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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Neuropsicologia da linguagem : bases para avaliação e reabilitação / (organizadoras) Denise Ren da Fontoura...[et al.]. – São Paulo: Vetor, 2019. Vários autores. Outras organizadoras: Jaqueline de CarvalhoRodrigues, Rochele Paz Fonseca, Jerusa Fumagalli de Salles. Bibliografia. 1. Avaliação neuropsicológica 2. Distúrbios da linguagem 3. Linguagem 4. Neurolinguística 5. Neuropsicologia 6. Reabilitação I. Fontoura, Denise Ren da. II. Rodrigues, Jaqueline de Carvalho. III. Fonseca, Rochele Paz. IV. Salles, Jerusa Fumagalli de. 19-27852 | CDD-155.28 Índices para catálogo sistemático: 1. Reabilitação : Avaliação neuropsicológica :Psicologia 155.28 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 ISBN: 978-65-86163-33-9 CEO - Diretor Executivo Ricardo Mattos Gerente de Livros Fábio Camilo Diagramação Rodrigo Ferreira de Oliveira Capa Rodrigo Ferreira de Oliveira Revisão Rafael Faber Fernandes e Paulo Teixeira © 2020 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda. É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. SUMÁRIO PREFÁCIO Apresentação Parte 1 - Bases para Avaliação Neuropsicolinguística 1. CÉREBRO, LINGUAGEM E SEUS COMPONENTES Introdução Linguagem: alguns conceitos e componentes O encéfalo e a linguagem Processamento da linguagem no encéfalo Considerações finais Referências 2. AFASIA E ASPECTOS NEUROPSICOLINGUÍSTICOS Introdução Acidente vascular cerebral e funções cognitivas Afasia e aspectos linguísticos Afasias e aspectos neuropsicológicos Considerações finais Referências 3. DISARTRIA E APRAXIA DE FALA Introdução Modelos de processamento de fala Disartrias Disartria versus apraxia de fala Temas atuais sobre a apraxia de fala Características fonéticas/motoras da apraxia de fala Considerações finais Referências 4. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA DAS AFASIAS Introdução Avaliação das afasias Instrumentos para o diagnóstico das afasias Instrumentos para avaliação de demais funções neuropsicológicas nas afasias Considerações finais Referências 5. AVALIAÇÃO DE HABILIDADES LINGUÍSTICAS E COMUNICATIVAS MAIS RELACIONADAS AO HEMISFÉRIO DIREITO Introdução Hemisfério direito versus hemisfério esquerdo na linguagem Processamentos linguísticos com papel mais ativo do hemisfério direito: especialização e cooperação hemisférica Instrumentos de avaliação de desempenho comunicativo: o viés do papel do hemisfério direito Considerações finais Referências 6. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA LEITURA E DA ESCRITA Introdução Princípios gerais da avaliação da leitura e da escrita Avaliação da leitura em uma abordagem cognitiva Avaliação da escrita na abordagem da neuropsicologia cognitiva Desafios para avaliação e reabilitação da leitura e da escrita no século XXI Considerações finais Referências 7. AVALIAÇÃO DA COMPREENSÃO AUDITIVA PELO TOKEN TEST – VERSÃO REDUZIDA Introdução Estímulos e aplicação do Token Test Propriedades psicométricas do Token Test (versão reduzida) na população brasileira Influência de variáveis sociodemográficas Pontos de corte e tabelas normativas Considerações finais Referências ANEXO 1 – FOLHA DE REGISTRO DO TOKEN TEST – VERSÃO REDUZIDA 8. BATERIA DE AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA SEMÂNTICA: UM ENFOQUE QUALITATIVO NA AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM Introdução Memória semântica Bateria de Avaliação da Memória Semântica (BAMS) Considerações finais Referências Parte 2 - Reabilitação Neuropsicolinguística 9. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM PACIENTES COM AFASIA DE EXPRESSÃO Introdução Reabilitação das afasias Reabilitação da expressão da linguagem oral Considerações finais Referências 10. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM PACIENTES COM AFASIA DE COMPREENSÃO Introdução Afasias Terapêutica da afasia Recomendações para se comunicar com pacientes graves Objetivos no tratamento das afasias graves Referências 11. PRINCÍPIOS DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E APLICABILIDADE EM PACIENTES COM DÉFICITS NO PROCESSAMENTO DISCURSIVO Introdução Etapas importantes no processo de reabilitação Avaliação e reabilitação do processamento discursivo Considerações finais Referências 12. REABILITAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA NAS DEMÊNCIAS Introdução Reabilitação dos distúrbios linguísticos da comunicação Reabilitação dos distúrbios não linguísticos da comunicação Reabilitação cognitiva computadorizada Considerações finais Referências 13. INTERVENÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA EM ADULTOS COM DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO Introdução Dislexia de desenvolvimento Dislexia de desenvolvimento: características na idade adulta e impacto ao longo da vida Dislexia de desenvolvimento no ensino superior Intervenção na dislexia do desenvolvimento no adulto Considerações finais Referências 14. INTERVENÇÃO FOCADA NA CONVERSAÇÃO E NO TREINO DO PARCEIRO DE COMUNICAÇÃO DA PESSOA COM AFASIA Introdução Modelos conceituais que suportam as terapias focadas na conversação e treino dos PCs O impacto da afasia na conversa e interação Considerações finais Referências 15. CONVERS(AÇÃO) PARA PESSOAS COM AFASIA Introdução A conversação de pacientes com afasia Adaptações à afasia: o conceito de aphasia-friendly Acessibilidade comunicativa versus questões econômicas A formação sobre SCA Considerações finais Referências Sobre os autores PREFÁCIO Letícia Lessa Mansur O lançamento do livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação atende à demanda do público brasileiro por referências, tanto teóricas quanto práticas, para a atividade clínica. A neuropsicologia da linguagem tem conhecido inúmeras evoluções no que diz respeito às avaliações e reabilitações de linguagem. Da busca por localização de lesões neurológicas evoluímos para a utilização de testes com objetivos de tomadas de decisão e planejamento de orientações, impulsionados pelo resultado da integração de novas técnicas de neuroimagem aos métodos comportamentais, tradicionais em neuropsicologia. O livro parte dessa abordagem integrada e vai além, ao propor o enfoque funcional da comunicação. Tais composições assumem e reforçam o caráter interdisciplinar da área e têm implicações para a intervenção e reabilitação. Ao apresentar temas prevalentes na prática clínica, quais sejam avaliação e reabilitação de afasias, dislexias, demências e distúrbios relacionados, como disartrias e apraxias, apoiam-se na visão de que a linguagem integra uma rede cognitiva e é socialmente construída. Em contrapartida, fica claro o impacto das alterações da linguagem em muitos domínios das funções cognitivas. A relevância dos temas prende-se, ainda, ao fato de que é impossível ignorar a transformação pela qual passa a população mundial e de nosso país com o aumento significativo de portadores das afecções que são objeto dos capítulos deste livro. Há de se destacar, ainda, a valorização de facetas culturais inerentes à nossa realidade social, na eleição de instrumentos de avaliação que levam em conta aspectos sociodemográficos, como escolaridade, para pontuação e interpretação dos resultados e a análise crítica da aplicabilidade de métodos de reabilitação à nossa cultura. Ao trazerem experiência clínica de avaliação e reabilitação, os autores valorizam a prática fundamentada e integrada em contexto amplo e contemporâneo de conhecimentos, o que constitui fonte de atualização para o profissional da área. O rigor da fundamentação não desconsidera a apresentação didática e acessível, desejável a estudantes de cursos relacionados à área de neuropsicologia. Pesquisadores clínicos também encontram aqui fonte de referência para delineamento de pesquisas e interpretação de resultados. Outro mérito da obra é proporcionar a integração de conhecimentos de profissionais de Língua Portuguesa e da América Latina, o que incentiva estudos cooperativos e intercâmbio de experiências. Profissionais de saúde que atuam com sujeitos portadoresde afasias, demências, dislexias e déficits correlatos podem beneficiar-se da leitura, apropriando-se dos conceitos e fundamentos, para melhor interagir com o paciente e a equipe de cuidados. O livro pode ser lido em capítulos isolados, de interesse do leitor, embora a leitura do conjunto proporcione a desejável integração das informações. Todas essas características atestam a relevância da publicação do livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação para profissionais e estudantes interessados e tornam sua leitura altamente recomendável. APRESENTAÇÃO O livro Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e reabilitação surgiu com base nas pesquisas e na prática clínica das organizadoras desta obra, que têm experiência tanto na avaliação quanto na intervenção de pacientes com dificuldades linguísticas. Sentimos a necessidade de construir uma bibliografia em Língua Portuguesa que abordasse a neuropsicologia da linguagem aplicada às lesões cerebrais e aos quadros neurodegenerativos, tais como as demências. Para tanto, convidamos autores, especialistas na área, do Brasil e de Portugal, para explicitar as atuais técnicas de avaliação e de reabilitação da linguagem. Este livro pode ser utilizado como bibliografia básica de cursos de formação e especialização, uma vez que apresenta aspectos teóricos e práticos da avaliação e da intervenção neuropsicológica da linguagem em adultos e idosos com lesões cerebrais e processos patológicos devidos ao envelhecimento (demências). Cada capítulo expõe um panorama nacional e internacional de evidências científicas atuais sobre os transtornos de linguagem (adquiridos e do desenvolvimento), principais instrumentos de avaliação e técnicas de reabilitação neuropsicológica. O livro é dividido em duas partes: (1) conceitos, instrumentos e características a serem consideradas na avaliação da linguagem; (2) intervenções em diferentes tipos de afasias e demais déficits neurolinguísticos. A linguagem é uma função neuropsicológica bastante complexa, associada ao funcionamento de diferentes regiões cerebrais. Portanto, o capítulo 1 buscou elucidar alguns conceitos, como fonologia, léxico e sintaxe, importantes para compreender os demais capítulos do livro. Ainda, buscou-se elucidar quais principais áreas cerebrais são associadas às afasias e aos demais déficits linguísticos. O capítulo 2 traz as definições, as classificações e as características das afasias, relacionando-as com os aspectos neurológicos e neuropsicolinguísticos de cada quadro, ao passo que o capítulo 3 aborda as disartrias, as dispraxias de fala e seus subtipos. No capítulo 4, temos a apresentação de instrumentos e tarefas adaptadas e construídas no Brasil e internacionalmente para avaliar o perfil neuropsicolinguístico de adultos com afasia, ressaltando a importância de termos testes adequados ao nosso contexto. O capítulo 5 destaca a necessidade de se avaliar a linguagem para além daquelas habilidades associadas ao hemisfério cerebral esquerdo, demonstrando a avaliação de habilidades linguísticas e comunicativas mais relacionadas ao hemisfério direito do cérebro. No capítulo 6, podemos verificar a importância de se realizar a avaliação neuropsicológica da leitura e da escrita, para identificar a presença de dislexias e disgrafia, sugerindo instrumentos e aspectos a serem observados. O capítulo 7 aborda especificamente o Token Test, teste amplamente utilizado na avaliação da compreensão da linguagem oral. Os autores descreveram sua forma de administração, evidências de validade e dados em amostra brasileira. O capítulo 8 também apresenta um método de avaliação específico, um teste inédito e construído no Brasil que tem como objetivo avaliar a memória semântica. A autora destaca a importância de avaliar essa função cognitiva em pacientes com déficits linguísticos, a fim de contribuir com seu diagnóstico e intervenção. Já na Parte 2 do livro, o capítulo 9 apresenta técnicas de reabilitação para pacientes com afasia de expressão, dividindo-as com enfoque no léxico, na sintaxe e no discurso. Complementarmente, o capítulo 10 aborda as técnicas de reabilitação para as afasias compreensivas, destacando cuidados importantes que se devem ter ao tratar pacientes com esses déficits. O capítulo 11 focou, especificamente, a reabilitação neuropsicológica dos aspectos discursivos da linguagem, considerando a importância dessa habilidade para a comunicação diária dos pacientes. Já o capítulo 12 aborda, de maneira mais geral, as intervenções da linguagem para pacientes com demência, uma vez que dificuldades de comunicação de ordem cognitiva podem ocorrer em todas as formas desse transtorno. O capítulo 13 ressalta um tema inovador no contexto brasileiro, ao apresentar as principais características diagnósticas e as diferentes formas de intervenção nas dislexias, tais como reabilitação dos processos deficitários no nível da palavra ao texto e abordagens compensatórias. A importância de orientar a família e os cuidadores é abordada no capítulo 14, que descreve a intervenção focada na conversação e no treino do parceiro de comunicação da pessoa com afasia. Em complementaridade ao capítulo 14, no 15, discute-se aspectos da conversação em pessoas com afasia, focando, principalmente, o papel da família. Este livro pretende contribuir com pesquisadores da área da neuropsicologia da linguagem, professores, estudantes de graduação e pós- graduação, além de clínicos que atuam avaliando e intervindo em pacientes com diferentes distúrbios linguísticos. A avaliação neuropsicológica da linguagem é importante nos contextos clínico, hospitalar, educacional, de pesquisa, entre outros, visto que esta é uma função cognitiva importante para a manutenção da independência funcional dos indivíduos. Por meio da linguagem, o adulto (e o idoso) poderá comunicar-se, compreender o que os outros dizem e expressar-se, por linguagem oral e/ou escrita. É com base na avaliação neuropsicológica da linguagem que ocorre o planejamento terapêutico para a reabilitação de adultos e idosos com lesões cerebrais e processos patológicos devidos ao envelhecimento (demências). PARTE 1 - BASES PARA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA 1. CÉREBRO, LINGUAGEM E SEUS COMPONENTES Mailton Vasconcelos Denise Ren da Fontoura Jaqueline de Carvalho Rodrigues Jerusa Fumagalli de Salles Introdução Neste capítulo, serão apresentados, inicialmente, os conceitos de linguagem em abordagem neuropsicológica, descrevendo seus principais componentes. Em seguida, será elucidado o funcionamento cerebral que nos permite processar a linguagem (compreensiva e expressiva). Não se pretende esgotar o conhecimento sobre o tema com este capítulo, mas espera-se fornecer informações essenciais para quem busca compreender como ocorre o processamento da linguagem no cérebro. Linguagem: alguns conceitos e componentes A linguagem é uma forma de comunicação distintamente humana que tem a capacidade de simbolizar pensamentos, sendo estes simples ou complexos, concretos ou abstratos, procurando, entre outros aspectos, a transmissão de informações entre interlocutores (Kirshner, 2002; Kuhl & Damasio, 2014; Lent, 2008; Marroni & Portuguez, 2002). Trata-se de uma habilidade complexa e de múltiplas facetas que engloba a formação de sons, o desenvolvimento de sofisticados sistemas de regras e a existência de uma vasta quantidade de informações (Harley, 2013; Springer & Deutsch, 1998). Um dos atributos mais fascinantes da habilidade de falar e compreender uma linguagem é a velocidade com que isso acontece. Uma pessoa falando normalmente profere entre 2 e 5 palavras por segundo, sendo a informação emitida decodificada pelo ouvinte no mesmo período. Portanto, nosso cérebro é extremamente eficiente e rápido em reconhecer palavras, algo que ocorre em torno de 200 a 300 milissegundos (Zwitserlood, 1989). Ainda, o cérebro pode levar cerca de 150 milissegundos para decodificar uma imagem e distinguir se é um estímulo representativo de algo animado ou inanimado(Thorpe, Fize, & Marlot, 1996). Na linguagem escrita, acredita-se que podemos demorar a mesma quantidade de tempo para decodificar pequenos riscos em um papel na forma de estímulos ortográficos, como representativos de letras (Grainger, Rey, & Dufau, 2008). O sistema de processamento da linguagem consiste em um conjunto de componentes semi-independentes que atuam juntos para realizar tarefas linguísticas (Caplan, 1992). É comum, no domínio clínico, caracterizar a linguagem como expressiva e compreensiva e, de acordo com esses conceitos, distinguir a linguagem oral expressiva e compreensiva, a linguagem escrita (a leitura e a escrita) e a linguagem gestual (língua de sinais; Peña-Casanova, Pamies, & Diéguez-Vide, 2005). Nesse sentido, a linguagem é didaticamente descrita em diferentes componentes (Caplan, 1992; Carr, 2008; Springer & Deutsch, 1998): a) Fonologia: refere-se ao processamento e à produção dos sons. b) Léxico: compreende o dicionário mental das palavras reconhecidas; refere-se à representação fonológica das palavras, ou seja, seus elementos segmentais (fonemas) e sua organização em estruturas métricas (sílabas), com acesso ao seu significado. c) Morfológico: envolve a combinação de fonemas que permite a formação de palavras por meio de outras (por exemplo, “destruir” e “destruição”), em que o significado da palavra está associado a um item lexical simples. d) Sintaxe: é a gramática da língua, ou seja, a disposição das palavras nas frases. A sentença é determinada por meio do significado de palavras simples e derivadas, combinando com estruturas sintáticas, como sujeito, verbo, pronome, etc. e) Semântica: consiste no processamento do significado (palavras e sentenças). f) Discurso: refere-se aos significados conduzidos pelas sentenças e transformados em estruturas ordenadas, incluindo informações sobre tópicos gerais e específicos de um diálogo. g) Pragmática: compreende a significação prática e o contexto do enunciado. O uso adequado da linguagem é dependente da cultura e da situação em que o indivíduo está inserido. Portanto, a pragmática é necessária para facilitar a comunicação entre os interlocutores. h) Prosódia: compreende os elementos da fala que são propriedades das sílabas e de unidades de fala maiores que as unidades fonéticas. É um componente linguístico representado pela entonação, tom, ênfase e ritmo da fala. Embora seja possível reconhecer diferentes estruturas básicas da linguagem, durante o processamento linguístico, tanto na produção de fala quanto na compreensão, este acontece de maneira unificada. Estímulos lexicais, semânticos e sintáticos combinam-se com predições do contexto de modo a abranger todo enunciado (Hagoort & Indefrey, 2014). O processamento cerebral da linguagem é baseado na integração de numerosos circuitos e regiões que darão suporte aos seus componentes funcionais. Apesar de estudarmos esses circuitos de maneira estática e separada, cabe salientar que a linguagem é um processo altamente dinâmico, que ocorre em comum acordo entre diversas conexões de nosso encéfalo (Hagoort & Indefrey, 2014). O encéfalo e a linguagem O encéfalo, popularmente conhecido como cérebro, é o órgão responsável por nossos pensamentos, memória, linguagem, consciência, controle motor, entre outras diversas habilidades. É uma estrutura pequena quando comparada ao peso corporal, pesando em torno de 1,3 kg. Figura 1.1. Imagem representativa do hemisfério cerebral esquerdo humano. Na figura, é possível identificar a representação dos lobos cerebrais e principais fissuras. Fonte: pixabay.com. Uma característica marcante desse órgão é a aparência enrugada formada por circunvoluções. A crista de uma única circunvolução é chamada de giro, e as regiões que separam os vários giros são chamadas sulcos (Figura 1.1). Apesar da aparência desorganizada e aleatória dessas circunvoluções, a organização de giros e sulcos apresenta-se extremamente parecida nos seres humanos em desenvolvimento típico. Essa propriedade tem facilitado o estudo do cérebro e permite dividi-lo em cinco grandes áreas anatômicas chamadas lobos: lobo frontal, lobo temporal, lobo parietal, lobo occipital e lobo límbico ou insular (Figura 1.1). Adicionalmente, cada um dos giros e sulcos foram nomeados para padronizar a nomenclatura a respeito do sistema nervoso (Damask, 1984). Os giros e sulcos mais proeminentes receberam maior atenção e costumam guiar a localização das demais estruturas corticais. É o caso do sulco central ou fissura central que separa o giro pós-central (localizado no lobo parietal) do giro pré-central (localizado no lobo frontal), esses giros correspondem, respectivamente, ao córtex somestésico primário e ao córtex motor primário. Outra estrutura proeminente da face medial do encéfalo é a fissura lateral ou sulco lateral, inicialmente denominada fissura de Sylvius. Essa fissura separa os lobos frontal e parietal (porção superior) do lobo temporal (porção inferior) (Machado, 2013). Detalhes finos da anatomia e da nomenclatura do sistema nervoso humano vão além do escopo deste capítulo, porém, um pouco mais de aprofundamento acerca de sua arquitetura é importante para a compreensão da linguagem. Um dos conceitos fundamentais a ser mencionado diz respeito à morfologia e à fisiologia da célula nervosa ou neurônio. Neurônios são a base do sistema nervoso e podem apresentar-se em diversos tamanhos e formas. Caracteristicamente, um neurônio poder ter um corpo ou soma, e partem dessa região filamentos ramificados assemelhados aos ramos das árvores chamados dendritos. Partindo da porção somática de um neurônio, é possível, ainda, encontrar um filamento mais calibroso, extenso, por vezes único, e com ramificação mais frequentemente localizada na porção terminal desse filamento, denominado axônio (Ramon & Cajal, 1995). No sistema nervoso central, os corpos dos neurônios vão compor a substância cinzenta (córtex cerebral e núcleos da base). Do mesmo modo, os axônios, que se distribuem por todo o encéfalo integrando um neurônio a outro, vão compor a substância branca (tractos e fascículos nervosos). A porção cinzenta do encéfalo pode ser, então, considerada uma zona de processamento de informação, ao passo que os tractos e fascículos podem ser considerados responsáveis por conectar essas zonas de processamento. O corpo caloso é uma estrutura composta pela substância branca e conecta os hemisférios cerebrais direito e esquerdo (Machado, 2013). Em comparação com outros animais, os seres humanos têm um encéfalo relativamente grande, e é de se esperar que a capacidade de aprendizagem e retenção de estímulos tenha desenvolvido um papel fundamental no desenvolvimento de nossa espécie (Deacon, 1998). A aquisição da linguagem vai além do puro pareamento de estímulos, depende da capacidade de compreender mudanças, contingências fluidas entre constituintes e significado. O que demonstra a presença de influências inatas adquiridas evolutivamente para a linguagem, como Chomsky argumenta há bastante tempo (Chomsky, 1980). Cérebros maiores apresentam um número maior de áreas corticais identificáveis e têm números maiores de identificáveis áreas corticais distintas (Changizi & Shimojo, 2005). Outra consequência de ter uma maior massa encefálica reside na tendência de áreas corticais apresentarem menos ligações diretas umas às outras quando comparadas às ligações em cérebros menores (Ringo, 1991). Como resultado, temos um encéfalo com áreas capazes de executar tarefas de maneira independente, levando a uma localização funcional, e no caso da linguagem, o aumento de áreas especializadas nessa função leva a um entendimento conceitual mais rico, mais complexo e mais fino (Gibson, 2002; Schoenemann, 2005). A neuroanatomia funcional envolvida na compreensão e na expressão simbólica é fundamental para entender a linguagem (Schoenemann, 2009). Processamento da linguagem no encéfalo Atualmente, o estudo da neurobiologia da linguagem ocorre por meio de técnicas de neuroimagem funcional, métodos neurofisiológicose observação de pacientes neurológicos e indivíduos saudáveis. Anteriormente, somente era possível estudar as bases neuroanatômicas da linguagem em exames post-mortem de pacientes que perderam a fala. Assim, começaram os estudos e as descobertas de que existiam regiões cerebrais específicas responsáveis pelas funções de expressão e compreensão da linguagem (Kuhl & Damasio, 2014; Murdoch, 1997; Springer & Deutsch, 1998). Além das regiões de Broca (expressão) e de Wernicke (compreensão), conforme é possível observar na Figura 1.2, o fascículo arqueado exerce uma importante função linguística, pois faz a conexão primária entre essas duas áreas (Broca e Wernicke), ou seja, entre a compreensão e a expressão da linguagem (Kuhl & Damasio, 2014). Sabe-se também da existência de outras conexões entre as estruturas subcorticais, como a conexão do tálamo com as áreas corticais frontal e posterior da linguagem, o núcleo caudado esquerdo e a substância branca adjacente (Springer & Deutsch, 1998). Figura 1.2. Imagem representativa das principais regiões cerebrais motoras, sensoriais e áreas especializadas para o processamento da linguagem. Fonte: pixabay.com O conhecimento da neurobiologia da linguagem foi marcado, durante muito tempo, pela especialização de estruturas para processamento de distintos componentes de linguagem. O Quadro 1.1 descreve, de forma didática, as áreas cerebrais predominantemente recrutadas nos múltiplos processamentos linguísticos. Quadro 1.1. Estruturas encefálicas envolvidas no processamento de distintos componentes de linguagem Processamento Áreas cerebrais recrutadas Leitura Córtex visual (lobo occipital); lobo temporal inferior e parietal; área de Wernicke (região posterior do giro temporal superior; Dehaene, Cohen, Morais, & Kolinsky, 2015). Compreensão de fala Córtex auditivo primário de ambos os hemisférios (fissura lateral e giro temporal superior adjacente); córtex de associação auditiva (região inferior posterior do córtex auditivo primário); giro frontal inferior do hemisfério esquerdo; giros temporal médio esquerdo e superior (Davis, 2016; Meyer & Friederici, 2016). Fonológico Áreas da região perisylviana: córtex parietal inferior; giros angular e supramarginal entre os lobos parietal e occipital; córtex frontal lateral inferior; córtex temporal superior; região de representação da face na área motora primária (Zacks & Ferstl, 2016). Morfológico As áreas da forma visual das palavras são compostas pelo giro fusiforme esquerdo e córtex circundante, componente da área de reconhecimento de face do hemisfério direito (Dehaene & Cohen, 2011). Semântico Regiões anteriores e posteriores do lobo temporal esquerdo; córtex temporal inferior (Pa�erson & Lambon Ralph, 2016). Processamento Áreas cerebrais recrutadas Lexical Regiões anteriores dos giros temporais superior e médio; junção temporoparietal esquerda; regiões posteriores do giro temporal médio e inferior (Davis, 2016). Discursivo Regiões motoras e pré-motoras primárias; córtices auditivos e somatossensoriais, cerebelo, gânglios da base, operculum frontal e giro supramarginal (Blumstein & Baum, 2016). Outro grande tema dentro da neurobiologia da linguagem surgiu com base na distinção do processamento desses componentes de linguagem em hemisférios distintos do encéfalo. O hemisfério esquerdo é considerado como especializado no processamento fonético, morfológico e de frases, ao passo que o hemisfério direito é recrutado em conjunto com o esquerdo nos processamentos prosódico, semântico e pragmático (Quadro 1.2). Quadro 1.2. Habilidades linguísticas comumente relacionadas aos hemisférios direito e esquerdo Hemisfério esquerdo Hemisfério direito Produção da linguagem Compreensão da linguagem Léxico Sintaxe Gramática Escrita Ritmo da fala Prosódia Compreensão de contexto Processamento emocional da linguagem Léxico Semântico Fontes: Gazzaniga (2009); Gazzaniga & Heatherton (2005); Purves et al. (2010). Além das áreas de Wernicke e de Broca, em conjunto com o fascículo arqueado, evidências experimentais e clínicas possibilitaram a formulação de uma visão mais integrada e funcional entre essas áreas. A neurobiologia da linguagem passou a ser vista por meio de um modelo de integração de informação, na qual a linguagem surge da conexão entre áreas sensoriais, pré-frontais e pré-motoras (Kuhl & Damasio, 2014) (ver Figura 1.2). Áreas do hemisfério esquerdo que antigamente não eram relacionadas com a linguagem passaram a ser identificadas como substratos fundamentais para seu processamento. Áreas de associação dos lobos frontal, temporal e parietal também foram consideradas como envolvidas no processamento de conceitos e palavras (Vigneau et al., 2006). Áreas na face medial, face interna dos hemisférios, como o córtex pré-frontal e giro do cíngulo, foram adicionadas ao modelo e foram consideradas como substrato de processos de atenção e memória de trabalho na linguagem (Vitacco, Brandeis, Pascual- Marqui, & Martin, 2002). Regiões anteriormente pensadas como ligadas à emoção passaram a ser vistas como componentes da fala, como é o caso da área insular (Oh, Duerden, & Pang, 2014). A nova visão do modelo de processamento neurobiológico da linguagem demonstra um funcionamento em rede das áreas cerebrais bem maior do que se era pensado. Em termos de compreensão do significado durante um evento linguístico, Hanna Damásio e Antônio Damásio (1992) propuseram a atuação de três grandes sistemas interagindo para conectar, receber e produzir estímulos relacionados à linguagem e ao conhecimento conceitual. Esses sistemas compreendem a implementação dos estímulos de linguagem, a mediação desses estímulos e a integração com aspectos conceituais (Kuhl & Damasio, 2014). O sistema de implementação seria composto pelas áreas de Wernicke e de Broca, algumas regiões do córtex insular e os núcleos da base. Essas áreas estariam ligadas à aferência de sinais auditivos no reconhecimento de conceitos, servindo de base para as funções fonêmicas, gramaticais e de produção de fala. O sistema de mediação seria composto por áreas do córtex de associação temporal, parietal e frontal. Seu principal envolvimento seria pensado como a intermediação entre a chamada área de implementação e o sistema conceitual, distribuído, por sua vez, em mais áreas associativas (Damasio & Damasio, 1992; Kuhl & Damasio, 2014). Esses novos achados continuam sendo derivados da combinação da compreensão das funções cognitivas perdidas decorrentes de danos neurológicos em conjunto com o uso de modernas técnicas de imagem. Utilizando a tomografia por emissão de pósitrons (PET, do inglês: Positron Emission Tomography) e o imageamento por ressonância magnética funcional (fMRI, do inglês: functional Magnetic Resonance Imaging), é possível observar a atividade neural em diferentes partes do encéfalo, inferida por meio do registro do fluxo sanguíneo nas áreas de interesse (Bear, Connors, & Paradiso, 2015). Ao tentar examinar diferenças na atividade cerebral evocadas por respostas sensoriais às palavras e à produção de linguagem, utilizando-se de resultados obtidos com PET, observou-se que os estímulos visuais provocam um aumento da atividade do córtex estriado e em regiões adjacentes, ao passo que os estímulos auditivos provocaram atividade no córtex auditivo primário e secundário. No entanto, as áreas ativadas no córtex localizadas próximo às áreas estriatrais e no córtex auditivo secundário não respondem a estímulos visuais e auditivos que não sejam palavras reais (Petersen, Fox, Posner, Mintun, & Raichle, ١٩٨٨). Em concordância com a hipótese de que o processamento de linguagem se estende para mais além do que apenas a simples ativação da área de Broca e da área de Wernicke, esse estudo demonstrou que os estímulos visuais utilizados não provocam uma ativação significativamente maior nessas áreas, como seria esperado no modelo clássico advindo de estudos neurológicos (Petersen et al., 1988). Em uma tarefa de repetição de palavras, também utilizandoa PET, foi observado um maior nível de atividade no córtex motor primário e na área do córtex motor suplementar durante a execução da tarefa (Kuhl & Damasio, 2014). Adicionalmente, houve um aumento do fluxo sanguíneo em torno da fissura sylviana localizada próximo à área de Broca. Apesar de ter um crescente poder de resolução e um refinamento nos paradigmas de pesquisa e nas técnicas de estudo atuais do funcionamento cerebral, algumas perguntas permanecem não respondidas. Um grande corpo de evidências descreve a área de Broca como unilateral, mais precisamente localizada no hemisfério esquerdo do cérebro. No entanto, as imagens de PET obtidas no estudo anteriormente descrito demonstraram atividade bilateral, mesmo quando os sujeitos eram instruídos a apenas mover sua boca e língua sem realmente exprimir alguma fala (Kuhl & Damasio, 2014). Mais uma vez utilizando a PET como técnica para observar a ativação cerebral, foi solicitado que um sujeito indicasse um uso para dada palavra, por exemplo, uma vez que fosse apresentada a palavra “livro”, o uso que o participante poderia sugerir seria “ler” (Warburton et al., 1996). As áreas que foram ativadas durante essa tarefa de associação substantivos-verbos estão localizadas na área frontal inferior esquerda, o giro do cíngulo anterior e o lobo temporal posterior. Acredita-se que a atividade no córtex frontal e temporal esteja relacionada ao desempenho da tarefa de associação de palavras, ao passo que a atividade no córtex cingulado pode estar relacionada à atenção (Bear et al., 2015; Warburton et al., 1996). Considerações finais As descobertas nos experimentos anteriormente mencionados servem de guia para muitas pesquisas desenvolvidas na área da neurobiologia da linguagem. Perguntas maiores e que levam em consideração a multiplicidade de evidências já obtidas relacionam-se com questões a respeito de como o cérebro pode processar diferentes categorias de palavras de formas diferentes e de como o cérebro integra os resultados desses processos em uma compreensão unificada. Outras perguntas envolvem a tentativa de integrar o que sabemos, grosso modo, a respeito das áreas cerebrais envolvidas na linguagem com as análises cognitivas mais refinadas advindas de recentes métodos de investigação (Poeppel, Emmorey, Hickok, & Pylkkänen, 2012). Questões como essas demonstram o longo caminho que ainda é preciso percorrer para compreender melhor o funcionamento de nosso encéfalo durante o processamento linguístico. O avanço na compreensão da capacidade humana para linguagem representa um passo fundamental para a neurociência, e é indispensável para tratar transtornos de linguagem, como as afasias, que se caracterizam como o resultado mais frequente de acidentes vasculares cerebrais e traumatismos cranianos (Kuhl & Damasio, 2014). Compreender mais sobre a neurobiologia da linguagem propiciará um entendimento mais completo dos processos linguísticos e seu complexo modo de interconexão com sistemas perceptuais, motores, sistemas de significado e intenções, a fim de entender melhor a maneira como nos comunicamos. Avanços na tecnologia de neuroimagem permitirão aumentar cada vez mais o conhecimento sobre a linguagem, podendo contribuir com paradigmas experimentais e processos terapêuticos cada vez mais produtivos. 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Ainda, este capítulo tem como objetivo discutir as definições, as classificações e as características das afasias, relacionando-as com os aspectos neurológicos e neuropsicolinguísticos de cada quadro. Acidente vascular cerebral e funções cognitivas As doenças cerebrovasculares envolvem as anormalidades do tecido encefálico decorrentes de algum processo patológico dos vasos sanguíneos e/ou que neles ocorrem, provocando as isquemias ou sangramentos, seja de maneira transitória ou permanente (Díez-Tejedor et al., 2001). Pode haver, portanto, lesão da parede do vaso, alteração da permeabilidade vascular, oclusão vascular por trombo ou êmbolo, ruptura do vaso e alteração da viscosidade ou da qualidade do sangue (Fukujima, 2010). As doenças cerebrovasculares são consensualmente referidas como AVC, e o termo “cérebro” é o mais frequentemente utilizado, mesmo que essas doenças ocorram em todo o encéfalo (Gagliardi, 2010). Considera-se o AVC um déficit neurológico focal de instalação súbita em consequência da doença vascular encefálica com duração maior do que 24 horas. Entre as disfunções cerebrovasculares focais, há o ataque isquêmico transitório (AIT), o acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH), a hemorragia subaracnóidea (HSA), a hemorragia intracraniana por malformação arteriovenosa (MAV) e o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) (Brondani, Martins, & Moraes, 2008; Martins & Brondani, 2008). O AIT é também considerado um déficit neurológico focal de instalação súbita, porém, reversível, ou seja, tem duração menor que 24 horas e não apresenta evidência de lesão isquêmica nos exames de neuroimagem (Fukujima, 2010). O AVCH caracteriza-se pela ruptura de um vaso sanguíneo intracraniano, levando à formação de um coágulo que afeta determinada função cerebral (Martins & Brondani, 2008). Pode ocorrer hemorragia intracerebral, sendo a hipertensão a causa mais comum, ou hemorragia subaracnóidea, em que a causa mais comum é a ruptura de aneurismas arteriais na base do cérebro e o sangramento proveniente de malformações vasculares com localização próxima da superfície meníngea (Martins & Brondani, 2008). O AVCI é classificado em isquemia cerebral trombótica (obstrução de uma artéria, com dano na região cerebral suprida pelo vaso acometido), isquemia cerebral embólica (êmbolos originados em outro local que ocluem uma artéria e o suprimento de sangue na região cerebral) e isquemia cerebral por hipoperfusão (redução da perfusão arterial global, afetando áreas difusas (Martins & Brondani, 2008). No Brasil, o AVC é considerado a segunda causa de morte em adultos, sendo também uma das doenças mais incapacitantes (Almeida, 2012; Fukujima, 2010). O risco de morte por AVC declinou desde o início dos anos 1980 até 2000, o que pode ser um reflexo do progresso das condições gerais de saúde durante esse período (André, Curioni, Cunha & Veras, 2006). Esse declínio, no entanto, não corresponde a menos casos de AVC, pois a mortalidade ainda é alta. No Brasil, a prevalência de AVC é de 5 a 8 casos por 1000 habitantes acima de 25 anos de idade, sendo que 10% a 20% dos indivíduos têm menos de 45 anos de idade (Fukujima, 2010). Suas consequências podem ser de grande impacto, dependendo do tipo, do local e da extensão da lesão cerebral (Warlow, 2003). A classificação do AVC segundo o tipo de vaso acometido identifica as possíveis etiologias, podendo ocorrer nos grandes vasos, nos pequenos vasos, na circulação terminal e no território venoso (Fukujima, 2010). Existem quatro artérias que levam o sangue ao encéfalo: o par de artérias vertebrais que irrigam o tronco encefálico, o cerebelo e a porção posteroinferior do telencéfalo, e o par de artérias carótidas internas que irrigam as porções anterior, superior e lateral dos hemisférios cerebrais (Lundy-Ekman, 2004). As três principais artérias cerebrais são a artéria cerebral anterior (ACA), a artéria cerebral média (ACM) e a artéria cerebral posterior (ACP). A primeira irriga a superfície medial dos lobos frontal e parietal e a porção anterior da cabeça do caudado, a ACM irriga a maior parte da porção lateral dos hemisférios, e a ACP, o mesencéfalo, o lobo occipital e as porções dos lobos temporal medial e inferior (Lundy-Ekman, 2004). As artérias coroidais anteriores (ramo da carótida interna) e posteriores (ramo da artéria cerebral posterior) são também importantes para a irrigação de estruturas cerebrais profundas. A coroidal anterior irriga o trato óptico, o plexo coroide nos ventrículos laterais e parte das radiações ópticas, o putâmen, o tálamo, a cápsula interna e o hipocampo. A coroidal posterior irriga o plexo coroide do terceiro ventrículo e porções do tálamo e do hipocampo. (Lundy-Ekman, 2004). Portanto, são artérias importantes para a função de memória, bastante relacionadas com as estruturas do tálamo e do hipocampo. Rosseaux, Cabaret, Serafi e Kozlowski (2008) investigaram as funções cognitivas de 20 pacientes pós-AVC em artéria coroidal anterior, constatando alterações significativas nas funções de atenção, nas funções executivas e na memória. Segundo Lim e Alexander (2009), entre 20 e 50% dos pacientes que sofreram AVC também apresentam queixa de dificuldades de memória. É preciso, porém, observar-se outras causas, além da lesão cerebral, tais como depressão, efeito de medicação e perturbações do sono. Aproximadamente 18% dos sobreviventes pós-ruptura de artéria comunicante anterior apresentam déficits cognitivos, tais como amnésia anterógrada severa e alterações nas funções executivas. Dano no córtex pré- frontal ou em conexões talâmicas anteriores pré-frontais também geram alterações em funções executivas (Lim & Alexander, 2009). O AVC em ACP, além de danos na região occipital, gera lesão na região temporal mesial, podendo acarretar déficits no campo visual e nas habilidades visuoespaciais associativos ou perceptuais (Lim & Alexander, 2009), tais como hemianopsia homônima, cegueira cortical, alucinações, falta de percepção de profundidade, comprometimentodos movimentos oculares laterais e inferomediais, agnosia visual, além de perda de memória (Lundy-Ekman, 2004). Lesão vascular isolada na região do fórnix em ACA, apesar de rara, pode gerar alterações na memória episódica de evocação e reconhecimento. Já lesões talâmicas, mais comumente causadas pela oclusão de pequenos vasos, quando são lesionadas regiões anteriores e mediais, causam amnésias variadas, déficits executivos e na memória retrógrada (Lim & Alexander, 2009). A oclusão ou o rompimento de ACM no hemisfério esquerdo gera alterações de linguagem em níveis variados de gravidade (Lundy-Ekman, 2004), dependendo da extensão da lesão e da topografia (porção anterior, posterior ou bifurcação da ACM). Assim, pode-se considerar que a afasia é um sintoma consequente de uma lesão encefálica focal, que leva a déficits em diferentes aspectos da linguagem em aproximadamente 38% dos casos agudos (Girodo, Silveira, & Girodo, 2008). Esse distúrbio de linguagem adquirido pode afetar tanto a expressão quanto a compreensão da linguagem (Alexander, 2003; Hillis, 2007) e está associado a sérios prejuízos sociais a longo prazo. O AVC é a principal causa de afasia em adultos (Engelter et al., 2006; Mansur, Radanoyic, Rüegg, Mendonça, & Sca�, 2002). Aproximadamente dois terços dos pacientes passam a sofrer de afasia imediatamente após uma lesão encefálica na região relacionada com a ACM (esquerda). De acordo com Rabassa, Duaso e Herrero (2006), diferentes territórios vasculares afetados podem gerar distintos tipos de afasias, conforme ilustra o Quadro 2.1. Quadro 2.1. Relação dos tipos de afasia e territórios vasculares afetados Território vascular Tipo de afasia Artéria cerebral anterior Afasia transcortical motora Artéria cerebral média esquerda Afasia de Broca Afasia de Wernicke Afasia de condução Afasia global Afasia anômica Artéria cerebral posterior esquerda Afasia transcortical sensorial Afasia ou anomia óptica Zonas limítrofes entre territórios vasculares Afasia transcortical mista Fonte: Rabassa, Duaso e Herrero (2006). Afasia e aspectos linguísticos Conforme mencionado, a afasia é definida como a perda ou a deficiência da linguagem expressiva e/ou receptiva provocada por um dano cerebral. Há diferentes tipos de afasias, representadas por uma família de síndromes específicas após lesão focal, usualmente no hemisfério esquerdo do cérebro (Hillis, 2007; Berthier, 2005; Peña-Casanova, Pamies, & Diéguez-Vide, 2005; Leal & Martins, 2005). Além de alteração no conteúdo, forma e uso da linguagem, as afasias estão associadas a processos cognitivos subjacentes à comunicação, tais como a percepção e a memória (Ortiz, 2005). As manifestações linguísticas podem ocorrer em diferentes graus, tanto no aspecto receptivo quanto no expressivo da linguagem oral e escrita (Chapey, 1996). Existem diferentes classificações das afasias, todas levando em consideração não apenas a localização cerebral acometida pela doença, mas, principalmente, as características de linguagem. A classificação sindrômica das afasias foi originada pelo método de correlação anátomo-clínica. Atualmente, as características linguísticas consideradas na definição dos quadros afásicos referem-se mais especificamente aos aspectos fonológicos, morfológicos, léxico-semânticos e sintáticos da linguagem (Mansur & Radanovic, 2004; Helm-Estabrooks & Albert, 2004). Mansur e Radanovic (2004) sugerem a avaliação da fala espontânea, da compreensão oral e escrita, da capacidade de repetição, da habilidade de leitura oral, de nomeação e de escrita para caracterização do quadro afásico. Peña-Casanova et al. (2005) propuseram o diagnóstico dos tipos de afasia por meio da análise da linguagem espontânea, da compreensão, da repetição e da denominação. Considerando todas essas funções avaliadas, a função de nomeação encontrar-se-á sempre alterada nos quadros afásicos, já que se trata de uma disfunção do código simbólico (Mansur & Radanovic, 2004). É importante salientar que, com relação à fisiopatologia das afasias, os sinais e sintomas agrupados podem aparecer em diferentes localizações cerebrais alteradas (Peña-Casanova et al., 2005), ou a mesma lesão cerebral (mesma extensão e localização) pode gerar sintomas diferentes (Mansur & Radanovic, 2004). Embora cada síndrome apresente o próprio conjunto de características de linguagem, esse conjunto particular de sinais e sintomas não é fixo. Assim, deve ser admitido um certo grau de flexibilidade nas características indicativas de cada síndrome, sendo o paciente avaliado de maneira individualizada. O sistema de classificação de Afasia de Boston é um dos mais utilizados atualmente e identifica oito síndromes afásicas: afasia de Broca, afasia de Wernicke, afasia de condução, afasia global, afasia transcortical motora, afasia transcortical sensorial, afasia transcortical mista e afasia anômica (Tabela 2.1). Estas podem ser agrupadas, ainda, em afasias com lesões nas áreas centrais (com lesão na região perisylviana) e afasias com lesões próximas às áreas centrais da fala (sem lesão em região perisylviana). A principal diferença entre elas é que as primeiras se caracterizam pela perda da capacidade de repetição, o que não acontece nas últimas, sendo mais fácil a distinção de uma afasia central de uma pericentral (Mansur & Radanovic, 2004; Murdock, 1997). Tabela 2.1. Déficits observados na linguagem, que orientam o diagnóstico dos tipos de afasia Tipo de afasia Linguagem espontânea Compreensão Repetição Nomeação Broca Não fluente Agramatismo + − − Wernicke Fluente Jargão fonêmico − − − Condução Fluente + − − Global Não fluente − − − Transcortical mista Não fluente Ecolalia − + − Transcortical motora Não fluente Ecolalia + + − Transcortical sensorial Fluente Jargão semântico − + − Anômica Fluente Circunlóquio + + − Nota. + = função preservada; - = função deficitária. Fonte: Peña-Casanova et al. (2005). Afasia de Broca A afasia de Broca está associada a lesões no hemisfério esquerdo na região frontal dorsolateral, substância branca periventricular frontal e após lesão em núcleos da base (Mansur & Radanovic, 2004). Saliente-se que, quando o dano ocorre isoladamente na área de Broca, ou em parte dela, há déficit no planejamento motor e na programação motora da fala (dispraxia de fala) (Hillis, 2007). Em função de alterações variadas em aspectos de fala e de linguagem, sabe-se que a afasia de Broca, quando classificada como uma síndrome vascular, ocorre em consequência de dano ou comprometimento neural de uma grande área cerebral suprida pela porção anterior da ACM esquerda, englobando a área de Broca e regiões vizinhas (Hillis, 2007). A afasia de Broca é caracterizada por fala espontânea não fluente, variando do mutismo ao agramatismo. A nomeação e a repetição encontram- se prejudicadas, porém, a compreensão auditiva encontra-se preservada para materiais simples e deficitária para construções sintáticas mais complexas. A gramática é frequentemente “telegráfica”, com predominância de nomes e verbos de ação e escassez de adjetivos, advérbios e preposições, o que caracteriza o “estilo telegráfico”. O vocabulário é restrito, com consequente repetição no uso das palavras (perseveração). A escrita geralmente apresenta deficiência similar à da fala e a leitura é geralmente similar à compreensão auditiva, porém, com deficiências na leitura em voz alta (Hillis, 2007; Ortiz, 2005; Peña-Casanova et al., 2005; Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Alexander, 2003; Murdoch, 1997). Geralmente está associada a algum distúrbio motor da fala, como disartria ou apraxia, e também à hemiplegia ou hemiparesia à direita. Afasia de Wernicke A afasia de Wernicke ocorre em decorrência de uma disfunção nas regiões inferiores supridas pela ACM à esquerda, incluindo a área de Wernicke, que compreende a área 22 de Brodmann, no giro temporal superior e posterior (Hillis, 2007). Na afasia de Wernicke, observa-se que a linguagem expressiva espontânea e a repetição são fluentes,mas verbalizadas sem sentido, o que se denomina jargão. Ainda, há comprometimento na compreensão de palavras, sentenças e conversação (Kahlaoui & Joane�e, 2008). Dificuldades na compreensão da linguagem nos pacientes com afasia de Wernicke parecem refletir em uma limitada capacidade em acessar, utilizar ou manipular informações semânticas (significados das palavras), mais que uma perda nas representações semânticas das palavras (Kahlaoui & Joane�e, 2008). Dificuldades na escrita são semelhantes à produção oral. Além disso, a compreensão de leitura encontra-se preservada em grau semelhante à oral. Hillis (2007) sugere que a dificuldade do paciente em selecionar a palavra, o som ou o significado apropriado das unidades linguísticas que estão em competição explicariam os déficits linguísticos dos casos com afasia de Wernicke. Afasia de condução A afasia de condução é relacionada à lesão no fascículo arqueado (áreas 39 e 40 de Broadmann) e no lobo parietal inferior (Catani et al., 2012), na qual a linguagem espontânea é relativamente fluente, com adequada compreensão. Contudo, pacientes com esse tipo de afasia apresentam dificuldades na repetição de palavras e frases, que podem ser observadas de modo inconsistente (déficits ora presentes, ora ausentes durante a avaliação). Há maior frequência de erros na repetição de palavras pouco frequentes, pseudopalavras e palavras fonologicamente complexas, observando-se parafasias fonológicas e verbais (Bernal & Ardila, 2009). São predominantes os erros do tipo fonológico (omissões, substituições, transposições, ou inserções de sons ou sílabas nas palavras), além de erros semânticos. Os pacientes com afasia de condução geralmente percebem suas dificuldades de fala, o que ocasiona repetitivas autocorreções (Bartha, Mariën, Poewe, & Benke, 2004). Afasia global A afasia global geralmente ocorre após amplas lesões do hemisfério esquerdo do cérebro (Turgeon & Macoir, 2008), sendo um dos mais graves quadros de afasia. Nesta, há limitada capacidade de expressão e compreensão da linguagem, tanto na forma oral quanto na escrita (Ortiz, 2005). De modo geral, observa-se que os pacientes se expressam com estereotipias e perseverações, com a compreensão gravemente prejudicada. Esses pacientes podem compreender apenas comandos simples, além de apresentar comprometimento da repetição, podendo repetir apenas algumas palavras simples (Alexander & Hillis, 2008). Afasia transcortical mista A afasia transcortical mista geralmente é decorrente de lesão nas áreas centrais da fala (área de Wernicke, área de Broca, fascículo arqueado), causando desconexão das áreas de imagens sensório-motoras (Berthier, 1999; Ross, 2010). Consequentemente, o paciente apresenta fala não fluente, maiores dificuldades em compreender sentenças e em nomeação, mas com preservada capacidade de repetição. Uma vez que a expressão da linguagem se mostra prejudicada, observam-se estereotipias e ecolalia (Beeson & Rapcsak, 2008). Ainda, na afasia transcortical mista estão deficitárias as habilidades de leitura e escrita de palavras (Peña-Casanova et al., 2005). Afasia transcortical motora A afasia transcortical motora é associada a lesões no hemisfério cerebral esquerdo na região frontal dorsolateral e substância branca periventricular frontal, além da área motora suplementar frontal mesial (Mansur & Radanovic, 2004). Pode ser causada por uma lesão anterior ou superior à área de Broca e, quando associada a uma síndrome vascular, normalmente ocorre por oclusão da artéria cerebral anterior ou áreas entre artéria cerebral anterior e artéria cerebral média (Hillis, 2007). A afasia transcortical motora tem muitas características da afasia de Broca, porém, com capacidade de repetição preservada. Os pacientes com esse tipo de afasia também apresentam fala espontânea não fluente com característica de linguagem extremamente reduzida, expressão lenta, breve e realizada com esforço, dificuldade na espontaneidade motora, diminuição geral da iniciativa e latência. O discurso geralmente não apresenta parafasias, neologismos e problemas articulatórios. A compreensão e a repetição estão relativamente preservadas (Hillis, 2007; Ortiz, 2005; Peña-Casanova et al., 2005; Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Alexander, 2003; Murdoch, 1997). Afasia transcortical sensorial A afasia transcortical sensorial ocorre após lesão isolada na área de Wernicke, causando desconexão das áreas sensoriais das imagens (Berthier, 1999; Ross, 2010). Como consequência, os pacientes podem apresentar dificuldades na compreensão, manifestando parafasias semânticas, com dificuldades em encontrar palavras (anomias), circunlóquios e perseverações (Beeson & Rapcsak, 2008). Em contrapartida, o discurso é fluente e há relativa preservação da nomeação e da leitura de palavras, embora possa não compreender o que leu (Boatman et al., 2000). Afasia anômica A afasia anômica é decorrente de lesão no fascículo arqueado (segmento posterior) e no fascículo longitudinal inferior (Catani et al., 2012). Pacientes com esse tipo de afasia apresentam linguagem fluente, além de conseguirem compreender, repetir, articular palavras e nomear figuras e objetos mostrados visualmente (Peña-Casanova et al., 2005). Contudo, nesse tipo de afasia, pode-se manifestar prejuízo na evocação lexical, dificuldades para acessar a informação fonológica e/ou a ortográfica da palavra (sons e letras), apesar de acesso semântico intacto (significado). Assim, quando os pacientes evocam palavras que não são as que pretendem falar, percebem que estão errados e tentam corrigir-se (Hillis, 2007). Na escrita, observam-se erros semelhantes aos da linguagem oral (paragrafias), mas com a leitura relativamente preservada (Ortiz, 2005). As afasias também podem ser classificadas de acordo com as características do discurso entre fluentes e não fluentes (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004; Murdoch, 1997). Com relação à neuroanatomia, pode-se dizer que os pacientes com afasias não fluentes geralmente apresentam lesões cerebrais anteriores à fissura sylviana (frontais ou pré-rolândicas), e as afasias fluentes, lesões posteriores (temporo-parietais ou pós-rolândicas). As primeiras estariam mais associadas a prejuízos predominantemente expressivos, e as segundas, a alterações de compreensão da linguagem (Mansur & Radanovic, 2004). São características de uma fala não fluente um discurso produzido com esforço, muito lentamente, utilizando palavras (substantivos) isoladas ou frases curtas (faltam palavras funcionais) e com erros de gramática (agramatismo). Pode haver mutismo, emissão de uma fala estereotipada, produção de palavras ocasionalmente corretas, frases telegráficas e erros de articulação (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004), possíveis déficits na prosódia e na agilidade articulatória e diminuição do número de palavras verbalizadas por minuto (Hillis, 2007). No discurso fluente do paciente afásico, evidencia-se uma fala sem esforço, com frases de comprimento, ritmo e melodia normais (extensão das frases cinco a oito palavras), porém, sem conteúdo informativo, em razão da falta de nomes (substantivos), ao uso de palavras incorretas (parafasias ou neologismos) e aos circunlóquios (Leal & Martins, 2005; Mansur & Radanovic, 2004). Afasias e aspectos neuropsicológicos Diversas pesquisas sobre afasia, que envolvem eficácia terapêutica (ver, por exemplo, Breier et al., 2019; Carlomagno, Pandolfi, Labruna, Colombo, & Razzano, 2001; Parkinson, Rayer, Chang, Fitzgerald, & Crosson, 2009; Lorenz & Ziegler, 2009), geralmente descrevem apenas os resultados das características linguísticas dos pacientes. Assim, esses estudos não mencionam prejuízos e capacidades das demais funções neuropsicológicas, como a memória, a atenção, as habilidades visoespaciais, a orientação temporoespacial, as praxias e as funções executivas dos casos. No entanto, sabe-se que muitos dessesaspectos podem estar alterados em pacientes com afasia, embora sejam de difícil avaliação, haja vista as dificuldades linguísticas apresentadas pelos pacientes. Helm-Estabrooks (2002) salientou que os déficits neuropsicolinguísticos devem ser considerados para a execução da terapia do afásico, porém, muitos fonoaudiólogos baseiam-se somente pelos resultados de linguagem. Deve-se considerar que todos os componentes cognitivos são recrutadas e utilizados em extensão variada durante o processo de reabilitação. Portanto, é primordial planejar a reabilitação, considerando o perfil neuropsicológico global do paciente. Helm-Estabrooks, Bayles, Ramage e Bryant (1995) realizaram uma pesquisa com 32 afásicos, verificando que não houve correlação entre a gravidade da afasia e os resultados da bateria de tarefas cognitivas não verbais. Sendo assim, os clínicos não podem prever uma relativa integridade de funções cognitivas com base apenas nos déficits de linguagem. A função de atenção é importante em todas as atividades, pois a falha no processo atencional gera dificuldades para processar informações e, no caso de pacientes com afasia, na habilidade em compreender estímulos falados ou gráficos. A memória é sempre solicitada em um processo terapêutico, visto que é importante para garantir a aprendizagem das atividades realizadas durante as sessões. As habilidades visuoespaciais são necessárias para o reconhecimento e a produção de estímulos ortográficos, gestuais e figuras, muito utilizados na terapia. As funções executivas que envolvem a capacidade de manter um comportamento adequado, voltado a um objetivo, e a flexibilidade de resolução de problemas serão sempre solicitadas nas habilidades de comunicação em situações variadas, contando com demandas imprevisíveis e condições flutuantes (Helm-Estabrooks, 2002). Assim, ressalta-se novamente que é imprescindível estabelecer um perfil cognitivo individual dos pacientes, por meio de uma avaliação neuropsicolinguística completa, e não apenas traçar os resultados das funções linguísticas, como comumente ocorre. Helm-Estabrooks (2002) realizou uma pesquisa com 13 pacientes afásicos (5 mulheres e 8 homens) aplicando testes envolvendo tarefas cognitivas linguísticas e não linguísticas, com três objetivos: (1) verificar as habilidades cognitivas de um grupo de sujeitos com afasia de leve a moderada; (2) testar a relação entre as performances não linguística e linguística; e (3) testar a relação entre o desempenho não linguístico e a idade, nível educacional e tempo após o início da afasia. Os autores não encontraram correlação entre habilidades não linguísticas e idade, nível educacional e tempo após o início da afasia. Também não evidenciaram correlação entre habilidades linguísticas e não linguísticas, concluindo que as performances em questões que envolvem atenção, funções executivas, memória e processos visuoespaciais não podem ser previstas com base no desempenho em tarefas linguísticas. Os resultados mostraram melhores escores em tarefas não linguísticas do que em linguísticas, e as habilidades não linguísticas se mostraram mais vulneráveis aos efeitos de idade do que as linguísticas. Segundo Helm-Estabrooks (2002), depois da linguagem, as funções executivas são as mais vulneráveis aos efeitos de danos cerebrais associados à afasia. Van Mourik, Verschaeye, Boon, Paquier e Van Harskamp (1992), por sua vez, analisaram os resultados de 17 pacientes com afasia global na bateria de tarefas não linguísticas e o teste de compreensão auditiva, da Global Aphasic Neuropsychologic Ba�ery (GANBA). Foram evidenciados três grupos de pacientes: com boa performance no GANBA, com déficits variados e que não conseguiram realizar os testes. Tais resultados sugerem a falta de homogeneidade no perfil cognitivo dos pacientes e, mais uma vez, a necessidade de uma avaliação neuropsicolinguística completa e individualizada para a programação eficiente da reabilitação dos casos com afasia. Bonini (2010) pesquisou a relação entre alterações de linguagem e déficits cognitivos não linguísticos em afásicos pós-AVC, comparando com um grupo de não afásicos, mas com lesão no hemisfério direito, e com outro grupo de não afásicos com lesão no hemisfério esquerdo. O estudo de Bonini (2010) também constatou variedade de desempenho cognitivo entre os afásicos, além de pior desempenho dos afásicos em relação aos não afásicos (com lesão cerebral) nas tarefas de fluência semântica, praxias gestuais, span de dígitos (ordem direta e inversa), aprendizagem de palavras, praxias construtivas, aprendizado de figuras e desenho do relógio. A autora destacou a necessidade de instrumentos mais adequados para a avaliação das habilidades não linguísticas em afásicos, ressaltando que a investigação das outras funções cognitivas, além da linguagem, pode auxiliar na elaboração de planejamentos terapêuticos mais adequados, aumentando a eficácia da terapia de linguagem. Silva (2009) investigou o funcionamento das funções de atenção, sequencialização, flexibilidade e processamento mental, memória visual e visuoespacial em indivíduos afásicos. A autora constatou que apenas a habilidade de memória imediata visuoespacial foi menos atingida pela lesão cerebral (AVC), estando as demais funções deficitárias. Portanto, estratégias mais visuais nas atividades de reabilitação poderiam auxiliar na compensação ou na restauração das funções linguísticas. Caspari, Parkinson, LaPointe e Katz (1998) investigaram a relação entre memória de trabalho e funções de linguagem em pacientes afásicos, verificando uma correlação positiva entre essas. Os autores concluíram que a habilidade de compreensão da linguagem está diretamente relacionada à capacidade de memória de trabalho. A memória de trabalho é importante para armazenar temporariamente a mensagem ouvida, sustentar a atenção, enquanto formula a resposta e a verbaliza ao interlocutor. Portanto, a memória de trabalho é frequentemente recrutada durante o processo de reabilitação, devendo ser avaliada e estimulada no paciente afásico. Fontoura, Rodrigues, Mansur, Monção e Salles (2013) analisaram os perfis neuropsicolinguísticos de 14 pacientes adultos após AVC no hemisfério esquerdo, com afasia expressiva. Aplicou-se o Instrumento de Avaliação Neuropsicolinguística Breve para Afásicos Expressivo (NEUPSILIN-Af) (Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca, & Salles, 2011), que avalia a orientação temporoespacial, atenção, praxias (construtiva, ideomotora e reflexiva), habilidades aritméticas, memória (episódica verbal, semântica, de trabalho e visual a curto prazo), percepção, funções executivas, linguagem oral e escrita. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes com AVC em relação a um grupo de saudáveis nas funções de atenção, memória de trabalho, memória episódica verbal e semântica, praxia construtiva, funções executivas e linguagem expressiva. Portanto, as habilidades cognitivas linguísticas e não linguísticas dos pacientes afásicos devem ser analisadas detalhadamente para facilitar o desenvolvimento de programas de reabilitação mais eficazes para a afasia. Considerações finais A linguagem é uma habilidade extremamente complexa e interligada às demais funções neuropsicológicas. Seus múltiplos componentes podem estar seletivamente prejudicados em casos de lesão cerebral. São muitas as manifestações afásicas existentes, e sua avaliação e seu diagnóstico dependem de uma extensa bateria de avaliação da linguagem e de habilidades neuropsicológicas relacionadas, principalmente pela influência bidirecional entre linguagem e memórias, funções executivas, entre outras, podendo déficits em linguagem prejudicar o desempenho em tarefas mnemônicas e/ou executivas. Nesse contexto, faz-se importante que os profissionais da área da saúde identifiquem pacientes pós-AVC que necessitam de uma avaliação específica de linguagem, a fim de estabelecer de maneiraacurada seu perfil linguístico (habilidades preservadas e deficitárias) e, se for o caso, determinar um diagnóstico do tipo de afasia. Além disso, é importante que o avaliador examine demais funções neuropsicológicas, uma vez que estas também podem estar prejudicadas e influenciar negativamente no processo de reabilitação. Certamente, um comprometimento de linguagem pode afetar o desempenho em outras avaliações neuropsicológicas, considerando que a maioria dos instrumentos envolve uma compreensão verbal das instruções, e em muitos desses a resposta também é verbal. Além disso, transtornos de comunicação afetam a reinserção social, laboral e familiar. Portanto, a identificação de possíveis déficits e a intervenção nas habilidades comunicativas reduzirá o nível de dependência funcional dos pacientes, proporcionando-lhes melhor qualidade de vida. Referências Alexander, M. P. (2003). Aphasia: clinical and anatomic aspects. In T. E. Feinberg & M. J. Farah. (Orgs.), Behavioral neurology and neuropsychology (pp. 147-164) (2nd ed.). New York, NY: McGraw-Hill. Alexander, M. P., & Hillis, A. E. (2008). Aphasia. In M. J. Amino�, F. Boller, D. F. Swaab, G. Goldenberg & B. L. Miller (Eds.), Neuropsychology and behavioral neurology: handbook of clinical neurology (Vol. 88, pp. 287-309). Edinburgh: Scotland; London: England; New York, NY: Elsevier. Almeida, S. R. M. (2012). Análise epidemiológica do acidente vascular cerebral no Brasil. Revista Neurociências, 20(4), 481-482. André, C., Curioni, C. C., Braga da Cunha, C., & Veras, R. (2006). Progressive decline in stroke mortality in Brazil from 1980 to 1982, 1990 to 1992, and 2000 to 2002. 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DISARTRIA E APRAXIA DE FALA Karin Zazo Ortiz Introdução As lesões que acometem o sistema nervoso central e o periférico podem causar diversos distúrbios que prejudicam a comunicação humana. Portanto, os distúrbios devem ser identificados de maneira precisa, e o diagnóstico deve permitir uma diferenciação clara entre os transtornos de linguagem e os distúrbios específicos da fala. A linguagem vem sendo amplamente estudada por meio de modelos da neuropsicologia cognitiva. No entanto, os modelos para o entendimento da complexa produção de fala são mais recentes. Um dos grandes desafios da ciência atual é descobrir onde termina exatamente a etapa de codificação fonológica e onde começa o planejamento motor da fala; e como uma falha em um desses níveis pode interferir no outro, uma vez que os modelos de fala são essencialmente sensório-motores, ou seja, de retroalimentação da informação. Nesse sentido, não é possível retroceder teoricamente e não considerar tais modelos na interpretação das manifestações que aparecem na fala. Este capítulo tem como objetivo discutir aspectos neurológicos e linguísticos das disartrias e das apraxias de fala. Serão apresentados os modelos de processamento de fala, os aspectos neurológicos dos distúrbios de fala e as características fonéticas/fonêmicas desses déficits. Modelos de processamento de fala Durante a produção de fala, a mensagem deve ser transformada de uma ideia abstrata a símbolos linguísticos significativos e, então, a um código ajustado ao sistema motor. O processo motor como um todo envolve muitas fases ou uma organização hierárquica de níveis. As fases são identificadas como planejamento, programação e execução. O controle dos movimentos é exercido por meio de uma hierarquia sensório-motora que pode ser alocada em níveis alto, médio e baixo. O nível mais alto é mediado pelo córtex de associação motora (por exemplo, lobos pré-frontal, parietal e temporal), que gera todos os planos motores invariantes. Os planos motores são convertidos em programas motores no nível intermediário (médio), que consiste no córtex sensório-motor, cerebelo e alça putaminal do gânglio basal. Nesse nível, parâmetros específicos do movimento, como velocidade, são definidos. No nível mais baixo, os programas são traduzidos para a atividade muscular e ocorre a execução motora (van der Merwe, 2009). Van der Merwe (2009) explicitou um modelo neuropsicológico da fala baseado em quatro níveis do processamento: (1) planejamento linguístico- simbólico: é um processo não motor ou pré-motor; (2) planejamento sensório-motor: é nessa fase que ocorre a transformação das unidades simbólicas (fonemas) a um código que possa ser processado pelo sistema motor. O planejamento motor implica a formulação da estratégia da ação por meio de objetivos motores específicos. É nessa fase que o potencial para a coarticulação é criado; (3) programação motora: é um conjunto de comandos musculares que estão estruturados antes da sequência do movimento começar. É um processamento contínuo em tempo real. O planejamento e a programação requerem decisões baseadas nas circunstâncias. O planejamento motor da fala deve ocorrer no hemisfério esquerdo do cérebro, ao passo que a programação ocorre em ambos; (4) execução motora: durante essa fase, a hierarquia dos planos e dos programas é finalmente transformada em ajustes motores não aprendidos. Sucessivas especificações são retransmitidas para os centros motores mais baixos que controlam as articulações e os músculos. Planejamento linguístico-simbólico Uma disfunção no planejamento linguístico-simbólico poderia resultar em dificuldades semânticas (significados), lexicais (palavras), sintáticas (frases), morfológicas (morfemas) e fonológicas (sons), que são típicos sinais de afasia ou de um transtorno de linguagem. Um planejamento fonológico alterado, por exemplo, poderia gerar erros na seleção e na combinação sequencial dos fonemas, resultando em substituições e transposições de sons, que são características de parafasias fonológicas. No contexto desse modelo, portanto, erros em sequências fonêmicas e substituições verdadeiras (não as distorções percebidas como substituições) deveriam ser identificadas como uma dificuldade fonológica. Planejamento sensório-motor Um distúrbio no planejamento motor da fala implicaria diversas inabilidades, tais como o aprendizado ou a recordação do núcleo de planos motores não variáveis para sons específicos; a identificação dos diferentes esquemas motores de sons específicos de fala; a possibilidade de organizar sequencialmente os movimentos para cada som de fala e séries de movimentos para uma sequência de sons de fala, de adaptar o plano motor ao meio fonético, de controlar a sincronia interarticulatória, de implementar feedback tátil-cinestésico da periferia para adaptação e, sistematicamente, retransmitir as sub-rotas de planos motores estrutura-específica ao sistema de programação motora. Os sinais e sintomas resultantes de um distúrbio no planejamento motor da fala poderiam ser lentidão, fala com distorções/esforço e substituições aparentes. Estas são as características de uma apraxia de fala. A distorção, que muitas vezes é considerada a característica fundamental da apraxia de fala, pode ser o resultado de muitos dos distúrbios supradescritos. Uma dificuldade no planejamento motor pode impactar na programação motora e causar distorção dos sons (em um sinal secundário). O comportamento de estrangulamento/esforço frequentemente observado em apráxicos pode ser o resultado de uma inabilidade para recordar o plano motor para a produção de um som de fala ou para identificar e sequenciar os vários alvos motores de uma unidade planejada. A diferenciação entre as fases de um processamento de informação não tem apenas implicações para a apraxia de fala, como também complica a visão tradicional das disartrias. O papel que estruturas como o gânglio da base e o cerebelo lateral têm tanto na programação quanto na execução sugere a possibilidade da ocorrência de ambas as sintomatologias em certos tipos de disartria. A coexistência de distúrbios em ambos – programação e execução motora – poderiam estar presentes no parkinsonismo, por exemplo (Ortiz, Brabo & Mine�, 2016). Programação e execução motora Um distúrbio no nível da programação do movimento poderia resultar em alterações nas seguintes perdas: programação do tônus muscular, velocidade, direção e gama; repetição do início e feedforward coocorrendo nos programas motores sucessivos. Essas alterações poderiam ocorrer na ausência de distúrbiosdo tônus muscular ou de movimentos involuntários. Os sinais e sintomas resultantes de um distúrbio na programação motora da fala seriam, provavelmente: distorção de sons, alterações na velocidade de fala ou dificuldades para iniciar um movimento. Em um primeiro momento, estas podem parecer características de uma apraxia de fala, mas são diferentes. É provável que a distorção relativa à programação motora de fala esteja com frequência presente em todos os movimentos. A distorção em pacientes apráxicos não está consistentemente presente em todas as produções dentro de uma mesma sentença. A compreensão desse modelo baseado em quatro níveis de processamento modifica a visão tradicional de afasia, de apraxia e de disartria. O nível e a natureza das alterações nos diferentes distúrbios neurológicos da comunicação precisam ser, portanto, reanalisados, considerando-se esse modelo. Uma diferenciação entre os níveis do planejamento linguístico- simbólico, do planejamento motor, da programação motora e da execução implicará a compreensão de distintos distúrbios relacionados a cada um desses níveis do processamento de fala. Um fator complicador, no entanto, é o envolvimento de mesmas estruturas neurais em diversos níveis de funcionamento. Isso poderia causar uma disfunção coocorrente em mais de um nível de processamento. Há, ainda, a possibilidade de um distúrbio em um nível impactar em outro. É necessário delinear a natureza das alterações e, apesar de o modelo permitir uma compreensão mais detalhada do complexo ato de produção da fala, clinicamente é bastante simples a diferenciação entre os dois transtornos de fala: apraxia e disartria, pelo fato de o conjunto das manifestações ser bastante distinto em cada um deles. No entanto, conforme destacado posteriormente, a diferenciação entre a apraxia de fala das alterações de codificação fonológica e, portanto, de linguagem é bastante complexa e difícil de ser feita, exigindo um amplo detalhamento para a diferenciação se estamos diante de um quadro com alterações de fala, linguagem ou ambos. Disartrias As disartrias referem-se a um grupo de distúrbios motores da fala resultantes de dificuldades no controle muscular dos mecanismos envolvidos na produção oral. Estes ocorrem em decorrência de uma lesão no sistema nervoso central ou periférico que provoca problemas na comunicação oral em razão de uma paralisia, fraqueza ou incoordenação da musculatura da fala (Darley, Aronson, & Brown, 1975). O diagnóstico baseia-se nas manifestações, devendo haver comprometimento de todas as bases motoras, mesmo que não haja comprometimento equivalente quanto à gravidade em todas elas. Além disso, a diferenciação do tipo de disartria, entre os sete tipos possíveis, baseia-se na história clínica, especialmente nos achados da avaliação e na área de acometimento do sistema nervoso central e/ou periférico. A avaliação específica da disartria requer não apenas o detalhamento da alteração de cada base motora – respiração, fonação, articulação, ressonância e prosódia, considerando-se gama/força, amplitude e velocidade de cada um dos movimentos envolvidos no complexo processo da fala –, mas também a harmonia entre as bases. Isso implica dizer que a avaliação deve identificar alterações que ocorrem intra e interarticuladores e ser capaz de analisar a inteligibilidade e a naturalidade de fala decorrentes das alterações identificadas. Apesar de os quadros serem extremamente variáveis, a maior parte dos pacientes apresenta características que são mais comumente observadas: imprecisão na articulação das consoantes, monoaltura, monointensidade e velocidade lenta de fala. Essas características poderão variar ou, ainda, não estar presentes em alguns quadros, como veremos a seguir. Devemos considerar que existem diversos tipos de disartrias, e as alterações neurológicas também são muito distintas nos diversos quadros, formando um grupo diversificado de distúrbios crônicos da fala (Yorkston, 1996). Existem sete tipos de disartria, que se diferenciam por características da fala, do comprometimento neurológico e da etiologia. Disartria flácida A disartria flácida foi o primeiro tipo descrito, tendo como características básicas: voz soprosa, monoaltura, articulação imprecisa das consoantes e hipernasalidade. A disartria flácida é causada por uma lesão em neurônio motor inferior, ou seja, trata-se de uma lesão de sistema nervoso periférico. A lesão pode afetar qualquer ponto da condução nervosa: corpo celular, axônio, junção mioneural ou músculo. Por esse motivo, são comuns estas características: flacidez, fraqueza, atrofia e fasciculações (Mayo, 1998). Ainda, as disartrias flácidas podem ser produzidas por lesões dos nervos cranianos ou disfunções dos nervos espinais. Os nervos cranianos, que, quando acometidos, causam a disartria flácida, são: o XII, responsável pela inervação da musculatura da língua; o X, responsável pela inervação da musculatura de laringe e véu palatino; o XII, responsável pela musculatura da boca; e o V, responsável pela inervação da mandíbula. Entre as etiologias mais comuns para esse tipo de alteração neurológica e, consequentemente, para esse tipo de disartria, estão: traumatismo craniencefálico (TCE), acidente vascular cerebral (AVC) em tronco encefálico, esclerose lateral amiotrófica (ELA) e esclerose múltipla. Disartria espástica A disartria espástica tem como principais características: voz áspera, com esforço, tensa, monotonia, articulação imprecisa das consoantes e hipernasalidade. A disartria espástica é causada por uma lesão em neurônio motor superior bilateral, que pode ocorrer em qualquer ponto do trato corticobulbar. Essa lesão acarreta aumento do tônus muscular com espasticidade, porém, também ocorrem fraqueza e velocidade reduzida dos movimentos. Existe um comprometimento bilateral das vias piramidais e extrapiramidais. Assim, uma lesão do neurônio motor superior relacionada ao sistema piramidal implica comprometimento dos tratos corticobulbar e corticoespinal. As características decorrentes seriam fraqueza e lentidão na execução dos movimentos. Por sua vez, uma lesão do neurônio motor superior relacionada ao sistema extrapiramidal traria como características fraqueza acompanhada de aumento do tônus muscular – espasticidade e reflexos musculares anormais. A labilidade emocional descrita nesses casos, observada muitas vezes como choro ou riso incontroláveis, também é decorrente do comprometimento corticobulbar bilateral. Esse comprometimento resulta na perda do controle do trato piramidal inibitório, que é responsável pelas respostas comportamentais/expressivas de uma emoção. Entre as etiologias mais comuns para esse tipo de alteração neurológica e, consequentemente, para a disartria espástica, estão: ELA, AVC em tronco encefálico, TCE, esclerose múltipla e múltiplos AVCs. Disartria do neurônio motor superior unilateral (DNMSU) Na DNMSU, o quadro assemelha-se a uma disartria espástica “leve”, havendo uma atenuação importante das características principais. As tarefas diadococinéticas, ou seja, as que envolvem a participação das diversas bases motoras são as mais sensíveis para esse diagnóstico (Ortiz, 2010). Como o próprio nome diz, essa disartria é causada por uma lesão de neurônio motor superior unilateral. Essa diferença é extremamente importante, porque a maioria dos nervos cranianos que inerva a musculatura da face recebe informações bilaterais dos neurônios motores superiores do sistema piramidal e extrapiramidal, exceto os da parte inferior da face e língua (Freed, 2000). Assim, a mandíbula, o véu palatino e a laringe ficam relativamente preservados. Assim, diferentemente do que ocorre na disartria espástica, grande parte dos músculos responsáveis pela articulação, pela ressonância e pela fonação continuam sendo inervados, o que leva a alterações diferentes da fala. A maior alteração observada na fala é a distorção moderada de fonemas bilabiais e consonantais linguais. Lesões subcorticais, sobretudo de cápsula interna, geralmenteconferem maior gravidade ao quadro do que lesões corticais (Mayo, 1998). Entre as etiologias mais comuns para a disartria do neurônio motor superior unilateral, estão: AVC em região cortical, subcortical ou em tronco encefálico, processos expansivos/tumorais e TCE. Disartria hipocinética A disartria hipocinética tem como principais características: baixa intensidade vocal, qualidade vocal rouca e/ou soprosa, altura grave, alterações de fluência, imprecisão articulatória e ressonância hipernasal. A doença mais comumente relacionada a esse tipo de disartria é a doença de Parkinson, caracterizada por ser progressiva, lenta e atingir as estruturas do gânglio basal, gerando comprometimento do sistema extrapiramidal. A doença de Parkinson é caracterizada por uma tríade clássica: tremor, bradicinesia e rigidez. Essas manifestações ocorrem nos diversos grupos musculares dos pacientes e, do mesmo modo, àqueles relacionados com a produção fonoarticulatória. O papel do gânglio basal é extremamente importante, pois o córtex cerebral planeja o movimento, enquanto o gânglio basal, por meio de suas conexões com o tálamo e o córtex, influencia na direção, no curso e na amplitude dos movimentos (Freed, 2000). Alguns autores também relacionam as estruturas do gânglio basal com a possibilidade de iniciar tais movimentos (Yorkston, Miller, & Strand, 1995). Assim, na fonação, a fisiologia poderia estar relacionada à rigidez muscular, acarretando fechamento incompleto das pregas vocais, movimentos de adução e abdução assimétricos, dificuldade de sonorização e dessonorização. Como percepção dessas alterações, pode haver mudanças na fonação, soprosidade-rouquidão, voz trêmula, monoaltura, monointensidade e gama de fonação reduzida. Interferindo na ressonância, podemos ter o funcionamento velofaríngeo normal ou rígido, com fechamento reduzido, assim como podemos ter voz normal ou hipernasal. Em casos de maior comprometimento, a nasalização pode atingir diversos segmentos fonêmicos. Na articulação, podemos ter fraqueza no controle muscular, rigidez, aceleração, tremor de lábios e língua e perceberemos a articulação imprecisa, com contrastes acústicos mal definidos, velocidade acelerada ou reduzida; e no caso de velocidade reduzida ocorrerão curtas acelerações de fala. A velocidade pode ser normal em alguns casos (Tjaden, 2000). A progressão da doença pode variar de paciente para paciente, sendo um fator permanente e constante a progressão dos sintomas “motores”. Disartria hipercinética Na disartria hipercinética, as principais características são: voz áspera, distorção na articulação das vogais, interrupção articulatória irregular com variável imprecisão articulatória e alterações prosódicas. Esse tipo de disartria é facilmente identificado pela presença de movimentos involuntários. Tais características podem variar dependendo da etiologia. A disartria hipercinética está associada a uma lesão em sistema extrapiramidal, principalmente em gânglio basal ou suas conexões, que, como vimos anteriormente, são importantes no planejamento e na programação dos movimentos aprendidos. Basicamente, entendemos que o córtex de associação planeja os movimentos. O gânglio basal realiza um refinamento desses movimentos que receberam, também do tálamo, um refinamento específico. Após o tratamento dessa informação, o córtex primário envia esse movimento refinado aos músculos (Freed, 2000). As eiologias mais comuns para uma disartria hipercinética são: Corea de Huntington e Corea de Sydenham, distonia, tremor vocal essencial, entre outras. Disartria atáxica Na disartria atáxica, as principais características são: voz áspera, com esforço, tensa, interrupção articulatória irregular, acentuação excessiva, mas sem diferenciação da sílaba tônica ou do elemento frasal mais importante, e tremor vocal. Podemos também verificar distorção conjunta de vogais e consoantes, alteração da qualidade vocal associada à dificuldade de fonação sustentada e diadococinesia (Kent et al., 2000). As lesões cerebelares representam o comprometimento neurológico esperado para esse tipo de disartria. Podem ocorrer lesões no cerebelo ou nas vias neurais que conectam o cerebelo às outras estruturas no SNC. No mínimo, duas vias estão envolvidas na produção da fala. A primeira seria o trajeto corticocerebelar, em que o planejamento motor da fala é enviado do córtex ao cerebelo. Uma outra possibilidade seria a influência do cerebelo no sistema extrapiramidal, isso porque o cerebelo é capaz de realizar um ajuste rápido no tempo e na força dos movimentos para compensar uma eventual mudança no momento em que o movimento ocorre (Freed, 2000). O cerebelo, portanto, apresenta essa especificidade de coordenar e modificar movimentos já “planejados” durante a fala. É por isso que um comprometimento no cerebelo ou em qualquer uma dessas vias pode acarretar um grande comprometimento para uma fala normal. Disartria mista Na disartria mista, observamos características de diversos tipos de disartria em um mesmo quadro. Como relatamos, existe uma correlação importante entre as características de fala em determinado quadro e o comprometimento neurológico. Assim sendo, lesões envolvendo múltiplas áreas do sistema nervoso periférico e/ou do sistema nervoso central podem resultar em diversos graus e tipos de disartria. Alguns exemplos dessa associação são observados principalmente nas doenças progressivas, pois várias áreas distintas do sistema nervoso são comprometidas com o avanço da doença. Disartria versus apraxia de fala A disartria e a apraxia são distúrbios da fala. No entanto, atualmente, o grande desafio no diagnóstico dos distúrbios adquiridos de fala e da linguagem é a diferenciação entre as parafasias fonêmicas presentes nos quadros de afasia, dos erros de uma apraxia de fala, já que ambos são distúrbios neurológicos que afetam a comunicação e compartilham manifestações percebidas pelo ouvinte, como substituição de fonemas (Haley, Jacks, & Cunningham, 2013). Não é simples diferenciar os diversos tipos de erros na fala que podem aparecer após a ocorrência de uma lesão cerebral como uma evidência de falha linguística ou motora e, eventualmente, de ambas. Como vimos, nos últimos anos, os clássicos sintomas descritos como característicos de uma apraxia de fala foram cuidadosamente revistos e, na atualidade, é estritamente necessário considerar os modelos de processamento de fala para um diagnóstico diferencial mais preciso (van der Merwe, 2009). Assim, é válido afirmar que os modelos de processamento neuropsicológico da fala são a base para a interpretação das manifestações presentes na emissão oral após a ocorrência da lesão cerebral. Então, quais são os erros de fala que poderiam, de modo não ambíguo, ser marcados como relativos ao nível fonológico da produção de fala? A resposta a essa questão é fundamental para o estabelecimento de critérios para o diagnóstico diferencial de apraxia de fala. Em geral, os erros comumente observados na fala de indivíduos após a lesão cerebral, como substituições, dessonorizações, omissões e adições, podem ser gerados por falhas em qualquer nível de processamento do planejamento linguístico ou motor (McNeil, Robin, & Schmidt, 2009). Em contrapartida, sons produzidos de modo adequado, que são mal sequencializados, dificilmente podem ser atribuídos a um nível motor da produção de fala. Portanto, no momento atual, sabemos que os erros antecipação, reiteração e metátese, antigamente tidos como erros de sequencialização motora na apraxia de fala, somente podem ser evidenciados quando a falha ocorre no nível do planejamento linguístico do processamento de fala e, assim, são parafasias fonêmicas, ou seja, referem-se à linguagem. Esses erros, quando ocorrem sem distorções motoras ou fonéticas, são mais consistentes com um erro de construção do bu�er fonológico ou no preenchimento com um fonema mal selecionado do léxico fonológico. Temas atuais sobre a apraxia de fala A apraxia de fala recebeu uma releitura nos últimos anos. Otermo praxia originou-se da palavra grega praxis, que significa “realizar uma ação”. A apraxia de fala foi descrita como um distúrbio da articulação, que resulta da perda, causada por uma lesão cerebral, da capacidade de organizar o posicionamento da musculatura da fala e de sequencializar os movimentos na produção espontânea de fonemas ou de uma sequência de fonemas. No entanto, essa dificuldade não seria acompanhada por fraqueza, lentidão ou incoordenação desses músculos nos movimentos reflexos ou automáticos (Johns & Darley, 1970). Atualmente, essa definição foi revista e a apraxia deixou de ser compreendida como um distúrbio da programação motora e passou a ser considerada um distúrbio do planejamento motor. As condições etiológicas desse distúrbio da fala incluem acidentes vasculares cerebrais, doenças degenerativas, processos expansivos, entre outras, desde que essas lesões centrais se localizem em áreas responsáveis por alguns dos comandos motores da fala. Isso se deve ao fato de que essas áreas processam e integram informações para que a mensagem a ser transmitida se transforme em uma sequência de impulsos neurais, que contrairão os músculos apropriados no tempo adequado para a fala. Quando essa programação motora da fala está prejudicada, o indivíduo apresenta uma produção oral própria da apraxia. Especificamente em relação à apraxia de fala, admite-se que as lesões anteriores (frontais) são mais causadoras desse distúrbio que as posteriores – parietais e temporais (Dronkers, 1996; Luria, 1984). Alguns estudos demonstraram a participação da ínsula esquerda, especificamente no giro pré-central (Dronkers, 1996; Nagao, Takeda, Tomori, Isozaki, & Hirai, 1999). O estudo minucioso das características da apraxia de fala trouxe maior compreensão desse distúrbio, bem como resoluções para a prática terapêutica. Indivíduos com apraxia apresentam discurso não fluente, forçado. Ainda, podem demonstrar dificuldades para encontrar a posição articulatória correta para a produção dos fonemas na fala. Além disso, os erros observados na fala são inconsistentes e ocorrem na produção voluntária (Mateer, 1978). O grau da apraxia influenciará na ocorrência dessas manifestações na fala do apráxico. Para esse tipo de alteração de fala, é importante levantar todas as características fonêmicas e fonéticas, considerando o tipo e a consistência dos erros, as tentativas de iniciar a produção fonêmica, as hesitações, ensaios e autocorreções e a frequência com que tais manifestações ocorrem na fala. As características descritas inicialmente por Johns e Darley (1970), que foram acrescidas e modificadas ao longo do tempo (Dabul & Bollier, 1976; Halpern, Darley, & Brown, 1972) para os quadros de apraxia de fala, foram recentemente revistas (McNeil et al., 2009). Estudos reanalisaram as manifestações relacionadas aos erros específicos que ocorrem na emissão de fala para verificar se estas se referem a falhas no processamento linguístico e/ou motor, uma vez que podem estar relacionadas às falhas nesses dois níveis distintos de processamento. A diferenciação entre os erros que são relativos à produção de fala daqueles relacionados a um nível anterior, fonológico do processamento não é simples e é uma questão crucial para o estabelecimento de critérios para o diagnóstico diferencial de apraxia de fala. As manifestações do tipo substituições do fonema surdo pelo sonoro, e vice-versa, bem como outras substituições, omissões e adições, podem ser indicativas de falhas em qualquer nível do processamento (linguístico ou motor). Em contrapartida, sons produzidos adequadamente que são mal sequencializados, dificilmente podem ser atribuídos a um nível motor da produção. Conforme mencionado anteriormente, esses erros, conhecidos como antecipação, reiteração e metátese, quando ocorrem sem distorções motoras ou fonéticas, são mais consistentes com um erro de construção do bu�er fonológico ou no preenchimento com um fonema mal selecionado do léxico fonológico. Desse modo, tais erros não podem ser considerados erros de uma apraxia de fala. Características fonéticas/motoras da apraxia de fala Embora os erros de produção fonêmica não possam diferenciar os erros da apraxia de fala da parafasia fonêmica, os parâmetros fonéticos podem, devendo-se observar os seguintes aspectos (McNeil et al., 2009): 1. Alterações no Voince Onset Time e a produção inadequada de sons nasais são fortemente indicativas de uma alteração práxica, uma vez que, para que tais manifestações não ocorram na fala, os interarticuladores devem funcionar de modo muito preciso e em tempo determinado. Quando tais manifestações ocorrem, parece ter havido falha nesse tempo determinado, relacionado à produção especificamente motora dos articuladores. 2. As vogais são mais longas para pacientes apráxicos (exceto talvez em palavras monossilábicas). As consoantes, apesar de aparecerem em um grupo menor de estudos, também parecem ser mais lentas no grupo apráxico. 3. Pode ocorrer um aumento dos intersegmentos e das durações da transição entre as sílabas. 4. O aumento da duração das vogais e das consoantes, associado ao aumento dos intersegmentos e das durações da transição entre as sílabas, é consistente com a ideia de que na apraxia de fala a velocidade é reduzida. Como essa lentidão não altera a significação, é muito difícil relacioná-la a níveis fonológicos e morfológicos de desregulação do sistema motor e seriam, portanto, eminentemente práxicos. 5. Com relação à prosódia de fala, na apraxia podemos esperar erros na marcação da sílaba tônica ou neutralização desta. Quanto aos erros produzidos na fala, a inconsistência na localização do erro, a variabilidade do tipo de erro ou a melhora após tentativas sucessivas para alcançar o alvo fonêmico ou fonético foram descritos como característica de apraxia de fala (similar à descrição das parafasias fonêmicas que aparecem na afasia de condução). No entanto, devemos observar de maneira mais detalhada e meticulosa tais características. A variabilidade do erro parece bem mais consistente com parafasias fonêmicas. Pacientes com parafasias fonêmicas produzem mais tentativas e starters (um som inicial audível, sílaba ou palavra caracterizada por uma suave transição até o final, sem pausas ou rupturas) e alcançam mais o alvo com eles. Ainda, produzem mais tentativas e starters no nível da palavra do que no nível do som, ao passo que pacientes com apraxia fazem tentativas e starters no nível do som, e não no da palavra. Os dois grupos produzem aproximadamente a mesma proporção de tentativas no plano da sílaba. Em resumo, os indivíduos que apresentam parafasia fonêmica manifestam menor consistência no lugar de seus erros em sucessivas tentativas da mesma produção do que indivíduos com apraxia de fala. Ainda, apresentam maior variabilidade quanto ao tipo de erro do que os com apraxia de fala e apresentam uma tendência de aproximação ao alvo em produções sucessivas. O estudo da apraxia de fala ganhou enorme impulso na última década, não apenas pelo aparecimento dos modelos de processamento de fala, mas, essencialmente, pela descrição de sua ocorrência nas síndromes neurogenerativas, sobretudo na afasia progressiva primária (Wilson et al., 2010), na apraxia progressiva primária (Du�y & Josephs, 2012) e, mais recentemente, na demência por doença de Alzheimer (Cera, Ortiz, Bertolucci, & Mine�, 2013). Amplamente descrita como comorbidade nas afasias pós-AVC, o estudo recente da apraxia de fala nas doenças neurogenerativas impulsionou mais estudos na área. Mesmo com a incansável tentativa de separar de modo seguro as alterações práxicas das linguísticas nos diferentes quadros, há um debate atual acerca dos transtornos fonéticos e fonológicos. Isso porque, apesar do aparente consenso em se considerarem alterações fonológicas como relativas à linguagem e as fonéticas relacionadas à praxia, diversos autores destacam que, mesmo que a manifestação pareça ser fonológica, deve haver comprometimento motor, ou seja, deve existir um envolvimentoarticulatório (Bose & Lieshout, 2008; Galluzzi, Bureca, Guariglia, & Romani, 2015). Considerações finais Observou-se, neste capítulo, que, conforme descrito por McNeil et al. (2009), da maior parte das características descritas inicialmente como sendo da apraxia de fala, apenas três realmente são relativas exclusivamente a essa síndrome: dificuldades para iniciar a fala, intrusão de um intervalo e alteração de prosódia. Onze características podem estar relacionadas tanto à apraxia de fala quanto às parafasias fonêmicas. Manifestações como antecipação, reiteração e metátese somente podem ser causadas no nível da codificação fonológica e pertencem exclusivamente às parafasias fonêmicas. Os erros que são altamente inconsistentes são, em sua maioria, gerados por parafasias fonêmicas. Este capítulo ilustrou as alterações de fala em uma perspectiva moderna, considerando-se os modelos de processamento de fala, as alterações presentes nos diferentes quadros e síndromes e, especialmente, a complexa relação entre o processamento de linguagem – sobretudo o de codificação fonológica e a produção da fala. Intencionou-se destacar, com a explicação desses modelos, o quanto os processamentos de fala e linguagem estão relacionados e quão complexo é o diagnóstico diferencial entre as alterações eminentemente motoras de fala (práxicas) das de linguagem, em seus diversos níveis de processamento. Referências Bose, A., Lieshout, P. V. (2008). E�ects of u�erance length on lip kinematics in aphasia. Brain and Language, 106, 4-14. Cera, M. L., Ortiz, K. Z., Bertolucci, P. H. F., & Mine�, T. S. C. (2013). Speech and orofacial apraxias in Alzheimer’s disease. 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AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA DAS AFASIAS Denise Ren da Fontoura Jaqueline de Carvalho Rodrigues Jerusa Fumagalli de Salles Introdução Na avaliação neuropsicolinguística, os testes (instrumentos padronizados) consistem nas principais ferramentas de mensuração dos déficits cognitivos provocados por lesões ou disfunções cerebrais. Contudo, há uma escassez de instrumentos normatizados para a população brasileira. Ainda, os testes, muitas vezes, consistem em tarefas que devem ser respondidas verbalmente, sendo difícil a obtenção das respostas verbais dos pacientes com afasia, principalmente do tipo expressiva. O objetivo deste capítulo é apresentar instrumentos e tarefas adaptadas e construídas no Brasil e internacionalmente para avaliar o perfil neuropsicolinguístico de adultos com afasia. Não se pretende, com este capítulo, esgotar todos os testes existentes, mas, sim, orientar o neuropsicólogo que pretende avaliar seu paciente, a fim de nortear o trabalho de reabilitação. Avaliação das afasias A afasia manifesta-se na perda ou na deficiência da linguagem expressiva e/ou receptiva provocada por um dano cerebral, geralmente no hemisfério esquerdo do cérebro (Berthier, 2005; Hillis, 2007). Conforme já discutido no Capítulo 2 deste livro, pode-se verificar que é impossível separar as funções linguísticas das demais funções neuropsicológicas no que se refere à ativação cerebral e demandas cognitivas. Assim, a avaliação e a reabilitação de pacientes com acometimento neurológico e consequente alteração de linguagem deve levar em consideração as funções cognitivas em geral. Sabe- se, no entanto, que há uma escassez de instrumentos neuropsicolinguísticos próprios para avaliar indivíduos afásicos tendo em conta também essas funções. Instrumentos para o diagnóstico das afasias Com relação à avaliação das habilidades linguísticas, existem diversas baterias para aplicação em afásicos, variando em sua complexidade e tamanho (tempo de aplicação). Entre os testes internacionais, podem citar- se os seguintes: Bedside Evaluation Screening Test (West, Sands & Ross- Swain, 1998); Boston Assessment of Severe Aphasia (Helm-Estabrooks, Ramsberger, Moyan, & Nicholas, 1989); Boston Diagnostic Aphasia Examination (Goodglass, Kaplan, & Weintraub, 1983); Aphasia Diagnostic Pro�les (Helm-Estabrooks, 1992); Minnesota Test for Di�erential Diagnosis of Aphasia (MTDDA) (Schuell, 1973); Porch Index of Communicative Ability (PICA) (Porch, 1967); Western Aphasia Ba�ery (WAB) (Kertesz, 1982); Token Test (Fontanari, 1989; Moreira et al., 2011); Boston Naming Test (Kaplan & Goodglass, 1983); Narrative Story Cards (Helm-Estabrooks & Nicholas, 2003), entre outros. Esses instrumentossão utilizados, principalmente, para contribuir com o diagnóstico do tipo de afasia, tendo alguns já sido adaptados para o português brasileiro, conforme será descrito. No Brasil, entre os instrumentos utilizados para avaliação específica da linguagem e comunicação, encontram-se disponíveis os seguintes: o Teste de Boston para Diagnóstico das Afasias (Bonini, 2010; Goodglass et al., 1983; Radanovic, Mansur, & Sca�, 2004), a Bateria Montreal Toulouse de Avaliação da Linguagem (Parente et al., 2016), o Teste de Nomeação de Boston (Mansur, Radanovic, Araújo, Taquemori, & Greco, 2006), o Token Test (Moreira et al., 2011) e a Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação (Fonseca, Parente, Côté, & Joane�e, 2008). Os três primeiros testes citados consistem em baterias com tarefas de compreensão e expressão da linguagem, a fim de auxiliar no diagnóstico do tipo de afasia. O Teste de Nomeação de Boston avalia as habilidades lexicais apenas no nível da palavra, no qual o paciente deve nomear figuras de animais, objetos, ferramentas, etc. O Token Test tem como objetivo avaliar a compreensão da linguagem no nível da sentença, variando a complexidade das instruções. Já a Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação tem como objetivo avaliar o processamento linguístico do hemisfério direito do cérebro, com tarefas que medem a compreensão de metáforas e linguagem indireta, discurso (conversacional e narrativo), fluência verbal, entre outras. Aspectos pragmáticos e qualitativos da linguagem podem ser avaliados com o Questionário de Habilidades Funcionais de Comunicação (Functional Assessment of Communication Skills for Adults – ASHA- Facs) (Fra�ali, Thompson, Holland, Wohl, & Ferketic, 1995; Garcia & Mansur, 2006). Outros instrumentos no idioma português podem ser encontrados em Portugal, tais como a Bateria de Avaliação da Afasia de Lisboa (BAAL) (Castro Caldas, 1979) e as Provas de Avaliação da Linguagem e da Afasia (PALPA-P) (Castro, Caló, & Gomes, 2007). A última conta com 60 provas psicolinguísticas que avaliam, por exemplo, a nomeação de imagens, a discriminação auditiva, a repetição e a compreensão de palavras e de frases, a amplitude de memória, o conhecimento das letras/grafemas, a consciência fonológica, a leitura em voz alta e a escrita por ditado. Em Portugal, também é utilizada a Bateria de Avaliação Psicolinguística das Afasias e de outras Perturbações da Linguagem para a População Portuguesa (PAL-PORT) (Festas et al., 2006). Esta avalia os níveis lexical (fonêmico e semântico), morfológico e sintático nas variantes escrita e auditiva do código linguístico, em tarefas de compreensão e de produção. Além disso, verifica o processamento discursivo e prosódico, contribuindo tanto para o diagnóstico afásico quanto para obter o perfil linguístico dos pacientes. O estudo de revisão de Fontoura, Rodrigues, Carneiro, Monção e Salles (2012) identificou diversos instrumentos nacionais e internacionais para avaliar as funções linguísticas e contribuir com o diagnóstico dos pacientes com suspeita de afasia. Esses instrumentos, divididos de acordo com os componentes linguísticos mensurados, e alguns dos estudos que os utilizaram são descritos no Quadro 4.1. Quadro 4.1. Instrumentos de avaliação da linguagem dos pacientes com afasia Instrumentos e seus focos primários de avaliação Referências Múltiplas habilidades de linguagem Western Aphasia Ba�ery (Breier, Randle, Maher, & Papanicolaou, 2010; Breier et al., 2009; Cherney, 2010a; Cherney, 2010b; Cherney & Halper, 2008; Cherney, Halper, Holland, & Cole, 2008; Cherney, Halper, & Kaye, 2011; Faroqi-Shah, 2008; Fridriksson et al., 2009; Hashimoto & Frome, 2011; Kiran, 2008; Kendall et al., 2008; Rider, Wright, Marshall, & Page, 2008; Parkinson, Raymer, Chang, Fitzgerald, & Crosson, 2009; Thompson, Shapiro, Kiran, & Sobecks, 2010) Instrumentos e seus focos primários de avaliação Referências Boston Diagnostic Aphasia Examination (Faroqi-Shah, 2008; Rochon, Laird, Bose, & Scofield, 2005; Rochon et al., 2010) Aachen Aphasia Test (Stadie et al., 2008; Straube, Schulz, Geipel, Mentzel, & Miltner, 2008; Meinzer et al., 2008; Ruiter, Kolk, & Rietveld, 2010) BADA: Ba�ery for the Analysis of Aphasic Disorders (Marangolo et al., 2010; Vitali et al., 2007) Aphasia Diagnostic Pro�les (Murray & Ray, 2001) Boston Diagnostic Aphasia Examination- Short Form (Koul, Corwin, & Hayes, 2005) Frenchay Aphasia Screening Test (Bakheit, Shaw, Carrington, & Gri�iths, 2007) Montreal- Toulouse 86 (Marco�e & Ansaldo, 2010) Beta Psycholinguistic Assessment of Language Processing in Aphasia (Biedermann & Nickels, 2008; Adrián, González, Buiza, & Sage, 2011; Hashimoto & Frome, 2011; McCann & Doleman, 2011; Rochon et al., 2010) Test Barcelona (Adrián et al., 2011) Habilidades semânticas e lexicais Boston Naming Test (Breier et al., 2009; Crosson et al., 2007; Fridriksson et al., 2009; Hashimoto & Frome, 2011; Kiran, 2008; Kendall et al., 2008; Parkinson et al., 2009; Rider et al., 2008; Rochon et al., 2010) Pyramids and Palm Trees Test (Beek, Maxim, Best & Cooper, 2011; Biedermann & Nickels, 2008; Hashimoto & Frome, 2011; Kiran, 2008; Lorenz & Ziegler, 2009; Rochon et al., 2010) Object and Action Naming Ba�ery (Beek et al., 2011; Faroqi-Shah, 2008; McCann & Doleman, 2011) Philadelphia Naming Test (Rochon et al., 2010) Action Naming Test (Parkinson et al., 2009) Action/Object Naming Test (Linebarger, McCall, Virata, & Berndt, 2007) Associative Match Task (Lorenz & Ziegler, 2009) Birmingham Object Recognition Ba�ery (BORB) (Rochon et al., 2010) Noun-Verb Naming Test (Weinrich, Boser, McCall, & Bishop, 2001) Test of Adolescent and Adult Word- Finding (Murray & Ray, 2001) Controlled Word Association Test (Kendall et al., 2008) Florida Semantics (Crosson et al., 2005) Ba�ery Habilidades fonológicas e lexicais Comprehensive Test of Phonological Processing (Kendall et al., 2008) Instrumentos e seus focos primários de avaliação Referências Compreensão da linguagem oral Philadelphia Comprehension Ba�ery (Linebarger et al., 2007; Rochon et al., 2005) Comprehensive Aphasia Test (Biedermann & Nickels, 2008; Beek et al., 2011; McCann & Doleman, 2011) Comprehension Ba�ery (Dickey & Thompson, 2004) Sentence Comprehension Test (Thompson et al., 2010) Token Test (Marangolo et al., 2010) Compreensão da leitura Reading Comprehension Ba�ery for Aphasia (Cherney, 2010a; Rider et al., 2008) Habilidades semântico-sintáticas Northwestern University Sentence Comprehension Ba�ery (Dickey & Thompson, 2004) Northwestern Verb Production Ba�ery (Thompson, Shapiro, Kiran, & Sobecks, 2003) Northwestern Assessment of Verbs and Sentences (Thompson et al., 2010) Sentence Production Test (Thompson et al., 2010; Rochon et al., 2005) Verb and Sentence Test (Beek et al., 2011; McCann & Doleman, 2011) Verb Inflection Test (Faroqi-Shah, 2008) Habilidades discursivas Narrative Story Cards (Faroqi-Shah, 2008) Habilidades pragmáticas de comunicação Communication Abilities of Daily Living (Cherney & Halper, 2008; Cherney et al., 2008) Quality of Communication Live Scale (Cherney & Halper, 2008; Cherney et al., 2008) ASHA Functional Assessment of Communication Skills (Murray & Ray, 2001) Communicative E�ectiveness Index (Cherney & Halper, 2008) Communicative Intellectual Awareness Questionnaire (Ruiter et al., 2010) No estudo de revisão de Fontoura et al. (2012), constatou-se que os instrumentos de avaliação mais utilizados foram Western Aphasia Ba�ery (WAB) (Kertesz, 1982), Boston Naming Test (BNT) (Kaplan & Goodglass, 1983) e Boston Diagnostic Aphasia Examination (BDAE) (Goodglass et al., 1983), destacados também por pesquisadores brasileiros (Mansur & Radanovic, 2004). Esses instrumentos avaliam diferentes domínios, como expressão e compreensão, além de permitir o diagnóstico sindrômico para classificação do tipo de afasia. O BDAE é um instrumento constantemente revisado, utilizadoem pesquisas de neurolinguística e que avalia amplas habilidades clínicas, bem como o WAB. O BNT é normatizado para diversos idiomas, além de ser um teste objetivo e de rápida aplicação. De acordo com o estudo de revisão de Fontoura et al. (2012), além dos instrumentos citados no Quadro 4.1, pesquisas utilizaram diversas tarefas construídas para descrever o perfil linguístico dos pacientes. Estas tinham como objetivo analisar a linguagem narrativa (Cherney, 2010a; Weinrich et al., 2001; Faroqi-Shah, 2008; Linebarger et al., 2007), a nomeação de figuras (Lorenz & Ziegler, 2009; Crosson et al., 2007), a repetição de palavras e não palavras (Lorenz & Ziegler, 2009) e a leitura de palavras (Lorenz & Ziegler, 2009; Cherney & Small, 2006). Ainda, alguns estudos aplicaram tarefas de escrita (Cherney & Small, 2006), de relacionar figura e sentença (Ballard & Thompson, 1999), de descrição de figura, de análise de conversação espontânea, de produção de sentenças (Rochon et al., 2005) e de decisão lexical (Lorenz & Ziegler, 2009). Ressalte-se que cada estudo utilizou mais de um instrumento e/ou tarefa para a descrição dos pacientes, reforçando a necessidade de avaliar amplas habilidades linguísticas para um adequado diagnóstico e plano de tratamento. Na pesquisa de Fontoura et al. (2012), buscou-se também verificar como os estudos analisam a melhora das habilidades linguísticas dos pacientes, com base nas técnicas de reabilitação aplicadas. Para avaliar as habilidades semânticas, uma pesquisa utilizou como medida o número de itens evocados na tarefa de fluência verbal por categoria semântica (Best, Shröder, & Herbert, 2006). Para identificar a melhora no léxico, a maioria dos artigos utilizou o método de contagem do número de itens nomeados corretamente nas tarefas de nomeação de figuras (objetos e verbos) (Best, Schröder, & Herbert, 2006; Crosson et al., 2005; Crosson et al., 2007; Fridriksson et al., 2009; Kiran, 2008; Meinzer et al., 2008; Parkinson et al., 2009; Lorenz & Ziegler, 2009; Marco�e & Ansaldo, 2010; Biedermann & Nickels, 2008; Vitali et al., 2007). As habilidades fonológica e lexical da linguagem oral foram avaliadas por meio da contagem de sílabas corretas por frase falada (Schlaug et al., 2009), sílabas evocadas melodicamente (Kim & Tomaino, 2008) e a identificação de rimas entre palavras (Léger et al., 2002). A habilidade de repetição foi também investigada ao identificar o número de palavras repetidas corretamente (Faroqi-Shah, 2008; Straube et al., 2008) e o número de palavras repetidas corretamente de maneira melódica (Straube et al., 2008). Para avaliação das habilidades sintáticas, as seguintes tarefas foram utilizadas: identificação da frase que corresponde à figura apresentada (Weinrich et al., 2001), flexões verbais corretas em sentenças (Faroqi-Shah, 2008), frases produzidas corretamente de maneira falada e de maneira melódica (Straube et al, 2008), identificação de erro gramatical na frase (Dickey & Thompson, 2004), produção de sentenças com diferentes graus de complexidade por meio de comunicação alternativa (Koul et al., 2005), produção de sentenças evocadas verbalmente ao visualizar uma imagem (Weinrich et al., 1999) e tarefa de completar sentenças (Weinrich et al., 1999). Diversos métodos foram utilizados para verificar a melhora no discurso dos pacientes, sendo os mais empregados a análise quantitativa de palavras evocadas em um enunciado (Rochon et al., 2005; Murray & Ray, 2001; Cherney et al., 2008; Cherney, 2010b; Ballard & Thompson, 1999) e a identificação de unidades de informações corretas por minuto (CIUs) no discurso narrativo (Breier et al., 2009; Breier et al., 2010; Cherney et al., 2008; Cherney, 2010a; Cherney & Small, 2006; Ballard & Thompson, 1999; Murray & Ray, 2001) e no discurso conversacional (Schlaug, Marchina, & Norton, 2009). Para análise do discurso narrativo, foi realizada também a verificação da complexidade gramatical (Murray & Ray, 2001; Cherney et al., 2008; Ballard & Thompson, 1999) e a análise do comprimento médio dos enunciados (MLUs; Murray & Ray, 2001). Para avaliar as habilidades discursivas, alguns estudos utilizaram a descrição correta de uma figura complexa como medida (Cherney, 2010b; Weinrich et al., 2001; Schlaug et al., 2009). Ainda, foram realizadas análises da produção quantitativa do discurso narrativo livre e por comunicação alternativa e no número de palavras no discurso conversacional (Murray & Ray, 2001). Em síntese, a avaliação das habilidades linguísticas dos pacientes deve ser realizada de maneira minuciosa, considerando o nível do fonema/grafema, do léxico, da sintaxe e do discurso. Para tanto, essa avaliação deve ser realizada com baterias e tarefas de compreensão e expressão da linguagem. Assim, podem-se compreender as habilidades e dificuldades de cada caso, a fim de contribuir com o melhor tratamento e buscar a independência funcional. Instrumentos para avaliação de demais funções neuropsicológicas nas afasias Internacionalmente, alguns instrumentos foram elaborados para avaliação das funções neuropsicolinguísticas especificamente de afásicos, como o Global Aphasic Neuropsychological Ba�ery (GANBA) (Van Mourik, Verschaeve, Boon, Paquier, & Van Harskamp, 1992), o Cognitive Linguistic Quick-Test (Helm-Estabrooks, 2001) e o Aphasia Check List (ACL) (Kalbe, Reinhold, Brand, Markowitsch, & Kessler, 2005). Uma vez que muitos pacientes com afasia têm dificuldades de responder à avaliação verbalmente, esses instrumentos contêm questões de múltipla escolha ou facilitam as alternativas de respostas para compensar a limitação da linguagem. Contudo, esses instrumentos não estão adaptados à língua portuguesa europeia ou brasileira. Vale destacar, portanto, que a maioria dos testes neuropsicológicos dependem das habilidades linguísticas, sendo de difícil interpretação nesses casos. Helm-Estabrooks e Albert (2004) argumentaram que o Mini-Mental State Examination (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975), amplamente utilizado para avaliar o perfil cognitivo global, apresenta pouca validade para afásicos, visto que o paciente pode estar completamente orientado no tempo e espaço, porém, pode não ser capaz de verbalizar ou escrever o dia ou o local em que está, em função de alterações linguísticas. Em contrapartida, os mesmos autores sugerem que o teste de Matrizes Coloridas de Raven (Raven’s Coloured Progressive Matrices, Raven, 1995), teste psicológico de avaliação de inteligência não verbal, pode ser utilizado nesses pacientes, uma vez que não é dependente da linguagem para obter suas respostas. Contudo, esse teste foi construído apenas para avaliar o raciocínio visual, não sendo passível de amplas interpretações neuropsicológicas. A avaliação da atenção de pacientes com afasia pode ser realizada com o subteste Span Espacial do Wechsler Memory Scale – Third Edition (WMS-III) (Wechsler, 1997), o subteste de Cancelamento de Símbolos e o Trail Making Test do Cognitive Linguístic Quick Test (CLQT) (Helm-Estabrooks, 2001). A avaliação da memória visual pode ser realizada com a tarefa de figuras do Wechsler Memory Scale-Revised (Wechsler, 1974) e o subteste de memória visual do Cognitive Linguistic Quick Test (CLQT) (Helm-Estabrooks, 2001). Helm-Estabrooks e Albert (2004) sugeriram que a avaliação das funções executivas dos pacientes afásicos fosse feita com os subtestes de geração de desenhos e de resolução de labirinto do Cognitive Linguistic Quick Test (Helm-Estabrooks, 2001). Algumas pesquisas brasileiras que procuraram investigar as funções cognitivas em pacientes afásicos utilizaram testes variados, muitos ainda não validados no Brasil, necessitando, portanto, de grupos controle para adequada interpretação dos resultados. Podem citar-se as pesquisas de Bonini (2010) e de Silva (2009), que procuraram investigar outras funções cognitivas para além da linguagem na afasia. Bonini (2010) utilizou os seguintes instrumentos paraavaliação neuropsicolinguística dos pacientes: Protocolo de Praxias Gestuais (TBDA), Fluência Verbal Semântica (animais) e Fonológica (FAS), Teste de Trilhas A e B, Teste de Cancelamento, Aprendizagem de palavras (da Bateria CERAD), Aprendizagem de Figuras (BBRC-Edu), Praxias Construtivas (da Bateria CERAD), Extensão de Dígitos (ED) e Teste do Desenho do Relógio (TDR). Silva (2009) investigou as funções executivas em pacientes afásicos por meio dos seguintes testes: Teste de Trilhas A e B, Teste dos Cinco Pontos, Teste dos Cubos de Corsi e os subtestes Códigos e Procurar Símbolos da Escala WAIS. No Brasil, não há instrumentos neuropsicolinguísticos criados ou adaptados especificamente para avaliar pacientes com restrições importantes na linguagem. Pensando nesse contexto, Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca e Salles (2011) adaptaram o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN (Fonseca, Salles, & Parente, 2009) para avaliar pacientes que apresentam dificuldade na expressão da linguagem, sendo desenvolvido o Instrumento de Avaliação Neuropsicolinguística Breve NEUPSILIN-Af (Fontoura et al., 2011). Este investiga oito funções neuropsicológicas principais, divididas em 32 tarefas, com opções de resposta verbal e motora. São analisados os desempenhos nas tarefas Orientação Temporoespacial (Tempo e Espaço), Atenção (Contagem Inversa e Repetição de Sequência de Dígitos), Percepção (Verificação de Igualdade e Diferenças entre Linhas, Heminegligência Visual, Percepção de Faces, Reconhecimento de Faces), Memória de Trabalho (Ordenamento Inverso de Dígitos e Span Auditivo de Palavras em Sentenças), Memória Verbal (Imediata, Tardia e Reconhecimento), Memória Prospectiva, Memória Semântica de Longo Prazo, Memória Visual de Curto Prazo, Habilidades Aritméticas, Linguagem Oral (Nomeação, Repetição, Linguagem Automática, Compreensão Oral e Processamento de Inferências), Linguagem Escrita (Leitura em Voz Alta, Compreensão Escrita, Escrita Espontânea, Escrita Copiada e Escrita Ditada), Praxias (Ideomotora, Construtiva e Reflexiva) e Funções Executivas (Resolução de Problemas, Fluência Verbal fonológica e semântica). Esse instrumento demonstrou diferenciar pacientes com e sem afasia expressiva, principalmente nas tarefas de linguagem, atenção e memória de trabalho (Fontoura, Rodrigues, Mansur, Monção, & Salles, 2013). Segundo Parente, Salles e Fonseca (2008), entre as baterias completas mais difundidas que verificam funções perceptivas de linguagem, memória, atenção, raciocínio, solução de problemas, entre outros, encontram-se a Bateria de Western (Kertesz, 1982), a Bateria de Luria-Christensen (Romanelli et al., 1999) e a Bateria de Barcelona (Peña-Casanova, 1987). O estudo de revisão de Fontoura et al. (2012) identificou a aplicação de diversos instrumentos neuropsicológicos nas pesquisas com pacientes com afasia. No entanto, muitos são dependentes da linguagem para obter suas respostas, conforme pode ser identificado no Quadro 4.2. Quadro 4.2. Instrumentos de avaliação neuropsicológica, funções avaliadas e estudos que os utilizaram nos pacientes com afasia Instrumento Habilidades cognitivas Referências Raven’s Progressive Ba�ery Inteligência/raciocínio (Adrián et al., 2011; Best et al., 2006; Cherney & Halper, 2008) Apraxia Bathery for Adults 2nd Ed Praxia (Fridriksson et al., 2009; Kiran, 2008) Edinburgh Handedness Inventory Dominância manual (Marco�e & Ansaldo, 2010; Meinzer et al., 2008) Benton Test Memória visual (Straube et al., 2008) Brixton Spatial Anticipation Test Funções executivas (Beek et al., 2011) Cognitive Linguistic Quick Test Screening (Kiran, 2008) Geriatric Depression Scale Depressão (Murray & Ray, 2001) Mini-Mental State Exam Screening (Cherney & Halper, 2008) Montreal Ba�ery of Evaluation of Amusia Amusia (Straube et al., 2008) Stroop Color Word Test Atenção (Ruiter et al., 2010) Test Ba�ery for A�ention Performance Atenção (Straube et al., 2008) Tower of London Test Funções executivas (Ruiter et al., 2010) Wisconsin Card Sorting Test Funções executivas (Ruiter et al., 2010) Informações gerais do paciente Patient Review Instrument (Kim & Tomaino, 2008) Conforme pôde ser identificado no Quadro 4.2, as pesquisas investigaram, principalmente, as habilidades de atenção e funções executivas, que frequentemente se encontram prejudicadas nos pacientes com afasia. No estudo de Fontoura et al. (2012), também foram descritas as seguintes tarefas: fluência verbal, cálculos, pares associados, span de dígitos, apraxia oral e ideomotora (Basso & Caporali, 2004), atenção dividida e negligência visual (Straube et al., 2008). Ressalta-se que cada estudo utilizou mais de um instrumento e/ou tarefa para a descrição dos pacientes. Em síntese, a avaliação neuropsicológica de pacientes com afasia mostra- se desafiadora, uma vez que as tarefas são dependentes da linguagem, tanto para compreender as instruções quanto para expressar as respostas. Portanto, tarefas que apresentem alternativas de resposta, itens visuais e que permitam um maior tempo para responder podem contribuir para obter medidas quantitativas do perfil neuropsicológico de cada caso em particular. Considerações finais Este capítulo apresentou testes e tarefas neuropsicolinguísticas para contribuir com a avaliação do paciente com afasia pré e pós-reabilitação. Conforme apresentado, para medir o efeito da intervenção nos pacientes, muitos estudos utilizaram medidas das habilidades semântica, fonológica, lexical, sintática e a verificação da melhora em aspectos do discurso. É importante, que além de medidas quantitativas dos testes neuropsicolinguísticos (avaliação formal), o clínico obtenha medidas qualitativas do efeito da reabilitação (avaliação funcional), realizadas com entrevistas, gravação de diálogos e observações da comunicação não verbal. Assim, serão identificadas as potencialidades e dificuldades linguísticas do paciente em sua vida diária. Percebe-se uma lacuna importante no que se refere a instrumentos de avaliação neuropsicolinguística, específicos para afásicos, adaptados para a população brasileira, havendo a necessidade de pesquisas para desenvolvê- los. Essa lacuna é maior ainda quando se refere à disponibilização e ao acesso aos instrumentos para uso na clínica. A avaliação neuropsicolinguística é de extrema importância para o adequado diagnóstico do tipo de afasia, para o planejamento do tratamento e para a verificação da eficácia terapêutica da técnica da reabilitação utilizada para cada caso tratado. Referências Adrián, J. A., González, M., Buiza, J. J., Sage, K. (2011). Extending the use of Spanish Computer- assisted Anomia Rehabilitation Program (CARP -2) in people with aphasia. Journal of Communication Disorders, 44, 666-677. Bakheit, A. M. O., Shaw, S., Carrington, S., Gri�iths, S. (2007). The rate and extent of improvement with therapy from the di�erent types of aphasia in the first year a�er stroke. Clinical Rehabilitation, 21, 941-949. Ballard, K. J., & Thompson, C. K. (1999). Treatment and generalization of complex sentence production in agrammatism. Journal of Speech, Language, and Hearing Research, 42(3), 690-707. Basso, A. & Caporali, A. (2004). Targeted intervention for multiple language disorders: A case study. 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AVALIAÇÃO DE HABILIDADES LINGUÍSTICAS E COMUNICATIVAS MAIS RELACIONADAS AO HEMISFÉRIO DIREITO Karina Carlesso Pagliarin Natalie Pereira Rochele Paz Fonseca Introdução Neste capítulo, serão revisadas as principais alterações associadas ao papel do hemisfério direito na linguagem e na comunicação, bem como os principais recursos de avaliação e caracterização diagnóstica de tais dificuldades. O conhecimento das características da afasia, conforme seu conceito mais tradicional, de dificuldades adquiridas em um ou mais componentes da linguagem, vem sendo associado, principalmente, às lesões do hemisfério esquerdo (LHE), em geral, o dominante. Os estudos e a difusão de informação para profissionais da saúde quanto ao diagnóstico, à incidência e à prevalência são consideravelmente mais avançados que as dificuldades de comunicação, que podem ocorrer em casos de lesão de hemisfério direito (LHD) (Tompkins, Fassbinder, Lehman-Blake, & Baumgaertner, 2002). Hemisfério direito versus hemisfério esquerdo na linguagem No fim do século XIX, Broca e Wernicke forampioneiros ao estabelecer a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem, sendo que o conhecimento contemporâneo da neuropsicologia teve origem nessa visão e, oficialmente, por meio dessas descobertas de relações, respectivamente, com expressão da linguagem versus área de Broca (lobo frontal) e compreensão de linguagem versus área de Wernicke (lobo temporal). Destaca-se que, na definição teórica e operacional da época, não se encontravam contempladas habilidades comunicativas mais funcionais de expressão e compreensão discursiva, prosódica, pragmática ou semântica não literal (figurada ou conotativa). O hemisfério esquerdo tem papel fundamental no processamento dos componentes fonológico, semântico, morfológico e sintático da compreensão e da produção verbal, e as áreas que demandam cada uma dessas funções são bem detalhadas na literatura (Ardila, Bernal, & Rosselli, 2016). Além disso, desde a necessidade de identificar as dificuldades e potencialidades de pacientes afásicos, inúmeros instrumentos foram desenvolvidos com o intuito de programar de maneira mais eficiente e detalhada o processo terapêutico, bem como prever de maneira mais específica o prognóstico para esses pacientes. Tais instrumentos e tarefas avaliativos contemplavam, no entanto, aspectos formais e de conteúdo literal da linguagem apenas. No século XX Eisenson (1962) e Critchley (1962), porém, contrariamente à visão predominante na época, identificaram que os pacientes pós-LHD não estavam necessariamente livres de comprometimento da linguagem, embora as dificuldades fossem menos evidentes que àquelas tradicionalmente englobadas no diagnóstico das afasias clássicas. A ideia de que o hemisfério direito poderia estar envolvido em habilidades de comunicação foi considerada audaciosa na época. Entretanto, tais observações foram reforçadas com os estudos de Gazzaniga, Bogen e Sperry (1962) e de Gazzaniga e Sperry (1967), por meio dos dados de pacientes calotomizados (submetidos à neurocirurgia de secção do corpo caloso), em que atribuíram certas habilidades de linguagem ao hemisfério direito, e, principalmente, com o surgimento das técnicas de neuroimagem moderna (Knecht et al., 2000; Springer et al., 1999), associando funções linguísticas e comunicativas à ativação do hemisfério direito. Assim, o reconhecimento do importante papel do hemisfério direito para a comunicação é relativamente recente em comparação à associação clássica entre afasia e hemisfério esquerdo. A ideia de que existem “principais regiões responsáveis pela linguagem” não significa necessariamente que essas áreas cerebrais são as únicas ou, ainda, as primariamente relacionadas a todo o processo complexo envolvido no processamento linguístico (Petrides, Harvey, & Dejerine, 2015). Parece existir evidências de que áreas homólogas às da linguagem em primatas não humanos, apesar de obviamente não serem utilizadas para tal, já teriam apoiado o processamento linguístico à medida que o cérebro humano evoluiu (Petrides et al., 2015). Assim, há indícios suficientes a respeito da participação hemisférica bilateral no processamento da linguagem. Na tentativa de entender os achados clínicos historicamente apontados por Broca, somado à necessidade de encontrar correlatos neuroanatômicos, exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética foram realizados com os dois casos clássicos dos pacientes de Broca. Os autores foram capazes de identificar extensas e massivas lesões corticais e subcorticais no hemisfério esquerdo, em regiões necessárias para a produção da fala e envolvendo muito mais do que só o giro frontal inferior (área de Broca) (Castaigne et al., 1980; Signoret et al., 1984; Cabanis et al., 1994; Dronkers et al., 2007). Assim, os autores questionaram o que é chamado de “zona crítica para o processamento linguístico”, já que as primeiras análises de Broca eram superficiais e com recursos tecnológicos limitados. Salientaram o fato de que um paciente com os mesmos sintomas clínicos, tal como o caso descrito por Broca, provavelmente não apresentaria as mesmas alterações nos exames de imagem. Isso pois as lesões clássicas de Broca (parte posterior do giro frontal inferior) não necessariamente resultam em pacientes com afasia não fluente (Basso et al., 1985; Willmes & Poeck, 1993). Em função das limitações e da heterogeneidade dos achados de neuroimagem e do foco sobre a dominância do hemisfério esquerdo para os componentes linguísticos tradicionalmente estudados na época, quase nenhum investimento foi feito na construção de tarefas clínicas e/ou de instrumentos avaliativos padronizados para englobar o exame de componentes comunicativos funcionais mais ligados ao hemisfério cerebral direito. Assim, o retardo do descobrimento da relevância do hemisfério direito nas habilidades comunicativas deve-se, também, à essa escassez de instrumentos de avaliação apropriados e de estruturas teóricas insuficientes. Faz-se importante salientar que o surgimento dos primeiros instrumentos para avaliação das habilidades prosódicas discursivas surgiram na década de 1980 e é reflexo dos modelos das décadas 1960 e 1970 das teorias pragmática e discursiva (para uma revisão consultar Fonseca et al., 2006; Fonseca, Scherer, Oliveira, & Parente, 2009; Parente, Baradel, Fonseca, Pereira, & Carthery-Goulart, 2014). Atualmente, é consenso na literatura a contribuição do hemisfério direito para a comunicação, o qual atua, principalmente, nos processamentos discursivo, pragmático, léxico-semântico e prosódico (Casarin et al., 2014; Joane�e, Goulet, & Daoust, 1991; Tompkins, 2012; Tompkins, Klepousniotou, & Sco�, 2013), aspectos que serão mais bem detalhados neste capítulo. Entretanto, ainda não está consensual a relação local versus função, ao contrário do conhecimento já consolidado dos correlatos neuroanatômicos das afasias clássicas. Além disso, ainda não há uma única terminologia para designar a população clínica pós-LHD. A mais usual é a chamada “desordem cognitivo-comunicativa” ou “transtorno cognitivo-comunicativo” (Tompkins et al., 2013), ou, ainda, síndrome do hemisfério direito (para uma revisão, consultar Fonseca et al., 2006). Há, felizmente, no entanto, cada vez maiores investimentos em estudos sobre especificidades de regiões cerebrais envolvidas em componentes comunicativos, como o de Barbey, Colom e Grafman (2014), ao avaliarem 145 pacientes pós-traumatismo craniencefálico em tarefas de compreensão discursiva. Os autores identificaram ativação bilateral em áreas não especificamente (ou diretamente) restritas à linguagem, porém, sim com suas conexões cerebrais responsáveis pela integração visual, espacial, motora e executiva, a saber: processamento linguístico (área de broca e giro temporal superior), processamento espacial (córtex parietal superior e inferior), processamento motor (córtex motor primário e somatossensorial), memória de trabalho (córtex pré-frontal dorsolateral, córtex parietal inferior e superior e giro temporal superior). Os autores enfatizaram que a compreensão do discurso pode estar relacionada à habilidade de integração visual, espacial, motora e executiva, por meio de um conjunto circunscrito de conexões corticais bilaterais não relacionadas especificamente à linguagem, mas, sim, à linguagem e suas conexões; além de diversos locais de ativação de substância branca. Processamentos linguísticos com papel mais ativo do hemisfério direito: especialização e cooperação hemisférica Gardner (1977) e Nebes (1978) propuseram a ideia de uma relação cooperativa entre os dois hemisférios, sendo o hemisfério esquerdo mais analítico, e o direito, mais holístico. Essa dicotomia, embora extremamente simplista, demonstra o quanto a efetividade da comunicação requer o trabalho conjunto de ambos os hemisférios, uma vez que as ativações bilaterais são necessárias para habilidades de comunicação precisas e apropriadas. Essa visão implica que todas as partes do cérebro interagem constantemente para realizar qualquer tarefa, independentemente de seu conteúdolinguístico (Belin, Faure, & Mayer, 2008b). Pela complexidade dos processos linguísticos e comunicativos, diferentes regiões são em geral coativadas, envolvendo, então, ora mais ativações esquerdas, ora mais direitas. Estudos com pessoas pós-lesão cerebral unilateral permitiram compreender e caracterizar algumas especializações de cada hemisfério cerebral. Ao contrário das afasias do hemisfério esquerdo, os componentes “tradicionais” da linguagem, como as habilidades sintáticas ou o processamento fonológico e semântico literal ou denotativo, geralmente se mantêm preservados pós- LHD. Pesquisas nas duas últimas décadas mostraram que, em pós-LHD, há uma série de déficits comunicativos que não podem ser adequadamente explicados em termos de deficiência linguística. Vários estudos trouxeram descobertas de que os indivíduos com LHD podem mostrar deficiências como o uso contextual inadequado da linguagem; falta de compreensão de aspectos não literais, como metáfora, humor, sarcasmo e atos de fala indiretos; incapacidade de avaliar a plausibilidade ou incongruência de um evento em determinado contexto; e incapacidade de fazer inferências com base em uma mensagem e, assim, para gerenciar o conteúdo implícito de muitos atos de fala (Côté, Payer, Giroux, & Joane�e, 2007; Fonseca, Fachel, & Parente, 2007; Joane�e et al., 1991; Mone�a & Champagne-Lavau, 2010; Oliveira et al., 2011). Entretanto, tais características não estão presentes em todos os indivíduos com LHD, e os padrões de desempenho podem variar de um indivíduo para outro. A seguir serão detalhados os prejuízos comunicativos que podem estar presentes nesses quadros, que chegaram a ser conhecidos como “síndrome do hemisfério direito” (Fonseca et al., 2006; Myers, 1983). Alterações em componentes prosódicos associadas a lesões no hemisfério direito O hemisfério direito parece estar envolvido no processamento de informações faciais e prosódicas e, principalmente, na capacidade de processar ambos os aspectos ao mesmo tempo (Belin, Faure, & Mayer, 2008a). O processamento da prosódia emocional depende de um mecanismo cognitivo complexo suportado em muitos níveis diferentes no cérebro. Há evidências de que as redes subcorticais, especialmente os gânglios da base e o tálamo, podem estar envolvidas especificamente nesse tipo de déficit prosódico (Blonder et al., 2005; Radanovic & Sca�, 2003). Estudos sugerem que o córtex frontal inferior direito é especializado no reconhecimento da prosódia emocional. Assim, pacientes com LHD podem apresentar aprosódia, uma inabilidade de produzir e/ou compreender prosódia linguística e/ou emocional por meio da entonação linguística de fala (Pell, 1999; Tompkins et al., 2013). Pacientes com aprosódia expressiva podem ser monótonos, como nos casos de disartria, ou, então, podem soar hipermelódicos. Já aqueles que apresentam déficits relacionados à compreensão prosódica revelam dificuldade para julgar emoções na fala do interlocutor (Pell, 2006) ou interpretar informações linguísticas, como perguntas e afirmações, isto é, marcadores sintáticos. Alterações em componentes léxico- semânticos associadas a lesões no hemisfério direito As habilidades léxico-semânticas são com frequência associadas à ativação dos lobos temporal e frontal inferior bilateralmente. Estudos mostram algum grau de especialização hemisférica com maior envolvimento do lado esquerdo nas tarefas que envolvem palavras escritas e produção de fala (Ralph, McClelland, Pa�erson, Galton, & Hodges, 2001; Mion et al., 2010; Rice, Ralph, & Ho�man, 2015; Snowden, Thompson, & Neary, 2004). Pacientes pós-LHE geralmente apresentam maiores déficits na pronunciação semântica em relação aos casos pós-LHD (Robinson, Shallice, Bozzali, & Cipolo�i, 2010; 2012). Estes últimos têm mais dificuldades em entender nuances da linguagem de ordem mais complexa, como ironia, sarcasmo e metáforas (Gagnon, Goulet, Giroux, & Joane�e, 2003; Myers, 1983; Rinaldi, Marangolo, & Baldassarri, 2004; Thompson, Henshall, & Je�eries, 2016; Zaidel, Kasher, Soroker, & Batori, 2002). O córtex pré-frontal (CPF) direito tem sido associado à inibição; o esquerdo, à seleção de palavras, embora seja difícil separar esses construtos experimentalmente (Barbey et al., 2014; Erika-Florence et al., 2014). Ambos os hemisférios atuam na inibição de informações semânticas irrelevantes para o acesso lexical (Thompson et al., 2016). Por fim, faz-se importante salientar a atuação do hemisfério cerebral direito no processamento léxico-semântico, tanto no nível da compreensão como no da expressão. Isto se dá principalmente na identificação ou na explicação do julgamento linguístico de relações concretas e com diferentes ligações abstratas e, até mesmo, metafóricas (Côté et al., 2007). Alterações em componentes discursivos associadas a lesões no hemisfério direito Estudos de neuroimagem em indivíduos saudáveis mostraram que o hemisfério esquerdo sozinho não é suficiente para manter uma compreensão adequada do discurso (Jung-Beeman, 2005). Há ativação bilateral do precuneus, córtex pré-frontal dorsolateral, córtex orbitofrontal, estriado e córtex pré-frontal mediano (Stephens, Silbert, & Hasson, 2010). Assim, observa-se que o hemisfério direito pode comprometer a qualidade do discurso. Indivíduos pós-LHD são descritos como tendo dificuldade em seguir uma conversa, de contar uma história narrativa mesmo quando a memória está preservada globalmente (Tompkins, 2012). A resolução de inferência enquanto ouve uma história é bastante comprometida. O discurso narrativo em adultos pós-LHD pode ser menos informativo; o conteúdo pode ser incoerente e auto-orientado (Lehman-Blake, 2010); a troca de turnos e a manutenção de tópicos podem ser afetadas (Cocks, Hird, & Kirsner, 2007). Em geral, a estrutura do discurso pode estar deficitária, especialmente quando os sujeitos são solicitados a ordenar sequências de imagens e relatar uma história (Chantraine, Joane�e, & Ska, 1998; Marini, Carlomagno, Caltagirone, & Nocentini, 2005). Quanto às maneiras de se avaliar o processamento discursivo, enfatizam-se as tarefas de discurso: descritivo, persuasivo, procedural, expositivo, narrativo e conversacional, com ou sem participação do avaliador (McDonald, Togher, & Code, 2000). O discurso conversacional é frequentemente referido na literatura como o mais complexo entre as modalidades citadas, pois tenta simular a situação de conversa mais natural possível (Leblanc et al., 2014; Matsuoka, Kotani, & Yamasato, 2012; Perkins, Body, & Perkins, 2004; Rousseaux, Vérigneaux, & Kozlowski, 2010). Interpretar texto de maneira on-line exige integração do processamento linguístico e integração das funções executivas (Barbey et al., 2014; Kintsch & Van Dijk, 1978). Organizar a estrutura da história depende de uma sequência lógica (anteriormente apresentada ou não), essa sequência guiará a interpretação e inferências sobre a possibilidade de relação entre as pessoas ou eventos. Já a coesão linguística exige que o indivíduo analise o conteúdo e a proposta da narrativa, a priori, para que possam fazer escolhas de quais recursos linguísticos devem ser utilizados para coordenar o significado por trás da sentença (habilidades executivas que envolvem: objetividade, planejamento, monitoramento e/ou resolução de problemas). Em suma, a conversação é dinâmica e requer que participantes possam aderir a regras subjetivamente impostas, trocar turno de fala, cortar a fala do outro de maneira sutil, iniciar e manter tópicos, recrutar habilidades de teoria da mente (necessidades e perspectivas do outro), flexibilidade cognitiva, entre outras situações (Marini et al., 2011; McDonald et al., 2000; Rousseaux et al., 2010). Alterações em componentes pragmáticos associadas a lesões no hemisfério direito Pragmática é definida como o uso adequado da linguagem, quer para compreender ideias ou para interagir em situações sociais de maneira eficaz. A competência pragmática compreende uma série de habilidades inter- relacionadas que se manifestam em uma sériede comportamentos adaptativos, e é considerada o terceiro componente principal da capacidade de linguagem, além da fonologia, sintaxe e semântica (Gleason & Ratner, 2012). Mostra-se, assim, como um domínio essencial para o sucesso e a eficiência comunicativa, na medida em que a flexibilidade de uso de recursos linguísticos em cada contexto e dependendo do conhecimento do interlocutor é fundamental para que a intencionalidade comunicativa seja transmitida. Pacientes pós-LHD geralmente apresentam habilidades sintáticas e lexicais normais, entretanto, têm dificuldade substancial em gerenciar as interações em sua vida cotidiana (Mone�a & Champagne-Lavau, 2010). A LHD afeta as habilidades pragmáticas e, particularmente, interfere no processamento de atos de fala não literais (Sobhani-Rad, Ghorbani, Ashayeri, Jalaei, & Mahmoodi-Bakhtiari, 2014). As trocas interindividuais são definidas por mais do que o conteúdo e a estrutura da mensagem. Como tal, a pragmática enfatiza o contexto comunicativo (incluindo o ambiente espacial e temporal, mas também o conhecimento pessoal, intenções, emoções, etc.) e como ele contribui para o significado. Alguns indivíduos pós-LHD, especialmente afetando o córtex frontal, também têm dificuldade em entender o humor e reagir fisicamente às emoções, rindo ou sorrindo (Shammi, 1999). Deficiências comórbidas, como depressão, redução da compreensão auditiva ou déficits perceptuais, podem exacerbar problemas de apreciação do humor na população com acometimento do hemisfério direito (Lehman-Blake, 2010). Sendo assim, são importantes o olhar clínico e a condução de avaliações detalhadas do nível pragmático e do humor do indivíduo, uma vez que ambos podem influenciar negativamente sua vida social. Além disso, salienta-se que a pragmática em si envolve todos os demais componentes linguísticos-comunicativos que também podem estar alterados (prosódia, discurso, léxico-semântico). Alterações em componentes de leitura e de escrita associadas a lesões no hemisfério direito O hemisfério direito está envolvido no processamento de formas visuais de letras e palavras, mas também no processamento semântico de palavras (Beeman & Chiarello, 1998). A lesão cerebral no hemisfério direito pode levar a vários tipos de alexia, pertencendo, sobretudo, aos subtipos de alexia periférica. Infelizmente, poucos estudos sistemáticos têm sido realizados acerca desse tópico e os conhecimentos atuais baseiam-se, essencialmente, na observação clínica e em alguns estudos de caso único. Com relação à escrita, as agrafias espaciais são com frequência observadas após a LHD, subsequentes às deficiências perceptuais e executivas do subsistema que afetam a escrita. A agrafia visuoespacial, associada à heminegligência, geralmente leva a distúrbios topográficos: a escrita pode ser espremida à direita da página, com dificuldade de manter uma linha horizontal. Além disso, algumas características importantes podem ser omitidas, como o ponto no “i” ou a linha horizontal no “t”. No tópico a seguir, serão abordadas as principais ferramentas que podem ser utilizadas ou servir de inspiração para construção de tarefas clínicas em busca da avaliação de habilidades linguístico-comunicativas mais relacionadas ao hemisfério direito. Uma ênfase será dada aos recursos disponíveis em português brasileiro para uso na clínica neuropsicológica e na fonoaudiológica. Instrumentos de avaliação de desempenho comunicativo: o viés do papel do hemisfério direito Em comparação às enormes variedade e quantidade de instrumentos existentes no mundo para avaliação das afasias, os protocolos para avaliação de indivíduos pós- LHD ainda são escassos. Na língua inglesa há as baterias: o Burns’ Inventário de Comunicação e Cognição Breve (Burns, 1997); o Mini-Inventário de Lesão Cerebral Direita – Revisado (Pimental & Knight, 2000); e a Avaliação de Problemas de Comunicação na Disfunção do Hemisfério Direito – Revisada do Instituto de Reabilitação de Chicago (Cherney & Halper, 2001). Além disso, o Protocole Montreal d’ Evaluation de la Communication (Joane�e, Coté, & Ska, 2004), originalmente publicado em francês e adaptado para diferentes línguas e países, destaca-se pela proximidade com nossa realidade linguístico-cultural, para o espanhol, o português brasileiro e o português europeu, e atualmente sendo padronizado em inglês. Na Itália há, ainda, a Bateria de Linguagem do Hemisfério Direito – 2 (Bryan, 1994). No entanto, é importante salientar que a maioria desses instrumentos foi publicada há cerca de vinte anos e apresenta limitações psicométricas e teóricas (Tompkins et al., 2013). No Brasil, atualmente, há duas baterias bastante recentes para avaliação da comunicação: Bateria Montreal-Tolouse de Avaliação da Linguagem (Bateria MTL-Brasil) (Nespoulous et al., 1992; Nespoulous, Joane�e, & Lecours, 1986; Parente et al., 2016) e Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação Breve – Bateria MAC B (Casarin et al., 2013; 2014), ambas adaptadas de suas versões originais canadenses e francofônicas. A Bateria MAC (Fonseca, Alice, Pimenta, & Joane�e, 2004; Fonseca, Parente, Côté, Ska, & Joane�e, 2008; Joane�e et al., 2004), que passou a ser denominada versão expandida graças à sua versão abreviada lançada seis anos depois, tem como objetivo avaliar quatro processamentos comunicativos: discursivo, pragmático-inferencial, léxico-semântico e prosódico. A avaliação é realizada por meio de 14 tarefas, com duração de aplicação de até seis sessões de 50 minutos cada: questionário sobre a consciência das dificuldades; discurso conversacional; interpretação de metáforas; evocação lexical livre; prosódia linguística compreensão; prosódia linguística repetição; discurso narrativo; evocação lexical com critério ortográfico; prosódia emocional compreensão; prosódia emocional repetição; interpretação de atos de fala indiretos; evocação lexical com critério semântico; prosódia emocional produção; julgamento semântico. A versão breve desse instrumento (MAC B) tem o mesmo objetivo da bateria expandida, no entanto, contém dez tarefas, sendo que foram inseridas ainda duas tarefas de leitura e escrita. Apresenta duração aproximada de aplicação de 40 minutos. Conta com as seguintes tarefas: questionário sobre a consciência das dificuldades; discurso conversacional; interpretação de metáforas; fluência verbal livre; prosódia emocional (produção); julgamento semântico; discurso narrativo; interpretação de atos de fala; leitura e compreensão de texto; escrita (ditado de uma frase e assinatura). Tarefas mais ecológicas também podem ser sugeridas para avaliar déficits em casos de LHD em ambientes de linguagem natural, por exemplo, a análise do discurso conversacional (Barnes & Armstrong, 2010). Além disso, avaliações mais gerais, como a Escala de Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação (ASHA – FACS) (adaptada por Carvalho & Mansur, 2008) e a Avaliação Funcional da Comunicação em Adultos (Fra�ali, 1998), podem auxiliar em medidas mais funcionais. Ainda, questionários podem ser administrados ao paciente pós-LHD com o intuito de averiguar a consciência dos próprios déficits e da motivação para a intervenção. Tais questionários podem ser comparados àqueles aplicados em famílias ou até mesmo aos pareceres clínicos realizados. A Bateria MAC (Fonseca et al., 2008) e MAC B (Casarin et al., 2014) fornecem esses questionários. Considerações finais O contínuo de saúde-patologia linguística e comunicativa engloba uma ampla gama de sinais e sintomas de alterações fonológicas, morfológicas, semânticas denotativas e conotativas, sintáticas, prosódicas, pragmáticas e/ou discursivas, que, dependendo das combinações de apresentação do transtorno, caracterizam algumas das afasias clássicas ou de quadros menos conhecidos de alterações comunicativas, em geral, mais ligados à cooperação inter-hemisférica ou às especializações do hemisfério cerebral direito. No Brasil, mesmo para a avaliação de sinais e sintomas ligados às afasias clássicas, surpreendentemente, apenas tarefasclínicas (sem padronização específica) e um instrumento padronizado (apenas em termos de aplicação, mas sem normas de desempenho) eram disponibilizados e utilizados informalmente nos contextos clínico, hospitalar e de pesquisa. Nesse sentido, houve uma sincronia do momento histórico-epistemológico da neuropsicologia da linguagem e da fonoaudiologia brasileiras em busca de maior esforço para padronização de instrumentos e de inclusão e atualização dos novos correlatos neurais de linguagem e comunicação. Assim, dois instrumentos encontram-se disponíveis para o exame neuropsicolinguístico de processamentos comunicativos, sobretudo de ativação bilateral cerebral ou de maior especialização hemisférica direita, com normas para adultos e idosos e de diferentes níveis educacionais. A MAC expandida pode ser utilizada desde o primeiro momento no contexto clínico ou pode suceder a MAC B, mais indicada para avaliação de rastreio comunicativo. Por fim, destaca-se que o uso de instrumentos de avaliação linguísticas e comunicativa com padronização de aplicação, pontuação e interpretação são muito úteis para o estabelecimento de diagnósticos e prognósticos mais acurados. Adicionalmente, mostram-se essenciais para complementação da observação e de entrevistas clínicas, que sempre serão soberanas, no acompanhamento de desfechos terapêuticos após intervenções neuropsicológicas e/ou fonoaudiológicas com pacientes pós-LHE, pós-LHD ou lesões cerebrais bilaterais. Um contínuo e maior investimento mostra-se, ainda, necessário para que se tenha um leque maior de recursos avaliativos, bem como de programas de intervenção comunicativa. Referências Ardila, A., Bernal, B., & Rosselli, M. (2016). Área cerebral del lenguaje: una reconsideración funcional. 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Nas dislexias, o quadro pode caracterizar-se por disfunções linguísticas ou de processamento visual no nível de identificação ou decodificação dos símbolos gráficos. Já os distúrbios de escrita podem envolver problemas em domínios, como motricidade fina, coordenação visuomotora e memória tátilo-quinestésica (fase de execução), e também dificuldades de formulação e codificação que antecedem o ato de escrever (fase de planejamento) (Parente et al., 2016). O conhecimento acumulado em pesquisas com indivíduos com e sem lesões cerebrais levou à formulação de modelos cognitivos detalhados que explicam a leitura e escrita de palavras e de que maneira a análise da influência das características psicolinguísticas dos estímulos e dos tipos de erros apresentados pelos pacientes pode informar sobre os quadros de dislexia e disgrafia. Conforme a neuropsicologia cognitiva contemporânea, um dos principais modelos aceitos para explicar o processamento da leitura e escrita de palavras é o modelo de dupla-rota (Marshall & Newcombe, 1973; Coltheart, Rastle, Perry, Langdon, & Ziegler, 2001). Esse modelo propõe que a leitura e a escrita podem ocorrer com mediação fonológica e com acesso direto ao léxico. Na mediação fonológica, ocorre a conversão grafema- fonema na leitura e fonema-grafema na escrita, um tipo de processamento mais lento e custoso que predomina nas fases iniciais de aquisição da leitura e escrita no desenvolvimento típico dessas habilidades (leitura/escrita segmentada). Na leitura e na escrita fluentes, espera-se que grande parte dos estímulos sejam processados por acesso direto ao léxico (rota lexical), ou seja, acessando-se memórias ortográficas no léxico que podem ser ativadas como um bloco cristalizado (leitura/escrita global) (Marshall & Newcombe, 1973; Coltheart et al., 2001). Esses modelos propõem que para palavras de baixa frequência e familiaridade ou para pseudopalavras seja utilizada a rota fonológica e para palavras com alta familiaridade e frequência seja utilizada a rota lexical, sendo que estímulos irregulares (por exemplo, “taxa” e “fluxo”) requerem a rota lexical direta para a leitura e escrita). Tendo esse modelo em mente, é extremamente importante que uma avaliação neuropsicológica leve em conta as características psicolinguísticas dos estímulos, sendo as mais relevantes: regularidade, lexicalidade, frequência e extensão. Ainda, é relevante que os quadros de dislexias e disgrafias sejam analisados em conjunto com outras manifestações linguísticas e cognitivas que podem interagir com eles (Parente, Baradel, Fonseca, Pereira, & Carthery-Goulart, 2014). Além disso, a anamnese deve detalhar os hábitos de leitura e escrita e aspectos educacionais, já que leitura e a escrita dependem de ensino formal e são fortemente afetadas por aspectos sociodemográficos (Pagliarin et al., 2015; Piccolo, Arteche, Fonseca, Grassi-Oliveira, & Salles, 2016). Neste capítulo, discutiremos a avaliação das funções de leitura e da escrita, focalizando instrumentos e métodos de avaliação. Ao final, discutiremos os desafios para a avaliação da leitura e da escrita e a neuropsicologia da linguagem no contexto do uso de novas tecnologias. Princípios gerais da avaliação da leitura e da escrita Para uma avaliação contextualizada da leitura e da escrita, torna-se necessária uma avaliação neuropsicológica abrangente, em que a linguagem e demais domínios cognitivos, sobretudo atenção, memória operacional, processamento visual e praxias, sejam também avaliados, pois frequentemente as dislexias e disgrafias adquiridas estão associadas a outros distúrbios cognitivos ou podem ser uma forma de apresentação desses distúrbios. A versão brasileira da bateria de afasia Montreal Tolouse Language Ba�ery (MTL-B) (Parente et al., 2016), mencionada no Capítulo 4, é um instrumento com normas para nossa população e que avalia diferentes aspectos da linguagem: linguagem automática, compreensão auditiva e escrita, expressão oral e escrita, repetição, fluência verbal semântica e fonológica, nomeação, cálculo, manipulação de objetos, praxias não verbais e habilidades aritméticas. A vantagem trazida por essa bateria é a adequação dos estímulos para nosso meio e para a avaliação de adultos, além de permitir a descrição de faixas de desempenho em função da idade e da escolaridade. Ao aplicar a MTL-B, os profissionais poderão comparar o desempenho dos pacientes em diferentes provas que avaliam a compreensão e a expressão, a fim de qualificar as dificuldades de leitura e situar se esse déficit também acompanha outras desordens de linguagem. Para a avaliação cognitiva e neuropsicológica há muitos instrumentos disponíveis e validados no Brasil. No entanto, grande parte deles é de uso restrito do psicólogo. Uma alternativa tanto para fonoaudiólogos como para psicólogos é o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN, com rastreio abrangente da função de linguagem e também composto por estímulos com características psicolinguísticas controladas (Fonseca et al., 2009). Esse instrumento contém subtestes para avaliação da praxia construtiva e de outros domínios relacionados com a leitura e a escrita. Ainda se tratando de aspectos gerais da avaliação, o exame de leitura e de escrita requer anamnese detalhada a fim de verificar o nível de leitura e escrita pré-mórbidos e o impacto funcional do distúrbio de leitura, o que deve considerar as diversas situações de uso da leitura. O examinador deve investigar histórico de dificuldades de aprendizagem e, em especial as de linguagem, como dislexia do desenvolvimento. Nem sempre o paciente ou informante fornecerá informações precisas sobre esses aspectos, já que o diagnóstico de síndromes e transtornos de aprendizagem, sobretudo no Brasil, é algo que se tornou mais frequente nas últimas duas décadas. No entanto, o examinador pode levantar dados sobre repetência escolar, gosto e uso da leitura em situações ocupacionais e de lazer. A profissão e o nível de escolarização podem dar indicações sobre esses aspectos, mas podem não corresponder ao nível de uso efetivo (Carthery-Goulart et al., 2009). Embora as baterias neuropsicológicas de domínios cognitivos e de linguagem possam já informar sobre a presença de dislexia ou disgrafia adquiridas, há instrumentos específicos para avaliar esses quadros, caracterizando-os e avaliando sua gravidade, como veremos na próxima seção. Avaliação da leitura em uma abordagem cognitiva Como vimos, as baterias para o diagnóstico da afasia podem fornecer uma breve avaliação da leitura. No entanto, instrumentos especializados são necessários para uma avaliação mais precisa que possa subsidiar a reabilitação cognitiva desses quadros. Há carência de instrumentos para avaliação da leitura em adultos no Brasil, isso porque as baterias de avaliação necessitamser delineadas por critérios psicolinguísticos, adaptadas e validadas para a nossa população (Parente et al., 2014). Em várias pesquisas brasileiras, utilizou-se o protocolo desenvolvido para o Human Frontier Science Program, disponibilizado pelos autores de sua versão brasileira (Parente, Hosogi, Delgado, & Lecours, 1992). Rodrigues, Nobre, Gauer, & Salles (2015) elaboraram uma lista de palavras de acordo com critérios psicolinguísticos que foi normatizada para a avaliação de diversos grupos etários. Esse instrumento pode ser utilizado para o diagnóstico de dislexia da perspectiva da neuropsicologia cognitiva. O quarto volume da coleção Anele (Rodrigues, Miná, & Salles, 2018), Tarefa de Leitura de Palavras e Pseudopalavras (TLPP), consiste em um instrumento para avaliação da leitura especialmente desenvolvido para adultos e idosos e com normas para a população brasileira. O diagnóstico das dislexias adquiridas em uma abordagem cognitiva parte, inicialmente, de uma distinção entre processos periféricos (ou relacionados ao processamento visual dos estímulos gráficos) e centrais (aqueles que dizem respeito aos mecanismos linguísticos, isto é, ao funcionamento das rotas fonológica e lexical) (Shallice & Warrington, 1980). Não é nosso objetivo detalhar o modelo de dupla rota e os quadros de dislexia adquirida (para revisão mais detalhada dos modelos e quadros, vide Carthery-Goulart 2017a). Destacamos aqui as características dos instrumentos de avaliação e a forma de análise dos quadros, a fim de que esses distúrbios possam ser diagnosticados e tratados. Concentramo-nos no nível da palavra, uma vez que as intervenções específicas para leitura e escrita, na abordagem da neuropsicologia cognitiva, focalizam esse nível (para revisão, vide Carthery- Goulart 2017b). No entanto, como mencionamos anteriormente, a leitura e a escrita podem estar comprometidas no contexto de um quadro cognitivo mais amplo, com falhas na compreensão e na expressão da escrita nos níveis da sentença ou do discurso e, nesses casos, a avaliação neuropsicológica e de linguagem completas serão fundamentais para a explicação das dificuldades e planejamento da terapia. Para avaliação de leitura, o instrumento deve conter uma lista de estímulos para a leitura em voz alta que permita avaliar os efeitos de lexicalidade (leitura de pseudopalavras versus palavras), frequência, regularidade (leitura de palavras regulares versus irregulares) e extensão (leitura de palavras curtas versus longas). Quando a dislexia é periférica, o déficit manifesta-se igualmente em todos os estímulos. Em geral, a única variável psicolinguística relevante é a extensão, sendo que em alguns quadros haverá possibilidade de ler estímulos mono ou dissilábicos, mas não os mais extensos (por exemplo, alexia pura, em que ocorre leitura letra-por-letra). Já nos quadros centrais, o desempenho será afetado pelo tipo de estímulo. Quatro tipos de dislexias centrais foram descritas: duas associadas a prejuízos na rota lexical (dislexias de superfície e semântica) e duas em que predominam disfunção na rota fonológica (dislexias fonológica e profunda). Quando há disfunção na rota fonológica, os pacientes terão mais dificuldades com pseudopalavras e estímulos extensos. Quando predomina a disfunção da rota lexical, eles terão mais dificuldades com estímulos irregulares, e a leitura de pseudopalavras estará relativamente preservada. Além disso, pacientes com disfunção na rota fonológica terão importante efeito de frequência, ou seja, lerão com maior acuidade as palavras frequentes que as não frequentes. Já os pacientes com disfunção na rota lexical poderão ler palavras não frequentes por conversão grafema-fonema, desde que tenham conversão regular. Assim, o efeito de frequência poderá aparecer apenas nas palavras irregulares, isto é, palavras irregulares menos frequentes serão mais suscetíveis a erros (de regularização, como veremos a seguir). Em suma, na análise do desempenho da leitura em voz alta, devem-se comparar as características psicolinguísticas dos estímulos para analisar efeitos típicos do uso compensatório ou disfunção das rotas de leitura. As principais características são: lexicalidade, regularidade, extensão e frequência, embora outras características possam ser também importantes, como imageabilidade/concretude, complexidade morfológica e classe de palavras, especialmente diante de quadros de disfunção de ambas as rotas (por exemplo, dislexia profunda) e quando se pretende delinear as etapas do plano de reabilitação cognitiva da leitura e os estímulos a serem utilizados para esse fim. Outra análise fundamental é a dos tipos de erros na leitura. Por isso, é importante gravar e transcrever a leitura, já que essa análise complementa o desempenho quantitativo dos acertos nas diferentes variáveis psicolinguísticas. Por exemplo, na dislexia de superfície observamos regularizações (por exemplo, o paciente lê “têsta” em vez de testa, e em alguns casos a leitura pode ser silabada, demonstrando o uso compensatório da rota lexical. Já na dislexia profunda os pacientes não são capazes de ler pseudopalavras e palavras de baixa frequência e apresentam paralexias semânticas (diante da palavra “morango”, o paciente lê “uva”). O Quadro 6.1 resume os efeitos de variáveis e os tipos de erros comumente encontrados nos quadros de dislexia adquirida. Quadro 6.1. Efeitos de variáveis psicolinguísticas e principais tipos de erros nas dislexias adquiridas Dislexias Análise de variáveis psicolinguísticas: estímulos que ocasionam erros Tipos de erros predominantes Periféricas Leitura letra por letra, alexia pura ou alexia sem agrafia Todos os estímulos Estímulos extensos mais mal lidos (leitura de materiais impressos melhor que de letras cursivas) Lê as letras ou soletra antes de pronunciar a palavra Paralexias fonêmicas (omissões, substituições) Dislexia lexical ou de superfície Palavras irregulares Regularizações (<dose> lido como <dô-ze>) Dislexia fonológica Palavras não frequentes, pseudopalavras, palavras extensas Paralexias fonêmicas (substituições, omissões, acréscimos, transposições) Neologismos: muitas paralexias fonêmicas impossibilitando o reconhecimento da palavra-alvo Lexicalizações (<cofer> lido como <comer>) Erros na aplicação de regras de conversão (<asa> lido como <a-ssa> Dislexia profunda Palavras não frequentes, pseudopalavras Paralexias verbais-semânticas (<injeção> lido como <médico> Extração semântica (<bolo> lido como <para comer> Paralexias fonêmicas Lexicalizações Fonte: adaptado de Carthery-Goulart (2017a). Para maior precisão da avaliação, além da leitura em voz alta, provas complementares deverão ser realizadas para o correto planejamento terapêutico, já que a terapia, especialmente na abordagem cognitiva, focalizará o mecanismo comprometido (por exemplo, conversão grafema- fonema) ou mecanismos preservados para realizar a leitura e a escrita sem a participação do componente falho. A seguir estão as mais frequentemente utilizadas. Vale ressaltar que ainda não temos protocolos que contemplem essas provas complementares e que, em geral, tais tarefas são desenvolvidas por meio de hipóteses clínicas, caso a caso (vide Lecours & Parente, 1997 e Carthery-Goulart 2017a para uma revisão). Isso requer do avaliador formação e conhecimento na área de linguagem e cognição. • Tarefa de decisão lexical: avalia o léxico ortográfico de entrada na via lexical. Solicita-se ao paciente julgar se o estímulo é uma palavra ou pseudopalavra. Para garantir a leitura lexical, ao elaborar a tarefa, o examinador deve priorizar palavras irregulares (por exemplo, <sexo> e <bassi>). • Tarefas de emparelhamento palavra-figura, definições e/ou tarefas de julgamento semântico: essas tarefas permitem avaliar o sistema semântico ou acesso a este. • Nomeação oral por confrontação visual: serve para avaliar o léxico fonológico de saída compartilhado na expressão oral e escrita. • Leiturade letras e emparelhamento de formas alográficas correspondentes (por exemplo, A – a) e identificação/correção de sílabas ilegítimas em pseudopalavras (por exemplo, Fihno). Essas provas podem contribuir para avaliação do conhecimento sobre letras, grafemas e sílabas e procedimentos de segmentação empregados na leitura pela rota fonológica e também acessados pelo sistema de análise visual ortográfica. Avaliação da escrita na abordagem da neuropsicologia cognitiva Assim como na leitura, a avaliação dos déficits de escrita tem como objetivo verificar se o quadro de disgrafia é central ou periférico. Distúrbios periféricos de escrita (ou extralinguísticos) incluem déficits na memória operacional (ou bu�er grafêmico), no acesso ou memória de alógrafos (por exemplo, “A”,“a”,“a”) e, ainda, no planejamento e na execução dos movimentos necessários para a realização da escrita. Como vimos para a leitura, as disgrafias centrais podem ser do tipo de superfície (ou lexical), fonológica, semântica e profunda. Já as disgrafias periféricas podem ocorrer por déficit no bu�er grafêmico, por déficit no bu�er alográfico e por déficit na programação e na execução de movimentos de mão (quiroarticulatórios). Quando se solicita que o paciente soletre oralmente, podemos também avaliar o nível de conversão grafema-nome da letra. A Figura 6.1. apresenta os componentes de um modelo cognitivo de escrita, incluindo esses níveis periféricos. Figura 6.1. Representação dos processos do sistema ortográfico. Fonte: adaptada de Miceli & Capasso (2006) e Carthery-Goulart & Parente (2010). A avaliação dos mecanismos centrais de escrita é semelhante à de leitura e envolve avaliar os efeitos de variáveis psicolinguísticas e os tipos de erros. No entanto, vale salientar que os estímulos para a leitura e para a escrita não podem ser exatamente os mesmos. Por exemplo, a palavra “projeto” é irregular para a escrita (poderia ser escrita com /g/), mas não para a leitura. Já a palavra “testa” é irregular para a leitura (poderia ser lida /têsta/ como em “vespa”), mas não para a escrita. Em nosso meio, a avaliação da escrita pode ser feita pela Tarefa de Escrita de Palavras e Pseudopalavras (TEPP) (Rodrigues & Salles, 2013) publicada no terceiro volume da coleção Avaliação Neuropsicológica da Leitura e da Escrita (Anele) (Rodrigues, Miná, & Salles, 2018), construída levando-se em conta essas particularidades. Como vimos para a leitura, também na escrita os quadros periféricos vão se caracterizar por afetar de maneira semelhante todos os estímulos da bateria. O efeito de extensão (melhor desempenho em estímulos curtos que longos), no entanto, é uma característica importante a se observar, especialmente em quadros de disgrafia por disfunção do bu�er grafêmico. Esse nível envolve a retenção temporária de uma sequência de caracteres enquanto os movimentos quiroarticulatórios estão sendo planejados e executados. Como envolve memória operacional, quanto mais longos os estímulos, pior o desempenho do paciente. Erros que afetam níveis periféricos após o bu�er grafêmico dizem respeito à dificuldade dos participantes em converter a informação ortográfica (as letras que compõem as palavras) em movimentos necessários para escrevê-la. Essa sequência complexa, que envolve escolher o tamanho, a forma e o tipo de letra (maiúsculas e minúsculas), não envolve erros linguísticos (nas rotas fonológica ou lexical), mas déficits nos mecanismos de conversão periféricos na escrita de palavras (Rapcsak & Beeson, 2002). A avaliação dos níveis periféricos requer tarefas complementares, como cópia com transposição alográfica (por exemplo, ler uma frase em letra de fôrma e copiá-la em letra cursiva) e soletração. Desafios para avaliação e reabilitação da leitura e da escrita no século XXI Apesar dos parâmetros já estabelecidos para avaliação da leitura e da escrita, alguns desafios interpõem-se na prática clínica, especialmente com o avanço inegável das tecnologias que mudaram radicalmente as formas de comunicação e interação social. Conforme discutido por Ardila (2013), grande parte das síndromes neuropsicológicas foram descritas ao fim do século XIX e começo do século XX, como as afasias, agrafias e alexia, com apresentação e sintomatologia relacionadas aos hábitos de linguagem da época. Diante disso, as estratégias cognitivas utilizadas em tarefas de conversação e escrita, por exemplo, têm incorporado dispositivos móveis, como os celulares e computadores, conectando-nos na era digital. Com relação à escrita, estima-se que 90% dessa atividade tenha sido substituída pela digitação e, conforme discute Ardila (2013), digitar e escrever mobilizam estruturas e funções diferentes, embora sirvam para a mesma finalidade de registrar, por meio de símbolos, ideias e pensamentos. Na escrita manual, as ideias expressam-se por uma codificação gráfica por meio de uma programação central e motora, mobilizando apenas uma das mãos e recebendo feedbacks somatossensoriais e visuais. Já na digitação as letras são escolhidas em um teclado, utilizam-se as duas mãos e a organização espacial das palavras será orquestrada pelo computador. Portanto, digitar não é uma tarefa construtiva como na escrita tradicional, mas envolve uma tarefa espacial-motora que pode engajar estruturas dos dois hemisférios cerebrais, como os lobos frontais, parietais e o corpo caloso. Esses exemplos ilustram a importância de se avaliar a necessidade de ampliação e modificação da forma de avaliação da leitura e da escrita. Espinosa, Pérez, García e Castro (no prelo) descreveram um caso de disgrafia para WhatsApp. O paciente de 26 anos teve um episódio de pseudomigrânia com linfocitose do líquido encefalorraquidiano, cursando com agrafia para conversação no WhatsApp, o que os autores denominaram “Awagrafia”. Após ser admitido em serviço hospitalar de urgência, a avaliação neurológica indicou agrafia e afasia acompanhada por neologismos. Embora o quadro tenha sido transitório, os autores chamaram atenção para o fato de as novas tecnologias estarem interagindo com as funções de linguagem, sendo a dificuldade de escrever ao celular o primeiro indicador de que o paciente não se encontrava bem. Mudanças também estão ocorrendo na oferta de tratamentos para dislexias, por meio dos avanços tecnológicos. Reid, Strnadová e Cumming (2013) sugerem que a tecnologia pode ser empregada para experiências de aprendizagem contextualizadas, compensando os déficits de leitura e escrita. Os autores citam aplicativos e ferramentas que decodificam textos em sons, e vice-versa, corrigem e monitoram falhas de escrita e auxiliam no treino da alça fonológica por meio da game�cação. Apesar de sua revisão enfocar estudantes com dislexias, esse trabalho evidencia a necessidade de trazer esses recursos para reabilitação de quadros adquiridos. Consideramos esse campo profícuo para a pesquisa interdisciplinar e o desenvolvimento, já que ainda há poucos recursos em português. Considerações finais A avaliação da leitura e da escrita na prática clínica deve pautar-se por provas que apresentem estímulos com propriedades psicolinguísticas bem definidas. Além disso, os profissionais poderão conjugar essa avaliação com uma avaliação neuropsicológica e de linguagem mais abrangente, enriquecendo o modo como o planejamento da terapêutica será estabelecido. Em nosso meio, as avaliações padronizadas estão sendo cada vez mais difundidas, graças aos esforços de pesquisas e estudos no âmbito da neuropsicologia cognitiva e da linguagem. É possível que, dado o avanço inegável das tecnologias e ferramentas de comunicação, novas formas de avaliação sejam delineadas. Referências Ardila A. (2013). A New neuropsychology for the XXI century. Archives of Clinical Neuropsychology, 28, 751-762. Carthery-Goulart, M. T. (2017a). Definição, classificação, diagnósticos das dislexias adquiridas. In Salles & Navas, Dislexias do desenvolvimento e adquiridas (Coleção Neuropsicologia na Prática Clínica) (pp. 399-412). São Paulo, SP: Pearson. Carthery-Goulart,M. T. (2017b). Intervenção neuropsicológica e multidisciplinar nas dislexias adquiridas. In J. F. Salles & A. L. Dislexias do desenvolvimento e adquiridas (Coleção Neuropsicologia na Prática Clínica) (pp. 413-426). São Paulo, SP: Pearson. Carthery-Goulart, M. T. (2014). Dislexias e disgrafias adquiridas: avaliação e terapia. In I. Q. Marchesan, H. J. Silva & M. C. Tomé. Tratado das especialidades em fonoaudiologia (pp. 664-672). São Paulo, SP: Roca. Carthery-Goulart, M. T., & Parente, M. A. M. P (2010) Agrafias adquiridas – introdução histórica e classificação. In: K. Z. Ortiz (Ed.), Distúrbios neurológicos adquiridos (2a ed., pp 179-198). Porto Alegre, RS: Artmed. Carthery-Goulart, M. T., Anghinah, R., Areza-Fegyveres, R., Bahia, V. S., Brucki, S. M. D., Damin, A., ... Nitrini, R. (2009). Performance of a Brazilian population on the test of functional health literacy in adults. Revista de Saúde Pública, 43(4), 631-638. Carthery-Goulart, M. T. (2000). Caracterização dos distúrbios de escrita na doença de Alzheimer (Dissertação de mestrado). 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Em revisão sistemática da literatura, Pagliarin, Oliveira, Silva, Calve�e e Fonseca (2013) investigaram os principais instrumentos utilizados para avaliação da linguagem em adultos com quadros neurológicos que comprometem essa habilidade. A busca sistemática ocorreu com artigos publicados entre 2001 e 2011, indexados nas bases Pubmed e Lilacs, e identificou o Token Test como o principal instrumento utilizado para avaliação da compreensão auditiva entre adultos com quadro neurológico. Reconhecido como uma das mais tradicionais tarefas para compreensão da linguagem, o Token Test foi desenvolvido, inicialmente, por De Renzi & Vignolo (1962), caracterizando-se como uma tarefa simples que envolvia o cumprimento de comandos dados pelo examinador, por meio de respostas motoras simples, envolvendo a manipulação de pequenos quadrados e círculos (tokens) que apresentavam cores e tamanhos diferentes. No material exposto, o examinador apresentava instruções verbais ao paciente. Originalmente, a versão de De Renzi do Token Test envolvia 62 comandos realizados consecutivamente e com ordem crescente de complexidade. Versões posteriores, com alterações na quantidade de comandos e cores dos estímulos, foram apresentadas à literatura, cada qual com características particulares. O teste passou a compor diferentes baterias para a avaliação da linguagem, entre elas a Multilingual Aphasia Examination (Benton, Sivan, Hamsher, Varney, & Spreen, 1994) e a Nepsy (Korkman, 1988), além de também ser adotado em estudos multicêntricos de normatização de testes neuropsicológicos para idosos, como na América do Norte (Steinberg, Bieliauskas, Smith, Langello�i, & Ivnik, 2005) e na Europa (Peña-Casanova et al., 2009). McNeil et al. (2015), por exemplo, exploraram as diferenças e semelhanças conceituais e clínicas avaliando as propriedades psicométricas da versão computadorizada auditiva e de três versões computadorizadas de leitura do Token Test: uma versão em que os comandos eram exibidose permaneciam na tela do computador até a resposta do paciente (Token Test Computadorizado – Sentença Completa); outra versão em que as palavras dos comandos eram apresentadas uma por uma e cada palavra sucessiva permanecia na tela do computador (Token Test Computadorizado – Palavra Constante); e uma última versão em que as palavras também eram apresentadas uma por uma, mas cada palavra já apresentada sumia assim que a palavra seguinte era apresentada (Token Test Computadorizado – Palavra Dissipada). Como resultado, apesar da esperada diferença encontrada entre os desempenhos do grupo clínico (pacientes com afasia) do não clínico, os autores também encontraram diferenças entre as versões auditivas e de leitura em ambos os grupos, sendo sugestão deles que tal diferença fosse considerada com ressalvas na prática clínica, dado o valor considerável de erro-padrão da medida apresentado durante as comparações. Entre as diferentes versões do Token Test, a versão reduzida, que continha somente 36 comandos, apresentava a específica vantagem ao minimizar o efeito de cansaço durante a execução do teste, tornando-se uma das versões mais incluídas em baterias maiores de triagem cognitiva. As instruções mais simples e a execução da tarefa não apresentavam de maneira excessiva grande demanda de outros recursos cognitivos, como inteligência e memória operacional. Por envolver tais características, a versão reduzida do Token Test passou a ser bem útil também na avaliação de indivíduos com pouca escolaridade (De Renzi & Faglioni, 1978). A versão reduzida da tarefa foi adaptada ao contexto brasileiro por Fontanari (1989), em um estudo com pacientes afásicos. Posteriormente, versões diferentes do teste foram utilizadas em estudos com indivíduos de diferentes faixas etárias (Macedo, Firmo, Duduchi, & Capovilla, 2007; Malloy-Diniz et al., 2007; Moreira et al., 2011). Este capítulo tem como objetivo apresentar informações sobre o teste no contexto da avaliação de adultos e idosos brasileiros. Para tanto, será apresentada uma revisão de estudos brasileiros sobre o teste, bem como considerações clínicas e sugestões de uso. Na revisão de literatura realizada, optou-se por excluir os estudos de casos isolados publicados com o teste, de modo a facilitar a síntese de informações. Estímulos e aplicação do Token Test Os estímulos dessa versão do Token Test constituem-se em pequenas fichas nas cores amarela, vermelha, verde, preta e branca. As fichas pequenas são confeccionadas com 3 centímetros de aresta (quadrados) ou diâmetro (círculos), e as grandes, com 5 centímetros, seguindo o mesmo modelo. No Brasil, há centros que utilizam as peças confeccionadas em plástico, madeira, EVA ou mesmo impressas em papel. A versão utilizada por Moreira et al. (2011), em seu estudo normativo do teste, envolveu peças de madeira nas proporções supramencionadas. A estrutura dessa versão reduzida do Token Test envolve 20 peças, sendo 10 quadrados e 10 círculos (divisão por forma), 5 pequenos e 5 grandes (divisão por tamanho) em 5 cores – verde, branca, amarela, vermelha e preta (divisão por cores). Assim, cada peça do conjunto apresenta características únicas. Elas são organizadas conforme exposto na Figura 7.1. Diante dessa posição inicial, o examinador apresenta uma série de ordens, de dificuldades crescentes, a serem realizadas no conjunto de peças. O examinador deve estar atento, pois, ao longo das diferentes etapas do teste, ora são utilizados todos os estímulos, ora apenas as peças grandes. Figura 7.1. Estímulos do Token Test e sua disposição sobre a mesa (foto obtida para este capítulo). Embora existam diferentes instruções para o Token Test adaptadas para o Português Brasileiro, Nelson e Galvão apresentam, em nossa análise, a melhor adaptação das instruções originais. Os autores sugeriram o uso da seguinte instrução, adaptada de sua revisão de literatura (Nelson & Galvão, 2010) com base nas instruções originais da tarefa (De Renzi & Faglioni, 1978): Como você pode ver, existem 20 peças aqui. Alguns objetos são quadrados (o examinador rapidamente coloca seu dedo nas duas séries de quadrados), enquanto outros são círculos (ele faz o mesmo). Alguns são grandes, outros são pequenos (ele assim os indica). Existem os vermelhos, pretos, verdes, amarelos e brancos (a cada momento, aponta as peças com a cor nomeada). Agora, eu vou te dizer para tocar uma dessas peças: “Toque um círculo” (De Renzi & Faglioni 1978 apud Nelson & Galvão, 2010). Após as instruções (que terminam com o primeiro item do teste), o examinador apresenta os comandos a serem realizados no estímulo. O teste é dividido em seis etapas distintas, com comandos que se tornam cada vez mais complexos ao aumentarem a quantidade de informações a serem compreendidas pelo sujeito, conforme o protocolo de registro no Anexo 1. Nota-se que, entre as cinco primeiras etapas do teste, a complexidade envolvida se relaciona apenas com a identificação das peças e o aumento do número de comandos a serem realizados. Propriedades psicométricas do Token Test (versão reduzida) na população brasileira Alguns estudos analisaram as propriedades psicométricas da tarefa em adultos e idosos brasileiros. Com relação à sua estrutura interna, um estudo conduzido por de Paula, Bertola, Nicolato, Moraes e Malloy-Diniz (2012) analisou a estrutura de componentes do Token Test em pacientes com demência por doença de Alzheimer, idosos sem comprometimento cognitivo e um grupo misto composto por ambos. Os resultados sugeriram que a versão reduzida do Token Test mensura dois componentes cognitivos, um mais relacionado à atenção simples (itens 1 a 15) e outro propriamente relacionado à compreensão verbal (itens 16 a 36). Esses fatores apresentam propriedades distintas para a caracterização dos transtornos neurocognitivos (de Paula et al., 2013). O teste também se associou a outras medidas cognitivas relacionadas à linguagem, incluindo o Miniexame do Estado Mental (Carvalho, Barreto, Guerra, & Gama, 2009), fluência verbal e memória de trabalho (de Paula et al., 2012). Estudos clínicos brasileiros adotaram o Token Test versão reduzida ou outras de suas versões na avaliação de pacientes com transtornos mentais e doenças neurológicas que acometem a linguagem, incluindo lesões cerebrais e demências. Mansur, Radanovic, Rüegg, Mendonça e Sca� (2002) avaliaram uma amostra heterogênea de pacientes com distúrbios da linguagem e comunicação, na qual 69 pacientes realizaram o Token Test. Radanovic, Azambuja, Mansur, Porto e Sca� (2003) avaliaram o desempenho no Token Test em seis pacientes adultos ou idosos com lesões talâmicas e reportaram dificuldades em quatro deles. Os mesmos autores (Radanovic, Mansur, Azambuja, Porto, & Sca�, 2004) avaliaram, ainda, pacientes com lesões subcorticais, encontrando déficits nas etapas mais complexas do Token Test. Souza, Soncini, Schonwald e Chaves (2005) avaliaram a compreensão da linguagem em pacientes adultos com esquizofrenia e reportaram diferenças significativas na tarefa. De Paula et al. (2010) avaliaram idosos com queixas cognitivas, e reportaram diferenças significativas entre os que apresentavam quadro cognitivo mais brando (clinical dementia rating < 1) quando comparados aos com quadro cognitivo mais grave (clinical dementia rating = 2 ou 3). De Paula et al. (2012; 2013) sugeriram, ainda, déficits mais específicos em pacientes com quadro clínico de demência por doença de Alzheimer em fase inicial e comprometimento cognitivo leve amnéstico, sobretudo no componente relacionado à compressão verbal da tarefa. Resultados semelhantes, utilizando o escore total do teste, são reportados por Mallmann e Doring (٢٠١٨). Azambuja et al. (2012) compararam o desempenho na tarefa entre pacientes com doença de Huntington (n = 23) e controles, encontrando diferenças significativas entre os grupos. Os autores reportaram déficits em quase todas as etapas do teste (à exceção da primeira),quando os pacientes foram comparados a um grupo controle. Fontoura, Rodrigues, Mansur, Fernandes e Salles (2013) investigaram o desempenho de adultos com acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico no hemisfério esquerdo e compararam-nos a um grupo controle, encontrando déficits expressivos na execução da tarefa por parte do grupo clínico. Por fim, Costa et al. (2014) avaliaram idosos com diagnóstico de neurofibromatose tipo-1 e os compararam a um grupo controle, mas não reportaram diferenças significativas entre eles. Influência de variáveis sociodemográficas Moreira et al. (2011) investigaram a influência de variáveis sociodemográficas no desempenho do Token Test versão reduzida. Por meio de correlações, em uma amostra de 120 idosos saudáveis, os autores reportaram associações do teste com a idade e a escolaridade (respondendo por 5 e 21% da variância do teste), mas não com o sexo dos participantes. De Paula et al. (2012) encontraram padrão semelhante de associação quanto à escolaridade, embora com tamanho de efeito maior, em uma amostra de 80 idosos saudáveis (28% da variância do teste), além de encontrar associações do Token Test com sintomas depressivos identificados pela Escala de Depressão Geriátrica (10% de variância do teste). Esses últimos autores, contudo, não encontraram correlações entre o teste e variáveis sociodemográficas em pacientes com demência por doença de Alzheimer em fase inicial. Carvalho et al. (2009), em um estudo populacional, reportaram influência da escolaridade e idade no desempenho do Token Test, mas não do sexo. Em seus resultados, a mediana de desempenho para analfabetos foi de aproximadamente 18 pontos, 26 pontos entre sujeitos com 1 a 4 anos de escolaridade, 29 pontos em sujeitos de 5 a 8 anos de escolaridade e 31 pontos em sujeitos com 9 anos de escolaridade ou mais, ainda que os resultados tenham variado muito, sobretudo nos indivíduos com menos de 5 anos de escolarização formal. Em relação à idade, o desempenho apresentou um padrão de declínio entre as cinco faixas avaliadas, com mediana de aproximadamente 26 pontos em idosos com idade entre 60 e 64 anos, 24 entre os 65 e 69 anos, 23 entre 70 e 74 anos, 20 entre 75 e 70 anos e por volta de 16 pontos em sujeitos com 80 anos ou mais. Pontos de corte e tabelas normativas O estudo de Moreira et al. (2011) apresentou normas populacionais baseadas em um grupo de idosos saudáveis. O estudo foi realizado com base no desempenho de 120 idosos saudáveis (76 mulheres), com média de 71(±7) anos de idade, escolaridade média de 7(±4) anos e com escore médio no Miniexame do Estado Mental de 27(±3) pontos. No estudo proposto, os autores ofereceram uma tabela de conversão dos escores totais do Token Test, primeiro com base na faixa etária do paciente, podendo ser convertido em percentil, escores “T” ou em escores ponderados pela idade (Standardized Score by Age – SSA). Essa última medida foi recomendada pelos autores para a correção da tarefa, dado que ela era expressa em escore padronizado de média 10 e desvio-padrão 3 (semelhante ao de baterias tradicionais, como os subtestes da Escala Wechsler de Inteligência) e podendo ser posteriormente convertido para Escores Ponderados por Idade e Escolaridade (Standardized Score by Age and Education – SSAE). Além desse estudo demográfico, o trabalho de De Paula et al. (2013) apresenta pontos de corte para quadros de transtornos neurocognitivos, como exemplificado na Tabela 7.1. Tabela 7.1. Pontos de corte para o Token Test versão reduzida em estudos brasileiros com pacientes idosos Estudo Grupos Medida Corte ASC Sens. Esp. De Paula et al., (2010) CDR<1 × CDR ≥1 Escore Total 28/29 75% 78% 70% De Paula et al. (2012) Controle × DA Inicial Escore Total 28/29 72% 72% 64% Controle × DA inicial Escore Pond. 9/10 73% 65% 78% De Paula et al. (2013) Controle × DA Inicial Atenção 14/15 68% 87% 49% Controle × DA Inicial Compreensão 13/14 84% 86% 79% CCL × DA Compreensão 13/14 68% 76% 32% Controle × CCL Compreensão 14/15 73% 69% 68% Nota: CDR = Clinical Dementia Rating; DA = demência por Doença de Alzheimer em fase inicial; CCL = comprometimento cognitivo leve amnéstico. A Tabela 7.2 foi construída com base nos participantes avaliados por Moreira et al. (2011) entre os controles saudáveis avaliados por de Paula et al. (2013) e outros adultos mais jovens – participantes sem transtornos psiquiátricos ou doenças neurológicas avaliados posteriormente, totalizando 216 sujeitos. Os resultados apresentaram os percentis associados aos escores de Atenção, Compreensão e total divididos por grupo etário e por nível escolar. Tabela 7.2. Referencial normativo para o Token Test versão reduzida baseado no desempenho de 216 idosos brasileiros cognitivamente saudáveis Grupo Medidas MEEM TT – Atenção TT – Compreensão TT – Total Idade < 75 Escolaridade < 8 Média 25.8 14.3 15.1 29.3 DP 3.4 2.4 2.8 3.9 Pc.5 19 12 10 23 Pc.25 24 13 14 27 Pc.50 27 13 15 30 Pc.75 28 15 17 32 Pc.95 30 15 19 35 Idade < 75 Escolaridade ≥ 8 Média 27.8 14.4 16.5 31.7 DP 2.8 2.6 2.5 2.9 Pc.5 24 13 13 26 Pc.25 27 13 15 30 Pc.50 29 14 15 32 Pc.75 30 15 19 34 Pc.95 30 15 21 36 Idade ≥ 75 Escolaridade < 8 Média 25.1 14.3 14.3 28.6 DP 3.1 2.9 2.2 4 Pc.5 19 11 10 23 Pc.25 23 13 14 26 Pc.50 26 13 15 29 Pc.75 28 15 15 31 Pc.95 30 15 18 36 Idade ≥ 75 Escolaridade ≥ 8 Média 27.5 14.8 16 30.7 DP 2 2.2 2.6 3.2 Pc.5 25 13 13 26 Pc.25 26 13 15 30 Pc.50 28 14 17 32 Pc.75 29 15 18 32 Pc.95 30 15 19 34 Nota: MEEM = Miniexame do Estado Mental; TT = Token Test; DP = Desvio-padrão; Pc = Percentil. Considerações finais Esta breve revisão, embora não exaustiva, apresentou de maneira representativa a importância e a variedade de estudos clínicos brasileiros utilizando o Token Test como um dos principais testes neuropsicológicos de avaliação da compreensão da linguagem. Recomendamos a consideração de alguns fatores ao longo do exame neuropsicológico para a interpretação do Token Test. Como visto anteriormente, variáveis sociodemográficas influenciam significativamente o desempenho no teste. Sendo assim, a interpretação dos resultados deve ser realizada considerando a faixa etária e o nível escolar do sujeito. Além dos fatore sociodemográficos, é fundamental garantir que o paciente não apresente limitações sensoriais (como daltonismo) ou motoras para a realização do teste. Quanto aos fatores cognitivos, recomendamos que o profissional avalie também os spans verbal e visuoespacial da memória de trabalho (utilizando, por exemplo, os testes de Span de Dígitos e Cubos de Corsi) ao longo do exame neuropsicológico. Como a capacidade de manter e manipular informações na memória de trabalho aparentemente influencia a execução do Token Test, considerar o desempenho da memória de trabalho é fundamental para a correta interpretação do teste. Caso o paciente apresente span abaixo ou acima do esperado para sujeitos com as mesmas idade e escolaridade, o clínico deve interpretar os resultados do Token Test como paradigma para o exame da compreensão verbal, com cautela. Análises de natureza qualitativa são importantes para a interpretação do teste. Os pacientes, por vezes, apresentam perseverações, dificuldades de atenção, erros na programação dos movimentos ou outros comportamentos atípicos durante a testagem. Por exemplo, pacientes com lesões frontais ou com processos neurodegenerativos nessa região (como a degeneração frontotemporal), por vezes, não apresentam resultados diferentes no escore total do Token Test, mas apresentam perseverações com maior frequência que os demais pacientes. Por fim, para a correta interpretação do Token Test, é necessário relacionar os resultados obtidos na avaliação com as queixas e déficits ecológicos do paciente. O uso de escalas de atividades de vida diária contendo perguntas sobre as habilidades comunicacionais, as queixas do próprio paciente ou de familiares quanto a erros de compreensão no cotidiano e a percepçãoclínica destas são fundamentais para a contextualização do escore obtido pelo paciente. Os resultados isolados dos testes neuropsicológicos não têm um significado inerente, servindo apenas para o teste de hipóteses clínicas. Referências Azambuja, M. J., Radanovic, M., Haddad, M. S., Adda, C. C., Barbosa, E. R., & Mansur, L. L. (2012). 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ANEXO � – FOLHA DE REGISTRO DO TOKEN TEST – VERSÃO REDUZIDA Nome do paciente:____________________________________ Data de aplicação: _______ Idade: _______ Escolaridade:______________________________________ Sexo:_______ Parte 1 (todas as �chas) 1. Toque um círculo. 2. Toque um quadrado. 3. Toque uma peça amarela. 4. Toque uma vermelha. 5. Toque uma preta. 6. Toque uma verde. 7. Toque uma branca. Parte 2 (somente as �chas grandes) 8. Toque o quadrado amarelo. 9. Toque o círculo preto. 10. Toque o círculo verde. 11. Toque o quadrado branco. Parte 3 (todas as �chas) 12. Toque o círculo branco pequeno. 13. Toque o quadrado amarelo grande. 14. Toque o quadrado verde grande. 15. Toque o círculo preto pequeno. Parte 4 (somente as �chas grandes) 16. Toque o círculo vermelho e o quadrado verde. 17. Toque o quadrado amarelo e o quadrado preto. 18. Toque o quadrado branco e o círculo verde. 19. Toque o círculo branco e o círculo vermelho. Parte 5 (todas as �chas) 20. Toque o círculo branco grande e o quadrado verde pequeno. 21. Toque o círculo preto pequeno e o quadrado amarelo grande. 22. Toque o quadrado verde grande e o quadrado vermelho grande. 23. Toque o quadrado branco grande e o círculo verde pequeno. Parte 6 (somente as �chas grandes) 24. Ponha o círculo vermelho em cima do quadrado verde. 25. Toque o círculo preto com o quadrado vermelho. 26. Toque o círculo preto e o quadrado vermelho. 27. Toque o círculo preto ou o quadrado vermelho. 28. Ponha o quadrado verde longe do quadrado amarelo. 29. Se existir um círculo azul, toque o quadrado vermelho. 30. Ponha o quadrado verde perto do círculo vermelho. 31. Toque os quadrados devagar e os círculos depressa. 32. Ponha o círculo vermelho entre o quadrado amarelo e o quadrado verde. 33. Toque todos os círculos, menos o verde. 34. Toque o círculo vermelho. Não! O quadrado branco. 35. Em vez do quadrado branco, toque o círculo amarelo. 36. Além do círculo amarelo, toque o círculo preto. 8. BATERIA DE AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA SEMÂNTICA:UM ENFOQUE QUALITATIVO NA AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM Laiss Bertola Introdução Neste capítulo, abordaremos a Bateria de Avaliação da Memória Semântica (BAMS), um novo instrumento que visa avaliar a memória semântica de idosos, compreendendo as diferentes facetas que dão acesso a esse domínio cognitivo. Serão abordados os aspectos teóricos e práticos do uso desse instrumento, bem como sua interface com a avaliação da linguagem. O objetivo deste capítulo é utilizar um enfoque linguístico para discorrer sobre os resultados qualitativos apresentados pelos indivíduos na BAMS, permitindo a compreensão de como esses domínios interagem e produzem um desempenho com características qualitativamente distintas nesse instrumento. Essa análise qualitativa permitirá um uso clínico mais refinado do instrumento, visando a uma melhor atuação do profissional que o utilizar em sua prática. Memória semântica Semântica é um termo que aparece com frequência quando estudamos linguagem e memória nas áreas de neurociência cognitiva e neuropsicologia. No entanto, vemos, em alguns momentos, ideias sutilmente diferentes vinculadas ao termo. O termo léxico-semântico, presente com maior frequência nos trabalhos sobre linguagem, refere-se, majoritariamente, aos significados das palavras (Pylkkänen, Brennan, & Bemis, 2011). Memória semântica, presente com maior frequência nos trabalhos sobre memória e conceitos verbais e não verbais, refere-se a um grupo de informações e conhecimentos conceituais armazenados a longo prazo que independem do tempo, do espaço e do evento em que tivemos contato com a informação registrada. Nessa memória, estão guardadas as definições e os significados das palavras, os nomes e os conhecimentos que temos acerca do mundo, desde os mais simples até os mais complexos, sendo, portanto, uma memória influenciada pela cultura em que estamos inseridos (Pa�erson, Nestor, & Rogers, 2007; Tulving, 1972). O termo memória semântica, por definição, engloba o termo léxico- semântico (significado das palavras); porém, a recíproca não é verdadeira. Nos modelos de linguagem, o léxico semântico não carrega consigo a amplitude de armazenamento conceitual da memória semântica. Para essa etapa, nos modelos de linguagem, é utilizado o termo sistema conceitual (Gvion & Friedmann, 2016; Nickels, 2001). No entanto, é visível, nesses modelos, a relação entre esses dois domínios cognitivos que, por vezes, chegam a ser trabalhados conjuntamente, dada a forte relação que estabelecem. É comum vermos, na prática clínica, também as mesmas tarefas cognitivas sendo utilizadas para avaliar os dois domínios cognitivos, tais como as tarefas de fluência verbal e de nomeação (Lezak, Howieson, Bigler, & Tranel, 2012), exigindo do avaliador um cuidado qualitativo na interpretação dos resultados. Essa interpretação qualitativa permite a separação entre possíveis alterações relacionadas mais à memória semântica ou mais a aspectos da linguagem. Essa escolha clínica de instrumentos idênticos é possível, pois os modelos de linguagem, em suas diversas habilidades orais e escritas, têm sempre uma caixa representando o acesso à memória semântica e à continuação dela para as demais partes dos modelos linguísticos (Gvion & Friedmann, 2016; Rapp, 2001). Outra evidência para o uso clínico partilhado dessas tarefas de memória semântica e linguagem é a base de correlação estrutura-função. As ativações de regiões cerebrais em tarefas relacionadas à semântica e à linguagem também são reconhecidamente sobrepostas, em especial nas regiões temporais superiores, mediais, anteriores e ventrais (Dronkers, Ivanova, & Baldo, 2017; Gow, 2012). Um exemplo simples é o uso de tarefas de fluência verbal semântica (evocar palavras de uma categoria específica em determinado tempo) ou de nomeação para avaliar os dois domínios ao mesmo tempo. Ao considerar o modelo cognitivo da nomeação de maneira bastante simplificada, temos o início do processamento nas vias perceptuais (visualizar a imagem), seguido do acesso ao sistema semântico (significado ou conhecimento da imagem vista), que termina com o acesso ao sistema linguístico (saber o nome da imagem) e a produção da fala (Ellis & Young, 1988; Gvion & Friedmann, 2016). Assim, uma simples tarefa de nomeação é capaz de avaliar de fato a etapa semântica e linguística do processo e, portanto, indicar resultados qualitativamente distintos quando a falha cognitiva ocorre em uma das etapas descritas. Vale ressaltar, ainda, que a separação entre as memórias a longo prazo declarativas (episódica e semântica) desempenha um importante papel na prática clínica e na compreensão de diferentes quadros, queixas e impactos cotidianos relacionados a elas. A memória semântica está normalmente associada às queixas envolvendo perda de palavras, dificuldades em encontrar a palavra exata ou substituição de palavras específicas por outras mais gerais (como “coisa” ou “aquilo”) (Pa�erson et al., 2007). Em uma avaliação neuropsicológica do idoso, a distinção e a avaliação correta dessas memórias refina o processo de diagnóstico diferencial entre os quadros que são majoritariamente marcados por déficits episódicos e aqueles que são marcados por déficits semânticos. O cuidado ao avaliar esse domínio de uma maneira mais profunda permitirá a identificação de estágios leves de déficits semânticos que normalmente são confundidos com as outras queixas mnemônicas. Bateria de Avaliação da Memória Semântica (BAMS) A BAMS é um conjunto de sete tarefas delineadas para avaliar a memória semântica, acessando diferentes processos relacionados ao conhecimento conceitual do indivíduo (Bertola & Malloy-Diniz, 2018; Bertola, 2017). A BAMS é uma bateria desenvolvida nacionalmente, visando a uma melhor adequação cultural dos estímulos, considerando o contexto brasileiro, e sua estrutura é similar à de baterias que mensuram o mesmo construto (Adlam, Pa�erson, Bozeat, & Hodges, 2010; Catricalà et al., 2013; Moreno-Martínez & Rodríguez-Rojo, 2015). Essa bateria foi desenvolvida e proposta diante da ausência de instrumentos que permitissem uma avaliação desse domínio cognitivo de maneira mais ampla, evitando o uso de poucas isoladas e que carregam impactos culturais (figuras pouco frequentes) da adaptação para o Brasil (Brucki & Rocha, 2004; Mio�o, Sato, Lucia, Camargo, & Sca�, 2010). A escolha dos itens da BAMS levou em consideração o controle de variáveis confundidoras relacionadas à complexidade visual dos estímulos, à familiaridade, à concordância (Pompéia, Miranda, & Bueno, 2003) e à frequência das palavras no Português Brasileiro (para mais informações psicométricas, consultar Bertola, 2017). No Quadro 8.1 estão descritas brevemente as sete tarefas e suas modalidades de input (entrada) e output (saída) da informação durante sua execução. Foi exposta a forma de input e output de cada tarefa para clarificar o papel mais intenso da linguagem presente nos estímulos e na forma de exposição do construto na resposta do avaliando. Quadro 8.1. Tarefas da BAMS Tarefa Descrição Input Output Fluência verbal semântica Produção de palavras pertencentes a categorias Verbal Verbal Nomeação por definição Nomeação após a definição desse elemento Verbal Verbal Nomeação de figuras Nomeação de figuras em preto-e-branco Visual Verbal Conhecimentos gerais Explicitação de conhecimentos gerais Verbal Verbal Definição de palavras Produção do significado de palavras Verbal Verbal Categorização visual Pareamento de figuras via relação semântica Visual Visual Semelhança verbal Relação semântica entre duas palavras Verbal Verbal A BAMS oferece como escores principais os resultados individuais de cada tarefa e um escore geral semântico. Considerando que os escores correspondem, majoritariamente, à acurácia de desempenho, a intepretação com enfoque linguístico deve ser realizada de maneira qualitativa, de acordo com o tipo de resposta/erro apresentado pelo indivíduo. Para a análise do aspecto linguístico das tarefas da BAMS, é utilizado o modelo representado naFigura 8.1. De acordo com o modelo, para considerar como uma dificuldade de linguagem, deve ser excluída a possibilidade de um déficit no sistema conceitual e no léxico-semântico, pois essas duas etapas constituem o que é denominado memória semântica em amplo conceito, objeto inicial de análise da bateria em estudo neste capítulo. Figura 8.1. Modelo de produção da linguagem contendo as etapas do modelo (caixas com preenchimento) e seus déficits mais frequentes (caixas sem preenchimento). O modelo inicia-se no sistema conceitual (roxo) responsável pelos conhecimentos mais amplos; segue para o léxico- semântico (azul escuro), em que são acessados os rótulos e as definições das palavras; em seguida, acessa o léxico fonológico de saída (vermelho), que contém a representação lexical-fonológica relacionada à forma falada da palavra; a informação segue para o bu�er episódico de saída (verde), considerado uma memória a curto prazo fonológica, que retém unidades de vários tamanhos (morfemas, fonemas e palavras); e finaliza o processo na fala (laranja), que requer a articulação motora dos órgãos envolvidos na produção sonora. A caixa em cinza, representando o conceito amplo de memória semântica, une as definições de sistema conceitual e léxico semântico. A seta em azul- claro exemplifica a ocorrência de falhas temporárias no acesso denominada fenômeno de ponta de língua. Fonte: adaptada de Gvion e Friedmann (2016). Déficits de memória semântica resultam em prejuízos cognitivos amplos nos conhecimentos, definições de palavras, categorização e nomeações (Hodges & Pa�erson, 1997; Kertesz, Jesso, Harciarek, Blair, & McMonagle, 2010; Lambon Ralph, Je�eries, Pa�erson, & Rogers, 2016; Pa�erson et al., 2007). Assim, os erros mais frequentes são de falhas e dificuldades de definição, explicações incompletas, repostas do tipo “não sei” mesmo diante de boa habilidade de verbalização em outras ocasiões. São dificuldades que se mostram presentes em diferentes tarefas que avaliam esse domínio e independentes de o input e o output serem verbais ou visuais. De maneira geral, em todas as tarefas é possível ver qualitativamente a capacidade de compreensão das instruções fornecidas e dificuldades de articulação motora da fala durante a expressão das respostas. Na medida em que o principal objetivo deste capítulo é verificar a interface linguística associada à memória semântica por meio da BAMS, será considerado para os próximos parágrafos que: a memória semântica foi devidamente ativada e, portanto, todos os conceitos, significados e rótulos exatos das figuras e palavras presentes nos itens da bateria foram disponibilizados cognitivamente para o indivíduo. Assim, a ativação cognitiva prossegue para as vias da linguagem, momento que analisaremos com maior profundidade a seguir. Para verificar as próximas etapas cognitivas após o acesso semântico, é importante que uma análise qualitativa das respostas/erros seja realizada, pois estas sinalizarão com maior especificidade onde ocorre a falha de linguagem. Na coluna lateral direita da Figura 8.1, estão sinalizados brevemente os tipos mais comuns de erros correspondentes a cada etapa do modelo cognitivo. A tarefa de fluência verbal apresenta um gatilho semântico de uma categoria predefinida que, ao acionar sua rede de organização semântica (Bertola et al., 2014; Goñi et al., 2011), permite um fluxo de produções verbais contínuas. Nessa tarefa, a troca de categoria (passar a evocar palavras de outro grupo semântico) ou a ocorrência de parafasias semânticas (evocar uma palavra relacionada semanticamente) indica uma falha mais provável de memória semântica (por exemplo, após dizer o animal macaco, dizer banana e, em seguida, realizar uma troca para a categoria de frutas), ao passo que definições do elemento, em vez de fornecer apenas o rótulo, sinalizam falhas no léxico fonológico de saída (por exemplo, dizer “aquele bicho que come lavagem e fica no chiqueiro” em vez de “porco”), e parafasias fonêmicas sinalizam falhas no bu�er fonêmico de saída (por exemplo, para o animal “pato”, falar “taco”). Na tarefa de nomeação por definição, após o contato com as informações conceituais do item, o sistema semântico providencia o rótulo compatível com a definição (Adlam et al., 2010), bem como a visualização de uma imagem na tarefa de nomeação acessa o sistema semântico para obtenção de sua definição e rótulo (Gvion & Friedmann, 2016). Na tarefa de nomeação por definição, são apresentadas para o indivíduo informações que acessam o sistema semântico (“tem quatro patas e faz au-au”), ao passo que na nomeação tradicional a imagem do animal é apresentada, mas ambas mostram a mesma forma de resposta (o nome). São falhas de linguagem os erros fonêmicos ao serem produzidos os rótulos (por exemplo, dizer “cassoro”, e não “cachorro”, como resposta) ou erros e hesitações semânticas ou fonêmicas, mas que sinalizem preservada definição do item (por exemplo, saber que é um animal próximo do homem ou sinalizar dizendo que tem pelos e gosta de carinho, mas quando pronuncia o nome ele contém alguma falha fonêmica). Nas tarefas de conhecimentos gerais e definição de palavras, é requisitada do indivíduo uma etapa adicional não representada no modelo da Figura 8.1, denominada lemmas (Levelt, Roelofs, & Meyer, 1999). Ao ser acionada a memória semântica para um elemento específico, são acionados os lemmas, pacotes de informações sintáticas que acompanham esse elemento, permitindo que a construção sintática compatível com o conceito seja utilizada. Assim, nessas duas tarefas nas quais a resposta envolve produção de frases, é possível observar a falha de linguagem na estruturação sintática de responsabilidade dos lemmas (por exemplo, ao conceituar geladeira, dizer: “é de alimento frio”), e nas etapas já abordadas pelas outras tarefas de erros fonêmicos ao serem produzidos os rótulos ou erros e hesitações semânticas ou fonêmicas, mas que sinalizem preservado conhecimento do item. As tarefas de categorização visual e semelhanças avaliam um mesmo aspecto cognitivo, porém, um de maneira visual, e outro, de maneira verbal. A tarefa de semelhanças pode ser alterada linguisticamente com falhas semelhantes às tarefas anteriores de erros fonêmicos ao serem produzidos os rótulos, ou erros e hesitações semânticas ou fonêmicas, mas que sinalizem preservado conhecimento do item. No entanto, erros relacionados à dificuldade de agrupamento dos itens em uma mesma categoria ocorrem por influência das funções executivas e da memória semântica (Lagarde et al., 2015). Se observamos qualitativamente essas duas tarefas em conjunto, veremos se a dificuldade de categorizar itens está mais relacionada aos erros na linguagem (expressão ou compreensão verbal) ao acontecerem com maior frequência na tarefa de semelhanças (que possui input e output verbais). Em contrapartida, o impacto do sistema semântico implica desempenho provavelmente equivalente em ambas as tarefas. A ocorrência do chamado fenômeno de ponta de língua (seta e caixa em azul-claro na Figura 8.1) sinaliza a ocorrência de uma falha temporária de acesso à característica sonora da palavra no léxico fonológico de saída (Sha�o, Burke, Stamatakis, Tam, & Tyler, 2007). Essa falha momentânea é marcada pela sensação de conhecimento da palavra que deveria ser verbalizada, sendo o indivíduo capaz de utilizar palavras semanticamente relacionadas, sinalizar alguma letra pertencente ou o tamanho da palavra. Esses sinais demonstram pleno acesso à memória semântica e permitem a interpretação de uma alteração temporária do sistema executivo, acompanhada de preservação da linguagem. Se considerarmos o léxico semântico como uma parte extra da memória semântica, como sugerem os modelos de linguagem (caixa em azul-escuro na Figura 8.1), os déficits em todas as tarefas serão de parafasias semânticas, ou seja, de trocas entre elementos pertencentes à mesma categoria de significados (Gvion& Friedmann, 2016). A BAMS oferece, ainda, dois escores clínicos compostos por uma divisão entre as tarefas que apresentam um maior envolvimento executivo além do semântico e aquelas majoritariamente semânticas. O escore semântico é composto pelas tarefas de definição de palavras, conhecimentos gerais, nomeação por definição e nomeação de figuras. O escore semântico- executivo é composto pelas tarefas de fluência verbal, categorização visual e semelhanças. Essa divisão com respaldo psicométrico chama atenção quanto ao cuidado extra que devemos ter com o envolvimento das funções executivas em tarefas normalmente classificadas como semânticas ou linguísticas (Costafreda et al., 2006; Henry & Crawford, 2004; Lagarde et al., 2015; Raposo, Mendes, & Marques, 2012). A exemplo da importância dessa distinção clínica de escores e do uso da BAMS, podemos abordar o grupo das degenerações lobares frontotemporais (DLFT), que incluem um grupo de demências marcadas por déficits executivos, semânticos ou linguísticos. Entre esses quadros, o perfil de déficit semântico versus déficit linguístico é crucial para um acurado diagnóstico entre quadros que, a um primeiro olhar, parecem similares: a afasia progressiva primária (APP) logopênica e a AAP semântica (também conhecida como demência semântica) (Gorno-Tempini et al., 2011). Ambos os quadros são marcados por dificuldades de nomear e de encontrar as palavras. No entanto, a origem da dificuldade na APP logopênica é linguística e na APP semântica é de memória semântica. A análise cuidadosa dos erros e perfil de respostas em uma tarefa de nomeação, como abordado anteriormente, seria de extrema valia, bem como a BAMS acrescentaria avaliando demais aspectos semânticos que estão comprometidos na APP semântica, porém, não na logopênica. Vale lembrar também que, diante da distinção entre as memórias episódica e semântica, déficits significativos nesta última podem atuar como um segundo domínio comprometido em quadros iniciais em processo de diagnóstico precoce. Como exemplos, citam-se a demência por doença de Alzheimer e os quadros de comprometimento cognitivo leve. Considerações finais A BAMS é um instrumento inicialmente desenvolvido para a avaliação da memória semântica. No entanto, o controle realizado na escolha dos itens, bem como ser um instrumento que considere os aspectos culturais nacionais, permite um olhar clinicamente mais amplo sobre seus resultados, além de uma interpretação qualitativa sobre alguns pontos do construto linguagem. A análise qualitativa dos resultados numéricos brutos e/ou ponderados na neuropsicologia sempre garante a melhor interpretação teórica do instrumento utilizado ao mensurar um construto. Analisar qualitativamente os tipos de erros cometidos que levaram a um desempenho inferior, ou que sugerem um desempenho díspar do anteriormente apresentado pelo indivíduo nos permite, com base nas teorias vigentes, determinar se estamos diante de um déficit predominantemente semântico, do mesmo modo semântico e linguístico, ou majoritariamente linguístico. A integração de modelos cognitivos permite uma compreensão clínica mais acurada de quadros que podem ser similares se analisarmos apenas o escore final do instrumento. No cenário de aplicação da BAMS, podemos ilustrar as afasias progressivas primárias, que, em suas três variantes, diferem em detalhes entre a linguagem e a memória semântica (Gorno-Tempini et al., 2011). Esses detalhes são facilmente inutilizados quando olhamos apenas para os resultados numéricos em tarefas que partilham diferentes domínios, como os aqui apresentados. A BAMS, por não ter sido desenvolvida para avaliar a linguagem, não apresenta tarefas que permitam avaliar quantitativamente esse domínio ou qualitativamente outros aspectos, tais como leitura, escrita e repetição. Para uma avaliação completa e específica da linguagem, mantém-se a sugestão psicométrica clássica de optar sempre pelo instrumento que melhor avalie o construto-alvo de nossas hipóteses clínicas. Referências Adlam, A.-L. R., Pa�erson, K., Bozeat, S., & Hodges, J. R. (2010). The Cambridge Semantic Memory Test Ba�ery: detection of semantic deficits in semantic dementia and Alzheimer’s disease. Neurocase, 16(3), 193-207. Bertola, L., Mota, N. B. N. B., Copelli, M., Rivero, T., Diniz, B. S., Romano-Silva, M. A., Malloy--Diniz, L. F. (2014). Graph analysis of verbal fluency test discriminate between patients with Alzheimer’s disease, mild cognitive impairment and normal elderly controls. Frontiers in Aging Neuroscience, 6(July), 1-10. Bertola, L., & Malloy-Diniz, F. L. (2018). 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Nessa perspectiva, o principal objetivo deste capítulo é apresentar algumas das técnicas de reabilitação utilizadas nas afasias expressivas, agrupando-as de acordo com suas principais abordagens: processamento lexical, sintaxe e discurso. Esta revisão não pretende esgotar o conhecimento a respeito da reabilitação da linguagem nas afasias expressivas, mas, sim, identificar as terapias mais utilizadas atualmente nessa área e que se mostram efetivas. Reabilitação das afasias A Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs três níveis de análise referentes a consequências funcionais de condições crônicas, como a afasia: o prejuízo (impairment), a incapacidade (disability) e a desvantagem (handicap; WHO, 2001). Segundo esses conceitos, considera-se um prejuízo (impairment) quando há algum dano físico (acidente vascular cerebral – AVC –, por exemplo) e suas consequências (acometimento no lobo frontal, por exemplo). A incapacidade (disability) reflete o efeito do prejuízo na funcionalidade (por exemplo, o AVC no lobo frontal comprometeu a linguagem oral, em decorrência de uma afasia). Já a desvantagem (handicap) abarca as consequências do paciente para adaptar-se ao meio, em função de sua incapacidade (por exemplo, deixa de trabalhar, em função da afasia pós- AVC). Considerando esses três níveis de análise, podem-se caracterizar diferentes linhas de reabilitação na afasia: a abordagem Tradicional de Terapia Afásica Orientada a Linguagem (The Traditional Language-Oriented School of Aphasia Therapy), a abordagem Pragmática/ Funcional de Terapia da Afasia (The Functional/Pragmatic School of Aphasia Therapy) e a abordagem Neuropsicológica Cognitiva (The Cognitive Neuropsychology School) (Schwartz & Fink, 2003). O Quadro 9.1 ilustra as três linhas de reabilitação das afasias, diferenciando-as entre as abordagens e técnicas utilizadas. Quadro 9.1. Linhas de reabilitação da linguagem nas afasias Tradicional Pragmática/funcional Neuropsicológica Abordagem principal (OMS) Prejuízo e Incapacidade: tipo de afasia e seus sintomas (Basso, 2005; Schwartz & Fink, 2003) Desvantagem: dificuldades de interação com o ambiente (Code, 2001; Céspedes & Ustárroz, 2008; Haase & Lacerda, 2004) Prejuízo: tipo de afasia (Céspedes & Ustárroz, 2008; Helm-Stabrooks & Albert, 2004; Mateer, 2005) Enfoque e técnicas Estimulação intensiva das funções de linguagem: repetição, estimulação auditiva e visual, em contextos linguísticos e situacionais Estimulação de estratégias compensatórias: linguagem verbal, escrita, gestual ou gráfica. Enfoque nas habilidades de comunicação diária Programação e estruturação de metas terapêuticas por meio de bases teóricas da avaliação das capacidades linguísticas do paciente: identificação das funções cognitivas comprometidas por meio de avaliação neuropsicolinguística definição do processo cognitivo que vai ser exercitado Teoria de reabilitação Restauração das habilidades de linguagem como meio de crescimento da comunicação funcional Compensação: uso de estratégias alternativas e ajudas externas Restauração: restituição funcional Tendo como base essas três linhas de reabilitação, na literatura científica encontram-se diferentes métodos terapêuticos direcionados às afasias. Estudos de revisão como os de Cappa et al. (2003), Cicerone et al. (2005) e Cicerone et al. (2011) mostraram os benefícios dessas intervenções sobre a linguagem e a comunicação. Reabilitação da expressão da linguagem oral Fontoura, Rodrigues, Carneiro, Monção e Salles (2012) realizaram uma revisão sistemática da literatura visando identificar as técnicas terapêuticas mais utilizadas para a reabilitação da linguagem oral nas afasias expressivas. As autoras identificaram uma variedade de técnicas, no entanto, a maioria com foco em processamentos lexicais (nomeação) e estimulação de sintaxe (produção de frases). Com relação às técnicas de reabilitação, percebe-se que, apesar de estas serem diversificadas, a maioria investe nos sintomas específicos das afasias de expressão, ou seja, na melhora dos processamentos lexical (Quadro 9.2), sintático (Quadro 9.3) ou discursivo (Quadro 9.4). Contudo, a maior parte dos estudos identificados por Fontoura et al. (2012) utilizou a intervenção com enfoque no léxico (nomear figuras ou objetos). Assim, percebe-se que a maioria dos estudos se baseia ou na linha tradicional ou na linha neuropsicológica da reabilitação de linguagem, e a minoria aplicou a linha de terapia pragmática-funcional. Uma das limitações de se intervir apenas nas habilidades de nomeação refere-se ao fato de o paciente estimular uma habilidade específica, que não necessariamente contribuirá para a expressão de frases e de discurso. Em contrapartida, é mais fácil (e prático) medir os efeitos da reabilitação no nível da palavra do que no nível do discurso, o que justifica o fato de as pesquisas ainda terem esse enfoque. Evidenciou-se também, no estudo de Fontoura et al. (2012), que a mesma técnica de reabilitação é aplicada de maneira diferente em artigos distintos. A terapia de nomeação por meio da técnica semântica, por exemplo, é realizada de uma maneira por Lorenz e Ziegler (2009) e por Marco�e e Ansaldo (2010), e de outra maneira por Kiran (2008), conforme será visto nos quadros 9.2, 9.3 e 9.4. Assim, percebe-se que não há um modelo único de reabilitação das afasias, sendo esse um dos motivos da dificuldade em medir a eficácia das técnicas nesses pacientes. Quadro 9.2. Técnicas com foco em processamentos lexicais Técnica Objetivo Descrição Tratamento de nomeação: método gestual (Raymer et al., 2006) Facilitar a recuperaçãoda produção oral de palavras O terapeuta emite um gesto para imitação e uma palavra para repetição, e depois solicita que o paciente fale e gesticule simultaneamente Tratamento de nomeação: método fonológico (Parkinson et al, 2009; Fridriksson et al., 2007) método semântico (Parkinson et al., 2009; Fridriksson et al., 2007; Lorenz & Ziegler, 2009; Marco�e & Ansaldo, 2010) Facilitar a ativação lexical com pistas semânticas e fonológicas Fonológico – etapas: (a) apresentação da figura para nomeação; (b) terapeuta produz uma não palavra que rime com a palavra-alvo (“isto rima com...”); (c) terapeuta fornece uma pista fonêmica (início da palavra); (d) junção dos itens b e c (“isto rima com... e começa com...”); (e) repetição da palavra-alvo Semântica – etapas: (a) nomear figura (confronto visual); (b) descrição verbal da figura (terapeuta); (c) completar uma frase (não específica); (d) completar uma frase com relação semântica direta; (e) repetir a palavra-alvo dita pelo terapeuta Terapia de nomeação: método semântico (Kiran, 2008) Melhorar o aspecto semântico e a nomeação de itens típicos ou atípicos por categoria semântica Atividades: nomear a imagem classificar imagens por categoria identificar atributos semânticos aplicáveis ao alvo responder a perguntas sim/não relativas às características semânticas do item-alvoTanto informações ortográficas quanto fonológicas foram fornecidas para os itens treinados Terapia de nomeação: método fonológico/lexical Facilitar a ativação lexical com pistas fonológicas Nomear figuras por meio do fornecimento de pistas fonológicas e gráficas pelo terapeuta As pistas fonológicas e gráficas aumentam gradativamente, para leitura, até que a palavra seja (Best, Schröder, Herbert, 2006; Vitali et al, 2007; Lorenz & Ziegler, 2009) produzida. Caso o paciente não nomeie corretamente, deve repetir a palavra dita pelo terapeuta Terapia de nomeação: tratamento fonológico de pares homófonos (Biedermann & Nickels, 2008) Estimular a ativação lexical para produção de palavras com facilitação fonológica Nomeação de figuras com imagens concretas de pares homófonos: homófonos tratados (p. ex., cricket [jogo]) homófono não tratado (p. ex., cricket [animal]) palavra não tratada, relacionada fonologicamente aos homófonos (p. ex., ticket) palavra não tratada, relacionada semanticamente aos homófonos tratados (p. ex., rugby) palavra não tratada, relacionada semanticamente aos homófonos não tratados (p. ex., ant) e sem relação com os homófonos tratados Análise do traço semântico (semantic feature analysis – SFA) (Rider, Wright, Marshall, Page, 2008; Hashimoto & Frome, 2011) Melhorar a recuperação de palavras por meio do reforço de conexões entre a palavra-alvo e suas redes semânticas. Três listas de palavras-alvo são apresentadas em forma de figuras. O paciente deve nomear figuras relacionadas semanticamente e, em seguida, verbalizar as características semânticas da palavra- alvo, com o fornecimento de pistas semânticas Terapia com foco nos processos de expressão da fala: método memória visual (Léger et al., 2002) Combinar e produzir os fonemas da fala O paciente deve repetir, ler e nomear figuras, com auxílio das imagens dos pontos articulatórios associados a sílabas da palavra-alvo Contextual repetition priming (Martin, Fink, Renvall, Laine, 2006). Facilitar a ativação lexical Etapas: (a) paciente deve identificar uma figura (entre outras) falada pelo terapeuta; (b) paciente repete o nome da figura; (c) paciente nomeia a figura. Após 5 minutos, 10 figuras são apresentadas para nomeação, sendo 5 não trabalhadas. Podem--se utilizar três categorias: semântica, fonológica e independente Terapia de recuperação de verbo (single verb Melhorar a estrutura da Os participantes devem completar três tarefas: (1) completar frases; (2) nomeação para a definição; e retrieval therapy) (Mccann, Doleman, 2011) linguagem (3) nomeação de figuras. A prática diária consistia na repetição das tarefas realizadas com o clínico na sessão Tratamento de análise de componentes fonológicos (Phonological Components Analysis – PCA Treatment) (Rochon et al., 2010) Facilitar o acesso lexical por meio de pistas fonológicas Apresentar uma figura e: (1) solicitar que o paciente nomeie; e (2) fornecer ou escolher (entre opções) 5 componentes fonológicos relacionados à figura-alvo. Em seguida, deve-se nomear a figura novamente. Após o terapeuta verificar todos os componentes fonológicos, solicita que nomeie a figura pela terceira vez Constraint-Induced Aphasia Therapy (Meinzer, et al., 2008; Breier, et al., 2009) Compreender e nomear linguagem oral Duplas de participantes revezam entre solicitar um cartão com uma figura que representa uma categoria semântica específica. O outro participante deve selecionar uma das figuras e nomeá-la. É colocada uma barreira visual entre os participantes, permitindo que vejam somente os olhos. Ao longo da tarefa, o grau de dificuldade vai aumentando, passando as solicitações/respostas de palavras simples para frases longas Pode-se perceber que todas as tarefas realizadas com o objetivo de melhorar o acesso lexical utilizam imagens e análise visual de figuras, bem como a repetição de estímulos com o auxílio de pistas (verbais ou gráficas/ semânticas ou fonológicas) fornecidas pelo terapeuta. Saliente-se que, diante das técnicas apresentadas, não parece haver uma preocupação com a contextualização (pragmática) da tarefa sugerida. Assim, as técnicas buscam a generalização das atividades posteriormente, exigindo que o paciente permaneça desenvolvendo as habilidades lexicais durante as atividades do cotidiano. Quadro 9.3. Técnicas com foco na sintaxe Técnica Objetivo Descrição Tratamento morfofonológico Tratamento morfosemântico (Faroqi--Shah, 2008) Processar e produzir inflexões verbais (ênfase na produção oral) Associar a forma verbal com cada contexto temporal Utilização de verbos regulares e irregulares Tratamento morfofonológico – Etapas: (a) nomeação de ações; (b) discriminação auditiva de um par de palavras (julgamento igual/diferente); (c) decisão lexical de palavras morfologicamente complexas e pseudopalavras; (d) produção morfológica: paciente recebe um radical verbal e deve gerar inflexões verbais deste (p. ex., “corr”, que pode gerar correr, corri, corro, etc.); (e) transformação oral e escrita – após modelo apresentado pelo terapeuta, o participante deve transformar o verbo, primeiro verbalmente e, em seguida, por escrito; (f) repetição: repetir cada variante inflexional do verbo. Tratamento morfossemântico – etapas: (a) nomeação de ações; (b) julgamento de sentenças anômalas com inadequações entre advérbio temporal e tempo verbal; (c) compreensão auditiva – identificar figura-alvo entre três; (d) completar sentença – escrever a forma verbal correta para a frase da figura-alvo; e (e) construção frasal – selecionar e organizar cartões de palavras (anagramas) para formar a sentença correspondente à imagem apresentada Tratamento linguístico específico: Treatment of Underlying Forms (TUF) (Thompson, 2001) (Jacobs, 2001; Thompson, Shapiro, Kiran, & Sobecks, 2003; Dickey & Thompson, 2004; Thompson, Den Ouden, Bonakdarpour, Garibaldi, & Parrish, 2010) Estimular a compreensão e a produção de sentenças e a generalização para narrativas Tratamento linguístico específico que utiliza a forma ativa das sentenças-alvo para treinar os participantes – etapas: (a) compreender e produzir verbos que estão em posições diferentes em cada sentença; (b) organizar as palavras que formam a sentença de maneira apropriada; (c) produzir a sentença de outra maneira; e (d) compreender e produzir os verbos e os complementos do verbo em sua posição não regular Tratamento linguístico Produzir Pares de figuras com a palavra ou a frase (selecionadas específico (para agramatismo) (Ballard & Thompson, 1999) sentenças gramaticalmente corretas em função das características específicas dos verbos) – etapas: (a) examinador apresenta a figuraverbalizando o verbo e o papel temático da ação; (b) examinador utiliza palavras e figuras para demonstrar a construção da frase por ele verbalizada; (c) paciente produz uma sentença em relação à figura que está vendo e identifica o verbo e o papel temático; (d) paciente constrói e produz uma sentença identificando o verbo e o papel temático; e (e) paciente deve completar a sentença iniciada pelo examinador (paradigma de priming) Programa para produção de frases não regulares para agramatismo (Stadie et al., 2008) Produzir sentenças gramaticalmente corretas, identificando seus componentes gramaticais O terapeuta mostra uma figura e pede para o paciente descrever a ação correspondente a esta. Caso ele não consiga, são apresentados cartões com palavras escritas correspondentes à figura. O paciente deve dizer a frase e identificar o sujeito ativo e o sujeito passivo Estimulação da sintaxe (variação do Helm Elicited Program for Sintax – HELPSS/Helm- Stabrooks, 1981) (Murray & Ray, 2001) Produzir sentenças gramaticalmente corretas, com aumento da complexidade sintática Treinamento de estruturas gramaticais. Construção de frases com aumento da complexidade sintática. Frases apresentadas em dois níveis, acompanhadas de desenho: Nível I (Imitation) – Repetição da frase; Nível S (Spontaneous) – Produção da frase após pergunta do terapeuta. Tratamento para produção de sentenças: estruturas sintáticas treinadas (Rochon et al., 2005) Produzir sentenças gramaticalmente corretas, identificando seus componentes gramaticais Treino de frases por meio de estímulos visuais (fotografia). Sessões divididas em quatro níveis, com grau progressivo de dificuldade: treino de voz ativa e passiva. O terapeuta mostra a fotografia, fala sobre ela, o verbo que ela representa, seu tema e o agente da frase. Em seguida, diz o início da frase para que o paciente formule (p. ex., essa foto é sobre uma ligação. O verbo é “ligou”. Nessa figura, quem está ligando é o juiz. Para quem ele liga é o padeiro. Faça uma frase iniciando com “O juiz...”.) Oral Reading for Language in Aphasia (ORLA) (Cherney 2010a; Cherney 2010b) Produzir sentenças espontaneamente por meio do treino de baixa intensidade, sistemático e repetitivo (com leitura) Etapas: (a) paciente ouve duas vezes uma frase enquanto a lê; (b) acompanha com o dedo a frase lida pelo terapeuta; (c) lê a frase com o terapeuta (uníssono) duas vezes; (d) lê as palavras da frase de maneira aleatória; e (e) lê os estímulos novamente com o terapeuta (uníssono) Estímulos: frases com variado vocabulário e variadas estruturas gramaticais (prosódia natural) Multisensory auditory and visual-verbal technique (Cherney & Small, 2006) Produzir linguagem verbal e compreender linguagem oral e escrita, por meio de técnica multissensorial Etapas: (a) apresentação de uma frase de maneira auditiva e visual simultaneamente (duas vezes); (b) leitura das frases em uníssono com o terapeuta (duas vezes); (c) paciente deve identificar duas ou três palavras e lê-las em voz alta; e (d) ler novamente a frase em uníssono com o terapeuta. Augmentative Communication System (Linebarger et al., 2000) Construir frases com auxílio de estímulos visuais Treino de produção de sentenças previamente construídas por meio de so�ware (CS). Paciente deve verbalizar as palavras (representadas por símbolos na tela do computador) e gravá-las. Em seguida, deve juntar as palavras para formar frases, verbalizá-las, gravá-las e ouvir posteriormente para monitoração Técnica baseada na terapia da entonação melódica (Straube et al., 2008) Produzir frases com auxílio da melodia Etapas: (a) músicas familiares: trechos para serem cantados pelos pacientes e trechos para serem falados; (b) músicas não familiares – como na etapa anterior, os pacientes devem repetir cada trecho cantando e falando; (c) melodia não familiar (utilizado com apenas um paciente) – duas semanas antes do experimento, o paciente recebe uma gravação com uma melodia cantada pelo examinador com a sílaba “la” (melodia com estrutura fácil). Pacientes devem gerar frases após cada etapa Melodic Intonation Therapy (Breier et al., 2010; Schlaug, Marchina, & Norton, 2009) Terapia da entonação melódica adaptada (Fontoura, Rodrigues, Brandão, Monção, & Salles., 2014; Fontoura, 2017) Recuperar a linguagem proposicional para indivíduos com afasia não fluente Repetição de frases com entonação cantada, com redução gradual da entonação para uma prosódia natural Adaptação da técnica original fazendo uso de música popular brasileira associada a leitura e figuras As técnicas com foco em sintaxe são mais variadas em comparação àquelas com foco no léxico. Também utilizam imagem visual, mas muito associadas à leitura. O objetivo da maioria dessas técnicas é estimular a produção de frases, e por esse motivo há muitas tarefas com a utilização de verbos (ações), portanto, indicadas especialmente para pacientes com agramatismos. Ainda, as terapias de entonação melódica (estimular a fala, por meio do canto) têm mostrado ser eficazes para pacientes com afasia de expressão ao utilizarem músicas agradáveis, influenciam positivamente no humor e na adesão ao tratamento da linguagem (Fontoura et al., 2014). Quadro 9.4. Técnicas com foco em discurso/ conversação Técnica Objetivo Descrição Comunicação aumentativa e alternativa (CAA) (Johnson et al., 2008) Estimular a linguagem não verbal, por meio de símbolos da comunicação alternativa Utiliza quatro níveis hierárquicos de categoria semântica (nível adaptado para cada paciente). Etapas: (a) identificação do símbolo – identificar os símbolos na tela do computador; (b) navegação – reconhecer símbolos ditos pelo terapeuta, identificando a categoria a que ele pertence; (c) cenário de role play – o paciente deve responder sobre questões de vida diária (p. ex., o que gostaria no almoço), navegando até a categoria correta e selecionando o símbolo desejado; e (d) tratamento de sentenças – responder sobre atividades cotidianas e interesses. São formuladas frases curtas por meio das figuras trabalhadas anteriormente Computerized Conversational Script Training: “AphasiaScript” (Cherney, Halper, Holland, & Cole, 2008; Cherney & Halper, 2008; Cherney et al., 2007; Cherney et al., 2011) Estimular a habilidade conversacional com a prática de conversas individualizadas So�ware que utiliza terapeuta virtual programado para utilizar fala natural com movimentos articulatórios precisos. Etapas: (a) paciente apenas ouve todo script enquanto acompanha na tela do computador o material escrito e/ou a terapeuta virtual; (b) cada frase referente ao turno de fala do paciente é praticada repetitivamente (leitura em uníssono com a terapeuta virtual e/ou leitura individual com gravação de voz); e (c) todo o diálogo é praticado com o terapeuta virtual (acompanhando a tela do computador) Supporting Partners of People with Aphasia in Relationships and Conversation (SPPARC) (Beek et al., 2011) Apoiar a conversação por meio de modificações no comportamento do parceiro comunicativo O SPPARC envolve uma díade de discussão, utilizando-se vídeo-feedback e prática ativa de estratégias conversacionais, além de atividades para realização em casa (entre as sessões), a fim de reforçar ideias trabalhadas Conventional Speech and Language Therapy (Bakheit et al., 2007) Melhorar as habilidades verbais e não verbais na comunicação Foram utilizadas tarefas individualizadas para melhorar a fala e a escrita, incluindo: identificar figura/objeto, nomear objetos, reconhecer associação entre itens, facilitar a expressão de sentimentos e opiniões e melhorar as habilidades conversacionais. Pacientes foram estimulados a utilizar gestos e outros meios de comunicação não verbal As técnicas voltadas ao estímulo da conversação, ou seja, do discurso, serão mais profundamente abordadas nos Capítulos 14 e 15 deste livro. Denota-se que todas têm um enfoque nas abordagens pragmáticas, em que a estimulação de uma comunicação global é privilegiada, não havendo a necessidadede correções específicas na forma da linguagem, e sim enfatizando-se o conteúdo e a efetividade comunicativa entre os pares. As técnicas de estimulação do discurso podem ser aplicadas com o auxílio do terapeuta ou com so�wares administrados pelo próprio paciente. O objetivo primordial é que o paciente desenvolva sua independência funcional para comunicar-se nos ambientes que frequenta. O tempo de intervenção para melhorar a expressão da linguagem em pacientes com afasia varia de acordo com a técnica utilizada, com o objetivo da reabilitação e com as características linguísticas (dificuldades e potencialidades) dos pacientes. A quantidade de sessões de reabilitação também pode ser um fator importante na melhora da linguagem, sendo indicado o tratamento intensivo, prolongado (Carlomagno, Pandolfi, Labruna, Colombo, & Razzano, 2001) e planejado de maneira individual (Wilson, 2009). Essa recuperação da linguagem ocorrerá em função da plasticidade cerebral, ou seja, das modificações nas operações de regiões não danificadas, havendo, portanto, uma reorganização das regiões intactas (Springer & Deutsch, 1993). Por esse motivo, ressalta-se a importância de um treino intensivo, prolongado e individualizado. Para medir o efeito da reabilitação nos pacientes, a maioria dos estudos utiliza medidas das habilidades semântica, fonológica, lexical, sintática e a verificação da melhora em aspectos do discurso (Fontoura et al., 2012). Assim, percebe-se que as pesquisas treinam uma habilidade específica da linguagem e verificam se houve um melhor desempenho do paciente nas tarefas realizadas antes e após a intervenção. Contudo, esses estudos mostram resultados positivos na reabilitação no se�ing terapêutico, mas não na vida diária do paciente. No estudo de Cherney e Halper (2008), por exemplo, destacam-se mudanças qualitativas de pacientes na comunicação verbal e na independência em casa, as quais não foram observadas nos testes neuropsicolinguísticos utilizados, mas em entrevistas fornecidas pelos familiares. Considerando essas especificidades, sugere-se, além de medidas quantitativas dos testes neuropsicolinguísticos (avaliação formal), que se obtenham medidas qualitativas do efeito da reabilitação (avaliação funcional), realizadas com entrevistas, gravação de diálogos e observações da comunicação não verbal, método já utilizado por alguns estudos (Cherney & Halper, 2008; Cherney et al., 2008; LaFrance, Garcia, Labreche, 2007). Por fim, os estudos de reabilitação têm avançado para buscar evidências em neuroimagem, mostrando mudanças específicas cerebrais após a reabilitação (Cherney & Small, 2006; Marco�e & Ansaldo, 2010; Breier, Randle, Maher, & Papanicolau, 2010; Schlaug et al., 2009). O exame de neuroimagem funcional em estudos de reabilitação pode determinar se a recuperação é o resultado da reorganização cerebral dentro de um esquema já existente, se ocorre o recrutamento de novas áreas dentro da rede neural ou se há plasticidade em regiões em torno da área lesada (Grady & Kapur, 1999). O estudo de Breier et al. (2010) evidenciou que um dos pacientes que recebeu tratamento de terapia da entonação melódica apresentou ativação cerebral nas áreas da linguagem do hemisfério esquerdo, ocorrendo, provavelmente, plasticidade em torno da área danificada. Já Schlaug et al. (2009) verificaram, em sua pesquisa, um aumento do número de fibras do fascículo arqueado direito em todos os participantes após o tratamento (hemisfério contralateral à lesão), ou seja, um provável recrutamento de novas áreas dentro da rede neural. Considerações finais Este capítulo teve como principal objetivo apresentar técnicas de reabilitação utilizadas nas afasias expressivas. Percebe-se que há uma diversidade de técnicas e abordagens teóricas, o que destaca a heterogeneidade das intervenções nessa área. Essa diversidade pode justificar-se pela singularidade dos déficits linguísticos dos pacientes, o que dificulta a generalização. Ainda, há a necessidade de desenvolver pesquisas com métodos controlados de mensuração da eficácia terapêutica. Faz-se importante também a descrição detalhada das técnicas, a fim de possibilitar a replicação dos estudos e o uso destas por clínicos da área. No Brasil, ainda são necessários estudos sobre reabilitação das afasias expressivas, considerando que a estrutura gramatical do Português é diferente da do Inglês, portanto, não se sabe se essas técnicas (principalmente as sintáticas) são eficazes em nosso contexto. Ainda, é importante aplicar os métodos de reabilitação da linguagem oral de maneira extensiva, sistemática, além de medir seus efeitos comportamentais e em exames de neuroimagem, contribuindo com as pesquisas sobre neuroplasticidade. As pesquisas de reabilitação das afasias de expressão consideram os aspectos linguísticos no nível das palavras, das frases e do discurso, optando por avaliar e reabilitar um desses aspectos individualmente. Contudo, as mudanças obtidas por meio da reabilitação são, às vezes, observadas apenas nos testes, e não na vida diária do paciente. Assim, há a necessidade de unir as medidas formais dos testes com medidas das habilidades pragmáticas e sociais da comunicação para verificar o efeito da reabilitação na vida diária do paciente, buscando sua independência funcional. Referências Ballard, K. J., & Thompson, C. K. (1999). Treatment and generalization of complex sentence production in agrammatism. 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Serão descritos os quadros clínicos de afasia com alteração da compreensão: global, de Wernicke e transcorticais sensorial e mista. Por fim, será abordada a maneira mais adequada de se comunicar com uma pessoa com afasia e, especificamente, com alteração da compreensão, bem como os principais métodos de intervenção terapêutica para essa população. Afasias A causa mais frequente da afasia é o acidente vascular cerebral (AVC) (Murdoch, 2010), sendo que em um primeiro evento pode estar presente em cerca de 42% das pessoas (Engelter et al., 2006; El Hachioui et al., 2013). A diversidade de apresentação e a gravidade das alterações da linguagem na afasia é considerável (Nouwens et al., 2014), tendo um impacto muito negativo na qualidade de vida do próprio paciente e na de seus familiares (Hilari, Cruice, Sorin-Peters, Worrall, 2015). Ainda, há repercussões no isolamento social, na dificuldade de retorno às atividades laborais e de lazer, nas alterações do papel dentro da família nuclear e na rede de amigos, na diminuição drástica da capacidade financeira e na enormidade de alterações emocionais com que têm de passar a lidar (Code, Hemsley, & Herrmann, 1999). O processo de recuperação da afasia inicia-se de maneira espontânea imediatamente após seu aparecimento e dura cerca de dez semanas (Lomas & Kertesz, 1978; Mazzoni et al., 1992; Marsh & Hillis, 2006). Esse processo fisiológico depende da plasticidade neural, da redução do edema, das alterações metabólicas e da recuperação da função dos tecidos após reperfusão da penumbra isquêmica (Marsh & Hillis, 2006). Apesar de a recuperação espontânea parecer não ser influenciada por variáveis demográficas ou pelo tipo de afasia, é importante que os pacientes sejam, desde cedo, estimulados de maneira consistente, pois isso influencia positivamente em sua recuperação. Nessa fase subaguda, que dura algumas semanas, está-se dependente do estabelecimento de redes alternativas, remodelações sinápticas e nascimento de novos axônios (Lazar & Antoniello, 2008). É sabido que são poucas as pessoas que recuperam completamente sua linguagem após terem sido diagnosticadas com um quadro de afasia (Marquardsen, 1969; Enderby, Word, Wade, & Hewewr, 1987). No entanto, é muito comum o diagnóstico inicial da afasia modificar-se ao longo do tempo, em virtude do processo de recuperação ser dinâmico (Hillis, 2007). Há diversos fatores que, nos dias atuais, são perfeitamente aceitos como sendo influenciadores da recuperação da afasia, nomeadamente: a) Tipo de afasia: apesar das inúmeras inconsistências encontradas, alguns padrões são constantes: (1) se houver mudanças, o tipo de afasia muda sempre para menos grave; (2) a mudança do tipo de fluência é sempre de não fluente para fluente, nunca o inverso (Lazar & Antoniello, 2008). b) Gravidade da afasia: há vários estudos que demonstram a importância da gravidade inicial como determinante para a recuperação (Pedersen, Vinter, & Olsen, 2004; Martins et al., 2016), explicando cerca de 50% da variância (Pedersen, Jorgensen, Nakayama, Raaschou, & Olsen, 1995; Lazar, Speizer, Festa, Krakauer, Marshall, 2008). c) Tempo de evolução: Bakheit et al. (2007) demonstraram que a taxa de recuperação era mais acentuada nas primeiras quatro semanas, ao passo que Wade, Hewer, David e Enderby (1986) demonstraram que, dos sujeitos que se mantinham afásicos durante os primeiros sete dias, 40% continuavam com alterações de linguagem seis meses depois, aumentando para 60% quando as alterações de linguagem permaneciam nas primeiras três semanas de evolução. A taxa de recuperação decai entre os três e os seis meses (Wade et al., 1986; Pedersen et al., 1995; Laska, Hellblom, Murray, Kahan, & von Arbin, 2001; Lazar & Antoniello, 2008) e após o meio ano é praticamente nula (Marquardsen, 1969; Pashek & Holland, 1988). d) Idade: Laska et al. (2001), por meio de uma análise de regressão multivariada, encontraram que a idade era um fator significante na recuperação, em que as pessoas mais novas se recuperaram melhor que as mais velhas. No entanto, há vários outros estudos que não replicam esse achado (Pedersen et al., 1995; Lazar et al., 2008; Inatomi et al., 2008). e) Sexo: vários estudos não têm encontrado diferenças na recuperação da afasia entre homens e mulheres (Pedersen et al, 1995; Lazar et al., 2008; Inatomi et al., 2008). Apenas um estudo (Holland, Greenhouse, Fromm, & Swindell, 1989) encontrou uma melhor recuperação nos homens. f) Lateralidade: não tem sido possível demonstrar que a lateralidade seja um fator significativo para a recuperação da afasia (Pedersen et al., 1995). g) Escolaridade: a escolaridade não tem sido apontada como forma de impacto na taxa de recuperação (Connor, Obler, Tocco, Fitzpatrick, & Albert, 2001; Fonseca, Guerreiro, & Castro Caldas, 2002; Lazar et al., 2008). h) Localização da lesão: Kertesz, Lau e Poek (1993) encontraram que os giros supramarginal e angular são as estruturas mais envolvidas na gravidade inicial e na recuperação da afasia. Selnes, Knopman, Niccum, Rubens e Larson (1983) associaram a pior recuperação da linguagem a lesões no lobo temporal posterossuperior e na região supramarginal. Para Naeser et al. (1989), as regiões mais envolvidas na recuperação da fluência do discurso resultam da combinação da ativação do feixe subcaloso e do terço médio da substância branca periventricular. Naeser et al. (1987) verificaram que os sujeitos com alterações graves da linguagem, após um ano de evolução, tinham uma lesão superior à metade da área de Wernicke. Sul et al. (2016) reforçam que lesões na área de Broca e no giros temporal superior se associam a pior recuperação da afasia. Em 2010, Price, Seghier e Le� publicaram os primeiros resultados do projecto PLORAS, em que, por meio da análise das lesões de 300 doentes, vieram reforçar os dados já conhecidos anteriormente acerca das áreas relacionadas com o processamento da linguagem e acrescentar novas áreas e vias de substância branca envolvidas na recuperação da afasia. i) Dimensão da lesão:Kertesz, Harlock e Coates (1979), Pedersen et al. (1995) e Martins et al. (2016) demonstraram que a dimensão da lesão é inversamente proporcional à recuperação da afasia. j) Fonoterapia: embora durante algumas décadas se tenha questionado qual era a influência que a intervenção terapêutica exercia na recuperação da afasia, atualmente é consensual que seu papel é efetivo e positivo nessa recuperação (Greener, Enderby, & Whurr, 2000; Bhogal, Teasell, & Speechley, 2003; Brady, Kelly, Godwin, Enderby, 2012; Brady, Kelly, Godwin, Enderby, & Campbell, 2016). k) Cognição: vários estudos têm demonstrado que a afasia pode acompanhar--se de alterações de memória, atenção e funções executivas (Fonseca et al., 2016; Fonseca, Raposo, & Martins, 2018a). O estudo de Fonseca, Raposo e Martins (2018b) demonstra a importância significativa do estado mental (avaliado em teste de pensamento abstrato) após a instalação da afasia no processo de recuperação da linguagem. A classificação das afasias mais utilizada mundialmente é a que proveio da Escola de Boston. Fazem parte dessa escola estruturante do pensamento afasiológico investigadores como Norman Geshwind, Arnold Goodglass, Edith Kaplan, Robert Sparks e Frank Benson. A Escola de Boston destacou-se no panorama mundial pelo estudo da correlação anatomoclínica da afasia com recurso a informações complementares recolhidas pela neuropsicologia, neurolinguística, psicolinguística, imagem cerebral e terapia da fala. Obviamente, ao mencionar a Escola de Boston e seu pioneirismo, não se pode esquecer de que na base de tudo está o trabalho de Paul Broca (1861a; 1861b), de Carl Wernicke (1874) e de Ludwig Lichtheim (1885), entre muitos outros. É dessa data, séc. XIX, o primeiro modelo anatômico de processamento da linguagem, de acordo com o qual a área de Broca (área de Brodman (BA) 44 e 45), constituída pelas pars opercularis e pars triangularis e região frontal inferior esquerda, é responsável pela produção oral, a parte posterior do giros temporal superior esquerdo, ou área de Wernicke (BA 22), responsável pela compreensão da linguagem e por uma ligação subcortical (feixe arqueado) que as liga entre si. Com base nesse conhecimento e nos resultados obtidos por meio da Boston Diagnostic Aphasia Examination (BDAE) (Goodglass & Kaplan, 1972) estabeleceu-se a divulgada categorização “clássica” das afasias, assumindo uma relação direta entre os sintomas apresentados e a localização da lesão. Essa classificação “clássica” das afasias baseia-se nas características de quatro parâmetros: discurso, nomeação oral, compreensão auditiva e repetição de palavras. Afasia global Goodglass e Kaplan (1972) descreveram a afasia global como a entidade em que “todos os aspectos da linguagem estão tão alterados que não é possível distinguir um padrão diferenciador entre componentes preservados e alterados”. Collins (2005) advertiu que, apesar dessas dificuldades generalizadas, a capacidade de compreensão auditiva de uma conversa coloquial pode apresentar um desempenho claramente superior ao efetuado em testes, e é possível responder com “sim” ou “não” de maneira correta. Os sujeitos com afasia global apresentam déficits graves e persistentes em todas as modalidades comunicativas e, muitas vezes, sua adesão à terapêutica convencional não é a mais adequada, por razões paralelas às capacidades de linguagem alteradas, como é o caso da dificuldade na resolução de problemas e abstração não verbal. É possível avaliar essas capacidades por meio de testes do tipo Matrizes Coloridas de Raven (1962) ou Matrizes da WASI (Wechsler Abbreviate Scale of Intelligence). Fonseca et al. (2018b), em um trabalho sobre recuperação da afasia, verificaram que o valor obtido no teste Matrizes da WASI era o melhor preditor isolado da recuperação, controlando idade, escolaridade, dimensão da lesão e gravidade da afasia. A afasia global normalmente resulta de lesões extensas que tiveram origem na deficiente irrigação celular pela artéria cerebral média (ACM) esquerda, em que são lesadas as áreas primárias da linguagem. É a afasia mais comum na fase aguda (Moss, 2006) e a que tem pior prognóstico, principalmente quando há, na fase aguda, pouca variabilidade de desempenho nos diversos testes aplicados. Afasia de Wernicke O déficit de compreensão na afasia de Wernicke é o aspecto mais debilitante (Shuell, 1953; Davis, 1993; Goodglass, 1993; Marshall, 2001). A pessoa com afasia de Wernicke pode ser incapaz de processar qualquer tipo de informação falada recebida ou ter dificuldades de compreensão apenas da informação um pouco mais complexa. Outra das marcas fundamentais da afasia de Wernicke é a presença de um discurso fluente e parafásico (substituições fonêmicas e semânticas). As palavras produzidas são, muitas vezes, compostas por sílabas suplementares ou por palavras inexistentes (neologismos), podendo mesmo chegar à maximização da presença de alterações de discurso, que é o jargão (Davis, 1993; 2000). As frases tendem a ser constituídas com omissões e substituições de morfemas gramaticais (paragramatismo) e de palavras de conteúdo (nomes, verbos e adjetivos; Goodglass, Kaplan, & Barresi, 2000). Seu discurso fluente, associado à falta de reconhecimento efetivo de seus defeitos, provoca um discurso com um débito de tal modo elevado (logorreia) que é difícil ser interrompido. Essa alteração surge também nas afasias transcorticais sensoriais. Afasias transcorticais As afasias transcorticais são um conjunto díspar de afasias que têm em comum uma relativa integridade da capacidade de repetição perante alterações distintas da fluência do discurso, da compreensão e da nomeação. Essas perturbações da linguagem foram previstas no modelo de processamento de Wernicke-Lichtheim como sendo as afasias secundárias a lesões na proximidade das áreas de Broca e de Wernicke. Segundo Lichtheim (1885), essas afasias resultavam de uma interrupção da conexão entre as áreas corticais da linguagem e o “centro dos conceitos”, a que hoje chamamos o sistema semântico. Foi Goldstein (1948) quem utilizou pela primeira vez o termo “transcortical”. Afasia transcortical sensorial Lecours e Lhermite (1983) descreveram a afasia transcortical sensorial como apresentando um discurso fluente com débito normal, prosódico, fonético e fonológico sem alterações significativas, mas em que predominam as parafasias semânticas. Seu discurso é incoerente com circunlóquio e recorrendo a um número exagerado de frases estereotipadas. A leitura em voz alta pode estar mantida, apesar de dificuldades em sua compreensão. Apresenta alterações de compreensão associadas a uma boa capacidade de repetição. A capacidade de repetir, por vezes com correção de erros sintáticos, sugere que os sistemas fonológico e sintático poderão estar preservados. Existe, contudo, uma marcada dificuldade de acesso ao sistema semântico, com parafasias semânticas no discurso espontâneo, dificuldade de nomeação e de escrita. Essa afasia associa-se a lesões corticais posteriores do hemisfério esquerdo, sobretudo na região posteroinferior do lobo temporal, poupando a área de Wernicke (Kertesz, Sheppar, & MacKenzie, 1982; Damásio, 1991). Por vezes, apresenta-se com associação de hemianopsia e de agnosia visual. De acordo com o modelo da dupla via (Hicock & Poeppel, 2004), essa afasia resulta de uma lesão da via ventral, interferindo na capacidade de associar a informação auditivo-verbal ao sistema léxico-semântico, com incapacidade de compreender a informação, defeito que explica também a produção de parafasias semânticas. Pelo contrário, a repetição está mantida graças à integridade da via dorsal. Afasia transcortical mista A afasia transcortical mista, também chamada de síndrome do isolamento das áreas de linguagem (Geschwind, Quadfasel, & Segarra, 1968), é uma afasia em que todas as capacidades nucleares estão afetadas (fluência do discurso, nomeação, compreensão auditiva), com exceção da repetição, que se mantém preservada, podendo ser, contudo, ecolálica, isto é, com umarepetição automática do que é escutado sem compreensão do que é dito. Os pacientes encontram-se em mutismo ou com um discurso não fluente reduzido a um estereótipo ou à produção de palavras isoladas. Apresentam dificuldades de compreensão auditiva de material verbal simples e não conseguem ler nem escrever. Pode associar-se a diferentes lesões do hemisfério esquerdo, habitualmente extensas, envolvendo o córtex frontal, as estruturas subcorticais ou o tálamo. Terapêutica da afasia A intervenção de um fonoaudiólogo (terapeuta da fala) é fundamental no início do processo, ao avaliar o paciente, identificar o problema e decidir o que fazer; mas o passo seguinte é aquele que, de fato, pode influenciar radicalmente o curso da vida de uma pessoa com afasia: trata-se da implementação da terapia. A terapia é um processo interativo e dinâmico e que não permite uma aplicação mecânica ou com comportamentos predefinidos. O comportamento do terapeuta é continuamente moldado pelo paciente, assim como o reverso. O terapeuta reage imediatamente a uma expressão facial, ao tom de voz, ao sorriso, a determinada resposta, etc., e reformula a nova intervenção de acordo com o ocorrido, influenciando de maneira vital o desempenho seguinte do paciente. Em cada sessão de tratamento, o terapeuta deve ser capaz de manter o interesse, a atenção e a colaboração do paciente e deve, permanentemente, conseguir escutar. A escuta terapêutica é um processo ativo que requer participação e interesse na conversação, ouvindo o que é dito e tentando compreender a mensagem ao mesmo tempo que a reconstrói de maneira criativa, leve, com recurso a inferências e perguntas e obtendo a reconfirmação por parte do paciente. A terapêutica da comunicação não pode ser imposta a quem quer que seja e, como tal, não é eficaz a quem esteja a recebê-la de maneira passiva. É fundamental que a noção de contrato terapêutico esteja presente nessa relação dual, de modo que os pacientes se sintam responsáveis por seu processo de tratamento e recuperação, tomem decisões esclarecidas acerca de si próprios e maximizem seu interesse pela terapia. A desejada autodecisão de adesão ao tratamento somente pode ser exigida quando os objetivos terapêuticos, o tempo estimado de duração do tratamento e sua utilidade forem explicados de maneira clara e sucinta. A reabilitação é um processo complexo e dinâmico que começa após a doença e que continua até ser obtido o máximo de recuperação das funções físicas, psicológicas, sociais (comunicação e linguagem) e vocacionais (Sahs, Hartman, & Aronson, 1976). A intervenção terapêutica na afasia não se confina somente à linguagem e à comunicação. O terapeuta ajuda o paciente na manutenção de atividades, na participação na vida, na manutenção ou reatamento de contatos sociais, na pesquisa de objetivos de vida, na aquisição e manutenção de uma atitude positiva, no aumento da moral, no desenvolvimento de sentimentos de aceitação e de otimismo e no equilíbrio da estabilidade emocional. A intervenção terapêutica é um processo inovativo que tenta responder às necessidades individuais, neurológicas, linguísticas e de participação na vida social, com foco nas capacidades de comunicação funcional nas tarefas da vida cotidiana. Com a intervenção terapêutica, pretende-se tornar a comunicação tão parecida quanto possível com o nível pré-mórbido. Entre as capacidades de linguagem afetadas estabelecem-se prioridades de acordo com os interesses, necessidades e potencial da pessoa com afasia, por meio do ensino de estratégias que facilitem e melhorem a comunicação com e da pessoa com afasia. Existem vários métodos e técnicas terapêuticas que têm sido descritos como eficazes na população com afasia em geral e nas afasias com alterações da compreensão em particular, que podem ser agrupados em três grandes tipos: abordagem baseada nas alterações, abordagem baseada nas consequências e abordagem por estimulação elétrica cerebral não invasiva. Abordagem baseada na alteração Essa abordagem terapêutica foca-se no treino (fonológico e/ou semântico) das funções e do nível linguístico em que os sujeitos apresentem alterações. Método clássico ou de estimulação O método clássico ou de estimulação de Schuell (1964) veio da Escola Holística, para a qual o cerne da reabilitação da linguagem é a estimulação auditiva, em virtude de a compreensão ser a principal via do processamento da linguagem. Esse método baseia-se em três princípios basilares: estimulação, facilitação e motivação. Entende-se como estimulação a apresentação organizada dos estímulos que provoquem uma reação não forçada. A facilitação relaciona-se com a repetição do proposto de modo a aumentar a eficiência nas tarefas de linguagem, e a motivação, com o encorajamento, para que o paciente sinta que deve continuar o esforço do processo terapêutico. Assim, o terapeuta deve estimular o paciente quando ele estiver psicologicamente motivado, a fim de que seu esforço seja facilitado ao produzir a resposta pretendida. No método clássico, a estimulação deve ser intensiva (principalmente a auditiva) e sistemática, o estímulo deve ser adequado e provocar uma resposta não forçada, e a estimulação sensorial deve ser repetitiva. As sessões devem iniciar-se com tarefas relativamente fáceis e progredir para atividades mais exigentes. Tratamento informatizado O tratamento por meio do computador destina-se, essencialmente, a pacientes que conseguem fazer sozinhos os exercícios propostos. Os terapeutas verificam, posteriormente, seu desempenho e adaptam os exercícios às capacidades apresentadas pelos pacientes nesse momento. Esse tipo de abordagem utiliza material visual mais apelativo e em maior quantidade que o tratamento feito por outras modalidades. Já existe alguma evidência da resposta das pessoas com afasia a essa abordagem terapêutica (Katz, 2001). Em Língua Portuguesa, temos conhecimento apenas do programa Lisling2000 (Fonseca et al., 1999) e da plataforma VITHEA (Abad et al., 2013). Estratégias de ajuda na evocação de palavras É uma forma de tratamento que providencia ajudas (pistas) fonológicas (isto é, primeiro fonema) e semânticas (isto é, informação contextual) para facilitar a evocação de palavras (Boyle, 2004; ASHA, 2017). Tratamento de fortalecimento da rede verbal: é um tipo de tratamento que pretende facilitar a evocação lexical em contexto frásico. É utilizado como meio de ativar a rede semântica a partir do papel que os verbos desempenham nessa rede e para melhorar a produção de estruturas sintáticas básicas (Maher & Raymer, 2004). Tratamento das características semânticas: é um tratamento da evocação de palavras por meio da utilização de características associadas a essas palavras (Marshall, 2001; Simmons-Mackie, 2008). Abordagem baseada na consequência Essa abordagem terapêutica emprega estratégias compensatórias/aumentativas da comunicação para facilitar a comunicação total. Em pessoas com afasia muito grave, principalmente de sua capacidade de expressão, a capacidade de comunicar pode estar de tal modo afetada e limitada que há necessidade de se recorrer a um sistema de comunicação aumentativa e alternativa (SCAA). Segundo a ASHA (1991), a CAA corresponde a uma área de intervenção que tenta compensar temporária ou permanentemente a capacidade de comunicação de indivíduos que não o conseguem fazer de outra maneira. Sua filosofia de base preconiza a utilização de toda e qualquer forma de comunicação de modo a compensar ou substituir os métodos tradicionais. Os SAAC são a forma de operacionalizar a comunicação e constituem-se como um conjunto de símbolos, métodos, estratégias e técnicas que permitem ao indivíduo interagir de modo funcional com o meio com base na expressão de pensamentos feita por meio de diferentes modos, tornando a comunicação mais rápida e eficaz (Beukelman & Mirenda, 1998). Apesar de o recurso a esse tipo de sistemas ser, muitas vezes, fundamental para o sucesso comunicativo, merece atenção o fato de sua utilização em pessoas com dificuldades decompreensão moderada poder ficar limitada à comunicação básica do dia a dia. No entanto, é importante tentar, porque tudo o que essas pessoas possam ganhar do ponto de vista comunicativo transforma-se em uma melhoria efetiva de sua qualidade de vida. Tratamento baseado no contexto Baseia-se na criação de contextos que facilitem a compreensão alterada. É uma abordagem que deverá ser feita, preferencialmente, na casa do paciente, e exige uma colaboração estreita dos cuidadores (Holland, Milman, Munoz, & Bays, 2002). Tratamento em contexto social: o objetivo dessa abordagem é maximizar as capacidades de comunicação funcional e aumentar a autoconfiança para interagir nos contextos sociais em que se insere, sem se importar muito com os erros linguísticos cometidos. O que interessa é a passagem de informação (Avent & Austermann, 2003). É muito utilizado em treino de conversação e em grupos terapêuticos. Treino por roteiro: é uma abordagem funcional por meio do conhecimento de um roteiro que envolve compreensão, memorização e evocação da sequência de uma atividade, de modo a facilitar a participação em atividades relevantes (Maher & Raymer, 2004; Di Lazzaro et al., 2008). Abordagem por estimulação cerebral não invasiva É uma abordagem emergente na reabilitação da afasia e utiliza técnicas de estimulação cerebral elétrica direta não invasiva. As técnicas mais usuais são a estimulação transcraniana por corrente direta e a estimulação magnética transcraniana repetitiva. Recomendações para se comunicar com pacientes graves 1. Simpli�car: use uma ideia de cada vez, use frases curtas, fale mais pausadamente, mas sem alterar de maneira evidente o ritmo e a prosódia, mude suavemente de tópico. 2. Ajudar: assegure-se de que tem a atenção do paciente, por meio de gestos, de expressões faciais, do apontar, e use frases redundantes. 3. Dar tempo: proporcione tempo adicional para que consiga compreender e responder. Seja paciente, sem pressa, e aceite as várias tentativas de comunicação. 4. Adivinhar: faça perguntas cada vez mais específicas. 5. Con�rmar: faça perguntas sobre o que julga que o paciente pensa. Após uma resposta do paciente, faça outra pergunta que implique a mesma resposta para confirmação. 6. Seja claro: diga “desculpe”, “não percebi”, “importa-se de repetir?”. Não interrompa abruptamente a interação quando a tentativa de comunicação falhar. 7. Redução de variáveis estranhas: evite comunicar-se em um ambiente ruidoso, não tente comunicar-se caso estejam ocorrerendo outras atividades, tais como ouvir rádio ou ver televisão. Evite situações em que estejam mais que uma pessoa falando ao mesmo tempo. 8. Respeite o paciente: não se esqueça de que o paciente é um adulto inteligente que percebe o que o rodeia. Inclua-o na conversação. Não o trate como se não estivesse presente, se fosse surdo ou com uma deficiência intelectual. Objetivos no tratamento das afasias graves A necessidade e o desejo de se comunicar e a dependência para poder fazê-lo variam entre pacientes. Os clínicos devem reconhecer, ter em mente e respeitar essa realidade, pois os objetivos que se pretendam alcançar e a maneira de intervir têm, obrigatoriamente, de ser individualizados. Contudo, podemos pensar que para os pacientes mais graves poderemos levantar como objetivos gerais expectáveis de alcançar: 1. Melhorar a compreensão auditiva de material verbal, utilizando ajudas que aumentem a contextualização. É importante que se consiga que a compreensão de frases de uma oração seja consistente. 2. Melhorar a produção oral ou gestual de “sim” e “não” de maneira inequívoca. 3. Aumentar a capacidade de produção de escrita funcional, por meio de palavras ou de aproximações de palavras, de assuntos ou objetos do dia a dia. 4. Melhorar a capacidade de compreensão de leitura de palavras. 5. Melhorar o recurso da produção clara de gestos simples. 6. Melhorar o desempenho do desenho como meio de transmissão de informação simples. 7. Garantir que a intenção comunicativa esteja presente por meio de uma ou da combinação de várias modalidades. 8. Eliciar a produção de algumas palavras. Referências Abad, A., Pompili, A., Costa, A., Trancoso, I., Fonseca, J., Leal, G., ... Martins, I. P. (2013). Automatic word naming recognition for an on-line aphasia treatment system. Computer Speech & Language, 27(6), 1235-1248. American Speech-Language-Hearing Association Commi�ee on Language [ASHA] (1991). Guidelines for speech-language pathologists serving persons with language, socio-communicative, and/or cognitive-communicative impairments. 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Na RN, profissionais da área da saúde, em conjunto com familiares e membros da comunidade, trabalham a fim de remediar ou aliviar os déficits cognitivos de pacientes, com ou sem danos neurológicos (Wilson, Gracey, Evans, & Bateman, 2009). Com relação aos pacientes com lesões neurológicas adquiridas, a reabilitação tem como objetivo obter o melhor (e possível) potencial físico, mental e social do indivíduo, para que ele possa remanescer ou (re)integrar-se em um meio social (Ferré, Ska, Lajoie, Bleau, & Joane�e, 2011; Kesselring & Beer, 2005). Durante todo o processo de reabilitação, é necessário o raciocínio clínico com o intuito de promover a manutenção das funções total ou parcialmente preservadas para o ensino de estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e adaptação às perdas permanentes (Chagas & Monteiro, 2004). Tais estratégias visam auxiliar todos os envolvidos no processo de reabilitação, seja em conviver, em manejar, em ultrapassar, em reduzir e/ou em aceitar déficits cognitivos causados por lesões cerebrais. A intervenção pode acontecer na modalidade individual ou em grupo, e sempre quando possível, a família pode ser alvo de atenção, uma vez que o envolvimento dos familiares pode auxiliar no processo de recuperação do paciente. Infelizmente, o que acontece é que, muitas vezes, os familiares não têm conhecimento das causas e consequências das patologias (Chagas & Monteiro, 2004). A família pode ter dificuldade na aceitação da incapacidade do paciente, e as orientações favorecem que metas mais realistas sejam alcançadas. As informações sobre a patologia de base, como causas, sequelas e manejo, podem permitir a compreensão do quadro e desmistificação, além de parceria na reabilitação (familiares como coterapeutas). Para uma revisão ampla sobre métodos de reabilitação neuropsicológica, revisar Gindri et al. (2012). Este capítulo tem como objetivo discutir a reabilitação neuropsicológica dos aspectos discursivos da linguagem. Etapas importantes no processo de reabilitação Conscientizar o paciente de seus erros e de suas potencialidades é o primeiro passo para o sucesso da reabilitação cognitiva. A conscientização (metacognição) a respeito de suas capacidades remanescentes tem influência direta no modo como o paciente vai atentar às mudanças que necessita realizar diariamente e de como enfrentará sua nova realidade (Wilson, Herbert, & Shil, 2003). A principal proposta da RN é que o paciente alcance seu maior nível de bem-estar, reduzindo o impacto de seus problemas diariamente e ajudando-o a retornar às atividades ocupacionais, reintroduzindo-o no próprio ambiente (Ma�er, 2003; Wilson et al., 2009). Nesse sentido, pensa-se na importância de que o fato de ser saudável e funcional não necessariamente está associado à ausência de doença (ou dificuldades), mas, sim, à capacidade de adaptar estratégias e compensações, a fim de manter a autonomia no cotidiano e a qualidade de vida dos pacientes (Mansur, Schochat, Silagi, & Rabelo, 2014). Apesar de ser teoricamente bem definida, a RN não é fácil de ser alcançada e, para que esse processo seja possível, torna-se fundamental que a equipe clínica implemente um plano de ação em conjunto, que contemple todas as necessidades apresentadas pelo paciente e colabore com sua reabilitação. As pesquisas que mais se destacam na área de RN da comunicação, especialmente relacionadas aos processamentos discursivo, léxico- semântico, pragmático e prosódico, compreendem, principalmente, tratamentos para processamento léxico-semântico com foco na redução das anomias (Maher & Raymer, 2004) e para prosódia emocional (Leon et al., 2005). Assim, observa-se um limitado investimento no que tange às investigações quanto à reabilitação do discurso e de habilidades pragmáticas. No entanto, também se percebe que a intervenção léxico- semântica para além das anomias, isto é, em alterações de relações semânticas e de busca lexical com base em pistas contextuais, ainda é pouco estudada (Ferré et al., 2011). A reabilitação cognitivo-comportamental dos processamentos funcionais da linguagem ainda é um grande desafio, possivelmente em função da escassez de modelos terapêuticos testáveis dos domínios e sistemas que deem suporte à comunicação interpessoal (Tompkins, 2012). Tal fato pode ser decorrente da grande gama de normalidade de domínios e sistemas, o que dificulta o discernimento entre o que é um transtorno ou não e, ainda, o não entendimento das naturezas dessas dificuldades. Apesar de ainda não existir uma vasta literatura sobre métodos e desfechos de programas de reabilitação da comunicação, é possível encontrar alguns estudos que têm como principal objetivo a reabilitação de componentes comunicativos. Blake (2007), ao revisar as técnicas terapêuticas utilizadas na reabilitação de funções comunicativas, concluiu que é necessário comparar diretamente os déficits cognitivos e de comunicação causados por diferentes etiologias, para verificar as semelhanças e para explorar ainda mais os efeitos de um dano cerebral difuso de um focal para as redes neurais que auxilia nas funções cognitivas e de comunicação. Como observa Togher (2010), as dificuldades comunicativas típicas são complexas e multivariadas, tanto para descrevê-las como patologia de base quanto para tratá-las. Cabe refletir sobre a interação entre cognição e comunicação para que se consigam melhores resultados nos programas terapêuticos. Avaliação e reabilitação do processamento discursivo O discurso é uma das habilidades comunicativas da linguagem e é considerado um dos processamentos mais complexos (Harley, 2001), pois se utiliza da linguagem falada ou escrita para apresentar ideias de maneira organizada, envolvendo vários níveis de representação linguística (Robertson et al., 2000). Mais especificamente, para que o processamento discursivo ocorra, torna-se necessário o recrutamento de competências linguísticas para o processamento gramatical, do raciocínio pragmático para a compreensão das intenções comunicativas de outros oradores e para o processamento inferencial, além da atuação das funções cognitivas, como atenção, memória e funções executivas. Com base na perspectiva da teoria do discurso baseado no contexto (Van Dijk, 2012), sabe-se que as tarefas discursivas são complexas e acontecem em tempo real, necessitando da constante atualização on-line dos pacientes (Kintsch & van Dijk, 1978). Alterações discursivas conversacionais e narrativas, embora muito frequentes em inúmeros quadros neurológicos e/ou psiquiátricos, têm sido alvo limitado, surpreendentemente, até mesmo em estudos de avaliação neuropsicológica. Tal limitação é ainda mais grave no âmbito da RN, principalmente em quadros clínicos como esquizofrenia (Champagne-Lavau, Stip, & Joane�e, 2007), demência devida à doença de Alzheimer e frontotemporal nas variantes frontal e semântica (Koehler, Gindri, Bós, & Mancopes, 2012; Moss, Polignano, White, Minichiello,& Sunderland, 2002), afasia progressiva primária (Allegri, Harris, Serrano, & Delavald, 2001), lesão de hemisfério direito (Tompkins, 2012) e traumatismo cranioencefálico (TCE; Coelho, Lê, Mozeiko, Krueger, & Grafman, 2012; Shorland & Douglas, 2010), em que o discurso pode estar prejudicado. Sequelas discursivas têm sido cada vez mais associadas ao papel do hemisfério direito (HD) em cooperação com o hemisfério esquerdo (HE) do cérebro pela interface dos subprocessos discursivos com aqueles pragmáticos e prosódicos (Chantraine, Joane�e, & Ska, 1998; Tompkins, Fassbinder, Lehman-Blake, & Baumgaertner, 2002), e justamente por isso faz-se importante ser motivo de interesse por parte dos profissionais que atendem a esses pacientes. Avaliar o processamento discursivo implica entender que os indivíduos necessitam recrutar as habilidades cognitivas preservadas e compensar as deficitárias. O discurso é cultural, dinâmico e pragmático, ou seja, dependente da situação (local, pessoas, culturas, entre outros) (Perkins, Body, & Perkins, 2004). Ainda, déficits comunicativos-cognitivos podem estar relacionados à dificuldade de flexibilidade cognitiva. Os participantes dos turnos dialógicos necessitam construir dinamicamente a análise e a interpretação subjetiva das informações recebidas além de interpretar, por meio dos modelos mentais já vividos, representações analógicas preestabelecidas, para que possam processar inferências aceitáveis de acordo com o contexto (Davis & Guendouzi, 2013; Dijkstra, Bourgeois, Allen, & Burgio, 2004; Kintsch & van Dijk, 1978). As habilidades comunicativas, apesar de serem únicas, podem ser planejadas previamente, pois não são construídas a partir do momento zero da interação. Pressupõe-se que os participantes do discurso conheçam de antemão e construam mentalmente as situações discursivas, a partir dos momentos vivenciados antes e lembranças comunicativas semelhantes. Esse pré-entendimento acontece tanto com as conversas mais formais quanto com aquelas espontâneas. Assim, a teoria do contexto apoia-se na abordagem pragmática do discurso, pois tem a pretensão de explicar como os usuários de uma língua adaptam sua intenção discursiva de acordo com os entornos socioculturais e cognitivos específicos da situação (van Dijk, 2012). Nessa perspectiva, as situações comunicacionais acontecem em decorrência de uma efetiva adaptação e um efetivo recrutamento das habilidades pragmáticas, de memória semântico-episódica (recordações de eventos e inferências derivadas das crenças sociais compartilhadas) e de flexibilidade cognitiva. Assim, sabe-se que os processamentos discursivos demandam importantes recursos cognitivos, tais como funções executivas e as demandas atencionais (Coelho, Grela, Corso, Gamble, & Feinn, 2005; Tucker & Hanlon, 1998), e linguísticos e sociais (McDonald, Togher, & Code, 2000). Essas múltiplas interações concebem ao discurso a condição de complexa tarefa da comunicação que transmite a mensagem (Cannizzaro & Coelho, 2013; Ulatowska & Bonde-Chapman, 1989). A integração linguística e cognitiva beneficiará o paciente e fará que a comunicação verbal ocorra com qualidade, além de contribuir para que o produto final da mensagem seja transmitido com eficiência (Coelho et al., 2005; Marini et al., 2011). A produção comunicativa demanda muito do funcionamento executivo, pois o paciente necessita controlar a execução das atividades comunicativas, planejar o conteúdo, organizar as estruturas sintáticas recrutadas, ativar o acesso léxico-semântico e até mesmo organizar o output articulatório (Levelt, 1989). As habilidades discursivas podem ser avaliadas em diferentes modalidades: descritivo, persuasivo, procedural, expositivo, narrativo e conversacional, com ou sem participação do avaliador (McDonald et al., 2000), sendo que mais frequentemente se utiliza a tarefa de discurso conversacional (conversa informal entre avaliador e participantes) e/ou de discurso narrativo oral ou escrito (paciente necessita recontar uma história por meio de input auditivo e/ou visual) (Leblanc et al., 2014; Matsuoka, Kotani, & Yamasato, 2012; Perkins et al., 2004; Rousseaux, Vérigneaux, & Kozlowski, 2010). Com relação a algumas patologias neurológicas e os sintomas clínicos observados, estima-se que pelo menos 50% dos pacientes com lesão vascular de HD apresentam algum grau de prejuízo nos aspectos funcionais da linguagem (Brookshire, 2003; Benton & Bryan, 1996; Côté, Moix, & Giroux, 2004). Essa incidência pode chegar a até 80% dos casos (Côté, Payer, Giroux, & Joane�e, 2007), com diferentes combinações de déficits nos processamentos pragmático, discursivo, léxico-semântico e prosódico (Ferré et al., 2009), e costumam impactar significativamente na vida do paciente e de seus familiares (Seniów, Litwin, & Lésniak, 2009). Da mesma maneira, aproximadamente metade dos casos de acidente vascular cerebral no HE pode acarretar distúrbio de linguagem, variando desde os quadros afásicos mais graves até leves déficits funcionais da linguagem, incluindo comprometimentos no discurso, mesmo que em menor frequência (Whitworth, 2010). Os pacientes pós-TCE podem apresentar dificuldades em integrar os elementos de uma história em um todo coerente de modo a compreendê-lo. Podem, ainda, ter problemas em identificar as necessidades do ouvinte e compreender suas intenções (Tompkins, Scharp, Fassbinder, Meigh & Armstrong, 2008). Na produção, observa-se a ocorrência de um discurso tangencial e dificuldades em respeitar os turnos da conversa (Blake, 2007). Com pacientes com demência devida à doença do tipo Alzheimer ou comprometimento cognitivo leve, o discurso parece ser mais associado a improvisações frequentes (palavras equivocadas ou fora de contexto) e estruturas frasais menos coesas. Os pacientes apresentam dificuldade em manter o tópico da conversa e capacidade reduzida de inserir novos assuntos (Ulatowska, Chapman, Highley, & Prince, 1998). Frequentemente se observam muitos erros de coesão global relacionados ao uso pragmático da conversação, como dificuldade na elaboração dos tópicos da conversação (Davis & Guendouzi, 2013; Orimaye, Wong, Golden, Wong, & Soyiri, 2017). Essas dificuldades referidas não são explicadas pelo envelhecimento, uma vez que idosos neurologicamente saudáveis conseguem utilizar as palavras corretas, de maneira adequada, bem como são capazes de resumir e explicar a moral da história e até mesmo se engajar em uma situação conversacional sem maiores dificuldades (Dijkstra et al., 2004). Diante da grande incidência de quadros que podem apresentar sequelas discursivas, ações para melhorar a qualidade de vida desses pacientes são essenciais. Entre estas, preconizam-se programas de reabilitação teórica e clinicamente embasados, com rigor metodológico em sua construção e estimativa de eficácia. Gindri, Pagliarin, Casarin, Branco, Ferré et. al (2014), em um estudo de revisão sistemática de reabilitação da habilidade discursiva, verificaram que, apesar dos avanços das avaliações de pacientes com déficits nesse componente, ainda existe uma lacuna quanto aos programas terapêuticos. Além de terem sido encontrados poucos estudos, a linha metodológica foi diferente de um estudo para o outro, não sendo possível tirar conclusões quanto aos benefícios de cada programa. Mais especificamente, até onde se sabe, não há programas de intervenção para déficits discursivos conversacionais (Ferré et al., 2011; Gindri & Fonseca, 2012) específicos e suficientemente detalhados para diferentes quadros de lesão cerebral adquirida que permitissem replicação. Em uma proposta de um programa de reabilitação neuropsicológica da comunicação com o objetivo de melhorar o processamento discursivo conversacional e, indiretamente, beneficiar aspectos pragmáticos, prosódicos e léxico-semânticos da linguagem, bem como estimular melhora dos processamentos mnemônicos e executivos, citam-se quatro etapas a serem seguidas: a sensibilização do problema, o suporte aos problemas cognitivos de base, a hierarquização das tarefasde intervenção e a generalização das aquisições (Gindri et al., 2012; Tompkins, 2012). Sensibilizar o paciente de sua dificuldade discursiva, observar esse comportamento nos outros, treinar por meio de estratégias o uso de um comportamento adequado e monitorar essa aprendizagem são ações que estão diretamente relacionadas à metacognição. Na abordagem da psicologia cognitiva, a definição de metacognição está relacionada ao processo de aprender e às capacidades de planejamento e regulação da própria atividade em função de determinados objetivos (Ribeiro, 2003), ao passo que, na abordagem neuropsicológica, a capacidade de gerenciamento dos recursos cognitivos com a finalidade de planejamento e regulação do comportamento é denominada função executiva. Em uma reflexão teórica sobre funções executivas e metacognição e suas relações, Corso, Sperb, Jou e Salles (2013) descreveram que tais construtos não estão presentes apenas durante um processamento cognitivo, mas são requeridos também em decisões pessoais e interações sociais, envolvendo, entre outros aspectos, desejo e motivação. Além disso, relatam que há aspectos em que eles se aproximam, pois ambos os construtos descrevem as atividades mentais de planejamento, monitoração e controle das próprias ações. Tanto a metacognição quanto as funções executivas devem estar presentes no processo de aprendizagem de novas habilidades e na monitoração de comportamento, sendo, portanto, construtos importantes a serem explorados no processo terapêutico. Em continuidade ao que é relatado nos estudos que investigam as dificuldades dos comportamentos comunicativos discursivos desviantes em pacientes pós-lesão neurológica adquirida (Ferré et al., 2011) e ao que também é citado como sendo uma estratégia terapêutica adequada com base na metacognição (Kennedy & Coelho, 2008), estratégias foram desenvolvidas para facilitar a identificação e a monitoração das dificuldades nesses indivíduos. Allwood, Nivre e Ahlsén (1993) descreveram o quanto, na conversação habitual, se faz uso de feedback entre os interlocutores. Segundo esses autores, o feedback tem como funções o contato (se o interlocutor quer continuar o diálogo), a percepção (se o interlocutor está percebendo a mensagem), o entendimento (se o interlocutor está compreendendo a mensagem) e as atitudes/reações (se o interlocutor reage de alguma maneira à mensagem recebida). Assim, o uso de feedback na comunicação parece ser a monitoração que os interlocutores têm para continuar ou não na conversa. Na literatura, especificamente em amostras com TCE, encontram-se pesquisas de reabilitação com foco na comunicação social em que se faz uso de feedback visual ou verbal com resultados positivos quando comparados ao treinamento tradicional de habilidades específicas (Struchen, 2005). No entanto, apesar desses resultados favoráveis ao uso do feedback como estratégia terapêutica, Schmidt, Lannin, Fleming e Ownsworth (2011) salientaram que a eficácia dessa estratégia não foi substancial o suficiente e que mais pesquisas devem ser realizadas. Em consonância com esses achados clínicos, observa-se o interesse para que pesquisadores da área da Neuropsicologia busquem compreender a natureza desses problemas comunicativos para desenvolver avaliações e intervenções eficazes para essas populações, bem como contribuir para modelos teóricos sobre os processos envolvidos no planejamento do discurso (Brandão, 2010). Entre os modelos teóricos que contribuem para pesquisas sobre os problemas discursivos, o modelo descrito por Kintsch e van Dijk (1978) estabeleceu que o indivíduo organiza sua produção discursiva tendo como guia as ideias mais importantes (macroposições) para que o discurso seja composto de coerência global. Além disso, o falante precisa expressar ideias novas para que o discurso seja composto de informações (Brandão, 2010). Segundo van Dijk (2012), as representações dos modelos mentais (para melhor entendimento, ler van Dijk & Kintsch, 1983) e dos esquemas de conhecimento geral são acessadas conforme cada contexto de comunicação. Essa ação de se considerar o contexto é denominada modelo de contexto. Esse modelo é formado por meio das suposições sobre a intenção do ouvinte, seus conhecimentos episódicos e semânticos e o comportamento social esperado. Em outras palavras, ao comunicar, o indivíduo precisa ter noção de lugar, de tempo, de quem é(são) o(s) ouvinte(s), da prática social, quais objetivos o interlocutor pretende alcançar com esse ato, além das hipóteses de conhecimento que o outro tem sobre o tema, ou seja, o modelo de contexto pode ser considerado como multimodal. Vale ressaltar que, na maioria dos estudos citados que estimulam uma melhor comunicação entre os pacientes, de alguma maneira, técnicas de memorização e funcionamento executivo são inseridos, mesmo que não sejam diretamente estimuladas (Broughton et al., 2011). Ressalta-se aqui o estudo de Smith et al. (2011), que desenvolveu um programa de treinamento baseado em um DVD com o objetivo de treinar memória e comunicação em pessoas com diagnóstico de demência. Esse DVD tem 50 minutos de conteúdo, o qual inclui comentários de profissionais especialistas sobre o perfil comunicativo e mnemônico dos pacientes. São apresentadas, ainda, as dificuldades e, em contrapartida, dois conjuntos de estratégias baseadas em evidências científicas. As estratégias têm como objetivo ajudar os cuidadores a maximizar as habilidades diárias de memória e comunicação, e para isso os autores criaram as siglas RECAPS e MESSAGE, em que cada letra representa uma estratégia compensatória de memória e comunicação, respectivamente. Assim, a sigla RECAPS contém: R de reminders, utilizando dicas verbais e não verbais e ajudas externas de memória; E de environment, mantendo um ambiente familiar e encorajando associações automáticas entre itens e suas localizações espaciais, por exemplo; C de consistente routines, que incentiva a manter e estabelecer estratégias de memória implícita por meio de ações corriqueiras e habituais; A de a�ention, no sentido de diminuir distrações e maximizar o foco de cada ação/atividade; P de practice, para preservar habilidades cognitivas por meio do uso, ensino e criação de novas rotinas de maneira sistemática e com repetição; e S de simple steps, que consiste em simplificar tarefas em componentes para permitir que o paciente continue participando. Para a sigla MESSAGE temos: M de maximise a�ention, no sentido de estipular e manter contato visual e minimizar as demandas atencionais que podem competir no momento da comunicação; E de expression and body language, que enfatiza a troca de expressões que demonstrem calma e interesse; S de keep it simple, estimulando o uso de sentenças curtas e explícitas com palavras familiares e oferecendo escolhas claras quando utiliza questionamento; S de support the conversation, que permite o processamento da informação ao longo do tempo, ajuda a recuperar algumas palavras, repetir e refrasear caso necessário e lembrar de tópicos; A de assist with visual aids, utilizando gestos, figuras e objetos; G de get their message, que estimula a utilização de dicas contextuais e comportamentais para descobrir o significado de algo; e E de encourage and engage in communication, que estimula tópicos familiares e interessantes, utilizando fotos como auxílio, e promove uma situação de conversação solidária com amigos e familiares. Esse treinamento foi utilizado no estudo de Broughton et al. (2011) com enfermeiros, técnicos de enfermagem e recreacionistas, e os autores referiram que o treino melhorou o conhecimento por parte da equipe de saúde em aplicar estratégias de memória e comunicação nas situações diárias, com melhora nas medidas de satisfação de trabalho antes e depois do treinamento. As enfermeiras foram receptivas à proposta e consideram as estratégias úteis e aplicáveis, entretanto, as medidas de avaliação pré e pós- treinamento dos pacientes não foram descritas. A intervenção neuropsicológica tem como meta a transposiçãodas habilidades comunicativas treinadas para diferentes ambientes além da terapia (Gindri & Fonseca, 2012; Ferré et al., 2011). Ter como meta a generalização é levar em consideração a validade ecológica da reabilitação. Nesse contexto, propõem-se que diferentes situações sejam fomentadas para estimular o paciente com o propósito de que a reabilitação tenha impacto no cotidiano, incluindo trabalho em equipe com a família, por meio de orientações e possibilidades de atividades para casa (Machuca, León- Carrión, & Barroso, 2006). Com o progresso do paciente nas atividades de vida diária e maiores participação, funcionalidade e independência em diferentes contextos sociais, a reabilitação culmina com a alta (Machuca et al., 2006) A literatura aponta para a efetividade da RN da linguagem, apesar da variabilidade de avaliações utilizadas para mensurar seus resultados (Rohling, Faust, Beverly, & Demakis, 2009; Vallumrød, Oddvang, & Severinsson, 2016). Destaca-se que, embora a intervenção tardia apresente eficácia, é a RN precoce que favorece os melhores resultados quanto à recuperação da linguagem e da comunicação (Machuca et al., 2006). Quanto aos desafios no campo da RN, é importante mencionar os avanços das novas tecnologias, as quais podem ser úteis se empregadas como ferramentas pelo terapeuta. A gestão de so�wares e uso de recursos on-line pode favorecer a adaptação da intervenção a diferentes incapacidades ou habilidades reduzidas, como as limitações físicas (Guerrero Pertíñez & García Linares, 2015). Considerações finais Na prática clínica baseada em evidências científicas das áreas de neuropsicologia, neuropsicolinguística, fonoaudiologia e afasiologia, a reabilitação neuropsicológica ainda é mais voltada à estimulação reeducativa ou remediativa de habilidades semânticas e sintáticas. Menor ênfase é dada ao tratamento pragmático e discursivo. Houve, felizmente, uma importante evolução de métodos com desenvolvimento de programas e de estratégias para aprimoramento das habilidades discursivas conversacionais e, principalmente, narrativas. Mais estudos são necessários em busca de evidências de desfecho positivo e de efetividade e eficácia desses métodos com diferentes populações clínicas por etiologia e perfil cognitivo. Referências Allegri, R. F., Harris, P., Serrano, C., & Delavald, N. (2001). Perfis diferenciais de perda de memória entre a demência frontotemporal e a do tipo Alzheimer. Psicologia: Reflexão E Crítica, 14(2), 317-324. Allwood, J. K., Nivre, J., & Ahlsén, E. (1993). On the Semantics and Pragmatics of Linguistic Feedback. Journal of Semantics, 9(1), 1-30. Benton, E., & Bryan, K. 1996. Right cerebral hemisphere damage: Incidence of language problems. International Journal of Rehabilitation Research, 19, 47-54. Blake, M. L. (2007). Perspectives on treatment for communication deficits associated with right hemisphere brain damage. American Journal of Speech-Language Pathology, 16(4), 331-342. Brandão L. (2010) Discurso e cognição em suas variantes da demência frontotemporal e na doença de Alzheimer. 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A doença de Alzheimer (DA) é o tipo mais frequente de demência, seguida de outros tipos, como a demência vascular, a demência frontotemporal, a demência por corpos de Lewy e a demência devida à doença de Parkinson. Dificuldades de comunicação de ordem cognitiva podem ocorrer em todas as formas de demência e são um dos problemas mais frequentes e mais difíceis de manejar entre pacientes e familiares (Braun, Mura, Peter-Wight, Hornung,