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1 AS DIMENSÕES PROFISSIONAIS DO SERVIÇO 2 3 FACUMINAS A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 Faculdade de Minas INTRODUÇÃO A formação profissional dos assistentes sociais brasileiros, desde meados da década de 1990, dispõe de um projeto pedagógico que contempla um conjunto de valores e diretrizes, que lhe dão a direção estratégica e contempla um determinado perfil de profissional. Como resultado das transformações sociais que se traduzem nas particularidades da profissão, bem como do investimento feito pelas entidades da categoria, no sentido da formação de uma massa crítica, o referido projeto estabelece ―as dimensões investigativa e interventiva como princípio formativo e condição central da formação profissional e da relação teoria e realidade‖ (ABESS, 1997, p. 61). O perfil de profissional que nele se delineia prioriza a competência técnica, a crítica teórica e os compromissos ético-políticos. Netto assim o define: “intelectual que habilitado para operar numa área particular, compreende o sentido social da operação e a significância da área no conjunto da problemática social” (1996, p. 125-26). Este perfil de profissional, entre outras exigências, determina a necessidade de um sólido referencial teóricometodológico, que permita um rigoroso tratamento crítico-analítico, um conjunto de valores e 5 Faculdade de Minas princípios sociocêntricos adequados ao ethos do trabalho e um acervo técnico- instrumental que sirva de referência estratégica para a ação profissional. Daí a necessidade de formar profissionais capazes de desvendar as dimensões constitutivas da chamada questão sociais, do padrão de intervenção social do Estado nas expressões da questão social, do significado e funcionalidade das ações instrumentais a este padrão, presentes neste contexto a fim de identificar e construir estratégias que venham a orientar e instrumentalizar a ação profissional, permitindo não apenas o atendimento das demandas imediatas e/ou consolidadas, mas sua reconstrução crítica. assim, um papel decisivo na conquista de um estatuto acadêmico que possibilita aliar formação com capacitação, condições indispensáveis tanto a uma intervenção profissional qualificada, quanto à ampliação do patrimônio intelectual e bibliográfico da profissão. Nota-se uma significativa expansão dela nos últimos anos e um também significativo avanço na sua qualidade, a partir da adoção do referencial teórico-metodológico extraído da tradição marxista. O objetivo deste texto é demonstrar o estatuto de maioridade intelectual para a profissão: além de possibilitar aos seus protagonistas uma contribuição efetiva às diversas áreas de conhecimento, permitindo conectar (através de múltiplas mediações) às demandas da classe trabalhadora – precondição para a construção de novas legitimidades profissionais. Com base na natureza interventiva da profissão e do valor do conhecimento para ela, discutem-se, as modalidades, níveis e graus de abrangência do conhecimento. Consideram-se a investigação e a intervenção elementos que, embora de naturezas distintas, compreendem a dialética do modo de ser da profissão, claramente expresso nas competências/atribuições 6 Faculdade de Minas profissionais. Do mesmo modo, afirmam-se a atitude investigativa e a pesquisa como parte constitutiva do exercício do assistente social, vislumbram-se os requisitos para o desenvolvimento da pesquisa científica, e, finalmente, o papel da investigação da realidade na formulação do projeto de intervenção e da intervenção propriamente dita. 7 RUMO À CONSOLIDAÇÃO DA MAIORIDADE ACADÊMICA E PROFISSIONAL No Brasil, como resultado da pesquisa científica e do seu reconhecimento pelas agências de fomento como área de produção do conhecimento, desde o final dos anos 1980, tem uma produção científica e bibliográfica própria, expandida cada vez 8 Faculdade de Minas mais para outros países da América Latina, por eles reconhecida não apenas pela sua qualidade, mas pelo seu vetor radicalmente crítico da ordem social, que vem estabelecendo diálogo com importantes teóricos e intelectuais do país e fora dele. Se foi a recorrência às Ciências Sociais e à tradição marxista que possibilitou os avanços da pesquisa e da produção do conhecimento na área, coube a essa última fertilizar todas as polêmicas relevante: das questões pertinentes à natureza e significado da profissão e de suas técnicas, às questões sobre o Estado, o significado das políticas sociais, o papel dos movimentos sociais e sua organização, os processos de efetivação da democracia e da cidadania (entre outros). Além disso, a recorrência ao referencial marxista contribui com a própria valorização da pesquisa para a profissão (seus influxos são claros no atual projeto de formação profissional), credenciando seus intelectuais como interlocutores qualificados, cuja contribuição se espraia para várias áreas de conhecimento. Ao longo de pouco mais de 20 anos de existência, a pesquisa no Serviço Social vem enfrentando dificuldades de monta, as quais fogem aos objetivos deste artigo. Não obstante, vemos que ela detém todas as possibilidades que a habilitam a alcançar sua maturidade intelectual, já que seu debate vem sendo balizado por dois princípios que lhe dão a direção: rigor teórico-metodológico e pluralismo. Registra-se, também, que, na sua trajetória, o exercício sistemático da pesquisa científica expresso nas produções mais significativas da área e o seu reconhecimento pela comunidade acadêmica e profissional têm demonstrado a atualidade e 9 Faculdade de Minas fecundidade da tradição marxista na apreensão das transformações em curso. Disto deriva algo extremamente relevante que nem sempre se evidencia no debate da categoria: se não se separa referencial teórico-analítico de estratégias sociopolíticas e profissionais, a legitimidade da direção estratégica é inquestionável, posto que a recorrência da nossa e de outras categorias profissionais pelas análises macroscópicas e totalizadoras oriundas do referencial marxiano, é notável. Tendo a crítica e criativa, facultam enriquecer os elementos da cultura profissional: princípios, valores, objetivos, referencial teórico-metodológico, racionalidades, instrumental técnico-operativo, Estratégias e posturas, com novas determinações. Colocando um dos desafios da formação profissional: criar uma cultura profissional que valorize a dimensão investigativa. Quanto às exigências imediatas, a pesquisa do mercado de trabalho permite a análise crítica sobre os espaços sócio-ocupacionais do assistente social, sobre as demandas liberais/conservadoras que lhe chegam, sobre as competências e respostas profissionais, visando a construção de maneiras alternativas de responder a elas. Coloca a dimensão investigativa: ela é a dimensão do novo – questiona, problematiza, testa as hipóteses, permite revê-las, mexe com os preconceitos, estereótipos, crenças, superstições, supera a mera aparência, por questionar a 10 Faculdade de Minas ―positividade do real”. Permite construir novas posturas visando a uma instrumentalidade de novo tipo: mais qualificada, o que equivale a dizer: eficiente e eficaz, competente e compromissada com os princípios da profissão. Se o objetivo foi alcançado, fica claro que a pesquisa possibilita desenvolver competências profissionais em três níveis. No âmbito das competências teórico-metodológicas, através da pesquisa sólida e rigorosa, desenvolve-se a capacidade de o assistente social compreender seu papel profissional no contexto das relações sociais, como foi dito, numa perspectiva de totalidade social. No âmbito das competências políticas, a pesquisa permite que se apreenda a sociedade como um espaço de contradições, os interesses sociais e econômicos subjacentes aos projetos societários, partidários e profissionais. Ela indica os protagonistas da cena política, suas articulações e alianças e possibilita identificar aliados. Do mesmo modo, permite compreender o significado social e político das demandas e respostas profissionais. E não permite descuidar do estabelecimento de estratégias sociopolíticas e profissionais. Por fim, mas não menos importante, no nível das competências técnicooperativas, a pesquisa desenvolve a capacidade de investigar as instituições, seus usuários, as demandas profissionais, os recursos institucionais, as agências financiadoras, o orçamento. Permite preparar respostas qualificadas às demandas institucionais, organizacionais ou dos movimentos sociais, vislumbradas no projeto de intervenção profissional. Pela via da pesquisa é facultado ao profissional formular respostas que não apenas atendam às demandas, mas que, compreendendo o conteúdo político delas e o contemplando, ele possa reconstruí-las criticamente. 11 Faculdade de Minas QUAL A RELAÇÃO ENTRE POSTURA TELEOLÓGICA E INSTRUMENTALIDADE? No trabalho o homem desenvolve capacidades, que passam a mediar sua relação com outros homens. Desenvolve também mediações, tais como a consciência, a linguagem, o intercâmbio, o conhecimento, mediações estas em nível da reprodução do ser social como ser histórico, e, portanto, postas pela práxis. Isso porque, o desenvolvimento do trabalho exige o desenvolvimento das próprias relações sociais e o processo de reprodução social, como um todo, requer mediações de complexos sociais tais como: a ideologia, a teoria, a filosofia, a política, a arte, o direito, o Estado, a racionalidade, a ciência e a técnica (Lessa, 1999; Guerra, 2000). Tais complexos sociais (que Lukács chama de mediações de 12 Faculdade de Minas “segunda ordem”, já que as de primeira ordem referem-se ao trabalho) tem como objetivo proporcionar uma dada organização das relações entre os homens e localiza-se no âmbito da reprodução social. O que ocorre com a instrumentalidade com a qual os homens controlam a natureza e convertem os objetos naturais em meios para o alcance de suas finalidades, é que ela é transposta para as relações dos homens entre si, interferindo em nível da reprodução social. Mas isso só ocorre em condições sócio-históricas determinadas. Nestas, os homens tornam-se meios/instrumentos de outros homens. O exemplo mais desenvolvido de conversão dos homens em meios para a realização de fins de outros homens é o da compra e venda da força de trabalho como mercadoria, de modo que a instrumentalidade, convertida em instrumentalização das pessoas, passa a ser condição de existência e permanência da própria ordem burguesa, via instituições e organizações sociais criadas com este objetivo. Pelas suas características, o processo produtivo capitalista detém a propriedade de converter as instituições e práticas sociais em instrumentos/meios de reprodução do capital. Isso se dá por meio de profundas e substantivas transformações societárias, as quais não poderão ser tratadas neste texto. Cabendo apenas sinalizar que num determinado tipo de sociedade, a do capital, ―o trabalhador deixa de lado suas necessidades enquanto pessoa humana e se converte em instrumentos para a execução das necessidades de outrem‖ (Lessa, 1999). (Sobre a reificação das relações sociais no capitalismo maduro ver Netto, 1981). Em que condições sóciohistóricas a instrumentalidade como condição necessária da relação homemnatureza se converte em instrumentalização das pessoas? 13 Faculdade de Minas SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTALIDADE A questão social esta sendo entendida como ―expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e do seu ingresso no cenário da sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do empresariado e do Estado‖, (Iamamoto e Carvalho, 1982: 77; Ver também Netto, 1992 e, especialmente, 2001). É no estágio monopolista do capitalismo, dadas às características que lhe são peculiares, que a questão social vai se tornando objeto de intervenção sistemática e contínua do Estado. Com isso, instaura-se um espaço determinado na divisão social e técnica do trabalho para o Serviço Social (bem como para outras profissões). A utilidade social de uma profissão advém da necessidade social. Numa ordem social constituída de duas classes fundamentais (que se dividem em camadas ou segmentos) tais necessidades, vinculadas ao capital e/ou ao trabalho, são não apenas diferentes, mas antagônicas. A utilidade social da profissão está em responder às necessidades das classes sociais, que se transformam, por meio de muitas mediações, em demandas para a profissão. Estas são respostas qualificadas 14 Faculdade de Minas e institucionalizadas, para o que, além de uma formação social especializada, devem ter seu significado social reconhecido pelas classes sociais fundamentais (capitalistas e trabalhadores). Considerando que o espaço sócio-ocupacional de qualquer profissão, neste caso do Serviço Social, é criado pela existência de tal necessidade social e que historicamente a profissão adquire este espaço quando o Estado passa a interferir sistematicamente nas refrações da questão social, institucionalmente transformada em questões sociais (Netto, 1992), através de uma determinada modalidade histórica de enfrentamento das mesmas: as políticas sociais, pode-se conceber que as políticas e os serviço sociais constituem-se nos espaços sócio-ocupacionais para os assistentes sociais. As políticas sociais, além de sua dimensão econômico-política (como mecanismo de reprodução da força de trabalho e como resultado das lutas de classes) constituemse também num conjunto de procedimentos técnicooperativos, cuja componente instrumental põe a necessidade de profissionais que atuem em dois campos distintos: o de sua formulação e o de sua implementação. É neste último, no âmbito da sua implementação, que as políticas sociais fundam um mercado de trabalho para os assistentes sociais. Com a complexificação da questão social e seu tratamento por parte do Estado, fragmentando-a e recortando-a em questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais, instituiu-se um espaço na divisão sócio-técnica do trabalho para um profissional que atuasse na fase terminal da ação executiva das políticas sociais, instância em que a população vulnerabilizada recebe e requisita direta e imediatamente respostas fragmentadas através das políticas sociais setoriais. É nesse sentido que as políticas sociais contribuem para a produção e reprodução 15 Faculdade de Minas material e ideológica da força de trabalho (melhor dizendo, da subjetividade do trabalhador como força de trabalho) e para a reprodução ampliada do capital. Como resultado destas determinações no processo de constituição da profissão, a intencionalidade dos assistentes sociais passa a ser mediada pela própria lógica da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão e pelas estruturas em que a profissão se insere, as quais, em muitos casos, submetem o profissional, melhor dizendo, os assistentes sociais ―passam a desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias (...)” próprios da ordem burguesa no estágio monopolista (Netto, 1992: 68), os quais são portadores da lógica do mercado. Assim, o assistente social adquire a condição de trabalhador assalariado com todos os condicionamentos que disso decorre. Por isso é importante, na reflexão do significado sócio-histórico da instrumentalidade como condição de possibilidade do exercício profissional, resgatar a natureza e a configuração das políticas sociais que, como espaços de intervenção profissional, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao exercício profissional. A este respeito, considerando a natureza (compensatória e residual) e o modo de se expressar das políticas sociais (como questão de natureza técnica, fragmentada, focalista, abstraída de conteúdos econômico-políticos) estas obedecem e produzem uma dinâmica que se reflete no exercício profissional através de dois movimentos: 1) interditam aos profissionais a concreta apreensão das políticas sociais como totalidade, síntese da articulação de diversas esferas e determinações (econômica, cultural, social, política, psicológica), o que os limita a uma intervenção microscópica, nos fragmentos, nas refrações, nas singularidades; 16 Faculdade de Minas 2) exigem dos profissionais a adoção de procedimentos instrumentais, de manipulação de variáveis, de resolução pontual e imediata. (ver Netto, 1992 e Guerra, 1995). Quais os vínculos entre as políticas sociais e o Serviço Social? Neste contexto, assim entendida a utilidade social da profissão, vinculada às políticas sociais, a instrumentalidade do Serviço Social pode ser pensada como uma condição sócio-histórica da profissão em três níveis: 1. da instrumentalidade do Serviço Social face ao projeto burguês, o que significa a capacidade que a profissão porta (dado ao caráter reformista e integrador das políticas sociais) de ser convertida em instrumento, em meio de manutenção da ordem, a serviço do projeto reformista da burguesia. Neste caso, dentro do projeto burguês de reformar conservando, o Estado lança mão de uma estratégia histórica de controle da ordem social, qual sejam, as políticas sociais, e requisita um profissional para atuar no âmbito da sua operacionalização: os assistentes sociais. Este aspecto está vinculado a uma das funções que a ordem burguesa atribui à profissão: reproduzir as relações capitalistas de produção. 2. da instrumentalidade das respostas profissionais, no que se refere à sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais frente às demandas das classes, aspecto este que permite o reconhecimento social da profissão, dado que, por meio dele o Serviço Social pode responder às necessidades sociais que se traduzem (por meio de muitas mediações) em demandas (antagônicas) advindas do capital e do trabalho. Isto porque as diversas modalidades de intervenção profissional tem um caráter instrumental, dado pelas requisições que tanto as classes hegemônicas quanto as classes populares lhe fazem. Nesta condição, no que se refere às respostas profissionais, a instrumentalidade do exercício profissional expressa-se: 17 Faculdade de Minas 2.1. nas funções que lhe são requisitadas: executar, operacionalizar, implementar políticas sociais; a partir de pactos políticos em torno dos salários e dos empregos (do qual o fordismo é exemplar) melhor dizendo, no âmbito da reprodução da força de trabalho 2.2. no horizonte do exercício profissional: no cotidiano das classes vulnerabilizadas, em termos de modificar empiricamente as variáveis do contexto social e de intervir nas condições objetivas e subjetivas de vida dos sujeitos (visando a mudança de valores, hábitos, atitudes, comportamento de indivíduos e grupos). É no cotidiano — tanto dos usuários dos serviços quanto dos profissionais — no qual o assistente social exerce sua instrumentalidade, o local em que imperam as demandas imediatas, e consequentemente, as respostas aos aspectos imediatos, que se referem à singularidade do eu, à repetição, à padronização. O cotidiano é o lugar onde a reprodução social se realiza através da reprodução dos indivíduos (Netto, 1987), por isso um espaço ineliminável e insuprimível. As singularidades, os imediatismos que caracterizam o cotidiano, que implicam na ausência de mediação, só podem ser enfrentados pela apreensão das mediações objetivas e subjetivas (tais como valores éticos, morais e civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas e políticas) que se colocam na realidade da intervenção profissional. 2.3. nas modalidades de intervenção que lhe são exigidas pelas demandas das classes sociais. Estas intervenções, em geral, são em nível do imediato, de natureza manipulatória, segmentadas e desconectadas das suas determinações estruturais, apreendidas nas suas manifestações emergentes, de caráter microscópico. Nestes 18 Faculdade de Minas três casos (2.1, 2.2, 2.3) são respostas manipulatórias, fragmentadas, imediatistas, isoladas, individuais, tratadas nas suas expressões/aparências (e não nas determinações fundantes), cujo critério é a promoção de uma alteração no contexto empírico, nos processos segmentados e superficiais da realidade social, cujo parâmetro de competência é a eficácia segundo a racionalidade burguesa . São operações realizadas por ações instrumentais, são respostas operativoinstrumentais, nas quais impera uma relação direta entre pensamento e ação e onde os meios (valores) se subsumem aos fins. Abstraídas de mediações subjetivas e universalizantes (referenciais teóricos, éticos, políticos, sócioprofissionais, tais como os valores coletivos) estas respostas tendem a percepcionar as situações sociais como problemáticas individuais (por exemplo: o caso individual, a situação existencial problematizada, as problemáticas de ordem moral e/ou pessoal, as patologias individuais, etc.). 19 Faculdade de Minas A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL MANIFESTA EM QUAIS NIVEIS? Se muitas das requisições da profissão são de ordem instrumental (em nível de responder às demandas — contraditórias— do capital e do trabalho e em nível de operar modificações imediatas no contexto empírico), exigindo respostas instrumentais, o exercício profissional não se restringe à elas. Com isso afirmar que reconhecer e atender às requisições técnicoinstrumentais da profissão não significa ser funcional à manutenção da ordem ou ao projeto burguês. Isto pode vir a ocorrer quando se reduz a intervenção profissional à sua dimensão instrumental. Esta é necessária para garantir a eficácia e eficiência operatória da profissão. Porém, reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental significa tornar o Serviço Social meio para o alcance de qualquer finalidade. Significa também limitar as demandas profissionais às exigências do mercado de trabalho. É também equivocado pensar que para realizá-las o profissional possa prescindir de referências teóricas e ético-políticas. Se as demandas com as quais trabalhamos são totalidades saturadas de determinações (econômicas, políticas, 20 Faculdade de Minas culturais, ideológicas) então elas exigem mais do que ações imediatas, instrumentais, manipulatórias. Elas implicam intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos morais e políticos). Mais ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teóricometodológicos e princípios ético-políticos. Assim, na realização das requisições que lhe são postas, a profissão necessita da interlocução com conhecimentos oriundos de disciplinas especializadas. O acervo teórico e metodológico que lhe serve de referencial é extraído das ciências humanas e sociais (conhecimentos extraídos das áreas de: Administração, Ciência Política, Sociologia, Psicologia, Economia etc.). Tais conhecimentos têm sido incorporados pela profissão e particularizados na análise dos seus objetos de intervenção. Mas a profissão também tem produzido, através da pesquisa e da sua intervenção, conhecimentos sobre as dimensões constitutivas da questão social, sobre as estratégias capazes de orientar e instrumentalizar a ação profissional (dentre outros temas) e os tem partilhado com profissionais de diversas áreas. Foi dito linhas atrás que há dimensões da instrumentalidade do exercício profissional e falamos de duas delas. Mas a terceira condição da instrumentalidade é a de ser uma mediação. Se é verdade que a Instrumentalidade insere-se no espaço do singular, do cotidiano, do imediato, também o é que ela, ao ser considerada como uma particularidade da profissão, dada por condições objetivas e subjetivas, e como tal sócio-históricas, pode ser concebida como campo de mediação e instância de passagem. Diferente disso seria tomar a instrumentalidade apenas como singularidade, e como tal, um fim em si 21 Faculdade de Minas mesmo, de modo que estaríamos desconhecendo suas possibilidades como particularidade. No cotidiano, como o espaço da instrumentalidade, imperam demandas de natureza instrumental. Nele, a relação meia e fins rompem-se e o que importa é que os indivíduos acionem os elementos necessários para alcançarem seus fins. Mas pelas próprias características do cotidiano, os homens não se perguntam pelos fins: a quem servem? que forças reforça? Qual o projeto de sociedade que está na sua base? Tampouco pelos valores que estão implicados nas ações desencadeadas para responder imediata e instrumentalmente ao cotidiano. A INSTRUMENTALIDADE DO EXERCICIO PROFISSIONAL COMO MEDIAÇÃO Tratar-se-á aqui da instrumentalidade como uma mediação que permite a passagem das ações meramente instrumentais para o exercício profissional critica e competente. Como mediação, a instrumentalidade permite também o movimento contrário: que as referências teóricas, explicativas da lógica e da dinâmica da sociedade, possam ser 22 Faculdade de Minas remetidas à compreensão das particularidades do exercício profissional e das singularidades do cotidiano. Aqui, a instrumentalidade sendo uma particularidade e como tal, campo de mediação, é o espaço no qual a cultura profissional se movimenta. Da cultura profissional os assistentes sociais recolhem e na instrumentalidade constroem os indicativos teórico-práticos de intervenção imediata, o chamado instrumentaltécnico ou as ditas metodologias de ação. Reconhecer a instrumentalidade como mediação significa tomar o Serviço Social como totalidade constituída de múltiplas dimensões: técnico-instrumental, teórico-intelectual, éticopolítica e formativa (Guerra, 1997), e a instrumentalidade como uma particularidade e como tal, campo de mediações que porta a capacidade tanto de articular estas dimensões quanto de ser o conduto pelo qual as mesmas traduzem- se em respostas profissionais. No primeiro caso a instrumentalidade articula as dimensões da profissão e é a síntese das mesmas. No segundo, ela possibilita a passagem dos referenciais técnicos, teóricos, valorativos e políticos e sua concretização, de modo que estes se traduzam em ações profissionais, em estratégias políticas, em instrumentos técnico-operativos. Em outros termos, ela permite que os sujeitos, em face de sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução das suas finalidades profissionais. Afirmam que como particularidade a instrumentalidade é campo de mediação, dentre elas, da cultura profissional. No exercício profissional o assistente social lança mão do acervo ídeo-cultural disponível nas ciências sociais ou na tradição marxista e o adapta aos objetivos profissionais. Constrói certo modo de fazer que lhe é próprio e pelo qual a profissão torna-se reconhecida socialmente. 23 Faculdade de Minas Produz elementos novos que passam a fazer parte de um acervo cultural (re) construído pelo profissional e que se compõe de objetos, objetivos, princípios, valores, finalidades, orientações políticas, referencial técnico, teórico-metodológico, ideo-cultural e estratégico, perfis de profissional, modos de operar, tipos de respostas; projetos profissionais e societários, racionalidades que se confrontam e direção social hegemônica, etc. Deste modo, a cultura profissional, como construção coletiva e base na qual a categoria se referencia, é também ela uma mediação entre as matrizes clássicas do conhecimento — suas programáticas de intervenção e os projetos societários que os norteiam — e as particularidades que a profissão adquire na divisão social e técnica do trabalho. Ela abarca forças, direções e projetos diferentes e/ou divergentes/antagônicos e condiciona o exercício profissional. Na definição das finalidades e na escolha dos meios e instrumentos mais adequados ao alcance das mesmas, os homens estão exercendo sua liberdade (concebida historicamente como escolha racional por alternativas concreta dentro dos limites possíveis). Tais finalidades (ainda que de caráter individual) estão inscritas num quadro valorativo e somente pode ser pensado no interior deste quadro, entendido como acervo cultural do qual o profissional dispõe e lhe orienta as escolhas técnicasteóricas e ético-políticas. Tais escolhas implicam projetar tanto os resultados e meios de realização quanto as consequências. Isso porque, no âmbito profissional, não existem ações pessoais, mas ações técnicos, teóricos, valorativos e políticos e sua concretização, de modo que estes se traduzam em ações profissionais, em estratégias políticas, em instrumentos técnico-operativos. 24 Faculdade de Minas Em outros termos, ela permite que os sujeitos, em face de sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução das suas finalidades profissionais. Afirmamos que como particularidade a instrumentalidade é campo de mediação, dentre elas, da cultura profissional. No exercício profissional o assistente social lança mão do acervo ideo-cultural disponível nas ciências sociais ou na tradição marxista e o adapta aos objetivos profissionais. Constrói um certo modo de fazer que lhe é próprio e pelo qual a profissão torna-se reconhecida socialmente. Produz elementos novos que passam a fazer parte de um acervo cultural (re) construído pelo profissional e que se compõe de objetos, objetivos, princípios, valores, finalidades, orientações políticas, referencial técnico, teórico-metodológico, ideo-cultural e estratégico, perfis de profissional, modos de operar, tipos de respostas; projetos profissionais e societários, racionalidades que se confrontam e direção social hegemônica, etc. Deste modo, a cultura profissional, como construção coletiva e base na qual a categoria se referencia, é também ela uma mediação entre as matrizes clássicas do conhecimento — suas programáticas de intervenção e os projetos societários que os 25 Faculdade de Minas norteiam — e as particularidades que a profissão adquire na divisão social e técnica do trabalho. Ela abarca forças, direções e projetos diferentes e/ou divergentes/antagônicos e condiciona o exercício profissional. Na definição das finalidades e na escolha dos meios e instrumentos mais adequados ao alcance das mesmas, os homens estão exercendo sua liberdade (concebida historicamente como escolha racional por alternativas concreta dentro dos limites possíveis). Tais finalidades (ainda que de caráter individual) estão inscritas num quadro valorativo e somente pode ser pensado no interior deste quadro, entendido como acervo cultural do qual o profissional dispõe e lhe orienta as escolhas técnicas, teóricas e ético-políticas. Tais escolhas implicam projetar tanto os resultados e meios de realização quanto as consequências. Isso porque, no âmbito profissional, não existem ações pessoais mas ações publicas e sociais de responsabilidade do indivíduo como profissional e da categoria profissional como um todo. Para tanto, há que se ter conhecimento dos objetos, dos meios/instrumentos e dos resultados possíveis. Com isso pode-se perceber que a cultura profissional incorpora conteúdos teórico-críticos projetivos. Pela mediação da cultura profissional o assistente social pode negar a ação puramente instrumental, imediata, espontânea e reelaborá-la em nível de respostas sócioprofissionais. Na elaboração de respostas mais qualificadas, na construção de novas legitimidades, a razão instrumental não dá conta. Há que se investir numa instrumentalidade inspirada pela razão dialética. O que significa reconhecer a instrumentalidade do exercício profissional como mediação? 26 Faculdade de Minas O PROJETO PROFISSIONAL Segundo Netto (1999:95), os projetos profissionais, construídos coletivamente pela categoria, apresentam a auto-imagem da profissão; elegem valores que a legitimam socialmente; delimitam e priorizam seus objetivos e funções; formulam requisitos (técnicos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem balizas de sua relação com os usuários dos seus serviços, com outras profissões e com as organizações e instituições, públicas e privadas (entre estes, também e destacadamente, com o Estado, ao qual coube historicamente o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais). Os projetos profissionais são indissociáveis dos projetos societários que lhes oferecem matrizes e valores e expressam um processo de lutas pela hegemonia entre as forças sociais presentes na sociedade e na profissão. São, portanto, estruturas dinâmicas, que respondem tanto às alterações das necessidades sociais decorrentes 27 Faculdade de Minas de transformações econômicas, históricas e culturais da sociedade, quanto expressam o desenvolvimento teórico e prático da respectiva profissão e as transformações operadas no perfil de seus agentes (idem). O Serviço Social brasileiro, nas últimas décadas, redimensionou-se e renovou-se no âmbito da sua interpretação teórico-metodológica no campo dos valores, da ética e da política. Realizou um forte embate com o tradicionalismo profissional e seu lastro conservador e buscou adequar criticamente a profissão às exigências do seu tempo, qualificando-a academicamente. E o Serviço Social fez um radical giro na sua dimensão ética e no debate nesse plano: constituiu democraticamente a sua base normativa, expressa na Lei da Regulamentação da Profissão, que estabelece as competências e as atribuições profissionais, e no Código de Ética do Assistente Social, de 1993. Este prescreve direitos e deveres do assistente social, segundo princípios e valores humanistas guias para o exercício cotidiano, dentre os quais destacam-se: ƒ O reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o reconhecimento da autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e de seus direitos; A defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo; A defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia – da socialização da participação política e da riqueza produzida; O posicionamento a favor da equidade e da justiça social, que implica a universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática; 28 Faculdade de Minas O empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia do pluralismo; O compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profissionais e trabalhadores. (CRESS-7Região, 2000). A efetivação desses princípios remete à luta, no campo democrático-popular, pela construção de uma nova ordem societária. E os princípios éticos ao impregnarem o exercício quotidiano, indicam um novo modo de operar o exercício profissional. Aqueles princípios estabelecem balizas para a sua condução nas condições e relações de trabalho em que se realiza e para as expressões coletivas da categoria profissional na sociedade. É nos limites dos princípios assinalados, que se move o pluralismo, que supõe o reconhecimento da presença de distintas orientações na arena profissional assim como o embate respeitoso com as tendências regressivas do Serviço Social, cujos fundamentos liberais e conservadores legitimam o ordenamento social instituído. Porém o pluralismo propugnado não se identifica com a sua versão liberal, em que todas as tendências profissionais são tidas como supostamente paritárias, mascarando os desiguais arcos de influência que exercem na profissão, os diferentes vínculos que estabelecem com projetos societários distintos e antagônicos, apoiados em forças sociais também diversas. Os outros pilares em que se apoia o projeto profissional são: a legislação relativa à regulamentação da profissão, que representa uma defesa da profissão na sociedade e as diretrizes curriculares para a formação em Serviço Social, que vêm sendo construídas coletivamente no bojo do processo de renovação do Serviço Social nos vários países. 29 Faculdade de Minas O desafio maior para a efetivação desse projeto na atualidade é torná-lo um guia efetivo para o exercício profissional, o que exige um radical esforço de integrar o dever ser com sua implementação prática, sob o risco de se deslizar para uma proposta ideal, abstraída da realidade histórica. Assim considerado, o projeto profissional expressa uma condensação das dimensões éticopolíticas, teóricometodológicas e técnico-operativas no Serviço Social, englobando a formação e o exercício profissional. O Serviço Social e as estratégias para o enfrentamento da “questão social” 30 Faculdade de Minas As estratégias para o enfrentamento da questão social têm sido tensionadas por projetos sociais distintos, que presidem a estruturação e a implementação das políticas sociais públicas e que convivem em luta no seu interior. Vive-se uma tensão entre a defesa dos direitos sociais e a mercantilização e re-filantropização do atendimento às necessidades sociais, com claras implicações nas condições e relações de trabalho do assistente social (OLIVEIRA E SALLES:1998; BRAVO:1996; PEREIRA:1998). O primeiro projeto, de caráter universalista e democrático aposta no avanço da democracia, fundado nos princípios da participação e do controle popular, da universalização dos direitos, garantindo a gratuidade no acesso aos serviços, a integralidade das ações voltadas à defesa da cidadania de todos na perspectiva da equidade. Pensar a defesa dos direitos requer afirmar a primazia do Estado – enquanto instância fundamental à sua universalização - na condução das políticas públicas, o respeito ao pacto federativo, estimulando a descentralização e da democratização das políticas sociais no atendimento às necessidades das maiorias. Implica partilha e deslocamento de poder, combinando instrumentos de democracia representativa e democracia direta, o que ressalta a importância dos espaços públicos de representação e negociação. Supõe, portanto, politizar a participação, considerando a gestão como arena de interesses que devem ser reconhecidos e negociados. No Brasil, no âmbito governamental, é da maior importância o trabalho que vem sendo realizado na seguridade social e, em especial junto aos Conselhos de Saúde e de Assistência Social nas esferas nacional, estadual e municipal. Somam-se os Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos, responsáveis pela formulação de políticas públicas para a criança e o adolescente, para a terceira idade e pessoas portadoras de necessidades especiais. O propósito é promover uma permanente 31 Faculdade de Minas articulação política no âmbito da sociedade civil organizada, para contribuir na definição de propostas e estratégias comuns ao campo democrático. Esse projeto requer ações voltadas ao fortalecimento dos sujeitos coletivos, dos direitos sociais e a necessidade de organização para a sua defesa, construindo alianças com os usuários dos serviços na sua efetivação. Nesse sentido é fundamental estimular inserções sociais que contenham potencialidades de democratizar a vida em sociedade, conclamando e viabilizando a ingerência de segmentos organizados da sociedade civil na coisa pública. Ocupar esses espaços coletivos adquire maior importância quando o bloco do poder passa a difundir e empreender o trabalho comunitário sob a sua direção, tendo no voluntariado seu maior protagonista. Representa uma vigorosa ofensiva ideológica na construção e/ou consolidação da hegemonia das classes dominantes em um contexto econômico adverso, que passa a requisitar ampla investida ideológica e política para assegurar a direção intelectual e moral de seu projeto de classe em nome de toda a sociedade, ampliando suas bases de sustentação e legitimidade. Nesse sentido faz-se necessário reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e organização popular, que parece ter sido submerso do debate profissional ante o refluxo dos movimentos sociais. É necessário ter a clareza que a qualidade da participação nesses espaços públicos não está definida a priori. Podem abrigar experiências democráticas, que propiciem a partilha do poder e a intervenção em processos decisórios, ou estimular vícios populistas e clientelistas no trato da coisa pública. É de suma importância impulsionar pesquisas e projetos que favoreçam o conhecimento do modo de vida e de trabalho - e correspondentes expressões culturais - dos segmentos populacionais atendidos, criando um acervo de 32 Faculdade de Minas dados sobre as expressões da questão social nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social. O conhecimento criterioso dos processos sociais e de sua vivência pelos indivíduos sociais poderá alimentar ações inovadoras, capazes de propiciar o atendimento às efetivas necessidades sociais dos segmentos subalternizados, alvos das ações institucionais. Aquele conhecimento é pré-requisito para impulsionar a consciência crítica e uma cultura pública democrática para além das mistificações difundidas pela mídia. Isso requer, também, estratégias técnicas e políticas no campo da comunicação social – no emprego da linguagem escrita, oral e midiática -, para o desencadeamento de ações coletivas que viabilizem propostas profissionais capazes para além das demandas instituídas. Esse primeiro projeto é polarizado por outro tipo de requisição, de inspiração neoliberal, que subordina os direitos sociais à lógica orçamentária, a política social à política econômica, em especial às dotações orçamentárias e, no Brasil, subverte o preceito constitucional. Observa-se uma inversão e uma subversão: ao invés do direito constitucional impor e orientar a distribuição das verbas orçamentárias, o dever legal passa a ser submetido à disponibilidade de recursos. São as definições orçamentárias - vistas com um dado não passível de questionamento - que se tornam parâmetros para a implementação dos direitos sociais, justificando as prioridades governamentais. A leitura dos orçamentos governamentais, apreendidos como uma peça técnica silencia os critérios políticos que norteiam a eleição das prioridades nos gastos, estabelecidas pelo bloco do poder. A viabilização dos direitos sociais – e em especial aqueles atinentes à seguridade social - pauta-se segundo as regras de um livro-caixa, 33 Faculdade de Minas do balanço entre crédito e déficit no ―cofre governamental‖. Conforme foi discutido no II Encontro de Serviço Social e Seguridade Social, realizado no Brasil, o orçamento público é a ―caixa preta‖ das políticas sociais governamentais, em especial da seguridade social. A elaboração e interpretação dos orçamentos passam a ser efetuadas segundo os parâmetros empresariais de custo/benefício, eficácia/inoperância, produtividade/rentabilidade. O resultado é a subordinação de respostas às necessidades sociais à mecânica técnica do orçamento público, orientada por uma racionalidade instrumental. A democracia vê-se reduzida um “modelo de gestão‖, desaparecendo os sujeitos e a arena pública em que expressam e defendem seus interesses. As condições de trabalho e relações sociais em que estão inscritos os assistentes sociais são indissociáveis da contra-reforma do Estado (BEHRING, 2003). Segundo a ótica oficial, verifica-se um esgotamento da “estratégia estatizante‖, afirmandose a necessidade de ultrapassar a administração pública tradicional, centralizada e burocrática. Considera-se que o Estado deva deslocar-se da linha de frente do desenvolvimento econômico e social e permanecer na retaguarda, na condição de promotor e regulador desse desenvolvimento. Observa-se uma clara tendência de deslocamento das ações governamentais públicas – de abrangência universal- no trato das necessidades sociais em favor de sua privatização, instituindo critérios de seletividade no atendimento aos direitos sociais. Esse deslocamento da satisfação de necessidades da esfera pública para esfera privada ocorre em detrimento das lutas e de conquistas sociais e políticas extensivas a todos. É exatamente o legado de direitos conquistados nos últimos séculos, que está sendo desmontado nos governos de orientação neoliberal, em uma 34 Faculdade de Minas nítida regressão da cidadania que tende a ser reduzida às suas dimensões civil e política, erodindo a cidadania social. Transfere-se, para distintos segmentos da sociedade civil, significativa parcela da prestação de serviços sociais, afetando diretamente o espaço ocupacional de várias categorias profissionais, dentre as quais os assistentes sociais. Esse processo expressa-se numa dupla via: de um lado, na transferência de responsabilidades governamentais para ―organizações da sociedade civil de interesse público” e, de outro lado, em uma crescente mercantilização do atendimento às necessidades sociais, o que é evidente no campo da saúde, da educação entre muitos outros. O chamado ―terceiro setor”, na interpretação governamental, é tido como distinto do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor). O chamado ―terceiro setor” é considerado como um setor ―não governamental‖, ―não lucrativo‖ e voltado ao desenvolvimento social, e daria origem a uma ―esfera pública não estatal‖, constituída por ―organizações da sociedade civil de interesse público”. No marco legal do terceiro setor no Brasil são incluídas entidades de natureza as mais variadas, que estabelecem um termo de parceria entre entidades de fins públicos de origem diversa (estatal e social) e de natureza distinta (pública ou privada). Engloba, sob o mesmo título, as tradicionais instituições filantrópicas; o voluntariado e organizações não governamentais: desde aquelas combativas que emergiram no campo dos movimentos sociais, àquelas com filiações político-ideológicas as mais distintas, além da denominada ―filantropia empresarial‖. Chama atenção a tendência de estabelecer uma identidade entre terceiro setor e sociedade civil. 35 Faculdade de Minas Esta passa a serem reduzidas a um conjunto de organizações – as chamadas entidades civis sem fins lucrativos -, sendo dela excluídos os órgãos de representação política, como sindicatos e partidos, dentro de um amplo processo de despolitização. A sociedade civil tende a ser interpretada como um conjunto de organizações distintas e “complementares‖, destituída dos conflitos e tensões de classe, onde prevalecem os laços de solidariedade. Salienta-se a coesão social e um forte apelo moral ao ―bem comum‖, discurso esse que corre paralelo à reprodução ampliada das desigualdades, da pobreza e violência. Estas tendem a ser naturalizadas, onde o horizonte é a redução de seus índices mais alarmantes. A universalidade no acesso nos programas e projetos sociais, abertos a todos os cidadãos, só é possível no âmbito do Estado, ainda que não dependam apenas do Estado. Sendo um Estado de classe expresso a sociedade politicamente organizada e condensa um campo de lutas e compromissos em que a sociedade civil joga um papel decisivo para democratizá-lo e controlá-lo. Ao mesmo tempo, é necessário que o Estado se expanda para a sociedade de modo a fazer prevalecer interesses mais coletivos e compartilhados, o que depende da luta entre as forças sociais. Os projetos levados a efeito por organizações privadas apresentam uma característica básica, que os diferencia: não se movem pelo interesse público e sim pelo interesse privado de certos grupos e segmentos sociais, reforçando a seletividade no atendimento, segundo critérios estabelecidos pelos mantenedores. Portanto, ainda que o trabalho concreto do assistente social seja idêntico – no seu conteúdo útil e formas de processamento - o sentido e resultados sociais desses trabalhos são inteiramente distintos, visto que presididos por lógicas diferentes: a do 36 Faculdade de Minas direito privado e do direito público, alterando-se, pois, o significado social do trabalho técnico-profissional e seu nível de abrangência. Constata-se uma progressiva mercantilização do atendimento às necessidades sociais, decorrente da privatização das políticas sociais. Nesse quadro, os serviços sociais deixam de expressar direitos, metamorfoseando-se em atividade de outra natureza, inscrita no circuito de compra e venda de mercadorias. Estas substituem os direitos de cidadania, que, em sua necessária dimensão de universalidade, requerem a ingerência do Estado. O que passa a vigorar é direitos atinentes à condição de consumidor (MOTA,1995). Quem julga a pertinência e qualidade dos serviços prestados são aqueles que, através do consumo, renovam sua necessidade social. O dinheiro aparece em cena como meio de circulação, intermediando a compra e venda de serviços, em cujo âmbito se inscreve o assistente social. O grande capital ao investir nos serviços sociais, passa a demonstrar uma ―preocupação humanitária‖, coadjuvante da ampliação dos níveis de rentabilidade das empresas, moralizando sua imagem social. Trata-se de um reforço à necessidade de transformar propósitos de classes e grupos sociais específicos em propósitos de toda a sociedade: velha artimanha, historicamente assumida pelo Estado e que hoje tem a mídia importante aliada nesse empreendimento. Os assistentes sociais trabalham com as mais diversas expressões da questão social, esclarecendo à população seus direitos sociais e os meios de ter acesso aos mesmos. O significado desse 37 Faculdade de Minas trabalho muda radicalmente ao voltar-se aos direitos e deveres referentes às operações de compra e da venda. Enquanto os direitos sociais são frutos de lutas sociais e negociações com o bloco do poder para o seu reconhecimento legal, a compra e venda de serviços no atendimento a necessidades sociais de educação, saúde, habitação, assistência social, etc. pertencem a outro domínio - o do mercado -, mediação necessária à realização do valor e eventualmente da mais valia decorrentes da industrialização dos serviços. Historicamente, os assistentes sociais dedicaram-se à implementação de políticas públicas, localizados na linha de frente das relações entre população e instituição ou, nos termos de Netto (1992), ‗executores terminais de políticas sociais’. Embora este seja ainda o perfil predominante, não é mais exclusivo, sendo abertas outras possibilidades. O processo de descentralização das políticas sociais públicas - com ênfase na sua municipalização - requer dos assistentes sociais – como de outros profissionais - novas funções e competências. Estão sendo chamados a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do planejamento e gestão, inscritos em equipes multiprofissionais. Os assistentes sociais ampliam seu espaço ocupacional para atividades relacionadas à implantação e orientação de conselhos de políticas públicas, à capacitação de conselheiros, à elaboração de planos de assistência social, acompanhamento e avaliação de programas e projetos. Tais inserções são acompanhadas de novas exigências de qualificação, tais como o domínio de conhecimentos para realizar diagnósticos sócio-econômicos de municípios, para a leitura e análise dos orçamentos públicos identificando recursos disponíveis para projetar ações; o domínio do processo de planejamento; 38 Faculdade de Minas a competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o conhecimento e o know-how na área de recursos humanos e relações no trabalho, entre outros. Somam-se possibilidades de trabalho nos níveis de assessoria e consultoria para profissionais mais experientes e altamente qualificados em determinadas áreas de especialização. Registram-se ainda requisições no campo da pesquisa, de estudos e planejamento, dentre inúmeras outras funções. Os assistentes sociais, articulados às forças sociais progressistas, vêm envidando esforços coletivos no reforço da esfera pública, de modo a inscrever os interesses das maiorias nas esferas de decisão política. O horizonte é a construção de uma ―democracia de base‖ que amplie a democracia representativa, cultive e respeite a universalidade dos direitos do cidadão, sustentada na socialização da política, da economia e da cultura. Tais elementos adquirem especial importância em nossas sociedades latino-americanas, que se constroem no reverso do imaginário igualitário da modernidade; sociedades que repõem cotidianamente e de forma ampliada privilégios, violência, discriminações de renda, poder, gênero, etnias e gerações, alargando o fosso das desigualdades no panorama diversificado das manifestações da questão social. É na dinâmica tensa da vida social que se ancoram a esperança e a possibilidade de defender, efetivar e aprofundar os preceitos democráticos e os direitos de cidadania – preservando inclusive a cidadania social, cada vez mais desqualificada. E para impulsionar a construção de outro padrão de sociabilidade, regido por valores democráticos, o que requer a redefinição das relações entre o Estado e a sociedade, 39 Faculdade de Minas a economia e a sociedade, o que depende uma crescente participação ativa da sociedade civil organizada. Orientar o trabalho nos rumos aludidos requisita um perfil profissional culto, crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais. Exige-se, para tanto, compromisso éticopolítico com os valores democráticos e competência teórico-metodológica na teoria crítica em sua lógica de explicação da vida social. Estes elementos, aliados à pesquisa da realidade possibilitam decifrar as situações particulares com que se defronta o assistente social no seu trabalho, de modo a conecta-las aos processos sociais macroscópicos que as geram e as modificam. Mas, requisita, também, um profissional versado no instrumental técnico-operativo, capaz de potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los. Finalizando com a sugestão do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: "Eu tropeço no possível, mas não desisto de fazer a descoberta que tem dentro da casca do impossível". Tropeçar no possível, mas sem desistir de fazer a descoberta que tem dentro da casca do impossível. O projeto ético-político do Serviço Social é certamente um desafio, mas não uma impossibilidade: o que se apresenta como obstáculo é apenas a casca do impossível, que encobre as possibilidades dos homens construírem sua própria história. 40 Faculdade de Minas REFERÊNCIAS BEHRING, E. R. Brasil em Contra-Reforma. Desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. CRESS. 7ª Região- RJ. Assistente Social: ética e direitos. Coletânea de Leis e Resoluções. Rio de Janeiro: Lidador, maio de 2000. CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999. GUERRA, Yolanda. ―Ontologia do ser social: bases para a formação profissional‖ In: Revista Serviço Social e Sociedade n.54. São Paulo: Cortez, 1997. GUERRA, Yolanda. Instrumentalidade do processo de trabalho e Serviço Social. In: Revista Serviço Social e Sociedade n. 62. São Paulo: Cortez, 2000. IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil - esboço de uma interpretação histórico metodológica. 2a. Ed. 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