Buscar

Autoconhecimento-na-Prática-do-Cuidar-1-P-1

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
 
AUTOCONHECIMENTO NA PRÁTICA DO CUIDAR 
1 
 
 
SUMÁRIO 
 
NOSSA HISTÓRIA ...................................................................................................... 2 
A PSICOLOGIA HOSPITALAR E AS EQUIPES MULTIDISCIPLINARES 
(ADAPTADO) .............................................................................................................. 3 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 
METODOLOGIA ......................................................................................................... 4 
O início das atividades da psicologia hospitalar ............................................................. 4 
A psicologia hospitalar e a equipe multidisciplinar ........................................................ 5 
Relações de poder e os profissionais de saúde ............................................................... 7 
Considerações finais: o conceito de saúde e o trabalho da psicologia hospitalar........... 10 
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 11 
UMA ABORDAGEM HERMENÊUTICA DA RELAÇÃO SAÚDE-DOENÇA ( 
Adaptado) ................................................................................................................... 12 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 
A TERCEIRA MARGEM DA SAÚDE: A ANGÚSTIA EM KIERKEGAARD E 
HEIDEGGER ............................................................................................................. 15 
OS CONCEITOS DE SAÚDE E DOENÇA NA OBRA DE GADAMER E SUAS 
INFLUÊNCIAS NAS CIÊNCIAS SOCIAIS EM SAÚDE .......................................... 18 
TEORIA INTERPRETATIVA E TEORIA CRÍTICA NO CAMPO DA SAÚDE: RUMO 
PARA UMA NOVA ABORDAGEM TEÓRICA? ...................................................... 19 
AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA INTERPRETATIVA NA FORMAÇÃO E PRÁTICA 
CLÍNICA .................................................................................................................... 21 
Referências ................................................................................................................. 24 
 
 
2 
 
 
 
NOSSA HISTÓRIA 
 
 
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de 
empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de 
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como 
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, 
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o 
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
A PSICOLOGIA HOSPITALAR E AS EQUIPES MULTIDISCIPLINARES 
(ADAPTADO) 
 Luciana Barcellos Fossi1; Neuza Maria de Fátima GuareschiI, 2 
I Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do 
Sul 
 INTRODUÇÃO 
A psicologia hospitalar tem construído sua história, passo a passo, considerando 
que há menos de duas décadas, a atuação do psicólogo em instituições hospitalares não 
estava regulamentada como uma ampla e necessária práxis psicológica. Os profissionais 
aventuraram-se por este caminho, mas muitos já o trilhavam, delineando os rumos desta 
área como a conhecemos hoje. Assim, as atividades desempenhadas pelos psicólogos 
organizacionais e clínicos necessitam se moldar às demandas institucionais. Nos hospitais 
gerais, faz-se, então, necessário a escuta terapêutica com usuários, e, consequentemente, 
a escuta de seus familiares. Médicos e enfermeiros observam que diversos usuários 
acabam voltando ao hospital novamente “ doentes” , solicitando atendimento e cuidados. 
As equipes médicas (e também outros funcionários do hospital) relatam que, em alguns 
casos, somente a ajuda médica não basta para o tratamento ser bem sucedido: o ser 
humano é muito mais que um corpo físico, e assim, o atendimento integral à saúde é 
indiscutível. Portanto, a integração da equipe de saúde é imprescindível para que o 
atendimento e o cuidado alcance a amplitude do ser humano, considerando as diversas 
necessidades do paciente e assim, transcendendo a noção de conceito de saúde, de que a 
ausência de enfermidade significa ser saudável. Dessa forma, o trabalho em equipe 
mostra-se fundamental para o atendimento hospitalar, na medida em que médicos, 
enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e os demais profissionais 
envolvidos nesse atendimento estabeleçam uma integração, para que a pessoa seja tomada 
como um todo, para que ela possa ter um atendimento humanizado, contemplando assim, 
outras necessidades dos usuários. A contribuição da psicologia hospitalar não se limita ao 
usuário ou à instituição, mas a especificidades que auxiliam todo o trabalho da equipe 
médica. A experiência da multidisciplinariedade proporcionou a continuidade da 
construção da identidade do psicólogo, enquanto um profissional do campo da saúde. 
Este estudo pretende mostrar alguns aspectos da trajetória do psicólogo em 
instituições hospitalares não psiquiátricas, a inserção deste profissional, bem como sua 
práxis profissional nas equipes multidisciplinares no Rio Grande do Sul, mais 
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582004000100004#1b
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582004000100004#2b
4 
 
 
especificamente em hospitais gerais de Porto Alegre. Para tanto, questões teóricas, 
históricas e atuais, vinculadas à psicologia hospitalar, serão contempladas e discutidas 
tendo como base alguns estudos teóricos e as falas de psicólogas entrevistadas. 
METODOLOGIA 
Este estudo foi realizado em seis hospitais gerais públicos e particulares, da cidade 
de Porto Alegre. Foram entrevistadas3 seis psicólogas, cada uma de um hospital. Através 
de uma entrevista semi-estruturada, procuramos buscar informações sobre o início do 
trabalho da psicologia nos hospitais, o desenvolvimento das primeiras atividades, bem 
como as atuais, e o contexto atual de trabalho nos hospitais gerais. As psicólogas 
destacaram diversos aspectos de sua atuação profissional que permearam a construção 
deste estudo. Através da emergência de determinados enunciados na fala das psicólogas, 
foram situados algumas questões como: a inserção do trabalho da psicologia no hospital, 
a psicologia hospitalar e as relações da equipe multidisciplinar de saúde. Os enunciados 
desses discursos foram organizados pelos tópicos dessas questões da pesquisa e sobre os 
quais se fez a discussão dos resultados. Os resultados dessa pesquisa estão organizados 
da seguinte forma: primeiro serão contextualizados, brevemente, alguns aspectos 
relacionados ao início da psicologia hospitalar4, para, em um segundo momento, se 
discutir a participação do trabalho da psicologia nas equipes multidisciplinares, 
abordando principalmente as relações de poder. Nas considerações finais, questionamos 
a concepção do conceito de saúde implicada no modo de trabalho das equipes de saúde e 
apontamos para aspectos deste conceito que consideramos fazer parte da prática da 
psicologia nos hospitaisgerais. 
O início das atividades da psicologia hospitalar 
Na década de 1980, a instabilidade econômica do país gerou um mercado de 
trabalho saturado de profissionais liberais e uma baixa nas ofertas de emprego. Essa 
situação econômica se fez presente no início da trajetória profissional de psicólogas que 
iniciaram sua atividade profissional no hospital: “ Eu ia me formar e obviamente não 
tinha emprego e ela perguntou se eu queria trabalhar lá (no hospital) e eu adorei.” No 
entanto, pouco se sabia sobre o psicólogo hospitalar, suas funções não haviam sido 
preestabelecidas, e ainda não existiam muitos estudos teóricos sobre o tema. A motivação 
para o desenvolvimento de um trabalho comprometido com a demanda também decorre 
do âmbito do conhecimento e da formação específica do profissional, o que sugere um 
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582004000100004#3b
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582004000100004#4b
5 
 
 
despreparo por parte dos profissionais recém formados, sendo necessária a ampliação dos 
conhecimentos adquiridos na graduação. As psicólogas inseriram-se nesse contexto 
considerando as necessidades da instituição relacionadas à psicologia. As primeiras 
atividades estavam relacionadas com o funcionamento da instituição, buscando criar 
novos serviços e qualificá-la, investigando as necessidades e estabelecendo 
objetivos: "Então nós fizemos um levantamento das necessidades e toda uma pesquisa 
para o levantamento das necessidades, estabelecendo prioridades, daí fizemos um 
projeto de trabalho daquelas necessidades [...] apresentamos para a direção. A direção 
aceitou a nossa proposta e nós estamos desde 1979...” . No entanto, a demanda hospitalar 
não era unicamente clínica, mesmo considerando que esta prática tenha sido o marco da 
afirmação profissional do psicólogo. Portanto, questões relativas ao funcionamento 
institucional mereceram a atenção do profissional da psicologia, proporcionando uma 
escuta que transcende a clínica, ressaltando a necessidade de se dedicar "a instituição 
como um todo, no seu funcionamento para que ela desempenhe da melhor forma possível 
a tarefa saúde, no cuidado com a saúde", que pode também ser contemplada nas seguintes 
atividades: "Então eu fazia seleção do pessoal, treinamento de funcionários, fazia 
avaliação do trabalho junto com as chefias...". 
A implementação de uma área nova dentro da psicologia suscitou a utilização de 
recursos técnicos e metodológicos de diversas áreas do saber psicológico, não se 
restringindo apenas a clínica, mas também a organizacional, social e educacional 
(Fongaro e Sebastiani,1996). Assim, foram criando um conhecimento mais específico 
sobre a área, possibilitando uma maior união entre o psíquico e o biológico, dentro do 
contexto hospitalar. Nesse sentido, faz-se necessário comentar a importância de estar 
instrumentalizado para realizar um bom trabalho. "Então foi aí que eu comecei, fui buscar 
supervisão, fui trabalhar e aí a coisa começou.". Estas falas ilustram a necessidade de se 
desenvolver materiais que expliquem e contextualizem o trabalho do psicólogo nesta área 
e a dinâmica da instituição hospitalar ( Fongaro e Sebastiani, 1996). 
A psicologia hospitalar e a equipe multidisciplinar 
A Psicologia Hospitalar não pertence unicamente a área clinica, pois ela também 
abrange áreas como a organizacional, social e educacional, utilizando-se de recursos 
técnicos, metodológicos e teóricos de diversos saberes psicológicos. A Psicologia 
Hospitalar busca comprometer-se com questões ligadas à qualidade de vida dos usuários 
bem como dos profissionais da saúde, portanto, não se restringindo ao atendimento 
6 
 
 
clínico, mesmo este sendo uma prática universal dos psicólogos hospitalares. O 
pressuposto que permeia as atividades do psicólogo no hospital geral mostra outra visão 
de indivíduo, não fragmentada, mas como um todo, como um ser biopsicossocioespiritual 
com o direito inalienável à dignidade e respeito. (Fongaro e Sebastiani, 1996) 
A equipe hospitalar é composta por diversos profissionais, incluindo aqueles que 
não assistem as pessoas hospitalizadas diretamente, tais como equipe de higienização, 
radiologista, anestesista, dentre outros. No entanto, consideraremos aqui a equipe 
multidisciplinar formada pelos profissionais que assistem diretamente os indivíduos: 
médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionista, assistente social, fisioterapeuta. Cabe 
salientar que a equipe multidisciplinar tem sua formação centrada nas necessidades da 
pessoa, portanto, ela não é pré-organizada. A demanda do enfermo é que fará com que os 
profissionais da saúde se integrem, com o propósito de satisfazer as necessidades globais 
da pessoa, proporcionando seu bem-estar. 
No entanto, serão os médicos os protagonistas do manejo hospitalar, pois são eles 
que decidem sobre técnicas, medicações, cura, internações e altas (Angerami-Camon, 
1987). Portanto, os demais profissionais se adequam, primeiramente, a demanda orgânica 
do indivíduo e às definições do médico, para posteriormente, integrar sua prática ao 
atendimento hospitalar. Porém, o aparecimento de inúmeras especialidades da área da 
saúde impossibilita que um único profissional englobe todos os conhecimentos 
produzidos em sua área de atuação. As múltiplas situações difíceis e inesperadas que 
fazem parte da realidade dos usuários dos hospitais gerais refletem no trabalho da equipe 
multidisciplinar, o que mostra que uma única especificidade profissional não consegue 
dar conta dessa gama de fatores intrínsecos a doença e a hospitalização (Chiattone, 1996). 
Em relação aos valores pessoais permeiam as relações profissionais, assim, acredita-se 
que a neutralidade médica exemplificada pelo relacionamento padrão estereotipado, 
estabelecido com os demais profissionais da saúde, bem como com os beneficiários dos 
serviços de saúde, implicam alguns questionamentos, principalmente por parte da equipe, 
tendo em vista que o saber médico é pouco compartilhado. A neutralidade médica pode 
ser explicada, mas não justificada, pela necessidade de esvaziamento dos conteúdos e 
representações de vida e morte, já que a relação entre os médicos e a pessoa em sofrimento 
é repleta de ansiedades e fantasias (Zaidhaft, 1990). A postura médica é consequência da 
formação profissional, que pouco enfoca as relações humanas e que tem uma visão de ser 
humano como objeto de estudo, não considerando as emoções subjacentes ao manejo 
médico (Kubler-Ross, 1999). Os membros da equipe, especialmente os médicos, que 
7 
 
 
tiverem sua auto-estima atrelada ao seu desempenho profissional, podem perder a noção 
realista das condições de recuperação de determinados casos, sendo a recuperação 
completa a única alternativa possível (Leão, 1998). 
A inserção dos serviços de psicologia é privilegiada em instituições onde há 
espaço para reuniões entre os diversos profissionais da equipe multidisciplinar, pois 
nestas ocasiões, o psicólogo evidenciará a importância da valorização do conjunto dos 
aspectos emocionais do indivíduo. A equipe médica de saúde, então, busca humanizar as 
condições do indivíduo no seu período de hospitalização. O vínculo entre o indivíduo e a 
equipe multidisciplinar tem de ser considerado no manejo psicológico. É indispensável 
que o psicólogo saiba detalhadamente das atividades desenvolvidas pelos demais 
profissionais, bem como os limites de cada um, possibilitando uma atuação integrada, 
com manejo único. A multidisciplinariedade corre o risco de fragmentação entre os 
setores, e consequentemente, a fragmentação do paciente. O relacionamento precário 
entre a pessoa e a equipe de saúde pode acarretar mais sofrimento do que o esperado para 
determinados quadros. Entretanto, é a trajetória hospitalar do indivíduo que definirá o 
enfoque de seu atendimento psicológico, que poderá ser préou pós-operatório, 
ambulatorial, ou de enfermaria. É através desta consideração que o trabalho do psicólogo 
será delineado e implementado, considerando as necessidades individuais da pessoa 
(Angerami-Camon, 1987). 
De acordo com Santos e Sebastiani (1996), a discussão sobre as equipes 
multidisciplinares é de suma importância, pois mesmo a proposta do atendimento integral 
ao usuário sendo óbvia, na prática, tal obviedade não é efetivamente posta em ação. Ainda 
percebe-se dificuldades de interação entre os profissionais, disputas de poder (tanto 
objetivas quanto subliminares), falta de conhecimento sobre a ajuda que outras 
especialidades podem dar à equipe e ao indivíduo. 
Relações de poder e os profissionais de saúde 
É impossível pensar em qualquer relação humana sem pensar nas relações de 
poder que permeiam, induzem, formam saberes e produzem discursos. É o que Foucalt 
nos ensina em microfísica do poder (1979/1984). Cabe ressaltar que poder não é um 
objeto e sim uma relação, e que também não é sempre negativo, ele é mais que uma 
instância repressiva, ou seja, o poder pode ser também positivado pelos sujeitos. Um 
aspecto importante do poder é sua tendência a ocultar-se, inclusive negativisar-se, 
apresentando-se como uma exigência natural ou razão social, de acordo com Martins 
8 
 
 
(2003). Para que haja a manutenção de um discurso dominante em uma instituição, são 
necessárias práticas que o legitimem e operem no sentido de reprimir manifestações 
contrárias. Desta forma, os profissionais da área da saúde tornam-se (re)produtores de 
uma postura médica que não é imposta, mas sim “ indicada” como um padrão a ser 
seguido, sem crítica alguma. É neste momento que fica claro o exemplo das relações de 
poder nas relações estabelecidas nas equipes multidisciplinares. Tal poder se estabelece 
no cotidiano através do exercício da medicina, ou de outra disciplina da área da saúde, 
ele controla o saber e o fazer médico, normatizando os profissionais. (Martins, 2003) Um 
exemplo disso pode ser o fato de o médico versar sobre o seu trabalho com uma 
linguagem específica e técnica, pouco acessível aos leigos (inclusive ao psicólogo), 
demonstrando uma relação de poder, já que principalmente os usuários ficam inibidos 
frente à autoridade de um saber médico. 
Na prática do psicólogo, as relações de poder são estabelecidas através de seu 
campo de saber ou conhecimento. O psicólogo no hospital escuta o usuário, a família do 
usuário, os outros membros da equipe e a opinião médica, portanto, é viável que ocorra 
através da apropriação de um modelo da psicologia, enquanto uma área de saber 
científico, o exercício das relações de poder, que de acordo com Martins (2003) é 
vivenciado no âmbito mais amplo de trabalho nos hospitais. O poder pode ser produzido 
nas instâncias imediatas e cotidianas, como, por exemplo, na relação com a equipe de 
saúde. Entretanto, a inserção do psicólogo nos hospitais gerais pode, assim, também 
contradizer a ordem estabelecida de normatividade da medicina que vê a cura somente 
pelo aspecto orgânico, físico ou biológico. 
As vezes, os profissionais da saúde, conforme Guedes (2003), posicionam-se 
frente ao usuário de maneira indisponível. A escuta médica, às vezes, por exemplo pode 
estar unicamente interessada nos dados específicos da doença, portanto, a atitude de 
rejeição do médico perante a pessoa faz com que ela se remeta a outras relações 
insatisfatórias que foram estabelecidas em sua vida. O restabelecimento do enfermo pode, 
desta forma, ser prejudicado pela hostilidade, muitas vezes inconscientes, que perpassam 
as relações médico-paciente. As atitudes da equipe de saúde podem ser terapêuticas ou 
não, podendo produzir configurações maléficas ou benéficas no curso do adoecer 
(Guedes, 2003). 
No dia-a-dia do hospital os psicólogos muitas vezes ocupam o lugar de tradutores 
entre os médicos e os usuários, podendo tomar-se o entendimento de que as questões 
subjetivas são exclusivas do psicólogo e as orgânicas do médico. Entretanto, o ser humano 
9 
 
 
não é só somático ou psíquico, ou seja, a fragmentação do atendimento à saúde pode não 
contemplar a complexidade do ser humano, devido aos diferentes campos de saberes e 
poderes envolvidos no atendimento ao usuário. Contudo, a linguagem técnica da equipe 
de saúde pode não ser o único empecilho no atendimento. Qualquer orientação dos 
profissionais do campo da saúde pode, muitas vezes, ser incompreensível ou inadequada 
às condições de vida da pessoa. Por exemplo, uma pessoa que necessita de diversos 
medicamentos, em diversos horários e que não é alfabetizada necessitará de uma 
orientação diferente de uma pessoa alfabetizada. A própria cura precisa ser 
contextualizada, pois no momento em que o médico diz que a pessoa pode levar uma vida 
“ normal” , ele precisa conhecer o dia-a-dia dela. Um pedreiro, por exemplo, nem sempre 
poderá carregar peso imediatamente após sua alta. 
Assim, a equipe de saúde, pode, nem sempre se mostrar aberta, pelo menos, em 
um primeiro momento, ao trabalho do psicólogo: "As equipes aceitam muito bem o 
trabalho, solicitam bastante, agora a gente já tem um espaço aqui dentro, não precisa 
mais pedir "há tem uma criança?” . Devido a isso, pode-se pensar que, em algumas 
situações, o atendimento psicológico pode ser visto como algo desnecessário àqueles 
usuários que não apresentam comportamentos considerados não prioritários para o 
atendimento à saúde, ou ser considerado secundário por se tratar de uma demanda 
subjetiva. Porém, a inserção do trabalho do psicólogo no contexto hospitalar pode mudar 
a dinâmica de atividades de toda equipe de saúde, uma vez que a dinâmica das relações 
de poder entre os diferentes saberes do que é saúde passam a ser estabelecidas de outras 
formas, alterando o entendimento sobre atenção à saúde, tanto por parte da equipe médica, 
como por parte dos usuários. Isto, leva a uma maior preocupação por parte da equipe 
multidisciplinar, na clareza e eficácia da comunicação entre os profissionais da saúde e 
os usuários, buscando evitar discórdias e desentendimentos entre esses. 
Um exemplo do processo de comunicação entre os profissionais da equipe de 
saúde é o prontuário: "...cada um tem que falar o que observou para tentar fazer um 
manejo único com o paciente, evitando uma dupla mensagem. Eu constatei uma coisa, o 
médico outra. Isso mesmo em uma linguagem não verbal, vai causar muita confusão e 
dúvida". O discurso por parte das profissionais da saúde de psicologia sobre o prontuário 
é de que este é o processo comunicacional mais importante entre os profissionais das 
diferentes áreas disciplinares da saúde. Em alguns casos, posterior a esta forma de relação, 
através deste mecanismo de comunicação, podem ocorrer discussões sobre o manejo e o 
entendimento da demanda dos usuários sobre o tratamento e questões relacionadas a sua 
10 
 
 
internação. Entretanto, é possível pensar que a discussão dos casos dos usuários, que 
envolvem uma área disciplinar do profissional no desenvolvimento do trabalho, nem 
sempre está livre da necessidade de proteger o saber de sua área como superior. Isto 
mostra-se contrário a preocupação de alguns profissionais das equipes de saúde que se 
propõem em manter uma unidade de informações aos usuários, procurando transmitir 
uma imagem homogênea do entendimento que a equipe multidisciplinar possui sobre o 
seu estado de saúde. 
Do ponto de vista da psicologia, o trabalho das equipes multidisciplinares só se 
tornarão válidos e enriquecedores para os usuários, se cada profissional se responsabilizar 
por sua área de cuidados em relação à saúde: "...o dentista, o psicólogo, médico, 
nutricionista, [...], tem que haver esta troca. E a gente sempre tentou e eu acho que deu 
certo, é não ocupar o lugar do outro, respeitar o espaço do outro para que ele também 
respeite o teu. Se isso é trabalho do médico, entãonão explica, chama o médico que ele 
vai explicar [...] Então eu acho que este é o melhor sistema de trabalhar, é integrar, 
respeitando o outro e também sendo respeitado” . No entanto, responsabilizar-se por sua 
área de saber, segundo as profissionais da psicologia, não significa evitar a troca entre os 
diversos profissionais integrantes da equipe, mas sim manter a clareza nas informações 
sobre os usuários: "A troca é necessária para que haja uma melhora nos atendimentos, 
para que a saúde do ser humano possa ser contemplada no seu todo, ou em pelo menos, 
algumas partes dela". 
Considerações finais: o conceito de saúde e o trabalho da psicologia hospitalar 
Ao analisarmos os temas propostos neste artigo, sentimos emergir, dessas 
discussões o entendimento do conceito de saúde pelos profissionais dessa área. Ao inserir 
o trabalho da psicologia nas equipes multidisciplinares de saúde, propomos que a 
psicologia passe a pensar a saúde como um conceito complexo, que possa se situar em 
modelos que venham a promover formas de vida e de ser que englobem a dimensão do 
sujeito como cidadão na esfera pública e na esfera privada. Ao voltar a preocupação com 
o usuário para o autoconhecimento, para o indivíduo, corremos o risco de situar o trabalho 
da psicologia dentro de um enfoque individual, como as atividades dessa área no espaço 
privado. A psicologia deve diminuir essa dicotomização entre o público e o privado, a 
fim de entender e atender o sofrimento psíquico do ser humano como um todo, e não na 
sua individualidade, integrando tal entendimento ao atendimento e às preocupações da 
equipe multidisciplinar de saúde. (Guareschi, 2003) 
11 
 
 
Os sentidos que a palavra saúde pode adquirir são muitos, dentre eles, uma face 
normativa, prescritiva, que faz referência à uma espécie de conjunto de atributos para uma 
pessoa ser considerada saudável. Esse sentido de saúde, o trabalho da psicologia deve 
evitar. Pensamos que a psicologia nas suas práticas em hospitais, encarando a saúde como 
uma perspectiva que o conceito de saúde interpele, passa contemplar os direitos básicos 
do cidadão: o direito à moradia, ao trabalho, à segurança e à saúde, ou seja, o conceito de 
saúde do SUS. Desta forma, precisamos desnaturalizar a perspectiva medicalizada que 
frequentemente é utilizada pelos profissionais da saúde, como se essa só contemplasse 
ausência de doenças. 
A psicologia tem como desafio para articular a questão da saúde em suas práticas 
junto às equipes multidisciplinares de forma incisiva, perguntar-se, principalmente, que 
concepção de sujeito e de sociedade está como pano de fundo para as práticas psicológicas 
nos hospitais gerais. O trabalho da psicologia nas equipes multidisciplinares deve ser 
tomado como algo mais complexo, merecendo uma discussão também complexa que, no 
mínimo, consiga ser problematizadora de questões contemporâneas que envolvem essas 
práticas psicológicas sobre doença e saúde. Não há exercício profissional que dispense 
uma perspectiva de sujeito e de realidade. Em toda prática psicológica existe a 
necessidade dessa discussão, e ações que constituam o trabalho da psicologia. Assim, para 
o profissional da psicologia, não estão restritas somente as atividades concernentes à 
saúde mental; todo o trabalho que seja exercido no campo de trato da coletividade com a 
finalidade da promoção do bem-estar e da saúde e que seja possível o trabalho da 
psicologia serão de interesse, ou seja, o profissional da saúde também deve estar presente 
na formulação, organização e desenvolvimento das políticas públicas e sociais de saúde. 
 BIBLIOGRAFIA 
CHIATONNE, Heloísa B. (1996). A criança e a morte. In: ANGERAMI-CAMON, 
Valdemar (Org.). E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira, 
FONGARO, Maria Lúcia. SEBASTIANI, Ricardo W. (1996). Roteiro de avaliação 
psicológica aplicada ao hospital geral. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.). E a 
psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira, 
GUARESCHI, Neuza. (2003). Interfaces entre psicologia e direitos humanos. In: 
GUERRA, A. , KIND, L., AFONSO, L., PRADO, M. (Orgs.). Psicologia social e 
direitos humanos. Belo Horizonte: Edições do campo social 
KLUBLER-ROSS, E. (1999). Sobre o morte e o morrer. Martins Fontes 
12 
 
 
LEÃO, Nilza. O paciente terminal e a equipe interdisciplinar. In: ROMANO, Belkiss W. 
(1998). A prática da psicologia nos hospitais. (2 ed.) São Paulo: Pioneira. 
MARTINS, Sueli. (2003, janeiro/junho.) Processo Grupal e a questão do poder em 
Martín-Baró. Psicologia & sociedade. Vol. 15 nº1 
SANTOS, Cláudia T. SEBASTIANI, Ricardo W. (1996). Acompanhamento psicológico 
à pessoa portadora de doença crônica. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.). E a 
psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira 
ZAIDHAFT, S. (1990). Morte e formação médica. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582004000100004 
UMA ABORDAGEM HERMENÊUTICA DA RELAÇÃO SAÚDE-DOENÇA ( 
Adaptado) 
Andrea Caprara 
Departamento de Saúde Pública, Centro de Ciências da Saúde, Universidade 
Estadual do Ceará. 
INTRODUÇÃO 
Em muitos países ocidentais e da América Latina, apesar de um processo de 
crescimento econômico, estamos assistindo a situações em que as desigualdades sociais 
e em saúde persistem, até aumentam, mostrando uma real incapacidade da sociedade 
ocidental em eliminar a pobreza. A crise do modelo econômico ocidental foi, nos anos 70 
e 80, objeto de análise de diferentes estudos: para Ricoeur (1994), por exemplo, a crise é 
uma condição permanente e estrutural de nossa sociedade que se reflete nos estudos 
humanísticos, na filosofia, na história, nas ciências sociais, na antropologia. 
Na saúde pública, desde a metade do século XX, diferentes autores como 
McKeown (1979), demostraram que, se a pobreza não é causa direta da doença é o 
principal determinante. Esta abordagem que mostra que as condições de saúde estão 
ligadas a fatores macroeconômicos e sociais não é ideia do século XX. Rudolph Virchow, 
na metade do século XIX, afirmava a necessidade de lutar contra as desigualdades sociais, 
origem principal das doenças, assim como Villermé na França demonstrava em 1820-
1830 as diferenças das taxas de mortalidade entre as classes ricas e pobres (Virchow, 
1985). 
A influência dos fatores macrossociais e do contexto político-econômico sobre as 
condições de saúde da população e da própria prática médica, foi objeto nos anos 60-70, 
13 
 
 
das abordagens marxistas da medicina social (Navarro, 1983). Nos mesmos anos e com 
uma perspectiva similar desenvolveram-se a epidemiologia crítica, chamada também 
epidemiologia social (Breilh & Granda, 1989), os estudos sobre o impacto da estrutura de 
classe na organização dos serviços de saúde (Laurell, 1989), a antropologia médica crítica 
(Frankenberg, 1988). Essas perspectivas críticas da ideologia médica, tiveram a 
influência dos pensadores marxistas, assim como de autores como Foucault (1977), e da 
própria Escola de Frankfurt (Benjamin et al., 1983), colocando uma atenção particular a 
conceitos relativos ao poder, à hegemonia, à resistência, à prática da medicina moderna e 
ao desenvolvimento de tecnologias. 
Sem negar a importância desta abordagem, a saúde nas ciências sociais e na 
antropologia em particular, não é vista somente como consequência de fatores sociais e 
econômicos. Uma tradição importante interpreta a doença como um produto 
culturalmente determinado. Nesta perspectiva, a cultura, entendida como conjunto de 
ideias, conceitos regras, comportamentos compartilhados em um determinado grupo 
cultural, organiza a experiência da doença e do comportamento de maneira diversa nas 
diferentes sociedades (Bibeau, 1981; Good, 1994; Kleinman, 1988). A cultura produz 
estruturas simbólicas, metáforas e outras figuras ligadas à doença. Assim como colocado 
por Birman (1991), em todasas sociedades o real é transformado em uma rede simbólica 
de significados, base fundamental de todo processo experiencial. Tal abordagem 
interpretativa procura entender o significado dos comportamentos, das ações dos 
indivíduos influenciados por autores pertencentes à tradição hermenêutica como 
Gadamer (1997) e Paul Ricoeur (1994). A experiência do indivíduo coloca-se no primeiro 
plano da produção dos discursos científicos, dentro de uma perspectiva que procura o 
significado das ações na relação entre interpretante e interpretado, tentando superar a 
distinção entre sujeito e objeto na pesquisa científica (Geanellos, 2000). 
Este trabalho pretende contribuir para a discussão presente sobre a relação entre a 
saúde e a doença (Almeida Filho, 2001), abordando a problemática por meio da 
perspectiva hermenêutica. Com essa finalidade, propõe-se explorar o conceito de saúde 
segundo três sucessivos desdobramentos: (1) na primeira parte, retomando a discussão 
que foi se desenvolvendo dentro das linhas filosóficas hermenêutica, fenomenológica e 
existencial, será analisada a obra de dois filósofos, Kierkegaard e Heidegger, que 
influenciaram profundamente a hermenêutica contemporânea. No campo da saúde, a obra 
destes autores é importante pela diferente forma de abordar os problemas em comparação 
com a perspectiva biomédica. Por exemplo será apresentado o conceito de angústia que, 
14 
 
 
ao contrário da abordagem biomédica, para Kierkegaard (1952, 1991), é um componente 
constitutivo dos seres humanos: para este autor, assim como sucessivamente para 
Heidegger (1976), a ansiedade não é um sintoma patológico mas um estado que permite 
um acesso privilegiado de autoconhecimento. Na perspectiva hermenêutica 
contemporânea, o estado de ansiedade revela a procura de um novo significado de vida; 
trata-se de um problema existencial, não somente de um problema biológico ou 
comportamental, e permite abordar a relação saúde-doença por meio de um novo olhar. 
Nesse sentido, acreditamos que o conceito de ansiedade, angst, merece hoje um renovado 
interesse, seja de um ponto de vista médico ou filosófico. Acaba-se colocando, na 
interseção entre saúde e doença, nos limites das definições, constituindo um espaço de 
reflexão filosófica com importantes implicações no campo da prática médica. (2) Na 
segunda parte, tentaremos abordar como, na hermenêutica, e principalmente na obra de 
Gadamer, foram sendo desenvolvidos os conceitos de saúde, doença, sofrimento; o 
trabalho de Gadamer, filósofo alemão, considerado hoje pai da hermenêutica 
contemporânea, foi influenciado por Kierkegaard e por Heidegger (Schleibel, 2000). A 
saúde, segundo Gadamer (1994), fica escondida por boa parte do tempo, revelando-se 
através do bem-estar. Nesse estado, esquecemos de nós e somente nos momentos de 
cansaço, de esforço, de fadiga, lembramos de novo do nosso estado. Nesse sentido, para 
Gadamer (1994), a saúde coincide com o ser no mundo, com a satisfação de ter uma vida 
ativa. A perspectiva hermenêutica permite uma nova construção de modelos de saúde-
doença, que recuperam a dimensão experiencial, assim como aquela psicossocial. (3) Na 
terceira e última parte, apresentaremos as implicações da teoria interpretativa na formação 
e prática clínica, mostrando a aplicabilidade do pensamento de Heidegger e Gadamer no 
trabalho de médicos e enfermeiros (Dreyfus & Zimmerman, 1991; Svenaeus, 1999; 
Wiklund et al., 2002). A abordagem hermenêutica da medicina nos permite explorar a 
experiência humana da doença, entender como os pacientes lidam com suas experiências 
específicas frente aos médicos, em relação à saúde, à doença e ao sofrimento (Robertson-
Malt, 1999). Os pacientes, tradicionais "objetos" da prática médica, são na verdade 
indivíduos que vivem, refletem e que, juntos com o médico, transformam o encontro 
clínico (Evans & Sweeney, 1999). Nos últimos anos foi se desenvolvendo uma grande 
área de reflexão e pensamento denominada "humanidades médicas", que pretende 
explorar como a experiência humana lida com outras experiências de pacientes, médicos, 
saúde, doença e sofrimento. Na formação em medicina, a abordagem das humanidades 
médicas prevê a incorporação de elementos das ciências humanas (filosofia, psicologia, 
15 
 
 
antropologia, literatura) nos cursos de graduação e de especialização. Nesta concepção 
integrada das humanidades médicas, a medicina é entendida como forma de auto-
exploração, reconhecendo que os componentes material e experiencial são fundidos entre 
eles (Evans & Sweeney, 1999). As humanidades médicas pretendem não somente 
melhorar a relação médico-paciente, as capacidades comunicacionais dos médicos, mas 
também aprofundar a narrativa do paciente e procurar novas formas de promoção do bem-
estar, reduzindo o impacto da doença e do sofrimento (More, 1976; Widdershoven, 1999). 
Enfim, temos de considerar a utilização da abordagem hermenêutica na pesquisa 
qualitativa na área da saúde. Apesar da presença de numerosos métodos existentes, as 
premissas filosóficas comuns de Ricoeur e Gadamer constituem a base de diferentes 
abordagens na análise das narrativas (Geanellos, 2000; Robertson-Malt, 1999; Todres & 
Wheeler, 2001). 
A TERCEIRA MARGEM DA SAÚDE: A ANGÚSTIA EM KIERKEGAARD E 
HEIDEGGER 
O termo hermenêutica na filosofia grega expressa a arte de interpretar. Com o 
passar do tempo adquiriu um significado mais amplo, indicando, no âmbito filosófico, 
diversas formas de teoria da interpretação, entre as quais o existencialismo, a 
fenomenologia e a própria hermenêutica, que constituem diversas formas de expressão 
da filosofia continental. Os filósofos que pertencem a esta linha de pensamento se ocupam 
da existência humana, não do ponto de vista da observação, mas da reflexão filosófica. 
Nessa perspectiva, o homem é considerado não somente enquanto organismo biológico, 
mas algo mais, assim como a medicina é considerada algo mais do que a ciência natural. 
Para esclarecer melhor a abordagem hermenêutica em relação à saúde e à doença, 
começaremos com um exemplo que se refere ao conceito de angústia (angst), tal como 
desenvolvido por Kierkegaard (1813-1855) e Heidegger (1889-1976). Para estes autores, 
a angústia deve ser considerada como elemento constitutivo dos seres humanos; em 
particular, para Kierkegaard (1952), a angústia constitui um estado fundamental da 
existência humana. Os seres humanos que não conhecem a melancolia têm um espírito 
que não conhece a metamorfose (Kierkegaard, 1952, 1972). Ao mesmo tempo, para 
Heidegger, a ansiedade não é um sintoma patológico, mas um estado que permite um 
acesso privilegiado de autoconhecimento (Heidegger, 1976). 
Um caso clínico, citado por Wulff et al. (1995:152), ilustra com clareza este tema: 
"Uma mulher de 45 anos, aproximadamente, procura um especialista por problemas 
16 
 
 
nervosos. Trata-se de uma dona de casa, divorciada, que não consegue dar finalidade à 
sua própria existência. Os filhos são adultos, deixaram a casa, ela perdeu os amigos e 
não consegue sair de casa sozinha. Na maior parte do tempo encontra-se em um estado 
de ansiedade permanente. O psiquiatra escuta a história e em função de sua concepção 
de doença mental, caso ele siga a perspectiva biologista, poderá seguir uma terapia 
comportamental ou prescrever um ansiolítico". Para a perspectiva hermenêutica, ao 
contrário da abordagem biomédica, o estado de ansiedade da paciente revela a procura de 
um novo significado de vida; trata-se de um problema existencial, não somente de um 
problema biológico ou comportamental. Para os filósofos existencialistas, 
fenomenológicos e hermenêuticos o interesse se dirige aos problemas existenciais, 
interpretando as ações humanas. Colocaremos a questão principalmente em referência às 
angústias persistentes e que estimulam a procurar uma nova finalidade da existência. 
As concepções de Kierkegaard sobre o homem são constitutivaspara o 
desenvolvimento das ideias de filósofos existencialistas como Heidegger e Jean Paul 
Sartre. Heidegger (1977), afirma na obra Sein und Zeit, que Kierkegaard foi muito 
importante no desenvolvimento do conceito de angústia, angst Para Kierkegaard (1991), 
a angústia é um componente constitutivo dos seres humanos; quem não conhece a 
angústia não é um ser humano. Como afirma o mesmo Heidegger (1976), Kierkegaard 
aborda o conceito de uma perspectiva cristã enquanto que Heidegger faz isso desde uma 
perspectiva secular (Dreyfus, 1991). Para Heidegger a angústia serve como um transtorno 
que revela a natureza do Dasein, que poderíamos traduzir como: "existência humana 
cotidiana", de ser no mundo (Dreyfus, 1991). 
Somente por meio de uma processo de reflexão filosófica é possível, para os 
filósofos da tradição hermenêutica, aprofundar nossos conhecimentos sobre as 
características constitutivas dos seres humanos. Também os estudos empíricos sobre os 
seres humanos permitem descrever o funcionamento e as ações humanas, mas estes dados 
têm de ser interpretados sucessivamente por meio da abordagem hermenêutica. No livro A 
Doença Mortal, Kierkegaard (1952) enfatiza como os seres humanos se relacionam com 
si mesmos e se percebem como seres que atuam livremente. Nesse sentido, os seres 
humanos podem ser considerados como uma conjunção entre dimensão biológica e 
psicossocial, em um processo de autoreflexão, de liberdade. Por isso, para Kierkegaard a 
angústia é a realidade da liberdade (Dreyfus, 1991). Nessa concepção, a angústia humana 
constitui um estado fundamental vinculado estritamente à capacidade de autoreflexão, de 
atuar livremente, identificando as possibilidades da liberdade (Dreyfus, 1991). Esta 
17 
 
 
dimensão deve ser separada da esfera mental em que se manifestam os sentimentos como 
o medo, que são reações comuns e presentes também nos seres animais. 
Heidegger (1976), em Ser e Tempo, aborda o problema da angústia, concordando 
com Kierkegaard de que se trata de um estado fundamental, mas afirma também que está 
vinculada à nossa compreensão e interpretação do universo. Para Heidegger a 
compreensão não é um fenômeno psicológico, mas um estado constitutivo dos seres 
humanos como a angústia. 
O homem, para Heidegger, continuamente procura compreender/interpretar o 
significado de mundo. Quem não se coloca no mundo como ser interpretante perde a 
própria subjetividade (Wulff et al., 1995). A angústia nos indica que os significados do 
mundo mudaram e que os contatos com os outros seres humanos perderam seu próprio 
significado (Wulff et al., 1995). É neste sentido que para Heidegger a angústia permite o 
acesso à autoreflexão. Para a perspectiva hermenêutica, as pessoas que vivem um estado 
de ansiedade não somente têm de ser diagnosticadas de um ponto de vista clínico, mas é 
necessário que comecem um processo de reflexão sobre sua própria existência. Essa 
pessoa é livre para escolher, mesmo se decide não enfrentar esses problemas e utilizar 
somente ansiolíticos, mas nesse caso dificilmente poderá dar uma solução a seus 
problemas existenciais. Uma abordagem biomédica permite controlar a depressão, ou a 
ansiedade, ou a angústia por meio da utilização de psicofármacos eliminando ou 
reduzindo a sintomatologia, mas a perspectiva hermenêutica coloca-se de forma crítica 
frente a este modo de abordar os problemas. A utilização dos psicofármacos é aceita 
somente naquelas formas, tais como as psicoses maníaco-depressivas ou a esquizofrenia, 
em que a utilização de medicamentos é indiscutivelmente necessária. 
Para os empiristas as conclusões da abordagem hermenêutica não podem ser 
demonstradas cientificamente, e não sendo consideradas nem verdadeiras nem falsas, são 
simplesmente sem sentido. Por outro lado, os hermeneutas afirmam que os empiristas 
colocam mal a questão porque também os resultados científicos têm de ser interpretados 
e que a maneira com a qual se aborda um problema tem uma influência sobre o método 
que será escolhido. É impossível utilizar sempre o mesmo método científico em diferentes 
áreas. Segundo Wulff et al. (1995:162-163): "a análise hermenêutica é um processo 
inicial indispensável porque não tem sentido um estudo empírico das propriedades de 
uma pessoa sem se ter analisado o conceito de pessoa. Por esta razão, a ciência natural 
é subordinada à reflexão hermenêutica". 
18 
 
 
OS CONCEITOS DE SAÚDE E DOENÇA NA OBRA DE GADAMER E SUAS 
INFLUÊNCIAS NAS CIÊNCIAS SOCIAIS EM SAÚDE 
Estudos recentes mostram que não existe consenso entre os diferentes campos de 
saber sobre o conceito de saúde, doença, "normal" e patológico (Almeida Filho, 2001; 
Czeresnia, 1999). A incapacidade da epidemiologia, por exemplo, de tratar a categoria 
saúde, seria, segundo Almeida Filho (2001), indicador desta crise. Uma reflexão teórica 
importante sobre os conceitos de saúde e doença, e que gostaríamos de resgatar neste 
trabalho, tem sido desenvolvida dentro das linhas filosóficas da hermenêutica, do 
existencialismo e da fenomenologia. Em particular, Gadamer (1994), na coletânea de 
ensaios Uber die Verborgenheit der Gesundheit(na tradução em italiano: Dove si 
Nasconde la Salute), indica que, enquanto a doença chama nossa atenção pela sua 
presença, a saúde não desperta nosso interesse, ficando escondida. 
Nessa situação, para o grande pensador alemão, a ciência médica teria de ser 
reposta como ciência da doença, porque é o estado de doença que, aparecendo, produz 
um sentimento de perigo e estimula uma resposta terapêutica. A prática médica, nesse 
sentido, tentando modificar o percurso da natureza, dominando suas manifestações 
patológicas, ao mesmo tempo deixa de lado um interesse sobre a concepção de saúde e, 
em parte, a prevenção das doenças (Gadamer, 1994). A medicina tentou estabelecer 
normas, valores que teriam de ser utilizados de forma universal, parâmetros que 
constituem uma convenção por meio da qual procura-se aproximar a realidade. 
A medicina ocidental é considerada como área pertencente às ciências naturais e, 
nesse sentido, os seres humanos são analisados de um ponto de vista biológico; para a 
perspectiva hermenêutica (arte da interpretação), ao contrário, os indivíduos, além de 
seres biológicos, têm de ser considerados como sujeitos que refletem e vivenciam uma 
experiência subjetiva da doença. Para abordar esta questão, Gadamer (1994) coloca o 
problema de como um indivíduo tem de se orientar na vida em relação à saúde e à doença. 
Este autor coloca a diferença entre ciência médica e arte da cura, que corresponde à 
relação entre conhecimento e sua aplicabilidade. Por exemplo, para cada caso de 
patologia, como a esclerose múltipla, existem conhecimentos científicos baseados na 
evidência que sugerem esquemas de tratamento e de conduta; mas cada paciente é único 
e o médico tem de levar em conta isso, porque cada paciente vive a doença de forma 
diferente. Nesse sentido, a medicina baseada em evidências não é suficiente. Para 
Gadamer (1994), a diferença entre conhecimentos gerais e sua aplicabilidade é objeto de 
discussão e de estudo na hermenêutica. Os conhecimentos são adquiridos por meio do 
19 
 
 
estudo, enquanto que sua aplicabilidade pode ser adquirida somente por intermédio de 
um longo processo experiencial. 
Na concepção gadameriana, a saúde tem de ser entendida como equilíbrio; esta 
visão se aproxima da saúde entendida pelos utilizadores das diferentes formas de 
medicinas alternativas, medicinas das quais Gadamer mesmo é grande utilizador e 
seguidor. Ele valoriza conceitos típicos dessas formas de medicina como equilíbrio, 
harmonia, diálogo, globalidade. Ter cuidado com a própria saúde significa evitar os 
excessos, prevenindo o uso de medicamentos ou de exames de laboratório desnecessários. 
Para Gadamer, a saúde constitui o ritmo da vida, o processo pelo qual se produz o 
equilíbrio da respiração, do sono, do estaracordado etc. Nessa visão, Gadamer afirma que 
nós somos natureza e a natureza que está em nós ajuda a conservar esse equilíbrio. A 
saúde para Gadamer não pode ser mensurada porque está ligada ao estado de ser de cada 
indivíduo; é por isso que tem sentido perguntar às pessoas se elas se sentem doentes 
(Gadamer, 1994). 
Procurando estabelecer uma comunicação entre medicina e filosofia ocidental, 
Gadamer (1994) afirma que a arte da cura tem aspectos que vão além da dimensão 
biológica, característica da abordagem médica, aspectos que não podem ser reduzidos à 
posição da ciência médica. Nessa abordagem ele não critica a medicina científica, mas 
tenta uma aprofundada análise dos conceitos chave que fundamentam o discurso médico: 
doença, cura, morte, relação médico-paciente. Ele propõe uma nova medicina 
"humanista" que utiliza os instrumentos técnicos e diagnósticos mas que ao mesmo tempo 
analisa o ser humano na sua totalidade, o seu ser no mundo. 
Estas ideias influenciaram a dimensão socioantropológica, principalmente em 
autores como Clifford Geertz (1983), Arthur Kleinman (1988) e Byron Good (1994), nos 
Estados Unidos; Gilles Bibeau (1992) e Ellen Corin (1992), no Canadá e diferentes 
autores da antropologia médica européia: lembramos por exemplo Angel Martínez-
Hernáez (1998), na Espanha e Mariella Pandolfi, na Itália (1990). 
TEORIA INTERPRETATIVA E TEORIA CRÍTICA NO CAMPO DA SAÚDE: 
RUMO PARA UMA NOVA ABORDAGEM TEÓRICA? 
Para os autores críticos, as culturas não são somente sistemas de significados, mas 
ideologias que mascaram iniquidades políticas e econômicas. Para Mishler (1984), por 
exemplo, que aplica a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas (Habermas, 1984), no 
estudo da relação médico-paciente, a abordagem médica fragmenta e dificulta a expressão 
20 
 
 
da voz dos pacientes (Barry et al., 2001). As influências da Escola de Frankfurt e de 
Jurgen Habermas são evidentes e refletem discussões similares desenvolvidas no campo 
filosófico (Habermas, 1976). Habermas afirma que as descrições do processo 
hermenêutico de Gadamer não oferecem garantias suficientes e que há uma compreensão 
distorcida devido às pré-compreensões falsas. A sociedade está caracterizada por 
estruturas de poder, interesses que influenciam a compreensão de nós mesmos e dos 
outros. A consciência histórica não é suficiente para prevenir distorções ideológicas. A 
ideologia é vista como uma teoria a serviço de interesses de grupos particulares, que 
contribui na consolidação dos equilíbrios existentes. As ideologias fornecem, portanto, 
uma visão distorcida da realidade (Habermas, 1976). 
Como afirma Corin (1995), poucos são os estudos no campo da saúde que hoje 
tentam combinar a perspectiva interpretativa, influenciada pela tradição hermenêutica, 
com a teoria crítica e, apesar das diferenças existentes, elas têm uma série de elementos 
em comum: ambas analisam a cultura como uma realidade "pervading", uma dimensão 
dinâmica, que não pode ser expressada como simples variável a ser estudada com 
variáveis estatísticas. O segundo elemento em comum entre essas perspectivas é a 
abordagem transcultural; segundo Corin as perspectivas transculturais são as únicas que 
nos permitem descobrir a relatividade de nossos conceitos e teorias, e ajudam a "ampliar" 
nosso conceito de realidade (Corin, 1995). 
Gilles Bibeau (1992), no seu ensaio Entre Sens et Sens Commun, nos convida a 
refletir, como ponto de partida, sobre os elementos metafóricos e empíricos do 
pensamento humano. Este autor enfatiza que é necessário articular o saber e o significado: 
"A procura do significado e a atribuição do sentido constituem o percurso fundamental 
que carateriza as culturas humanas, percurso que inscreve o sentido até o centro das 
classificações e do estabelecimento da ordem empírica do mundo operada pelo senso 
comum" (Bibeau, 1992:89). 
Com a referência de três autores, Bourdieu (1980), Geertz (1983) e Tambiah 
(1985), que analisaram o papel da prática cotidiana nos processos de conhecimento, 
Bibeau (1992) enfatiza o papel chave que a experiência comum tem na construção dos 
saberes: o sentido comum apresenta um caráter prático e coincide largamente com o que 
poderíamos chamar de sabedoria popular. Para Geertz (1983), é a análise das ações 
cotidianas que vai permitir definir os códigos que estruturam o pensamento e conferem 
um significado ao mundo: para Geertz, as ações cotidianas formam aqui o que ele define 
como o senso comum que permite uma leitura direta da realidade. 
21 
 
 
Com base nessas considerações, Corin et al. (1993) desenvolveram um modelo 
semântico-pragmático que objetiva conjugar as perspectivas hermenêutica e crítica 
(Bibeau, 1994). Esta abordagem tenta analisar a problemática por meio de três níveis de 
análise: (a) um estudo do saber, focalizando a atenção sobre os discursos, as narrativas 
dos membros da comunidade este primeiro nível procura identificar a semiologia, os 
signos, os sinais, os indicadores com base nos quais os diferentes aspectos de saúde e 
doença são percebidos na comunidade; (b) uma análise do sistema de interpretação; (c) 
um terceiro nível de análise, chamado sistema de ação, visa a entender as respostas, as 
reações para procurar respostas aos problemas. Mas para superar os perigos de uma 
análise do sujeito, da microrealidade, é necessário, segundo Bibeau (1994), considerar 
também os fatores macrossociais, situando-nos em uma dimensão do coletivo; a 
reconstrução de casos individuais terá de ser complementada por uma análise do espaço 
social, em uma análise da interação entre histórias e casos individuais e processos 
coletivos. Bibeau sugere nesse sentido uma abordagem em dois níveis: (a) uma primeira 
análise das "condições estruturantes" que se referem ao desenvolvimento econômico, 
político e social e das condições cotidianas de vida; (b) uma segunda que explora as 
experiências organizadoras coletivas, os elementos sociosimbólicos de um grupo, seu 
próprio sistema de valores. Este processo tem como objetivo identificar os fatores 
negativos que fragilizam um grupo, assim como os fatores protetores: precisa identificar 
as estratégias coletivas de proteção, paralelamente a uma análise dos fatores de risco e de 
fragilização. 
Uma perspectiva teórica similar, que tenta combinar as duas perspectivas, foi 
desenvolvida por Good (1994), no seu livro Medicine Rationality and Experience. Good 
enfrenta uma série de problemas cruciais de antropologia médica por meio de uma 
abordagem interpretativa que, como ele mesmo afirma: "mantém uma conversa aberta 
com a teoria crítica" (Good, 1994:63). 
AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA INTERPRETATIVA NA FORMAÇÃO E 
PRÁTICA CLÍNICA 
Esta perspectiva nos convida a repensar não somente a prática médica mas 
também a formação em medicina, quase sempre ancorada a uma visão biomédica e 
tecnicista da doença; cada encontro com o paciente tem uma dimensão técnica mas 
também experiencial e ética. A hermenêutica abre novos caminhos na formação e na 
prática médica, modificando seus objetivos e suas finalidades, colocando a necessidade 
22 
 
 
de uma nova compreensão da dimensão experiencial e do sofrimento do paciente. Este 
segundo caminho incorpora a dimensão subjetiva do paciente, assim como a dimensão 
social, elementos importantes em diferentes aspectos da prática clínica como no encontro 
médico-paciente (Skultans, 1998). Como apresentamos em um artigo publicado: 
"Gadamer conduz a reflexão sobre a humanização da medicina, em particular da relação 
do médico com o paciente, para o reconhecimento da necessidade de uma maior 
sensibilidade diante do sofrimento do paciente. Esta proposta, em relação a qual várias 
outras convergem, aspira pelo nascimento de uma nova imagem profissional, 
responsável pela efetiva promoção da saúde, ao considerar o paciente em sua 
integridade física, psíquica e social, e não somente de um ponto devista biológico" 
(Caprara & Franco, 1999:648). 
Um primeiro aspecto se refere à ética da profissão, à atitude de respeito frente aos 
colegas e aos pacientes, às qualidades morais que o médico precisa ter. Segundo Dawnie 
et al. (2000), essas qualidades podem ser aprendidas em um processo de formação por 
meio de quatro formas diferentes: (1) A leitura e discussão de textos de filosofia moral; 
(2) A discussão de casos que introduzem na discussão aspectos éticos; (3) A utilização de 
um diário de campo, por parte dos médicos, para registrar casos "particulares" que 
enfrentam na atividade de consultório; (4) A utilização da arte, principalmente da 
literatura e de peças teatrais. 
As obras literárias permitem abordar aspectos da vida humana, como o fato de 
saber lidar com as emoções, que são elementos constitutivos importantes especialmente 
na relação médico-paciente. Como afirma Scliar (1996), a relação médico-paciente é 
inevitavelmente colorida pela emoção, pela angústia muitas vezes. Mas o problema está 
ligado ao fato de que o texto médico se expressa por meio de uma linguagem simples, 
neutra, que pretende evitar as emoções. As frases dos artigos científicos são constituídas 
por sujeitos impessoais, sem incredulidade, sem dor, sem paixão. É por isso que a 
ansiedade médica frente ao sofrimento, à morte, à doença, procura o texto literário, a 
ficção, a poesia como formas de expressão. A comunicação médico-paciente pode ser 
aprendida como técnica, mas certamente a obra literária permite construir um contexto 
ético no qual a relação vai se desenvolvendo. O médico tem de entender o paciente de um 
ponto de vista científico, utilizando os instrumentos e os conhecimentos da literatura de 
maneira que ele possa tomar as melhores decisões no processo diagnóstico e terapêutico. 
Estas ações, tomadas valendo-se da medicina baseada nas evidências, são necessárias mas 
não suficientes. O médico tem de adequar sua intervenção clínica considerando o paciente 
23 
 
 
enquanto sujeito, tomando em conta a experiência da doença, as percepções do paciente, 
adquirindo uma sensibilidade e uma capacidade de escuta que vão além da dimensão 
biológica. Estes aspectos podem ser desenvolvidos somente por intermédio de um 
processo de formação mais abrangente, que incorpore elementos das ciências humanas 
no desenvolvimento educacional (Simpson et al., 1991). 
Nas doenças crônicas (nas quais a biomedicina oferece somente respostas 
parciais), a medicina clínica pode responder melhor aos pacientes, incorporando no 
tratamento uma análise da experiência do sujeito. Isso poderia ajudar a evitar prescrições 
inadequadas e excessivas de medicamentos. Uma visão restrita dos fatores causais, 
focalizada exclusivamente nos aspectos biológicos, é inadequada para compreender o 
papel dos fatores psicossociais na etiologia e como estes se integram às causas físicas. 
Uma compreensão mais integrada pode produzir benefícios na parte diagnóstica 
também. Mesmos se estes benefícios são plausíveis, têm de ser demostrados e neste 
campo ainda muito tem de ser feito. As evidências também têm de ser adequadas a uma 
nova e mais rica concepção de que tipo de evidências são pertinentes na avaliação clínica. 
Trata-se de um campo que precisa de investigações e elaborações conceituais e empíricas. 
A medicina tem de saber lidar com personalidades, com expectativas, medos, ansiedades 
 além da dimensão biológica do funcionamento do corpo humano. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
24 
 
 
 
Referências 
 
ALMEIDA FILHO, N., 2001. For a general theory of health: Preliminary epistemological 
and anthropological notes. Cadernos de Saúde Pública, 17: 753-799. 
BARRY, C. A.; STEVENSON, F.; BRITTEN, N.; BARBER, N. & BRADLEY, C., 2001. 
Giving voice to the lifeworld. More humane, more effective medical care? A qualitative 
study of doctor-patient communication in general practice. Social Science and Medicine, 
4:487-505. 
BENJAMIN, W.; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. & HABERMAS, J., 1983. Textos 
Escolhidos. São Paulo: Editor Victor Civita. 
BIBEAU, G., 1981. The semantic network in ngbandi disease nosology. Social Science 
and Medicine, Part B, 15:295-307. 
BIBEAU, G., 1992. Entre Sens et Sens Commun. Ottawa: Société Royale du Canada. 
BIBEAU, G., 1994. Hay una enfermedad en las Americas? Otro camino de la 
antropología médica para nuestro tiempo. In: Cultura y Salud en la Construcción de las 
Américas, Anales, pp. 44-70, Bogotá: Instituto Colombiano de Cultura, Universidad de 
los Andes. 
BIRMAN, J., 1991. Interpretação e representação na saúde coletiva. Physis, 2:7-22. 
BOURDIEU, P., 1980. Le Sens Pratique. Paris: Minuit. 
BREIHL, J. & GRANDA, E., 1989. Epidemiologia y contrahegemonia. Social Science 
and Medicine, 11: 1121-1127. 
CAPRARA, A. & FRANCO, L. S. A., 1999. A relação paciente-médico. Para uma 
humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública, 15:647-654. 
CORIN, E., 1992. Le Jeu de la Différence. Ottawa: Société Royale du Canada. 
CORIN, E., 1995. The culture frame: Context and meaning in the construction of health. 
In: Society and Health (B. C. Amick, S. Levine, A. R. Tarlov & D. C. Walsh, ed.), pp. 
272-304, Oxford: Oxford University Press. 
CORIN, E.; BIBEAU, G. & UCHÔA, E., 1993. Eléments d'une sémiologie 
anthropologique des troubles psychiques chez les Bambara, Soninké et Bwa du 
Mali. Anthropologie et Société, 1-2:125-156. 
CZERESNIA, D., 1999. The concept of health and the difference between prevention and 
promotion. Cadernos de Saúde Pública, 15:701-709. 
25 
 
 
DAWNIE, R. S.; MACNAUGHTON, J. & RANDALL, F., 2000. Clinical Judegment. 
Evidence in Practice. Oxford: Oxford University Press. 
DREYFUS, H. L., 1991. Being in the World. A Commentary on Heidegger's Being and 
Time. Cambridge: Mit Press. 
DREYFUS, H. L. & ZIMMERMAN, M., 1991. Applied Heidegger. Evanston: North-
Western University Press. 
EVANS, M. & SWEENEY, K., 1999. Exploring the medical humanities. BMJ, 
319:1216. 
FOUCAULT, M., 1977. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária. 
FRANKENBERG, R., 1988. Gramsci, culture and medical anthropology: Kundry and 
parisfal? Or rat's tail to sea serpent? Medical Anthropology Quarterly, 2:324-337. 
GADAMER, H.-G., 1994. Dove si Nasconde la Salute. Milano: Raffaello Cortina 
Editore. 
GADAMER, H.-G., 1997. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes. 
GEANELLOS, R., 2000. Exploring Ricoeur's hermeneutic theory of interpretation as a 
method of analysing research texts. Nursing Inquiry, 7:112-119. 
GEERTZ, C., 1983. Local Knowledge. Further Essays in Intrepretive Anthropology. New 
York: Basic Books. 
GOOD, B., 1994. Medicine, Rationality and Experience. An Anthropological 
Perspective. Lewis Henry Morgan Lectures. Cambridge: Cambridge University Press. 
HABERMAS, J., 1976. Connaissance et Intérêt. Paris: Gallimard. 
HABERMAS, J., 1984. The Theory of Communicative Action. Reason and the 
Rationalization of Society, v.1, London: Heinemann. 
HEIDEGGER, M., 1976. Essere e Tempo. Milano: Longanesi. 
HEIDEGGER, M., 1977. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag. 
KIERKEGAARD, S., 1952. La Malattia Mortale. Milano: Edizioni di Comunitá. 
KIERKEGAARD, S., 1991. Il Concetto di Angoscia. Firenze: Sansoni. 
KLEINMAN, A., 1988. The Illness Narratives. New York: Basic Books. 
LAURELL, A. C., 1989. Social Analysis of collective health in Latin America. Social 
Science and Medicine, 11:1183-1191. 
MARTINEZ-HERNAEZ, A., 1998. L'antropologia del sintomo. Fra ermeneutica e teoria 
critica. AM Rivista della Società Italiana di Antropologia Medica, 5-6:7-37. 
26 
 
 
McKEOWN, T., 1979. The Role of Medicine. Oxford:Basil Blackwell. 
MISHLER, E. G., 1984. The Discourse of Medicine. The Dialectics of Medical 
Interviews. Norwood: Ablex. 
MORE, A. R., 1976. Medical humanities A new medical adventure. New England 
Journal of Medicine, 295:1479-1480. 
NAVARRO, V., 1983. Radicalism, marxism and medicine. International Journal of 
Health Services, 13: 179-202. 
PANDOLFI, M., 1990. Boundaries inside the body: Women's sufferings in Southern 
peasant Italy. Culture Medicine and Psychiatry, 2:255-273. 
RICOEUR, P., 1994. Tempo e Narrativa. Campinas: Papirus. 
ROBERTSON-MALT, S., 1999. Listening to them and reading me: A hermeneutic 
approach to understanding the experience of illness. Journal of Advanced Nursing, 2:290-
297. 
SCHLEIBEL, I., 2000. Gadamer Between Heidegger and Habermas. Boston: Rowman 
& Littlefield Publishers. 
SCLIAR, M., 1996. A Paixão Transformada. Rio de Janeiro: Companhia das Letras. 
SIMPSON, M.; BUCKMAN, R.; STEWART, M.; MAGUIRE, P.; LIPKIN, M.; 
NOVACK, D. & TILL, J., 1991. Doctor-patient communication: The Toronto consensus 
statement. BMJ, 303:1385-1387. 
SKULTANS, V., 1998. Anthropology and narrative. In: Narrative Based Medicine. 
Dialogue and Discourse in Clinical Practice (T. Greenhalgh & B. Hurwitz, ed.), pp. 225-
233, London: BMJ Books. 
SVENAEUS, F., 1999. The Hermeneutics of Medicine and the Phenomenology of Health: 
Steps Towards a Philosophy of Medical Practice. Linkoping: Linkoping University. 
TAMBIAH, S. J., 1985. Culture, Thought and Social Action. Cambridge: Harvard 
University Press. 
TODRES, L. & WHEELER, S., 2001. The complementarity of phenomenology, 
hermeneutics and existentialism as a philosophical perspective for nursing 
research. International Journal of Nursing Studies, 38:1-8. 
VIRCHOW, R., 1985. Report on the typhus epidemic en upper silesia, In: Collected 
Essays on Public Health and Epidemiology (L. J. Rather, ed.), p. 311, Canton: Science 
History Publications. 
WIDDERSHOVEN, G., 1999. Care, cure and interpersonal understanding. Journal of 
Advanced Nursing, 5:1163-1169. 
WIKLUND, L.; LINDHOLM, L., & LINDSTROM, U. A., 2002. Hermeneutics and 
narration: A way to deal with qualitative data. Nursing Inquiry, 9:114-125. 
27 
 
 
WULFF, H. R.; PEDERSEN, S. A. & ROSENBERG, R., 1995. Filosofia della 
Medicina. Milano: Raffaello Cortina Editore. 
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2003000400015&lng=pt&nrm=iso

Outros materiais