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GÊNERO e SEXUALIDADE no Sistema Prisional MÓDULO 2 Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas EXPEDIENTE Todo o conteúdo do curso Gênero e Sexualidade no Sistema Prisional, do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Governo Federal - 2022, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial - Sem Derivações 4.0 Internacional. Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR.BY NC ND GOVERNO FEDERAL Presidente da República Jair Messias Bolsonaro Vice-Presidente da República Antônio Hamilton Martins Mourão Ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Gustavo Torres Diretora-Geral do Departamento Penitenciário Nacional Tânia Maria Matos Ferreira Fogaça Coordenadora-Geral da Escola Nacional de Serviços Penais Stephane Silva de Araújo Equipe ESPEN Aline Leal da Silva Cecília Alves Porto Haynara Jocely Lima de Almeida UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Secretário de Educação a Distância Luciano Patrício Souza de Castro labSEAD Coordenação Geral Luciano Patrício Souza de Castro Financeiro Fernando Machado Wolf Consultoria Técnica EaD Giovana Schuelter Coordenação de Produção Francielli Schuelter Coordenação de AVEA Andreia Mara Fiala Revisão Textual Supervisão: Evillyn Kjellin Victor Rocha Freire Silva Vivianne Oliveira Rodrigues Design Instrucional Supervisão: Milene Silva de Castro Flora Bazzo Schmidt Gabriel de Melo Cardoso Joyce Regina Borges Design Gráfico Supervisão: Mary Vonni Meürer de Lima Airton Jordani Jardim Filho Cleber da Luz Monteiro Giovana Aparecida dos Santos Julia Morato Leite Lucas Renata Cristina Gonçalves Sonia Trois Tiago Augusto Paiva Programação Supervisão: Alexandre Dal Fabbro João Pedro Mendonça de Araujo Luan Rodrigo Silva Costa Luiz Eduardo Pizzinatto Audiovisual Supervisão: Rafael Poletto Dutra Angie Luiza Moreira de Oliveira Dilney Carvalho da Silva Eduardo Corrêa Machado Jacob de Souza Faria Neto Kimberly Araujo Lazzarin Marcelo Vinícius Netto Spillere Marília Gabriela Salomao Dauer Maycon Douglas da Silva Apresentação Áureo Mafra de Moraes Conteúdo Carlos Rodrigo Martins Dias SUMÁRIO Apresentação 05 Objetivos do módulo 05 Unidade 1: Dos dispositivos legais 07 1.1 O que diz a Constituição Federal? 07 1.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos? 09 1.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos? 10 1.4 O que dizem os Princípios de Yogyakarta? 10 1.5 O que diz a Lei de Execução Penal? 13 1.6 O que diz a Lei do Abuso de Autoridade? 13 Unidade 2: Do recebimento das pessoas LGBTI+ nas unidades prisionais 15 2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays 20 2.2 Como receber pessoas travestis e mulheres trans 24 2.3 Como receber homens trans 28 2.4 Como receber pessoas intersexuais 29 2.5 Da manutenção de cabelos, acesso a materiais e objetos 31 2.6 Da revista pessoal em pessoas LGBTI+ 37 SUMÁRIO 2.7 Da revista pessoal em visitantes LGBTI+ 39 Unidade 3: Do acesso às assistências 42 3.1 Da saúde da pessoa LGBTI+ 42 3.2 Do acesso da pessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho 47 3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação 48 3.4 A assistência social à pessoa LGBTI+ 49 3.5 A assistência religiosa à pessoa LGBTI+ 51 Síntese do Módulo 52 Referências 54 GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 5 APRESENTAÇÃO Olá, cursista! No primeiro módulo do curso, discutimos conceitos que nos permitem uma melhor compreensão das especificidades das pessoas LGBTI+. Também vimos dados acerca da presença e da diversidade de pessoas que se autodeclaram LGBTI+ no Sistema Prisional brasileiro. Neste módulo, trataremos sobre a atenção específica às pessoas LGBTI+ em situação de prisão. Assim, abordaremos: • as garantias legais; • os procedimentos necessários para cuidados em saúde; • o respeito ao nome social; • o uso de itens específicos; • a prevenção a violências. Objetivos do módulo • Apresentar o conteúdo dos principais dispositivos legais que embasam a atenção específica às pessoas LGBTI+ presas. • Esclarecer procedimentos de recebimento e de visita de pessoas LGBTI+ em unidades prisionais. • Abordar questões relacionadas à custódia de pessoas LGBTI+ presas: saúde, educação, acesso ao mundo do trabalho, assistência social e assistência religiosa. UNIDADE 1 Dos dispositivos legais GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 7 1. DOS DISPOSITIVOS LEGAIS Nesta unidade, trataremos dos principais dispositivos que norteiam a atenção específica dada à população LGBTI+ presa. Tais dispositivos ora tratam diretamente sobre a população LGBTI+ presa, ora referem-se a toda a população que está sob seu “guarda-chuva”. Seguindo essa via, citaremos a Constituição Brasileira, a Lei de Execução Penal, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Inter- nacional dos Direitos Civis e Políticos, os Princípios de Yogyakarta e a Lei do Abuso de Autoridade. 1.1 O que diz a Constituição Federal? A Constituição Federal (CF), também conhecida como Constituição Cidadã, é a atual Carta Magna do Brasil. Lançada em 5 de outubro de 1988, serve de diretriz para criação das demais legislações em nosso país. A Constituição Cidadã, além de tratar da organização dos poderes e da democracia, traz uma série de direitos fundamentais a todo cidadão brasileiro e aos estrangeiros residentes no Brasil. Foto: © [Appreciate] / Shutterstock. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 8 Assim, a CF, de 1988, em seu art. 3º, inciso IV, expressa o seguinte: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Fede- rativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi- gualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimi- nação. (BRASIL, 1988, grifos nossos). Também, ainda com o fito de garantir a cidadania, a Constituição Federal estabelece em seu art. 5º que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu- reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” (BRASIL, 1988). É importante conhecermos a Constituição Federal para entendermos os direitos fundamentais do cidadão e a diretriz que ajudará na formulação das demais legislações. SAIBA MAIS Acesse a Constituição Federal na íntegra, disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 9 1.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos? A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz em seu art. 2º que: Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opi- nião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948, grifos nossos). É importante destacar que a Declaração, em seu art. 5º, é taxativa ao reprovar a possibilidade de maus-tratos: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.” (ONU, 1948). Declaração Universal de Direitos Humanos. Foto: NaçõesUnidas Brasil. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 10 1.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos? O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é um ato internacional, promulgado em 6 de julho de 1992, por meio do Decreto nº 592, reco- nhecendo não somente as liberdades civis e políticas, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais do ser humano. Há de se destacar o que diz o seu artigo 17: 1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação. 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerên- cias ou ofensas. (BRASIL, 1992). 1.4 O que dizem os Princípios de Yogyakarta? Os Princípios de Yogyakarta tratam sobre a aplicação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero. O Brasil é signatário dos Princípios de Yogyakarta. Por isso, é importante conhecer, em especial, esse dispositivo para o caso específico do apri- sionamento de pessoas LGBTI+. Sobre o assunto, o Princípio número 9 diz que “Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela digni- dade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e a identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa.” (CORRÊA; MUNTARBHORN, 2006, p. 19). Nesse sentido, de acordo com o documento, é dever dos estados: a) Garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero, expondo-as a risco de violência, maus-tratos ou abusos físicos, mentais ou sexuais; GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 11 1.2 Estrutura do módulo Unidade 1 — Dos dispositivos legais 1.1 O que diz a Constituição Federal? 1.2 que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos? 1.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos? 1.4 O que dizem os Princípios de Yogyakarta? 1.5 O que diz a Lei de Execução Penal? 1.6 O que diz a Lei do Abuso de Autoridade? Unidade 2 — Do recebimento das pessoas LGBTI+ nas unidades prisionais 2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays 2.2 Como receber pessoas travestis e mulheres trans 2.3 Como receber homens trans 2.4 Como receber pessoas intersexuais 2.5 Da manutenção de cabelos, acesso a materiais e objetos 2.6 Da revista pessoal em pessoas LGBTI+ 2.7 Da revista pessoal em visitantes LGBTI+ Unidade 3 — Dos procedimentos de custódia 3.1 Da saúde da pessoa LGBTI+ 3.2 Do acesso da pessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho 3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação 3.4 A assistência social à pessoa LGBTI+ 3.5 A assistência religiosa à pessoa LGBTI+ b) Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselha- mento apropriado às necessidades das pessoas sob custódia, reconhecendo qualquer necessidade especial relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero, inclusive no que se refere à saúde reprodutiva, acesso à informação e terapia de HIV/aids e acesso à terapia hormonal ou outro tipo de terapia, assim como a tratamentos de reassignação de sexo/ gênero, quando desejado; c) Assegurar, na medida do possível, que todos os detentos e detentas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero; d) Implantar medidas de proteção para todos os presos e presas vulneráveis à violência ou abuso por causa de sua orientação sexual, identidade ou expressão de gênero e assegurar, tanto quanto seja razoavelmente praticável, que essas medidas de proteção não impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem a população prisional em geral; e) Assegurar que as visitas conjugais, onde são permitidas, sejam concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou detidas, independente do gênero de sua parceira ou parceiro; f) Proporcionar o monitoramento independente das ins- talações de detenção por parte do Estado e também por organizações não-governamentais, inclusive organizações que trabalhem nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero; e g) Implantar programas de treinamento e conscientização, para o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão envolvidas com as instalações prisionais, sobre os padrões internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não-discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero. (CORRÊA; MUNTARBHORN, 2006, p. 19). GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 12 Não menos importante, o Princípio número 10 reprova de forma direta qualquer atitude violenta contra a população LGBTI+ ao enunciar o que segue: Toda pessoa tem o direito de não sofrer tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, inclusive por razões relacionadas à sua orientação sexual ou identidade de gênero. Os Estados deverão: a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para evitar e proteger as pessoas de tor- tura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, perpetrados por motivos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero da vítima, assim como o incitamento a esses atos; b) Tomar todas as medidas razoáveis para identificar as vítimas de tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou de- gradante, perpetrados por motivos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero, oferecendo recursos jurídicos, medidas corretivas e reparações e, quando for apropriado, apoio médico e psicológico; c) Implantar programas de treinamento e conscientização, para a polícia, o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão em posição de perpetrar ou evitar esses atos. (CORRÊA; MUNTARBHORN, 2006, p. 21). O que fica evidente no que dizem os Princípios 9 e 10 é que as especi- ficidades das pessoas LGBTI+ devem ser respeitadas. Por isso, é tão necessário entender que para as pessoas LGBTI+ há procedimentos de custódia diferenciados dos demais presos e presas; notadamente por ser necessário individualizar a pena, conforme determina a Lei de Execução Penal. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 13 1.5 O que diz a Lei de Execução Penal? A Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, instituiu a Lei de Execução Penal (LEP), que rege os principais aspectos relacionados à execução da pena. Inclusive, a LEP é uma garantidora da dignidade da pessoa humana. Neste quesito, é importante saber o teor do artigo 10: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa. (BRASIL, 1984). 1.6 O que diz a Lei do Abuso de Autoridade? A Lei n° 13.869, também conhecida como Lei do Abuso de Autoridade, define os crimes que os agentes públicos cometem no exercício de suas funções. São aqueles crimes praticados pelos agentes públicos com fim de prejudicar outra pessoa ou de beneficiar a si mesmo ou a um terceiro. Nesse sentido, é fundamental o entendimento do art. 21, a fim de evitar alocar pessoas LGBTI+ (em especial, a população trans) em contextos em que possam estar mais vulneráveis a violências, inclusive a sexual. O artigo 21 diz que é crime: “Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”(BRASIL, 2019). UNIDADE 2 Do recebimento das pessoas LGBTI+ nas unidades prisionais GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 15 2. DO RECEBIMENTO DAS PESSOAS LGBTI+ NAS UNIDADES PRI- SIONAIS Nesta unidade, abordaremos as especificidades no recebimento de pessoas LGBTI+ nas unidades prisionais. É indispensável reconhecer essas especifi- cidades para que haja acolhimento adequado. Sem esse reconhecimento, a individualização da pena fica comprometida e o risco de violência contra a população LGBTI+, em especial contra a população trans, aumenta. A abordagem dessas especificidades se dará sobretudo a partir de dois documentos. O primeiro é a Nota Técnica nº 9/2020, produzido pela Divisão de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública (DEPEN), no qual o órgão recomenda que os estados tenham cautela em alguns procedimentos de custódia em atenção à população LGBTI+. O segundo é o documento técnico intitulado “LGBT nas Prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiência de encarceramento” (BRASIL, 2020), desenvolvido pelo Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT, pertencente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 16 Capa do Documento Técnico. Fonte: BRASIL, 2020. Esse documento traz à baila as vozes de pessoas presas e de servidores prisionais. Os depoimentos que compõem este módulo do curso foram extraídos desse diagnóstico. Os nomes das pessoas foram omitidos. Para iniciarmos essa conversa, é importante falar sobre a porta de entrada das unidades prisionais, em especial das unidades que funcionam como triagem. É na triagem que a pessoa aguarda até ser definido para qual unidade prisional será alocada a pessoa presa. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 17 A popular porta de entrada do sistema prisional (expressão dada ao mo- mento de chegada das pessoas presas nas unidades prisionais), geralmente, possui procedimentos bastante consolidados, os quais foram pautados para recebimento de homens cisgênero heterossexuais (masculino héte- ro). Nesse sentido, aponta-se como um dos procedimentos mais usuais nas unidades prisionais de triagem: raspar a cabeça das pessoas presas. Também, pode-se apontar o momento de preenchimento de fichas de identificação da pessoa presa, a fim de colher dados de quem chega e de divulgar as informações sobre as principais regras das unidades prisionais. Por isso, esse início de conversa foca na atenção à necessidade de acontecer a entrevista da pessoa presa, no sentido de identificar quem é o sujeito que chega à unidade prisional, quais são suas demandas específicas e como a administração poderá garantir sua segurança; definindo, no caso das pessoas LGBTI+, a alocação adequada e, também, o respeito ao nome social da pessoa presa. QR CODE Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet) no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre triagem nas uni- dades prisionais, ou acesse o link: https://youtu.be/3R8HZRIxURQ. Portanto, a equipe de triagem precisa entrevistar a pessoa presa a fim de obter informações necessárias para a atenção específica à população LGBTI+. https://youtu.be/3R8HZRIxURQ GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 18 Na oportunidade de entrevista à pessoa presa, recomenda-se que seja dito, em ordem, o que segue. Caso se trate de uma pessoa trans ou intersexual que tenha nome so- cial, inserir o nome no registro de admissão prisional, e, a partir deste momento, sempre se referir à pessoa pelo nome social inserido no formulário de admissão. É necessário entender que este não é um apelido, mas sim um nome cujas pessoas trans, travestis e intersexos possuem direito de uso, garantido pelo Decreto Federal n° 8.727, de 28 de abril de 2016. É possível que o nome social da pessoa presa não conste na Guia de Recolhimento à Prisão; entretanto, a unidade prisional deve questionar a sua existência com intuito de incluir no registro de admissão prisional. Dificuldades encontradas pelas pessoas presas no que diz respeito ao uso do nome social podem ser verificadas em depoimentos como o seguinte, de um servidor do estado da Paraíba: Entrevista 1 2 3 Nesta unidade prisional, há um espaço garantido para quem é LGBTI+ com intuito de garantir a sua segurança. Você faz parte da população LGBTI+? Como você se define: lésbica, gay, bissexual, mulher trans, travesti, homem trans? Caso a pessoa presa seja mulher trans, travesti, homem trans ou intersexual, perguntar se possui nome social. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 19 DEPOIMENTO Eu acho que o que falta é formação. Eles acham legal na questão da segurança. “Legal que a gente separa e não coloca junto”. Do nome social eles têm uma certa resistência. Quando chamam pelo nome social geralmente é mais de forma jocosa. A maioria dos agentes não têm noção da importância de um nome social. Eles fazem o trabalho e brincam muito entre eles, entendem a importância para a segurança, mas eles não entendem a im- portância da ala pros direitos dessas pessoas. Por isso, falta informação para os agentes. (BRASIL, 2020a, p. 79). Entretanto, o mesmo documento técnico aponta para relatos de res- peito ao uso do nome social por parte de servidores, no caso, do estado de São Paulo: DEPOIMENTO Nós costumamos chamar o preso pelo nome. Se tem o preso João passando, eu vou chamar ele de João. Se tiver o preso Alessandra passando, e ela prefere ser chamada assim, eu vou chamar de Alessandra. Não só eu, quanto todo o funcional está fazendo isso. Não adianta que um preso que tem nome de registro Arnaldo e que ele não se vê como Arnaldo eu chamar assim. Ele não vai me dar atenção ou, se me der atenção, não vai ser na conduta que eu espero que seja. Eu trabalho na simples maneira de tratar. Isso não interfere na segurança, isso não interfere no nosso cotidiano, mas isso traz paz ao preso. O preso estando em paz, nós também mantemos uma tranquilidade aparente. [...] (BRASIL, 2020, p. 100). Verificamos duas situações distintas sobre o mesmo assunto: o nome social. O primeiro depoimento (servidor do estado da Paraíba) aponta para a necessidade de capacitação e, ainda, cita que os servidores entendem a importância da ala (pavilhão, raio, corredor, galeria) para questões ligadas à segurança das pessoas LGBTI+, mas não necessariamente respeitam o nome social das pessoas que o possuem. No segundo depoimento (servidor do estado de São Paulo), é apontado o respeito ao nome social e que isso não afeta em nada a segurança; ao contrário, ajuda a trazer um ambiente mais tranquilo. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 20 2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays O recebimento de pessoas lésbicas, bissexuais e gays nas unidades prisionais acontece da mesma maneira que das demais pessoas presas; entretanto, no momento da triagem, deve ser oferecida a oportunidade de alocação específica. A intenção dessa oferta é garantir a integridade dessas pessoas, em especial, das pessoas presas em unidades masculinas. Note que, ao oferecer o espaço específico, não há obrigatoriedade das pessoas que se autodeclaram lésbicas, bissexuais e gays a aceitarem a oferta. Trata-se de uma possibilidade que a administração penitenciária oferece no sentido de garantia da integridadefísica da pessoa presa. Para que essa oferta possa se realizar da melhor forma, a administração prisional precisa estar atenta quanto às definições relacionadas a gênero e sexualidade. Por exemplo, à concepção do que caracteriza um homem gay — como já vimos no módulo 1, a homossexualidade se relaciona à orientação sexual —: a pessoa gay é um homem cis ou trans que se sente atraído por outros homens e que pode se relacionar sexualmente com outros homens cis ou trans. Essa questão independe, portanto, da forma pela qual esse homem expressa seu gênero (roupas, aparência, formas de se expressar, trejeitos etc.). Nesse sentido, homens gays podem ter uma expressão de gênero bastante masculina, “ostentando masculinidade”. QR CODE Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet) no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre oferta de alocação específica, ou acesse o link: https://youtu.be/XDu2CgArf3I. https://youtu.be/XDu2CgArf3I GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 21 O depoimento a seguir, de um homem gay preso no Mato Grosso do Sul, aponta para a possível dificuldade do reconhecimento da homos- sexualidade desses homens no sistema prisional: DEPOIMENTO Pra mim foi mais fácil porque eu já tenho engajamento no núcleo LGBT e eu sou afeminado e uso maquiagem, tenho cabelo com- prido, então fica mais nítido. Mas, realmente, pro gay masculino, aquele gay que se passa como hétero, é mais difícil. Talvez mesmo ele expondo a sexualidade, talvez o juiz não acate. A gente tem casos de gente que passou muito tempo em alas evangélicas em outros presídios até que conseguissem ser inseridos no projeto. Que vieram de outras cadeias do interior, de outras comarcas. De o magistrado de outro lugar não entender que uma figura masculina é gay. Pra mim não foi nem um pouco porque eu sou afeminado, cabelo comprido e tudo mais. Acredito que pra quem tenham o perfil masculino, bem másculo, seja mais difícil. (BRASIL, 2020, p. 42). Considerando que a autodeclaração é o que baliza o atendimento es- pecífico das pessoas LGBTI+, a expressão de gênero não deveria ser um fator dificultante no reconhecimento de uma pessoa autodeclarada ho- mossexual (lésbica ou gay) ou bissexual. A questão da orientação sexual pode ser menos perceptível do que a transexualidade (pessoas trans) e travestilidade (travestis). Por isso, é importante que os servidores das unidades prisionais tenham a noção das especificidades de todas as populações LGBTI+ para não incorrer em alocar, por exemplo, uma pessoa gay em local de cometi- mento de violências, em especial, sexuais. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 22 Corroborando com o dito, segue o relato de um homem gay preso no estado do Espírito Santo: DEPOIMENTO Eles souberam que eu era homossexual porque uma interna [travesti] foi junto comigo e quando a gente chegou aqui per- guntaram pra ela se ela queria ir pra cela e eu aproveitei e disse que queria ir também. [...] Ela tem que identificar, a não ser que seja uma travesti. Aí eles botam logo porque já bate o olho e vê, né? Quando é um gay, faz mais o perfil masculino, tem que se identificar. Isso também se ele vem de uma unidade que não seja unidade de homossexual. (BRASIL, 2020, p. 83). Ainda que a preocupação de cometimento de violências contra as mu- lheres lésbicas presas seja menor do que aquela contra as pessoas presas em unidades masculinas, é comum observar numa unidade prisional feminina relacionamentos que se iniciam motivados pela busca de proteção. Nesse sentido, selecionamos dois relatos de mulheres presas no estado de Tocantins: DEPOIMENTO Eles não chegaram a perguntar se eu sou lésbica na triagem, até por conta do meu estilo, né? Perguntaram se eu era fraccionada [sic]. Negócio de LGBT ninguém me perguntou. [...] Quando eu cheguei eu achei que ia ser diferente, mas eu me surpreendi. Foi tratada super bem. Como não tem muita lésbica mesmo aqui aí elas me trataram muito bem. (BRASIL, 2020a, p. 120). GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 23 A boa receptividade é endossada por outra presa que diz: DEPOIMENTO Tem muita gente aqui que tem vergonha e não gosta de se expor. Aqui não tem problema, a gente aceita a pessoa como ela for. Pra falar a verdade o povo até gosta quando vem uma mulher que gosta de outra mulher. Todo mundo respeita de todo jeito. Respeita as mulheres, as sapatão. É que aqui a gente não chama de lésbica, a gente chama de sapatão mesmo. (BRASIL, 2020a, p. 120). Na página 92, do referido documento, também há um relato de uma presa do estado do Rio de Janeiro, contando sobre o motivo de buscar um relacionamento com outra mulher: DEPOIMENTO Quando eu me envolvi, foi por proteção. Mas hoje eu já vejo de outra forma, a mulher, ela te respeita mais que um homem, ela é mais carinhosa que um homem, ela não te agride como um homem. Hoje já é outra coisa pra mim. (BRASIL, 2020a, p. 92). Nem todas as mulheres lésbicas presas se autodeclaram no momento da triagem ou na chegada a uma penitenciária. No cotidiano das unidades prisionais, observa-se ser comum que o envolvimento entre duas mulheres presas ocorra durante o cumprimento de pena, muitas vezes motivado pelo abandono familiar ou por busca por proteção, ainda que a violência contra lésbicas não seja um problema nas unidades prisionais femininas. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 24 2.2 Como receber pessoas travestis e mulheres trans Geralmente, as pessoas travestis e mulheres trans são alocadas em uni- dades prisionais masculinas, contudo, é possível que haja cumprimento de ordem judicial ou solicitação da pessoa presa à administração prisional para que aconteça alocação em unidades femininas. Um primeiro depoimento que destacamos sobre esse assunto é um relato de uma presa travesti do estado do Paraná que diz o seguinte: DEPOIMENTO A questão da alteração do nome, a gente já conversou sobre isso. Se a gente alterar o nome a gente corre o risco de ir para uma prisão feminina. Eu prefiro mil vezes tirar minha cadeia no meio dos meninos do que no presídio feminino. Eu lutei muito pra chegar aqui. (BRASIL, 2020a, p. 35). Na contramão do relato acima, houve também relato de outra travesti da mesma unidade prisional se manifestando favorável à ida para uma unidade prisional feminina: DEPOIMENTO Eu gostaria de ir para uma prisão feminina. Sei lá, acho que lá eu seria tratada como mulher mesmo. As agentes mulheres têm mais sensibilidade com as nossas questões. (BRASIL, 2020, p. 35). GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 25 Por isso, considerando as possibilidades de encaminhamento de travestis e mulheres trans às unidades prisionais femininas ou masculinas, o DEPEN se manifestou sobre o assunto por meio da Nota Técnica n° 9/2020, que elenca uma série de responsabilidades do gestor prisional em relação a este tema. Confira a seguir. Para tanto, é preciso dizer que travestis e mulheres trans são identida- des diferentes. Entretanto, é comum que as próprias pessoas presas se confundam ao escolher uma ou outra identidade de gênero. E é nesse momento de porta de entrada à uma unidade prisional que é possível dialogar sobre o assunto, com intuito de averiguar a identidade de gênero da pessoa presa. Responsabilidades do gestor prisional 1 2 3 perguntar o nome social da pessoa; perguntar como a pessoa se identifica em relação à identidade de gênero; incluir o nome social da pessoa em formulário e demais documentos usados na unidade; 4promover que todos(as) os(as) agentes prisionais e demais servidores(as) se reportem à pessoa fazendo uso do nome social; e 5 alocar a pessoa em espaço de vivência específico, separada do convívio dos demais presos, se tiver sido encaminhada para unidade masculina, ou das demais presas, se tiver sido encaminhada para a unidade feminina. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 26 A título de exemplo, o estado do Rio Grande do Sul publicou portaria conjunta (005/2021) entre a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAPEN) e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), tratando dos procedimentos de custódia das pessoas LGBTI+. Na oportu- nidade, foi incluído na portaria um anexo (texto modelo de declaração), para a pessoa presa preencher conforme sua identidade de gênero: SAIBA MAIS Leia a portaria conjunta do estado do Rio Grande do Sul na íntegra, disponível em: http://www.susepe.rs.gov.br/uplo- ad/1625247939_1625233462_DOE%2002.pdf DECLARAÇÃO DE IDENTIDADE DE GÊNERO Eu, ________________________________________________________(nome social), civilmente registrado (a) como ______________________________________________ RG nº: ______________________, CPF nº: ______________________, domiciliado(a) à ______________________________________________________________________ DECLARO, que sou ☐ TRAVESTI ☐ HOMEM TRANS ☐ MULHER TRANS. _______________________________, _____/_____/__________. (Local e Data) Assinatura do(a) declarante http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1625247939_1625233462_DOE%2002.pdf http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1625247939_1625233462_DOE%2002.pdf GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 27 É preciso se atentar para o fato de que, para se autodeclarar mulher trans, a pessoa não é obrigada a ter retificado seus documentos (trocado seu nome de registro para o feminino) ou ter passado por procedimentos médicos como a redesignação sexual. PODCAST A questão da identidade de gênero passa, principalmente, pela maneira que a pessoa se percebe, como se identifica. Nem todas as pessoas trans desejam realizar procedimentos cirúrgicos de readequação de seu corpo ao gênero com o qual se identificam. É possível também que a mulher trans ainda esteja em fila de es- pera para fazer o procedimento, tenha algum impeditivo de saúde para realizá-lo ou até mesmo medo de se submeter a cirurgias. Outra questão importante a ser mencionada é o que determina algu- mas facções criminosas que agem no interior de unidades prisionais, em especial, nas masculinas. Entre outras coisas ligadas ao universo criminoso, é comum relatos de servidores e de pessoas LGBTI+ presas de que a facção A ou B não aceita o convívio com quem não é hétero ou cisgênero. Há, por isso, forte perigo de cometimento de violência caso a administração prisional não se atente quanto aos procedimentos de porta de entrada das unidades prisionais e não acompanhe o dia a dia das pessoas LGBTI+ presas. Redesignação sexual cirurgia que modifica o genital de forma a readequá-lo ao gênero com o qual a pessoa se identifica. No senso comum, utiliza-se o termo “cirurgia de mudança de sexo”, porém atualmente a comunidade médica e ativistas LGBTI+ consideram que este não é o termo adequado. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 28 Segue o relato de uma travesti presa do estado do Paraná: DEPOIMENTO O preso passa pelo distrito e vai pro Centro de Triagem 2 em Piraquara. Da outra vez que eu fui condenada eles me levaram direto para a máxima. Lá eles não tinham esse cuidado. Pelo regime deles a gente corta o cabelo e se mistura com os outros. Eu passei por isso. Cheguei de cabelo comprido e passei pela situação de ter que cortar o cabelo e ter que ficar no meio dos homens. Mas a gente já sabia que aqui existia uma cela LGBT que eu poderia vir e pagar a minha pena. Eu fiquei nove meses tentando vir pra cá. O que facilitou que tem uma lei no crime que não permite mais que a gente fique no meio dos meninos. Uma lei do crime, interna aqui. Daí na máxima eu fiquei no seguro. Eu era a única travesti. Daí depois de pedir muito eu consegui vir aqui. (BRASIL, 2020a, p. 34-35). O relato acima trata — para além dos procedimentos de porta de entrada — sobre o que a “lei do crime” dita em relação ao contato com as pessoas LGBTI+ nas prisões. É comum esse tipo de comportamento por parte dos presos faccionados — mais um motivo para a administração prisional se preocupar em proteger a população LGBTI+ de violências. 2.3 Como receber homens trans De maneira parecida com as questões que envolvem as travestis e mulheres trans, os homens trans podem ou não ter realizado procedimentos médicos, como a cirurgia de redesignação sexual e a mastectomia masculinizadora, assim como a retificação de documentos (mudança de nome feminino para o masculino). Via de regra, os homens trans são alocados em unidades femininas — ainda que tenham redesignado seu sexo e retificado seus documentos — para garantia da integridade física, da sua própria segurança. Garantir a segurança de um homem trans em uma unidade masculina é tarefa muito difícil. Afinal, como garantir sua alocação separado dos demais presos diante de um cenário de superpopulação prisional? Mastectomia masculinizadora cirurgia de retirada das mamas, em homens trans, para que o tórax fique adequado ao gênero de identificação. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 29 Assim, para fins de recebimento de homens trans presos (geralmente em unidades femininas), é de responsabilidade da direção prisional observar o que segue, de acordo com a Nota Técnica nº 9/2020. 2.4 Como receber pessoas intersexuais Considerando o que já tratamos sobre a intersexualidade, é possível que uma pessoa intersexo (cujas estruturas biológicas – como genital, órgão reprodutor, hormônios e/ou padrão cromossômico – não são típicas do sexo masculino nem do feminino) seja direcionada a uma unidade masculina ou feminina. A decisão sobre este direcionamento ocorre de acordo com a vontade pessoa presa — autorizada pela Comissão Técnica de Classifi- cação — ou para o cumprimento de ordem judicial. Responsabilidades do gestor prisional 1 2 3 perguntar o nome social da pessoa; perguntar como a pessoa se identifica em relação à identidade de gênero; incluir o nome social da pessoa em formulário e demais documentos usados na unidade; 4 promover que todos(as) os(as) agentes prisionais e demais servidores(as) se reportem à pessoa fazendo uso do nome social; e 5 alocar a pessoa em espaço de vivência específico, separada do convívio dos demais presos, se tiver sido encaminhada para unidade masculina, ou das demais presas, se tiver sido encaminhada para a unidade feminina. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 30 Para as pessoas intersexuais, segundo a Nota Técnica nº 9/2020 do DEPEN, é necessário ter a seguinte atenção, na responsabilidade da gestão prisional. 4 não havendo possibilidade de apresentação de laudo, garantir espaço específico, separada do convívio dos demais presos, se tiver sido encaminhada para unidade masculina, ou das demais presas, se tiver sido encaminhada para a unidade feminina, até que seja providenciado documento; e 5 promover que todos(as) os(as) agentes prisionais e demais servidores(as) se reportem à pessoa fazendo uso do nome social, se o tiver. 3 solicitar laudo atestando que as características físicas, hormonais e genéticas não permitem a definiçãodo sexo da pessoa como masculino ou feminino; 2 incluir o nome social, se o tiver, da pessoa em formulário e demais documentos usados na unidade; 1 perguntar o nome social da pessoa; Como receber pessoas intersexuais GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 31 2.5 Da manutenção de cabelos, acesso a materiais e objetos Ao dar importância para as especificidades das pessoas LGBTI+ presas, faz-se necessário compreender que o tratamento deve ser de acordo com suas orientações sexuais e, em especial, suas identidades de gênero, independente se a unidade prisional é feminina ou masculina. A Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, menciona, em seu art. 5º, o que segue: À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garan- tindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero. (BRASIL, 2014, p. 2). Diante do exposto, ressalta-se que os objetos e materiais ligados à iden- tidade trans(roupas femininas, peças íntimas femininas, batom, pinça etc.) não são desnecessários. As gestões prisionais podem se adequar a esse atendimento, considerando as dificuldades de compreensão e adequação dos procedimentos já consolidados, conforme o relato de um policial penal do estado de Minas Gerais: DEPOIMENTO A gente só tem tomado cuidado pra não virar regalia. É um pú- blico que a gente acaba permitindo coisas que não permite pros héteros. Algumas coisas são diferentes. Escova de cabelo, essas coisas mais pessoais, sabe? Coisas femininas, sabe? A gente acaba abrindo um precedente. Só é difícil controlar isso. Quando nós tínhamos um público feminino, quando essa cadeia inaugurou, ela sempre teve mulheres. Então, nós nos aproximamos do que as mulheres tinham de regalias. Questão de batom, esmalte, alicate de unha, algumas coisas de cabelo, prancha de cabelo, coisas que não tem pro público hétero. Quando o pavilhão era feminino, tinha uma equipe maior feminina para cuidar do fe- minino. Quando transformou o público feminino em LGBT, não aumentou o número de agentes. Então, nós temos uma mão de obra muito grande lá. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 32 A primeira coisa que acontece é não ter controle. Prancha de cabelo, por exemplo, tem que ter o controle. Quando era o femi- nino se tinha o controle. Não ficava na cela. E se ficava na cela era aquela coisa controlada, entra em um horário e no final da tarde sai. Tem a questão o público masculino que tem o machis- mo… a homofobia, vamos tratar assim, você tem dificuldade de selecionar funcionários. (BRASIL, 2020a, p. 88). Constantemente, a palavra regalia aparece no vocabulário prisional; contudo, as gestões prisionais precisam se esforçar no sentido de atuar junto aos servidores para capacitação quanto às especificidades da po- pulação LGBTI+; em especial, às demandas da população trans. Objetos e materiais que fazem parte da identidade das pessoas trans não devem ser vistas como regalias, mas como essenciais para suas identidades. Materiais do “Dia de Beleza” para apenados LGBT. Foto: Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 33 Ainda sobre o acesso a itens materiais que fazem parte da identidade das pessoas trans, segue o relato de outro servidor do estado de Minas Gerais. DEPOIMENTO Tem muita gente que olha pra eles e vê essas coisas como regalia. Isso gera um pouco de desconforto por parte dos agentes. Eles ficam questionando se pode tudo e não pode tudo. Mas é difícil conscientizar que tem uma diferença. [...] É mulheres cuidando de mulheres. Os homens, nós agentes masculinos, não dávamos nem palpite. O máximo que a gente fazia era de vez em quando entrar pra dar um palpite pequeno. Eram mulheres cuidando de mulheres. Elas entendem essas peculiaridades. No caso do público trans é homem cuidando de mulher, entende? O pensa- mento muda. O homem cuidando de homem, ele vê o preso como homem. O guarda cuidando do preso LGBT, ele tem a dificuldade de ver o preso como mulher. E eles tem peculiaridades que são muito próximo de mulher. Quando o público LGBT chegou aqui e caiu na minha mão eu não sabia o fazer, eu chamei uma agente que já tinha trabalhado em uma unidade feminina e disse pra ela que eu precisava que ela me ajudasse. No começo começou pequeno e não era superlotado, ela me falou como funcionava no feminino e a gente tentou aproximar. A verdade é que a gente não consegue ter esse controle. Quanto tinha o feminino, tinham uma equipe de 3, 4 agentes mulheres que ficavam lá com elas, hoje a gente tem no máximo 1 gaiola. Cada setor tem um centro de comando que monitora e controla a chave e o rádio. Tem um agente que é fixo alí e todo pavilhão tem e tem os outros agentes de apoio que entra e sai. (BRASIL, 2020a, p. 88). Diante do exposto, percebem-se as dificuldades em executar procedi- mentos de custódia que abarcam as especificidades de gênero oposto da maioria do quantitativo de presos, no caso, o masculino cisgênero. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 34 Tão importante quanto o acesso a itens materiais é a manutenção de cabelos compridos. Entretanto, PODCAST sabe-se que é muito comum o procedimento de corte de cabelos das pessoas presas nas unidades masculinas e que essa ação tem se estendido ao tratamento dado às mulheres trans e travestis, mesmo em unidades prisionais que não seguem nenhum tipo de manual de procedimentos padrão. Ou seja, mesmo não tendo nenhum tipo de recomendação expressa. A lógica do aprisionamento de mulheres trans, travestis e de homens trans deve seguir a das regras da identidade de gênero da pessoa presa. Por exemplo: ainda que uma mulher trans es- teja presa em uma unidade masculina, o tratamento dado a ela deve ser o mesmo que é oferecido às mulheres de uma unidade feminina. Ao passo que os cabelos das mulheres das unidades femininas não são cortados, os cabelos das mulheres trans e travestis também precisam ser preservados. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 35 Assim, não se deve raspar os cabelos das mulheres trans e das travestis, seja na triagem ou depois, seja numa unidade prisional masculina ou numa feminina, seja cabelo natural ou não. É dever da direção da unidade prisional atuar no sentido de preservar as identidades e expressões de gênero, caso estejam ameaçadas por ser- vidores ou por outras pessoas presas — como no caso relatado a seguir, no depoimento de uma presa do estado da Paraíba: DEPOIMENTO Eu já rodei tudo que é presídio. Eu estava no sertão. Os dois ra- pazes inventaram uma história pra cortar meu cabelo. Disseram que as mulheres deles estavam com ciúme. Às vezes é verdade mesmo. As mulheres têm ciúme da pessoa. Daí ele queria cortar meu cabelo. Eu estava em outra cela. Daí eu disse “se for pra cortar meu cabelo, eu prefiro ficar no isolado”. Alguns presos até me apoiaram dizendo pra não cortar meu cabelo. Mas no outro dia teve o banho de sol. Mas nesse tempo a cadeia [administra- ção prisional] não sabia de nada. Aí eu desci lá e consegui falar com eles. Eles foram nos presos e falam que ninguém ia cortar meu cabelo porque só quem pode mexer nos presos é a cadeia. Tem os que respeitam, tem os que gostam e os que não gostam. (BRASIL, 2020a, p. 77). No estado do Rio Grande do Norte, aconteceu algo parecido com o último relato. Os cabelos de uma travesti foram preservadosdiante de suposta lei que proíbe o corte de cabelos da população trans em situação de prisão, conforme atesta seu relato, que segue: DEPOIMENTO Nessa aqui, eu cheguei da rua. Eu fui pra uma triagem que eles não cortaram meu cabelo, porque eles disseram que tem uma lei agora que não pode mais cortar cabelo de travesti. (BRASIL, 2020a, p. 71). GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 36 Diante do exposto sobre a custódia de mulheres trans e travestis, o DE- PEN já se manifestou, por meio da Nota Técnica nº 9/2020, afirmando que a população trans presa tem os direitos a seguir. Do mesmo modo, tratado sobre as mulheres trans e travestis, aos ho- mens trans cabe o tratamento que considere a possibilidade de acesso a itens de acordo com a identidade de gênero: roupas masculinas, faixa de compressão de mamas etc. Às pessoas intersexo, também o acesso à manutenção de cabelos, aos materiais e objetos deve se dar de acordo com o que a pessoa se identifica e se autodeclara. a vestimentas de acordo com sua identificação de gênero (feminina); à manutenção de seus cabelos compridos, inclusive, mega hair, desde que fixo; produtos de maquiagem. pinças para extração de pêlos; e Direitos da população trans presa GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 37 2.6 Da revista pessoal em pessoas LGBTI+ É importante pontuar que a revista pessoal em lésbicas, gays e bissexuais se dá assim como é realizada para o restante das pessoas presas. Contudo, para as populações de travestis, de mulheres trans, de homens trans e de intersexos, é preciso ter atenção bastante específica. Por isso, para iniciar o assunto, remontamos ao que o DEPEN afirmou por meio da Nota Técnica nº 9/2020: "[...] Importante destacar a eficiência no uso do aparelho de scanner corporal (aparelho moderno que faz uma varredura profunda detec- tando substâncias ou objetos suspeitos) ou detectores de metais em substituição às revistas íntimas, evitando eventuais constrangimentos às pessoas travestis e transsexuais e aos servidores." (BRASIL, 2020b, p. 6, grifos no original). Portanto, é incentivado o uso de tecnologia para a revista pessoal na população trans e nas travestis. Abordar esse tema faz-se necessário pela existência de procedimentos de revistas íntimas que são bastante consolidados nas unidades prisio- nais. A presença de pessoas que não são cisgênero pode gerar questio- namentos sobre quem deverá realizar a revista — um servidor ou uma servidora prisional? GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 38 Por isso, mais uma vez, recorremos ao recomendado na Nota Técnica nº 9/2020: A necessidade de tratar sobre a revista pessoal se dá em virtude das de- cisões de Cortes Superiores do Brasil que demonstram preocupação com a alocação da população prisional LGBTI+, em especial com as travestis e as mulheres trans. Tal alocação pode gerar dúvidas em servidores de unidades prisionais femininas sobre a execução dos procedimentos de forma a não ferir a dignidade da pessoa humana, conforme observa-se o relato da servidora a seguir: Homens autoidentificados como gays recomendação de que sejam revistados por servidor habilitado a fazer a revista. Mulheres autoidentificadas como lésbicas recomendação de que sejam revistadas por servidora habilitada a fazer a revista. Homens trans recomendação de que sejam revistados por 2 (duas) mulheres, seguindo as normas dispostas a todas as mulheres presas. • quando alocadas em unidades femininas, recomendação de que sejam revistadas por 2 (duas) mulheres, seguindo as normas dispostas a todas as demais presas; • quando alocadas em unidades masculinas, poderão ser revistadas por homens, caso não existam 2 (duas) servidoras habilitadas para o procedimento. Travestis e mulheres trans que não realizaram procedimento de redesignação sexual • quando se identificam com o gênero masculino: recomedação de que sejam revistadas por servidor habilitado; • quando se identificam com o gênero feminino: recomendação de que sejam revistadas por duas servidoras habilitadas. Pessoas intersexo GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 39 DEPOIMENTO A resistência que a gente tinha maior aqui no início já foi sanada. Nosso quadro de pessoal no presídio feminino de Teresina, a mé- dia é de uns 60 anos de idade das agentes. É uma senhora de 60 anos fazendo uma vistoria num homem. Ele é homem, tem tudo de um homem, o genital masculino. Agora já chegaram novas agentes com preparo que passaram por uma escola diferente. Nós hoje está sanado. A travesti em si aqui acabou que passou a não se incomodar se é homem ou mulher fazendo a revista. (BRASIL, 2020a, p. 69). 2.7 Da revista pessoal em visitantes LGBTI+ Na mesma linha utilizada sobre a revista pessoal realizada em pessoas LGBTI+ presas, é recomendado que visitantes lésbicas, gays e bissexuais tenham tratamento semelhante ao das pessoas cisgênero heterossexuais; contudo, para visitantes travestis, mulheres trans, homens trans e inter- sexos, é preciso ter atenção específica. Portanto, recomenda-se que seja utilizado o scanner corporal para revista pessoal em visitantes que sejam travestis, mulheres trans, homens trans e intersexos. Esse equipamento já se mostrou eficiente e, para a ocasião, evita possíveis constrangimentos para os visitantes e servidores que precisam realizar procedimentos de segurança nas unidades prisionais. Equipamento utilizado para a revista de visitantes em unidades prisionais. Foto: SP Notícias / Governo do Estado de São Paulo. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 40 Ainda, ressalta-se a necessidade do respeito ao nome social, caso o vi- sitante o tenha. Além disso, destaca-se que o tratamento deve seguir a lógica da identidade de gênero do visitante. Exemplo: se a visita for uma mulher trans, o servidor precisa se reportar a ela utilizando os termos femininos; se for um homem trans, o tratamento precisa ser masculino; se a pessoas for intersexo, o tratamento deve ser de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identificar. Quanto à visita íntima, caso a unidade oferte essa atividade à população prisional, recomenda-se que seja garantida a mesma concessão aos visitantes e aos presos LGBTI+. Nesse sentido, com intuito de garantir o acesso ao que é para todos os presos, relembra-se a Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, em seu art. 6º, que expressa o que segue: “É garantido o direito à visita íntima para a população LGBT em situação de privação de liberdade, nos termos da Portaria MJ nº 1190/2008 e na Resolução CNPCP nº 4, de 29 de junho de 2011.” (BRASIL, 2014, p. 3). UNIDADE 3 Do acesso às assistências GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 42 3. DO ACESSO ÀS ASSISTÊNCIAS O acesso às assistências é passo importante para a cidadania. E, afinal, a cidadania é essencial para a dignidade. É comum aos que trabalham em unidades prisionais, eventualmente, perceberem a busca incessante das pessoas presas a algum tipo de assistência, seja ela de saúde, de educação, de trabalho ou de alguma atividade voltada ao psicossocial. E não é diferente com as pessoas LGBTI+. Não é difícil encontrar pessoas presas que nunca tiveram acesso à edu- cação formal/escolarização ou que nunca foram ao dentista. É nesse universo que as assistências em ambientes prisionais se apresentam. 3.1 Da saúde da pessoa LGBTI+ O art. 7º da Resolução Conjunta nº 1/2014 CNPCP/CNCD/LGBTé claro e direto quanto ao acesso das pessoas LGBTI+ à saúde: [...] garantida à população LGBTI em situação de privação de li- berdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP. (BRASIL, 2014, p. 3). Diante do exposto, tudo que for de direito de acesso à saúde pelo Sis- tema Único de Saúde (SUS) é também para as pessoas LGBTI+ presas, incluindo os procedimentos de utilização de hormônios. O tratamento hormonal é uma demanda comumente pleiteada por mulheres trans, travestis e homens trans. Portanto, é necessário dizer que o cuidado à saúde da população trans percorre dois caminhos: o da atenção básica e o da atenção especializada. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 43 A atenção básica é responsável pelos primeiros atendimentos médicos. Nestes atendimentos é possível ser avaliado e encaminhado para o atendimento especializado, que poderá ser para especialidades como: urologia, cardiologia, angiologia, endocrinologia etc. No caso do acesso da população trans ao tratamento hormonal, é necessário o encaminha- mento a especialista em endocrinologia. Foto: Adaptado de © [Prostock-studio] / Shutterstockassist. Entretanto, a atenção especializada de maior interesse da população trans não se limita à hormonioterapia. Nesse sentido, a atenção espe- cializada é dividida em dois expoentes: a ambulatorial e a hospitalar. O tratamento hormonal faz parte do atendimento ambulatorial, assim como o atendimento psicológico. Já o atendimento hospitalar é direcio- nado à redesignação de sexo: colocação de prótese de silicone, cirurgia genital, remoção das mamas (mastecomia) e do útero (histerectomia). É importante ressaltar que nas unidades prisionais a atenção básica é bastante consolidada, a saúde especializada não. Portanto, ainda que haja um encaminhamento médico emitido através da atenção básica, é necessário que a gestão da unidade prisional (em atividade conjunta com o setor de saúde prisional) proporcione marcação de atendimento médico especializado extramuros. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 44 Assim, a marcação de uma consulta especializada pelo SUS passa pelo que segue. Ademais, considerando que a pessoa trans obteve sucesso em atendimento especializado para iniciar tratamento hormonal, é preciso considerar que será preciso o acesso ao hormônio, o que poderá ser acessado pelo SUS ou por via particular. Nesse sentido, é coerente o relato de uma travesti presa no estado do Mato Grosso, que segue: DEPOIMENTO A gente tem a instrução normativa. Não é que a unidade prive [a hormonização], mas o SUS que não tem condições de fornecer. Eu comecei a ir para a hormonização só que a comissão mista que foi montada, que são cinco profissionais, que vão atender no hospital federal, ela foi desmanchada. Eles estavam tendo um problema com travestis que estavam vendendo receituário dos programas de hormonização. Então eles acabaram cortando até que achassem uma nova metodologia pra que não houvesse esse tipo de fraude. Hormonização aqui não tem, mas não que a unida- de não se disponha a fazer, mas é que o SUS não fornece mesmo. Os profissionais não atendem aqui na unidade, urologista, endo- crinologista. Todos esses profissionais eu fui lá fora, mas já que essa equipe foi desmanchada, não teve mais. (BRASIL, 2020a, p. 43). Dependências para o agendamento de consultas 1 2 pela decisão da gestão prisional em marcar consulta extramuros; e pela disponibilidade de vaga na atenção especializada. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 45 Considerando que, na maioria das unidades prisionais, o acesso à saúde é através de Unidades Básicas de Saúde, os gestores prisionais são res- ponsáveis por garantir que as pessoas trans tenham acesso a consultas e tratamentos especializados externos. Por isso, é necessário oportunizar, para a população trans, mar- cação de consultas, transporte e escolta para acesso à saúde específica, ou articular para que esse tipo de atendimento seja feito no interior das unidades prisionais. Um direito relacionado a toda população presa, inclusive às pessoas LGBTI+, é o sigilo dos prontuários e exames médicos, em especial da- queles que trazem informações relacionadas ao contágio de HIV/AIDS e a quaisquer outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Foto: [Jarun Ontakrai] / Shutterstock. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 46 Ainda em relação ao HIV e demais doenças sexualmente transmissíveis, a atuação das gestões das unidades prisionais é fundamental em pelo menos três aspectos. Confira a seguir. Sobre o assunto, um diretor de unidade prisional do estado de São Paulo disse o seguinte: DEPOIMENTO Eu não posso servir preservativo apenas para a população LGBT apenas [sic]. O que a gente faz? A gente serve para a população geral. A gente faz isso no dia antes da visitação. Se o preso LGBT necessitar de mais, eles vêm na enfermaria e a gente dá. A gente serve a todos. A gente tem população LGBT que a gente sabe que pratica sexo durante a semana fora do dia de visitação, como que eu não vou dar preservativo? Isso vai influenciar na saúde da minha unidade prisional. Eu prefiro ter a população LGBT se relacionando com preservativo que ter uma epidemia de sífilis ou ter um grande avanço na questão do HIV. Não só os LGBT, mas a população geral. Na sexta-feira a gente serviu no pavilhão 600 camisinhas, 600 unidades. Eu tive nesse pavilhão uns 200 visitantes. Eu não vou entrar e pedir 400 preservativos de volta. (BRASIL, 2020a, p. 98). garantir o sigilo dos prontuários de saúde; garantir o tratamento das pessoas contaminadas com IST, em especial, as com HIV ou aids; ter disponível o acesso gratuito de camisinhas para todas as pessoas presas, em especial, para as pessoas LGBTI+. HIV e infecções sexualmente transmissíveis GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 47 3.2 Do acesso da pessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho Deve ser garantido o acesso das pessoas LGBTI+ presas ao mundo do trabalho e à renda. Considerando que esse acesso pode ter como dificultador o preconceito da população prisional contra a população LGBTI+, as gestões prisionais precisam se esforçar no sentido de ofertar vagas de trabalho para todas as pessoas. Nesse sentido, relembramos as Regras de Mandela, que em sua regra nº 96 diz o seguinte: 1. Todos os reclusos condenados devem ter a oportunidade de trabalhar e/ou participar ativamente na sua reabilitação, em con- formidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com a determinação do médico ou de outro profissional de saúde qualificado. (BRASIL, 2016, p. 41). Portanto, recomenda-se que sejam oferecidas às pessoas LGBTI+ presas: Vagas para cursos profissionalizantes. Vagas para atuação em oficinas do PROCAP. Vagas de trabalho remunerado, quando houver oportunidade. GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 48 3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação Seguindo a mesma lógica do acesso ao mundo do trabalho, recomen- da-se que sejam oferecidas à população LGBTI+, além do já citado acesso a vagas em cursos profissionalizantes: Assim, os acessos às atividades educacionais devem seguir a lógica da oferta a todas as pessoaspresas. É necessário que as gestões das unida- des prisionais se esforcem no sentido não somente de oferecer vagas, mas de acompanhar a evolução da execução das atividades com intuito de perceber qualquer possibilidade de intimidação de outras pessoas presas com viés discriminatório. As equipes pedagógicas da Educação de Jovens e Adultos, via de regra, são importantes parceiras na busca do sucesso escolar. Foto: Secretaria do Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais. Vagas para Educação de Jovens e Adultos. Oportunidade de leirura e, com isso, remição pela leitura. Oportunidade de inscrição em exames nacionais, como Enem PPL e Encceja PPL. EJA ENCCEJA ENEM GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 49 3.4 A assistência social à pessoa LGBTI+ No cotidiano das unidades prisionais, observa-se que o contexto que a assistência social atua com a população LGBTI+ é a do abandono, em especial, o do universo trans. PODCAST Há, geralmente, um histórico de abandono e rejeição familiar antes do momento de prisão e isso se estende ao cumprimento de pena. Se “na rua” a rejeição era uma marca, no cárcere isso se acentua. Se o homem hétero costuma receber visitas de suas mães, esposas, irmãs etc., a grande maioria das mulheres trans e travestis não recebe tais visitas. Suas relações familiares, após o abandono de seus entes, são construídas por relações não san- guíneas, muitas delas não autorizadas pelas gestões prisionais para realização de visitas às pessoas LGBTI+. Nesse sentido, atividades rotineiras quando relacionadas à visitação prisional trazem prejuízos às presas trans e travestis, quais sejam: • agravo da saúde mental; • falta de recebimento de itens de higiene e vestuário; • falta de notícias externas etc. Com a ausência familiar em visitação às unidades prisionais, parte da população LGBTI+ fica entregue ao Estado como único fornecedor de alimentos, vestuário e itens de higiene. Por isso, as gestões prisionais precisam valorizar a assistência social às pessoas LGBTI+. É esse serviço que tem o maior poder de compreender a amplitude da vivência da pessoa LGBTI+ presa e sua reinserção social. Portanto, a assistência social das unidades prisionais precisa desenvolver ações voltadas à população LGBTI+, em especial, para as pessoas trans e travestis, no sentido de oportunizar o acesso ao que um familiar, even- tualmente, poderia fornecer. Algumas estratégias podem ser montadas no combate ao isolamento social e vulnerabilidade LGBTI+ no cárcere. O DEPEN já se manifestou sobre o assunto por meio da Nota Técnica nº 9/2020, dizendo o seguinte: GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 50 "Considerando que presos LGBTI encontram dificuldades de recebi- mento de itens materiais através de visitantes, recomenda-se que o serviço social das unidades prisionais desenvolva ações contínuas dirigidas aos visitantes e às pessoas LGBTI presas, considerando o respeito aos princípios de igualdade, não-discriminação e do autorre- conhecimento e de acessibilidade de itens materiais para população LGBTI presa, quais sejam: a) autorização de visitante de outra pessoa presa fornecer a assistência material em quantidade suficiente para 2 (duas) pessoas; b) autorização de entrada de itens femininos, ainda que a pessoa presa seja gay, bissexual, travesti ou mulher trans alocada em uni- dade masculina; e c) autorização de entrada de itens masculinos, ainda que a pessoa presa seja lésbica ou homem trans." (BRASIL, 2020b). Os serviços de assistência social das unidades prisionais devem estar atentos às demandas específicas de toda pessoa presa. Por isso, sempre que houver uma dificuldade que impeça a pessoa LGBTI+ presa de viver com dignidade pelas questões que envolvem suas demandas específicas, os serviços de assistência social devem produzir relatórios expondo os entraves e sugerindo soluções, encaminhando às gestões prisionais para possíveis providências. A Lei nº 7.210 (Lei de Execução Penal) trata do que se espera dos profis- sionais de assistência social que atuam com atividades ligadas às pessoas presas. Assim, o art. 22 diz que "a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade", sendo incumbência do serviço de assistência social, de acordo com o art. 23: I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames; II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os pro- blemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; GÊNERO E SEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 51 IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; V - promover a orientação do assistido, na fase final do cum- primento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro; VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima. (BRASIL, 1984, grifos nossos). Embora os servidores que atuam com a assistência social precisem se atentar às vulnerabilidades das pessoas LGBTI+ presas, são os gestores prisionais os principais responsáveis pela rotina penitenciária; são eles que precisam tomar as principais decisões em atenção à população LGBTI+. 3.5 A assistência religiosa à pessoa LGBTI+ A assistência religiosa também pode ser muito preciosa à população LGBTI+. Contudo, recomenda-se atenção na oferta no sentido de que a pessoa LGBTI+ precisa manifestar sua vontade de receber ou não a visita de um religioso ou de participar de alguma celebração religiosa; seja um culto, uma missa ou um passe feito por religião de matriz africana. De maneira alguma é aceitável a assistência religiosa impositiva. A própria Lei de Execução Penal trata deste assunto em seu artigo 24: A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa. (BRASIL, 1984). Agora que você realizou o estudo sobre o acesso a assistências por parte das pessoas LGBTI+ presas, veja, a seguir, uma retomada dos pontos mais importantes do módulo. 52 Neste módulo do curso, foram abordadas questões relativas à legislação, ao acolhimento e aos direitos das pessoas LGBTI+ em seu recebimento no sistema prisional e no cumprimento de sua pena. Na Unidade 1, foram apresentados excertos de dispositivos legais que embasam a atenção às pessoas LGBTI+ presas: • em relação ao seu direito de tratamento igualitário perante a lei, sem discriminção, violência ou preconceito em virtude de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. • no que tange ao respeito às suas especificidades e ao acesso a pro- cedimentos de custódia diferenciados, visando sobretudo à garantia de sua segurança e integridade física. Na Unidade 2, abordamos os procedimentos de recebimento de pessoas LGBTI+ nas unidades prisionais. Foi destacada a importância da entrevista no momento da triagem, momento em que se deve abrir espaço para a autodeclaração de orientação sexual e de identidade de gênero das pessoas LGBTI+. Quando for o caso, também para o registro do nome social de pessoas trans e travestis. Este deve ser incluído no registro de admissão e demais documentos, e respeitado sempre que se fizer referência à pessoa presa. Vimos que deve ser oferecida à pessoa LGBTI+ alocaçãoespecífica, sendo uma escolha da pessoa aceitar ou não esta oferta. Independentemente de sua alocação, no cumprimento da pena, o tratamento deve ser de acordo com sua identidade de gênero, inclusive no que diz respeito à manutenção de cabelo, vestimentas e acesso a materiais e objetos. Destacamos a necessidade de especial atenção em relação aos proce- dimentos de recebimento e à revista íntima das pessoas trans, travestis e intersexuais, apontado orientações técnicas para cada caso. SÍNTESE DO MÓDULO Por fim, pontuamos o direito à visita íntima para a população LGBTI+ nos contextos em que esta é oportunizada às pessoas presas. Na Unidade 3, abordamos o acesso às assistências e sua importância para a população LGBTI+ presa. Em relação à saúde, foi destacada a garantia ao acesso de pessoas transexuais a consultas e tratamentos especiali- zados disponíveis no Sistema Único de Saúde; o necessário sigilo em relação aos prontuários e exames; e a atuação no sentido da prevenção, da detecção e do tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis. Também tratamos nesta unidade da importância de oportunizar o acesso à educação básica e profissionalizante, assim como às oportunidades de trabalho e renda. Abordamos em seguida a relevância da assistência social às pessoas LGBTI+, que muitas vezes têm o Estado como único provedor para suas necessidades de alimentação, vestimenta e higiene. Por fim, abordamos a assistência religiosa à pessoa LGBTI+ em situação de prisão, destacando que esta não pode de forma alguma ser imposta, mas sim prestada quando há manifestação da vontade da pessoa presa. Chegamos ao final do nosso curso. Esperamos que o curso tenha sido efetivo para incorporar conhecimentos em seu dia a dia. SÍNTESE DO MÓDULO REFERÊNCIAS ASSOCIATION FOR THE PREVENTION OF TORTURE. Towards the Effec- tive Protection of LGBTI Persons Deprived of Liberty: A Monitoring Guide. Genebra: Association For The Prevention Of Torture, 2018. Disponível em: https://www.apt.ch/sites/default/files/publications/apt_20181204_ towards-the-effective-protection-of-lgbti-persons-deprived-of-liberty- -a-monitoring-guide-final.pdf. Acesso em: 14 jan. 2022. BASSANI, F. Visita íntima: o gerenciamento da sexualidade nas prisões do Brasil. 2013. 150 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social e Institu- cional) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Organizado por Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira) BRASIL. Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 14 jan. 2022. BRASIL. Decreto Federal nº 8.727 de 28 de abril de 2016. Dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais [...]. Brasília, DF: Presidência da Repú- blica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%20 8.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&tex- t=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20dire- ta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional. Acesso em: 14 jan. 2022. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: Presidência da República [1984]. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 14 jan. 2022. https://www.apt.ch/sites/default/files/publications/apt_20181204_towards-the-effective-protection-of-lgbti-persons-deprived-of-liberty-a-monitoring-guide-final.pdf https://www.apt.ch/sites/default/files/publications/apt_20181204_towards-the-effective-protection-of-lgbti-persons-deprived-of-liberty-a-monitoring-guide-final.pdf https://www.apt.ch/sites/default/files/publications/apt_20181204_towards-the-effective-protection-of-lgbti-persons-deprived-of-liberty-a-monitoring-guide-final.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20do,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacional http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade [...]. Brasília, DF: Presidência da República [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em: 14 jan. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 01 dez. 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011. html. Acesso em: 14 jan. 2022. BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secre- taria Nacional de Proteção Global. Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. LGBT nas Prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiência de encarceramento. 2020a. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT. pdf. Acesso em: 03 fev. 2022. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ. Brasília, DF: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2020b. Disponível em: https://crimi- nal.mppr.mp.br/arquivos/File/Nota_tecnica_n_9_-_depen_-_lgbi.pdf. Acesso em: 14 jan. 2020. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nota Técnica nº 28/2019/COATR/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ. Brasília, DF: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 06 jun. 2019. Disponível em: http://antigo. depen.gov.br/DEPEN/NotaTcnica28.pdf. Acesso em: 14 jan. 2022. BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Con- selho Nacional de Combate à Discriminação. Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014. Brasília, DF: Presidência da República, [2014]. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/composicao/cnpcp/ resolucoes/2014/resolucao-conjunta-no-1-de-15-de-abril-de-2014.pdf/ view. Acesso em: 14 jan. 2022. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT.pdf
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