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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Neuropsicologia da linguagem : bases para avaliação e reabilitação / (organizadoras) Denise Ren da Fontoura...[et al.]. – São Paulo: Vetor, 2019. Vários autores. Outras organizadoras: Jaqueline de CarvalhoRodrigues, Rochele Paz Fonseca, Jerusa Fumagalli de Salles. Bibliografia. 1. Avaliação neuropsicológica 2. Distúrbios da linguagem 3. Linguagem 4. Neurolinguística 5. Neuropsicologia 6. Reabilitação I. Fontoura, Denise Ren da. II. Rodrigues, Jaqueline de Carvalho. III. Fonseca, Rochele Paz. IV. Salles, Jerusa Fumagalli de. 19-27852 | CDD-155.28 Índices para catálogo sistemático: 1. Reabilitação : Avaliação neuropsicológica :Psicologia 155.28 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 ISBN: 978-65-86163-33-9 CEO - Diretor Executivo Ricardo Mattos Gerente de Livros Fábio Camilo Diagramação Rodrigo Ferreira de Oliveira Capa Rodrigo Ferreira de Oliveira Revisão Rafael Faber Fernandes e Paulo Teixeira © 2020 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda. É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. SUMÁRIO PREFÁCIO Apresentação Parte 1 - Bases para Avaliação Neuropsicolinguística 1. CÉREBRO, LINGUAGEM E SEUS COMPONENTES Introdução Linguagem: alguns conceitos e componentes O encéfalo e a linguagem Processamento da linguagem no encéfalo Considerações finais Referências 2. AFASIA E ASPECTOS NEUROPSICOLINGUÍSTICOS Introdução Acidente vascular cerebral e funções cognitivas Afasia e aspectos linguísticos Afasias e aspectos neuropsicológicos Considerações finais Referências 3. DISARTRIA E APRAXIA DE FALA Introdução Modelos de processamento de fala Disartrias Disartria versus apraxia de fala Temas atuais sobre a apraxia de fala Características fonéticas/motoras da apraxia de fala Considerações finais Referências 4. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA DAS AFASIAS Introdução Avaliação das afasias Instrumentos para o diagnóstico das afasias Instrumentos para avaliação de demais funções neuropsicológicas nas afasias Considerações finais Referências 5. AVALIAÇÃO DE HABILIDADES LINGUÍSTICAS E COMUNICATIVAS MAIS RELACIONADAS AO HEMISFÉRIO DIREITO Introdução Hemisfério direito versus hemisfério esquerdo na linguagem Processamentos linguísticos com papel mais ativo do hemisfério direito: especialização e cooperação hemisférica Instrumentos de avaliação de desempenho comunicativo: o viés do papel do hemisfério direito Considerações finais Referências 6. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA LEITURA E DA ESCRITA Introdução Princípios gerais da avaliação da leitura e da escrita Avaliação da leitura em uma abordagem cognitiva Avaliação da escrita na abordagem da neuropsicologia cognitiva Desafios para avaliação e reabilitação da leitura e da escrita no século XXI Considerações finais Referências 7. AVALIAÇÃO DA COMPREENSÃO AUDITIVA PELO TOKEN TEST – VERSÃO REDUZIDA Introdução Estímulos e aplicação do Token Test Propriedades psicométricas do Token Test (versão reduzida) na população brasileira Influência de variáveis sociodemográficas Pontos de corte e tabelas normativas Considerações finais Referências ANEXO 1 – FOLHA DE REGISTRO DO TOKEN TEST – VERSÃO REDUZIDA 8. BATERIA DE AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA SEMÂNTICA: UM ENFOQUE QUALITATIVO NA AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM Introdução Memória semântica Bateria de Avaliação da Memória Semântica (BAMS) Considerações finais Referências Parte 2 - Reabilitação Neuropsicolinguística 9. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM PACIENTES COM AFASIA DE EXPRESSÃO Introdução Reabilitação das afasias Reabilitação da expressão da linguagem oral Considerações finais Referências 10. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM PACIENTES COM AFASIA DE COMPREENSÃO Introdução Afasias Terapêutica da afasia Recomendações para se comunicar com pacientes graves Objetivos no tratamento das afasias graves Referências 11. PRINCÍPIOS DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E APLICABILIDADE EM PACIENTES COM DÉFICITS NO PROCESSAMENTO DISCURSIVO Introdução Etapas importantes no processo de reabilitação Avaliação e reabilitação do processamento discursivo Considerações finais Referências 12. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA NAS DEMÊNCIAS Introdução Reabilitação dos distúrbios linguísticos da comunicação Reabilitação dos distúrbios não linguísticos da comunicação Reabilitação cognitiva computadorizada Considerações finais Referências 13. INTERVENÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM ADULTOS COM DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO Introdução Dislexia de desenvolvimento Dislexia de desenvolvimento: características na idade adulta e impacto ao longo da vida Dislexia de desenvolvimento no ensino superior Intervenção na dislexia do desenvolvimento no adulto Considerações finais Referências 14. INTERVENÇÃO FOCADA NA CONVERSAÇÃO E NO TREINO DO PARCEIRO DE COMUNICAÇÃO DA PESSOA COM AFASIA Introdução Modelos conceituais que suportam as terapias focadas na conversação e treino dos PCs O impacto da afasia na conversa e interação Considerações finais Referências 15. CONVERS(AÇÃO) PARA PESSOAS COM AFASIA Introdução A conversação de pacientes com afasia Adaptações à afasia: o conceito de aphasia-friendly Acessibilidade comunicativa versus questões econômicas A formação sobre SCA Considerações finais Referências Sobre os autores PREFÁCIO Letícia Lessa Mansur O lançamento do livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação atende à demanda do público brasileiro por referências, tanto teóricas quanto práticas, para a atividade clínica. A neuropsicologia da linguagem tem conhecido inúmeras evoluções no que diz respeito às avaliações e reabilitações de linguagem. Da busca por localização de lesões neurológicas evoluímos para a utilização de testes com objetivos de tomadas de decisão e planejamento de orientações, impulsionados pelo resultado da integração de novas técnicas de neuroimagem aos métodos comportamentais, tradicionais em neuropsicologia. O livro parte dessa abordagem integrada e vai além, ao propor o enfoque funcional da comunicação. Tais composições assumem e reforçam o caráter interdisciplinar da área e têm implicações para a intervenção e reabilitação. Ao apresentar temas prevalentes na prática clínica, quais sejam avaliação e reabilitação de afasias, dislexias, demências e distúrbios relacionados, como disartrias e apraxias, apoiam-se na visão de que a linguagem integra uma rede cognitiva e é socialmente construída. Em contrapartida, fica claro o impacto das alterações da linguagem em muitos domínios das funções cognitivas. A relevância dos temas prende-se, ainda, ao fato de que é impossível ignorar a transformação pela qual passa a população mundial e de nosso país com o aumento significativo de portadores das afecções que são objeto dos capítulos deste livro. Há de se destacar, ainda, a valorização de facetas culturais inerentes à nossa realidade social, na eleição de instrumentos de avaliação que levam em conta aspectos sociodemográficos, como escolaridade, para pontuação e interpretação dos resultados e a análise crítica da aplicabilidade de métodos de reabilitação à nossa cultura. Ao trazerem experiência clínica de avaliação e reabilitação, os autores valorizam a prática fundamentada e integrada em contexto amplo e contemporâneo de conhecimentos, o que constitui fonte de atualização para o profissional da área. O rigor da fundamentação não desconsidera a apresentação didática e acessível, desejável a estudantes de cursos relacionados à área de neuropsicologia. Pesquisadores clínicos também encontram aqui fonte de referência para delineamento de pesquisas e interpretação de resultados. Outro mérito da obra é proporcionar a integração de conhecimentos de profissionais de Língua Portuguesa e da América Latina, o que incentiva estudos cooperativos e intercâmbio de experiências. Profissionais de saúde que atuam com sujeitos portadoresde afasias, demências, dislexias e déficits correlatos podem beneficiar-se da leitura, apropriando-se dos conceitos e fundamentos, para melhor interagir com o paciente e a equipe de cuidados. O livro pode ser lido em capítulos isolados, de interesse do leitor, embora a leitura do conjunto proporcione a desejável integração das informações. Todas essas características atestam a relevância da publicação do livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação para profissionais e estudantes interessados e tornam sua leitura altamente recomendável. APRESENTAÇÃO O livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação surgiu com base nas pesquisas e na prática clínica das organizadoras desta obra, que têm experiência tanto na avaliação quanto na intervenção de pacientes com dificuldades linguísticas. Sentimos a necessidade de construir uma bibliografia em Língua Portuguesa que abordasse a neuropsicologia da linguagem aplicada às lesões cerebrais e aos quadros neurodegenerativos, tais como as demências. Para tanto, convidamos autores, especialistas na área, do Brasil e de Portugal, para explicitar as atuais técnicas de avaliação e de reabilitação da linguagem. Este livro pode ser utilizado como bibliografia básica de cursos de formação e especialização, uma vez que apresenta aspectos teóricos e práticos da avaliação e da intervenção neuropsicológica da linguagem em adultos e idosos com lesões cerebrais e processos patológicos devidos ao envelhecimento (demências). Cada capítulo expõe um panorama nacional e internacional de evidências científicas atuais sobre os transtornos de linguagem (adquiridos e do desenvolvimento), principais instrumentos de avaliação e técnicas de reabilitação neuropsicológica. O livro é dividido em duas partes: (1) conceitos, instrumentos e características a serem consideradas na avaliação da linguagem; (2) intervenções em diferentes tipos de afasias e demais déficits neurolinguísticos. A linguagem é uma função neuropsicológica bastante complexa, associada ao funcionamento de diferentes regiões cerebrais. Portanto, o capítulo 1 buscou elucidar alguns conceitos, como fonologia, léxico e sintaxe, importantes para compreender os demais capítulos do livro. Ainda, buscou-se elucidar quais principais áreas cerebrais são associadas às afasias e aos demais déficits linguísticos. O capítulo 2 traz as definições, as classificações e as características das afasias, relacionando-as com os aspectos neurológicos e neuropsicolinguísticos de cada quadro, ao passo que o capítulo 3 aborda as disartrias, as dispraxias de fala e seus subtipos. No capítulo 4, temos a apresentação de instrumentos e tarefas adaptadas e construídas no Brasil e internacionalmente para avaliar o perfil neuropsicolinguístico de adultos com afasia, ressaltando a importância de termos testes adequados ao nosso contexto. O capítulo 5 destaca a necessidade de se avaliar a linguagem para além daquelas habilidades associadas ao hemisfério cerebral esquerdo, demonstrando a avaliação de habilidades linguísticas e comunicativas mais relacionadas ao hemisfério direito do cérebro. No capítulo 6, podemos verificar a importância de se realizar a avaliação neuropsicológica da leitura e da escrita, para identificar a presença de dislexias e disgrafia, sugerindo instrumentos e aspectos a serem observados. O capítulo 7 aborda especificamente o Token Test, teste amplamente utilizado na avaliação da compreensão da linguagem oral. Os autores descreveram sua forma de administração, evidências de validade e dados em amostra brasileira. O capítulo 8 também apresenta um método de avaliação específico, um teste inédito e construído no Brasil que tem como objetivo avaliar a memória semântica. A autora destaca a importância de avaliar essa função cognitiva em pacientes com déficits linguísticos, a fim de contribuir com seu diagnóstico e intervenção. Já na Parte 2 do livro, o capítulo 9 apresenta técnicas de reabilitação para pacientes com afasia de expressão, dividindo-as com enfoque no léxico, na sintaxe e no discurso. Complementarmente, o capítulo 10 aborda as técnicas de reabilitação para as afasias compreensivas, destacando cuidados importantes que se devem ter ao tratar pacientes com esses déficits. O capítulo 11 focou, especificamente, a reabilitação neuropsicológica dos aspectos discursivos da linguagem, considerando a importância dessa habilidade para a comunicação diária dos pacientes. Já o capítulo 12 aborda, de maneira mais geral, as intervenções da linguagem para pacientes com demência, uma vez que dificuldades de comunicação de ordem cognitiva podem ocorrer em todas as formas desse transtorno. O capítulo 13 ressalta um tema inovador no contexto brasileiro, ao apresentar as principais características diagnósticas e as diferentes formas de intervenção nas dislexias, tais como reabilitação dos processos deficitários no nível da palavra ao texto e abordagens compensatórias. A importância de orientar a família e os cuidadores é abordada no capítulo 14, que descreve a intervenção focada na conversação e no treino do parceiro de comunicação da pessoa com afasia. Em complementaridade ao capítulo 14, no 15, discute-se aspectos da conversação em pessoas com afasia, focando, principalmente, o papel da família. Este livro pretende contribuir com pesquisadores da área da neuropsicologia da linguagem, professores, estudantes de graduação e pós- graduação, além de clínicos que atuam avaliando e intervindo em pacientes com diferentes distúrbios linguísticos. A avaliação neuropsicológica da linguagem é importante nos contextos clínico, hospitalar, educacional, de pesquisa, entre outros, visto que esta é uma função cognitiva importante para a manutenção da independência funcional dos indivíduos. Por meio da linguagem, o adulto (e o idoso) poderá comunicar-se, compreender o que os outros dizem e expressar-se, por linguagem oral e/ou escrita. É com base na avaliação neuropsicológica da linguagem que ocorre o planejamento terapêutico para a reabilitação de adultos e idosos com lesões cerebrais e processos patológicos devidos ao envelhecimento (demências). PARTE 1 - BASES PARA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA 1. CÉREBRO, LINGUAGEM E SEUS COMPONENTES Mailton Vasconcelos Denise Ren da Fontoura Jaqueline de Carvalho Rodrigues Jerusa Fumagalli de Salles Introdução Neste capítulo, serão apresentados, inicialmente, os conceitos de linguagem em abordagem neuropsicológica, descrevendo seus principais componentes. Em seguida, será elucidado o funcionamento cerebral que nos permite processar a linguagem (compreensiva e expressiva). Não se pretende esgotar o conhecimento sobre o tema com este capítulo, mas espera-se fornecer informações essenciais para quem busca compreender como ocorre o processamento da linguagem no cérebro. Linguagem: alguns conceitos e componentes A linguagem é uma forma de comunicação distintamente humana que tem a capacidade de simbolizar pensamentos, sendo estes simples ou complexos, concretos ou abstratos, procurando, entre outros aspectos, a transmissão de informações entre interlocutores (Kirshner, 2002; Kuhl & Damasio, 2014; Lent, 2008; Marroni & Portuguez, 2002). Trata-se de uma habilidade complexa e de múltiplas facetas que engloba a formação de sons, o desenvolvimento de sofisticados sistemas de regras e a existência de uma vasta quantidade de informações (Harley, 2013; Springer & Deutsch, 1998). Um dos atributos mais fascinantes da habilidade de falar e compreender uma linguagem é a velocidade com que isso acontece. Uma pessoa falando normalmente profere entre 2 e 5 palavras por segundo, sendo a informação emitida decodificada pelo ouvinte no mesmo período. Portanto, nosso cérebro é extremamente eficiente e rápido em reconhecer palavras, algo que ocorre em torno de 200 a 300 milissegundos (Zwitserlood, 1989). Ainda, o cérebro pode levar cerca de 150 milissegundos para decodificar uma imagem e distinguir se é um estímulo representativo de algo animado ou inanimado(Thorpe, Fize, & Marlot, 1996). Na linguagem escrita, acredita-se que podemos demorar a mesma quantidade de tempo para decodificar pequenos riscos em um papel na forma de estímulos ortográficos, como representativos de letras (Grainger, Rey, & Dufau, 2008). O sistema de processamento da linguagem consiste em um conjunto de componentes semi-independentes que atuam juntos para realizar tarefas linguísticas (Caplan, 1992). É comum, no domínio clínico, caracterizar a linguagem como expressiva e compreensiva e, de acordo com esses conceitos, distinguir a linguagem oral expressiva e compreensiva, a linguagem escrita (a leitura e a escrita) e a linguagem gestual (língua de sinais; Peña-Casanova, Pamies, & Diéguez-Vide, 2005). Nesse sentido, a linguagem é didaticamente descrita em diferentes componentes (Caplan, 1992; Carr, 2008; Springer & Deutsch, 1998): a) Fonologia: refere-se ao processamento e à produção dos sons. b) Léxico: compreende o dicionário mental das palavras reconhecidas; refere-se à representação fonológica das palavras, ou seja, seus elementos segmentais (fonemas) e sua organização em estruturas métricas (sílabas), com acesso ao seu significado. c) Morfológico: envolve a combinação de fonemas que permite a formação de palavras por meio de outras (por exemplo, “destruir” e “destruição”), em que o significado da palavra está associado a um item lexical simples. d) Sintaxe: é a gramática da língua, ou seja, a disposição das palavras nas frases. A sentença é determinada por meio do significado de palavras simples e derivadas, combinando com estruturas sintáticas, como sujeito, verbo, pronome, etc. e) Semântica: consiste no processamento do significado (palavras e sentenças). f) Discurso: refere-se aos significados conduzidos pelas sentenças e transformados em estruturas ordenadas, incluindo informações sobre tópicos gerais e específicos de um diálogo. g) Pragmática: compreende a significação prática e o contexto do enunciado. O uso adequado da linguagem é dependente da cultura e da situação em que o indivíduo está inserido. Portanto, a pragmática é necessária para facilitar a comunicação entre os interlocutores. h) Prosódia: compreende os elementos da fala que são propriedades das sílabas e de unidades de fala maiores que as unidades fonéticas. É um componente linguístico representado pela entonação, tom, ênfase e ritmo da fala. Embora seja possível reconhecer diferentes estruturas básicas da linguagem, durante o processamento linguístico, tanto na produção de fala quanto na compreensão, este acontece de maneira unificada. Estímulos lexicais, semânticos e sintáticos combinam-se com predições do contexto de modo a abranger todo enunciado (Hagoort & Indefrey, 2014). O processamento cerebral da linguagem é baseado na integração de numerosos circuitos e regiões que darão suporte aos seus componentes funcionais. Apesar de estudarmos esses circuitos de maneira estática e separada, cabe salientar que a linguagem é um processo altamente dinâmico, que ocorre em comum acordo entre diversas conexões de nosso encéfalo (Hagoort & Indefrey, 2014). O encéfalo e a linguagem O encéfalo, popularmente conhecido como cérebro, é o órgão responsável por nossos pensamentos, memória, linguagem, consciência, controle motor, entre outras diversas habilidades. É uma estrutura pequena quando comparada ao peso corporal, pesando em torno de 1,3 kg. Figura 1.1. Imagem representativa do hemisfério cerebral esquerdo humano. Na figura, é possível identificar a representação dos lobos cerebrais e principais fissuras. Fonte: pixabay.com. Uma característica marcante desse órgão é a aparência enrugada formada por circunvoluções. A crista de uma única circunvolução é chamada de giro, e as regiões que separam os vários giros são chamadas sulcos (Figura 1.1). Apesar da aparência desorganizada e aleatória dessas circunvoluções, a organização de giros e sulcos apresenta-se extremamente parecida nos seres humanos em desenvolvimento típico. Essa propriedade tem facilitado o estudo do cérebro e permite dividi-lo em cinco grandes áreas anatômicas chamadas lobos: lobo frontal, lobo temporal, lobo parietal, lobo occipital e lobo límbico ou insular (Figura 1.1). Adicionalmente, cada um dos giros e sulcos foram nomeados para padronizar a nomenclatura a respeito do sistema nervoso (Damask, 1984). Os giros e sulcos mais proeminentes receberam maior atenção e costumam guiar a localização das demais estruturas corticais. É o caso do sulco central ou fissura central que separa o giro pós-central (localizado no lobo parietal) do giro pré-central (localizado no lobo frontal), esses giros correspondem, respectivamente, ao córtex somestésico primário e ao córtex motor primário. Outra estrutura proeminente da face medial do encéfalo é a fissura lateral ou sulco lateral, inicialmente denominada fissura de Sylvius. Essa fissura separa os lobos frontal e parietal (porção superior) do lobo temporal (porção inferior) (Machado, 2013). Detalhes finos da anatomia e da nomenclatura do sistema nervoso humano vão além do escopo deste capítulo, porém, um pouco mais de aprofundamento acerca de sua arquitetura é importante para a compreensão da linguagem. Um dos conceitos fundamentais a ser mencionado diz respeito à morfologia e à fisiologia da célula nervosa ou neurônio. Neurônios são a base do sistema nervoso e podem apresentar-se em diversos tamanhos e formas. Caracteristicamente, um neurônio poder ter um corpo ou soma, e partem dessa região filamentos ramificados assemelhados aos ramos das árvores chamados dendritos. Partindo da porção somática de um neurônio, é possível, ainda, encontrar um filamento mais calibroso, extenso, por vezes único, e com ramificação mais frequentemente localizada na porção terminal desse filamento, denominado axônio (Ramon & Cajal, 1995). No sistema nervoso central, os corpos dos neurônios vão compor a substância cinzenta (córtex cerebral e núcleos da base). Do mesmo modo, os axônios, que se distribuem por todo o encéfalo integrando um neurônio a outro, vão compor a substância branca (tractos e fascículos nervosos). A porção cinzenta do encéfalo pode ser, então, considerada uma zona de processamento de informação, ao passo que os tractos e fascículos podem ser considerados responsáveis por conectar essas zonas de processamento. O corpo caloso é uma estrutura composta pela substância branca e conecta os hemisférios cerebrais direito e esquerdo (Machado, 2013). Em comparação com outros animais, os seres humanos têm um encéfalo relativamente grande, e é de se esperar que a capacidade de aprendizagem e retenção de estímulos tenha desenvolvido um papel fundamental no desenvolvimento de nossa espécie (Deacon, 1998). A aquisição da linguagem vai além do puro pareamento de estímulos, depende da capacidade de compreender mudanças, contingências fluidas entre constituintes e significado. O que demonstra a presença de influências inatas adquiridas evolutivamente para a linguagem, como Chomsky argumenta há bastante tempo (Chomsky, 1980). Cérebros maiores apresentam um número maior de áreas corticais identificáveis e têm números maiores de identificáveis áreas corticais distintas (Changizi & Shimojo, 2005). Outra consequência de ter uma maior massa encefálica reside na tendência de áreas corticais apresentarem menos ligações diretas umas às outras quando comparadas às ligações em cérebros menores (Ringo, 1991). Como resultado, temos um encéfalo com áreas capazes de executar tarefas de maneira independente, levando a uma localização funcional, e no caso da linguagem, o aumento de áreas especializadas nessa função leva a um entendimento conceitual mais rico, mais complexo e mais fino (Gibson, 2002; Schoenemann, 2005). A neuroanatomia funcional envolvida na compreensão e na expressão simbólica é fundamental para entender a linguagem (Schoenemann, 2009). Processamento da linguagem no encéfalo Atualmente, o estudo da neurobiologia da linguagem ocorre por meio de técnicas de neuroimagem funcional, métodos neurofisiológicose observação de pacientes neurológicos e indivíduos saudáveis. Anteriormente, somente era possível estudar as bases neuroanatômicas da linguagem em exames post-mortem de pacientes que perderam a fala. Assim, começaram os estudos e as descobertas de que existiam regiões cerebrais específicas responsáveis pelas funções de expressão e compreensão da linguagem (Kuhl & Damasio, 2014; Murdoch, 1997; Springer & Deutsch, 1998). Além das regiões de Broca (expressão) e de Wernicke (compreensão), conforme é possível observar na Figura 1.2, o fascículo arqueado exerce uma importante função linguística, pois faz a conexão primária entre essas duas áreas (Broca e Wernicke), ou seja, entre a compreensão e a expressão da linguagem (Kuhl & Damasio, 2014). Sabe-se também da existência de outras conexões entre as estruturas subcorticais, como a conexão do tálamo com as áreas corticais frontal e posterior da linguagem, o núcleo caudado esquerdo e a substância branca adjacente (Springer & Deutsch, 1998). Figura 1.2. Imagem representativa das principais regiões cerebrais motoras, sensoriais e áreas especializadas para o processamento da linguagem. Fonte: pixabay.com O conhecimento da neurobiologia da linguagem foi marcado, durante muito tempo, pela especialização de estruturas para processamento de distintos componentes de linguagem. O Quadro 1.1 descreve, de forma didática, as áreas cerebrais predominantemente recrutadas nos múltiplos processamentos linguísticos. Quadro 1.1. Estruturas encefálicas envolvidas no processamento de distintos componentes de linguagem Processamento Áreas cerebrais recrutadas Leitura Córtex visual (lobo occipital); lobo temporal inferior e parietal; área de Wernicke (região posterior do giro temporal superior; Dehaene, Cohen, Morais, & Kolinsky, 2015). Compreensão de fala Córtex auditivo primário de ambos os hemisférios (fissura lateral e giro temporal superior adjacente); córtex de associação auditiva (região inferior posterior do córtex auditivo primário); giro frontal inferior do hemisfério esquerdo; giros temporal médio esquerdo e superior (Davis, 2016; Meyer & Friederici, 2016). Fonológico Áreas da região perisylviana: córtex parietal inferior; giros angular e supramarginal entre os lobos parietal e occipital; córtex frontal lateral inferior; córtex temporal superior; região de representação da face na área motora primária (Zacks & Ferstl, 2016). Morfológico As áreas da forma visual das palavras são compostas pelo giro fusiforme esquerdo e córtex circundante, componente da área de reconhecimento de face do hemisfério direito (Dehaene & Cohen, 2011). Semântico Regiões anteriores e posteriores do lobo temporal esquerdo; córtex temporal inferior (Pa�erson & Lambon Ralph, 2016). Processamento Áreas cerebrais recrutadas Lexical Regiões anteriores dos giros temporais superior e médio; junção temporoparietal esquerda; regiões posteriores do giro temporal médio e inferior (Davis, 2016). Discursivo Regiões motoras e pré-motoras primárias; córtices auditivos e somatossensoriais, cerebelo, gânglios da base, operculum frontal e giro supramarginal (Blumstein & Baum, 2016). Outro grande tema dentro da neurobiologia da linguagem surgiu com base na distinção do processamento desses componentes de linguagem em hemisférios distintos do encéfalo. O hemisfério esquerdo é considerado como especializado no processamento fonético, morfológico e de frases, ao passo que o hemisfério direito é recrutado em conjunto com o esquerdo nos processamentos prosódico, semântico e pragmático (Quadro 1.2). Quadro 1.2. Habilidades linguísticas comumente relacionadas aos hemisférios direito e esquerdo Hemisfério esquerdo Hemisfério direito Produção da linguagem Compreensão da linguagem Léxico Sintaxe Gramática Escrita Ritmo da fala Prosódia Compreensão de contexto Processamento emocional da linguagem Léxico Semântico Fontes: Gazzaniga (2009); Gazzaniga & Heatherton (2005); Purves et al. (2010). Além das áreas de Wernicke e de Broca, em conjunto com o fascículo arqueado, evidências experimentais e clínicas possibilitaram a formulação de uma visão mais integrada e funcional entre essas áreas. A neurobiologia da linguagem passou a ser vista por meio de um modelo de integração de informação, na qual a linguagem surge da conexão entre áreas sensoriais, pré-frontais e pré-motoras (Kuhl & Damasio, 2014) (ver Figura 1.2). Áreas do hemisfério esquerdo que antigamente não eram relacionadas com a linguagem passaram a ser identificadas como substratos fundamentais para seu processamento. Áreas de associação dos lobos frontal, temporal e parietal também foram consideradas como envolvidas no processamento de conceitos e palavras (Vigneau et al., 2006). Áreas na face medial, face interna dos hemisférios, como o córtex pré-frontal e giro do cíngulo, foram adicionadas ao modelo e foram consideradas como substrato de processos de atenção e memória de trabalho na linguagem (Vitacco, Brandeis, Pascual- Marqui, & Martin, 2002). Regiões anteriormente pensadas como ligadas à emoção passaram a ser vistas como componentes da fala, como é o caso da área insular (Oh, Duerden, & Pang, 2014). A nova visão do modelo de processamento neurobiológico da linguagem demonstra um funcionamento em rede das áreas cerebrais bem maior do que se era pensado. Em termos de compreensão do significado durante um evento linguístico, Hanna Damásio e Antônio Damásio (1992) propuseram a atuação de três grandes sistemas interagindo para conectar, receber e produzir estímulos relacionados à linguagem e ao conhecimento conceitual. Esses sistemas compreendem a implementação dos estímulos de linguagem, a mediação desses estímulos e a integração com aspectos conceituais (Kuhl & Damasio, 2014). O sistema de implementação seria composto pelas áreas de Wernicke e de Broca, algumas regiões do córtex insular e os núcleos da base. Essas áreas estariam ligadas à aferência de sinais auditivos no reconhecimento de conceitos, servindo de base para as funções fonêmicas, gramaticais e de produção de fala. O sistema de mediação seria composto por áreas do córtex de associação temporal, parietal e frontal. Seu principal envolvimento seria pensado como a intermediação entre a chamada área de implementação e o sistema conceitual, distribuído, por sua vez, em mais áreas associativas (Damasio & Damasio, 1992; Kuhl & Damasio, 2014). Esses novos achados continuam sendo derivados da combinação da compreensão das funções cognitivas perdidas decorrentes de danos neurológicos em conjunto com o uso de modernas técnicas de imagem. Utilizando a tomografia por emissão de pósitrons (PET, do inglês: Positron Emission Tomography) e o imageamento por ressonância magnética funcional (fMRI, do inglês: functional Magnetic Resonance Imaging), é possível observar a atividade neural em diferentes partes do encéfalo, inferida por meio do registro do fluxo sanguíneo nas áreas de interesse (Bear, Connors, & Paradiso, 2015). Ao tentar examinar diferenças na atividade cerebral evocadas por respostas sensoriais às palavras e à produção de linguagem, utilizando-se de resultados obtidos com PET, observou-se que os estímulos visuais provocam um aumento da atividade do córtex estriado e em regiões adjacentes, ao passo que os estímulos auditivos provocaram atividade no córtex auditivo primário e secundário. No entanto, as áreas ativadas no córtex localizadas próximo às áreas estriatrais e no córtex auditivo secundário não respondem a estímulos visuais e auditivos que não sejam palavras reais (Petersen, Fox, Posner, Mintun, & Raichle, ١٩٨٨). Em concordância com a hipótese de que o processamento de linguagem se estende para mais além do que apenas a simples ativação da área de Broca e da área de Wernicke, esse estudo demonstrou que os estímulos visuais utilizados não provocam uma ativação significativamente maior nessas áreas, como seria esperado no modelo clássico advindo de estudos neurológicos (Petersen et al., 1988). Em uma tarefa de repetição de palavras, também utilizandoa PET, foi observado um maior nível de atividade no córtex motor primário e na área do córtex motor suplementar durante a execução da tarefa (Kuhl & Damasio, 2014). Adicionalmente, houve um aumento do fluxo sanguíneo em torno da fissura sylviana localizada próximo à área de Broca. Apesar de ter um crescente poder de resolução e um refinamento nos paradigmas de pesquisa e nas técnicas de estudo atuais do funcionamento cerebral, algumas perguntas permanecem não respondidas. Um grande corpo de evidências descreve a área de Broca como unilateral, mais precisamente localizada no hemisfério esquerdo do cérebro. No entanto, as imagens de PET obtidas no estudo anteriormente descrito demonstraram atividade bilateral, mesmo quando os sujeitos eram instruídos a apenas mover sua boca e língua sem realmente exprimir alguma fala (Kuhl & Damasio, 2014). Mais uma vez utilizando a PET como técnica para observar a ativação cerebral, foi solicitado que um sujeito indicasse um uso para dada palavra, por exemplo, uma vez que fosse apresentada a palavra “livro”, o uso que o participante poderia sugerir seria “ler” (Warburton et al., 1996). As áreas que foram ativadas durante essa tarefa de associação substantivos-verbos estão localizadas na área frontal inferior esquerda, o giro do cíngulo anterior e o lobo temporal posterior. Acredita-se que a atividade no córtex frontal e temporal esteja relacionada ao desempenho da tarefa de associação de palavras, ao passo que a atividade no córtex cingulado pode estar relacionada à atenção (Bear et al., 2015; Warburton et al., 1996). Considerações finais As descobertas nos experimentos anteriormente mencionados servem de guia para muitas pesquisas desenvolvidas na área da neurobiologia da linguagem. Perguntas maiores e que levam em consideração a multiplicidade de evidências já obtidas relacionam-se com questões a respeito de como o cérebro pode processar diferentes categorias de palavras de formas diferentes e de como o cérebro integra os resultados desses processos em uma compreensão unificada. Outras perguntas envolvem a tentativa de integrar o que sabemos, grosso modo, a respeito das áreas cerebrais envolvidas na linguagem com as análises cognitivas mais refinadas advindas de recentes métodos de investigação (Poeppel, Emmorey, Hickok, & Pylkkänen, 2012). Questões como essas demonstram o longo caminho que ainda é preciso percorrer para compreender melhor o funcionamento de nosso encéfalo durante o processamento linguístico. O avanço na compreensão da capacidade humana para linguagem representa um passo fundamental para a neurociência, e é indispensável para tratar transtornos de linguagem, como as afasias, que se caracterizam como o resultado mais frequente de acidentes vasculares cerebrais e traumatismos cranianos (Kuhl & Damasio, 2014). Compreender mais sobre a neurobiologia da linguagem propiciará um entendimento mais completo dos processos linguísticos e seu complexo modo de interconexão com sistemas perceptuais, motores, sistemas de significado e intenções, a fim de entender melhor a maneira como nos comunicamos. Avanços na tecnologia de neuroimagem permitirão aumentar cada vez mais o conhecimento sobre a linguagem, podendo contribuir com paradigmas experimentais e processos terapêuticos cada vez mais produtivos. 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Ainda, este capítulo tem como objetivo discutir as definições, as classificações e as características das afasias, relacionando-as com os aspectos neurológicos e neuropsicolinguísticos de cada quadro. Acidente vascular cerebral e funções cognitivas As doenças cerebrovasculares envolvem as anormalidades do tecido encefálico decorrentes de algum processo patológico dos vasos sanguíneos e/ou que neles ocorrem, provocando as isquemias ou sangramentos, seja de maneira transitória ou permanente (Díez-Tejedor et al., 2001). Pode haver, portanto, lesão da parede do vaso, alteração da permeabilidade vascular, oclusão vascular por trombo ou êmbolo, ruptura do vaso e alteração da viscosidade ou da qualidade do sangue (Fukujima, 2010). As doenças cerebrovasculares são consensualmente referidas como AVC, e o termo “cérebro” é o mais frequentemente utilizado, mesmo que essas doenças ocorram em todo o encéfalo (Gagliardi, 2010). Considera-se o AVC um déficit neurológico focal de instalação súbita em consequência da doença vascular encefálica com duração maior do que 24 horas. Entre as disfunções cerebrovasculares focais, há o ataque isquêmico transitório (AIT), o acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH), a hemorragia subaracnóidea (HSA), a hemorragia intracraniana por malformação arteriovenosa (MAV) e o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) (Brondani, Martins, & Moraes, 2008; Martins & Brondani, 2008). O AIT é também considerado um déficit neurológico focal de instalação súbita, porém, reversível, ou seja, tem duração menor que 24 horas e não apresenta evidência de lesão isquêmica nos exames de neuroimagem (Fukujima, 2010). O AVCH caracteriza-se pela ruptura de um vaso sanguíneo intracraniano, levando à formação de um coágulo que afeta determinada função cerebral (Martins & Brondani, 2008). Pode ocorrer hemorragia intracerebral, sendo a hipertensão a causa mais comum, ou hemorragia subaracnóidea, em que a causa mais comum é a ruptura de aneurismas arteriais na base do cérebro e o sangramento proveniente de malformações vasculares com localização próxima da superfície meníngea (Martins & Brondani, 2008). O AVCI é classificado em isquemia cerebral trombótica (obstrução de uma artéria, com dano na região cerebral suprida pelo vaso acometido), isquemia cerebral embólica (êmbolos originados em outro local que ocluem uma artéria e o suprimento de sangue na região cerebral) e isquemia cerebral por hipoperfusão (redução da perfusão arterial global, afetando áreas difusas (Martins & Brondani, 2008). No Brasil, o AVC é considerado a segunda causa de morte em adultos, sendo também uma das doenças mais incapacitantes (Almeida, 2012; Fukujima, 2010). O risco de morte por AVC declinou desde o início dos anos 1980 até 2000, o que pode ser um reflexo do progresso das condições gerais de saúde durante esse período (André, Curioni, Cunha & Veras, 2006). Esse declínio, no entanto, não corresponde a menos casos de AVC, pois a mortalidade ainda é alta. No Brasil, a prevalência de AVC é de 5 a 8 casos por 1000 habitantes acima de 25 anos de idade, sendo que 10% a 20% dos indivíduos têm menos de 45 anos de idade (Fukujima, 2010). Suas consequências podem ser de grande impacto, dependendo do tipo, do local e da extensão da lesão cerebral (Warlow, 2003). A classificação do AVC segundo o tipo de vaso acometido identifica as possíveis etiologias, podendo ocorrer nos grandes vasos, nos pequenos vasos, na circulação terminal e no território venoso (Fukujima, 2010). Existem quatro artérias que levam o sangue ao encéfalo: o par de artérias vertebrais que irrigam o tronco encefálico, o cerebelo e a porção posteroinferior do telencéfalo, e o par de artérias carótidas internas que irrigam as porções anterior, superior e lateral dos hemisférios cerebrais (Lundy-Ekman, 2004). As três principais artérias cerebrais são a artéria cerebral anterior (ACA), a artéria cerebral média (ACM) e a artéria cerebral posterior (ACP). A primeira irriga a superfície medial dos lobos frontal e parietal e a porção anterior da cabeça do caudado, a ACM irriga a maior parte da porção lateral dos hemisférios, e a ACP, o mesencéfalo, o lobo occipital e as porções dos lobos temporal medial e inferior (Lundy-Ekman, 2004). As artérias coroidais anteriores (ramo da carótida interna) e posteriores (ramo da artéria cerebral posterior) são também importantes para a irrigação de estruturas cerebrais profundas. A coroidal anterior irriga o trato óptico, o plexo coroide nos ventrículos laterais e parte das radiações ópticas, o putâmen, o tálamo, a cápsula interna e o hipocampo. A coroidal posterior irriga o plexo coroide do terceiro ventrículo e porções do tálamo e do hipocampo. (Lundy-Ekman, 2004). Portanto, são artérias importantes para a função de memória, bastante relacionadas com as estruturas do tálamo e do hipocampo. Rosseaux, Cabaret, Serafi e Kozlowski (2008) investigaram as funções cognitivas de 20 pacientes pós-AVC em artéria coroidal anterior, constatando alterações significativas nas funções de atenção, nas funções executivas e na memória. Segundo Lim e Alexander (2009), entre 20 e 50% dos pacientes que sofreram AVC também apresentam queixa de dificuldades de memória. É preciso, porém, observar-se outras causas, além da lesão cerebral, tais como depressão, efeito de medicação e perturbações do sono. Aproximadamente 18% dos sobreviventes pós-ruptura de artéria comunicante anterior apresentam déficits cognitivos, tais como amnésia anterógrada severa e alterações nas funções executivas. Dano no córtex pré- frontal ou em conexões talâmicas anteriores pré-frontais também geram alterações em funções executivas (Lim & Alexander, 2009). O AVC em ACP, além de danos na região occipital, gera lesão na região temporal mesial, podendo acarretar déficits no campo visual e nas habilidades visuoespaciais associativos ou perceptuais (Lim & Alexander, 2009), tais como hemianopsia homônima, cegueira cortical, alucinações, falta de percepção de profundidade, comprometimentodos movimentos oculares laterais e inferomediais, agnosia visual, além de perda de memória (Lundy-Ekman, 2004). Lesão vascular isolada na região do fórnix em ACA, apesar de rara, pode gerar alterações na memória episódica de evocação e reconhecimento. Já lesões talâmicas, mais comumente causadas pela oclusão de pequenos vasos, quando são lesionadas regiões anteriores e mediais, causam amnésias variadas, déficits executivos e na memória retrógrada (Lim & Alexander, 2009). A oclusão ou o rompimento de ACM no hemisfério esquerdo gera alterações de linguagem em níveis variados de gravidade (Lundy-Ekman, 2004), dependendo da extensão da lesão e da topografia (porção anterior, posterior ou bifurcação da ACM). Assim, pode-se considerar que a afasia é um sintoma consequente de uma lesão encefálica focal, que leva a déficits em diferentes aspectos da linguagem em aproximadamente 38% dos casos agudos (Girodo, Silveira, & Girodo, 2008). Esse distúrbio de linguagem adquirido pode afetar tanto a expressão quanto a compreensão da linguagem (Alexander, 2003; Hillis, 2007) e está associado a sérios prejuízos sociais a longo prazo. O AVC é a principal causa de afasia em adultos (Engelter et al., 2006; Mansur, Radanoyic, Rüegg, Mendonça, & Sca�, 2002). Aproximadamente dois terços dos pacientes passam a sofrer de afasia imediatamente após uma lesão encefálica na região relacionada com a ACM (esquerda). De acordo com Rabassa, Duaso e Herrero (2006), diferentes territórios vasculares afetados podem gerar distintos tipos de afasias, conforme ilustra o Quadro 2.1. Quadro 2.1. Relação dos tipos de afasia e territórios vasculares afetados Território vascular Tipo de afasia Artéria cerebral anterior Afasia transcortical motora Artéria cerebral média esquerda Afasia de Broca Afasia de Wernicke Afasia de condução Afasia global Afasia anômica Artéria cerebral posterior esquerda Afasia transcortical sensorial Afasia ou anomia óptica Zonas limítrofes entre territórios vasculares Afasia transcortical mista Fonte: Rabassa, Duaso e Herrero (2006). Afasia e aspectos linguísticos Conforme mencionado, a afasia é definida como a perda ou a deficiência da linguagem expressiva e/ou receptiva provocada por um dano cerebral. Há diferentes tipos de afasias, representadas por uma família de síndromes específicas após lesão focal, usualmente no hemisfério esquerdo do cérebro (Hillis, 2007; Berthier, 2005; Peña-Casanova, Pamies, & Diéguez-Vide, 2005; Leal & Martins, 2005). Além de alteração no conteúdo, forma e uso da linguagem, as afasias estão associadas a processos cognitivos subjacentes à comunicação, tais como a percepção e a memória (Ortiz, 2005). As manifestações linguísticas podem ocorrer em diferentes graus, tanto no aspecto receptivo quanto no expressivo da linguagem oral e escrita (Chapey, 1996). Existem diferentes classificações das afasias, todas levando em consideração não apenas a localização cerebral acometida pela doença, mas, principalmente, as características de linguagem. A classificação sindrômica das afasias foi originada pelo método de correlação anátomo-clínica. Atualmente, as características linguísticas consideradas na definição dos quadros afásicos referem-se mais especificamente aos aspectos fonológicos, morfológicos, léxico-semânticos e sintáticos da linguagem (Mansur & Radanovic, 2004; Helm-Estabrooks & Albert, 2004). Mansur e Radanovic (2004) sugerem a avaliação da fala espontânea, da compreensão oral e escrita, da capacidade de repetição, da habilidade de leitura oral, de nomeação e de escrita para caracterização do quadro afásico. Peña-Casanova et al. (2005) propuseram o diagnóstico dos tipos de afasia por meio da análise da linguagem espontânea, da compreensão, da repetição e da denominação. Considerando todas essas funções avaliadas, a função de nomeação encontrar-se-á sempre alterada nos quadros afásicos, já que se trata de uma disfunção do código simbólico (Mansur & Radanovic, 2004). É importante salientar que, com relação à fisiopatologia das afasias, os sinais e sintomas agrupados podem aparecer em diferentes localizações cerebrais alteradas (Peña-Casanova et al., 2005), ou a mesma lesão cerebral (mesma extensão e localização) pode gerar sintomas diferentes (Mansur & Radanovic, 2004). Embora cada síndrome apresente o próprio conjunto de características de linguagem, esse conjunto particular de sinais e sintomas não é fixo. Assim, deve ser admitido um certo grau de flexibilidade nas características indicativas de cada síndrome, sendo o paciente avaliado de maneira individualizada. O sistema de classificação de Afasia de Boston é um dos mais utilizados atualmente e identifica oito síndromes afásicas: afasia de Broca, afasia de Wernicke, afasia de condução, afasia global, afasia transcortical motora, afasia transcortical sensorial, afasia transcortical mista e afasia anômica (Tabela 2.1). Estas podem ser agrupadas, ainda, em afasias com lesões nas áreas centrais (com lesão na região perisylviana) e afasias com lesões próximas às áreas centrais da fala (sem lesão em região perisylviana). A principal diferença entre elas é que as primeiras se caracterizam pela perda da capacidade de repetição, o que não acontece nas últimas, sendo mais fácil a distinção de uma afasia central de uma pericentral (Mansur & Radanovic, 2004; Murdock, 1997). Tabela 2.1. Déficits observados na linguagem, que orientam o diagnóstico dos tipos de afasia Tipo de afasia Linguagem espontânea Compreensão Repetição Nomeação Broca Não fluente Agramatismo + − − Wernicke Fluente Jargão fonêmico − − − Condução Fluente + − − Global Não fluente − − − Transcortical mista Não fluente Ecolalia − + − Transcortical motora Não fluente Ecolalia + + − Transcortical sensorial Fluente Jargão semântico − + − Anômica Fluente Circunlóquio + + − Nota. + = função preservada; - = função deficitária. Fonte: Peña-Casanova et al. (2005). Afasia de Broca A afasia de Broca está associada a lesões no hemisfério esquerdo na região frontal dorsolateral, substância branca periventricular frontal e após lesão em núcleos da base (Mansur & Radanovic, 2004). Saliente-se que, quando o dano ocorre isoladamente na área de Broca, ou em parte dela, há déficit no planejamento motor e na programação motora da fala (dispraxia de fala) (Hillis, 2007). Em função de alterações variadas em aspectos de fala e de linguagem, sabe-se que a afasia de Broca, quando classificada como uma síndrome vascular, ocorre em consequência de dano ou comprometimento neural de uma grande área cerebral suprida pela porção anterior da ACM esquerda, englobando a área de Broca e regiões vizinhas (Hillis, 2007). A afasia de Broca é caracterizada por fala espontânea não fluente, variando do mutismo ao agramatismo. A nomeação e a repetição encontram- se prejudicadas, porém, a compreensão auditiva encontra-se preservada para materiais simples e deficitária para construções sintáticas mais complexas. A gramática é frequentemente “telegráfica”, com predominância de nomes e verbos de ação e escassez de adjetivos, advérbios e preposições, o que caracteriza o “estilo telegráfico”. O vocabulário é restrito, com consequente repetição no uso das palavras (perseveração). A escrita geralmente apresenta deficiência similar à da fala e a leitura é geralmente similar à compreensão auditiva, porém, com deficiências na leitura em voz alta (Hillis, 2007; Ortiz, 2005; Peña-Casanova et al., 2005; Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Alexander, 2003; Murdoch, 1997). Geralmente está associada a algum distúrbio motor da fala, como disartria ou apraxia, e também à hemiplegia ou hemiparesia à direita. Afasia de Wernicke A afasia de Wernicke ocorre em decorrência de uma disfunção nas regiões inferiores supridas pela ACM à esquerda, incluindo a área de Wernicke, que compreende a área 22 de Brodmann, no giro temporal superior e posterior (Hillis, 2007). Na afasia de Wernicke, observa-se que a linguagem expressiva espontânea e a repetição são fluentes,mas verbalizadas sem sentido, o que se denomina jargão. Ainda, há comprometimento na compreensão de palavras, sentenças e conversação (Kahlaoui & Joane�e, 2008). Dificuldades na compreensão da linguagem nos pacientes com afasia de Wernicke parecem refletir em uma limitada capacidade em acessar, utilizar ou manipular informações semânticas (significados das palavras), mais que uma perda nas representações semânticas das palavras (Kahlaoui & Joane�e, 2008). Dificuldades na escrita são semelhantes à produção oral. Além disso, a compreensão de leitura encontra-se preservada em grau semelhante à oral. Hillis (2007) sugere que a dificuldade do paciente em selecionar a palavra, o som ou o significado apropriado das unidades linguísticas que estão em competição explicariam os déficits linguísticos dos casos com afasia de Wernicke. Afasia de condução A afasia de condução é relacionada à lesão no fascículo arqueado (áreas 39 e 40 de Broadmann) e no lobo parietal inferior (Catani et al., 2012), na qual a linguagem espontânea é relativamente fluente, com adequada compreensão. Contudo, pacientes com esse tipo de afasia apresentam dificuldades na repetição de palavras e frases, que podem ser observadas de modo inconsistente (déficits ora presentes, ora ausentes durante a avaliação). Há maior frequência de erros na repetição de palavras pouco frequentes, pseudopalavras e palavras fonologicamente complexas, observando-se parafasias fonológicas e verbais (Bernal & Ardila, 2009). São predominantes os erros do tipo fonológico (omissões, substituições, transposições, ou inserções de sons ou sílabas nas palavras), além de erros semânticos. Os pacientes com afasia de condução geralmente percebem suas dificuldades de fala, o que ocasiona repetitivas autocorreções (Bartha, Mariën, Poewe, & Benke, 2004). Afasia global A afasia global geralmente ocorre após amplas lesões do hemisfério esquerdo do cérebro (Turgeon & Macoir, 2008), sendo um dos mais graves quadros de afasia. Nesta, há limitada capacidade de expressão e compreensão da linguagem, tanto na forma oral quanto na escrita (Ortiz, 2005). De modo geral, observa-se que os pacientes se expressam com estereotipias e perseverações, com a compreensão gravemente prejudicada. Esses pacientes podem compreender apenas comandos simples, além de apresentar comprometimento da repetição, podendo repetir apenas algumas palavras simples (Alexander & Hillis, 2008). Afasia transcortical mista A afasia transcortical mista geralmente é decorrente de lesão nas áreas centrais da fala (área de Wernicke, área de Broca, fascículo arqueado), causando desconexão das áreas de imagens sensório-motoras (Berthier, 1999; Ross, 2010). Consequentemente, o paciente apresenta fala não fluente, maiores dificuldades em compreender sentenças e em nomeação, mas com preservada capacidade de repetição. Uma vez que a expressão da linguagem se mostra prejudicada, observam-se estereotipias e ecolalia (Beeson & Rapcsak, 2008). Ainda, na afasia transcortical mista estão deficitárias as habilidades de leitura e escrita de palavras (Peña-Casanova et al., 2005). Afasia transcortical motora A afasia transcortical motora é associada a lesões no hemisfério cerebral esquerdo na região frontal dorsolateral e substância branca periventricular frontal, além da área motora suplementar frontal mesial (Mansur & Radanovic, 2004). Pode ser causada por uma lesão anterior ou superior à área de Broca e, quando associada a uma síndrome vascular, normalmente ocorre por oclusão da artéria cerebral anterior ou áreas entre artéria cerebral anterior e artéria cerebral média (Hillis, 2007). A afasia transcortical motora tem muitas características da afasia de Broca, porém, com capacidade de repetição preservada. Os pacientes com esse tipo de afasia também apresentam fala espontânea não fluente com característica de linguagem extremamente reduzida, expressão lenta, breve e realizada com esforço, dificuldade na espontaneidade motora, diminuição geral da iniciativa e latência. O discurso geralmente não apresenta parafasias, neologismos e problemas articulatórios. A compreensão e a repetição estão relativamente preservadas (Hillis, 2007; Ortiz, 2005; Peña-Casanova et al., 2005; Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Alexander, 2003; Murdoch, 1997). Afasia transcortical sensorial A afasia transcortical sensorial ocorre após lesão isolada na área de Wernicke, causando desconexão das áreas sensoriais das imagens (Berthier, 1999; Ross, 2010). Como consequência, os pacientes podem apresentar dificuldades na compreensão, manifestando parafasias semânticas, com dificuldades em encontrar palavras (anomias), circunlóquios e perseverações (Beeson & Rapcsak, 2008). Em contrapartida, o discurso é fluente e há relativa preservação da nomeação e da leitura de palavras, embora possa não compreender o que leu (Boatman et al., 2000). Afasia anômica A afasia anômica é decorrente de lesão no fascículo arqueado (segmento posterior) e no fascículo longitudinal inferior (Catani et al., 2012). Pacientes com esse tipo de afasia apresentam linguagem fluente, além de conseguirem compreender, repetir, articular palavras e nomear figuras e objetos mostrados visualmente (Peña-Casanova et al., 2005). Contudo, nesse tipo de afasia, pode-se manifestar prejuízo na evocação lexical, dificuldades para acessar a informação fonológica e/ou a ortográfica da palavra (sons e letras), apesar de acesso semântico intacto (significado). Assim, quando os pacientes evocam palavras que não são as que pretendem falar, percebem que estão errados e tentam corrigir-se (Hillis, 2007). Na escrita, observam-se erros semelhantes aos da linguagem oral (paragrafias), mas com a leitura relativamente preservada (Ortiz, 2005). As afasias também podem ser classificadas de acordo com as características do discurso entre fluentes e não fluentes (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Murdoch, 1997). Com relação à neuroanatomia, pode-se dizer que os pacientes com afasias não fluentes geralmente apresentam lesões cerebrais anteriores à fissura sylviana (frontais ou pré-rolândicas), e as afasias fluentes, lesões posteriores (temporo-parietais ou pós-rolândicas). As primeiras estariam mais associadas a prejuízos predominantemente expressivos, e as segundas, a alterações de compreensão da linguagem (Mansur & Radanovic, 2004). São características de uma fala não fluente um discurso produzido com esforço, muito lentamente, utilizando palavras (substantivos) isoladas ou frases curtas (faltam palavras funcionais) e com erros de gramática (agramatismo). Pode haver mutismo, emissão de uma fala estereotipada, produção de palavras ocasionalmente corretas, frases telegráficas e erros de articulação (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004), possíveis déficits na prosódia e na agilidade articulatória e diminuição do número de palavras verbalizadas por minuto (Hillis, 2007). No discurso fluente do paciente afásico, evidencia-se uma fala sem esforço, com frases de comprimento, ritmo e melodia normais (extensão das frases cinco a oito palavras), porém, sem conteúdo informativo, em razão da falta de nomes (substantivos), ao uso de palavras incorretas (parafasias ou neologismos) e aos circunlóquios (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004). Afasias e aspectos neuropsicológicos Diversas pesquisas sobre afasia, que envolvem eficácia terapêutica (ver, por exemplo, Breier et al., 2019; Carlomagno, Pandolfi, Labruna, Colombo, & Razzano, 2001; Parkinson, Rayer, Chang, Fitzgerald, & Crosson, 2009; Lorenz & Ziegler, 2009), geralmente descrevem apenas os resultados das características linguísticas dos pacientes. Assim, esses estudos não mencionam prejuízos e capacidades das demais funções neuropsicológicas, como a memória, a atenção, as habilidades visoespaciais, a orientação temporoespacial, as praxias e as funções executivas dos casos. No entanto, sabe-se que muitos dessesaspectos podem estar alterados em pacientes com afasia, embora sejam de difícil avaliação, haja vista as dificuldades linguísticas apresentadas pelos pacientes. Helm-Estabrooks (2002) salientou que os déficits neuropsicolinguísticos devem ser considerados para a execução da terapia do afásico, porém, muitos fonoaudiólogos baseiam-se somente pelos resultados de linguagem. Deve-se considerar que todos os componentes cognitivos são recrutadas e utilizados em extensão variada durante o processo de reabilitação. Portanto, é primordial planejar a reabilitação, considerando o perfil neuropsicológico global do paciente. Helm-Estabrooks, Bayles, Ramage e Bryant (1995) realizaram uma pesquisa com 32 afásicos, verificando que não houve correlação entre a gravidade da afasia e os resultados da bateria de tarefas cognitivas não verbais. Sendo assim, os clínicos não podem prever uma relativa integridade de funções cognitivas com base apenas nos déficits de linguagem. A função de atenção é importante em todas as atividades, pois a falha no processo atencional gera dificuldades para processar informações e, no caso de pacientes com afasia, na habilidade em compreender estímulos falados ou gráficos. A memória é sempre solicitada em um processo terapêutico, visto que é importante para garantir a aprendizagem das atividades realizadas durante as sessões. As habilidades visuoespaciais são necessárias para o reconhecimento e a produção de estímulos ortográficos, gestuais e figuras, muito utilizados na terapia. As funções executivas que envolvem a capacidade de manter um comportamento adequado, voltado a um objetivo, e a flexibilidade de resolução de problemas serão sempre solicitadas nas habilidades de comunicação em situações variadas, contando com demandas imprevisíveis e condições flutuantes (Helm-Estabrooks, 2002). Assim, ressalta-se novamente que é imprescindível estabelecer um perfil cognitivo individual dos pacientes, por meio de uma avaliação neuropsicolinguística completa, e não apenas traçar os resultados das funções linguísticas, como comumente ocorre. Helm-Estabrooks (2002) realizou uma pesquisa com 13 pacientes afásicos (5 mulheres e 8 homens) aplicando testes envolvendo tarefas cognitivas linguísticas e não linguísticas, com três objetivos: (1) verificar as habilidades cognitivas de um grupo de sujeitos com afasia de leve a moderada; (2) testar a relação entre as performances não linguística e linguística; e (3) testar a relação entre o desempenho não linguístico e a idade, nível educacional e tempo após o início da afasia. Os autores não encontraram correlação entre habilidades não linguísticas e idade, nível educacional e tempo após o início da afasia. Também não evidenciaram correlação entre habilidades linguísticas e não linguísticas, concluindo que as performances em questões que envolvem atenção, funções executivas, memória e processos visuoespaciais não podem ser previstas com base no desempenho em tarefas linguísticas. Os resultados mostraram melhores escores em tarefas não linguísticas do que em linguísticas, e as habilidades não linguísticas se mostraram mais vulneráveis aos efeitos de idade do que as linguísticas. Segundo Helm-Estabrooks (2002), depois da linguagem, as funções executivas são as mais vulneráveis aos efeitos de danos cerebrais associados à afasia. Van Mourik, Verschaeye, Boon, Paquier e Van Harskamp (1992), por sua vez, analisaram os resultados de 17 pacientes com afasia global na bateria de tarefas não linguísticas e o teste de compreensão auditiva, da Global Aphasic Neuropsychologic Ba�ery (GANBA). Foram evidenciados três grupos de pacientes: com boa performance no GANBA, com déficits variados e que não conseguiram realizar os testes. Tais resultados sugerem a falta de homogeneidade no perfil cognitivo dos pacientes e, mais uma vez, a necessidade de uma avaliação neuropsicolinguística completa e individualizada para a programação eficiente da reabilitação dos casos com afasia. Bonini (2010) pesquisou a relação entre alterações de linguagem e déficits cognitivos não linguísticos em afásicos pós-AVC, comparando com um grupo de não afásicos, mas com lesão no hemisfério direito, e com outro grupo de não afásicos com lesão no hemisfério esquerdo. O estudo de Bonini (2010) também constatou variedade de desempenho cognitivo entre os afásicos, além de pior desempenho dos afásicos em relação aos não afásicos (com lesão cerebral) nas tarefas de fluência semântica, praxias gestuais, span de dígitos (ordem direta e inversa), aprendizagem de palavras, praxias construtivas, aprendizado de figuras e desenho do relógio. A autora destacou a necessidade de instrumentos mais adequados para a avaliação das habilidades não linguísticas em afásicos, ressaltando que a investigação das outras funções cognitivas, além da linguagem, pode auxiliar na elaboração de planejamentos terapêuticos mais adequados, aumentando a eficácia da terapia de linguagem. Silva (2009) investigou o funcionamento das funções de atenção, sequencialização, flexibilidade e processamento mental, memória visual e visuoespacial em indivíduos afásicos. A autora constatou que apenas a habilidade de memória imediata visuoespacial foi menos atingida pela lesão cerebral (AVC), estando as demais funções deficitárias. Portanto, estratégias mais visuais nas atividades de reabilitação poderiam auxiliar na compensação ou na restauração das funções linguísticas. Caspari, Parkinson, LaPointe e Katz (1998) investigaram a relação entre memória de trabalho e funções de linguagem em pacientes afásicos, verificando uma correlação positiva entre essas. Os autores concluíram que a habilidade de compreensão da linguagem está diretamente relacionada à capacidade de memória de trabalho. A memória de trabalho é importante para armazenar temporariamente a mensagem ouvida, sustentar a atenção, enquanto formula a resposta e a verbaliza ao interlocutor. Portanto, a memória de trabalho é frequentemente recrutada durante o processo de reabilitação, devendo ser avaliada e estimulada no paciente afásico. Fontoura, Rodrigues, Mansur, Monção e Salles (2013) analisaram os perfis neuropsicolinguísticos de 14 pacientes adultos após AVC no hemisfério esquerdo, com afasia expressiva. Aplicou-se o Instrumento de Avaliação Neuropsicolinguística Breve para Afásicos Expressivo (NEUPSILIN-Af) (Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca, & Salles, 2011), que avalia a orientação temporoespacial, atenção, praxias (construtiva, ideomotora e reflexiva), habilidades aritméticas, memória (episódica verbal, semântica, de trabalho e visual a curto prazo), percepção, funções executivas, linguagem oral e escrita. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes com AVC em relação a um grupo de saudáveis nas funções de atenção, memória de trabalho, memória episódica verbal e semântica, praxia construtiva, funções executivas e linguagem expressiva. Portanto, as habilidades cognitivas linguísticas e não linguísticas dos pacientes afásicos devem ser analisadas detalhadamente para facilitar o desenvolvimento de programas de reabilitação mais eficazes para a afasia. Considerações finais A linguagem é uma habilidade extremamente complexa e interligada às demais funções neuropsicológicas. Seus múltiplos componentes podem estar seletivamente prejudicados em casos de lesão cerebral. São muitas as manifestações afásicas existentes, e sua avaliação e seu diagnóstico dependem de uma extensa bateria de avaliação da linguagem e de habilidades neuropsicológicas relacionadas, principalmente pela influência bidirecional entre linguagem e memórias, funções executivas, entre outras, podendo déficits em linguagem prejudicar o desempenho em tarefas mnemônicas e/ou executivas. Nesse contexto, faz-se importante que os profissionais da área da saúde identifiquem pacientes pós-AVC que necessitam de uma avaliação específica de linguagem, a fim de estabelecer de maneiraacurada seu perfil linguístico (habilidades preservadas e deficitárias) e, se for o caso, determinar um diagnóstico do tipo de afasia. Além disso, é importante que o avaliador examine demais funções neuropsicológicas, uma vez que estas também podem estar prejudicadas e influenciar negativamente no processo de reabilitação. Certamente, um comprometimento de linguagem pode afetar o desempenho em outras avaliações neuropsicológicas, considerando que a maioria dos instrumentos envolve uma compreensão verbal das instruções, e em muitos desses a resposta também é verbal. Além disso, transtornos de comunicação afetam a reinserção social, laboral e familiar. Portanto, a identificação de possíveis déficits e a intervenção nas habilidades comunicativas reduzirá o nível de dependência funcional dos pacientes, proporcionando-lhes melhor qualidade de vida. Referências Alexander, M. P. (2003). Aphasia: clinical and anatomic aspects. In T. E. Feinberg & M. J. Farah. (Orgs.), Behavioral neurology and neuropsychology (pp. 147-164) (2nd ed.). New York, NY: McGraw-Hill. Alexander, M. P., & Hillis, A. E. (2008). Aphasia. In M. J. Amino�, F. Boller, D. F. Swaab, G. Goldenberg & B. L. Miller (Eds.), Neuropsychology and behavioral neurology: handbook of clinical neurology (Vol. 88, pp. 287-309). Edinburgh: Scotland; London: England; New York, NY: Elsevier. Almeida, S. R. M. (2012). Análise epidemiológica do acidente vascular cerebral no Brasil. Revista Neurociências, 20(4), 481-482. André, C., Curioni, C. C., Braga da Cunha, C., & Veras, R. (2006). Progressive decline in stroke mortality in Brazil from 1980 to 1982, 1990 to 1992, and 2000 to 2002. 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