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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA AMEBÍASE A amebíase resulta da infecção pelo protozoário parasita entérico Entamoeba histolytica. A amebíase pode causar colonização assintomática, diarreia, disenteria e colite, bem como disseminação extraintestinal. Entamoeba histolytica -> tem baixa dose infecciosa (<100 organismos), é resistente ao cloro e estável no meio ambiente. Essas propriedades a tornam uma ameaça aos suprimentos de água e alimentos. ❖ Os seres humanos são os únicos reservatórios da E. histolytica, que se reproduz no intestino grosso e é eliminada nas fezes. EPIDEMIOLOGIA A amebíase ocorre em locais com condições precárias de higiene, por contaminação da água e de alimentos ou por contato orofecal. É uma doença de distribuição universal, havendo diferenças na prevalência e na incidência em virtude das variações na transmissão e na invasidade do parasita, determinadas pelas condições ecológicas e socioeconômicas. A amebíase é considerada a 3ª causa mais importante de morbidade e mortalidade, depois da malária e esquistossomose. Estima-se que a amebíase provoque 500 milhões de infecções por ano, sendo que 50 milhões de pessoas desenvolvem os sintomas de disenteria amebiana ou abscesso hepático, com taxa de morte anual de 40- 100.000 pessoas no mundo. O parasita está presente em todo o mundo, mas a maioria das infecções ocorre na América Central, no oeste da América do Sul e no sudeste da África e subcontinente da Índia. Brasil -> na região Norte, encontram-se o estado com maior número de internações por amebíase em todo o Brasil, que é o estado do Pará. FATORES DE RISCO Os principais fatores de risco para a infecção amebiana são: ❖ Clima. ❖ Baixa condição socioeconômica. ❖ Higiene precária. ❖ Falta de suprimento de água tratada. ❖ Viagem a regiões endêmicas. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO Entamoeba histolytica tem 2 estágios bem demarcados: trofozoítos (forma ameboide) e cistos. Os trofozoítos proliferam no cólon e alimentam-se de bactérias e células humanas -> esses microrganismos podem colonizar qualquer área do intestino grosso, mas geralmente acomete o ceco. Os pacientes com doença sintomática eliminam cistos (inertes) e trofozoítos (altamente móveis) nas fezes, os quais morrem rapidamente quando ficam expostos ao ambiente, fora do corpo. Apenas os cistos são infectantes, porque sobrevivem à acidez gástrica, que destrói os trofozoítos. Depois da colonização estabelecida, os trofozoítos invadem as criptas das glândulas do cólon e mergulham até a submucosa subjacente; em seguida, os microrganismos espalham-se e formam úlceras com abertura estreita e base larga. ❖ Os organismos de E. histolytica que conseguem invadir as veias da submucosa do intestino grosso são levados à veia porta e formam êmbolos que seguem para o fígado, formando um ou vários abscessos hepáticos bem definidos. Amebíase é transmitida pela contaminação fecal da água de consumo humano e alimentos com cistos da ameba, os quais são relativamente resistentes à cloração. ❖ Também é transmitida pelo contato direto de mãos contaminadas ou objetos sujos, bem como, sexualmente pelo contato oral-anal. Em populações sem saneamento básico, o homem é obrigado a fazer suas necessidades no ambiente. Se as fezes estiverem contaminadas com o parasito, o ambiente (principalmente a água) se contamina. Esta água contaminada pode ser usada para beber ou irrigar plantações, fechando o ciclo, e infestando outros indivíduos. ❖ O período de incubação varia de 7 dias-4 meses. Os ciclos são resistentes e sobrevivem de 20h-30 dias em diferentes meios (água, fezes frescas, massas e laticínios). Os insetos também ajudam a dispersar os cistos da Entamoeba histolytica. APG 05 - AMEBÍASE E GIARDÍASE https://www.infoescola.com/saude/saneamento-basico/ https://www.infoescola.com/biologia/insetos/ Maria Luiza Sena – Med XIV FASA FISIOPATOLOGIA A destruição das células do hospedeiro é necessária para a invasão do intestino pelo parasita -> esse processo de destruição foi dividido em etapas sequenciais de aderência, denominado trogocitose amebiana, e citotoxicidade dependente de contato. O processo de invasão tecidual é iniciado pelo reconhecimento de moléculas do epitélio intestinal pelo parasito. Em seguida, no processo de adesão celular há formação de um espaço intercelular (foco de adesão), no qual ocorre a secreção de proteínas necessárias ao processo de invasão tecidual. Além das proteínas mais importantes relacionadas com o processo de invasão (ex.: cisteínas-proteinases e lectinas específicas), a proteína quinase C exerce função importante tanto no processo de citólise quanto na adesão trofozoítica à superfície celular. ❖ Isso favorece a liberação de maior quantidade de cisteína- proteinase no foco de adesão e maior dano à célula-alvo, onde desenvolve uma rápida resposta inflamatória aguda, com presença de leucócitos polimorfonucleares e macrófagos, podendo ocasionar ulcerações profundas em forma de frasco. À medida que a lesão progride, a superfície mucosa sobrejacente é privada de fluxo sanguíneo, sendo, por fim, necrosada, com perfuração da parede intestinal e infecção sistêmica. RESPOSTA IMUNE INATA Inclui a ativação da via alternativa do Complemento recrutando neutrófilos, por meio de C3a e C5a, para o local de infecção; entretanto, as amebas resistem à destruição pelo complexo de ataque à membrana por meio da lectina específica. A resistência inata é conferida por células não hematopoiéticas, o que ressalta a importância da produção epitelial de citocinas, como TNF-α, IL-1α, IL-6, IL-8, oncogene-α relacionado ao crescimento e fator de estimulação de colônias de granulócitos-macrófagos. ❖ Os granulócitos constituem a resposta imune celular mais precoce (1-2 dias) na amebíase tanto intestinal quanto hepática. A depleção de neutrófilos ou eosinófilos resulta em doença hepática e intestinal amebiana exacerbada. Macrófagos e linfócitos T também são recrutados em torno do 3º dia de uma infecção -> os macrófagos adquirem atividade amebicida após estimulação com IFN-γ, TNF-α ou fator de estimulação de colônias I. ❖ Células natural killer pode ser importantes, em parte, como fonte de IFN-γ, bem como os mastócitos infiltrantes, em razão de sua capacidade de contribuir para a resposta imune inata por meio da produção de IL-6 e TNF-α. RESPOSTA IMUNE ADQUIRIDA Reflete os papéis opostos da IL-4 e da IFN-γ na persistência e na eliminação da infecção amebiana, respectivamente. Está associada a uma resposta sistêmica de IFN-γ e a uma resposta mucosa de IgA dirigidas contra a lectina específica (Gal/GalNAc) -> a composição do microbioma intestinal está associada a amebíase sintomática, provavelmente pela indução de uma resposta imune inflamatória. Ademais, pacientes infectados com E. histolytica produzem elevados níveis de IL-10 e fator beta de crescimento (TGF- β) -> essas citocinas exercem atividades imunomoduladoras da infecção, contribuindo para limitar a resposta inflamatória associada à E. histolytica. Mediadores químicos como histamina, prostaglandinas, leucotrienos, quininas e citocinas pró-inflamatórias induzem alteração intestinal, dificultando a absorção alimentar -> quando há a presença de células inflamatórias, mesmo que não haja danos, a presença destas leva o hospedeiro a crises diarréicas. ❖ Histamina -> ativa vias secretórias, agindo diretamente nos receptores H1 (enterócitos). ❖ Bradicininas -> atuam de modo indireto mediante o estímulo à secreção dos metabólitos do ácido araquidônico, como as prostaglandinas e os leucotrienos de linfócitos e outras células do sistema imune localizadas nas adjacências da lesão. ❖ Prostaglandinas E2 e F2 -> atuam em receptores presentes na membrana basolateral dos enterócitos, resultandona ativação da enzima adenilato-ciclase e, consequentemente, aumentando o influxo de eletrólitos para o lúmen intestinal, provocando diarreia. Ao final da doença, pode ocorrer a formação de tecido granulomatoso, caracterizado pela formação de novos vasos, indicando a cura da lesão. Caso os trofozoítos atinjam a circulação sanguínea, anticorpos específicos ligam-se ao parasito. No entanto, as amebas possuem a habilidade de concentrar/agregar os anticorpos em regiões específicas da membrana plasmática (uróides) -> estruturas caracterizadas por dobras na membrana plasmática. Esse fato se deve ao transporte ativo realizado pelas moléculas de actina, miosina e proteínas associadas à actina que direcionam os agregados para os uróides -> forças contráteis geradas nessa região propiciam o desprendimento dos uróides da superfície do parasita. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Dessa forma, os trofozoítos escapam do mecanismo de citotoxicidade dependente de anticorpo (ADCC). A depender do perfil genético, imunoenzimático, da capacidade de evasão do Sistema Complemento e da habilidade em sintetizar enzimas proteolíticas, os trofozoítos podem penetrar em pequenas veias, presentes na submucosa intestinal, e disseminar-se pela circulação portal, atingindo o tecido hepático. A inflamação tecidual e a lise de neutrófilos mediada pelos trofozoítos liberam uma série de mediadores químicos responsáveis pela amplificação da lesão inicial, ocasionando a morte dos hepatócitos. ❖ Com a evolução do processo inflamatório, as úlceras focais podem coalescer, desenvolvendo uma lesão hepática extensa, constituída por material espesso, homogêneo, acastanhado e estéril. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Há 4 formas clínicas de amebíase intestinal invasiva, geralmente de apresentação aguda: ❖ Disenteria ou diarreia sanguinolenta. ❖ Colite fulminante. ❖ Apendicite amebiana. ❖ Ameboma de cólon. AMEBÍASE INTRALUMINAL ASSINTOMÁTICA O estado de portador assintomático que elimina cistos constitui o tipo mais comum de infecção amebiana. Os indivíduos com infecção assintomática representam um risco para a comunidade, visto que constituem uma fonte de novas infecções, bem como um risco para eles próprios, já que a infecção progride para sintomática em alguns casos. Corresponde à colonização do parasita no interior da luz intestinal e constitui a maioria absoluta das infecções humanas pela E. histolytica (80-90% dos casos). DIARREIA AMEBIANA A diarreia amebiana sem disenteria é a doença amebiana mais comum -> não há necessidade de muco sangue visível ou microscópico nas fezes. A duração média da diarreia amebiana é de 3 dias. DISENTERIA OU COLITE AMEBIANA A ocorrência de diarreia com muco ou sangue visível ou microscópico em um paciente com infecção por E. histolytica define a disenteria ou colite amebiana. 15-33% dos pacientes com diarreia por E. histolytica também apresentam disenteria. Normalmente, o início dos sintomas é gradual, no decorrer de um período de 3-4 semanas após a infecção, com hipersensibilidade abdominal e diarreia cada vez mais graves como principais queixas. ! Os pacientes com disenteria de causa bacteriana habitualmente apresentam 1 ou 2 dias de sintomas. De maneira surpreendente, ocorre febre em apenas uma minoria de pacientes com colite amebiana. Em crianças pequenas, pode-se observar o desenvolvimento de intussuscepção, perfuração, peritonite ou colite necrosante. Manifestações incomuns de colite amebiana incluem megacólon tóxico e ameboma (tecido de granulação no lúmen do cólon, cuja aparência simula CA de cólon). ABSCESSO HEPÁICO AMEBIANO É 10x mais comum nos homens do que nas mulheres, sendo incomum em crianças. Em um estudo realizado nos EUA, o paciente típico com abscesso hepático amebiano é: homem de 20-40 anos imigrante de área endêmica, com febre, dor no QSD, leucocitose, níveis séricos anormais de transaminase e fosfatase alcalina e defeito observado em exames de imagem de fígado. ❖ Entre os viajantes, o intervalo médio entra a exposição e a apresentação clínica pode ser de até 18 meses. A maioria dos pacientes tem inicialmente 2-4 semanas de febre, tosse e dor abdominal no QSD ou epigástrio. ! O comprometimento da superfície diafragmática do fígado pode levar à dor pleural do lado direito ou dor referida para o ombro ou hemidiafragma direito elevado observado em RX de tórax. ❖ Um achado típico consiste em hepatomegalia com ponto de hipersensibilidade sobre o fígado, abaixo das costelas ou nos espaços intercostais. Nas crianças, a dor abdominal é relatada infrequentemente na presença de abscesso hepático amebiano. Mais comumente, observa-se a ocorrência de febre alta, distensão abdominal, irritabilidade e taquipneia. Algumas dessas crianças são internadas com febre de origem indeterminada. A hepatomegalia ocorre com frequência, porém a indução de hipersensibilidade hepática não está bem documentada. OUTRAS INFECÇÕES EXTRAINTESTINAIS A amebíase torácica é o tipo mais comum de amebíase extra- abdominal depois do abscesso hepático e ocorre em cerca de 10% dos pacientes com abscesso hepático amebiano. Desenvolve-se por extensão direta a partir do fígado. A amebíase pericárdica é a forma seguinte de comprometimento extraintestinal mais comum, que pode resultar de ruptura de um abscesso hepático no lobo esquerdo do fígado para o pericárdio, ou da extensão da amebíase pleural do lado direito. Outros focos de infecção são raros, porém foi relatada a formação de fístula retovesical amebiana, bem como comprometimento da faringe, do coração, da aorta e da escápula. Pode surgir uma infecção cutânea em consequência da saída dos trofozoítos do reto. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA DIAGNÓSTICO Os métodos diagnósticos incluem exame microscópico das fezes a procura de E. histolytica, pesquisa de anticorpos séricos e colonoscopia com coleta de amostras ou biopsia. EXAME DE FEZES A FRESCO É realizado para procura de cistos e, raramente, de trofozoítos -> as fezes devem ser diluídas em salina tamponada, dentro de 20min após sua emissão, a fim de se observar a mobilidade ameboide característica da E. histolytica. ❖ Recomenda-se o exame de 3 amostras de fezes para alcançar 90% de sensibilidade na detecção da infecção por E. histolytica. A eliminação de cistos ocorre pelo portador assintomático ou pelo paciente com doença invasiva, não sendo possível distinguir cistos patogênicos. Por outro lado, o encontro de trofozoítos contendo hemácias no seu interior (eritrofagocitose) é característico de amebíase invasiva. EXAMES SOROLÓGICOS Testes sorológicos para identificação sorológica de E. histolytica podem ser úteis em nações industrializadas, onde as infecções por E. histolytica não são comuns. Entretanto, em áreas endêmicas os testes sorológicos são incapazes de distinguir entre infecção passada e presente. Vários tipos de ensaios diferentes têm sido desenvolvidos para detecção de anticorpos: ❖ Hemaglutinação indireta (HI) -> simples de realizar e tem alta especificidade no paciente HIV + com sintomas intestinais. Tem baixa sensibilidade, podendo produzi resultados falso- negativos. ❖ Aglutinação em látex ❖ Imunoeletroforese (IE) e Contraimunoeletroforese (CIE) -> são de execução demorada, mas tem alta sensibilidade em pacientes com amebíase invasiva. ❖ Teste de difusão em gel ❖ Imunodifusão ❖ Fixação do complemento ❖ Imunofluorescência indireta (IFA) -> são testes rápidos, confiáveis e reproduzíveis, ajudando a diferenciar abscesso amebiano de outras etiologias. Permitem diferenciar entre uma infecção passada e presente. O teste negativo exclui amebíase invasiva. ❖ ELISA -> é o mais popular, sendo considerado suficiente para finalidades clínicas. Se mostrou 97,9% sensível e 94,8% específico para detecção deanticorpos E. histolytica em pacientes com abscesso hepático. A pesquisa sorológica baseia-se na detecção de anticorpos circulantes contra antígenos específicos da E. histolytica. Após 7 dias dos sintomas, a positividade dos testes é superior a 95%, em pacientes com colite amebiana ou abscesso hepático. Em áreas não endêmicas, um teste sorológico positivo é preditivo de doença; em áreas endêmicas, a sorologia negativa é útil para afastar a amebíase invasiva. Em indivíduos assintomáticos com exame positivo para E. histolytica no exame das fezes, a sorologia negativa para anticorpos antiamebianos aponta para infecção com zimodemo não patogênico. SIGMOIDOSCOPIA/COLONOSCOPIA A inspeção visual do cólon, por meio de sigmoidoscopia e/ou colonoscopia pode ser realizada para fazer o diagnóstico de amebíase intestinal ou excluir outras causas. Há maior probabilidade de encontro dos trofozoítos no muco sanguinolento e no exsudato amarelado, que cobrem as ulcerações mucosas e são obtidos na retossigmoidoscopia. Quando houver úlceras, as biópsias devem ser feitas no ângulo dessas úlceras, podendo ser positivas para cistos ou trofozoítos na microscopia. ! A colonoscopia não é recomendada como exame de rotina, pois as ulcerações amebianas aumentam a probabilidade de perfuração durante a instilação de ar, para expandir o cólon. Sua indicação permanece para casos de dúvida no diagnóstico, não esclarecidos pela retossigmoidoscopia. TRATAMENTO O tratamento para a infecção invasiva difere daquele da infecção não invasiva, que pode ser tratada com paromomicina. As infecções invasivas exibem tratamento com nitroimidazóis: ❖ Metronidazol. ❖ Tinidazol. ❖ Secnidazol. ❖ Ornidazol. ! Álcool não deve ser ingerido simultaneamente com estes medicamentos. No caso raro de colite amebiana fulminante, é prudente acrescentar antibióticos de amplo espectro para tratar bactérias intestinais que podem se espalhar no peritônio. Os parasitas persistem em até metade dos pacientes tratados com um nitroimidazol, de modo que o tratamento deve ser seguido de paromomicina ou de furoato de diloxanida, um agente de segunda linha, para curar a infecção luminal. Deve-se considerar a drenagem de um abscesso hepático em pacientes que não apresentam resposta clínica à terapia farmacológica nos primeiros 5-7 dias ou naqueles com alto risco de ruptura do abscesso, definido por uma cavidade com diâmetro superior a 5cm ou pela presença de lesões no lobo esquerdo. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Aspiração com agulha percutânea ou a drenagem com cateter constituem o procedimento preferencial para drenagem de um abscesso hepático. Em certas ocasiões, há necessidade de intervenção cirúrgica para drenagem de um abscesso hepático, abdome agudo, sangramento gastrintestinal ou megacólon tóxico. GIARDÍASE A Giardia lamblia é responsável por causar a Giardíase, um parasita eurixeno, ou seja, que infecta vários tipos de espécies, porém é monoxeno pois só desenvolve o ciclo biológico completo em um hospedeiro, que são os humanos. A G. lamblia habita o intestino delgado dos humanos e de outros mamíferos. A giardíase é uma das doenças parasitárias mais comuns mundialmente, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, causando doença intestinal e diarreia. EPIDEMIOLOGIA A giardíase é muito comum entre crianças de 8 meses a 12 anos, nas regiões tropicais e subtropicais, sendo uma parasitose que acomete as populações mais pobres com condições ruins de saneamento. Parece ser o parasita mais prevalente no mundo, mesmo em famílias com renda familiar média a alta. Estima-se em 200 milhões os portadores de giardíase sintomática em todo o mundo. Giardia está entre as infecções parasitárias mais comuns nos seres humanos; é altamente infecciosa e, com frequência, os cistos são excretados em grande quantidade, particularmente em crianças pequenas. As infecções são mais comuns em crianças pequenas e são mais frequentes nos meses de verão e outono. Em regiões de baixa renda e altamente endêmicas, quase todas as crianças são infectadas em torno de 2-3 anos, muitas delas de modo persistente. Embora possa ocorrer desenvolvimento de imunidade parcial em adultos previamente expostos, a reinfecção de crianças após tratamento é comum em regiões altamente endêmicas. Brasil -> a prevalência da giardíase varia de 12,4% a 50%, dependendo do estudo, da região e da faixa etária pesquisada, predominando nas criança entre 0-6 anos. ❖ Creches e hospitais psiquiátricos, por exemplo, contribuem muito para a transmissão da giardíase. ❖ Aglomerados populacionais com precárias condições sanitárias e o convívio em creches aumentam a disseminação desse enteropatógeno. Em muitas regiões, há um pico sazonal simultâneo no verão, relacionado à maior frequência a piscinas comunitárias por crianças de pouca idade, à eliminação de cistos prolongados e à pouca quantidade infectante. Estudo realizado em praças públicas detectou esse parasito em fezes de cães, demonstrando o risco de contaminação humana, sobretudo de crianças que têm o hábito de brincar no solo. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO O ciclo de vida da Giardia é composto de 2 estágios: trofozoíto e cisto. Os cistos são as formas infectantes, sendo responsáveis pela disseminação do parasita. Infecções podem ser resultantes da ingestão de 10 ou até menos cistos. ❖ Os cistos são resistentes, podendo permanecer viáveis durante 2 meses no meio exterior -> condições de temperatura e umidade, como a água de 4-10ºC, podem mantê-lo viáveis por muitos meses. Este protozoário apresenta o potencial de parasitar castores, gatos e cães, os quais, por sua vez, excretam cistos pelas fezes, que poluem reservas hídricas e alimentos utilizados pelo ser humano. A capital via de transmissão é a água ou alimentos poluídos com cistos. Há também relatos de transmissão por via fecal-oral direta, tanto por autoinfecção como por determinadas práticas sexuais. A infecção é subsequente à ingestão de cistos resistentes ao ambiente e à saída do parasita do cisto no intestino delgado, liberando trofozoítos flagelados que se multiplicam por fissão binária. A Giardia permanece como um patógeno do intestino delgado proximal e não se dissemina por via hematogênica. Os trofozoítos ficam livres no lúmen ou se fixam ao epitélio da mucosa por meio de um disco ventral de sucção. Quando um trofozoíto encontra condições alteradas, ele forma um cisto morfologicamente distinto, que é a fase do parasita encontrada nas fezes. Os trofozoítos podem estar presentes e mesmo predominar, nas fezes soltas ou aquosas, mas é o cisto resistente que sobrevive fora do corpo e que é responsável pela transmissão. Os cistos não toleram aquecimento ou dessecação, mas permanecem viáveis por meses em água doce fria. O número de cistos excretados varia amplamente, mas pode se aproximar de 107 por grama de fezes. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A ingestão de apenas 10 cistos é suficiente para causar a infecção humana. Como os cistos são infecciosos quando excretados, a transmissão de pessoa a pessoa ocorre quando a higiene fecal é ruim. Se a comida for contaminada com cistos de Giardia depois da cocção ou preparo, pode ocorrer a transmissão veiculada por alimento. A transmissão veiculada pela água é responsável por infecções episódicas (ex.: em acampados e viajantes) e por grandes epidemias em áreas metropolitanas. Águas de superfície, variando desde riachos de montanhas a grandes reservatórios municipais, podem ser contaminadas com cistos de Giardia provenientes de fezes. ❖ A eficácia da água como um meio de transmissão é ampliada pelo pequeno inóculo infeccioso da Giardia, pela sobrevida longa dos cistos em água fria e pela resistência dos cistos à destruição por métodos de cloraçãorotineiros, que são adequados para controlar bactérias. Cistos viáveis podem ser erradicados da água por fervura ou por filtração. FISIOPATOLOGIA Os motivos pelos quais alguns, mas não todos, pacientes infectados desenvolvem manifestações clínicas e os mecanismos pelos quais a Giardia causa alterações na função do intestino delgado são amplamente desconhecidos. Embora trofozoítos tenham capacidade de aderir ao epitélio, eles não são invasivos, mas podem provocar apoptose de enterócitos, disfunção da barreira epitelial e má absorção e secreção de células epiteliais. Na maioria das infecções, a morfologia do intestino é inalterada. O processo patológico depende do número de parasitos que colonizam o intestino delgado, da cepa do protozoário e do sinergismo entre bactérias e fungos, além de fatores inerentes ao hospedeito, como hipocloridria e deficiência de IgA e IgE na mucosa digestiva. ❖ Deficiência de IgA secretora associa-se a giardíase persistente e intensa. Uma alta carga parasitária pode provocar ação irritativa sobre a mucosa intestinal, levando à produção excessiva de muco e alterações da produção de enzimas digestivas (principalmente dissacarídases). Ocorrem também lesões produzidas pelos trofozoítos fortemente aderidos ao epitélio intestinal ao nível das microvilosidades intestinais, e até invasão da lâmina própria. A mucosa intestinal pode ser normal ou apresentar discreto infiltrado inflamatório e hipertrofia das vilosidades. Os trofozoítos são identificados em biópsias de duodeno -> forma característica em pera ou foice, junto à superfície epitelial. Folículos linfoides hiperplásicos e escassez de plasmócitos na lâmina própria soa encontrados nos casos de deficiência de IgA. A resposta imune inata para Giardia ocorre no intestino delgado, onde os produtos antimicrobianos secretados no intestino e no epitélio vão contribuir para a manutenção da barreira envolvente da mucosa. ❖ Os produtos antimicrobianos constam de peptídeos defensivos na atividade anti-Giardia, impedindo a adesão no local, contudo, não inibem a sua viabilidade. No hospedeiro, a camada de muco protege as células epiteliais das enzimas digestivas do parasito e impede que este obtenha o acesso imediato ao epitélio, determinando a susceptibilidade e a resistência à infecção. ❖ No epitélio encontram-se alojados diversas bactérias da microbiota normal que vão inibir a adesão e proliferação do parasito. Sabe-se pouco sobre os mecanismos que o parasito G. lamblia utiliza para superar a resistência do hospedeiro -> acredita-se que durante a patogênese da giardíase, a presença de IgA anti-Giardia, a participação de monócitos citotóxicos na resposta imune, a susceptibilidade de indivíduos imunocomprometidos e a exposição à ambientes e áreas de risco, favoreçam a manifestação clínica da doença. Indivíduos com giardíase apresentam anticorpos circulantes como IgG, IgM e IgA anti-Giardia -> IgA secretora tem sido relacionado à diminuição da adesão de trofozoítos às células epiteliais intestinais. Durante a infecção intestinal, subconjuntos diferentes de leucócitos podem migrar, através do epitélio, para o lúmen intestinal e atuar diretamente sobre o invasor. Macrófagos que estão presentes no epitélio intestinal e são citotóxicos, podem fagocitar os trofozoítos que aderem e ultrapassam a mucosa, destruindo-os. ❖ A atividade dos macrófagos pode ser intensificada pela ação de citocinas, sendo suficiente para destruir os parasitos. Em infecções prolongadas, onde os parasitos escapam da resposta imune inata, células como granulócitos interagem com os trofozoítos. A mobilização da resposta imune no hospedeiro a uma infecção por patógeno entérico induz a expressão de citocinas no epitélio intestinal, porém, no caso de Giardia, há poucos relatos sobre isso. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Sabe-se que, in vitro, após 5h de infecção por G. lamblia não ocorre indução da expressão de citocinas -> IL-8 (importante nas infecções intestinais bacterianas) não apresenta níveis elevados em infecções por G. lamblia. O mecanismo mais eficiente para o afastamento de trofozoítos das células epiteliais intestinais é a estimulação de linfócitos TCD4 para a produção de IFN-γ no momento da infecção. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS G. lamblia produz um amplo espectro de manifestações clínicas, variando de quadros assintomáticos até diarreia crônica acompanhada de síndrome de má absorção. O período de incubação oscila entre 7-14 dias. Os pacientes sintomáticos apresentam diarreia, dor abdominal em cólica e perda ponderal. Ocasionalmente, há fenômenos de esteatorreia, assim como manifestações sistêmicas, tais como hipertermia, eosinofilia, artrite, exantema ou urticária. Há relatos de artralgia correlacionados a giardíase. Na infância, a giardíase crônica pode debilitar tanto o desenvolvimento físico quanto cognitivo. ! O principal sintoma é, sem dúvida alguma, o aparecimento de diarreia, inicialmente líquida, podendo chegar ao grau de esteatorreia acompanhada de náuseas, desconforto abdominal e perda de peso. Outras apresentações clínicas menos comuns são: síndrome de má absorção, que causa emagrecimento, anorexia, distensão abdominal, flatulência, desnutrição, raquitismo e esteatorreia, além de anemia; síndrome dispéptica, com sensação de desconforto epigástrico, plenitude gástrica pós-prandial, eructações, pirose e náuseas, além de vômitos; e síndrome pseudoulcerosa, constituída por dor epigástrica ou pirose, que melhora com a ingestão de alimentos e retorna com o jejum. Os sintomas agudos podem desaparecer, aumentar e diminuir ou estabilizar-se em uma fase crônica, que pode ser prolongada, com duração de semanas a meses. Os sintomas de longa duração devem levar a uma pesquisa do parasita. A deficiência de lactose é comum e pode persistir por algumas semanas após o tratamento; precisa ser distinguida em pacientes sintomáticos da recidiva ou reinfecção. Nos casos extremos, a má absorção e a perda de peso são graves. DIAGNÓSTICO EXAME DE FEZES Constitui a melhor maneira de estabelecer o diagnóstico da giardíase, por ser um método não invasivo, de fácil execução e baixo custo. Fezes liquefeitas -> recomenda-se, na coleta, a utilização de um conservante para a pesquisa das formas de trofozoítos. Os métodos usados correntemente são o direto e o corado pela HE férrica. Fezes formadas/pastosas -> pesquisa-se a presença de cistos, utilizando a metodologia direta ou de concentração de Ritchie ou Faust. Como a eliminação de cistos não é contínua, é recomendável a realização de 3 exames, preferencialmente 1 a cada 3 dias. ENTEROTEST OU TESTE DO BARBANTE Consiste em uma cápsula gelatinosa que envolve um pequeno saco de borracha siliconizada, em cujo interior se encontra um peso de aço, que será carreado ao duodeno através da peristalse do paciente. ❖ É necessário jejum de pelo menos 4hs para a realização desse procedimento, que tem como finalidade a obtenção do suco duodenal para a pesquisa de G. lamblia. ANTÍGENO NAS FEZES Pode ser realizado por ELISA, imunofluorescência direta ou indireta. Geralmente, essas técnicas utilizam anticorpos monoclonais ou policlonais contra os antígenos dos cistos ou trofozoítos. SOROLOGIA É mais empregada em estudos epidemiológicos. Títulos anti-Giardia IgM são elevados apenas nos indivíduos com infecção corrente. Aproximadamente 1/3 dos pacientes desenvolve anticorpos específicos da resposta anti-Giardia IgA. ❖ Resultados negativos não afastam a doença. ❖ Anticorpos anti-Giardia IgG podem permanecer elevados por longos períodos, prejudicando o diagnóstico. RADIOLOGIA Geralmente, não é específica. Tem pouco uso no diagnóstico da giardíase, porém pode revelar outras lesões, ampliando um possível diagnóstico diferencial. ❖Mudanças radiológicas podem aparecer no TGI alto, principalmente uma dilatação no intestino delgado, não sendo específicas da giardíase. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA TRATAMENTO Não há consenso sobre a terapêutica dos indivíduos assintomáticos. Entretanto, esses indivíduos são potenciais fontes dispersoras dos cistos para o meio ambiente, podendo contaminar fontes hídricas e alimentos. Assim, em função do entendimento ecológico da doença, há uma tendência de se tratar tanto a forma sintomática quanto a assintomática. Atualmente, embora haja numerosos fármacos disponíveis, devemos optar por aqueles que evidenciam melhores resultados clínicos e parasitológicos, assim como menor número de efeitos adverso. As taxas de cura com metronidazol (250 mg, 3x/dia, por 5 dias) geralmente são > 90%. O tinidazol (2g VO, 1×) pode ser mais efetivo que o metronidazol. A nitazoxanida (500mg, 2x/dia, por 3 dias) é um agente alternativo para o tratamento da giardíase. A paromomicina, um aminoglicosídeo oral que não é bem absorvido, pode ser dado a pacientes grávidas sintomáticas, embora as informações sejam limitadas sobre a efetividade desse agente para erradicar a infecção. IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SANEAMENTO BÁSICO As medidas mais importantes para a prevenção da amebíase e giardíase são o acesso a adequadas condições de saneamento, ingestão de água tratada ou fervida, cuidados com a higiene pessoal e adequada preparação e conservação dos alimentos. A importância do saneamento básico para a saúde pública preconiza medidas preventivas para o combate a doenças, sua ausência ou existência precária constitui um fator limitante à promoção de água potável por parte do ser humano, além disso, beneficia a manifestação de patologias. Os riscos à saúde pública podem estar ligados a fatores indesejados em áreas urbanas e rurais e que devem ser eliminadas com o uso adequado do serviço de saneamento, com a utilização de água potável e sistemas de esgoto, evitando a proliferação de vetores. A contaminação das águas naturais representa alto risco a saúde humana, essa estreita relação entre a qualidade e inúmeras enfermidades nas populações humanas está ligada por serviços de saneamento prestados. O saneamento básico é fundamental para evitar doenças e oferecer melhor condição de vida para a população.
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