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In: ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 102-107. 14 Antônio Marcos Pimenta Neves e Sandra Florentino Gomide No dia 20 de agosto de 2000, em um haras localizado no município de Ibiúna, em São Paulo, por volta das 14 horas, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, de 63 anos, diretor de redação de O Estado de S. Paulo, tomado de ciúme e rancor pela ex-namorada e colega de profissão Sandra Gomide, de 32 anos, alvejou-a com dois tiros. O primeiro, dado pelas costas, provocou a queda da vítima ao solo. O segundo, disparado à queima-roupa no ouvido da moça, acabou de matá-la. O assassinato foi presenciado pelo funcionário do haras João Quinto de Souza. Diziam os amigos que Pimenta Neves era metódico e muito sério. Tinha algumas manias. Foi qualificado pela revista Veja São Paulo, de 28-9-2000, de "mitômano, cic1otímico e dado a fazer intrigas entre amigos". Conhecera Sandra em 1995, na Gazeta Mercantil, quando retomou dos Estados Unidos, onde morou durante anos, para ser editor e diretor-chefe do jornal. Sandra era repórter da mesma empresa havia sete anos e, devido ao trabalho conjunto, ocorreu uma aproximação entre eles. O namoro propriamente dito começou cerca de um ano depois e durou quatro anos. A relação foi conturbada, com várias brigas e reconciliações. A cada rompimento, Pimenta pedia a Sandra que devolvesse tudo o que ele lhe havia dado. Roupas, jóias, selas de cavalo etc. Ele atribuía muita impor- tância ao fato de tê-la presenteado com objetos de algum valor e não admitia que a moça ficasse com eles depois de uma separação. chava que tudo o que Sandra possuía devia a ele, desde o emprego nos jornais, o salário que ganhava, os amigos que tinha, até a prática de 102 equitação e a vida que levava. O problema é que, a cada ameaça de rompimento do namoro, Pimenta queria tudo de volta, negando qualquer mérito pessoal da moça em ser ou ter alguma coisa. Pimenta e Sandra pertenciam a mundos diferentes. Ela era filha de um mecânico de automóveis da Vila Mariana, em São Paulo, e lutava para sobreviver na sua profissão. Ele havia sido assessor do Banco Mundial e, ao voltar para o Brasil, ocupou cargo de direção em dois jornais de grande circulação. Pimenta casara-se nos Estados Unidos com a americana Carol, com quem teve duas filhas gêmeas e com quem viveu durante trinta anos. Separou-se da mulher e voltou para o Brasil para dirigir a Gazeta Mercantil, mas acabou se desentendendo na direção do jornal e teve de se afastar. Na época do crime estava em O Estado de S. Paulo, um dos maiores jornais do País. Pimenta era egocêntrico, achavase superior aos outros. Ou seja: ele era poderoso, bem de vida e arrogante; ela era uma jovem simples, em posição subalterna a ele na carreira jornalística. Entre ambos havia uma diferença de idade de 32 anos. Ex -colegas de Pimenta, ouvidos pela revista VejaI�, disseram que, "logo depois que começaram a namorar, Pimenta promoveu Sandra a repórter especial. Romperam e ele a transferiu para uma função destinada a aprendizes. Ela se recusou e pediu férias. Ele não deu. Reataram. Ela, então, pôde entrar em férias, das quais voltou já promovida a editora de um caderno de empresas". Os amigos não duvidavam de que os dois se gostassem, mas percebiam que Pimenta manipulava a moça com a hierarquia da redação. Algum tempo depois de ter -sido contratado por O Estado de S. Paulo, Pimenta levou Sandra para o mesmo jornal. Devido à diferença de idade, ele ficava extremamente enciumado quando Sandra se aproximava de algum colega de sua geração e tinha rompantes assustadores. Contratava motoristas para seguir os passos da namorada, tendo chegado ao cúmulo de alugar um apartamento Em frente ao dela apenas no intuito de vigiá-la. Certa noite, após o último rompimento, ao chegar em casa por volta das 21 horas, Sandra encontrou seu apartamento todo revirado. Inicialmente, pensou em assalto, mas, logo depois, encontrou Pimenta escondido atrás de um armário existente no escritório. Conforme relato feito pela revista Veja2�, "ele sacou uma arma calibre 38 e apontou para a cabeça dela. Levou-a para o quarto, jogou-a na cama e, sob uma saraivada de palavrões, estapeou-a duas vezes com as costas das mãos. O telefone tocou e Sandra correu para atendê10. Era seu pai. Pimenta, assustado, foi embora. Ela registrou essa queixa na Polícia, mas deixou um recado para que as investigações não prosseguissem, talvez acreditando que apenas o Boletim de Ocorrência fosse suficiente para assustar o ex-namorado. Esse erro lhe custaria a vida". Sandra havia rompido definitivamente a relação. Pimenta fez vários pedidos para voltar, mas não conseguiu modificar a decisão dela. Os colegas de trabalho notavam o desequilíbrio emocional em que mergulhara o jornalista, que se mostrava totalmente obcecado e inconformado com o fim do namoro. Evidentemente, demitiu Sandra do Estadão. Em seguida, passou a fazer de tudo para que ela não conseguisse outro emprego. Telefonava aos amigos para falar mal de Sandra, pedindo que ela não fosse admitida em nenhum outro veículo de comunicação. Perseguia os amigos da moça e qualquer outra pessoa que se mostrasse simpática a ela. Convocou uma reunião em seu local de trabalho para explicar aos colegas a saída de Sandra do jornal. Negou que ela tivesse sido demitida por ter terminado o namoro e insinuou que a jornalista estaria recebendo propina da Vasp. Assegurou que a moça era incompetente como repórter especial e como editora e não poderia ocupar nenhum outro cargo no Grupo Estado. Era tanta a confusão mental de Pimenta que ele pediu demissão do jornal. Depois, voltou atrás. Ainda segundo as informações da revista Veja�,o diretor de O Estado de S. Paulo, Ruy Mesquita, diante da trágica desintegração mental de Pimenta, recomendou a ele que se tratasse, sugerindo-lhe um psiquiatra. O jornalista aceitou a idéia e compareceu a dez sessões de análise, mas não apresentou melhora. Ele desconfiava que Sandra estivesse apaixonada por outro homem. Em maio de 2000, a jornalista fazia reportagens sobre as empresas de Wagner Canhedo na América Latina, quando teve de viajar para Quito, capital do Equador. Lá, conheceu Jayme Mantilla Anderson, proprietário do jornal Hoy, um tipo aristocrático, bemvestido, de 50 anos, loiro, olhos claros. De volta ao Brasil, ela come- çou a trocar e-mails com ele, tendo chegado a admitir a parentes e amigos que "rolou um clima" entre ambos. A notícia chegou aos ouvidos de Pimenta, deixando-o ainda mais enlouquecido. Era um domingo de sol quando Pimenta matou Sandra. Ela tinha paixão por cavalos e, justamente para aliviar a tensão pela qual vinha passando em virtude da conduta do ex-namorado, decidiu ir ao Raras Setti, em Ibiúna, onde montava. Levou duas sobrinhas. Ao chegarem, as meninas foram para a horta e Sandra para a selaria. Pimenta já estava a sua espera. Segundo ele mesmo relatou à autoridade policial, iniciou-se, então, uma discussão entre ambos. Pimenta "queria saber alguns fatos relacionados ao Boletim de Ocorrência do 362 D.P. versando sobre a invasão de domicílio da moça e a atitude tomada durante o tempo em que esteve no apartamento de Sandra"�. Negou que tivesse usado uma arma naquela ocasião. Disse que tampouco desferiu dois tapas em seu rosto, como constou da ocorrência. Pimenta também queria saber por que a ex-namorada não aceitava conversar com ele nem se importou com uma operação sofrida por uma de suas filhas, que estava com câncer. Ainda conforme a narrativa de Pimenta ao Delegado Marcelo Guedes Damas, ele "tentou intimidá-la para que ela entrasse no seu veículo, entretanto a vítima conseguiu desvencilhar-se"�. Neste momento, Pimenta desferiu dois tiros, a moça caiu ao solo e ele saiu alopradamente do local do crime com seu Clio preto e, depois de rodar com seu veículo, o abandonou ali próximo. Ligou para o jornal onde trabalhava e noticiou que havia atirado em Sandra,pedindo que o viessem buscar. Um motorista foi pegá-lo e o deixou em um apartamento em São Paulo. Depois de dois dias neste mesmo apartamento, ingeriu um total de setenta e dois comprimidos dos remédios Lexotan e Frontal, o que originou sua internação no hospital". Ainda sobre o momento dos tiros, Pimenta disse em seu interrogatório policial: "Quando eu atirei na Sandra, não saquei a arma para atirar nela, mas sim para intimidá-Ia a conversar comigo, dar as explicações de que eu precisava. (...) Eu sempre fui um homem extremamente racional, lógico, mas naquele momento eu não estava em um estado emocional que me teria impedido de cometer esse gesto brutal... Eu acho que foi o Orson que disse que todos matam a pessoa que amam. Matam em palavras, em gestos. Toda a minha vida foi construída em tomo dela nestes últimos quatro anos. (...) Eu idolatrava o chão que ela pisava". Após o crime, Pimenta ficou internado para tratamento de saúde até se recuperar. Foi, então, transferido para o 132 Distrito Policial, onde dividiu a cela com um vereador acusado de corrupção e um estudante de medicina que havia matado, gratuitamente, várias pessoas em um cinema de shopping. Antônio MarcQs Pimenta Neves é réu confesso. Ele admitiu e relatou, em detalhes, a prática do crime. Esteve preso, em razão de prisão preventiva, até 23 de março de 2001, quando um habeas corpus, impetrado pelo advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, foilhe concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Por decisão do Ministro Celso de Mel1o, Pimenta foi solto e aguarda julgamento em liberdade. No atual momento, está sendo processado e deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri. A denúncia atribui a ele a prática de homicídio duplamente qualificado: motivo fútil e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Um crime hediondo. Por sua vez, amigos e familiares de Sandra Gomide criaram uma associação com o fim de acompanhar a apuração dos fatos e o andamento o processo criminal contra Pimenta. Contrataram os 106 advogados Luiz Flávio Gomes e Márcio Tomaz Bastos como assis- tentes de acusação. Qualquer que seja o desfecho do caso dado pela Justiça - con- denação ou absolvição do réu - de uma coisa não resta dúvida: Pimenta Neves matou Sandra Gomide, de surpresa, porque ela não o queria mais. Um típico crime passional. (A história de Pimenta Neves e Sandra Gomide está baseada em matéria publicada pela revista Veja São Paulo, de 28-9-2000, nos autos do Processo n. 270/00, da 1 iI Vara Criminal de IbiúnalSP e em matérias do jornal Folha de S. Paulo.) 107 � Veja São Paulo, de 28-8 a 3-9-2000, matéria Um caso de amor e morte. 103 � Idem. � Idem. � Conforme narrou Pimenta, quando ouvido pela � Interrogatório policial de Pimenta 105
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