão e do iluminismo, marcado pelas filosofias de Diderot, Rousseau, Montesquieu, Voltaire. Contudo, a confiança de Kant na razão surge mediada pela ideia de que a racionalidade deve ser pensada segundo sua conformação fundamental, ela deve descobrir o seu sentido e suas possibilidades. Isto é, em sua perspectiva uma racionalidade ‘sustentável’ seria aquela capaz de conhecer seus próprios limites, no que tange ao que entra ou não no campo do conhecimento científico (CASSIRER, 1986; LEBRUN, 2002). Assim, a revolução copernicana em filosofia é exatamente colocar a razão no centro da investigação filosófica. Se os iluministas até Kant entendiam a racionalidade como fundamento da experiência e da possibilidade de desenvolvimento humano e social; Kant surge como contemporâneo, na medida em que a crítica da razão é uma maneira não ingênua de tratar a racionalidade e compreender sua legalidade cognitiva (DELEUZE, 1994). pablo campos pereira pablo campos pereira 9 3.1 As fases do pensamento de Kant A primeira fase do pensamento de Kant é conhecida como “pré-crítica” ou “dogmática”. Ela começa com a publicação de seus primeiros trabalhos em 1755 e termina em 1780 (DELEUZE, 1994). Nessa fase, o filósofo se orientava pelo racionalismo de Gottfried Leibniz e Christian Wolff, uma filosofia que ele chamaria posteriormente de dogmática, na medida em que não tinha em seu horizonte uma análise dos limites do conhecimento humano (REALE; ANTISERI, 2006b). Nesse período, a obra de Kant não incluía, um questionamento a respeito das condições de possibilidade de conhecimento, voltava-se, para temas filosóficos e de caráter científico oriundos da física, da geografia, da história e da matemática. Esses assuntos eram tratados em suas aulas na universidade e em textos escritos naquele período. Ele escreveu, também, dois livros de caráter cosmológico, que foram famosos em sua época: Uma história universal da Natureza e Teoria do Céu, ambos de 1775 (REALE; ANTISERI, 2006). A segunda fase do pensamento kantiano, conhecida como “criticismo”, começa a tomar relevo a partir de 1770, desdobrando-se a partir de uma espécie de choque filosófico. Com base nos estudos da filosofia de David Hume (1711-1776), Kant afirma ter despertado do seu sono dogmático. Esse despertar em Kant é chamado por Deleuze (1994) de tribunal da razão, pois o filósofo passa a refletir sobre a legalidade do conhecer, determinando suas regras e princípios, como também suas condições de possibilidade. Nessa fase, Kant inicia seu projeto de superação das filosofias racionalistas, visando como elas tratam o problema do conhecimento. Veremos, agora, o sentido da crítica de Kant a essas correntes filosóficas e sua elaboração de uma teoria transcendental do conhecimento. 3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas). A parte mais conhecida e considerada da obra de Kant são as publicações do período crítico, que começam quando o filósofo já tinha 57 anos e também havia construído uma sólida carreira universitária em sua pequena cidade natal (REALE; ANTISERI, 2006). 10 A sua teoria do conhecimento ou, se quisermos, a sua epistemologia se configura na primeira crítica, a saber, a Crítica da Razão Pura de 1781. Nessa obra, o filósofo trata do problema da razão, através de uma crítica de seus limites, querendo, assim, responder à pergunta: o que podemos conhecer? Para entender como o filósofo se situa diante deste questionamento, torna-se importante revisar na história da filosofia como o problema do conhecimento foi tratado pelos filósofos anteriores à Kant e como seu trabalho configurou-se diante da tradição. Duas respostas antagônicas à questão da origem e da possibilidade do conhecimento podem ser reconhecidas desde os antigos gregos: o racionalismo e o empirismo. Todavia, é importante também entendermos que o racionalismo de Platão não era o mesmo de Descartes e que posições racionalistas e empiristas foram formuladas de muitos modos no decorrer da história do pensamento, mas de modo diferenciado. Em história da filosofia, é importante evitarmos generalizações, ainda que seja fundamental ver os pontos de contato existentes entre teorias surgidas em tempos históricos muito distantes; nesse caso, sob os nomes racionalismo e empirismo não encontraremos uma mesma filosofia, mas comportamentos teóricos até certo ponto semelhantes porque fundados em uma perspectiva ontológica similar (MERLEAU-PONTY, 1999). Na época de Kant, o racionalismo dominava o continente europeu (França, Alemanha, entre outros países); na ilha britânica, o empirismo era hegemônico. Para o filósofo na sua fase crítica, as duas concepções eram insuficientes e problemáticas. Opondo-se, às duas posições, o esforço epistemológico de Kant pretendeu dar conta da ciência da época, explicando como foi possível a produção científica, em especial, a Geometria Euclidianae a Mecânica Newtoniana (REALE; ANTISERI, 2006). Em termos gerais, podemos compreender o racionalismo como a "posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento" (HESSEN, 1980). Nessa perspectiva, o racionalismo é uma posição teórica que sustenta que basta o pensamento puro, tanto para a ciência formal, como para a ciência fática ou empírica para a formulação do conhecimento verdadeiro (BUNGE, 1986). Descartes (1596 1650) é o fundador do racionalismo moderno. Com uma proposta metodológica de base dedutiva, visando princípios instituídos de maneira independente da experiência, retomou a teoria das ideias inatas, sua filosofia estava 11 baseada na convicção de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da realidade de modo semelhante ao conhecimento matemático, sendo interessa de a filosofia construir seus métodos conforme o desenvolvimento das teorias matemáticas. Afirmou que as ideias claras e distintas, descobertas em nossa mente através da dúvida metódica, são verdadeiras, pois Deus não daria ao homem uma razão que o enganasse sistematicamente (KENNY, 1999). O racionalismo cartesiano foi responsável por uma profunda transformação no modo como se concebeu a filosofia na tradição ocidental. Entre os dois milênios que separam as obras de Platão (428–347 a.C.) e de Aristóteles (384–322 a.C.), escritas no século IV a.C., da obra de René Descartes (1596–1650), datadas do século XVII, não havia surgido uma teoria do conhecimento tão inovadora quanto o pensamento cartesiano. Os filósofos gregos foram audaciosos ao propor um novo estilo de pensar, colocando em dúvida as verdades oriundas da tradição mítica grega. Da mesma forma, o racionalismo de Descartes propôs uma forma de interpretar a realidade que acabou superando a filosofia da Idade Média, então dominada pelo pensamento escolástico e pela preocupação de justificar a doutrina cristã através de conceitos e métodos oriundos da filosofia grega (KENNY, 1999). Em relação à tradição filosófica, na qual está inserido, Descartes apresenta uma forma de fazer filosofia que não é simplesmente comentário ou releitura de outros filósofos, mas uma tentativa de fundar um sistema de pensamento coerente e racional inteiramente novo. A partir da prática filosófica, entendida como esforço de pensamento, de retorno do sujeito a sua própria experiência, a fim de encontrar no próprio pensamento as metodologias para se aproximar a verdade, Descartes compara a sua filosofia com o trabalho de um arquiteto que demoliu uma casa e constrói, posteriormente, outra inteiramente nova a partir dos seus destroços. O que ele pretendia demolir era justamente tudo aquilo que os escolásticos — isto é, os doutores da Igreja de sua época — tomavam como verdade; e a casa nova seria o seu pensamento racionalista, científico e matemático (DESCARTES, 1973). O profundo corte que o pensamento cartesiano opera na história da metafísica e da teoria do conhecimento se dá em um contexto de desenvolvimento científico, cujo impactos foram responsáveis pela formação da mentalidade moderna e, posteriormente, pelo que entendemos atualmente como modernidade tardia ou 12 ‘mundo contemporâneo’. Há um consenso quase geral entre os historiadores da filosofia, que Descartes foi o primeiro filósofo moderno, pela maneira como deslocou a metafísica de suas questões teológicas — isto é, investigações relativas à existência e à vontade de Deus — para uma investigação do universo a partir da mecânica e da matemática (KENNY, 1999). Descartes, assim, tornou possível o racionalismo moderno, justamente por desconfiar de todas as verdades que seus contemporâneos afirmavam a partir de suas crenças culturais, religiosas e da tradição filosófica. O Discurso do Método (2009), nesse sentido, é um pequeno livro no qual vemos emergir um homem que busca, antes de tudo, independência de pensamento, mas que a partir de sua condição espiritual individual coloca em cena uma nova forma de pensar que encarna todo um momento da história do pensamento. Em seu desejo de distinguir o verdadeiro do falso, Descartes passou, assim, a duvidar radicalmente das opiniões dos outros — o que, em sua época, a filosofia chamava de “senso comum” e que Platão havia definido muito antes como "doxa". Assim, ele narra como utilizou seu método para questionar várias dimensões do pensamento ocidental. Ao colocar em suspenso todas as suas crenças e opiniões, ele buscava encontrar o elemento mínimo e dedutível capaz de sustentar todo o edifício do saber científico (KENNY, 2009). Para Descartes, em sua radicalidade, sua própria existência deveria ser colocada em questão, pois como ele poderia saber que não estava simplesmente sonhando ou sendo enganado por uma força desconhecida, um gênio maligno, por exemplo? Desse procedimento de colocar sua experiência em dúvida, o que sobrou? Apenas o filósofo, frente a sua própria racionalidade, o seu pensamento em movimento, distinto de seu corpo e do mundo material, certamente em um quarto solitário, mas apenas um eu e seu absoluto nada cheio de pensamento. É aí que Descartes chega a uma das máximas mais poderosas da história da filosofia: se esse “eu” que duvida continua existindo enquanto dúvida, então a realidade mais distinta que se pode reconhecer é a existência do próprio pensamento: [...] notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES, 1973, p. 54). 13 A partir da definição do “eu” pensante como a coisa mais clara e mais distinta, o princípio sobre o qual se pode edificar um novo pensamento, Descartes se pergunta qual seria a segunda coisa mais evidente. Seria a existência do seu próprio corpo? Para Descartes, embora a razão pudesse extrair de si a evidência de sua existência, nada ainda comprova que esse “eu” pensante fosse idêntico ao corpo que habita. Pois o corpo, para Descartes, é a origem das sensações, da experiência, da empiria, o lugar onde se originam as crenças e hábitos falaciosos que podem impedir o filósofo de ver e ser tomado pela clareza da verdade que se diferencia da experiência dos sentidos. A partir disso, Descartes define que os seres humanos possuem uma alma, distinta do corpo, considerando que o corpo é da ordem daquilo que pode morrer e alma uma dimensão eterna na qual a própria essência do humano estava presente. Está formando, então, o cenário cartesiano dos debates entre racionalistas e empiristas, que permitirá a Kant pensar o ato de conhecer como uma dimensão transcendental, palavra que assumirá no filósofo alemão, um sentido especial e específico como veremos a seguir. 3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo Essa separação radical entre o corpo e a alma é um dos traços mais característicos da filosofia de Descartes e foi denominado na história da filosofia como dualismo cartesiano. Nessa perspectiva, o ente humano é formado por duas substâncias diferentes: de um lado, o corpo que nos remete às coisas do mundo e pertencente à natureza. Por outro, a alma, que seria a dimensão do pensamento, próxima ao que não participa ou é determinado pela contingência dos sentidos. Para demonstrar a validade de seu dualismo, Descartes define a diferença entre as qualidades primárias e as qualidades secundárias de quaisquer objetos. As qualidades primárias são aquelas passíveis de serem conhecidas pela razão — isto é, aquelas que expressam a harmonia matemática por trás de cada objeto e se caracterizam pela pura identidade consigo mesmas. As qualidades secundárias são aquelas que podem ser apreendidas pelos sentidos e são mutáveis e superficiais. O exemplo dado por Descartes (1973)é o de um bloco de cera que, quando colocado perto do fogo, muda completamente no que 14 diz respeito ao modo como afeta os sentidos: nele encontramos transformações em seu tamanho, cheiro, cor e forma. No entanto, ao esfriar, o bloco de cera volta-se à sua forma original. O que permanece idêntico nesse bloco, o que faz ele “ser”, não é a sua materialidade, nem o modo como afeta os sentidos, mas as suas propriedades inteligíveis, que apenas a razão pode captar. Interessante notar, que não se trata somente em dizer que a razão apenas conhece um mundo ideal, mas mostrar como ideias conhecidas pela razão têm uma função estruturante na verdade da experiência porque não são dominadas pela contingência do mundo material. Nesse caso, o que é preciso ver é que uma certa imagem da racionalidade é posta no centro do que Descartes entende como verdade (DESCARTES,1973). O empirismo constitui-se como uma experiência filosófica que se faz em termos aparentemente diferentes daquele do intelectualismo cartesiano. Enquanto o intelectualismo, visa fundamentar a experiência na presença do ser pensante, entendido como uma dimensão independente do mundo sensorial. O empirismo, buscará valorizar a esfera dos sentidos, mas entendendo-a como um conjunto de relações causais que determinam a ‘forma’ de ser da nossa experiência. Para os filósofos empiristas — como Francis Bacon (1561–1626), Thomas Hobbes (1588–1679), John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776) —, os seres humanos apenas podem pode conhecer a realidade a partir de seus sentidos (KENNY, 2009). Daí o nome desta postura filosofia ser “empirismo”. Em sua origem, a palavra significa simplesmente “experiência”, a mesma que qualquer sujeito adquire a partir da prática ou da apreensão atenta dos fatos, ou ainda, por aquilo que pode experimentar diretamente, seja em sua própria vida ou pela observação na vida dos outros. Quando passamos para o campo da filosofia, o empirismo significa uma confiança nos sentidos: a compreensão de qualquer ideia experimentada pelos seres humanos teve sua origem na experiência. Os empiristas acreditavam, assim, que todo o conhecimento surge a partir de induções, isto é, raciocínios sobre a natureza que se baseiam na regularidade dos fatos que são absorvidos pelo sujeito através de seu aparelho sensorial (JAPIASSÚ, H; MARCONDES, 2001). As duas grandes linhas da filosofia moderna não concordam, assim, quanto à forma como os seres humanos distinguem o verdadeiro do falso a partir da razão e como se processa a relação de conhecimento com o mundo que faz surgir as ciências 15 e a filosofia. O empirismo não se diferencia do racionalismo cartesiano por não ter em suas concepções uma ideia racionalidade, mas por ter na experiência dos sentidos uma fonte a ser considerada na formação da experiência da racionalidade (KENNI, 2009). 3.4 Kant e a crítica No seu período pré-crítico, como já afirmamos, Kant aderiu ao racionalismo; mas foi lendo um dos mais radicais empiristas, David Hume, que o filósofo se inicia em uma reflexão que vai lhe afastar do racionalismo anteriormente adotado, mas sem assumir uma posição empirista ou cética, mas se colocando a necessidade de uma crítica da razão. Conforme suas palavras: Confesso-o francamente, foi a advertência de David Hume que primeiramente interrompeu, há já muitos anos, o meu sono dogmático e que deu uma orientação completamente diferente às minhas investigações no campo da filosofia especulativa (KANT,1981, p. 25). Kant não duvidava da possibilidade de se chegar ao conhecimento. A ciência dos séculos XVII e XVIII constituía-se, para ele, como o atestado desta possibilidade (KENNY, 2009). No entanto, ele considerava necessário responder às insuficiências da filosofia em relação ao modo como o problema do conhecimento era tratado (REALE; ANTISERI, 2006) Assim, o filósofo afastou-se do puro racionalismo ou do puro empirismo. Será através da crítica radical às duas posições, que constituirá a base para sua crítica da razão (KENNY, 2009). A reflexão de Kant concentrou-se na análise das condições de possibilidade do conhecimento, descrevendo uma determinação transcendental da experiência, que não será entendida nem como da ordem da pura razão nem como sustentada pelo aparelho sensorial humano. No início da Crítica da razão pura (2001), Kant indica o caminho a ser percorrido pelo seu pensamento: Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? 16 Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. Há, pois, pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência (KANT, 2001, p. 81-82). O projeto kantiano se inicia pela consideração de que é correta a posição de que o conhecimento se inicia com a experiência, mas aponta para a necessidade de diferenciar o ‘começar com a experiência’ da ideia de prover ou ser determinado por ela. Nesse caso, quando se afirmar que o conhecimento se inicia com a experiência, não quer dizer que ele tenha sua origem em nossa abertura sensível ao mundo, como se fosse, portanto, causado pelo mundo exterior. Começar com a experiência quer dizer que não é possível uma forma de conhecimento ser colocada em cena senão segundo nossa presença ao mundo através do nosso aparelho sensorial. No entanto, essa abertura, para Kant, estaria fundada em estruturas que não se originam na experiência, porque são constitutivas da subjetividade em sentido transcendental. A relação com o exterior através do que ele chama de formas a priori da sensibilidade, mais precisamente o tempo e o espaço, que colocam em funcionamento o aparato cognitivo humano, que constitui a sensibilidade, mas não são determinados pelos objetos que são apreendidos pelos sentidos (KENNY, 2009). Kant considera que apesar de todo conhecimento ser considerado conhecimento em uma experiência, existem certas condições a priori para que as impressões sensíveis se convertam em representações. Essas representações poderão entrar em jogo nos processos de conceitualização, característicos das ciências, mas estão determinados por uma segunda esfera das estruturas da subjetividade: o entendimento. Trata-se, nesse sentido, de uma concepção racionalista. No entanto, não é uma posição levada ao extremo, pois "todo o conhecimento das coisas proveniente só do puro entendimento ou da razão pura não passa de ilusão; só na experiência há verdade" (KANT, 2001, p. 45). 17 A reflexão de Kant se esforça para que a dicotomia empirismo/racionalismo receba uma solução intermediária já que "pensamentos sem conteúdosão vazios; intuições sem conceitos são cegas"(KANT, 2001, p. 75). O enfoque que procura determinar e analisar as condições a priori de qualquer experiência, foram denominadas como transcendentais por Kant. Nesse sentido, o filósofo considera fundamental diferenciar o empírico do transcendental, o a priori do a posteriori: Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência (KANT, 2001, p. 81). A superação entre racionalistas e empiristas se dá a partir do conhecimento recebido, ou seja, por meio da experiência, denominada a posteriori, somada com o que já é inerente à subjetividade humana, isto é, a priori ou anterior a qualquer experiência. Mas qual é a pergunta fundamental que Kant se coloca quando se volta à investigação dos limites do racionalismo e do empirismo e se encaminha para uma leitura transcendental da experiência? Podemos entender esse questionamento se adentramos na teoria do juízo que está no centro da primeira crítica, onde ele estuda as formas de juízo. Os juízos são maneiras pela qual consideramos os objetos (as representações) que temos do mundo e que se tornam objeto de conhecimento. Existem dois tipos básicos de juízo: 1) Os juízos sintéticos que têm caráter a posterior, ou seja, derivam da experiência, por isso são chamados de a posteriori. Nas palavras de Japiassú e Marcondes (2001), deve-se compreender como a posteriori: priori o “que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 26). Tais juízos, portanto, apenas acontecem através da abertura da nossa experiência ao mundo exterior e se caracterizam por acrescentar ‘conhecimento’ ao objeto que visa, ainda que este não possa ser considerado como essencial em relação ao objeto. Por exemplo, João é professor de História. Ser professor de história não é uma característica essencial de João, não o define essencialmente, ainda que seja uma característica que o faz estar no mundo em um determinado sentido e não outro. 18 2) Nos Juízos analíticos, que são sempre a priori, acontece o contrário. O que temos é uma afirmação que está contida no sujeito. Em outras palavras são juízos analíticos aqueles em que um predicado (B) pode estar contido no sujeito em (A) e, por isso, pode ser extraído por pura análise. Isto significa que o predicado nada mais faz do que explicar ou explicitar o sujeito (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). Por exemplo: o triângulo é uma forma geometria que tem três lados. Em Kant, encontramos ainda um terceiro tipo de juízo, chamado de sintético a priori: é obtido com base na união da dedução e da experiência, apresentando relevância científica, já que são aqueles que colocam em cena um conhecimento universal que não pode ser intuído da própria estrutura do objeto, mas acrescenta ao campo de uma ciência um conhecimento, indicando na experiência do sujeito um novo conteúdo conceitual. São juízos sintéticos, de caráter ideal a priori, mas que acrescentam conhecimento ao objeto representado. Proposições matemáticas como: 456 x2 + 912 =. 1824. No que tange a forma dos juízos, o que Kant pretende é diferenciar juízos empíricos (sintéticos) de juízos analíticos, apontando para a existência de um campo indutivo de experiência e outro dedutivo, marcando a diferença entre o caráter transcendental da experiência e outras posturas teóricas em que a estrutura transcendental de abertura do sujeito ao mundo não é visada (KENNY, 2009). Podemos ver, que com essa abordagem, Kant une e ultrapassa as posições racionalistas e empiristas, mas ao mesmo tempo as transforma, já que o conhecimento, para Kant, apenas pode ser entendido a partir daquele que conhece, não estando do lado do objeto, isto é, de relações que possam se dar pela consideração de um mundo completamente ‘exterior’ ou independente a experiência do sujeito. A ideia é que o que procede de fora constitui a matéria do conhecimento, mas isso que surge de fora, já aparece organizado conforme estruturas básicas da experiência, que o filósofo alemão chamará de transcendentais. Assim, com base no pensamento racionalista, Kant afirma que a forma do conhecimento é inerente ao homem, não admitindo a razão como “uma folha em branco” (KENNY, 2009). Tanto a matéria quanto a forma atuam ao mesmo tempo, de maneira que de nada vale o conhecimento sensível, a matéria a posteriori, se ela não for considerada a partir do que há no sujeito, isto é, a priori, entendido como condição para a 19 organização das formas inteligíveis. Ele elenca nesse sentido duas formas da sensibilidade a priori, as quais já nos referimos: o espaço e o tempo (REALE; ANTISERI, 2006). No que tange a experiência do espaço, é preciso notar que os objetos até podem ser retirados de um respectivo espaço, mas nunca podem ser pensados como destituídos de espacialidade. O espaço, portanto, não é possível ser retirado da experiência, é uma forma de organização a qual essencialmente depende nossas considerações acerca do objeto, está na base de nossas representações (MARCONDES, 2000). O tempo, por outro lado, é a percepção interna do sujeito, relacionado ao passado e ao futuro, ao sistema de duração a partir do qual surgem organizadas a forma como o movimento e transformação das representações são dadas (MARCONDES, 2000). As duas estruturas estão na ordem do que Kant chama de estética de transcendental, tratada por ele, na primeira parte da crítica da razão pura, constituindo sua investigação sobre a priori da sensibilidade (KANT, 2001). Na perspectiva das investigações de Kant, somente pelo espaço e pelo tempo é que se pode afirmar a possibilidade do conhecimento do mundo sensível (KANT, 2001). Outra estrutura ou faculdade transcendental considerada por Kant é o entendimento. Se no âmbito da estética transcendental estamos lidando com dados sensíveis, a passagem para o entendimento é para a investigação do momento conceitual da nossa abertura teórica ao mundo (MARCONDES, 2000). No entendimento, encontramos os princípios e as categorias pelas quais um fenômeno sensível pode ser pensado, pode adquirir, portanto, a forma de algo a ser pensado através de conceitos. O entendimento é abordado por Kant no âmbito do que ele chama de analítica transcendental, mais precisamente, do estudo das condições de possibilidade de nossas considerações teóricas acerca do fenômeno. O entendimento se estrutura através de 12 categorias que estão na base das nossas considerações conceituais e, portanto, determinam o que chamamos de ciência e conhecimento teórico. As categorias e sua relação com as formas de juízos estão descritas na tabela 1 abaixo: Tabela 1 – Formas de juízos 20 QUANTIDADE JUÌZOS CATEGORIAS Universais Unidade Particulares Pluralidade Singulares Totalidade QUALIDADE JUÌZOS CATEGORIAS Afirmativos Realidade Negativos Negação Infinitos Limitação RELAÇÃO FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS Categóricos Substância e Acidente. Disjuntivos Da reciprocidade Infinitos Limitação MODALIDADE FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS Problemáticos Possibilidade e impossibilidade Assertivos Existência e inexistência Apodíticos Necessidade e contingência Fonte: Adaptado de Reale e Antiseri (2006, p. 364) Através das categorias, Kant procura identificar aqueles conceitos que estarão na origem de todos os tipos de juízo possíveis e envolvem uma forma de tratar teoricamente os objetos. Entende-se, assim, que a reflexão acercada limitação e das possibilidades cognitivas dos seres humanos foi uma das maiores preocupações de Kant. Na perspectiva do filósofo, nossa experiência não tem acesso ao ser do mundo enquanto coisa em si, mas somente enquanto representação, ou seja, de modo fenomênico (MARCONDES, 2000). Quer dizer que a subjetividade tem uma forma singular e transcendental de se relacionar com seus objetos, ela atinge o ‘mundo’ de modo fenomenal. Por isso, entende-se que para o filósofo a razão humana está imersa em duas ordens de acontecimentos: o mundo da representação e dos fenômenos, onde ele pode fazer juízos e, de outro, o mundo da coisa em si, ou, noumenon inacessível a subjetividade em seu sentido teórico. 21 O mundo em si é para razão da ordem da especulação, daqueles objetos, eventos, acontecimentos que só entram em cena enquanto resistentes ao discurso científico. Nessa perspectiva, por exemplo, Deus, a alma, e o mundo como totalidade serão para Kant impossíveis de serem conhecidos cientificamente, tornando-se o limite a qual a subjetividade enquanto racionalidade deve considerar quando estiver no jogo da atividade científica (REALE; ANTISERI, 2006). Com a crítica da razão pura, Kant considerava, portanto, ter estabelecido os limites e as condições do uso teórico da razão: o núcleo de tais condições repousam, de um lado, na sensibilidade, no espaço e no tempo, tratadas como formas puras da intuição e, de outra parte, do entendimento, no qual os conceitos puros, isto é, as categorias determinam o caráter conceitual da experiência, o que estaria na origem das formas de juízo possível (DELEUZE, 1994). 3.5 O tema ético em Kant Qual o significado da pergunta “o que devo fazer” em Kant? Significa uma esfera fundamental de investigação acerca da ação humana, diferenciando aquilo que seria moral e ético daquilo que não é. Kant trata do tema em muitos textos, destacando-se a segunda crítica, A crítica da Razão prática (1788) e o seu livro A metafísica dos costumes (1797). Na perspectiva do filósofo, a moralidade não explica e não se fundamenta através de contextos políticos e sociais particulares, bem como de dogmas religiosos advindos da fé. O sentido ético da experiência deve, assim, ser pensado segundo uma investigação racional, já que sua base, como mostrará Kant, é racional. Nesse caso, a pergunta que surge é: o que Kant entende por moralidade? Na obra Fundamentação da metafísica dos costumes (2007), Kant formula o princípio do imperativo categórico. Segundo o filósofo: imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade (KANT, 2007). O princípio básico do imperativo categórico consiste na ideia de que devemos agir somente de acordo com aquelas máximas pelas quais possamos desejar que elas se tornem uma “uma lei universal” (KANT, 2007, p. 51). Este princípio determina que a ação moral é aquela que pode ser universalizada e considerada como necessária. Trata-se assim de um 22 princípio ideal, isto é, independentemente do que fazemos, mas que normatiza e explicita o que é a ação moral em seu sentido autêntico. Ainda que seja ideal, isso não quer dizer que ela não tenha que orientar as ações humanas, ao contrário, é por ser ideal, isto é, não estar preso às contingências da vida mundana, que ela se torna a regra que deve fundamentar a esfera prática da existência (KENNY, 2009). Nossa ação para ser ética deve, portanto, ser tal que possa ser universalizada de acordo com imperativo categórico. Por exemplo: devemos cumprir o que prometemos e manter nossa palavra porque esperamos que as outras pessoas também o façam e se não fizermos toda a prática de efetuar promessas desmorona. Isso porque racionalmente ninguém pode desejar o oposto, ou seja, que todas as promessas não sejam cumpridas, pois mesmo aquele que viola as suas promessas espera que os outros as cumpram e supõe que ele mesmo as cumprirá, em alguns casos, certamente. Do contrário, promessas não terão efeito algum. Agir moralmente é, portanto, praticar ações de acordo com este princípio, ou seja, visar o sentido universal daquilo que se pratica, enquanto uma ação que pode ser considerada necessária por todos os agentes, porque correspondem a ideia de moralidade e liberdade que são constitutivas da estrutura humana em sua forma antropológica transcendental (KENNY, 2009). Por isso, na “Fundamentação da metafísica dos costumes” (2007), Kant analisa ainda, o que confere às ações humanas seu valor moral. Nesse contexto, a sua concepção ética é comumente identificada com as noções de dever e intenção. Ele entende que a ação moral é aquela que segue, como já dissemos, o imperativo categórico. Assim, ela deve ser guiada por um deve ser e é marcada pela sua intencionalidade, por aquilo que move a ação. A qualificação de uma ação como moral não depende, portanto, apenas de seu fim, mas principalmente daquilo que levou a tal ação, ou seja, das disposições que a motivam, o que também modifica o sentido da finalidade. Se por exemplo, ajudamos alguém com um determinado problema tendo em vista nosso próprio benefício não estamos praticando uma ação moral, pois, se trata de uma ação que não tem como fim a própria ação, seu sentido, mas algo exterior, que se configura, nesse caso, como o nosso próprio interesse e, portanto, algo que diz respeito ao nosso bem-estar. Kant define o imperativo categórico da seguinte maneira: 23 Há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a matéria da ação e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva; e o essencialmente bom na ação reside na disposição (Gesinnung) (*), seja qual for o resultado. Este imperativo pode- se chamar o imperativo da moralidade (KANT, 2007, p. 52). Essa compreensão é suplementada e esclarecida pela noção de boa vontade. Através desta noção, se considera, que nós, que somos seres racionais dotados de liberdade, só podemos agir de modo ético, quando não escolhemos apenas o caminho a ser tomado para realizar fim, mas também os próprios fins das ações, tendo em vista o sentido último das nossas ações: quando agimos desta maneira estamos agindo de acordo com a nossa vontade. Nesse contexto, dizer que a moralidade está ligada à vontade não significa dizer que qualquer vontade serve, mas apenas a boa vontade, pois, conforme, a boa vontade o que se tem como objetivo não é efetuar algo em nosso próprio benefício, mas a própria ação no que ela tem de moral através de sua conexão ao princípio do imperativo categórico (KENNY, 2009). Segundo Kant, a única coisa que pode ser incondicionalmente boa é a boa vontade, “[...] não pelo que efetua ou consegue obter, não por sua aptidão para alcançar qualquer fim que nós tenhamos proposto, mas tão somente pelo querer” (KANT, 2007, p. 105). Nesses termos, a boa vontade é boa por engendrar em si mesma a boa intenção, sendo a única coisa que pode ser considerada irrestritamente boa e que possui valor em si mesmo. Dito isso, se o conceito de boa vontade é aquilo que pode ser considerado moralmente bom, para conhecermos o que é uma boa vontade devemos saber o que é exatamente o moralmente bom. Quanto a isso, conforme a concepção kantiana, o conhecimento moral ordinário está fundado na nossa capacidade de poder distinguir o bom do útil e do agradável. Nesse contexto, o moralmente bom é algo que tem valor pura e simplesmente por oposição àquilo que é útil ou agradável. Kant defende que a boa vontade é a única coisa que a razão prática pode produzir por si mesma de forma incondicionada, e o seu valor para tal é incomparável com o valor da razãopara satisfazer nossas inclinações (que sempre são condicionadas). Dito isso, o próximo passo de Kant é vincular a noção de boa vontade com o conceito de dever. Para tal, dentre outras coisas, Kant oferece duas proposições importantes. 24 A primeira proposição é apresentada do seguinte modo: temos uma boa vontade se nossas ações são realizadas por dever, não por alguma inclinação outra. Quanto a isso, é importante ter em vista aquilo que Kant está excluindo da noção de moralidade. O que ele exclui do horizonte da ação que pode ser denominada como boa é seu condicionamento pelo nosso desejo em detrimento do sentido da ação. Ou seja, para ele não se trata do desejado e do não desejado, mas do dever, do imperativo que a ação nos coloca. Assim, qualquer ação que seja contrária ao dever; e, em segundo lugar, ações que, embora estejam em conformidade com o dever, não são realizadas pelo próprio dever, mas visando a alguma outra coisa, devem ser excluídas do que Kant entende por boa vontade (NORDARI, 2009). A segunda proposição afirma que a boa vontade está ligada à intenção da ação, não às suas consequências: [...] uma ação por dever tem seu valor moral não no intuito a ser alcançado através dela, mas, sim, na máxima segundo a qual é decidida, logo, não depende da realidade efetiva do objeto da ação, mas meramente do princípio do querer (KANT, 2007, p. 125). Se o que estamos procurando é o valor incondicionado da moralidade, torna- se evidente que não será possível encontrá-lo nas consequências das ações, pois nesse caso o valor da ação estaria calcado na obtenção de um resultado outro que a própria boa vontade. No entanto, o valor incondicionado da boa vontade está antes naquilo mesmo que a motiva do que nas consequências que dela se geram. No exemplo anterior, suponhamos que, ao se levantar em nome do dever para oferecer o seu lugar para uma mulher grávida, alguém se aproveita da situação e senta antes da grávida. Isso, por si só, não desqualifica em nada o valor moral da sua ação, pois ele não está nas consequências da ação, mas na sua intenção ao agir. Agora, se a pergunta consiste em interrogar o dever que condiciona a boa vontade, bem como o que devemos fazer para sermos moralmente bons, a resposta kantiana passa pela noção de imperativo categórico, que como já vimos tem um caráter determinante na concepção de moralidade e ética em Kant. Na perspectiva de Kant, nossas ações realmente morais são governadas por máximas que podem ser universalizáveis. Tais máximas são chamadas de imperativos, que, por sua vez, podem ser de dois tipos: hipotéticos e os categóricos. Os imperativos hipotéticos são aqueles que ordenam que façamos algo como meio 25 para conseguir alguma coisa que queremos. Já os imperativos categóricos são aqueles que ordenam que se faça algo por si mesmo, isto é, sem referência a outro fim que não a si mesmo. De modo que, enquanto um imperativo hipotético só se constitui na medida em que há uma condição outra pela qual somos motivados a agir, o imperativo categórico é tal que a mera representação de si é suficiente para me fornecer o que ele contém, na medida em que ele se estabelece em si e por si mesmo. Assim, se a ação é boa para outra coisa, então o imperativo que a ordena é hipotético, ao passo que, se a ação é boa por si mesma, então o imperativo é categórico. Percebamos que, embora o imperativo categórico kantiano se assemelhe à máxima cristã que diz não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com você, ele possui um caráter ainda mais geral, pois, no caso da máxima cristã, ainda dependeremos de avaliações subjetivas e, nessa medida, não universalizáveis — no caso do imperativo categórico, a máxima deve ser absolutamente universal e objetiva. Além disso, o imperativo categórico também não consiste em uma regra ou um conjunto de regras, aos moldes do decálogo bíblico, pois ele é, sobretudo, um mecanismo racional de avaliação da moralidade das nossas ações, ele está de acordo com a dimensão transcendental da experiência humana (NODARI, 2009). 3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica A filosofia de Kant possibilitou também uma nova compreensão teórica da experiência estética, abrindo caminho para reformulação da temática das relações entre arte e realidade. Como vimos até agora, é a perspectiva crítica que orienta os objetivos e o sentido da filosofia de Kant, desenvolvida em três obras fundamentais: Crítica da razão pura, 1781, Crítica da razão prática, 1788, e a Crítica do juízo, 1790. Conforme, o caminho crítico de sua obra, Kant não especula acerca da natureza das coisas estéticas, das obras de arte, tendo em vista sua forma em si ou suportes pelos quais a significação artística se manifesta, mas busca no sujeito da experiência as condições de possibilidade da experiência estética, tal como realizou quando visava a experiência moral e a experiência da razão teórica (NODARI, 2009). 26 Kant inicia sua análise estética a partir do juízo de gosto, o qual ele determina como sendo essencialmente estético, ou seja, de uma natureza diferenciada dos juízos da razão e dos juízos éticos ou morais. Nas palavras do filósofo: O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte não é lógico, e sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento e determinação não pode ser senão subjetivo. Toda referência das representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê- lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si próprio como ele é afetado pela sensação. (KANT, 2016, p. 119) Embora subjetivos, os juízos de gosto possuem como qualidade essencial o desinteresse, pois não se relacionam a nenhuma inclinação pessoal, ou seja, não são produtos de motivações privadas no momento de seu julgamento. Disso, decorre, a insistência dos autores de juízos estéticos na amplitude de suas experiências e proposições, pois, se não há um elemento pessoal determinante para eles, então estes só podem ligar-se a uma característica universalizante que determina a apreensão sensível (KENNY, 2009) Conforme sua posição do tema, Kant não está de nenhum modo advogando a favor da possibilidade de estabelecer critérios objetivos para determinar o belo artístico, mas buscando entender como uma experiência pessoal pode ter alcance universal, consegue, assim, significar o contato com uma forma de expressão que não depende de estruturas conceituais para sua determinação, mas alcança, no nível subjetivo, um sentido que ultrapassa as percepções mais mundanos do sujeito (NUNES, 2006). O belo, por não estar ligado a conceitos, uma vez que estes não conduzem o prazer estético, é desprovido de realidade externa, estando, na perspectiva de Kant condicionado ao sujeito naquilo que ele tem essencial, suas condições de abertura aos fenômenos. Não se trata de uma experiência simplesmente sensível ou orgânica, já que o que torna o belo é de ordem espiritual, fundado nas vivências puras e imediatas do sujeito. Portanto, a universalidade de que ele trata remete apenas a uma certa demanda que a consciência faz em razão do caráter desinteressado do juízo estético. 27 No entanto, isso não deixa de gerar complicações conceituais decisivas para quem procura pensar o belo do ponto de vista da filosofia da arte. Considerar o belo universal e ao mesmo tempo confiná-lo ao sujeito parece uma solução pouco atrativa para resolver a discussão sobre a qualidade e o sentido das obras de arte. Contudo, a perspectiva de Kant ultrapassa o âmbito das querelas artísticas e se estende à compreensão das mais diversas manifestações do belo, que incluem tambémo belo Natural. Em sua teoria, para fundamentar sua posição, Kant distingue os pontos que diferenciam o belo do agradável. Este, segundo ele, está atrelado a posições meramente pessoais causadas por sensações, orientando pelo prazer e desprezar em sentido mundano (NUNES, 2016). Desse modo, conforme sua perspectiva, não cabem sobre a agradabilidade quaisquer questionamentos acerca de sua veracidade para além do indivíduo: “com respeito ao agradável, cada um resigna-se com o fato de que seu juízo, que ele funda sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz, limita-se também simplesmente a sua pessoa” (KANT, 2016, p. 124). Portanto, a variabilidade daquilo que agrada não proporciona problemas maiores com relação a esses juízos. Todos os indivíduos podem declarar que algo é agradável sem que isso provoque a mínima contestação, já que julgam com base exclusivamente em suas percepções. Desse modo, o gosto define-se como algo restrito à declaração dos estados pessoais frente ao aparecimento de um fenômeno. A experiência do belo, por outro lado, tem, segundo o filósofo, um estatuto diferenciado, por força de sua constituição: Com o belo passa-se de modo totalmente diverso. Seria (precisamente ao contrário) ridículo que alguém que se gabasse de seu gosto pensasse justificar-se com isto: este objeto (o edifício que vemos, o traje que aquela veste, o conceito que ouvimos, o poema que é apresentado ao ajuizamento) é para mim belo. Pois ele não tem que denominá-lo belo se apraz meramente a ele. Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele, com isso ninguém se preocupa; se ele, porém, toma algo por belo, então atribui a outros precisamente essa mesma complacência: ele não julga simplesmente por si, mas por qualquer um e nesse caso fala da beleza como se ela fosse uma propriedade das coisas. Por isso ele diz: a coisa é bela e não conta com o acordo unânime de outros em seu juízo de complacência por que ela a tenha considerado mais vezes em acordo com o seu juízo, mas exige deles. (KANT, 2016, p. 124) Nessa contraposição, enuncia-se uma diferença fundamental, que está na pretensão de validade entre um juízo e outro. Enquanto o agradável restringe-se 28 apenas a perspectiva singular do indivíduo, não levantando desse modo qualquer problemática acerca desse juízo para os outros; o belo, enquanto abertura ao universal, se funda na pretensão de ser acordado entre todos os sujeitos, é uma declaração subjetiva que se quer intersubjetiva. Logo, evocar a beleza de algo é sempre reivindicar dos outros um ponto de aceitação em relação a esse juízo, razão pela qual este não pode ser proferido de maneira inconsequente como o são os julgamentos sobre a agradabilidade de alguns fenômenos. Porém, como já observamos, essa universalidade na experiência do belo não significa que haverá, neste juízo, uma atividade de conhecimento ou algum tipo de especulação teórico-empírica. Nesse sentido, Kant declara que “quando se julgam simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida” (KANT, 2016, p. 127). A discussão sobre o belo não pertence ao reino dos conceitos e das considerações racionais. O que há é somente o assentimento universal que permeia a atribuição de belo a um objeto, e que faz com que cada indivíduo reivindique uma validade evidente acerca de seu julgamento, ao mesmo tempo em que recai sobre ele a responsabilidade dessa atribuição, já que não se pode invocar o belo sem estar disposto a assumir a universalidade que o integra (KANT, 2016). Tais posições de Immanuel Kant trazem como consequência a primazia do sujeito nos juízos estéticos. Apartado dos objetos, o belo não possui a menor possibilidade de vigorar coisificadamente, salvo pelos julgamentos subjetivos que se pretendem como tendo um sentido comum, válido a todos. O homem, portanto, constitui enquanto a figura central todo processo artístico e estético, pois é nele e somente nele, e não em alguma propriedade autônoma, que o belo encontra a sua possível figuração. Kant sintetiza essa compreensão através da seguinte proposição: “belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacência necessária” (KANT, 2016, p. 167). A reflexão estética de Kant não se restringe ao tema do belo, o filósofo também trata da experiência do sublime. Para além das diversas posições e elucubrações acerca deste tradicional problema filosófico no campo da teoria da arte e da estética, Kant encaminha sua reflexão para uma descrição em que o sublime passa significar aquilo que existencialmente pode indicar aos seres humanos sua relação de pequenez em relação ao universo, a natureza. Essa relação é pressentida como afeto 29 que marca também a inserção da experiência em um ambiente universal que diz respeito ao ‘homem’, mas também é vivenciado através de suas possibilidades de apreensão e compreensão diante daquilo que pode se dar como seu outro. Kant identifica o sublime como determinado pelos mesmos princípios que perpassam a experiência da beleza. Desta maneira, ele não retoma a análise destes princípios. No entanto, em nossa exposição julgamos retomar. Na experiência do sublime, o que é central é a apreensão desinteressada de um conteúdo que não é conceitualmente determinado, mas também é universalmente aceito, tal como acontece no belo. Trata-se de uma experiência do sujeito e não diz respeito à realidade em si do objeto que se torna ocasião para experiência do sublime. No entanto, o filósofo indica uma divisão que não aparecia no debate anterior: a presença do sublime-matemático e do sublime-dinâmico, com os quais suas posições assumem um novo rumo. Nessa perspectiva, o sublime é o que é absolutamente grande, o que leva o sujeito à experiência de uma imensidão capaz de lhe mostrar a sua pequenez. Dito isso, podemos dizer que há uma apreensão do sublime pelo olhar humano quando nos surpreendemos com nossa pequenez diante do tamanho do céu ou quando ele se depara com o movimento das águas do mar. Tais experiências são possíveis porque alguns elementos podem ser quantificados objetivamente em sua magnitude, por cálculos e medições de referência, mas outros não, indicando um limite das capacidades de apreensão teórica da subjetividade. A experiência do sublime, envolve, portanto, uma medida subjetiva, que, como o belo, visa obter o assentimento universal. Este é um aspecto importante da problematização do sublime. No entanto, deve-se considerar que as apostas são “absolutamente altas” e não simplesmente altas, o que implica que o que se trata é algo além da medida. Essa dimensão de medição do sublime é o que Kant denomina sublime-matemático (NUNES, 2000). 4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL A realização sistemática de uma filosofia consiste em um pensamento que busca através do arranjo de suas partes, isto é, através de conceitos, axiomas e redes de argumentação dar conta do conjunto da experiência e da realidade a qual ela se 30 refere, mostrando uma conexão entre seu conteúdo e o mundo. O sistema tem como característica, portanto, o esforço de dar à filosofia a forma de um monumento que possa ser expressão da complexidade do real. Os filósofos desde o começo de seu trabalho na Grécia apresentaram o sistema como algo desejável à filosofia, pensando- o enquanto reflexo de força e veracidade de uma forma filosófica de considerar o mundo. Platão e Aristóteles foram até certo ponto sistemáticos, já que podemos considerar que suas filosofias têm um fundo lógico (rede conceitual) a partir da qual os conteúdos se desdobram. Contudo, em Hegel o sistema assume sua forma mais acabada, sendo inclusive, considerado pelo filósofo, o seu sistema, aquele pelo qual todos os outros tomariam sentido. Hegel nasceu em 27 de agosto de 1770, e morreu aos 61 anos, de cólera. Em sua juventude,foi amigo do poeta e filósofo Friedrich Hölderlin (1770, 1884), com qual partilhou certo romantismo diante da vida e também o ideal de uma filosofia ou visão de mundo que conseguisse abarcar a totalidade da experiência e do real. Johann Christian Friedrich Hölderlin foi um filósofo, poeta lírico e romancista alemã o, amigo íntimo de Hegel em sua juventude e participando com ele, do movimento literário e cultural que foi conhecido Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), de caráter romântico. Hölderlin conseguiu sintetizar em seu trabalho o espírito da Grécia antiga, a visão romântica da natureza e de forma não-ortodoxa foi capaz de pensar questões relacionadas ao cristianismo, tornando-se, um dos maiores pensadores germânicos, contribuindo de modo decisivo para a visão quase teológica que Hegel tinha da existência do espírito (REALE; ANTISERI, 2006b). Hegel estudou teologia na Universidade de Tubingen e ensinou em Jena até essa universidade ser encerrada em consequência da invasão francesa. Foi em 1807 que publicou a Fenomenologia do Espírito, considerado seu livro principal. Trata-se de uma experiência literária e filosófica fabulosa, pois o filósofo pretendeu descrever e exprimir as fases de desenvolvimento do espírito, entendido por ele como Espírito Absoluto, fazendo da história humana e seus produtos manifestação dessa experiência absoluta do espírito, que tem em sua filosofia um sentido especial, como poderemos constatar no decorrer da exposição (REALE; ANTISERI, 2006b). Apenas em 1816, Hegel se tornou professor universitário, momento a partir do qual se tornou uma referência para vida intelectual alemã, causando impactos 31 consideráveis dentro e fora do ambiente universitário. Algumas de suas obras são muito significativas para o entendimento de sua filosofia: A ciência da lógica e sua Enciclopédia de ciências filosóficas, por exemplo, obras da maturidade nas quais seu sistema filosófico se apresenta em toda sua complexidade e acabamento (REALE; ANTISERI, 2006b) No entanto, o conjunto de sua obra é monumental. Enquanto esforço sistemático de apreensão do real a partir de um conceito central, isto é, o conceito de espírito, ela se desdobra em direção a todas as áreas do saber e da experiência humana, visando a natureza e a cultura em suas dimensões e camadas mais variadas, sendo impossível, nesse sentido, um olhar definitivo sobre sua filosofia. Outro aspecto importante da obra, é a relação do filósofo com a escrita. A escrita hegeliana é considerada extremamente difícil. Bertrand Russell afirma em sua história da filosofia que a Fenomenologia do Espírito é o livro mais difícil de estudar, ainda que não seja o mais verdadeiro e o mais profundo (RUSSERL, 2021). A questão é que Hegel foi o último filósofo sistemático e nele o sistema toma a forma de uma obsessão: o sistema deve refletir a intuição central do filósofo, aquela pela qual ela entende que a realidade está toda dado no movimento do espírito absoluto que só podemos apreender através de suas manifestações na história e na natureza, principalmente na medida em que essa história e natureza está relacionada com a nossa existência (MARCONDES, 2000). O tratamento que daremos à filosofia de Hegel visará alguns conceitos fundamentais do autor e também os impactos de sua filosofia no pensamento contemporâneo, mas não uma visão completa de sua filosofia. Pretendemos, assim, dar coordenadas que possam servir para adentrar no ambiente filosófico hegeliano. Trataremos, assim, do caráter idealista de sua filosofia e dos conceitos de dialética, espírito e história e sua relação e sua relação com o pensamento de Marx e Engels. Através de sua filosofia, Hegel pretendeu abarcar todos os níveis de existência passando pela natureza, pela cultura e pela experiência humana. Para isso, ele estabeleceu uma descrição a partir de uma rede de relações dialéticas entre cada instância, buscando atingir a compreensão de como as formas ‘individuais’ de existência seriam manifestação da experiência da consciência e do Espírito absoluto. Ele entende o movimento do espírito como histórico, uma história espiritual que se manifesta sensivelmente através das criações humanas, o que nos leva pensar que a 32 própria humanidade é manifestação e expressão deste espírito, sendo ainda, o que o torna possível, pois, há um sistema de espelhamento entre as formas empíricas (históricas) de existência e o espírito. Conforme Bertrand Russell (2021), sua filosofia representou o ápice do movimento que, na filosofia alemã, teve início com Kant, isto é, o sistema de Hegel é o momento mais acabado do que se chama idealismo alemão (RUSSEL, 2021) O idealismo alemão, que pode ser datado entre 1780 e 1850, e desenvolvido especialmente nas universidades de Iena e Berlim (Alemanha), teve como base um estudo crítico e apaixonado da obra de Kant. Esses filósofos, entre Fichte, Schelling e Hegel se preocuparam em construir sistemas filosóficos baseados no caráter ideal e espiritual da experiência, a partir do qual pudessem dar explicações abrangentes sobre o fenômeno humano em diversos níveis. amento que explicasse todas as coisas do mundo. Eles, em sua maioria, eram, em sua essência, pelo menos quando começaram a desenvolver suas respectivas formas de pensamento, kantianos, e buscavam resolver impasses colocados pela filosofia kantiana. Hegel, por exemplo, apesar de se lançar em uma empreitada filosófica crítica em relação a Kant, jamais poderia ter existido sem o sistema de Kant. Por outro lado, cabe lembrar, que ambos, cada um ao seu modo, orientaram a filosofia ao seu destino contemporâneo: Kant, pela crítica do sujeito. Hegel, pela necessidade de pensar a história e o caráter concreto do espírito (REALE; ANTISERI, 2006). 4.1 O sistema de Hegel é idealista. Em filosofia, o idealismo consiste na consideração da existência de uma realidade espiritual ou ideal como anterior aos processos materiais que constituem o mundo que apreendemos diretamente pelos sentidos. O idealismo consiste, assim, na explicação do mundo concreto pelo mundo ideal, conforme a consideração que as ideias são anteriores às suas manifestações materiais de cunho social e intersubjetivo e são os fatores determinantes da existência. Em história da filosofia, o termo idealismo engloba diferentes correntes de pensamento que têm em comum a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior, subjetivo ou espiritual. O idealismo implica, nesse sentido, na redução do objeto do 33 conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale à redução da matéria ao pensamento ou ao espírito (JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D, 2001). Encontramos, assim, um idealismo metafísico que vê a realidade como constituída, ou dependente do espírito (finito ou infinito) ou de ideias (particulares ou transcendentes) — Hegel e Platão podem ser considerados como parte desta tendência, — como também há um idealismo epistemológico que parte da primazia da ideia na formulação do conhecimento e da verdade. O idealismo epistemológico marca decisivamente a filosofia moderna e contemporânea. No debate entre empiristas e intelectualistas, por exemplo, temos o idealismo dos racionalistas mediado pelo discurso dos empiristas, que, em alguns casos, como em Berkeley (1685-1753), acaba por reduzir o sentido sensível à experiência de uma percepção absoluta, de estatuto ontológico divino quando afirma que ser é ser percebido (BERKELEY, 2010), mas ainda se situa no âmbito empirismo, porque trata da experiência como sensível como fonte de conhecimento, mas o faz na perspectiva de um idealismo espiritual e um empirismo extremo, pois não se trata do sujeito singular o pensamento que percebe, mas de uma ‘realidade’ teológica (JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, 2000.) O Idealismo de Hegel,por outro lado, é filho da crítica de Kant às posições intelectualistas e empiristas: é a retomada de um terreno onde se pode começar a pensar o ideal como aquilo que engloba o conjunto da experiência. Na história do idealismo, existem formas variadas de ‘idealismo’: encontramos um idealismo histórico que entende as ideias e/ou consciência como agentes fundamentais e únicos da transformação histórica, desconsiderando as relações concretas como fundantes do mundo social e da cultura, ou pelo menos, tratando-as como secundárias em relação às ideais. Em muitos casos, um idealismo ontológico ou absoluto como de Hegel pode gerar posições deste tipo, ainda que esse não seja o caso de Hegel, mas de autores da direita hegeliana, um movimento intelectual do século XIX que se baseou no pensamento de Hegel para discutir questões políticas e culturais na Alemanha, de um ponto de vista conservador, buscando justifica, por exemplo, que o desenvolvimento do espírito tinha se realizado completamente na Prússia do século XIX. O idealismo histórico, muitas vezes, tende a se transmutar em ideologia já que 34 dá às ideias uma força maior que os fatos e se cristaliza em posições que terão a função de manutenção do tempo presente (HYPPOLITE, 2003). Podemos falar também de um idealismo ético, de caráter mais comportamental do que filosófico, baseada em um processo de projeção empiricamente infundado enquanto uma maneira de julgar ou racionalizar a vida cotidiana. Nesse caso, o idealismo também se converte em um esforço de modificação da vida material, mas que se despede das condições dadas. O idealismo de Hegel carrega um pouco de todos os idealismos, pois é um idealismo que busca englobar através da história as formas pelas a experiência humana se desenvolve enquanto ideia, mas ao se colocar o problema da história, do movimento histórico do espírito, ele se torna uma descrição concreta complexa da experiência humana. Seu idealismo é, portanto, englobante e sistemático. 4.2 Hegel e a história Hegel foi um dos primeiros filósofos a considerar as formas de existência humana em seu sentido cultural, político e histórico, de modo sistemático e propondo uma explicação a partir da qual a história humana pudesse ser tratada como orientada para um sentido. Assim, ele buscou tratar a história considerando seu caráter interno e específico, através da compreensão de que história tinha um sentido ou finalidade que se manifestava paulatinamente em todas as atividades humanas. Isso quer dizer o seguinte: se a história tem um sentido é porque ela tende para um fim, se faz conforme uma finalidade, ou seja, ela tem um objetivo: as vivências e eventos históricos existem conforme algo que deve ser plasmado, e também expresso ao fim de sua trajetória (KENNY, 2009). No caso de Hegel, o que se preconiza é a experiência de uma evolução espiritual, que conflui para o desenvolvimento total do todo, ou seja, do espírito absoluto. Ou seja, sua posição era de que através de um movimento dialético baseado em tese, antítese e síntese, a história revelava as formas de desenvolvimento e evolução das construções humanas entendidas como manifestação e expressão do espírito absoluto. 35 Nesse sentido, sua filosofia busca compreender a evolução do ser humano e do conhecimento, apostando na ideia de que a história é perpassada por um processo de aprimoramento. Ele descreveu, portanto, um sistema de relações pela qual se atenta para compreender os processos históricos, os fatos cotidianos, a vida do homem tal como ela é uma vida com os outros, em sociedade, marcada pela disputa política e pela dialética do senhor e do escravo, da relação entre dominadores e dominados. Hegel considerava que as dimensões da existência humana estão submetidas a um sistema não linear, dentro do qual sempre haveria superação, mas esse sistema não era material em sua essência, mas primordialmente espiritual. Hegel sintetiza através do seu pensamento as teorizações sobre história que antecederam sua reflexão, pois importa teses características da visão cristã ao conceber a história como o desenvolvimento de um plano espiritual. Sua filosofia faz referência à teoria de Santo Agostinho em “A cidade de Deus”, que se torna a finalidade da vida temporal humana, quando através de seu desenvolvimento histórico busca imitar e mesmo espelhar a cidade divina. Por outro lado, Hegel, parte ainda do evolucionismo — se adaptando à noção de progresso característica do período moderno —, tomando como base a ampliação da noção de liberdade individual (ou, vocabulário de Hegel: vontade subjetiva). No entanto, ele supera 'dialeticamente essas visões, ao descrever uma história cujo núcleo imanente é a realização história da própria razão (KENNY, 2009). 4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST) O termo Geist, alemão, é utilizado por Hegel como base para descrever e construir sua noção de espírito, mais precisamente sua concepção de espírito absoluto, enquanto o todo e o universal em autêntica complexidade e manifestação (RUSSERL, 2021, p. 294). Interessante notar, que o primeiro sentido da palavra, o mais imediato, se relaciona com a palavra fantasma, sendo o espírito algo que é diferente de um corpo na forma como pode se manifestar para um sujeito humano. O fantasma também significa aquilo que assombra seja como marca de uma memória ou convite a um futuro impossível e indesejável. Tardiamente, na cultura alemã, ela ainda recolheu em seu interior o sentido da palavra francesa esprit para identificar 36 qualidades humanas como “vivacidade”, “perspicácia” e “gênio”, deixando entender que ter ‘espírito’ é possuir certas habilidades que permitem desenvoltura em assuntos especificamente humanos, principalmente aqueles relacionados à vida social e a política (INWOOD, 1997). Geist é uma noção complexa, polissêmica, que entra no campo da filosofia, através de Hegel pelo esforço de descrever fenômenos culturais e históricos segundo sua diferença em relação à natureza e as coisas simplesmente coisas (Ding). Na tradição teológica alemã, da qual Hegel era conhecedor e mesmo estudioso, Geist se desdobra no termo espírito santo, a terceira pessoa da Trindade (der heiliger Geist), orientado para significar algo como spiritus sanctus de origem latina, estando assim, vinculado a uma fé católica. No entanto, esse espírito santo, para os alemães protestantes, da época de Hegel, também tinha um significado específico. Estava na ordem de um possível arrebatamento místico, de uma modificação de perspectiva que pode ser aqui na terra, enquanto passagem do material ao para o espiritual, ou em termos escatológicos: o dia do juízo, da separação entre eles e aqueles ((INWOOD, 1997). Bertrand Russell (2016), considera que Hegel desenvolveu seu percurso intelectual a partir de uma visão mística que, posteriormente, estaria na base de suas elaborações filosóficas. Isso significa ser possível entender a ideia de espírito absoluto em Hegel como remetida à toda essa tradição e até como esforço de dar sentido filosófico aquilo que era tratado no âmbito da religião e da cultura, ou seja, pelo movimento de expressar o alcance ontológico da noção de espírito: “o todo, em toda sua complexidade e seu sentido” (RUSSERL, 2021). O termo, Geist, portanto, pode marcar a diferença entre a dimensão material do 'homem', sua carne, seu corpo e sua dimensão espiritual. Trata-se do esforço de diferenciar a existência humana da natureza, pondo em relevo um dualismo primitivo, primordial, onde os seres humanos se reconhecem como dotados de uma dimensão material e espiritual, ainda que não estejam representando continuamente sua existência dessa forma. Cabe ainda frisar, que todos esses significados têm um núcleo comum próximo à ideia de que aquilo que ultrapassa a simples matéria tem um sentidoe existe por esse sentido: o espírito é visto pelo modo que que se manifesta 37 nas coisas e no mundo, significando em Hegel o próprio desenvolvimento da racionalidade (KENNY, 2019). A dialética de Hegel, quando se refere ao espírito, e mais precisamente, ao espírito absoluto, é o estudo deste sentido, das leis pelas quais ele acontece e o 'destino' aos quais eles estão referidos. Reconhecido pelo seu sentido, o espírito na perspectiva de Hegel, refere-se ao campo da religião, da experiência religiosa, da teologia, da ciência, da filosofia, das artes, ou seja, tudo que pode e deve ser identificado como humano através do seu sentido, através de suas contradições, que se movimentam direção a novas sínteses, que, por sua vez, vão gerar outras teses e antítese, em um movimento aberto, contínuo. Derrida, faz sobre a dialética hegeliana uma observação muito interessa que devemos, penso, levar em conta: É contra a reapropriação incessante desse trabalho do simulacro em uma dialética de tipo hegeliana [...] que eu me esforço em fazer alcançar a operação crítica, o idealismo de tipo hegeliano consistindo justamente em suspender as oposições binárias do idealismo clássico, a resolver a contradição em um terceiro termo que vem aufheben, negar suspendendo [relevant], idealizando, sublimando em uma interioridade anamnésica, internando a diferença em uma presença a si (DERRIDA, 1991, p. 59). Interessante notar, que em sua compreensão perspicaz, ainda que situada conforme o seu projeto filosófico, Derrida aponta para o problema geral que pode haver em qualquer esforço dialético de tomar os fenômenos e os eventos que vem de encontro a nossa experiência. De um lado, podemos colocar a dialética na ordem do simulacro, como se o seu destino fosse nos dar sínteses acabadas e para sempre positivas, o que, por exemplo, a direita hegeliana fez quando pensou, que o estado prussiano de seu tempo era encarnação do acabamento mais profundo do desenvolvimento do espírito absoluto (KENNY, 1999). Nesse caso, a dialética seria produtora de simulacros porque não teria como objetivo exprimir o ser do espírito absoluto. No entanto, temos a dialética como produtora de uma forma de pensar que ultrapassa os binarismos infundados do idealismo tradicional, em que a diferença entre corpo e espírito é absoluta, mas conforme uma leitura da diferença entre eles. Pela palavra aufhebe, na perspectiva de Derrida e conforme a passagem que citamos acima, Hegel, coloca em movimento a diferença a partir da qual é necessário pensar os eventos e os fenômenos através de seu outros: o corpo pela sua remissão 38 ao espírito; o espirito pela sua necessidade de encarnação na matéria; e as formas de relação singular pelas quais as duas instâncias se negam e se atingem. Nesse caso, o espírito é o que designa a esfera de todas as criações humanas em âmbito político, social, econômico e jurídico, mas podem ser tratados através de uma dialética da diferença e de caráter negativo, ou tratada, ainda como um destino ‘sintético’, ou seja, uma sedimentação na qual toda contradição deve se revolver, ainda que pela neutralização do que pode ter de mais concreto na vida e na filosofia (DERRIDA, 1991). 5 A FILOSOFIA E A VIDA DE NIETZSCHE Nascido em 15 de outubro de 1844, em Rõcken, nas proximidades de Lutzen. Nietzsche é um dos filósofos que mais impactou a visão de mundo contemporânea, contribuindo para um questionamento radical da modernidade, que aparece de modo gritante nas filosofias de autores como Foucault, Roberto Machado, Deleuze e Derrida, para citar apenas alguns dos mais conhecidos (MARTON, 1985; NUNES,1991). Era oriundo de uma família protestante e estudou filologia clássica em Bonn e em Leipzig. Nesta cidade, estudou O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, leitura que transformou profundamente sua visão de mundo e se tornou conformadora das inquietações e objetivos do jovem pensador. Com vinte e cinco anos apenas, foi chamado, em 1869, a ocupar a cátedra de filologia clássica na Universidade de Basiléia, onde travou estreita amizade com o importante historiador do mundo antigo e da cultura grega Jakob Burckhardt (HALÉVY, 1997) Nesse período, ainda, começou a participar do grupo de intelectuais ligados ao músico Richard Wagner, que naquele tempo vivia com Cosima von Bülow em Triebschen, no lago dos Quatro Cantões. Nietzsche se converteu à causa de Wagner, que sentiu como "seu insigne precursor no campo de batalha", passando a colaborar com ele na organização do teatro de Bayreuth (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c, p.5). Em 1872, publicou seu primeiro livro “O nascimento da tragédia” (1972), que causou o primeiro mal-estar entre ele e figuras proeminentes do ambiente universitário alemão, já que defendia uma tese sobre os gregos e sentido da trágica grega 39 destoante das posições correntes na universidade. Sua concepção do trágico, como uma forma de manifestação da riqueza espiritual dos gregos, enquanto uma luta entre os princípios dionísico e apolíneo que caracterizavam, segundo ele, a cultura grega, e compreendida segundo a posição de uma irracionalidade presente na experiência da razão, o que o tornava distante das posições que buscavam encontrar nos gregos apenas o exemplo de uma razão perfeita (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c, p.5). Essa compreensão estará, posteriormente, na base de suas concepções sobre o caráter decadente da forma de filosofar inaugurada por Sócrates e por Platão, uma maneira de compreender a filosofia que também entrava em confronto as concepções clássicas acerca do pensamento grego, como também da função da filosofia na história e do sentido da racionalidade no ocidente (BRUM, 1986). Nesse meio tempo, por motivos afetivos e teóricos rompeu sua amizade com Wagner. O testemunho desse rompimento pode ser encontrado em momentos decisivos do livro “Humano, demasiado humano” (1878), onde o autor também começa a questionar o sentido religioso e decadente do pessimismo de Schopenhauer, atacando seu platonismo e sua desvalorização do desejo enquanto esfera fundamental da existência. No ano seguinte, em 1879, por motivos de saúde, mas também por questões de escolha intelectual (a filologia não era seu "destino"), demitiu-se da universidade e iniciou sua inquietante peregrinação de pensão a pensão pela Suíça, a Itália e o sul da França, assumindo, assim, uma posição de intelectual errante, opondo-se a institucionalização do trabalho intelectual tal como ele acontece na universidade (REALE, G; ANTISERI, D, 2006) Em 1881 publicou a “Aurora” (1994), onde já encontramos teses fundamentais de seu pensamento, que naquele período aparecia influenciado pelos estudos que fazia da biologia, principalmente da teoria da evolução de Darwin, afastando-se, assim, das visões teológicas da filosofia e da religião, em favor de uma visão científica, pautada no desenvolvimento das ciências naturais (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c) .A “Gaia ciência”, um dos textos mais fulgurantes da literatura alemão e da filosofia é de 1882. Nessa obra, o filósofo coloca a necessidade de novo destino para a humanidade, a partir de uma filosofia que não estivesse baseada preocupada somente com o espírito, mas voltada para o corpo, para como seres humanos 40 escolhem sua maneira de morar e comer, viver e morrer, isto é, um pensamento cativo do mundo concreto e existencial em sua dimensão mais imediata e material. Escreveu, ainda, no período da Gaia Ciência, dois livros em Gênova, onde também teve oportunidade de ouvir a “Carmen”, de Bizet, que o entusiasmou, levando a comparar o caráter vivo e concreto desta obra e o trabalho musical de Wagner, que naquele momento lhe parecia demasiado ‘alemão’, nacionalista e preocupado com uma visão estreita da realidade alemã (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c). Ainda no anode1882, Nietzsche conhece Lou Salomé, jovem e pensadora russa de vinte e quatro anos, que já nesse período teorizava sobre a condição feminina no mundo ocidental, além de viver uma vida que questionava as formas de existência imposta às mulheres na sociedade europeia. Apaixonando-se, por ela, desejou desposá-la. No entanto, Lou Salomé o rejeitou e se uniu, por algum tempo, a Paul Re, amigo de Nietzsche. No entanto, seria muito pouco dizer que ela trocou um pelo outro. O que estava em jogo para a pensadora era sua independência, sua capacidade de escolher como mulher e como ‘espírito livre’ sua forma de existir, o que não era muito comum ou fácil em uma sociedade controlada por homens (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c). Em 1883, em Rapallo, ele concebe sua obra-prima: Assim falou Zaratustra, obra concluída entre Roma e Nice, dois anos depois. Em 1886, publicou “Além do bem e do mal”. “A Genealogia da moral” é de 1887. No ano seguinte, Nietzsche escreve: O caso Wagner, O crepúsculo dos ídolos, “O Anticristo”, Ecce homo. Do mesmo período é também o escrito “Nietzsche contra Wagner” (REALE, G; ANSTITERI, D, 2006c) Nesse período, ainda, lê Dostoievski e considera Turim lugar capaz de chamar de sua cidade (REALE, G; ANSTITERI, D, 2006c). É em Turim que ele trabalha em sua última obra, a Vontade de poder, que, no entanto, não conseguiu concluir, mas foi utilizada pela sua irmã como uma justificativa para uma ideologia antissemita que Nietzsche nunca teria defendido. A obra de Nietzsche está profundamente ligada à sua vida, tanto na forma quanto no conteúdo. Primeiramente, muitos de seus temas refletem a maneira como viveu, as escolhas feitas, como, por exemplo: diante da universidade, escolheu escrever sobre temas que não eram convencionais e nem eram vistos com olhos de 41 aprovação. Para ele, não se tratava de pesquisar ou escrever sobre aquilo que fosse passível de aceitação, mas se ater às raízes profundas do que ele entende por decadência da cultura ocidental, que teria sua forma mais acabada na cultura moderna (BARRENECHEA, 2009; MARTON, 1985). Nesse sentido, quando era comum a defesa incondicional da igualdade como valor universal, o filósofo se apresentava como crítico de toda espécie de igualitarismo; o que ele justificava pela ideia de que era razoável considerar as diferenças corporais, históricas e biográficas dos sujeitos no que tange ao seu estar no mundo e o seu 'destino'. Por isso, encontramos em algumas páginas de Nietzsche, misoginias típicas do século XIX, em relação às mulheres (MARTON, 2022). Por outro lado, em outras passagens, elas são comparadas com a verdade, seguida da constatação de que, em ambos os casos elas seriam inacessíveis aos filósofos, porque estes não entendiam nem verdade, tampouco das mulheres, o que poderia, sem muita dificuldade ser dito de alguns aspectos do seu pensamento. No entanto, seu pensamento se constitui como uma aventura filosófica fascinante, marcada pela doença, pela loucura, pelo desespero e também pelo amor fati, um amor incondicional à vida ((BARRENECHEA, 2009). 6 O MARXISMO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS Na primeira metade do século XIX, com a publicação do Manifesto Comunista (1848/2005), Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895) tornaram pública uma nova e radical concepção da história e das relações sociais, conhecida posteriormente por materialismo histórico-dialético. Essa forma de pensamento retoma a dialética hegeliana, mas em uma perspectiva materialista, buscando na vida material as bases de explicação para o desenvolvimento histórico e social das organizações humanas, seja em seu sentido político, cultural ou econômico. Marx e Engels, apontam, assim, para uma concepção de ser humano diferente daquela de Hegel e Kant, pois não partem da ideia de uma base ‘universalista’ de caráter ideal, mas consideram como as relações sociais e econômicas são 42 constituídas através dos modos pelos quais, em um determinado nível de desenvolvimento, os seres humanos produzem e reproduzem sua vida. No Manifesto Comunista, redigido sob encomenda em 1847 para a Liga dos Justos, como programa da organização, Marx e Engels afirmaram que “[...] a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes” (MARX; ENGELS, 2005, p. 40). A partir dessa simples, mas poderosa frase, todo um novo horizonte teórico se abriria, que mais tarde seria chamado de marxismo. Segundo a concepção dos autores, ao longo dos séculos todas as sociedades apresentaram um conflito entre duas grandes classes principais. Na Antiguidade, a oposição se dava entre senhores e escravos; no período medieval, a contradição social ocorria entre nobres e plebeus; já na modernidade, com a ascensão da burguesia, que no seu seio criava o proletariado, o conflito se tornava ainda mais simples, com uma pequena parcela de burgueses contra a vasta população de proletários. Enquanto condição de existência concreta, que caracteriza uma sociedade em determinado nível de desenvolvimento, as lutas entre as classes sociais são o motor da história; pois é a partir delas que as novas sociedades surgem e atuais se desenvolvem e desaparecem, conforme os modos pelos quais uma sociedade se organiza e se estrutura em relação ao trabalho e à produção. Quando um determinado modo de produção se exaure, a classe que o comandava é destruída por uma nova classe, que estabelece uma nova forma de produção e circulação de mercadorias. Assim, cada vez que o modo de produção de uma sociedade é revolucionado, toda a sociedade é transformada. Para o marxismo, portanto, são as condições concretas da vida, o modo como os seres humanos reproduzem a sua existência que determinam em última análise a consciência social e suas instituições políticas, jurídicas, religiosas, que Marx e Engels denominam superestrutura. Segundo essa ótica, toda forma de Estado é uma ditadura de classe, pois esse Estado é um reflexo da exploração e da opressão que a classe dominante exerce sobre a classe dominada, sendo que ele que se sustenta pelo aparato físico e material que controla, como também pelo fato de que as ideias de uma classe dominante são as ideias que dominam em uma sociedade ( BOTTOMORE, 1983). 43 No contexto em que Marx produziu seus escritos, com destaque para O Capital, uma obra monumental de crítica à economia política, na qual o funcionamento do capitalismo é dissecado minuciosamente, a burguesia — que outrora fora uma classe revolucionária, responsável por derrubar o Antigo Regime — agora encontrava-se plenamente assentada sobre o poder, tornando-se assim uma classe conservadora e contra revolucionária. Portanto, o objetivo da burguesia seria o de manter seu controle sobre o proletariado, de forma que esse não se organizasse e viesse, eventualmente, a tomar o seu lugar como classe dominante, o que o marxismo conceitua como ditadura do proletariado (BOTTOMORE, 1983). Para superar sua condição de classe explorada e oprimida, os proletários deveriam se organizar politicamente, tendo em vista a conquista do poder. Realizado esse movimento, de acordo com o marxismo, haveria uma etapa de transição, que é o socialismo, no qual os meios de produção são expropriados e coletivizados paulatinamente, caracterizando assim a referida ditadura do proletariado. Ou seja, o Estado ainda existe, e pelo simples fato de sua existência, trata-se de uma ditadura de classe. Porém, o objetivo final é atingir o comunismo, uma sociedade em que as classes sociais deixam de existir e, devido a isso, ocorre o definhamento do Estado, que acaba por sumir. Dessa forma, o marxismo é frequentemente descrito como uma historiografia “teleológica”, ainda que a forma da sociedade comunista nunca tenha sido determinada nos escritos de Marx. Encontramos indicações, tais como a necessidadede constituir as bases para uma sociedade em que uma classe não explore a outra, ou mesmo os elogios e os estudos de Marx acerca da Comuna de Paris em seu livro “Guerra Civil em França”, entendida por ele como um exemplo de organização social que se encaminha e dá as bases para futura sociedade comunista (MARX, 2011b). Na perspectiva do marxismo, o ser humano está no centro de tudo, pois a libertação da humanidade defendida por Marx visa à realização integral do ser humano. Porém, de acordo com Marx (2011), existem condições pré-determinadas nas quais os homens se situam na história: Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos (MARX, 2011, p. 25). 44 Marx reconhece que os seres humanos agem dentro de estruturas herdadas do passado, e que isso limita a atuação livre de cada um ou de uma sociedade, o que nos leva a entender a liberdade em Marx como uma possibilidade que se estrutura através do jogo entre a experiência humana e as condições que a sustentam (infraestrutura, coisas materiais básicas, e superestrutura, o conjunto de ideologias e valores que justificam um modo de ser de uma sociedade). No entanto, também existem interpretações estruturalistas do marxismo, que tendem a pensar a história sem o ser humano, levando em consideração apenas as estruturas sociais. Para Althusser (1978), célebre pensador marxista de tendência estruturalista, Marx em O Capital, sua obra máxima, fez a descoberta de um novo “continente” científico exatamente porque identifica o funcionamento da estrutura capitalista: Esta obra gigantesca que é O Capital contém simplesmente uma das três grandes descobertas científicas de toda a história humana: a descoberta do sistema de conceitos (portanto, da teoria científica) que abre ao conhecimento científico aquilo que podemos chamar de “Continente- História”. Antes de Marx, dois “continentes” de importância comparável já haviam sido “abertos” ao conhecimento científico: o Continente-Matemática, pelos gregos do século V a.C., e o Continente-Física, por Galileu (ALTHUSSER, 2008, p. 39). A contribuição do marxismo às mais diversificadas áreas do conhecimento humano, como economia, psicanálise, sociologia, filosofia, geografia e artes, fez então surgir tendências de pensamentos que foram fundamentais no século XX, como aquela de Althusser, por exemplo. Na história, talvez a influência marxista tenha sido ainda maior, com alguns dos maiores historiadores do século XX tendo se inscrito nas fileiras do marxismo e adotado o método de análise histórica posto em movimento nos textos de Marx. Alguns deles são: Eric Hobsbawm, Perry Anderson, E. P. Thompson e Domenico Losurdo. No Brasil, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Ciro Flamarion Cardoso são alguns dos mais importantes pensadores, filósofos e historiadores marxistas (KONDER, 1991). 7 FENOMENOLOGIA: GENÊSE E FORMA O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que buscavam no universo científico fundamentação metodológica 45 (SANTOS, 1973). O influxo da biologia e da psicologia em assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de muitos autores (REALE; ANTISERI, 2006b). Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo, esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária daquele período, especialmente na última década do século XIX (SANTOS, 1973). Os estudos no campo da epistemologia e teoria do conhecimento se faziam, assim, a partir de uma atitude geral de valorização da metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia. Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Edmund Husserl (1859), - filósofo criador da fenomenologia - até 1900 – ano de publicação de sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que as relações entre ciência e filosofia se apresentassem configuradas de modo a colocar em risco a normatividade do discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor, Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade’, a qual sucede o triunfo da ciência (SANTOS, 1973, p. 20) O surgimento da fenomenologia está inteiramente implicado com esse contexto, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo questionamento dessa adesão e pela preocupação em dar fundamentação à prática científica, diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas das ideais. A distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação. 46 De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como biologia, química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da lógica e os objetos matemáticos, por exemplo (HUSSERL, 2012). A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passíveis de serem utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos (DARTIGUES, 1973) Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo, conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou. Em sua primeira obra importante, Philosophie der Arithmetik (A filosofia da Aritmética) (1883/1970), ele desenvolveu uma posição psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz Brentano (1838-1917). Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de conceitos tais como número, unidade e multiplicidade. O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época. No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores, dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um prefácio de 1913, um textono qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da 47 ciência matemática, buscando traçar relações entre o ato da experiência e seu conteúdo. (HUSSERL, 2012). Neste sentido, a fenomenologia se desdobrará em uma corrente filosófica plural que ainda é uma das mais importantes e estudadas no mundo contemporâneo. Tendo em vista essa pluralidade, trataremos do pensamento de quatro autores oriundos desse campo filosófico: a) Edmund Husserl, o criador da fenomenologia, como já indicamos. b) Merleau-Ponty, exemplo máximo da presença da fenomenologia na França, através de uma fenomenologia do corpo e da percepção; c) Simone de Beauvoir, que utiliza do método fenomenológico em uma perspectiva existencial através da literatura, no qual temas como condição da mulher, a juventude e velhice tomam relevo. d) Martin Heidegger, com sua fenomenologia hermenêutica e ontologia fundamental. 7.1 Edmund Husserl Considerado o criador da fenomenologia contemporânea, Husserl, como já observamos, era matemático e se interessava especialmente por questões relacionados à gênese e fundamento das matemáticas, o que o levou a estudar a gênese fenomenológica do conhecimento matemático conforme sua remissão a experiência da consciência pura, que ele busca diferenciar da consciência empírica (DARTIQUES, 1973; LYOTARD, 2008). A consciência pura é aquela alcançada através do método fenomenológico, pela suspensão dos juízos e a redução dos aspectos empíricos que perpassam os fenômenos. A consciência empírica é aquela do sujeito singular e sua vida psicológica que pode ser estudada pela psicologia experimental e é abordada pelas correntes psicológicas em sua diversidade e singularidade (LYOTARD, 2008). Husserl nasceu em abril de 1859 na cidade de Prostejov, atualmente uma cidade da República Tcheca, e faleceu em abril de 1938 em Friburgo. Em 1886, converteu-se ao protestantismo luterano e, em 1887, casou-se como Malvine Steinschneider, o que não impediu de ter os direitos políticos e intelectuais cerceados 48 pela ascensão do nazismo na Alemanha. Husserl lecionou em duas universidades, primeiro na Universidade de Göttingen, em 1916, e em 1928 na Universidade de Freiburg, onde permaneceu até se aposentar. Entre suas obras podemos destacar: As investigações Lógicas (1900); Filosofia como ciência rigorosa (1911); Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica (1913); Meditações cartesianas (1931); póstuma, em 1950, apareceu A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Entre os discípulos mais famosos, devemos citar Martin Heidegger e Edith Stein (DARTIGUES, 1973). Para Husserl, o principal problema que se apresenta ao método fenomenológico concerne aos fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se às tendências de naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché, enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando tratamos especificamente do pensamento de Husserl. Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes à experiência da consciência e o conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude da fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl: Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades científicas; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, 49 portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma se apreende (HUSSERL, 1985, p. 25). A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que, para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas são em sua presentificação fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições mundanas que sustentam a atitude natural. O fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser compreendido e definido como algo que aparece à luz da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e na desconstrução de pressupostos adquiridos ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório ao fenômeno, torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo-da-vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e se torna um enigma quando pensamos filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação com a experiência possa ser tratado diferentemente 7.2 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) 50 Considerado um dos mais importantes filósofos do campo fenomenológico, Merleau-Ponty nasceu na França, na cidade de Rochefort-sur-Mer em 14 de março de 1908 e morreu em Paris a 3 de maio de 1961. Formou-se em filosofia no ano 1930, aos 23 anos de idade. Foi professor no Liceu (nome dado às escolas da época) de Beauvais em 1931, no Liceu de Chartres em 1934 e na Escola Normal Superior em 1935, permanecendo lá até 1939 (MATHEWS, 2010) Além de professor, foi oficial do exército na Segunda Guerra Mundial. Trabalhou ainda em outras instituições de ensino superior na França, terminando sua carreira no Collège de France, uma das mais importantes instituições de pesquisa e ensino da Europa e do mundo. Nesse período (1952-1961), ministrou alguns cursos fundamentais para a tradição filosófica contemporânea e reveladores de toda inovação posta em movimento pelo seu pensamento.Após 1945, juntamente com Jean-Paul Sartre, foi coeditor da revista Les Temps Modernes (Os Tempos Modernos), parceria que durou até 1952, e teve como desfecho uma série de discordâncias entre os dois pensadores, principalmente no que diz respeito a questões políticas da época. Merleau-Ponty, muito antes de Sartre observou a importância da Revolução Russa de 17, orientando-se para uma análise fenomenológica e histórica das formas de expressão revolucionária que caracterizavam aquele momento histórico vivido pela sociedade russa, análise que aparece em seu livro “Humanismo e Terror” (1968), uma das obras do período estritamente fenomenológico de seu pensamento (MATHEWS, 2010). Todavia, muito antes de Sartre, também se desvinculou de qualquer perspectiva ingênua em relação à mesma Revolução, buscando problematizar sua base ontológica em um livro escrito e publicado no começo em 1956, intitulado “As aventuras da Dialética”. O rompimento com Sartre se dá, exatamente, quando Merleau-Ponty considerou perdida a Revolução Russa seu conteúdo humanista e revolucionário. Mais precisamente, quando entende que a invasão da Hungria, em 1956, pela União Soviética, como um processo em que a Rússia apenas retornava a uma espécie de imperialismo de guerra próximo àquele das potências ocidentais (SICHÈRE,1982). Merleau-Ponty, defende, então, no texto ‘Aventuras da Dialética’ (2006), a tese que o problema central do marxismo se dava pela perpetuação de uma ontologia do 51 objeto fundada em uma concepção de continuidade entre natureza e sociedade através do conceito de dialética. A consequência prática desta concepção é uma leitura dos fatos de caráter mecânico, o que também levava a um esforço de controle da ‘natureza social’ através da consideração de leis que não aceitavam ser desmentidas pelos fatos. Ao pensamento de Sartre, Merleau-Ponty dirige uma crítica na qual o pensamento político sartriano é chamado de voluntarista, na medida em que defende uma vontade não situada como dado constitutivo do proletariado, por isso, na perspectiva de Sartre, a revolução teria que ser defendida apesar de seus desvios. Para Merleau-Ponty esse posicionamento era o idealismo de Sartre sendo a contrapartida teórica do materialismo pragmático dos marxistas (MERLEAU-PONTY, 2006). Em sua filosofia, Merleau-Ponty possui como maior influência a fenomenologia de Husserl, mas trata-se de uma influência mediada pelo contato do filósofo com as ciências humanas, especialmente com a psicologia (COELHO, 2001). Suas duas teses de doutoramento, “A Estrutura do Comportamento” (1942/2006) e “Fenomenologia da Percepção” (1945/1999), trouxeram importantes contribuições no âmbito dos estudos do comportamento e da compreensão da experiência perceptiva, tendo em vista construir um olhar unitário em relação à experiência humana, questionando, principalmente a tradição cartesiana e o dualismo entre corpo e alma que lhe caracteriza (BIMBENET, 2004). Escreveu textos dedicados ao tema da linguagem e da expressão artística; podemos dar destaque ao ensaio ‘Dúvida de Cézanne’, na qual trata da pintura e da criação artística de um ponto de vista existencial e fenomenológico (BIMBENET, 2004). O fenômeno da expressão seja na arte como na linguagem assume em sua descrição da existência papel fundamental, pois a existência humana é para ele expressiva tanto do ponto de vista de seus produtos culturais quanto pela sua conformação ontológica, que o filósofo descreve através da sua filosofia do corpo (ALLOA, 2012). Em sua visão, a experiência corporal não pode ser reduzida à concepção biológica de corpo, já que o que está em jogo é o modo como o corpo abre existencialmente ao sujeito e ao mundo. Nesse sentido, grande parte de sua obra trata da questão da corporeidade enquanto fonte de toda experiência possível. Em seus 52 últimos escritos e notas de trabalho desenvolveu a ontologia da carne (Chair), na qual busca superar a ontologia do objeto de origem cartesiana (ALLOA, 2012). 7.3 Simone de Beauvoir (1908–1986) Nascida na França, Simone de Beauvoir é considerada atualmente como uma das percursoras da crítica feminista da sociedade contemporânea. Em seus escritos, ela defendia que o ser humano sempre foi compreendido em uma perspectiva masculina, o que retirava da humanidade à existência das mulheres. Simone, defendia nesse sentido, a igualdade entre os sexos, afirmando que não existem características tipicamente femininas ou masculinas, mas uma construção social que delega papéis e características às pessoas (BUCKINGHAM et al., 2011). Beauvoir era proveniente de uma família tradicional francesa e estudou em um colégio interno católico até os 17 anos. Posteriormente, se dedicou, por um período, ao estudo da matemática e de línguas, até que, por fim, começou a estudar na Universidade de Paris, onde conheceu Jean-Paul Sartre, com quem manteve um relacionamento amoroso nada convencional por toda a sua vida. Em meio ao universo acadêmico francês e, antes, no seio de uma família tradicional, Beauvoir percebeu a opressão que sofria quando fazia escolhas que eram consideradas inadequadas às mulheres da época. Pode-se dizer que essa experiência a levou à reflexão crítica de sua condição feminina na sociedade. Sua filosofia assume a fenomenologia de uma perspectiva existencial, que dialoga com o existencialismo de Sartre e com a fenomenologia do corpo de Merleau-Ponty, mas assume feições originais, na medida em que apresenta as condições históricas e culturais como determinantes que condicionam a experiência de existência pelos seres humanos e em especial as mulheres (GOTHLIN, 2002). Em “O segundo sexo”, Beauvoir (1980) argumenta, por exemplo, fundamentando-se historicamente, que desde a Antiguidade se estabeleceu uma concepção de mulher que orientava e determina a forma de existir do segundo sexo de modo arbitrário. Nesse sentido, vários foram os ‘fundamentos’ para uma abordagem autoritária e arbitrária da vida das mulheres: fundamentos biológicos, psicológicos/psicanalíticos, políticos e ontológicos foram usados como parâmetro para 53 constituir uma visão da mulher como um ser inferior. Nesse contexto, Beauvoir avalia que à mulher sempre restou o lugar do outro, mas de um outro do qual se retirava a autonomia existencial e intelectual. Ou seja, as mulheres foram narradas a partir da perspectiva masculina ao longo da história. Beauvoir afirma que este é o drama de ser mulher: ter as necessidades afirmativas de um sujeito essencial a si, mas se compreender a partir de uma perspectiva que não nasce da sua existência (KRUKS, 2012). Apropriando-se, do conceito de inautenticidade de Heidegger, Beauvoir entende como mulher teve que assumir um papel considerado inautêntico na história da cultura, pois surge condicionada por um papel criado pelos homens e por uma cultura de homens. Nesse sentido, Beauvoir aponta para a dificuldade das mulheres de se desvencilhar da servidão. Se o lugar que sempre foi reservado para o sexo feminino foi o do outro, determinado por uma visão que não é sua, mas do sexo oposto, haveria uma dificuldade em romper com essa negativizarão de si. Ou seja, trata-se da constituição histórica da existência feminina: determinada por uma sociedade culturalmente comandada por homens, mas que não é natural, o que torna possível às mulheres, na perspectiva da autora, assumir e construir o sentido de sua própria vida (KRUKS, 2012). 7.4 Martin Heidegger (1889-1976) Martin Heidegger foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859–1938). Ele nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de mestre tanoeiro. Vivendo em uma cidade muito pequena e tendo pais católicos, Heidegger passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o quepossivelmente determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia e sua aproximação à filosofia. Na escola municipal de Messkirch, ele estudaria latim e romances de formação. Os seus professores lhe deram o auxílio necessário para ingressar no internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, ainda 54 adolescente, encontraria a questão que lhe acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015). Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas, seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger começou a estudar os textos husserlianos (GORNER, 2018). De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas, conforme sua essência), enquanto que, para Heidegger, a fenomenologia permitiria descobrir o modo como as coisas são. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento, compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encobrimento do Ser e da existência, pela determinação da pergunta pelo ser pela ideia de essência e não pela investigação acerca do modo como Ser é na perspectiva dos entes e principalmente do ente que é capaz da pergunta pelo ser, isto é, o ser humano. Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) procura responder o que é o sentido da fenomenologia, buscando na etimologia da palavra uma forma de ampliar a prática e o método indicado por Husserl. A palavra “fenomenologia” pode ser dividida em dois termos e considerando a significação deles se torna possível, em sua perspectiva, filosofar fenomenologicamente. Fenômeno é um encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. O termo logos significa a fala ou discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela esse encontro, isto é, se dá expressão do Ser. A fenomenologia, portanto, “é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo” (HEIDEGGER, 2015, p. 75). 55 Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando-se, assim, como a primeira formulação original que se destaca da fenomenologia de Husserl. Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico, Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser investigada. Husserl não se interessava pela ontologia, pelo menos em sentido fundamental, ou seja, enquanto interrogação radical pelo ser em geral. Husserl considerava a possibilidade de uma ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação aos objetos que ela intenciona, mas não de uma ontologia enquanto ‘descrição fundamental do Ser’. Em Heidegger, ao contrário, o que é visado é o desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da fenomenologia (GREAVES, 2012). É nessa perspectiva, que surge um conceito fundamental na fenomenologia de Heidegger, o conceito de Dasein. Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, expressando através do idioma português que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra quando se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de Heidegger deve ou não ser traduzido. Em língua portuguesa, há duas opções possíveis de tradução. Em alemão, Da significa tanto “aqui” quanto “lá”, e “Sein” é, literalmente, “ser”. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, “ser-aí”. Pode-se utilizar essa tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja interação com o que está “fora” e a distância para que “meu ser” apareça enquanto tal, isto é, como o ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em “Ser-aí” tenta alcançar essas possibilidades. A outra tradução utilizada é “presença”, defendida por 56 Márcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras da autora: A palavra Dasein é comumente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être- là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de presença pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binômio metafísico essência-existência; (...) 2) presença não é sinônimo nem de homem, nem de ser humano, nem de humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade. (HEIDEGGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá Cavalcante, p 309). Ao se perguntar pelo sentido do ser, surge assim, a problemática sobre o sentido do ente que se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo termo Dasein’, se pergunta pelo ser. Nesse sentido, o Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua condição de possibilidade manifesta uma relação com o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto, preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade da pergunta pelo ser porque tem como ‘sentido’ a ocupação com o mundo. 8 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA De acordo Ribeiro (2010), a Teoria Crítica surge de dilemas históricos, poderíamos acrescentar ainda filosóficos e sociais, que caracterizam as primeiras décadas do século XX. Conforme o autor, a teoria crítica, é uma reação ante o 57 fracasso da sociedade burguesa em sua promessa de criação de uma sociedade baseada nos valores do iluminismo e da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. A teoria críticase encarna a partir da fundação do Instituto de Pesquisas Sociais, no ano de 1923, em Frankfurt, na Alemanha. Nomeados Escola de Frankfurt, na história da filosofia, os intelectuais do Instituto (ou ligados ao Instituto) se dedicaram, de modo heterogêneo, em analisar criticamente o capitalismo e os fundamentos da ciência moderna, voltando-se para a problemática da razão e da liberdade, além de uma reflexão sobre os extremos da dominação e da emancipação que marcam a experiência contemporânea, em especial aquela do século XX, tal como eles a vivenciaram onde fenômenos como nazismo e fascismo impactam fortemente a vida intelectual e a prática filosófica. O Instituto teve suas atividades interrompidas na Alemanha, com a acessão do regime nazista. Os intelectuais que se dedicavam à pesquisa e ao ensino no Instituto tiveram que sair da Alemanha, encontrando abrigo nos EUA, onde o Instituto pode ‘existir’ e continuar suas atividades. Alguns tiveram destino trágico, como Walter Benjamim, que em sua tentativa de fuga do regime nazista, durante começo da segunda Guerra, se decidiu pelo suicídio. Em termos programáticos e conceituais, a teoria crítica é uma tendência do pensamento contemporâneo que se vincula organicamente ao programa iluminista ao valorizar a experiência do pensamento como condição de autonomia dos seres humanos, mas também questiona a herança iluminista, na medida, que coloca a razão sob suspeita. Podemos entender esse aspecto retornando ao problema do esclarecimento tal como apresentado por Kant. Para Kant, o primeiro filósofo que estudamos nessa exposição, o esclarecimento é um processo onde o ‘homem’ se desenvolve e deixa para trás a sua menoridade, da qual ele mesmo é culpado (KANT, 1985). Essa é uma condição de possibilidade para que ele atinja a autonomia e, consequentemente, a sua maioridade ética e intelectual. Dessa forma, segundo Kant, o esclarecimento é um processo por meio do qual os indivíduos saem da menoridade, (que consiste na dependência do pensamento e da ideologia do outro), pondo em cena a autonomia, encarnada em vontade e sua liberdade, o que inclui pensar por si mesmo e criticamente. 58 Porém, a mesma base emancipatória da razão, que se vincula à libertação, está subordinada à técnica e à instrumentalização, como também pode se deslocar das condições materiais nas quais a vida humana é construída, já que tende a pensar a razão como uma forma universal de experiência, o que acontece com Kant, quando ele fala de ‘sujeito transcendental’ como condição de possibilidade de toda experiência possível. Assim, o processo acaba se transformando em um processo de sujeição, desviando-se do propósito original. Nesse contexto é que surge a teoria crítica. Ela questiona as relações de poder e as instituições com base numa interpretação materialista de caráter marxista e psicanalítico das sociedades industriais e seus fenômenos na contemporaneidade, fazendo aparecer o enraizamento da razão em uma ambiência social, política e econômica, onde aspectos psicológicos, formados institucionalmente, determinam toda uma forma ‘emocional’ de apropriação da experiência do outro e da própria verdade de modo fetichizado. Por isso, a teoria crítica questiona o ideal da razão na teoria tradicional e os caminhos pelos quais a racionalidade se enveredou no mundo contemporâneo. A teoria crítica, visa analisar esferas particulares da atividade humana como fragmento de um todo, fazendo uma avaliação dos ideais supostamente universais nos quais se funda a ideia tradicional de razão, conforme, ela é apresentada na concepção iluminista. Dois autores da tradição da teoria crítica são fundamentais na teorização e formulação dos princípios e propósitos de um questionamento da razão iluminista enquanto base para uma instrumentalização da experiência. São eles: Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). Segundo Silva (2007, p. 10), esses dois autores: [...] põem em xeque as conquistas da razão iluminista. Para eles, a razão é sobremaneira emancipatória, e ao instrumentalizar-se, nega o seu fundamento. A teoria crítica visa a repensar a própria racionalidade, resgatando o significado de guiar-se pela razão. Adorno e Horkheimer (1985) mostram que houve um afastamento do caminho idealizado pela razão iluminista. Para eles, é necessário retomar e emancipar a própria razão iluminista, cujas consequências ameaçam o projeto inicial do Iluminismo, que é justamente a emancipação e a autonomia do sujeito. Assim, “[...] a teoria crítica é um claro não à razão instrumentalizada e à sociedade administrada, 59 considerando-as como resultado de um desvio na trajetória originalmente emancipatória da razão [...]” (SILVA, 2007, p. 13). Além dessa remissão histórica à razão iluminista, a teoria crítica deve ser entendida como expressão de um momento histórico particular e também atrelada a uma concepção epistemológica que ultrapassa a filosofia pura e se direciona a questão ‘social’ como fundamento de uma prática intelectual onde as fronteiras entre filosofia, sociologia e psicologia (psicanálise, principalmente) são questionadas em favor de uma racionalidade interdisciplinar e histórica. Os principais nomes da Escola de Frankfurt são os seguintes: Max Horkheimer (1895-1973), Theodor W. Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979), Friedrich Pollock (1894-1970), Erich Fromm (1900-1994), Walter Benjamin (1892- 1940). Há também uma segunda geração de pensadores desta tradição. São eles: Axel Honneth (1946), Albrecht Wellmer (1913-2018), Jürgen Habermas (1918), Oskar Negt (1934), Franz Neumann (1900-1954) e Alfred Schmidt (1931-2012). 9 ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO E DESCONSTRUÇÃO O estruturalismo é uma corrente de pensamento que surge conforme o encontro entre filosofia e ciências humanas no século XX, apresentando caráter interdisciplinar, enquanto se tornou um método utilizado por pesquisadores e intelectuais de diversas áreas de conhecimento. A possibilidade de uma posição estruturalista surge a partir dos trabalhos do linguista Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), que sistematizou a linguística enquanto ciência, partindo da ideia de que as línguas devem ser estudadas segundo sua estrutura interna e não por sua remissão a fatores externos à sua própria estrutura (DOSSE, 2009). Entende-se, assim, que na perspectiva do método estruturalista, a investigação dos fatos e fenômenos se dá partir das estruturas que compõem uma sociedade, uma cultura ou um acontecimento. Essa concepção visa identificar as estruturas que formam e interferem na sociedade; determinando padrões de comportamentos nos indivíduos e em grupos sociais, para além das concepções das filosofias da consciência (fenomenologia de Husserl, criticismo de Kant, racionalismo de 60 Descartes) que visa fundar a filosofia e as ciências na posição subjetiva da experiência (DOSSE, 2009). De acordo com Bastide (1971), a palavra estrutura tem sua origem no latim structura (do verbo struere = construir), e seu primeiro sentido é oriundo da arquitetura, significando a maneira como um edifício é construído e relação entre as partes que formam um todo que não pode ser reduzido a soma de suas partes. O fenômeno arquitetônico ilustra muito bem o que é a ideia de estrutura. Uma construção arquitetônica não é a soma de suas partes, mas a relação que determinadas formas e materiais mantêm entre si. A estrutura é, portanto, é uma relação de sentido posta quando formas, traços, conteúdos, relações e ideias se remetem entre si. Além de sua origem direta na linguística saussuriana, podemos mapear um pensamento da estrutura no campo das ciências sociais. Autores do século XIX, com Herbet Spencer (1820 – 1903), Morgan (1818 – 1881) e Karl Marx (1818 – 1883), que mesmo não sendo estruturalistas em sentido preciso,pensam relações e conformações da experiência humana em termos culturais e sociais. No início do século XX surge o uso do neologismo “estruturalismo”, tendo sua origem na obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), como indicamos. Em uma obra, que recolhe anotações de aulas, intitulada Curso de Linguística Geral e publicada no ano de 1916, estão as bases para uma consideração da linguagem como fenômeno estrutural que deve ser estudado conforme suas relações internas. Visa-se, assim, a inteligibilidade dos arranjos e das organizações sistemáticas, afirmando que a história de uma palavra não dava conta de sua significação atual. Tornava-se, então, necessário descrever a relação diacrítica entre os signos, isto é, como um fenômeno idiomático se dava em determinado momento do espaço e tempo da vida humana. A linguística saussuriana tem como objeto, portanto, a diacriticidade dos sistemas de signos linguísticos constituídos pelas relações de determinação recíproca entre uma cadeia de sons (significantes) e uma cadeia de conceitos (significados) (SALES, 2003).Essa difusão das bases dos dispositivos teóricos estruturalistas segundo a línguistica como disciplina piloto na direção de todas as ciências humanas encontra seu primeiro solo na Antropologia por ocasião do famoso encontro, em Nova York, entre Lévi-Strauss e Roman Jakobson, um antropológo formado em filosofia e 61 um línguística apaixonado por poesia. É lá que o filósofo estrutural da Antropologia assiste às aulas do linguista sobre fonologia estrutural, o que lhe conduz a formular tanto a tese de correspondência formal entre a língua e o sistema de parentesco, quanto o modelo da metodologia estruturalista. Nascem as estruturas elementares do parentesco, obra que se torna referência para o que será produzido em seguida (SALES, 2003). Tendo a origem de sua abordagem na linguística, posteriormente o uso passou a ser cada vez mais adotado por autores de outros campos, como nas áreas de sociologia, psicologia, linguística, antropologia e filosofia, transformando-se em um dos métodos de estudo mais utilizados pelos intelectuais na segunda metade do século XX, mas modo nenhum homogêneo ou ‘dogmático’. 9.1 Os pensadores da estrutura O estruturalismo enquanto uma possível forma de pensar e proposta epistemológica influenciou as ciências humanas, que, por sua vez, influenciaram fortemente a filosofia que se apropriava do objetivo de pensar o sentido da noção de estrutura e seu alcance epistemológico. De todos os locais e escolas onde o estruturalismo foi debatido, o maior local ou escola estruturalista ocorreu na França, ainda que seja um exagero considerar que o estruturalismo seja uma forma de pensar exclusivamente francesa. No entanto, são os franceses aqueles pensadores que causaram maior impacto na cultura filosófica e científica do século XX quando começaram a pensar a estrutura como uma resposta às filosofias da consciência (Husserl, Kant, Descartes, etc.). Entre os estruturalistas franceses podemos listar Roland Barthes (Literatura, filosofia e crítica), Claude Lévi-Strauss (Antropologia e psicanálise), Jacques Lacan (Psicanálise) e Michel Foucault (História, política, poder, filosofia e ciências humanas). Estes são autores de fundamental importância para compreendermos onde estamos e o que somos quando falamos que somos seres contemporâneos. Na relação com sua herança, o estruturalismo, sofre influências do pensamento dialético de Hegel e Marx, da fenomenologia de Husserl e até da geologia (LÉVI- STRAUSS, 1971), mas ele nasce especialmente pelo confronto entre teoria e prática, 62 ou mais precisamente, ele emerge do olhar que se volta ao lugar no qual os fatos acontecem, isto é, o mundo-da-vida, que na perspectiva estruturalista não significará mais o mundo europeu tematizado por Husserl no final de sua vida, mas também outras culturas e formas de pensamento que começam desde o século XIX a desestabilizar as formas de pensamento canônicas e europeias. As pesquisas de campo e não somente o raciocínio especulativo, apresentavam-se, nesse sentido, enquanto uma tentativa de reconciliar a teoria com a prática. Podemos pensar, assim, na obra do antropólogo francês Claude Lévi- Strauss, que procurou uma ponte entre o lógico e o empírico, ou seja, buscando um fundamento que pudesse dar conta da diversidade dos mundos culturais descritos através da etnologia moderna e contemporânea, desenvolvendo, assim, um instrumental teórico surgido pelo confronto direto entre pensamento europeu e mundo das culturas originárias da América Latina. Claude Lévi-Strauss é considerado o fundador da antropologia estruturalista. Ele desenvolve as bases de seu trabalho entre 1935-1938, no período em que esteve no Brasil e foi professor convidado na Universidade do Estado de São Paulo (USP) e desenvolveu uma teoria antropológica em contato com a cultura dos povos originários brasileiros. Desenvolveu uma construção teórica de superação do contraditório entre a realidade observável e o que pode ser coligido, ordenado e transmitido, entre o concreto e o que pode ser objeto de ciência (DOSSE, 2019). Ele pretendia, assim, algo que não fosse a simples descrição do empírico imediato e também não resvalasse para o devaneio e para a pura abstração, visando assim uma teoria do possível das estruturas concretas e das vidas concretas (DOSSE, 2019). Em seu programa estruturalista, ele apresenta as seguintes propostas: a) considerar não o fenômeno consciente e as relações que mantêm entre si os elementos diretamente observáveis, mas a voltar-se para a estrutura (inconsciente) que sustenta e ordena estes elementos e estas relações; b) estudar não mais os elementos, mas privilegiar a descrição e a análise das relações entre os elementos; c) se concentrar na ordenação das relações como sistemas inteligíveis, não como invenções do espírito nem como simples abstrações, mas relações que, ainda 63 que baseadas no empírico, são também dotadas de uma ‘significação’ interior, isto é, são passíveis representação por esquemas lógico-matemáticos; d) se restringir aos sistemas efetivos, isto é, aos sistemas de relações simultâneas em um tempo dado (os sistemas sincrônicos), e abandonar toda a ideia de origem e formação histórica dessas estruturas (a diacronia); e) identificar as leis gerais desses sistemas, seja por indução, seja por dedução lógica. Outro representante do estruturalismo francês, pelo menos em um momento específico de sua obra, o filósofo francês Michel Foucault, participou ativamente dos movimentos sociais de vanguarda de seu tempo, sobretudo durante as décadas de 1960 e 1970. Como tantos outros da sua geração, Foucault não deixou de mergulhar nesse caldeirão de experiência produzido pelo pensamento europeu e as formas de resistência e políticas de sua época. Autor do “Nascimento da Clínica” (1963) e dois anos antes, de “A História da Loucura na época clássica” (1961), Foucault não escreveu uma história da loucura enquanto uma narrativa das teorias relacionados ao tratamento das pessoas acometidas de enfermidades psíquicas; mas como uma reconstrução de como a noção de loucura foi construída no âmbito da cultura europeia; e orientou o surgimento de práticas de saber e poder relacionadas na constituição do discurso psiquiátrico (ANTISERI; REALE, 2006) Tratava-se ainda de mostrar como “homens normais e racionais” da Europa Ocidental deram expressão ao seu medo da não-razão e da loucura, estabelecendo repressivamente os dispositivos teóricos e práticos pelos quais se identificará o normal e o patológico; dando, assim, a base epistemológica e política para o surgimento da psiquiatria e das instituições nas quais esse ramo da medicina é praticado (BERT, 2011). Em seu percurso intelectual, Foucault, visou analisaras relações entre o poder e o saber em instituições como asilo psiquiátrico, a clínica médica e também no âmbito do surgimento das prisões, deslocando das concepções tradicionais que situavam a discussão sobre o poder somente no âmbito do poder do Estado. Desta maneira, descreve os processos de internalização pela sujeitos e pela cultura europeia da própria noção de doença ou crime, o qual, a partir do século XIX, impõe-se a todos os 64 indivíduos, estando confinados ou não. Para Foucault, era também necessário descrever as relações de poder tais como elas acontecem e se estruturam nas inúmeras instituições que formam a vida social. Esse projeto de sua obra é nomeado ‘microfísica do poder: não se trata mais do poder que vem do estado apenas, mas do poder que envolve e produz os sujeitos nos inúmeros espaços e ‘tempos’ que eles frequentam. Entendendo como as relações entre saber e poder determinaram o surgimento de formas de subjetividade, isto é, a relação pessoal e intransferível de um sujeito com as coisas e com os outros. O tema das prisões foi tratado na obra Vigiar e Punir, na qual ele traça a genealogia do que ele chama de sociedade disciplinar e as formas de punição que ela implica (ANTISERI; REALE, 2006; BERT, 2011). Em outra obra fundamental, o livro ‘A Arqueologia do Saber’ (1969), o autor tenta se desligar a sua postura filosófica de toda a relação com o estruturalismo. A partir de 1967, o discurso foucaultiano será cada vez mais radicalizado no sentido de querer consolidar sua diferença para com os estruturalistas. Ele assume, nesse período, a necessidade de que o pensamento não se restrinja a um 'fechamento' teórico, seja através da noção de sujeito ou da de estrutura (DOSSE, 2009). 9.2 Pós-estruturalismo: filosofia e rebelião social Os anos 1960 representaram um marco histórico no mundo ocidental. Nesse período, fervilhavam movimentos sociais, que demandavam direitos civis e tomavam as ruas de vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, Martin Luther King liderava marchas de multidões pelas ruas, discursando e reivindicando direitos iguais entre cidadãos negros e brancos, além do surgimento de movimentos jovens contraculturais, como os hippies e os Panteras Negras, e feministas, que lutavam por equidade de gênero. Já na Europa do pós-guerra, os sindicatos pressionavam cada vez mais os aparelhos estatais para manter e aprofundar o Estado de bem-estar social. Na América Latina, organizações, grupos partidários, estudantes, intelectuais e gente do povo resistiam a regimes autoritários (HUNT, 2009; VENTURA, 2006; MATTOS, 1981). 65 Em 1968, na França, os estudantes universitários de Paris tomaram as ruas contra o governo paternalista e autoritário do general Charles de Gaulle, reivindicando mais autonomia e liberdade de pensamento e expressão nos centros superiores de ensino do país. A esse gesto de rebeldia, somaram-se os sindicatos relacionados à indústria, que passaram a exigir mais direitos trabalhistas. O clima de tensão e expectativa durante esse evento foi intenso. Filósofos e intelectuais, como Michel Foucault e Jean-Paul Sartre, uniram-se aos estudantes nas ruas de Paris: ao lado esquerdo do rio Sena, eles discursavam e prestavam seu apoio político a causa dos estudantes. Pairava no ar a ansiosa dúvida sobre o apoio do partido comunista francês (PCF) e da URSS aos protestos estudantis, como também a crise das noções de revolução e engajamento político, entendidos em uma perspectiva exclusivamente marxista (HUNT, 2009). Diante do maio de 68, intelectuais e pessoas do mundo inteiro se perguntavam se o mundo ocidental estaria prestes a ver uma nova comuna de Paris. O espectro do comunismo finalmente tomaria a Europa? Esse entusiasmo efusivo foi duramente frustrado pela omissão dos partidos comunistas e de esquerda e da URSS, somada à forte repressão militar orquestrada pelo Estado contra os movimentos de maio de 1968, que, abastecidos de revolta juvenil, foram ganhando ares cada vez mais anárquicos e dispersivos, assumindo, posteriormente, um sentido mais cultural do que político na memória de muitos intelectuais que, posteriormente, testemunharam a grandiosidade do evento (ROSS, 2010). Essa convulsão social e política não passou em branco pela produção intelectual e acadêmica da França naquela época. Neste momento, por exemplo, Michel Foucault, filósofo francês que produziu durante o momento mais fervilhante do pensamento estruturalista, tratava de questões até então consideradas “secundárias”, ou seja, entendidas como de menor importância à análise histórica, como a loucura e o discurso. Em 1966, o pensador publicou sua grande obra estruturalista, As palavras e as coisas, em que discute as rupturas de pensamento entre as formações do saber, desde a Idade Média até a Modernidade (FOUCAULT, 1995). Sua tese central nessa obra é a de que o saber não se constitui de maneira cumulativa e linear, mas por meio de disputas e rupturas entre as disciplinas e as formas de nomear o mundo, que acabam entrando na dança das tensões políticas por domínio dos saberes. 66 Embora, o texto As palavras e as coisas, seja considerada sua grande obra estruturalista, uma vez que o autor separa em sua análise as disciplinas como estruturas discursivas fechadas (como a biologia, a economia e a linguística), encontramos na obra o início, ou virada, para formas de pensar pós-estruturalista, uma vez que tais estruturas discursivas de conhecimento começam, aos poucos, a ser encaradas em seu viés histórico (arqueológico) e, por isso, dinâmico, de limites instáveis e não delimitáveis. Nesse sentido, três anos mais tarde, Foucault publica A arqueologia do saber, seu grande marco de virada do pensamento estruturalista para o pós-estruturalista, ou como dissemos anteriormente: uma obra marcada pelo esforço de mostrar que o fechamento do pensamento pela noção de estrutura era contrapartida necessária a uma visão abstrata de subjetividade (DOSSE, 2009). É importante perceber que a estrutura não deixou de ser o objeto central de seu pensamento, mas apenas que a sua noção filosófica e conceitual de estrutura passa a não ser uma categoria fechada e coesa, pois, ao considerar a política e a história, Foucault argumenta que são justamente esses fatores externos (relações institucionais de poder) aqueles que conferem à estrutura de uma disciplina (formação discursiva) uma unidade e coesão irreais, levando-a a atender às demandas políticas de determinada época (demandas que ele sintetizou no conceito vontade de verdade) (FOUCAULT, 2008). Outros dois filósofos caros ao momento pós-estruturalista da noção de estrutura foram Jacques Derrida e sua noção de desconstrução, sobre a qual nos debruçamos mais adiante; e Julia Kristeva (1941), estudiosa búlgara que, a partir de sua leitura dos escritos do filósofo russo Mikhail Bakhtin sobre o dialogismo da linguagem, levou para a França dos anos 1960 a noção de intertextualidade, fundamental ao pós-estruturalismo e aos estudos da linguagem posteriores a ele (DOSSE, 2009). O que podemos abstrair de comum e fundamental à produção teórica dos filósofos e críticos literários pós-estruturalistas, como coloca o filósofo marxista e crítico cultural britânico Eagleton (2006), em seu clássico manual didático Teoria da Literatura: uma introdução, originalmente publicado em 1985, é, em essência, a consideração da parcial instabilidade e a impossibilidade de significações completas através da estrutura da linguagem e do texto. Nas palavras de Eagleton: 67 Há sempre mais alguma significação a ser constatada. [...] Cada signo na cadeia de significação está, de alguma forma, marcado e influenciado por todos os outros, vindo a formar um emaranhado complexo que nunca se esgota; e nesse sentido, nenhum signo jamais é “puro” ou “de significaçãocompleta” (EAGLETON, 2006, p. 192–193). 9.3 A desconstrução das estruturas estáveis Jacques Derrida foi um filósofo naturalizado francês, mas nascido na Argélia, país africano que era ainda uma colônia francesa no século XX. Pertencente a uma família judaica, o filósofo viveu já na infância os efeitos sociais da segregação e do racismo nazistas, uma vez que a França, Estado que dominava politicamente a Argélia, esteve sob domínio alemão durante a Segunda Guerra. Considerar essa passagem na vida de Derrida, bem como sua adaptação durante a juventude e vida adulta à capital parisiense, é fundamental para entender seu peculiar posicionamento filosófico e epistemológico (relacionado à construção do conhecimento), crítico à toda filosofia ocidental produzida até aquele momento (DOSSE, 2009). Debruçando-se sobre fenomenologia de Husserl e Heidegger, como também sobre trabalhos de escritores franceses como Antonin Artaud (1896-1948) e Maurice Blanchot (1907-2003), Derrida desenvolveu já no começo da sua carreira as bases para uma crítica da filosofia ocidental, que em sua perspectiva estava baseada na noção de presença enquanto uma forma de excluir do campo do conhecimento todos os elementos e dimensões que não pudessem se tratadas como fenômenos de pura idealidade ou pura doação de sentido. Nesse sentido, ele escreve obras fundamentais como “A voz e o Fenômeno” de 1961, no qual trata do tema do signo em Husserl e começa, assim, a formular as bases para sua noção de escritura. No mesmo período, ele escreve ainda as obras Gramatologia e a Escritura e Diferença em que ultrapassa as tendências estruturalistas que estão em voga no ambiente intelectual francês. Em sua crítica as bases da filosofia ocidental, seu argumento gira em torno do fato de que a filosofia, desde os antigos gregos, sempre procurou uma “verdade fundamental”, uma essência das coisas, para pautar sua epistemologia (a maneira com que construíra o conhecimento até então) em bases axiológicas (premissas e fundamentos teóricos) estáveis, desconsiderando aspectos instáveis que estariam também na base de nossas relações de conhecimento com o mundo. Segundo ele, 68 essa postura equivocada resultou de um entendimento reduzido da linguagem, mais precisamente da escrita, excluída pelos filósofos conforme um tratamento dela como instrumento que deveria ter a função de servir ao pensamento e não participando de sua constituição. Conforme o entendimento do filósofo, o signo linguístico sempre fora encarado como algo metafísico na história da filosofia (algo idealizado, perfeito, representação objetiva e direta da realidade e do pensamento), comportamento teórico ao qual o filósofo deu o nome de “logocentrismo”, sendo este no qual concentrou sua crítica desconstrutiva. A desconstrução derridiana busca, assim, “quebrar” as relações binárias, fechadas e óbvias entre os entes, sendo a principal aquelas presentes no signo como fenômeno exemplar de um pensamento que se estrutura pela suspensão e neutralização do que na experiência é empírico, contingente ‘mortal’. Dessa maneira, o par objetivo “significante/significado” que compõe a lógica básica do signo saussuriano é desconstruído, ou seja, perde sua natureza óbvia, direta e objetiva. O filósofo franco-argelino, que, como seus contemporâneos franceses, gostava muito de brincar com as palavras justamente para mostrar os furos da linguagem, nomeou sua proposta de desconstrução do signo saussuriano como a differánce (DOSSE, 2009). O valor filosófico da perspectiva de Derrida, é que sua elaboração/desconstrução do signo busca desvelar como não há relação direta entre os signos e o mundo, ou mesmo como, somente através dos signos podemos encontrar a diferença do mundo em relação à linguagem e que o ‘modelo’ que leva ao lugar da differánce é a escrita. Desse modo, a linguagem para o filósofo não deve ser pensada na perspectiva da palavra falada ou do ‘sopro’, mas da escrita e seu espaçamento, pois, a partir da escrita temos a ausência/presença da diferença em seu movimento próprio e descontinuo (DOSSE, 2009). Escrever, nessa perspectiva, não envolve apenas a remissão de um signo traçado no papel a um objeto mental ou empírico, mas uma relação com os traços empíricos da escrita e seu espaçamento, já que um traço escrito está nessa relação entre traços, em que há sempre um vazio: dobras e faltas que constituem o próprio ‘significar’ enquanto tal. Essa concepção de Derrida é construída através da relação profunda e quase literária que ele tem com a língua francesa. A palavra difference significa “diferença”, traduzida para o português. Porém, em muitas ocorrências do 69 francês, as vogais (fonemas, sons que diferenciam os significados das palavras) /a/ e /e/ não têm diferença sonora e acústica, sendo, portanto, sons homônimos cuja diferença aparece apenas na grafia das palavras. Um exemplo desse fenômeno linguístico na língua portuguesa é a terceira pessoa do modo indicativo do verbo “vir”, cujas formas no singular e plural não têm diferença sonora: ele vem; eles vêm. Derrida, sabendo dessa ocorrência linguística do francês, resolveu fazer essa brincadeira sonora com o conceito de “diferença” do valor do signo linguístico proposto por Saussure, criando o conceito da differánce (DUQUE-ESTRADA, 2002) A differánce de Derrida, assim, compreende o conceito que o filósofo desenvolveu para desconstruir a concepção do signo linguístico tal como descrita pela linguística saussuriana, isto é, teoria que está na base do surgimento do estruturalismo francês. Trata-se, na perspectiva de Derrida, de mostrar que, embora realmente seja esse processo de diferenciação entre os significantes o responsável por relacioná-los aos seus significados, a diferenciação entre os significantes não é óbvia e objetiva, o que faz com que a dicotomia significante/significado não ocorra de maneira direta e uniforme no processo de significação da linguagem (DOSSE, 2019). Como um intruso na filosofia eurocêntrica, Jacques Derrida levou seu projeto de desconstrução até às últimas consequências a partir dessa desconstrução primordial da differánce do signo linguístico, expandindo-a a várias outras dicotomias aparentemente óbvias na cultura ocidental, como “masculino/feminino”, “razão/loucura”, “lógico/ilógico” (DOSSE, 2019). E, embora essa quebra da relação entre o significante e o significado seja aparentemente simples, seu processo filosófico de desconstrução tornou-se uma revisão epistemológica (da maneira como se produz e se compreende o conhecimento) da filosofia contemporânea e das teorias sobre a interpretação textual e linguística (hermenêutica, exegese textual, filologia, etc.) que buscaram, até então, bases axiológicas estáveis, verdades essenciais (metafísicas) e o “verdadeiro” sentido de um texto. Como bem sintetiza Eagleton (2006, p. 200): A desconstrução, portanto, compreendeu que as oposições binárias, com as quais o estruturalismo clássico gosta de trabalhar, representam uma maneira de ver típica das ideologias. Estas tendem a traçar fronteiras rígidas entre o que é aceitável e o que não é, entre o eu e o não eu, a verdade e a falsidade, o sentido e o absurdo, a razão e a loucura, o central e o marginal, a superfície e a profundidade. Esse pensamento metafísico, como dissemos, não pode ser simplesmente evitado. Não podemos nos lançar, para além desse hábito binário de pensamento, a uma esfera ultrametafísica. Mas através de uma 70 determinada maneira de operar sobre os textos — sejam literários ou filosóficos — podemos começar a revelar um pouco dessas oposições, a demonstrar como um termo de uma antítese está secretamente presente no outro. 9.4 Experiência e subjetivação: o conceito de dobra em Gilles Deleuze Gilles Deleuze (1925–1995) foi um importante filósofo francês que produziu conceitos carosà filosofia contemporânea, tais como: rizoma, dobra, ritornelo e máquina desejante. Isso faz jus à sua forma de pensar a filosofia, que, segundo ele, tem a função de produzir e criar conceitos. Entretanto, Deleuze nunca teve a pretensão, que é comum à maioria dos pensadores, de que seus conceitos se provassem verdades instáveis ou absolutas. Ele desejava realizar uma elaboração sobre o conhecimento, na qual a experiência da verdade fosse descrita como acontecimento de um devir. Sua obra é repleta de conceitos inovadores que se entrecruzam para fazer nascer mais do que é uma teórica, mas, principalmente, uma postura de vida e uma interpretação prática do desejo. Através da releitura original de autores como Bergson, Nietzsche, Espinosa Proust, Deleuze conseguiu romper com o pensamento hegemônico do estruturalismo francês e suas ideias, atualmente, atravessam as artes, a psicanálise, a filosofia, a psicologia, a literatura e o cinema. Certa vez, Foucault disse que um dia o século seria Deleuziano, uma afirmação pela qual como, o autor de As palavras e as coisas, buscava mostrar como a filosofia de Deleuze estava altura de sua época e também apontava para formas de pensamento futuras (GALLO, 2003). Deleuze se dedicou também a pensar a esquizofrenia, tanto que uma parte considerável de sua obra é proveniente de seu encontro com o pensador e psiquiatra Félix Guattari (1930-1992). Ambos os pensadores escreveram vários textos sobre a relação entre o complexo de Édipo e a esquizofrenia, no sentido de uma crítica e uma ampliação da teoria do complexo de Édipo oriunda da psicanálise freudiana. Nesse sentido, eles criaram juntos as bases para uma modalidade de intervenção psicoterápica chamada esquizoanálise. A esquizoanálise (enquanto uma análise de partes, pedaços, linhas ou estilhaços de experiência e vivências desejantes) poderia ser entendida como uma ética e uma estética de valorização da vida. Seria uma 71 perspectiva e não uma metodologia em termos estritos. Procura valorizar a vida vibrátil e agradável, em sua potencialidade máxima. Deleuze e Guattari nos apontam que [...] a Esquizoanálise não incide em elementos nem em conjuntos, nem em sujeitos, relacionamentos e estruturas. Ela só incide em lineamentos, que atravessam tanto os grupos quanto os indivíduos. Análise do desejo, a Esquizoanálise é imediatamente prática, imediatamente política, quer se trate de um indivíduo, de um grupo ou de uma sociedade. Pois, antes do ser, há a política (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 77-78). Não trataremos, nesta exposição, de vários conceitos deleuzianos; eles são complexos e demandam mais tempo e espaço, para além do que temos aqui. Vamos nos ater a um conceito determinado e dar a ver ao estudante como essa filosofia se destaca pela sua abertura e pelo seu devir e como ele tende a deslocar nossa forma habitual de tratar problemas e questões no âmbito da filosofia e de outras formas de conhecimento e expressão. Trabalharemos, nesse sentido, o conceito de dobra e na próxima seção falaremos do conceito de rizoma, no sentido de enriquecer um pouco mais nossa exposição. O conceito de dobra é um dos mais estudados na obra de Deleuze, isso porque ele tem um impacto estético e existencial em diversos campos de conhecimento e experiência. Tal conceito é empregado na reflexão sobre a subjetividade humana; ou seja, para considerar as diversas dobras operam que entre o dentro e o fora da experiência: interna e externamente. É uma estratégia para descrever os agenciamentos da subjetividade, enquanto formas imanentes de temporalidade e espacialidade. Em outras palavras, a dobra trabalha tanto na subjetividade do sujeito, interioridade, quanto na produção dessa subjetividade, externalizada e em contato com seus outros que estão na base de seu devir. O conceito de dobra é construído por Deleuze a partir da filosofia de Leibniz; que no que lhe concerne, encontra reverberação no modo como Leibniz exprime em sua obra aspectos de uma 'cultura barroca'. Uma cultura barroca é aquela onde os opostos e os divergentes são momentos de uma convergência infinita. Além disso, cabe lembrar, que o conceito aparece nos livros de Gilles Deleuze escreveu sobre Michel Foucault. Na definição do verbete “dobra” no Deleuze Dictionary, Simon O’Sullivan (2010) observa que Deleuze usa a dobra como uma forma de agir no texto e fora do 72 texto, pois ele sempre cria e inventa seu pensamento a partir de dobras do pensamento do outro, no pensamento artístico, científico e filosófico. O verbete também nos indica que pensar em dobras tem a ver com o pensamento sobre a produção de subjetividades, humanas ou não. Podemos, por exemplo, segundo esse autor, pensar o “interior”, o íntimo, como uma dobra do exterior, como dobra daquilo que vem do fora, por isso Deleuze falará dessa dobra que é o devir, onde uma existência humana se abre, se fecha e se transforma. Assim, O ‘Sullivan (2010), mostra que para Deleuze, a potência de uma dobra sobre nós, sobre o que pensamos ser tem implicações éticas e políticas, existenciais e estéticas, de vida e morte. Através do conceito de dobra busca-se tornar presente também a instabilidade que o Barroco expressa, pois o Barroco é uma arte de crise e não da crise. Isso quer dizer que o Barroco não representa uma crise, uma sociedade em crise, um momento histórico em crise, o que seria apenas um aspecto de superfície do que ele é. Tal como existem dobras clássicas, dobras gregas, góticas e românticas, existe a dobra barroca, que se caracteriza por ir até o infinito em sua crise de sentido e ‘deslocamento’ da noção de representação. O alcance do conceito de dobra é estético e existencial, pois, possui o agenciamento de colocar em cena isso que consiste em ser um traço que vai até o infinito, próprio a uma forma de arte, como também aponta para o devir existencial que caracteriza o próprio ser humano enquanto crise. Para Deleuze: "Sempre existe uma dobra na dobra, como também uma caverna na caverna. A menor unidade da matéria, o menor elemento, é a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, e sim uma simples extremidade da linha" (DELEUZE, 1991, p. 13). Dessa forma, a dobra é dividida em dois momentos, dois andares segundo análise de Leibniz (andar de cima e andar de baixo), ou dois lados conforme análise de Foucault (dentro e fora) (DELEUZE, 1988). Quando se pensa na dobra podemos, por exemplo, pensar a cidade. Pensar, por exemplo, uma cidade específica. A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, por exemplo. Uma cidade marcada por uma ‘cultura barroca’ e por uma arquitetura barroca onde as dobras são infinitas. O movimento da dobra é responsável pela constituição da arte, da filosofia, das ciências, bem como dos processos de subjetivação que estão disseminados na existência e seus territórios, o que também 73 pode ser visto e vivenciado em uma cidade, como aquela que tomamos como exemplo. Subjetivação é o nome dado por Deleuze às formas de produção da subjetividade em relação à formação de determinada sociedade, lugar e posicionamento no plano da imanência. Através do conceito de dobra, segundo Deleuze, entende-se que a subjetividade é uma curvatura, um dobramento que as formações históricas fazem em razão das relações de forças que as constituem. Ou seja, a dobra, constitui também tais formações, na medida em que elas só existem a partir dessa relação de forças (DELEUZE, 2007). Dessa forma, a singularidade de determinada subjetividade se dá a partir das intensidades de forças que a atravessam. A dobra, para Deleuze, é um conceito que permite compreender a relação do sujeito com a formação da sua subjetividade, assim como a formação histórica em seu processo de subjetivação. Deleuze buscou, com esse conceito, a relação entre o pessoal e o social, o singular e o universal. Podemosentender esse devir expresso no conceito de dobra a partir de um exemplo simples: imaginemos, uma pessoa que visita pela primeira vez, a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais. Sua experiência é turística, portanto, ele não conhece muito lugares das cidades e precisará ouvir de outros, algumas informações sobre aquele lugar, suas formas arquitetônicas e os significados que se sedimentaram na forma de ser daquela cidade. Após o passeio, esse sujeito volta para casa, e depois de um tempo, decide retornar a Ouro Preto; dessa vez já conhece melhor os lugares, não precisa de tanto auxílio e, por isso, consegue se divertir mais e conhecer melhor a cidade. Além disso, esse sujeito é um estudante de artes visuais. Depois da primeira visita, ele decidiu ler sobre as formas arquitetônicas de Ouro Preto, o que lhe permite, também, se aproximar, não apenas com outros olhos à cidade, mas com ‘outro corpo’, sutilmente desviado, transformada pelas experiências que pode constituir a partir de seu primeiro encontro com a cidade. Ou seja, o devir de sua existência constituiu outra relação de força com a cidade: uma dobra sobre a experiência anterior e uma abertura para outras experiências possíveis. 74 9.5 O conceito de rizoma Influenciados pelo estilo e questões expressas pela obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, Deleuze e Guattari se dedicaram a pensar sobre as questões que a obra nietzschiana sugere acerca da vontade e da verdade. Por esse motivo, ambos buscaram compreender a história da vontade e da verdade a fim de entender a construção tanto do pensamento como do conceito. A partir de tal investigação, Deleuze e Guattari entenderam que, ao longo da tradição filosófica, a produção de conceitos, tais como de verdade e de vontade, está sempre fundamentada em uma relação remissiva, o que eles explicitam pelo conceito de agenciamento (DOSSE, 2010). A partir disso, os pensadores produziram o modelo de rizoma a fim de estabelecer dispositivos conceituais para compreender o pensamento enquanto explicação, expressão e base de sua própria produção. O rizoma é uma espécie de caule que cresce de forma transversal e tem partes aéreas. Deleuze e Guattari deram esse nome ao seu modelo justamente porque queriam passar a ideia de “sistema” aberto, até porque as raízes do caule formam um emaranhado, tornando difícil saber onde estão o início, o meio e o fim. Assim, as linhas do rizoma (caule) são como as linhas do modelo rizoma, de modo que cada uma sustenta o seu próprio devir, formando redes e contato e interrupção que são formativas em relação a todo percurso possível destas relações. Ou seja, com tal modelo, Deleuze e Guattari buscaram explicar o próprio sistema de pensamento enquanto abertura, multiplicidade e projeto de experiência que se move em um campo imanência por ele produzido (DOSSE, 2010). Nesse sentido, para ambos os pensadores, o humano só pode e consegue se desenvolver com suas potencialidades em relação tanto com o fora (a exterioridade), quanto com outros devires que promovem encontros, mudanças, rupturas. Seria uma espécie de vida seguindo as linhas do emaranhado, isto é, as formas seguras e inseguras do rizoma. O rizoma sugere, portanto, outra forma de ‘organização’ e expressão da experiência, pois trata-se de um sistema de caules horizontais que tem um crescimento diferenciado, polimorfo, horizontal, sem uma direção definida. A grama, é um bom exemplo, ela se espalha pelo quintal ocupando todo o território que for capaz. Não há centro, hierarquia, ordem, profundidade: ela se dissemina. 75 Aponta-se, assim, para ideia de que a realidade é constituída por estratos — estrato social, estrato subjetivo, entre outros — e cada estrato é um estrato da realidade e de contato em que estamos. O rizoma é processo de ligação da multiplicidade por ela mesma, o que nos dá a experiência de uma realidade em devir, uma totalidade que é a sua própria impossibilidade. Interessante, notar, que ao pensar a realidade e a experiência desta maneira, Deleuze e Guattari, não tinham como objetivo dizer que toda experiência se dá dessa maneira. Existem experiências mais próximas e mais distantes do ser do rizoma. Nesse caso, o sentido do conceito é ontológico, pois, com ele se descreve algumas formas de experiência e realidade; mas ele também ético e estético, pois através dele se produz uma teoria que se busca não apenas ‘entender’ o real, mas também agir sobre ele, se dar a ele nos termos de uma modificação e um devir do próprio sujeito, o que constitui, na perspectiva dos pensadores, os agenciamentos. Para Deleuze e Guattari (1997), esses agenciamentos são movidos pelo desejo e existem dentro de um território (campos de imanência), de modo que cada agenciamento acontece dentro de um plano (aquilo que contém seu próprio princípio e fim). Assim, o agenciamento provoca um esforço para que, em sua necessidade de territorialidade, o sujeito busque diversas conexões e agenciamentos. Entretanto, há o que ambos os pensadores caracterizaram por linha de fuga, que é o desejo de se desterritorializar (BADIE, 1995). Nesse sentido, há um desejo por sair do emaranhado e, por conseguinte, buscar outro território, o que constitui um momento decisivo de todo devir de uma experiência. Dessa forma, Deleuze e Guattari pensam o modelo rizoma como algo que está sempre entre o dentro e o fora, justamente por não ter começo nem fim. Deleuze e Guattari elencam alguns princípios para se entender e fazer um rizoma: ▪ Princípio de conexão: como em uma árvore, qualquer parte pode se conectar a outra, “[...] um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 15–16). ▪ Princípio de heterogeneidade: é produzido no interior das conexões, uma vez que as conexões são múltiplas. 76 ▪ Princípio de multiplicidade: aquilo que não tem mais nenhuma relação com a unidade. ▪ Princípio de ruptura assignificante: o rizoma é sempre um porvir, assim não se pode hierarquizá-lo nem o significar. ▪ Princípio de cartografia: o rizoma é uma espécie de mapa, de cartografia mutável de acordo com as mudanças dos agenciamentos. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ALLOA, E. La résistance du sensible. Merleau-Ponty critique de la transparence. Paris: Éditions Kimé, 2008. ALTHUSSER, L. et al. Para ler o Capital. Tradução: Nathanael C. Caixeiros. Riode janeiro: Zahar Editores, 1978. ALTHUSSER, L. Advertência aos leitores do livro I do Capital. In: MARX, K. O Capital, Livro I. São Paulo, Boitempo Editorial, 2013, p. 30-39. BADIE, B. La fin des territories. Paris, Fayard, 1995. BARRENECHEA, M. A.de. Nietzsche e o corpo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009. BASTIDE, R. Arte e sociedade. São Paulo: Edusp, 1971. BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007 BERTRAND, R. História da Filosofia Ocidental. V. 4. São Paulo: Nova Fronteira, 2021. BERT, J. Introduction à Michel Foucault. Paris: La Découverte, 2011. BIMBENET, E. Nature e humanitè: Le problème anthropologique dans ouvre de Merleau-Ponty. Paris: Livrairie Philosophique J. Vrin, 2004. BRUM, J.T. As Artes do Intelecto. Porto Alegre, Ed. LPM, 1986. BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas; HILL, Clive; KING, Peter; MARENBON, John; WEEKS, Marcus. O livro da filosofia. São Paulo: Globo, 2011. 77 BUNGE, M. La ciencia: su método y su filosofía. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1986, CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. COELHO J; CARMO, P. Merleau-Ponty: Filosofia como corpo e existência. São Paulo: Escuta, 2001. COSTA, C. F. Paisagensconceituais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011. DARTIGUES, A. O que é a fenomenologia? 2. ed. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973. DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1998. DELEUZE, G. A Filosofia Crítica de Kant. Lisboa: Edições 70, 1994. DELEUZE, G., GUATTARI, F. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. Rio de Janeiro: Ed 34, 1997. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Ante Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. 2ª. ed. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000. DELEUZE, G. A Dobra: Leibniz e o Barroco. Campinas, SP. Papirus, 1ª Edição, 1991. DERRIDA, J. A Escritura e a Diferença. Tradução: Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 2002. DERRIDA, J. A Voz e o Fenômeno: introdução ao problema do signona fenomenologia de Husserl. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994 DERRIDA, J. Margens da Filosofia. Tradução: Joaquim Torres Costa. São Paulo: Editora Papirus,1991. DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 2004. DESCARTES, R. Meditações. In: DESCARTES, R. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. v. 15. DOSSE, F. Gilles Deleuze & Félix Guattari: biografia cruzada. Porto Alegre: Artmed Editora, 2010. 78 DOSSE, F. História do Estruturalismo. Vol.1: O campo do signo 1945-1966/ vol.2: O Canto do Cisne, de 1967 a nossos dias. Tradutor: Álvaro Cabral. São Paulo: USP, 2019. DUQUE-ESTRADA, P. C. Às Margens: à propósito de Derrida. São Paulo: Ed. Loyola, 2002. EAGLETON, T. Teoria da Literatura:uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. Aula Inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2009. FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FOUCAULT, M. Dits et écrits -1954-1988. Vol. IV, 1980-1988. Paris, Gallimard, 1994. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2007. FOUCAULT, M. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978. FOUCAULT, M. Microfísica do poder Trad. Roberto Cabral de Melo Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979 FOUCAULT. M. O nascimento da clínica. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1977. GOLDMANN, L. Ciências Humanas e Filosofia: Que é a Sociologia? Trad. Lupe Cotrim Garaude; José Arthur Giannotti, Ed. 6. Rio de Janeiro: Difel, 1978 GOTHLIN, Eva. Beauvoir et Sartre: deux philosophies en dialogue. In: DELPHY, Christine & CHAPERON, Sylvie. Cinquantenaire du Deuxième sexe. Paris: Éditions Syllepse, 2002 GREAVES, T. Heidegger. Porto Alegre: Penso, 2012. GALLO, S. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2003. HALÉVY, D. Nietzsche: Uma Biografia. Rio de Janeiro, Ed. Campus 1991. https://www.amazon.com.br/s/ref=dp_byline_sr_book_2?ie=UTF8&field-author=%C3%81lvaro+Cabral&text=%C3%81lvaro+Cabral&sort=relevancerank&search-alias=stripbooks 79 HEGEL, G.F Fenomenologia do Espírito. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. HESSEN, J. Teoria do conhecimento. Trad. CORREIA, A. 7ª ed. Portugal: Arménio Amado, 1980. HUNT, L. A Invenção dos Direitos Humanos, uma história. São Paulo: Companhia das Letras, São Paulo, 2009 HUSSERL, E. Philosophie der Arithmetik. Mit ergänzenden Texten (1890-1901). In: HUSSERL E. ELEY, L. (Ed.). Husserliana: v. 12. Haag: Martinus Nijhoff,1970 p. 5- 283. HUSSERL, E. Investigações lógicas: volume 2: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Trad. P. M. S. Alves & C. A. Morujão. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. HUSSERL, E. Investigações lógicas: volume 1: prolegômenos à lógica pura. Tradução: P. M. S. Alves & C. A. Morujão. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2012 HUSSERL, Ed. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1986 INWOOD, M. Dicionário Hegel. Tradução de Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Jorge JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 Lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015. KANT, I. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003. KANT, I. Crítica da razão pura. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Discurso Editorial, 2009. KANT, I. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung?). In: KANT, I. Textos Seletos. 2. ed. Edição bilíngue. Petrópolis: Vozes, 1985. KANT, I. Crítica da faculdade de julgar. Trad. Fernando Costa Matos. Petrópolis: Vozes, 2016. KENNY, A. Uma nova história da filosofia ocidental, volume IV: filosofia no mundo moderno. Trad. Carlos Alberto Bárbaro. São Paulo: Edições Loyola, 2009. 80 KENNY, A. História concisa da filosofia Ocidental. Sacarem: Sociedade portuguesa de filosofia, 1999. KONDER, L. Intelectuais brasileiros & marxismo Belo Horizonte: Oficina de livros, 1991. KRUKS, Sonia. Simone de Beauvoir and the politics of ambiguity. New York: Oxford University Press, 2012 LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LEBRUN, G. Kant e o fim da metafísica. Trad. C.A.R. de Moura. São Paulo: Martins. Fontes, 2002. LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global, 1979. LYOTARD, Jean-Francois. A fenomenologia. Lisboa: Edicoes 70, 2008. MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1985. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. MARTON, S. Nietzsche e as mulheres: figuras, imagens e tipos femininos. Belo Horizonte, Autêntica, 2022. MARTON, Scarlet Nietzsche: Das Forças Cósmicas aos Valores Humanos. São MARX, K. O Capital, Livro I. São Paulo, Boitempo Editorial, 2013, p. 30-39. MARX, K; ENGELS, F. Manifesto comunista. Tradução. Osvaldo Coggiola. 4a reimpressão. São Paulo: Boitempo, 2005.2011 MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte; São Paulo: Editorial Boitempo, 2011. MARX, Karl. Guerra Civil em França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011b. MATOS, O. C. F. Paris 1968: as barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1981. MATTEWS, E. Compreender Merleau-Ponty. São Paulo: Editora Vozes, 2010. MERLEAU-PONTY, M. As Aventuras da Dialética. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Trad: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999 81 MERLEAU-PONTY, M. Humanismo e terror. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968. MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes, 2006 MULLER-LAUTER, W.. A Doutrina da Vontade de Poder em Nietzsche. São Paulo, Ed. Annablume, 1997. 241 NIETZSCHE, F. A Gaia Ciência. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. NIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os pensamentos morais. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1992. NOBRE, M. A teoria crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. NODARI, P.C A teoria dos dois mundos e o conceito de liberdade em Kant. Caxias do Sul: Educs, 2009. NUNES, B. Introdução a filosofia da arte. São Paulo: Ed. Loyola, 2016. NUNES, B. A Filosofia Contemporânea: trajetos iniciais. São Paulo, Ed. Ática, 1991. O’SULLIVAN, S. Fold. In: PARR, A. Deleuze Dictionary Revised Edition. Edinburgh: EdinburghUniversity Press, 2010. p. 107-108. OLIVEIRA, M. A. de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. REALE, Paulo, Ed. Brasiliense, 1985. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia 7: de Freud à atualidade. São Paulo: Paulus, 2006c. REALE, G; ANTISERI, D. História da filosofia 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006b. REALE, G; ANTISERI, Dario. História da filosofia 4: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulus, 2006. RITA, Fraga Machado. ROSA, Graziela Rinaldo. Simone de Beauvoir: Uma filósofa feminista. In: Filósofas: presença das mulheres na filosofia. Juliana Pacheco (Org.) Porto Alegre, RS: Editora Fi, p. 233-255, 2016. 82 RIBEIRO, L. T.F. A teoria crítica, a escola de Frankfurt e a educação. In: RIBEIRO, Luís Távora Furtado; RIBEIRO, Marco Aurélio de Patrício. Temas educacionais: uma coletânea de artigos. Fortaleza: Edições UFC, 2010. p. 165-177. ROSS, K. Mai 68 et ses vies ultérieures. Marseille: Agone, 2010. SANTOS, J. H. Do empirismo à fenomenologia: a crítica antipsicologista de Husserl e a ideia da lógica pura. Braga: Livraria Cruz, 1973. SICHÈRE, B. Merleau-Ponty ou le corps de la philosophie. Paris: Grasset & Fasquelle, 1982. SILVA, V. A. Adorno e Horkheimer: a teoria crítica como objeto de emancipação. 2007. 129 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação do Departamento de Filosofia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007. VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.