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Livro- Ludodiagnostico - Investigacao Clinica Atraves do Brinquedo

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L946	 Ludodiagnóstico	[recurso	eletrônico]	:	investigação	clínica	
	 	 através	do	brinquedo	/	Organizadora,	Rosa	Maria	Lopes	
	 	 Affonso.	–	Dados	eletrônicos.	–	Porto	Alegre	:	Artmed,	
	 	 2012.
	 	 Editado	também	como	livro	impresso	em	2012.
	 	 ISBN	978-85-363-2696-2
	 	 1.	Psicanálise.	I.	Affonso,	Rosa	Maria	Lopes.	
CDU	159.964.2
Catalogação	na	publicação:	Fernanda	B.	Handke	dos	Santos	–	CRB	10/2107
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
2012
Versão impressa
desta obra: 2012
Ludodiagnóstico
investigação clínica através do brinquedo
Rosa Maria Lopes Affonso
organizadora
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
© Artmed Editora Ltda., 2012
Capa
Ângela Fayet
Preparação do original
Maria Lúcia Badejo
Leitura final
Gabriela W. Linck
Coordenadora editorial
Mônica Ballejo Canto
Projeto e editoração
Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira
Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., 
uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, 
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, 
foto cópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
SÃO PAULO
Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 
Cond. Espace Center – Vila Anastácio
05095-035 – São Paulo – SP
Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333
SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Autores
Rosa Maria Lopes Affonso (org.)
Psicóloga. Mestre, doutora e pós-doc pelo Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo. 
Especialização em Psicoterapia. Professora de Avaliação Psicológica. Supervisora de atendi-
mentos psicoterapêuticos de bebês, crianças, adultos e idosos.
Aicil Franco
Psicóloga e psicoterapeuta. Mestre e doutora 
em Psicologia Clínica pela Universidade de 
São Paulo. Especializada no Jogo de Areia 
na Suíça e nos Estados Unidos e em Psicolo-
gia Social pela PUC -SP. Professora e supervi-
sora no Instituto Junguiano da Bahia. Mem-
bro do conselho editorial da revista Psiquê 
– Ciência e Vida.
Claudia Anaf
Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça 
do Estado de São Paulo.
Dagmar Menichetti
Psicóloga. Diretora Substituta da Área de 
Saúde do Ministério Público do Estado de 
São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela 
USP -SP. Especialização em Psicologia e Psi-
coterapia da Infância e Adolescência.
Elisa Marina Bourroul Villela
Psicóloga Clínica. Doutora em Psicologia. 
Professora Adjunta da Universidade Presbi-
teriana Mackenzie.
Helena Rinaldi Rosa
Psicóloga. Mestre e doutora em Psicologia 
Escolar e do Desenvolvimento Humano pela 
Universidade de São Paulo. Professora As-
sistente na Universidade Estadual Paulista 
Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis.
João Augusto Figueiró
Médico. Psicoterapeuta. Presidente do Insti-
tuto Zero a Seis.
Karina Okajima Fukumitsu
Psicóloga e psicoterapeuta. Doutoranda em 
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento 
Humano pela Universidade de São Paulo. 
Mestre em Psicologia Clínica pela Michigan 
School of Professional Psychology, Center 
for Humanistic Studies, EUA. Especialis-
ta em Psicopedagogia pela PUC -SP e em 
Gestalt -Terapia pela Sedes Sapientiae, SP. 
Professora do Curso de Psicologia da Uni-
versidade Presbiteriana Mackenzie. Profes-
sora Convidada do Curso de Especialização 
em Gestalt -Terapia do Instituto Sedes Sa-
pientiae.
Katia Wanderley
Doutora em Psicologia Clínica pela USP. 
Chefe da Seção de Psicologia do Hospital 
do Servidor Público Estadual. Professora e 
Supervisora do Curso de Psicologia das Fa-
culdades Metropolitanas Unidas.
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Kayoko Yamamoto
Doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP. 
Departamento de Psicologia Clínica do Ins-
tituto de Psicologia da USP. Curso de Especia-
lização em Psicoterapia Psicanalítica do De-
partamento de Psicologia Clínica do IPUSP.
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
Psicóloga. Mestre. Doutora em Psicologia 
Clínica e Livre Docência em Psicopatologia 
pela Universidade de São Paulo. Professo-
ra Associada da Universidade de São Pau-
lo. Coordenadora do Laboratório de Saúde 
Mental e Psicologia Clínica Social do IPUSP.
Maria Leonor Espinosa Enéas
Doutora em Psicologia pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de Campinas. Professora 
e supervisora de Psicoterapia Breve de Adul-
tos na Universidade Presbiteriana Macken-
zie.
Marisa Cintra Bortoletto
Mestre em Psicologia Clínica PUCSP. Espe-
cialista em Psicoterapia Psicanalítica pela 
USP. Diretora da Verbo Clínica Psicológica.
Roberto Evangelista
Doutor e Mestre em Psicologia Clínica pela 
USP. Especialista em Psicologia Hospitalar 
e Forense pelo CRPSP Trabalho, Ministério 
Público do Estado de São Paulo e FMU-
-Faculdade de Psicologia.
Ryad Simon
Professor Titular do Departamento de Psi-
cologia Clínica do Instituto de Psicologia 
da USP. Orientador Acadêmico do Curso de 
Especialização em Psicoterapia Psicanalí-
tica do IPUSP. Coordenador do Curso Pós-
-Graduação lato sensu: Psicoterapia Breve 
Operacionalizada do UNIP.
Sandra R. de Almeida Lopes
Psicóloga Clínica e Hospitalar. Doutora em 
Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Santa Casa de São Paulo. 
Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto 
de Psicologia da USP. Professora, Supervi-
sora e Pesquisadora nas áreas de Psicologia 
Hospitalar, Psicologia da Saúde e Psicotera-
pia do Adolescente no Curso de Psicologia 
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sonia Maria B. A. Parente
Psicóloga. Psicanalista pelo Instituto Sedes 
Sapientiae, SP. Psicopedagoga pelo CRP/SP. 
Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela 
PUC/SP. Coordenadora do Espaço de Pes-
quisa em Criatividade, Desenvolvimento e 
Aprendizagem (EPCCO).
Walter Trinca
Professor Titular no Instituto de Psicologia 
da USP e Psicanalista. Membro Efetivo da 
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São 
Paulo e da International Psychoanalytical 
Association.
Yvette Piha Lehman
Professora Titular no Departamento de Psico-
logia Social e do Trabalho do Instituto de Psi-
cologia da USP. Membro Associada da Socie-
dade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
vi Autores
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
É com imensa satisfação que apresento 
esta obra que reúne várias contribuições 
teó ricas e técnicas enfocando o ludodiag-
nóstico e o brincar; como o título indica.
O jogo é fundamental no psicodiagnós-
tico compreensivo e interventivo e no trata-
mento psicoterápico de crianças, sendo es-
ses aspectos aqui apresentados e discutidos. 
Sua relevância e abrangência ultrapassam 
os limites da clínica com crianças. O jogo, 
assim, está presente em todas as atividades 
humanas, e, como afirma Huizinga, até nos 
animais.
O livro está dividido em sete partes, 
cada uma com um tema relacionado a Lú-
dico e cada uma delas com seus diversos 
capítulos.
A obra tem como primeira parte os 
fundamentos teóricos do ludodiagnóstico, 
sendo constituída por quatro capítulos. Essa 
parte traz as relações entre o brincar e a psi-
canálise; a atitude lúdica com a expansão da 
consciência. Os aspectos da representação e 
da significação são também abordados, e um 
capítulo amplo traz considerações a respeito 
das bases neurofisiológicas do brincar e da 
importância do brincar no desenvolvimento 
cerebral do ser humano. Vale destacar os au-
tores dessa parte. Temos a ilustre presença 
de mestres da Psicologia Clínica e da Psica-
nálise em nosso país que nos brindam com 
seus capítulos: Ryad Simon e Walter Trinca. 
Os pioneiros da Psicologia são acompanha-
dos por João Augusto Figueiró, médico ilus-
tre que vem atuando e “batalhando” pela 
infância em nosso país e no mundo, e por 
Rosa Maria Lopes Affonso, a organizadora 
desta obra,que é a principal pesquisadora 
e conhecedora do ludodiagnóstico em nosso 
meio.
Testemunhas do conhecimento e da 
experiência dessa grande psicóloga clínica 
são a segunda e a terceira partes do livro, 
inteiramente da autoria de Rosa Maria Lo-
pes Affonso. A segunda parte, composta 
por quatro capítulos, aborda a técnica ludo-
diagnóstica. A autora discute a história do 
ludodiagnóstico, as relações com as técnicas 
projetivas expressivas, a descrição do pro-
cedimento ludodiagnóstico e a evolução do 
brinquedo com os significados que pode ter 
em cada fase do desenvolvimento.
A terceira parte é totalmente dedi-
cada à análise do ludodiagnóstico. Rosa 
Maria Lopes Affonso trata assim o sintoma 
no diagnóstico infantil e as relações com 
o ludodiagnóstico. Ela aborda a análise do 
procedimento segundo o referencial da Psi-
canálise e do desenvolvimento psicológico, 
e conclui a terceira parte com ilustrações 
clínicas que atestam a experiência clínica da 
principal autora deste livro.
Três capítulos compõem a quarta par-
te, que trata do ludodiagnóstico e as rela-
ções com os testes e técnicas psicológicas. 
O primeiro e terceiro capítulos, da autoria 
de Rosa Maria Lopes Affonso, discutem ins-
trumentos para o processo diagnóstico e/ou 
Prefácio
LeiLA sALomão de LA PLAtA Cury tArdivo
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
viii PrefáCio
intervenção e a avaliação lúdica na psicote-
rapia infantil, respectivamente. As relações 
entre o ludodiagnóstico e uso de testes, da 
autoria de Helena Rinaldi Rosa, e o último 
com algumas concepções de minha autoria 
sobre as relações entre o brinquedo e o de-
senho no diagnóstico e na intervenção.
Evidenciando a abrangência do lúdico, 
a quinta parte aborda os contextos sociais, 
ou seja, os diversos campos onde o lúdico 
tem sua relevância. Katia da Silva Wander-
ley e Sandra R. de Almeida Lopes trazem 
toda sua experiência de atuação no contexto 
hospitalar. Ainda na área da saúde, Marisa 
Cintra Bortoletto traz sua contribuição so-
bre o uso do ludodiagnóstico no consultório. 
O lúdico também se faz presente na área ju-
rídica, como mostra o capítulo de Claudia 
Anaf, Dagmar Menichetti e Roberto Evan-
gelista. E, na área da aprendizagem, Sonia 
Maria B. A. Parente enfoca especificamente 
a tendência antissocial. Finalizando essa 
discussão do ludodiagnóstico em diversos 
contextos, está o capítulo de Elisa Marina 
Bourroul Villela sobre o ludodiagnóstico e 
a deficiência visual. Essa parte evidencia a 
importância e a aplicação do jogo nesses di-
versos contextos.
Evidenciando a abrangência da téc-
nica lúdica, a sexta parte é constituída por 
dois capítulos que enfocam a técnica lúdica 
a partir de outras abordagens. Assim, Karina 
Okajima Fukumitsu trata a técnica do lúdi-
co na abordagem da Gestalt. E Aicil Franco 
expõe seu conhecimento e vasta experiência 
apresentando o jogo de areia no Brasil.
Completa a obra a sétima e última par-
te que trata do lúdico e do desenvolvimento. 
Dessa forma, temos as relevantes contribui-
ções de Yvette Piha Lehman, que apresenta 
o lúdico na adolescência a partir da psica-
nálise winnicottiana que evidencia os fun-
damentos da relevância do brincar na atua-
lidade. E finalmente Maria Leonor Espinosa 
Enéas expõe reflexões sobre os aspectos lú-
dicos no tratamento do adulto, enfocando a 
psicoterapia como metáfora.
Fica evidente, pela breve descrição que 
acima fiz, porque iniciei esta apresentação 
salientando a satisfação de poder apresentar 
este livro e inclusive ser uma das colabora-
doras.
A obra foi muito bem pensada, tratan-
do dos aspectos básicos teóricos e práticos 
do ludodiagnóstico e do brincar. A autora 
principal e organizadora do livro, a Dra. 
Rosa Maria Lopes Affonso, vem atuando, in-
vestigando, ensinando há anos o Psicodiag-
nóstico, a Psicoterapia e a Psicologia Clíni-
ca, dedicando -se de forma mais detida ao 
Ludodiagnóstico, escrevendo, organizando 
eventos; enfim, divulgando esse importante 
procedimento em todas as suas vertentes. 
Este livro só pôde ser feito e agora chega às 
nossas mãos por seu empenho, sua dedica-
ção e competência.
O leitor, tanto o profissional expe-
riente como o estudante e o profissional 
em início de carreira, tem neste livro uma 
relevante contribuição para sua atuação e 
conhecimento. 
Certamente estes capítulos poderão 
e deverão inspirar a todos que se interes-
sem pelo ludodiagnóstco, pelo brincar, pela 
criança, pelo adolescente e adulto nos mais 
diversos contextos a conhecer, compreen-
der, atuar e se encontrar mais e melhor com 
o ser humano.
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Sumário
Prefácio .................................................................................................................................... vii
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
Apresentação ...........................................................................................................................11
Rosa Maria Lopes Affonso
PArte i
Fundamentos teóricos do ludodiagnóstico
 1 o brincar e a psicanálise: subsídios à técnica ...............................................................14
Ryad Simon, Kayoko Yamamoto
 2 Atitude lúdica e expansão da consciência .....................................................................19
Walter Trinca
 3	 As	bases	neurofisiológicas	do	brincar	 ...........................................................................26
João Augusto Figueiró
 4	 Brincar,	significação	e	representação ............................................................................38
Rosa Maria Lopes Affonso
PArte ii
A técnica ludodiagnóstica
 5	 Breve	histórico	da	técnica ..............................................................................................58
Rosa Maria Lopes Affonso
 6	 O	ludodiagnóstico	e	as	técnicas	projetivas	expressivas ................................................64
Rosa Maria Lopes Affonso
 7	 O	procedimento	ludodiagnóstico ....................................................................................69
Rosa Maria Lopes Affonso
 8	 O	brinquedo,	sua	evolução	e	seus	possíveis	significados .............................................78
Rosa Maria Lopes Affonso
PArte iii
Análise do ludodiagnóstico
 9	 O	sintoma	no	diagnóstico	infantil .................................................................................102
Rosa Maria Lopes Affonso
 10	 A	análise	do	procedimento	ludodiagnóstico 
	 	 segundo	o	referencial	teórico	psicanalítico	 .................................................................107
Rosa Maria Lopes Affonso
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
10 sumário
 11 Casos clínicos ..............................................................................................................110
Rosa Maria Lopes Affonso
PArte iv
Ludodiagnóstico e os testes e as técnicas psicológicas
 12	 Instrumentos	para	o	processo	diagnóstico	e/ou	intervenção. ......................................138
Rosa Maria Lopes Affonso
 13	 Compreendendo	o	uso	de	testes	a	partir	do	ludodiagnóstico ......................................158
Helena Rinaldi Rosa
 14 Avaliação lúdica na psicoterapia infantil.......................................................................165
Rosa Maria Lopes Affonso
 15 o brinquedo e o desenho: expressão e comunicação de 
	 	 e	com	crianças	–	possibilidades	diagnósticas	e	interventivas .....................................175
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
PArte v
O lúdico e os contextos psicossociais
 16 o lúdico no contexto hospitalar: quando o brincar no 
 contexto hospitalar é recreação e quando é ludoterapia .............................................192
Katia Wanderley
 17	 O	uso	do	recurso	gráfico	como	meio	de	interação	 
 e comunicação com crianças hospitalizadas ...............................................................200
Sandra R. de Almeida Lopes
 18	 O	ludodiagnóstico	no	contexto	jurídico ........................................................................207
ClaudiaAnaf, Dagmar Menichetti, Roberto Evangelista
 19	 O	lúdico	no	consultório:	análise	do 
	 	 ludodiagnóstico	na	demanda	da	saúde	suplementar	 ..................................................225
Marisa Cintra Bortoletto
 20	 O	lúdico	e	a	tendência	antissocial	na	clínica	da	aprendizagem ...................................231
Sonia Maria B. A. Parente
 21	 O	ludodiagnóstico	e	a	deficiência	visual ......................................................................240
Elisa Marina Bourroul Villela
PArte vi
A técnica lúdica e outras abordagens
 22	 A	técnica	lúdica	na	perspectiva	gestáltica....................................................................248
Karina Okajima Fukumitsu
 23	 O	jogo	de	areia	no	Brasil ..............................................................................................260
Aicil Franco
PArte vii
O lúdico e o desenvolvimento
 24 o lúdico na adolescência: Winnicott e o brincar adolescente ......................................266
Yvette Piha Lehman
 25 Psicoterapia e metáfora: aspectos lúdicos em tratamento de adultos .........................271
Maria Leonor Espinosa Enéas
Índice .....................................................................................................................................286
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Apresentação
rosA mAriA LoPes Affonso
O ludodiagnóstico é um instrumento de 
investigação clínica no qual, por meio da 
utilização de brinquedos, estruturados ou 
não, o profissional procura estabelecer um 
vínculo terapêutico com a criança, visando 
ao diagnóstico de sua personalidade. 
Tendo como fundamento as teorias 
do desenvolvimento e da psicopatologia 
infantil, o ludodiagnóstico é muito utiliza-
do como uma técnica projetiva expressiva, 
baseada nos princípios da associação livre 
psicanalítica, aplicada em diagnósticos ob-
tidos sem o depoimento verbal ou por meio 
da autoexpressão da criança, facilitada pelo 
contexto clínico lúdico. 
 Parte -se do pressuposto que a técnica 
lúdica possibilita o diagnóstico da estrutura 
mental como expressão da brincadeira sim-
bólica. Assim, o objetivo nesta obra é reunir 
os profissionais que, apoiados na estratégia 
clínica, utilizam esse instrumento, seja nos 
seus diagnósticos e tratamentos psicotera-
pêuticos, seja na orientação, prevenção ou 
intervenção educacional dos distúrbios de 
aprendizagem, psicossomáticos e de socia-
lização. A reunião dos trabalhos desses es-
pecialistas visa à compreensão das aplica-
ções do instrumento ludodiagnóstico, seus 
fundamentos e suas abordagens teóricas no 
campo da pesquisa, apresentando os ma-
teriais, os registros, os procedimentos e as 
análises com a população infantil. 
A utilização dos instrumentos lúdicos 
ou a compreensão das manifestações lúdicas 
no ser humano, nos seus diferentes contex-
tos sociais, podem extrapolar a preocupação 
clínica, levando ao estudo das manifestações 
e aplicações da brincadeira simbólica dentro 
de um contexto de estimulação e intervenção 
preventiva da socialização infantil. Assim, 
nesta obra apresentaremos algumas utiliza-
ções da brincadeira simbólica, possibilitando 
aos profissionais: médicos, psicólogos, neu-
rologistas, educadores em geral, psicopeda-
gogos, terapeutas educacionais, fonoaudiólo-
gos, um estudo das aplicações, limitações e 
interfaces no uso de materiais lúdicos.
O livro está dividido em sete partes.
Na primeira parte, apresentaremos os 
fundamentos do lúdico no ser humano: a 
constituição do sujeito e as bases neurofisio-
lógicas do brincar, a consciência e a corpo-
ralidade, inserindo a noção lúdica segundo 
o conceito de representação.
Na segunda parte, apresentaremos a 
técnica lúdica: seus fundamentos psicanalíti-
cos; os materiais mais utilizados e os seus pos-
síveis significados a partir da teoria de desen-
volvimento psicanalítica; os procedimentos 
utilizados para a aplicação lúdica; as análises 
clínicas e a formação profissional necessária.
Na terceira parte será estudada a aná-
lise do ludodiagnóstico, com exemplos de 
vários casos clínicos.
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
12 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Na quarta parte apresentaremos algu-
mas considerações sobre a relação do lúdico 
com avaliações psicológicas, testes e técni-
cas de investigação clínica.
Na quinta parte do livro apresenta-
remos algumas aplicações da técnica ludo-
diagnóstica: hospitalar, jurídica e em con-
sultório.
Na sexta parte discutiremos as diferen-
tes abordagens da técnica lúdica.
Encerraremos com a sétima parte, na 
qual procuramos identificar o lúdico no ado-
lescente e no adulto.
Portanto, neste livro procuramos reunir os 
estudiosos do desenvolvimento humano, da 
psicopatologia infantil, da avaliação psicoló-
gica e da psicoterapia infantil, que, por meio 
da expressão lúdica, procuram colaborar 
nas pesquisas sobre a expressão, prevenção 
e elaboração do sofrimento na infância.
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Parte I
Fundamentos teóricos 
do ludodiagnóstico
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
Nos primórdios da psicanálise de crian-
ças, em 1923, Melanie Klein atendia uma 
menina de 7 anos, inibida e com mau apro-
veitamento escolar. A criança não gostava da 
escola, faltava às aulas e começava a afastar-
-se da mãe, apesar de ter anteriormente um 
bom relacionamento com ela. A criança não 
desenhava, falava muito pouco. O progresso 
do atendimento era quase nulo. Klein sentiu 
que aquela forma de atendimento não leva-
ria muito longe o trabalho. Numa sessão em 
que a criança ficou silenciosa e retraída, a 
angústia de Melanie Klein deve tê -la mobi-
lizado a criar algum recurso. Avisou que ia 
sair da sala e voltaria num instante. Como 
o atendimento era feito na residência, esta 
pegou alguns brinquedos: algumas bone-
quinhas, carrinhos, cubos e um trenzinho. 
Colocou -os numa caixa e trouxe para a pa-
cientezinha inibida. A criança interessou -se 
pelos objetos e começou a brincar.
Por seu modo de brincar, Klein inferiu 
que os dois bonecos que a menina utilizou 
para realizar uma brincadeira poderiam re-
presentar a própria paciente e um menini-
nho da escola que havia sido mencionado 
numa sessão anterior. Parecia haver algum 
segredo na conduta dos dois bonecos, e que 
os outros bonecos eram vistos como intrusos 
e afastados. As atividades dos dois bonecos 
acabavam em catástrofes, como cair e serem 
atropelados. Esse brincar era repetido, e, à 
medida que a menina os reproduzia, iam 
aparecendo crescentes sinais de angústia. 
Até que a analista começou a intuir, pelos 
detalhes daquela brincadeira, que a pacien-
te representava alguma atividade sexual en-
tre ela e seu colega da escola. Isso levaria a 
criança a ter medo de ser descoberta, então 
ela ficava desconfiando dos outros.
Klein interpretou esse significado para 
a paciente e mostrou -lhe que, enquanto 
brincava, ela se angustiava tanto a ponto de 
largar o brinquedo. E mais, que não esta-
va mais querendo ir para a escola porque 
talvez a professora pudesse descobrir tudo 
e castigá -la. Estava sentindo esse medo 
principalmente com a mãe. E nesse momen-
to podia estar sentindo o mesmo medo de 
punição com relação a Klein. O efeito dessa 
interpretação foi nítido: a angústia e a des-
confiança da paciente inicialmente aumen-
taram, mas logo foram seguidas de evidente 
alívio. Sua expressão facial mudou e, em-
bora não admitisse nem negasse o que foi 
interpretado, posteriormente mostrou con-
cordância ao produzir mais material corro-
borando o que fora interpretado. Liberou -se 
mais no brincar e na verbalização. A relação 
com a analista tornou -se menos desconfiada 
e mais amistosa.
Na sequência do atendimento era es-
perado que a transferência se alternasse en-
tre positiva e negativa, mas, a partir dessa 
1
O brincar e a psicanálise
Subsídios à técnica
ryAd simon 
kAyoko yAmAmoto
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
LudodiAgnóstiCo 15
sessão a análise evoluiu bem. Concomitan-
temente foi melhorando o relacionamentocom a mãe e com a escola. É notável o quan-
to a mudança de método favorece novos 
descobrimentos. Quando Freud abandonou 
a hipnose e passou a usar o método da asso-
ciação livre com seus pacientes, teve acesso 
à descoberta das resistências, dos conflitos 
inconscientes que permanecem reprimidos, 
das soluções de compromisso que geram 
os sintomas, os sonhos e toda a trama que 
se passa em áreas da mente inacessíveis à 
abordagem direta.
Do mesmo modo, quando Melanie 
Klein, percebendo a inibição insuperável 
de sua pacientezinha, teve a intuição genial 
de introduzir os brinquedos para favore-
cer a comunicação, abriu caminho para a 
descoberta de áreas da mente ainda mais 
profundas que as obtidas pelo método de 
associação livre dos adultos. Na criança pe-
quena o mecanismo de repressão é menos 
rígido, facilitando o acesso aos conteúdos 
inconscientes. Porém, era necessário dispor 
de recursos para alcançar esse universo que 
estava mais além da palavra. A psicoterapia 
psicanalítica do adulto é feita principalmen-
te pelos relatos verbais dos pacientes, mas, 
como a verbalização da criança pequena é 
geralmente escassa, foi necessária uma ino-
vação técnica para favorecer uma comuni-
cação mais significativa.
Muito se tem dito acerca do brincar 
como forma de psicoterapia infantil, mas 
gostaria de me deter sobre as diferentes 
formas e usos do brincar em psicoterapia. 
Quando eu, Ryad Simon, era recém -formado 
em psicologia clínica, tive a oportunidade 
de conhecer e a possibilidade de trabalhar 
junto com um conhecido psiquiatra infan-
til, Dr. Haim Grünspum. Seu consultório 
ficava num grande sobrado, e várias salas 
eram usadas para ludoterapia, geralmen-
te em grupo. Os brinquedos ficavam em 
prateleiras, alguns espalhados pelo chão, 
e eram usados coletivamente. Não havia 
brinquedo particular, o material era usado 
à vontade pelas crianças de várias idades, 
geralmente na latência e pré -adolescência. 
Havia um ringue onde as crianças podiam 
brigar entre si, recipientes com água para 
introduzir brinquedos ou se molhar, como 
quisessem. Não havia privacidade.
Realizei a visita acompanhado pelo Dr. 
Haim. Lembro -me que quando um garoto se 
dirigiu a ele desafiando -o para uma luta, o 
terapeuta agarrou o garoto e lhe deu uma 
gravata, brincando e sorrindo, dando -me a 
ideia de que realizava psicoterapia suporti-
va. Eu estava aprendendo a fazer psicote-
rapia psicanalítica de crianças com Virgínia 
Bicudo, Lygia Amaral e Judith Andreuci. 
Virgínia, principalmente, voltando de um 
período de aprimoramento em Londres, jun-
to ao grupo kleiniano, em 1962, fornecia as 
diretrizes da técnica lúdica em psicanálise 
infantil. Eu seguia mais ou menos automati-
camente as instruções, sem muita clareza do 
porquê de certos procedimentos técnicos. 
Por exemplo:
a) os brinquedos devem ser de um determi-
nado tamanho, formato e variedade. Em 
sua monumental Psicanálise de crianças, 
Klein, no início do Capítulo 2, dá uma 
relação de brinquedos para crianças pe-
quenas: “Sobre uma pequena mesa baixa 
estão colocados brinquedos pequenos e 
simples – homenzinhos e mulheres de 
madeira, cartas de baralho, carruagens 
(hoje seriam outros veículos), automó-
veis, trens (hoje se acrescentam aviõe-
zinhos), animais, peças de construção e 
casas, bem como papel, tesoura e lápis” 
(1932, p. 16);
b) os brinquedos devem ficar guardados 
numa caixa de madeira, com cadeado, 
e a cada sessão a criança acompanha 
o terapeuta até o armário onde ficam 
guardadas as caixas lúdicas, cada uma 
específica para cada criança. Ao final da 
sessão, os brinquedos são guardados no-
vamente na caixa, trancada, e a criança 
acompanha o terapeuta até o armário, 
verificando sua guarda, sempre no mes-
mo lugar;
c) a sala de ludoterapia deve ter chão e 
paredes laváveis, móveis simples, uma 
torneira e uma pia (ou então uma bacia 
com água);
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16 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
d) a sessão começava e terminava sempre 
no horário combinado. Se o paciente se 
atrasasse, perderia o tempo de atraso;
e) durante a sessão a porta da sala de ludo 
fica trancada, como na sessão de adul-
tos;
f) o contato com os pais é reduzido ao mí-
nimo necessário.
Para que serve tudo isso? Klein respon-
de de uma maneira sintética e completa so-
bre a essência do sentido do brincar:
A criança expressa suas fantasias, seus 
desejos e experiências reais numa forma 
simbólica através do brincar e dos jogos. 
Ao assim fazê -lo, usa os mesmos modos 
de expressão arcaicos e filogeneticamente 
adquiridos, a mesma linguagem com que 
temos familiaridade através dos sonhos, 
por assim dizer; e só podemos entender 
completamente essa linguagem se nos 
aproximamos dela como Freud nos en-
sinou na abordagem da linguagem dos 
sonhos.
O simbolismo é apenas uma parte 
dela. Se desejamos entender o brinque-
do da criança corretamente em relação 
à totalidade de seu comportamento 
durante a sessão analítica, não devemos 
nos contentar pinçando separadamente 
o significado dos símbolos no brincar, 
por mais impressionantes que sejam – e 
geralmente o são –, mas devemos fazê-
-lo considerando todos os mecanismos e 
métodos de representação empregados no 
trabalho onírico, nunca perdendo de vista 
a relação de cada fator com a situação 
como um todo. (Klein, 1932 p 7-8)
Voltando aos itens acima: se os brin-
quedos forem muito grandes, não caberão 
na caixa; se forem muito complicados, não 
serão facilmente manipuláveis para expres-
sar uma brincadeira. A variedade de brin-
quedos é restrita pela mesma questão de 
espaço, mas também porque a imaginação 
da criança pode dar muitos usos a poucos 
brinquedos.
Guardam -se os brinquedos numa caixa 
de madeira para permanecerem do mesmo 
modo que foram deixados na sessão an-
terior. O cadeado existe para garantir que 
ninguém abra a caixa entre uma sessão e 
outra. A cada sessão a criança acompanha 
o terapeuta até o armário onde ficam guar-
dadas as caixas lúdicas, cada uma específica 
para cada criança. Isso mostra à criança que 
seu material é inviolável e tem a garantia 
da guarda do terapeuta. Ao final da sessão, 
os brinquedos são guardados novamente na 
caixa, que é trancada, e a criança acompa-
nha o terapeuta até o armário, verificando 
sua guarda sempre no mesmo lugar.
Esse procedimento garante que a caixa 
só seja aberta e fechada na presença da crian-
ça e que só tenham acesso a ela a criança e 
o terapeuta. Suponhamos que os brinque-
dos que a criança “A” usa para a ludoterapia 
fossem manipulados por uma criança “B”, e 
ainda por uma criança “C”, como no exem-
plo do Dr. Haim. Suponhamos que a criança 
“B”, usando o mesmo brinquedo, quebrasse 
uma parte dele, ou mesmo o destruísse tão 
completamente que ficasse inutilizado. Qual 
seria a importância disso?
Admitamos que os brinquedos repre-
sentem os objetos do mundo interno da 
criança. Suponhamos que um determinado 
boneco represente o “pai mau” para a crian-
ça “A”, que tem muito medo desse brinque-
do, e que a criança “B”, numa sessão poste-
rior, manuseando esse mesmo boneco, corte 
sua cabeça. Qual seria a reação da criança 
“A”, quando, na sessão seguinte se deparasse 
com esse “pai mau” de cabeça cortada? Pro-
vavelmente ficaria aterrorizada. Entretanto, 
se não foi a criança “A” que cortou a cabeça 
do boneco, que uso faria disso o psicotera-
peuta para a compreensão dos processos 
inconscientes da criança “A”? A cabeça do 
boneco foi cortada pela criança “B”. O que a 
teria levado a tal ataque?
Suponhamos agora que, numa outra 
sessão, a criança “C”, usando os mesmos 
brinquedos, observando o homem de cabeça 
cortada, resolvesse colar de volta a cabeça 
do boneco. Qual o efeito disso para a crian-
ça “B”? E para a criança”A”? É fácil perceber 
que a manipulação do brinquedo por crian-
ças diferentes em ocasiões diferentes criaria 
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LudodiAgnóstiCo 17
tal confusão que terapeuta algum consegui-
ria desfazer.
O brinquedo manipulado porvárias 
crianças não traria problema de interpre-
tação numa psicoterapia suportiva, porque 
nesta não há a preocupação de compreen-
der os processos inconscientes do pequeno 
paciente, mas, numa psicoterapia psica-
nalítica, em que as interpretações princi-
pais se apoiam na transferência, a confu-
são resultante da manipulação do mesmo 
brinquedo por crianças diferentes tornaria 
o processo um equivalente do “samba do 
crioulo doido”.1
Assim, a caixa individualizada e tran-
cada, sendo manipulada somente pelo mes-
mo paciente, garantiria a segurança de que 
os brinquedos – que representam os objetos 
internos da criança – não seriam tocados por 
outro, evitando interferências causadoras 
de confusão indecifrável. Nesse ambiente 
preservado e privativo será possível acom-
panhar detalhadamente cada movimento 
do paciente, favorecendo a compreensão da 
transferência e das cotransferências2 com 
mais nitidez e segurança.
Continuando o esclarecimento dos 
itens citados, a sala de ludoterapia deve ser 
de chão e parede laváveis, móveis simples, 
conter torneira ou bacia para permitir brin-
car com água, tinta, plastilina, etc., facilitan-
do a expressão de formas de agressão ou de 
gratificação regredidas, que a criança não 
conseguiria representar com palavras e são 
necessárias para entendimento dos impul-
sos, angústias, defesas, bem como das fan-
tasias concomitantes. Já a fixação do tempo 
ajuda a desenvolver o sentido do tempo, 
a responsabilidade e a consideração pelo 
trabalho psicoterápico. Do mesmo modo, 
a porta trancada garante a privacidade da 
relação dentro da sessão. E o contato com 
os pais reduzido ao mínimo necessário evita 
interferências na relação entre a criança e o 
terapeuta. Se não puder ser evitado, é prefe-
rível conversar na presença da criança. Se os 
pais forem muito angustiados, solicitando 
contato frequente, deve -se marcar um horá-
rio separado para esclarecer as questões.
É fácil de ver que todas essas provi-
dências técnicas têm o objetivo precípuo 
de permitir o desenvolvimento da situação 
analítica. Ou seja, criar uma atmosfera que 
permita inferir cada movimento dentro da 
sessão tendo significado no aqui e agora com 
o terapeuta. É essa condição que favorece a 
visão clara dos movimentos no brincar como 
expressão da comunicação das fantasias in-
conscientes, suas associações e significados. 
Quando há interferências no material do 
brinquedo, na sala de ludoterapia, na intro-
missão de outros, o ambiente fica poluído 
e confuso, obscurecendo a possibilidade de 
compressão do interjogo entre fantasias, im-
pulsos, angústias e defesas.
Haverá momentos em que a criança 
pode estar tão atemorizada que não conse-
gue ficar só com o terapeuta. Neste caso, a 
presença temporária de um adulto garante a 
entrada e permanência da criança na sala de 
ludoterapia. E, tão logo as angústias perse-
cutórias transferenciais sejam esclarecidas, o 
adulto pode retirar -se para a sala de espera. 
Essa sucinta informação sobre a técnica tem 
o intuito de mostrar a diferença entre ludote-
rapia psicanalítica e a ludoterapia suportiva.
Não há intuito de depreciar a ludotera-
pia suportiva. Brincar com uma criança des-
preocupadamente, dar -lhe atenção, tratá -la 
com carinho e respeito têm um potencial 
1 O Samba do Crioulo Doido é uma paródia com-
posta pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, sob 
pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, em 1968, 
para o Teatro de Revista, em que procura ironizar 
a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de 
retratarem nos seus sambas de enredo somente 
fatos históricos. A expressão do título é usada, no 
Brasil, para se referir a coisas sem sentido, a textos 
mirabolantes e sem nexo.
2 “Cotransferência” refere -se ao termo que criei para 
indicar as transferências colaterais, isto é, as transfe-
rências que o paciente faz com pessoas significativas 
em seu relacionamento pessoal atual ou pretérito 
(Simon, R. 2004; e capítulo IV de meu livro meu 
livro Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original). 
A prática clínica – minha e de outros colegas – tem 
mostrado a importância de trabalhar a cotransfe-
rência para ampliar a compreensão do paciente a 
respeito das interações inconscientes com pessoas 
significativas de seu convívio atual e pregresso.
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18 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
terapêutico inegável. Isso permite a catarse, 
a gratificação da necessidade de calor hu-
mano, e, com a redução da angústia, algu-
ma elaboração espontânea em estratos in-
conscientes da personalidade. Todavia, esse 
alcance é limitado. Para alcançar estratos 
mais profundos, modificar conflitos incons-
cientes que tenham potencial para causar 
(ou já estejam causando) distúrbios neuróti-
cos ou psicóticos, a via mais apropriada é a 
ludoterapia psicanalítica.
O desenvolvimento da técnica ludo-
terápica por Melanie Klein proporcionou 
a ampliação da percepção e compreensão 
dos conflitos e mecanismos mais profundos 
da personalidade, abrindo caminho para 
o tratamento de pacientes psicóticos cuja 
acessibilidade era muito limitada por via 
da psicoterapia psicanalítica. Freud (1914) 
afirmava, em seu artigo sobre introdução ao 
narcisismo, que os pacientes que padeciam 
de “neuroses narcísicas” (psicóticos) eram 
inacessíveis ao tratamento psicanalítico por-
que sua libido ficava centrada no ego, não 
permitindo a “transferência”, que era o prin-
cipal meio de influência psicoterápica.
Melanie Klein, com sua aguda intuição 
para compreensão dos processos incons-
cientes – obtidos por meio do método da lu-
doterapia – teve um vislumbre mais amplo 
e profundo dos primórdios do funcionamen-
to e desenvolvimento mental, lançando as 
bases para uma abordagem compreensiva 
dos distúrbios mentais graves (Klein, 1935; 
1932; 1946). Seus discípulos mais brilhan-
tes, começando por Rosenfeld (1947), Han-
na Segal (1950) e W.R. Bion (1953; 1957) 
aplicaram suas contribuições ao tratamento 
psicanalítico de psicóticos, utilizando a abor-
dagem clássica: verbalização por associação 
livre, uso do divã, várias sessões semanais, 
abstenção de medicação, conseguindo algu-
ma melhoria na condição de pacientes es-
quizofrênicos. Isso confirma o entusiasmo 
de Karl Abraham, que no 8o Congresso In-
ternacional de Salzburg, em 1924, afirmou 
que o futuro da pesquisa psicanalítica se as-
senta na psicanálise de crianças.
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Psicologia da USP.
Simon, R. (2010). Psicoterapia psicanalítica: Con­
cepção original. São Paulo: Casa do Psicólogo.
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INDEX BOOKS GROUPS
A atitude lúdica diz respeito a uma dis-
posição mental considerada livre por ex-
celência, tendo por paradigma o brincar 
da criança que frui em liberdade o prazer 
de se entregar a seus objetos de relaciona-
mento, entretenimento e divertimento. Esta 
atitude tem sido associada à atitude psica-
nalítica, especialmente depois que Winni-
cott (1975) ressaltou que a psicanálise foi 
desenvolvida como uma forma altamente 
especializada do brincar. Antes dele, Freud 
havia formulado o princípio da associação 
livre, em correspondência com o conceito de 
atenção flutuante, de que Ferenczi (1966) 
fez uso para introduzir o que chamou de 
elasticidade da técnica psicanalítica. Essas 
são formas de atitude lúdica, assim como o 
são, sem dúvida, a atitude analítica sem me-
mórias, sem desejos e sem necessidades de 
compreensões, proposta por Bion (1973), e 
aquela que coloca o analista nas condições 
de ressonância tonal aos afetos, considerada 
por Fedida (1986).
O SER inTERiOR
De meu ponto de vista, a atitude lúdica passa 
pelo contato com o ser interior, do qual ema-
na a mobilidade psíquica. Na psicanálise, o 
ser interior pode ser pensado como a rea-
lização no indivíduo do ser que ele é. Cada 
indivíduo conta com a realidade primária de 
ter um ser que responde por sua existência, 
estando na base das noções de si mesmo. 
Ele é um núcleo essencial e um foco originá-
rio, que fundamentam a verdade interior e 
mais profunda do existir pessoal, pela qual 
esse indivíduo pode afirmar “eu sou” em sua 
identidade, distinguindo -se, definindo -se e 
qualificando -se. Desse modo, o ser interior 
revela -se como inteiro, indiviso, singular e 
específico, sendo também irrepetível, irre-
plicável e incomensurável.
Contudo, a característica básica pela 
qual podemos conceber o ser interior é sua 
não sensorialidade, que se expressa como 
fonte de vida e de movimento. Há alguma 
coisa que ultrapassa qualquer contingência, 
sendo praticamente indescritível: a fonte 
de vida, que se manifesta como ser, e que 
pode (ou não) se realizar como mobilidade, 
vitalidade, harmonia e organização. No mo-
delo que preconizo, a atitude lúdica é uma 
função da mobilidade psíquica, que decorre 
do contato com esse ser, em que os aspectos 
não sensoriais vêm ocupar um lugar de des-
taque na vida mental.
Tenho observado que o contato reali-
zado em estado consciente com o ser inte­
rior corresponde ao que Winnicott (1975) 
chamou de viver criativo, porque se liga pri-
mariamente à experiência de inteireza que 
se expressa como experiência de viver. Para 
2
Atitude lúdica e 
expansão de consciência
WALter trinCA
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20 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
ele, essa experiência tem por referência o 
espaço potencial,1 que é preenchido com o 
brincar da criança, com a imaginação criati-
va, com a vida de sonhos, com a apercepção 
criativa, com a experiência cultural e com 
todo tipo de experiência satisfatória relacio-
nada à consciência de estar vivo e de se en-
contrar pessoalmente presente em si mesmo 
e no mundo (Davis e Wallbridge, 1982).
Ao falar de espaço potencial, Winni-
cott certamente se referiu à própria mobi-
lidade do ser interior, cuja natureza, como 
mencionado, é não sensorial. As expressões 
desse ser ligam -se à vida, à criação, ao vi-
gor, à harmonia e ao bem -estar psíquico e 
realizam -se desde que a pessoa tenha sufi-
ciente contato consigo própria. O centro das 
atenções de Winnicott se concentrou na ex-
periência de ser, que se efetiva pelas noções 
de si mesmo referidas à existência própria.
A FunçãO DO COnTATO
É importante sublinhar que diferencio a no-
ção de ser interior da noção de self, sendo 
aquele, basicamente, um foco de existência 
e este um órgão mental de consecução dessa 
existência, ou seja, um meio pelo qual ela se 
efetiva. Assim, o ser interior exerce influên-
cia em graus sobre o self, na dependência do 
contato que uma pessoa estabelece consigo 
própria (Trinca, 2007). Isso significa que 
o ser interior pode permanecer, em grande 
parte, encoberto ou invisível, e sua realiza-
ção na vida mental vai depender do grau de 
contato alcançado nas relações com ele. A 
função do contato é, pois, um fator relevan-
te a ser considerado, porquanto uma pessoa 
poderá viver uma vida inteira minimamente 
em contato com seu ser. Se somente o con-
tato desvenda para a pessoa a natureza do 
ser que ela é, o estudo do distanciamento 
de contato constitui uma tarefa necessária e 
imprescindível.
Temos, então, na psicanálise, uma ten-
são não só entre o consciente e o inconscien-
te, como também entre a invisibilidade do 
ser interior e a visibilidade de tudo aquilo 
que aparece em seu lugar. Quanto menor 
for a aproximação ao contato com o ser in­
terior, maior será a impregnação do self por 
fatores estranhos àquele (Trinca, 2007). 
Nesse caso, o self poderá ser impregnado 
tanto de sensorialidade quanto de fragili-
dade. Isso significa que quanto maior for o 
grau de distanciamento de contato, maior 
será a saturação do self por partículas, ele-
mentos e condições de um funcionamento 
desarmônico ou perturbado, em que a mo-
bilidade psíquica diminui na razão inversa 
do aumento de sensorialidade ou de fragili-
dade. Em outras palavras, entre nosso pró-
prio ser e a consciência que temos de sua 
presença pode ocorrer um distanciamen-
to e a medição de um fosso que temos de 
transpor. O ser profundo está lá, mas inter-
ferem em nós situações e processos, tanto 
internos quanto externos, que prejudicam 
nossa capacidade de sintonia com ele.
A MOBiLiDADE PSíquiCA
No caso de uma sintonia satisfatória ou bem 
realizada, ocorre aquilo que Winnicott cha-
mou de apercepção criativa, que não é outra 
coisa senão o sentimento de que a vida vale 
a pena ser vivida. A pessoa pode experien-
ciar sua vida como unidade, isto é, como ex-
pressão do “eu sou eu mesmo” (Winnicott, 
1975). A mobilidade psíquica origina -se 
justamente do contato com o ser interior, 
tendo repercussões e influências diretas so-
bre o self. Emanada desse ser, ela pode ser 
descrita como uma disposição fluida e como 
um estado de abertura, de liberdade e de le-
veza, que também compreende uma atitude 
experiencial solta e espontânea, incluindo, 
na dependência do que estiver envolvido, a 
flexibilidade, a plasticidade, a elasticidade, 
1 Para Winnicott (1975), trata -se de um área hipo-
tética que existe (mas poderia não existir) entre o 
bebê e o objeto (a mãe ou partes desta) durante a 
fase de repúdio do objeto como não eu. O conceito 
é estendido de modo a abranger a ocorrência de 
comunicação significativa nas relações interpes-
soais.
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LudodiAgnóstiCo 21
a maleabilidade, a flutuação e o alargamen-
to na correnteza das experiências.
Tudo isso vem assegurar que na base 
do self iluminado por influência do ser inte­
rior está o espaço potencial, manifestando -se 
por mobilidade psíquica, cujas expressões 
mais evidentes são o gesto espontâneo e o 
brincar criativo. Para Winnicott, nessa área 
da experiência não há dissociação entre ser 
e brincar, uma vez que o interesse lúdico da 
criança consiste na busca de si mesma. As-
sim, em meus termos, da mobilidade psíqui-
ca decorre imediatamente a atitude lúdica, 
sendo esta uma consequência direta do esta-
do de maior contato com o ser profundo.
A SEnSORiALiDADE E 
A FRAgiLiDADE DO SELF
Nessa linha de considerações, pode -se pen-
sar que o que impede ou anula a atitude lú-
dica é o distanciamento de contato com o 
ser interior. Quando ele se instala, a pessoa 
tem pela frente uma “escolha” entre duas al-
ternativas que são normalmente utilizadas: 
a sensorialidade ou a fragilidade do self. Se 
a “opção” for pela sensorialidade,há uma 
imensa gama de situações psíquicas que 
podem se manifestar, dependendo do grau 
de distanciamento de contato que vier a se 
instalar. Para cada grau de distanciamento, 
há determinado tipo de manifestação ligada 
à sensorialidade. Esta diz respeito a elemen-
tos que são saturados de concretitude ou 
que têm as características, propriedades ou 
qualidades da concretitude, os quais já pre-
existem ou vêm se introduzir no aparelho 
psíquico, determinando manifestações emo-
cionais, congnitivas, imagéticas e outras, de 
forma tanto consciente quanto inconsciente 
(Trinca, 2007).
Ainda que eu considere a sensorialida-
de como uma variável contínua, gostaria de 
apresentar três exemplos de manifestações 
sensoriais a fim de tornar o assunto mais 
claro.
O primeiro exemplo refere -se aos as-
pectos predominantes no chamado homem 
moderno, que habita os grandes centros ur-
banos da sociedade tecnológica e industrial. 
Nele, a motivação principal volta -se ao fazer, 
sob o exclusivismo dos interesses egocêntri-
cos. Ele absolutiza a tendência de obter sa-
tisfações com o sucesso, o poder, a riqueza, a 
fama, os objetivos materiais etc. Nutre ape-
go excessivo à valorização externa, usa de 
modo abusivo o pensamento sistemático e 
tem a mente tomada por prismas, sistemas, 
conceitos, estruturas e valores de tipo con-
cretista. Sua adaptação se faz a um mundo 
humano coisificado, sob a dominância dos 
condicionamentos psicológicos e sem maior 
aprofundamento nos vínculos.
Outro exemplo consiste no preenchi-
mento do self pela sensorialidade associa-
da à sexualidade infantil, em que predo-
minam conflitos inconscientes sustentados 
por recalcamento. O self é palco de luta e 
jogo de partes conflitantes, sob o comando 
do inconsciente, que se faz estruturante. 
Encontram -se normalmente conflitos infan-
tis, fixações, regressões, figuras parentais 
dominantes etc. Trata -se de uma situação 
que propicia o aparecimento de neuroses 
dos tipos descritos por Freud.
Finalmente, um exemplo relacionado 
às psicoses graves: aqui a sensorialidade 
torna -se densa, pesada, primitiva e virulen-
ta por conta de um self altamente impreg-
nado de concretitude, com forte tendência 
ao inanimado. Há acumulação de elemen-
tos beta e forte presença da tela beta (Bion, 
1966). Essa sensorialidade pode responder 
por manifestações clínicas de autismo e es-
quizofrenia.
A sensorialidade, quando não for nor-
mal, poderá se constituir em obstáculo à 
atitude lúdica, porque determina modos, 
padrões e sistemas de funcionamento men-
tal tendentes, em graus, à concretitude e 
ao inanimado. A fragilidade, por sua vez, 
quando se instala por conta do distancia-
mento de contato, determina a ocorrência 
de enfraquecimento e de esvaziamento do 
self. Nela, as angústias tendem ao buraco 
negro, podendo se transformar em terror 
de passagem à inexistência. Desse modo, 
dependendo do grau de fragilidade, o self 
poderá se impregnar de inconsistências, 
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22 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
dispersões, estados de alheamento ou de 
engolfamento, entre outros aspectos. Nada 
disso combina com a mobilidade psíquica 
nem tampouco com a atitude lúdica que es-
tou considerando.
AS COnDiçõES DA ExPAnSãO
Para haver atitude lúdica, é necessário ul-
trapassar a esfera dos encobrimentos e da 
invisibilidade do ser interior à consciência, 
afastando -se as interferências ao contato 
com ele, causadoras de sensorialidade e de 
fragilidade. Isso quer dizer que se deve pro-
porcionar a libertação das condições obstru-
tivas da mente, sejam elas consideradas pa-
tológicas ou não. Um dos aspectos consiste 
em lidar com a sensorialidade no nível da 
superação dos condicionamentos e das re-
lações de tipo predominantemente concre-
tista. Ou seja, uma desmaterialização dos 
vínculos, a fim de que se tornem realmente 
afetivos e profundos.
O que nos deixa contentes e felizes é o 
contato significativo, relacionado ao sentido 
do que é vivo e encontrado nas raízes que 
nos ligam a nós próprios e ao universo – um 
contato que se assemelha à concentração em 
si mesmo e que se realiza tal como o brincar, 
que proporciona a experiência de estar só, 
mesmo na presença de alguém. Não se con-
funde jamais com o esvaziamento. Ao con-
trário, é emergência do gesto espontâneo, 
colocando -nos “sobre o caminho da ação 
pessoal espontânea, que emana do próprio 
ser” (Chuang -Tsé, 1985, pg. 188).
O gesto espontâneo, em Winnicott, é 
uma expressão da ação do ser interior que, 
por causa de suas raízes não sensoriais, é 
capaz de criar verdadeiramente por inter-
médio do sentido do que é vivo. Daí é pos-
sível haver um intercâmbio significativo 
com o mundo. Esse intercâmbio acaba por 
constituir uma busca de sentidos originária 
do próprio ser. Havendo expressão genuí-
na desse ser, encontramos o mundo exter-
no, que terá para nós o sentido que nossa 
profundidade de contato consegue alcançar. 
Quanto maior for o contato, maior será o 
fluxo livre e o fluir criativo que emanam da 
mobilidade psíquica.
A atitude lúdica corresponde, portan-
to, ao estado de deixar -se ser, equivalen-
te à flutuação e ao fluxo da correnteza de 
um rio. É preciso que a vida siga seu cur-
so e que a recebamos com um mínimo de 
interferência dos medos, desejos e outras 
formas de sentir passional. Assim, podere-
mos acompanhar e conhecer os movimentos 
e as transformações inesperadas das coisas 
e situações. Poderemos vir a ser espaço de 
acolhimento a cada ser, em sua natureza e 
condição, sem lhe causar nenhuma violên-
cia. Essa atitude é diametralmente oposta a 
influenciar, moldar, controlar e manipular. 
Refiro -me ao contato direto e profundo, seja 
conosco mesmos, seja com o mundo.
Como disse, é fundamental estar de 
posse de contato profundo conosco, que se 
faz em graus de sintonia, para haver encon-
tro com o que há de profundo no mundo; 
um contato que nos coloca em condições de 
descoberta do mundo em dupla profundida-
de: a profundidade do encontro conosco e 
a profundidade do encontro com o mundo. 
É preciso que venha de dentro, para que a 
relação com o que está fora tenha realmen-
te sentido. O significado poderá surgir do 
contato direto, que nos mostra o que é sem 
intermediações sensoriais ou de qualquer 
outra natureza.
Para além de nossas disposições sen-
soriais, as coisas e situações revelam natu-
ralmente suas fisionomias e seus sentidos, 
dizendo -nos o que têm a dizer. Como resso-
nâncias do que existe, podemos nos deixar 
penetrar pela vida das coisas, acolhendo o 
novo e o inesperado. Essa é certamente uma 
reorientação da percepção e da compre-
ensão, ou uma possibilidade intuitiva que 
estamos cada vez mais abandonando e per-
dendo. Ela nos leva, em nossas atividades 
profissionais, a nos concentrarmos na mo-
bilidade psíquica, como um processo que se 
dá em graus, porque é na fluidez da mente 
não aprisionada que a realidade vem se ma-
nifestar, sendo necessário encontrar meios – 
e, especialmente, meios psicanalíticos – de 
se lidar com a sensorialidade e com a fragi-
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LudodiAgnóstiCo 23
lidade. Havendo uma psicanálise voltada a 
esse fim, ela certamente ajudará a encontrar 
os estados límpidos de consciência, que são 
espaços abertos na mente, o mais livres pos-
sível de impregnações sensoriais e de turbu-
lências emocionais. Acredito que essas são 
as verdadeiras bases da atitude lúdica.
uM MODELO gERAL
A esquematização de um modelo geral po-
derá ajudar a compreender essa situação. 
Traçando -se uma linha de base que repre-
senta um eixo do contínuo de contato com 
o ser interior, temos um campo de variação 
dos graus de contato entre infinito negati-
vo e infinito positivo, passando pelo ponto 
zero ou origem. Este ponto representa a ex-
periência de inteireza. Cada ponto do con-
tínuo representa um conjunto de situações 
psíquicas que preponderam. Entre o ponto 
zero e o infinito negativo, temos os graus de 
distanciamento de contato, quesão decres-
centes. Entre o ponto zero e o infinito positi-
vo, temos graus de expansão de consciência, 
que são crescentes (Figura 2.1).
Isso significa que, a partir de nossa 
experiência de nos sentirmos inteiros e in-
divisos, podemos, como seres humanos, tan-
to nos distanciarmos em graus do contato 
conosco, quanto fortalecê -lo, igualmente 
em graus, de modo a se tornar expansão 
de consciência. Ou seja, tomando -se por re-
ferência o estado do contato, ele pode ser 
muito restringido ou muito ampliado, com 
todas as variações intermediárias. Assim, a 
noção que temos de nós próprios é variável 
em conformidade com os graus de contato 
com o ser interior. Com a diminuição do 
contato a noção de si mesmo poderá se des-
focalizar, se afastar ou se perder; com o au-
mento do contato, ela poderá se tornar cla-
ra e distinta, assim como proporcionar uma 
abertura a experiências novas e vitais. Entre 
o ponto zero e o infinito negativo temos o 
domínio da sensorialidade e da fragilidade, 
com todas as consequências em termos de 
perturbações psíquicas. Entre o ponto zero e 
o infinito positivo está o domínio das formas 
mais elaboradas de alargamento mental, en-
tre as quais a experiência de imaterialidade 
(Figura 2.2).
A mobilidade psíquica percorre em 
graus o eixo do contínuo de contato, acom-
panhando o estado do contato. Quanto mais 
este se distanciar do ponto zero em direção 
ao infinito negativo, menor será a mobili-
dade psíquica e maior será a tendência ao 
inanimado (por conta da sensorialidade ou 
da fragilidade que virão se instalar). Por ou-
tro lado, quanto mais alargado, abrangente 
e profundo for o contato, maior será o grau 
de mobilidade psíquica e, portanto, maior 
será o grau de expansão de consciência, em 
que as qualidades das experiências sofrem 
os efeitos da não sensorialidade, iluminan-
do o self. Aqui, o contato é um fator que se 
coloca não mais sob a óptica dos déficits, 
mas dos acrescentamentos à experiência de 
Figura 2.1
Campo	de	variação	dos	graus	de	contato	com	o	ser interior, indicando áreas de distanciamento de contato 
e de expansão de consciência, desde a experiência de inteireza.
–	∞	 +	∞
ex
pe
riê
nc
ia
de
 in
te
ire
za
Eixo do contínuo de contato
graus	de	distanciamento
de contato
graus	de	expansão	de
consciência
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24 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
inteireza. Desse modo, podemos considerar 
que a atitude lúdica, dependente da mobi-
lidade psíquica, seja um elemento variável 
no eixo de contínuo de contato com o ser 
interior, sofrendo variações em graus entre 
o ponto zero e o infinito positivo (Figura 
2.3). Por oposição à área de predominância 
da sensorialidade e da fragilidade, a área de 
manifestação da atitude lúdica se define por 
meio dos elementos da experiência de ima-
terialidade (Trinca, 1999; 2006; 2008).
ExPERiênCiA DE 
iMATERiALiDADE
Como compreender essa experiência? Quan-
to mais elevados forem os graus de contato, 
desde a experiência de inteireza, mais o self 
tende a sofrer a influência e a ser inundado 
pela luz do ser interior de natureza não sen-
sorial. A experiência de imaterialidade cor-
responde a graus avançados dessa influên-
cia e ocorre por conta de grande abertura 
no plano da consciência. Em determinado 
grau da profundidade de contato, cessam as 
turbulências e os conflitos que são próprios 
da sensorialidade e da fragilidade, vindo a 
se apresentar um amplo espaço aberto na 
mente, despertado pelas condições não sen-
soriais presentificadas no self. Emerge, por-
tanto, um espaço interno vivo, em estado de 
espontaneidade, leveza, colorido, movimen-
to, brilho, limpidez, eteridade, abrangência, 
entre outros aspectos. Nessa profundidade 
do ser, podemos descobrir nossa verdadeira 
natureza humana, numa condição de aber-
tura, receptividade e acolhimento, com o 
alargamento da percepção e da compreen-
são dos fatos.
Como o encontro profundo com nosso 
ser é vivido o mais possível sem interferên-
cias ou entraves, as coisas e situações ten-
dem a se mostrar como verdadeiramente 
Figura 2.2
Campo de variação da mobilidade psíquica, indicando áreas de predominância da sensorialidade e da fra-
gilidade	do	self, bem como da experiência de imaterialidade.
–	∞	 +	∞
ex
pe
riê
nc
ia
de
 in
te
ire
za
Mobilidade psíquica
graus	de	sensorialidade
e	de	fragilidade	do	self
graus	da	experiência	de
imaterialidade
Figura 2.3
Campo de variação da atitude lúdica (sobreposto ao campo de variação da expansão de consciência).
–	∞	 +	∞
ex
pe
riê
nc
ia
de
 in
te
ire
za
Atitude lúdica
tendência ao inanimado área da atitude lúdica
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LudodiAgnóstiCo 25
são no vazio, por assim dizer, de sensoria-
lidade e de fragilidade. Assim, as proprie-
dades imateriais que não são separadas das 
realidades fenomênicas (quando existentes 
no plano da realidade) têm melhores condi-
ções de se fazerem presentes. Um universo 
que não é aquele produzido por nosso fun-
do de impressões sensoriais assoma à cons-
ciência. O encontro do próprio ser em sua 
profundidade faz encontrar a profundidade 
do mundo.
Por exemplo, se experimentamos luz 
interior, podemos melhor perceber a luz 
exterior. Se a luz interior é transfigurada, a 
exterior banha os objetos de uma luz preter-
natural. Então, é possível descobrir verda-
deiramente o mundo. A princípio, pode -se 
duvidar da realidade dessa percepção, mas 
depois se sabe que a realidade é mais pro-
funda que a banal. Encontra -se o que está 
fora com o olho interior, e o que está fora 
pode ser percebido porque o que está dentro 
se acha preparado. O mundo exterior é en-
contrado em sua fisionomia original e ines-
perada por aquele que consegue ver – e o 
que vê é o real transfigurado. A luz interior 
encontra a luz exterior num nível de reali-
dade mais profunda.
Desse modo, dar sentido à vida é uma 
condição que depende do contato com o 
próprio ser. Os sentidos variam de acordo 
com os graus de contato, de sorte que é 
possível encontrar o espaço dos sonhos, o 
sentimento de presença de vida, a imagina-
ção criadora, as imagens primordiais espon-
tâneas, a radiância do mundo, o espaço do 
silêncio interior, o espaço de perplexidade e 
tudo o mais.
COnCLuSãO
A atitude lúdica não é outra coisa senão a 
emergência à consciência do mesmo espaço 
aberto na mente pela presença alargada e 
profunda de nosso ser. Ela consiste em aju-
dar a descobrir a profundidade contida em 
cada ser. Diz respeito a acompanhar e aco-
lher com o coração, ir a fundo no contato 
e receber o fundo dos abismos, o fundo da 
vida e o fundo do universo. Humano ou não 
humano, cada ser comunga com a raízes do 
universo, sendo composto de enigma, mis-
tério e abismo. Sua face invisível tende a 
tomar forma de modo lúdico, porque é em 
liberdade e em espontaneidade que as coi-
sas são criadas, a fim de serem contidas no 
ser e na vida que elas têm.
REFERênCiAS
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blicada em 1953).
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3
As bases neurofisiológicas do brincar
JoAo Augusto figueiró
O Dicionário Houaiss da Língua Portu­
guesa (2001) conceitua brincar como um 
verbo transitivo indireto e intransitivo e 
traz 13 definições para o termo, dentre os 
quais ressalto “distrair -se com jogos infan-
tis, representando papéis fictícios, entreter-
-se com um objeto ou uma atividade qual-
quer; agitar -se, menear, tamborilar, mexer 
em algo distraidamente, por compulsão 
ou para passar o tempo, não falar a sério; 
gracejar, fazer zombaria; debochar, não de-
monstrar interesse; não dar importância; 
não levar (algo) a sério, agir de modo exi-
bido ou intrometido, agir com leviandade 
ou imprudência, tirar gozo, distração ou 
proveito; desfrutar”. Traz também algumas 
derivações de sentido figurado como “fazer 
algo sem notar, sem fazer esforço, lidar de 
maneira inconsequente com coisas sérias 
ou perigosas, fazer algo com facilidade, 
sem esforço, ser ágil e esperto na tomada 
de providências, na resolução de questões, 
em executar um trabalho (como em ‘fazer 
algo brincando’)” e apresenta como sinô-
nimos “divertir -se, distrair -se, entreter -se, 
folgar, gracejar, zombar”. Pode -se observar 
nestas definições selecionadas o caráter de 
frivolidade, de não seriedade e mesmo pe-
jorativo atribuído à atividade.
Brincar é coisa séria e, como diz a 
psicopedagoga Dra. Sandra Kraft do Nasci-
mento da Associação Brasileira de Brinque-
dotecas, “o brincar é tão importante para a 
criança como trabalhar é para o adulto”. O 
brincar torna a criança ativa, criativa e lhe 
dá oportunidade de se relacionar com os 
outros; também a faz feliz e, por isso, mais 
propensa a ser bondosa, a amar o próximo, 
a ser solidária. A criança não é um adulto 
que ainda não cresceu. Ela tem caracterís-
ticas próprias. Para alcançar o pensamento 
abstrato do adulto, ela precisa percorrer to-
das as etapas de seu desenvolvimento físico, 
cognitivo, social e emocional. Seu primeiro 
apoio nesse desenvolvimento é a família. 
Posteriormente, esse grupo se amplia com 
os colegas de brincadeiras e a escola.
Brincando, a criança desenvolve po-
tencialidades; ela compara, analisa, no-
meia, mede, associa, calcula, classifica, 
compõe, conceitua, cria, deduz, estimula e 
desenvolve a capacidade de concentração, 
favorece o equilíbrio físico e emocional, dá 
oportunidade de expressão, desenvolve a 
criatividade, a inteligência e a sociabilida-
de, enriquece o número de experiências e de 
descobertas, melhora o relacionamento com 
a família, entre muitas outras coisas. Sua so-
ciabilidade se desenvolve; ela se aproxima 
de outras crianças, dos familiares, de outros 
adultos e cuidadores, faz amigos, aprende a 
compartilhar e a respeitar o direito dos ou-
tros e as normas estabelecidas pelo grupo, 
e a envolver -se nas atividades apenas pelo 
prazer de participar, sem visar recompensas 
nem temer castigos. Brincando, a criança 
estará buscando sentido para sua vida. Sua 
saúde física, emocional, intelectual, mental 
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LudodiAgnóstiCo 27
e social depende, em grande parte, dessa 
atividade lúdica. Cunha (2007), presidente 
da Associação Brasileira de Brinquedotecas 
destaca, além disso, a importância dos espa-
ços de brincadeira como oportunidade para 
a criança “mergulhar” em seu brinquedo sem 
cobranças de desempenho. Para a autora, 
“alimentar a inteligência e a criatividade da 
criança com a brincadeira é tão importante 
quanto alimentar o corpo com comida”. Os 
jogos e as brincadeiras podem, além disso, 
auxiliar na identificação de dificuldades de 
aprendizado, alterações do desenvolvimen-
to, no diagnóstico de determinadas condi-
ções comuns da criança e como auxiliar no 
tratamento, na melhoria da aceitação dos 
procedimentos médicos, da tranquilização, 
da qualidade de vida e prognóstico, bem 
como nas internações hospitalares. Durante 
a brincadeira, é possível observar a capaci-
dade de memorização da criança, suas an-
siedades e seus medos, sua forma de lidar 
com o erro, seu nível de atenção e seu foco 
nas atividades.
O brincar também tem suas etapas 
de desenvolvimento cognitivo, emocional 
e social. A criança começa a brincar sozi-
nha, manipulando partes do próprio corpo 
e objetos. Posteriormente, procurará compa-
nheiros para as brincadeiras paralelas (cada 
um com seu brinquedo). A partir daí, de-
senvolverá o conceito de grupo e descobrirá 
os prazeres e frustrações de brincar com os 
outros, crescendo emocionalmente. Brincar 
em grupo evita que a criança se desestimule, 
mesmo quando ainda não desenvolveu ple-
na capacidade de brincar junto. Ela aprende 
a esperar sua vez e a interagir de forma mais 
organizada, respeitando regras e cumprindo 
normas. Com os grupos, ela aprende que, se 
não encontrarmos uma forma eficiente de 
cooperar uns com os outros, seremos todos 
prejudicados, além das vantagens da coope-
ração. A vitória depende de todos. Aprende-
-se a ganhar e a perder. A atividade lúdica 
promove entusiasmo, prazer e a alegria do 
compartilhamento. A criança fica alegre, 
vence obstáculos, desafia seus limites, des-
pende energia, desenvolve a coordenação 
motora e o raciocínio lógico, adquire mais 
confiança em si e aprimora seus conheci-
mentos, competências, forças, talentos e 
habilidades. É com este foco que iremos de-
senvolver nossas ideias, trazendo algumas 
contribuições cientificas ao entendimento 
da importância do brincar no desenvolvi-
mento humano e na cidadania.
Sabemos, hoje, que o adolescente e o 
adulto resultam de sua própria natureza, 
das figuras parentais, da família, dos gru-
pos sociais em que viveu e vive, da escola, 
da cultura e da sociedade com seus valo-
res, crenças, normas e práticas. Ressalta-
-se nesse processo o papel fundamental da 
primeira infância que, junto com o período 
gestacional, representa o principal momen-
to de estruturação neuropsicológica e social 
do individuo e, entre as práticas, ressaltam-
-se as atividades lúdicas como um dos pi-
lares mais importantes do desenvolvimento 
infantil. O cérebro é vulnerável aos efeitos 
adversos do ambiente e é, igualmente, sus-
ceptível aos efeitos positivos de ambientes 
ricos, afetivos e equilibrados de aprendiza-
gem e à boas relações de cuidado. Brincar é 
um aspecto importante do desenvolvimento 
neurocomportamental, mas não sabemos 
ainda exatamente por quê. Está relacionado 
à atividade cerebral, mas não sabemos exa-
tamente como, e é observado em muitas es-
pécies além do Homo sapiens e não sabemos 
exatamente em quantas e em quais.
O que é o brincar? O que ele pode pro-
meter? Porque brincamos? Qual a relação 
entre o brincar motor e comportamental 
com o brincar mental (fantasia, imaginação, 
ensaios cognitivos)? Quais as raízes biológi-
cas, evolutivas, ontogenéticas e a causa e a 
função do brincar? São muitas as questões 
que ainda precisamos pesquisar mais, escla-
recer e responder. Ainda hoje, o brincar está 
associado a comportamento frívolo, sem 
importância, sem propósito específico, por 
vezes tomado como inútil e improdutivo, 
desnecessário, uma distração, uma perda 
de tempo desvinculado de utilidade social 
e produtiva.
Brincar é uma atividade séria, pois é 
importante para o desenvolvimento social e 
cognitivo, da mesma forma que outras ne-
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28 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
cessidades básicas como dormir, repousar e 
comer.
A importância do brincar para o de-
senvolvimento cerebral e desenvolvimento 
infantil, sem dúvida, irá influenciar famílias, 
escolas e outras instituições sociais e corpo-
rativas e reorganizará suas atitudes e priori-
dades relativas ao próprio brincar, recreios, 
intervalos, educação física, música, jogos, 
arte e interações pessoais ricas entre cuida-
dores e crianças. O brincar tem uma impor-
tante função adaptativa. A observação das 
brincadeiras em animais mostra os desdo-
bramentosda progressiva complexidade do 
brincar como parte integral do desenvolvi-
mento e da aquisição de competências e ca-
racterísticas como alegria, valor, liberdade, 
prazer, voluntariedade e urgência, livre de 
limites de tempo, improviso, perda da auto-
consciência. Trata -se de um comportamento 
automotivado, não dirigido à objetivos, es-
pontâneo e livre de regras estabelecidas por 
adultos tendo propósitos, funções evolutivas 
e mecanismos nos seres vivos observados. 
Salienta -se aqui a função do adulto como 
base segura no comportamento, permane-
cendo fora do campo do brincar e interfe-
rindo somente nos excessos. Sabemos que 
o brincar predomina em mamíferos carnívo-
ros e primatas, mas também é encontrado 
em algumas aves como periquitos, corvos e 
gralhas, em tartarugas, lagartos e lagartixas, 
diversos peixes e octópodes e mesmo artró-
podes. Facilitam o brincar a presença de há-
bitos carnívoros, estilo de vida muito ativo, 
comportamento social complexo e tamanho 
corporal relativamente grande. Entretanto, 
o brincar não é tardio na evolução, prece-
dendo a divisão vertebrados/invertebrados. 
Talvez exista em nosso planeta há mais de 
um bilhão de anos!
Em humanos, podemos observá -lo 
nos movimentos expressivos e aleatórios do 
bebê, posteriormente na exploração livre 
do ambiente do engatinhante, nas ativida-
des construtivas, imaginativas e simulativas 
do pré -escolar, nos jogos de perseguição, 
competitivo -cooperativo, organizados da 
criança em idade escolar. Todas, expressões 
criativas do brincar.
CRiTéRiOS PARA 
DEFiniçãO DO BRinCAR
Os critérios para se definir o brincar são ba-
seados na literatura de espécies animais e 
humanos e contemplam diferentes orienta-
ções metodológicas: fisiológicas, cognitivas, 
sociológicas, desenvolvimentais, etológicas, 
etc. São eles:
 1. O comportamento expresso não é comple­
tamente funcional na forma e contexto no 
qual é expresso, isto é, inclui elementos 
ou é dirigido a estímulos que não con-
tribuem para a sobrevivência. Este crité-
rio reconhece uma importante utilidade, 
embora não focando diretamente na so-
brevivência, como ocorre com o comer e 
o lutar;
 2. O comportamento é espontâneo, volun-
tário, intencional, prazeroso, gratificante 
e autotélico (feito por/para si mesmo). 
Somente um desses termos precisa ser 
aplicável. Este critério também contem-
pla os concomitantes afetivos e emocio-
nais do brincar, mas não o torna essen-
cial para o seu reconhecimento;
 3. Difere das performances “sérias” dos 
comportamentos etotípicos em pelo me-
nos um aspecto: a incompletude (geral-
mente através da inibição dos elementos 
finais), o exagero, por ser desajeitado, o 
requinte, o envolvimento com signos, a 
reversão de papéis, outros padrões com-
portamentais com formas modificadas, 
sequenciamento ou objetivos. Elemento 
comum deste critério é que exista uma 
diferença estrutural e temporal com rela-
ção aos comportamentos ditos “sérios”;
 4. É repetidamente observado durante pelo 
menos uma boa parte da vida do animal 
ou dos humanos. Este critério também 
diferencia respostas transitórias aos es-
tímulos ou ambientes novos do brincar 
que pode suceder tais comportamentos 
exploratórios iniciais;
 5. Inicia somente quando o animal está ade-
quadamente alimentado, saudável e livre 
de estresse (ameaça de predadores, más 
condições ambientais, superpopulação, 
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LudodiAgnóstiCo 29
instabilidade social) ou motivações com-
petitivas intensas (alimentares, reprodu-
tivas, recursos, construção de ninhos). O 
animal ou criança precisa se encontrar 
em um campo relaxado ou se sentir psi-
cologicamente seguro. Este critério con-
textual é essencial para a ocorrência do 
brincar, dado que é um dos primeiros 
tipos de comportamento a ser extinto 
quando o animal ou criança é ameaçado, 
tem fome, é maltratado ou exposto a cli-
ma desagradável.
Considerando tais pressupostos, pode-
mos definir o brincar como um comporta-
mento repetitivo funcionalmente incomple-
to, diferente estrutural, contextual e ontoge-
néticamente das versões comportamentais 
mais funcionais, iniciado voluntariamente 
quando o animal está em um ambiente/
contexto relaxado e livre de estresse. Todo 
o brincar de uma criança deve se ajustar a 
este critério. Se uma criança é obrigada a 
brincar, esta atividade infantil deixa de ser 
brincar. Isso é importante, pois muitas ativi-
dades altamente estruturadas têm progres-
sivamente substituido o livre brincar desor-
ganizado em muitos contextos hoje ofereci-
do às crianças.
Tradicionalmente, têm sido poucas 
e tardias as pesquisas sobre o brincar. Um 
dos pioneiros foi Freud (1920) com a des-
crição das brincadeiras de for da. As pesqui-
sas, de um modo geral, ainda subvalorizam 
as consequências da privação do brincar 
em crianças saturadas por agendas e tem 
demonstrado a complexidade das informa-
ções obtidas principalmente por estudo em 
ratos e camundongos – refletindo a nature-
za multifacetada do processo. Ressaltam a 
complexidade em muitas outras espécies e 
constantemente reafirmam a importância 
do brincar como uma atividade fundamen-
tal para todos os que acalentam o brincar 
infantil e juvenil.
Brincar está em nosso organismo, pa-
rece estar under the skin, como afirmam os 
canadenses Pellis & Pellis (1987, 2005). Ra-
tos criados socialmente com oportunidades 
normais para brincar de lutas apresentam 
resposta de estresse menos prolongada em 
situações indutoras de ansiedade do que 
aqueles criados em isolamento, que são in-
capazes de acalmarem a si mesmos. Brown 
(1998) do National Institute for Play afirma:
Brincar é como nós somos feitos, como 
nos desenvolvemos e nos ajustamos a mu-
danças; permite que expressemos nossa 
alegria e nos conecta mais profundamente 
com o melhor de nós mesmos e dos ou-
tros; é a forma mais pura de expressão de 
amor. Quando um número suficiente de 
pessoas elevar o brincar ao status que ele 
merece em nossas vidas, veremos que o 
mundo será um lugar melhor para viver.
As pesquisas têm demostrado que cé-
rebros grandes não necessariamente predi-
zem a capacidade para brincar, mas permi-
tem maior complexidade desde que sejam 
dadas as condições adequadas. Por exem-
plo: uma criança que evoluir de empurrar 
um bloco em uma mesa a simular que é um 
carro está usando mais córtex, indicando o 
uso de maior potencial. Ratos podem brincar 
mais do que primatas, mas o escopo é mais 
limitado. As brincadeiras de luta, tão repro-
vadas hoje, permanecem um tema bastante 
ignorado e frequentemente desencorajado, 
corresponde à forma dominante de brincar 
nas espécies, permite tornar -se competen-
te com a ambiguidade social, uma função 
fundamental melhorando a capacidade de 
leitura das dicas sociais e entendimento das 
nuances da agressão x ludicidade e colabo-
ra na organização de respostas adequadas. 
Essas habilidades conduzem às competências 
sociais, à definição de dominâncias em hu-
manos e não humanos e em como ser compe-
tente em ser ambíguo e explicam a posterior 
evolução para formas verbais de brincadeiras 
de lutas em humanos, a inclusão de comentá-
rios “cabeludos”, a diferenciação do ambíguo 
na evolução para a dominância social e em 
navegar na ambiguidade social oferecendo 
um novo olhar para a agregação social.
Os estudos mostram que os machos 
se envolvem mais em brincadeiras de lutas. 
Por que então as fêmeas, que lutam menos, 
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são socialmente mais competentes? Possi-
velmente, o sucesso reprodutivo das fêmeas 
dependerá mais de competências sociais, 
assim seu cérebro provavelmente já contém 
hardware com mais competências sociais 
que os machos e é menos dependente da 
experiência para desenvolver estas habili-
dades.
Está bem demonstrado que o brincar 
favorece o desenvolvimento emocional. Por 
seu intermédio, mantemos sentimentos de 
prazer. Existem evidências anedotais de 
que, com brincar suficiente, nosso cérebrofunciona melhor, com fomento da criativi-
dade, do prejuízo da falta do brincar na vida 
adulta e da importância do reconectar com a 
alegria experimentada em algum momento 
anterior de nossas vidas. Expor -se ao brin-
car, permitir -se para brincar, entender que 
nem toda a brincadeira será divertida ou 
fácil, ser proativo e propor o início da brin-
cadeira, encontrar locais seguros que permi-
tam ficar livre de medo ou receio, nutrir e 
alimentar a brincadeira e encontrar outros 
dispostos a brincar são tarefas para todos os 
adultos tanto em suas próprias vidas como 
de suas crianças. O que vemos, em geral, são 
adultos sobrecarregados com suas tarefas e 
circunstâncias de vida que não veem o brin-
car como um caminho para uma vida mais 
balanceada e equilibrada. Portanto, criar 
oportunidades de dialogar sobre o tema e 
de introduzi -lo nas suas vidas e nas vidas 
das crianças é um dos passos fundamentais 
para uma vida com melhor qualidade. Frost 
& Jacobs, em estudo publicado em 1996, 
mostraram que a privação de oportunidades 
de brincar livremente em crianças pode fa-
vorecer a violência juvenil.
Sabemos que as crianças tem come-
tido um número rapidamente crescente de 
crimes cada vez mais violentos e com idades 
inferiores. Este aumento da violência juve-
nil é um grito por segurança e pertencimen-
to. As crianças necessitam compartilhar a 
maior parte de seu tempo com adultos com 
valores positivos, cooperativos, amistosos, 
altruístas, zelosos, doadores, compartilhan-
tes, leais e apoiadores. O cuidado de adul-
tos atenciosos que as ajudem a desenvolver 
valores positivos, que respeitem seus senti-
mentos e ofereçam oportunidades ricas em 
ambientes livres para interações sociais e 
expressões criativas é uma necessidade in-
fantil inalienável.
O brincar sabidamente tem funções 
terapêuticas. O “Jogo do faz de conta” (Pia-
get, 1978) oferece à criança sentimento de 
controle sobre as suas experiências, inclusi-
ve as traumáticas, e podemos considerá -lo 
uma alternativa viável como um antídoto 
para a violência. Entende -se a violência 
como um grito por atenção e ajuda, força e 
controle. As crianças que cometem atos vio-
lentos necessitam desesperadamente ser ou-
vidas, saber que alguém as está ouvindo e se 
preo cupa. Elas não levantam um dia e sim-
plesmente decidem que serão violentas ou 
agressivas. O que temos visto é o “bombar-
deio” de muitas horas de televisão por dia, 
games e filmes intermináveis com conteúdos 
violentos, sexualmente explícitos, que escul-
pem valores e comportamentos prejudiciais 
e que roubam das crianças a oportunidade 
do brincar e do jogar tradicional, além de 
agendas apertadas com pouco tempo para 
o livre brincar em crianças que perderam 
a liberdade de escolher onde, com quem 
e quando brincar. Uma das conse quências 
deste cenário é a violência juvenil.
Quanto aos espaços físicos, a maioria 
dos parques públicos, escolas e playgrounds 
de centros infantis são perigosos e mal equi-
pados, as escolas encurtaram e eliminaram 
recreios sob a pressão da excelência acadê-
mica. Consequentemente, as crianças não 
podem mais rodar livremente com relativa 
segurança em sua vizinhança, brincar com 
amigos de autoescolha e interagir com adul-
tos que encontram espontaneamente. Difi-
cilmente encontram e experimentam as ma-
ravilhas de uma fazenda e/ou da natureza, 
raramente tem acesso a ambientes selvagens 
ou naturais intocados ou mesmo playgrounds 
criativos e desafiadores que estimulem a 
imaginação, aperfeiçoe habilidades e criem 
sensação de admiração e maravilhamento. 
Além disso, precisam lidar com a paranoia 
de permanecer em espaços fechados com 
portas fechadas, sem falar com estranhos, 
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LudodiAgnóstiCo 31
experimentando solidão e isolamento. Nos 
parques com pais, suas atividades são fre-
quentemente restritas pela escassez de ou-
tras crianças para brincar, pela falta de brin-
quedos e de brinquedos compartilháveis e 
pela abundância de equipamentos inseguros 
e inadequados para a idade.
O BRinCAR E A nEuROCiênCiA
A partir de 1960, muitos cientistas concluí-
ram por meio de estudos em animais e hu-
manos, que a primeira infância e a infância 
como um todo eram períodos ótimos para o 
desenvolvimento cerebral e que o cérebro é 
mais moldável e influenciável por estimula-
ção ambiental do que se imaginava anterior-
mente. Em 1961, Hunt desafiou o conceito 
de inteligência fixa e inata, e Piaget, em toda 
a sua obra, comprovou e fundamentou a im-
portância do meio na construção das estru-
turas mentais, logo, possibilitou a afirmação 
de que a estimulação da criança em ambien-
tes lúdicos diversos durante a infância leva-
ria a um maior desenvolvimento intelectual. 
Frost (1996), após descrever as transmis-
sões eletroquímicas e o aumento do numero 
de sinapses durante os três primeiros anos 
de vida de uma criança, concluiu que as ex-
periências precoces de uma criança tem um 
papel crítico na determinação da arquitetu-
ra cerebral, na amplitude e qualidade das 
habilidades intelectuais da criança. Ou seja, 
os caminhos que são repetidamente ativados 
ou usados tendem a ser protegidos e manti-
dos na vida adulta. O desenvolvimento ce-
rebral é, então, realmente um processo de 
“use ou perca” e experiências precoces de-
terminam que neurônios serão utilizados e 
quais irão morrer e, consequentemente, se a 
criança será brilhante ou estúpida, confian-
te, segura ou medrosa, articulada ou inibi-
da. Stroufe confirmou a relação entre trans-
tornos do apego e violência e mostrou que 
muito da violência nos Estados Unidos pode 
estar relacionada a falhas precoces no apego 
apropriado aos adultos. Negligência pelos 
pais, privação social, condições estressantes 
de vida e falta de estimulação apropriada 
coloca em risco o desenvolvimento cerebral 
precoce e pode resultar em comportamento 
social e emocionalmente imaturo, impulsi-
vidade, violência e redução dramática na 
capacidade posterior de aprendizado.
A relação entre o brincar e o desenvol-
vimento cerebral está demonstrada. Todos 
os mamíferos jovens saudáveis brincam. 
Portanto, pais humanos devem tanto iniciar 
a oferecer estrutura e orientações para o 
brincar sabendo que sua amplitude e com-
plexidade aumentam rapidamente à medida 
que os neurônios iniciam as interconexões 
estruturais em velocidades e taxas significa-
tivas.
Brincar programa a estrutura neuronal 
progressivamente mais complexa que, por 
sua vez, influencia e propicia brincares cada 
vez mais complexos. Os jogos, brincadeiras e 
frivolidades animais e humanas precoces os 
equipam com as habilidades que serão ne-
cessárias futuramente na vida. Eles apreen-
dem flexibilidade, inventividade, criativida-
de e versatilidade, praticam habilidades mo-
toras, linguagem e negociação, engajam -se 
em análise de tarefas socialmente e cultural-
mente mediadas e na resolução de proble-
mas progressivamente mais complexos du-
rante suas brincadeiras. Brincar é, portanto, 
essencial para o desenvolvimento saudável. 
Experiências da primeira infância exercem 
um impacto dramático e preciso na estru-
turação da circuitaria neuronal. Durante os 
primeiros anos, é a atividade lúdica, sem 
instruções dirigidas, isolamento, privação 
ou abuso que representará uma diferença 
positiva no desenvolvimento cerebral e fun-
cionamento humano subsequente. Crianças 
que não brincam ou são raramente tocadas 
desenvolvem cérebros 20 a 30% menores do 
que o normal para a idade. Privação do brin-
car resulta em comportamento aberrante. 
Brown (1998) estudou 26 assassinos sen-
tenciados no Texas e observou que ou eles 
relatavam ausência do brincar na infância 
ou envolviam -se, neste período, em brincar 
anormal como bullying, sadismo, crueldade 
com animais ou no caçoar externo.
Neurocientistas têm demonstrado evi-
dência física, através de neuroimagens 
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funcionais, a consequência relativa da esti-
mulaçãoou negligencia ambiental. Os jogos 
e brincadeiras infinitos que os jovens pra-
ticam, na realidade, auxiliam a programar 
o cérebro para habilidades da linguagem, 
arte, música, matemática, relações inter-
pessoais, motoras, cognitivas e inteligência. 
Brincadeiras infantis imaginativas e jogos 
de faz de conta são formas poderosas que 
 viabilizam que eventos complexos e assus-
tadores se tornem compreensíveis e manejá-
veis. Portanto, os adultos devem prover ex-
periências que preparem a estrutura neural 
para as habilidades que precisam ser alcan-
çadas em um contexto afetivo de cuidado e 
apoio.
Frost (1998) faz as seguintes recomen-
dações:
 1. Inicie cedo – na concepção, envolvendo 
dois adultos saudáveis;
 2. Gaste muito tempo brincando com a 
criança – para um apego seguro e for-
mação de vínculos;
 3. Seja positivo, brincalhão, caloroso e nu-
tridor – apoie desenvolvimento cerebral 
saudável;
 4. Preste atenção no desenvolvimento mo-
ral da criança – definindo a vez, dividin-
do, ouvindo;
 5. Desafie a criança, mas não além da am-
plitude de suas habilidades e capacida-
des – faça o brincar factível;
 6. Abrace a criança – toque, acaricie, afa-
gue, abrace e balance suavemente para 
a frente e para trás;
 7. Fale com a criança – responda aos seus 
arrulhos e balbucios;
 8. Introduza música e arte precocemente 
– toque música suave, calmante e clássi-
ca;
 9. Substitua a televisão por brincadeiras, 
arte, música, e passeios familiares;
 10. Torne sua casa livre de drogas – modele 
comportamentos livres de drogas para a 
criança;
 11. Ofereça cubos, bolinhas, areia, água, 
instrumentos simples, potes, baldes, pa-
nelas, roupas e outros materiais simples 
em intervalos apropriados de tempo;
 12. Proteja a criança de estresse e trauma, 
incluindo “pitos” agressivos;
 13. Não hiperestimule a criança com brin-
quedos demais e muita fala sem sentido 
ou significado;
 14. Leia para a criança, cante com a crian-
ça e brinque com jogos simples todos os 
dias;
 15. Não aceite o padrão crescente de re-
duzir ou eliminar intervalos e recreios, 
educação física, artes e música da edu-
cação.
BRinCAR, REgRAS 
E RESiLiênCiA
O brincar e a imaginação são ferramentas 
importantíssimas na construção da resiliên-
cia. Resiliência é a capacidade universal que 
permite que uma pessoa, grupo ou comu-
nidade evite, minimize ou supere os efeitos 
danosos das adversidades. E o brincar for-
nece um contexto integrativo essencial para 
o desenvolvimento de uma criança resilien-
te. Essa atividade foca no desenvolvimento 
sensório motor (sensações corporais, movi-
mentos, objetos e pessoas) no faz de conta 
(planos, papéis, transformam objetos en-
quanto expressam ideias e sentimentos so-
bre o mundo social) e nos jogos com regras 
(envolve dois ou mais lados, competição, 
critérios acordados para declarar um vence-
dor). Vygotsky (1978) afirmou que toda a 
função no desenvolvimento infantil ocorre 
primeiro no nível social e depois individual. 
Portanto, o contexto no qual a criança vive 
e brinca é crítico para o desenvolvimento da 
resiliência. Como a criança desenvolve en-
tendimento das regras, limites e expectati-
vas elevadas são características das pessoas 
resilientes, pois praticamente todo brincar 
tem regras implícitas ou explicitas. À medi-
da que o brincar se torna mais complexo, as 
regras se tornam mais explícitas. O brincar 
dramático com suas regras implícitas é o 
alicerce para jogos com regras mais expli-
citas. As regras implícitas do jogo dramáti-
co determinam papéis e comportamentos. 
As crianças seguem estas regras até que o 
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LudodiAgnóstiCo 33
conflito se estabeleça entre os jogadores. A 
criança, então, irá afirmar seu ponto de vis-
ta da regra que deverá governar o compor-
tamento de seu personagem. Neste confron-
to, aprende que suas regras são diferentes 
das dos outros e inicia o processo de nego-
ciação. Desenvolver a capacidade de ajustar 
expectativas para si e para o(s) outro(s) só 
pode ocorrer na presença do(s) outro(s).
Surge o dar e receber, cuidado e apoio, 
aprender a conviver com os outros, praticar 
amar e ser amado, brincar de cuidar e dar 
apoio ajuda a criança construir autoestima 
e a assegura que ela é amável e amada. 
Werner (2001), em estudos realizados en-
tre 1955 e 1985, demonstrou que adultos 
sem maiores problemas tinham pelo menos 
uma pessoa que os aceitava incondicional-
mente como eles eram e a criança tinha pelo 
menos uma habilidade que lhe dava o sen-
timento de orgulho e aceitação entre seus 
pares. Crianças que entram na escola sem 
ter estes traços podem desenvolvê -los atra-
vés de intervenções adequadas. Entretanto, 
crianças que tinham alguém que comuni-
cavam expectativas elevadas, estabeleciam 
limites e ajudavam a aprender comporta-
mentos adequados tinham maior probabili-
dade de serem resilientes, favorecia o esta-
belecimento de relações de cuidado, sabiam 
com maior facilidade que podiam amar e ser 
amados.
A autoestima se desenvolve se as crian-
ças tiverem oportunidades de brincadeiras 
onde elas possam receber recompensas e re-
conhecimento por seus esforços, sendo pré-
-condições: viver expectativas elevadas, ter 
relações de cuidado e participar de ativida-
des que ofereçam significado. Assim, estas 
crianças podem “driblar” a adversidade e 
curar a si mesmas com muito mais facilida-
de e independência. Deste modo, cuidado e 
apoio, expectativas elevadas e participação 
significativa são áreas importantes no de-
senvolvimento e consolidação da resiliência. 
É fundamental que pelo menos uma pessoa 
ofereça apoio seguro no desenvolvimento 
positivo da criança. O apoio mais comum 
fora da família é o do professor, que ofere-
ce orientação educacional mas também um 
modelo de papel de apoio positivo em ou-
tras áreas da vida. Ele habitualmente tem 
condições de oferecer um ambiente seguro 
para o brincar infantil. A criança precisa 
saber e sentir que está protegido de forças 
exteriores e que um adulto a irá proteger, se 
necessário.
Os promotores de resiliência estão 
alertas a qualquer sinal de bullying ou 
maus -tratos da criança que brinca e não 
permitirão que a criança seja tratada com 
desrespeito. Acreditam na aprendizagem 
coletiva e na comunidade de aprendizes 
onde as crianças são estimuladas a apoiar 
uns aos outros, ouvir efetivamente e hon-
rar os pontos de vista que diferem dos seus 
próprios, ensinam estratégias de resolução 
de conflitos, estão alertas a quaisquer sinais 
de abuso ou negligência e procuram ativa-
mente apoiar a criança se a situação exige, 
estabelecendo limites que a mantém segura. 
Isso não implica intervenção física, mas es-
tabelece limites e modela comportamentos 
apropriados, com atenção pessoal e positiva 
ajuda a criança desenvolver autoestima e 
reforça aspectos positivos do comportamen-
to infantil, ensinando a pedir ajuda quando 
necessário. Os adultos frequentemente pres-
supõem que as crianças saibam que podem 
pedir ajuda e que saibam como fazê -lo. É 
importante ter em mente que expectativas 
elevadas não excluem pedir auxílio quan-
do necessário. Os adultos devem modelar o 
pedir ajuda e praticar isso com as crianças 
no contexto da brincadeira e aproveitar as 
oportunidades emergentes para a resolução 
de problemas. É importante que os adultos 
ofereçam oportunidades para as crianças 
estabelecerem suas metas e decidir do que 
elas se orgulham e o que precisa ser reforça-
do por elas mesmas.
Crianças podem ser ensinadas ativa-
mente a sobreviver em face da adversida-
de, que elas têm forças interiores e que são 
resilientes. Por muito tempo sentimos pena 
das crianças e as tratamos como vítimas das 
circunstâncias. Pela explícita admiração de 
suas capacidades de enfrentamento, pode-
mos ajudá -las a ver que são fortes e podem 
lidar com os problemas que surgem. Se elas 
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se percebem como vítimas, irão atuar como 
vítimas.
O brincarpermitirá o aprendizado das 
expectativas para interações sociais mais efi-
cazes. É a prática da autonomia moral – ser 
governado por si mesmo e não por outros – 
decidir, por si mesmo, o que é justo e injusto. 
Participar de uma forma que dê significado 
é uma necessidade humana, na ausência a 
criança sentirá alienação e solidão. A oferta 
de oportunidades significativas de participa-
ção e na comunidade da brincadeira ajuda 
a construir resiliência. Frequentemente, a 
participação se restringe à atividades escola-
res e aos esportes. Importante, por exemplo, 
participar da criação das regras da classe, 
incluindo suas consequências em um am-
biente de brincar positivo, estruturado (mas 
não muito) com regras justas é um aspecto 
importante de um ambiente seguro. Pergun-
tar o que eles fazem melhor, por exemplo, 
e valorizar os talentos e capacidades além 
dos escolares e esportivos oferecendo opor-
tunidades para participar em grupos colabo-
rativos.
Playgrounds cooperativos bem organi-
zados estimulam relações sustentadas com 
seus pares. O reconhecimento pelo profes-
sor da importância de cada criança na brin-
cadeira traz uma perspectiva única para o 
grupo e fomentará a resiliência estimulando 
todos a gerar novas ideias e auxiliando -os 
na resolução de problemas, reforçando o di-
vidir a vez, ouvir os outros, solicitar ajuda, 
receber e oferecer auxílio. É também impor-
tante que a criança tenha tempo para brincar 
sozinha, pois oferece oportunidade de brin-
car sem ideias pré -concebidas sobre a forma 
correta. Pode ter uma experiência positiva 
que influencie seu autoconceito. Sentimen-
to de conseguir ou conquistar determinadas 
metas confere orgulho de si mesmo.
Brincar é um aspecto importante des-
te desenvolvimento, mas nós não sabemos 
exatamente porque; está relacionado à ativi-
dade cerebral, mas não sabemos exatamen-
te como; está presente em muitas outras 
espécies, mas não sabemos exatamente em 
quantas e quais. Está presente nos mamífe-
ros a ausente nos répteis. Por outro lado, as 
sociedades mais criativas parecem ser aque-
las capazes de oferecer recursos suficientes 
para subpopulações com tempo livre.
BRinCAR, OnTOgEniA 
E FiLOgEniA
Hoje, sabemos que a expressão fenotípica 
de um padrão de comportamento resulta 
de epigenética complexa: interações e feed­
backs de vários níveis, dos genes à síntese 
protéica (expressão genética) à práticas 
com portamentais e experiências sociais, a 
seleção pode operar em todos estes níveis e 
outros, pelo menos indiretamente e o brin-
car pode ter um profundo, embora sutil, 
papel na ontogenia e na filogenia comporta-
mental que nós estamos apenas começando 
a entender.
EVOLuçãO DO BRinCAR
Condições ecológicas e fisiológicas favore-
ceram o surgimento na evolução dos ver-
tebrados, de modo que o brincar evoluiu 
independentemente em várias linhagens de 
peixes, tartarugas, répteis escamados, croco-
dilos, aves, marsupiais e, virtualmente, em 
todas as famílias de mamíferos placentários. 
É claramente mais comum em mamíferos 
e pássaros, grupos com taxas metabólicas 
elevadas, endotermia, cuidados parentais 
e cérebros relativamente grandes. Brincar 
origina -se de padrões comportamentais ins-
tintivos cujo padrão e motivação são contro-
lados pelos gânglios da base do telencéfalo 
e estruturas do diencéfalo. A elevada taxa 
de alterações evolutivas nos animais endo-
térmicos, principalmente os mamíferos, no 
tamanho do genoma, tamanho do cérebro 
e complexidade comportamental é significa-
tiva e ainda não totalmente compreendida. 
O brincar pode ter sido uma das maiores in-
venções nessa rápida cascata evolutiva que 
conduziu a elevada complexidade cognitiva. 
Tais evoluções podem ter ocorrido partindo 
de respostas lúdicas em direção a empreen-
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LudodiAgnóstiCo 35
dimentos e funções mais “sérias”. Desta 
maneira, uma vez o comportamento lúdico 
tenha se transformado e fixado, ele sai do 
reino do brincar de acordo com os critérios 
definidos no inicio deste texto. A tese aqui 
defendida é que, após um período de reor-
ganização evolutiva na ontogenia compor-
tamental, acentuado pelo alongamento dos 
cuidados parentais, o brincar pode facilitar 
o rápido desenvolvimento comportamental 
e mental fornecendo fenótipos modificados 
que a seleção natural modela e elege.
Brincar, combinado com a necessida-
de de resolução de problemas, conduzirá a 
comportamentos novos e criativos como a 
imaginação dirigida, por exemplo, que en-
volve a substituição de objetos, parceiros 
e contextos fantasiados por “reais” conco-
mitante a comportamentos explícitos que 
irão promover a criatividade na criança. 
Entretanto, o brincar também pode refletir 
comportamentos deteriorados ou interrom-
pidos em seu desenvolvimento como ocorre 
com espécies domesticadas, como cães, que 
mantém comportamentos infantis indefini-
damente.
BRinCAR E CéREBRO
O brincar pode ser muito importante para 
o desenvolvimento cerebral, cognitivo e so-
cial. Muitos estudos e revisões confirmam o 
papel de várias partes do cérebro e da neu-
roquímica. Assim, o brincar envolve muitos 
sistemas neurais. A maioria dos estudos 
aborda o papel do cérebro em brincadei-
ras de lutas em ratos. Mesmo assim, muitas 
afirmações inferências podem ser feitas com 
relativa segurança sendo possível responder 
algumas questões sobre o substrato neural 
do brincar. A maior parte das evidências 
implica o cérebro anterior principalmente 
o telencéfalo. Algumas lesões hipotalâmicas 
diminuem o inicio e a manutenção do brin-
car e lesões talâmicas reduzem surtos de 
brincadeiras, mas não o seu inicio. Podemos 
ver que mesmo brincadeiras de luta em uma 
espécie simples apresentam um controle 
neural complexo e estágio -específico.
Estudos de lesão, 
estimulação e neuroimagem
A principal mensagem é que várias áreas do 
sistema nervoso estão envolvidas, variando 
de acordo com o tipo e diferentes aspectos 
de um determinado tipo de brincar, envol-
vendo aspectos sensoriais, perceptivos, mo-
tores, afetivos, cognitivos, comportamen-
tais, etc., e objetos, parceiros sociais, o pró-
prio corpo, a imaginação, etc. Deste modo, o 
brincar pode exagerar, estimular ou refinar 
outros sistemas desenvolvimentais. Lesões 
dos gânglios da base interferem no padrão 
motor e no padrão exploratório. O núcleo 
accumbens e putamen estão particularmente 
envolvido no brincar social. O sistema límbi-
co está envolvido nas respostas emocionais 
mais positivas do que o medo e raiva (estria-
to palidal) e pode modular estas respostas, 
está associado aos comportamentos aditivos 
e pode explicar o play addiction como vício 
em jogos, similar a dependências químicas. 
O brincar social, o comportamento afiliati-
vo (amígdala e cíngulo), contato físico do 
brincar (bonding) são todos dependentes 
do sistema límbico. Brincar é marcado por 
uma sequência de comportamentos deriva-
dos do repertório comportamental normal 
das espécies e o aprendizado é consolidado 
no hipocampo, que também está envolvido 
na orientação espacial e respostas afetivas. 
Ratos criados em ambientes ricos em obje-
tos para interagir têm 15% mais neurônios 
no giro denteado que os controles, mostram 
melhor orientação e aprendizagem espacial 
e níveis mais elevados de fatores de cresci-
mento neuronal no hipocampo. A atividade 
no córtex pré -frontal pode ser inibida pelo 
estresse e viver em um ambiente enrique-
cido, leva a ganhos tanto no peso cerebral 
quanto no número de neurônios e sinapses. 
Isso reforça a estreita relação entre plasti-
cidade cerebral e mudança comportamental 
e entre estas e o brincar. A mesma ação de 
brincar em ratos também ocorre em animais 
decorticados, mostrando que elementos 
do brincar social têm raízes tão primitivas 
quanto o comportamento sexual, alimentar 
e agressivo. Além disso, verificamos que ra-
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36 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
tos privados do brincar social mostram com-
portamento sexual anormalquando adultos, 
e o brincar social pode refinar o comporta-
mento adulto dos mesmos.
O brincar social tem surtos de mo-
vimentos ofensivos e defensivos e altera-
ções que são muito abruptas. No cerebelo, 
encontra -se o controle do aprendizado mo-
tor e movimentos finos, o acompanhamen-
to do movimento de objetos externos e dos 
próprios movimentos presentes no brincar. 
O pico do brincar em camundongos, ratos 
e gatos coincide com o pico de desenvolvi-
mento sináptico permanente dependente 
de experiência no cerebelo. O brincar está 
associado com um período sensível para a 
integração neural e a privação do brincar 
social em ratos no período crítico de for-
mação sináptica cerebelar leva a redução 
da interação social no adulto. Mudanças 
permanentes das conexões sinápticas estão 
ocorrendo em muitas outras partes do cére-
bro em desenvolvimento e os circuitos neu-
ronais especificamente envolvidos em cada 
tipo de brincar ainda são pouco conhecidos 
e não há evidencias de circuitos limitados 
especificamente ao brincar.
COnSiDERAçõES FinAiS
Gânglios da base, área tegmental, córtex 
pré -frontal e sistema dopaminérgico estão 
especialmente envolvidos com recompen-
sa, antecipação, memória, orientação para 
objetivos observadas nas respostas do brin-
car locomotor, social e com objetos. Estes 
sistemas também estão envolvidos em mui-
tas outras atividades, sugerindo que há so-
breposição, convergência e reforço de uma 
variedade de sistemas comportamentais 
incluindo dependências e comportamentos 
compulsivos repetitivos. Brincar que se ori-
gina em sequências comportamentais instin-
tivas, nas quais performances motoras são 
gratificantes, pode melhorar a habilidade 
de uma grande diversidade de funções pela 
prática repetitiva em contextos diferentes 
e por modificações de sequências baseadas 
na experiência. Brincar pode ser somente 
uma das várias formas de aumentar a per-
formance comportamental e cognitiva. Pode 
ser também o método preferido dos animais 
que estejam em boas condições em um cam-
po relaxado, mas confiar neste método fa-
cilmente inibido não seria muito adaptativo. 
Precisamos aplicar nossa imaginação e habi-
lidades científicas para melhor entender as 
conexões entre o brincar, a imaginação e o 
desenvolvimento neurológico, mental, emo-
cional e social. Ou seja, brincar é algo muito 
sério que precisa ainda de muito estudo e 
pesquisa. Estamos apenas começando a en-
tender esta complexidade. Mas, antes disso 
e independentemente de tudo isso, nossas 
crianças poderão brincar livremente, pois 
elas sabem muito mais do que todos nós o 
que e como realizar esta maravilhosa, com-
plexa e prazerosa atividade.
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BRinCAR
Por que, na perspectiva deste livro, é impor-
tante considerar significação e representação 
na perspectiva do brincar no contexto psico-
terapêutico da situação ludodiagnóstica?
Conversar com a criança; dispor de 
materiais para conversar; compreender 
as dificuldades de uma criança a partir da 
sua expressão por meio de brinquedos são 
exemplos de atitudes que pressupõem um 
diálogo entre um adulto – no caso clínico, 
o terapeuta – e uma criança, quando ela, 
mediada pelos brinquedos, tenta dizer quais 
são suas preocupações, suas dificuldades, se 
concorda ou não em estar ali naquele con-
texto ludodiagnóstico. Enfim, trata -se de 
um “diálogo” em que pressupomos um tipo 
de linguagem.
Para o adulto que interage com a 
criança, é uma situação difícil, pois ele deve 
entender a linguagem pré -verbal, além da 
verbal, no contexto do jogo, e neste sentido, 
terá que contar também com um padrão de 
signos sobre o brinquedo que é incluído nes-
te diálogo. A criança que recebe essa con-
signa pode contestar ou concordar respon-
dendo verbalmente ou através dos materiais 
lúdicos. O psicoterapeuta vai interpretando 
as ações da criança através desse material 
lúdico, e pode -se dizer que através desse in-
terjogo é que se entende o diálogo pré -verbal 
da criança, e também podemos verificar que 
algumas significações podem se impor a ele, 
que, por sua vez, pode ser contestado pela 
criança, e assim por diante.
Perguntar, solicitar que se expresse e 
estabeleça um diálogo sobre a problemática 
que o levou à clínica consiste na estratégia 
básica de quem atende qualquer cliente, 
seja adulto, criança ou adolescente, mas 
a grande dúvida é se ao fazê -lo com uma 
criança não estamos deturpando as ações 
lúdicas desta. Ao associarmos a isso o fato 
de que nunca é a criança quem procura um 
terapeuta, ou seja, ela vem com a história 
clínica verbalizada pelos pais, a fragilidade 
diagnóstica lúdica está colocada e o tera-
peuta que utilizar esse instrumento pode ser 
submetido a inúmeros questionamentos.
No entanto, para essa fragilidade de 
leitura lúdica profissional temos um sécu-
lo de investigações, realizadas por grandes 
teó ricos da teoria psicanalítica, como Freud, 
Klein, Bion e Winnicott. Para os mais céticos 
sobre essa tarefa, há algumas respostas: não 
temos ainda outro recurso para compreen-
der a criança; ou aplicamos esses conheci-
mentos ou nos recusamos a atender uma 
criança, com o argumento do início do sécu-
lo XIX, de que uma criança não tem como se 
expressar ou suas significações só poderão 
ser compreendidas quando adquirir um dis-
curso verbal, logo, só na puberdade.
Temos, por outro lado, como aliadas, 
as teorias do desenvolvimento humano, 
particularmente, a teoria de Jean Piaget, 
que demonstra como o processo de signi-
4
Brincar, significação e representação
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 39
ficação vai sendo construído, partindo das 
ações práticas, do zero aos 2 anos, para um 
sistema representativo que vai dos 2 aos 6 
anos de idade. É claro que Piaget vai se re-
ferir às estruturas a partir de um ponto de 
vista orgânico, enquanto a teoria psicana-
lítica se refere a uma estrutura construída 
a partir do relacionamento humano. Para 
alguns parece ser o mesmo, considerando 
que as estruturas mentais de Piaget se re-
ferem também a uma construção da troca 
com o meio. Para outros, essa integração de 
teorias parece absurda, na medida em que o 
sujeito psicanalítico diz respeito às pulsões,às emoções, aos sentimentos, a um sujeito 
em particular, enquanto o sujeito de Piaget 
é um sujeito epistêmico, que não diz respei-
to a ninguém, um sujeito da atividade, da 
ação mental específica com suas respectivas 
estruturas em cada fase.
Fazemos parte de um enorme grupo, 
que estuda estas relações entre afeto e cog-
nição, tal como Delahanty e Perrés (1994), 
Imbasciati (1991) e Assis (1985), que pro-
curam a integração dessas teorias, mas di-
fe renciando -as.
Poderia dizer, ainda sob críticas, que, 
enquanto a teoria de Piaget diz respeito à 
forma, a teoria de Freud se refere a um con-
teúdo, mas sabe -se o quanto Freud também 
esteve preocupado com a estrutura do apa-
relho psíquico. Ao mesmo tempo, inúmeras 
publicações de Piaget mencionam a teoria 
psicanalítica sobre os conteúdos: A lingua­
gem e o Pensamento na Criança (1923); A 
Representação do Mundo na Criança (1926); 
O Nascimento da Inteligência na Criança 
(1936); A Formação do Símbolo na Criança 
(1946), entre outros.
O fato é que estou pedindo licença ao 
leitor para ousar nessas integrações entre 
afeto e cognição. As justificativas para tal são 
as inúmeras pesquisas existentes nesta dire-
ção integrativa, as quais não vou me preo-
cupar de aprofundar, diante dos objetivos 
deste livro, mas vale citar as valiosas obras 
de Green (1990) e Seibert (2003).
Por outro lado, é impossível não consi-
derar tal integração no contexto deste livro, 
uma vez que estamos estudando o diálogo 
com uma criança através de materiais lú-
dicos, e que essa criança se encontra num 
contexto lúdico expressando suas vivências, 
as quais por sua vez pressupõem as noções 
de espaço, tempo e causalidade pesquisadas 
por inúmeros pesquisadores do Laboratório 
de Epistemologia Genética e Reabilitação 
Psicossocial do Departamento de Psicolo-
gia Social da Universidade de São Paulo, 
coordenada pela Profa. Dra. Zélia Ramozzi-
-Chiarottino. Assim, temos duas razões para 
considerar a obra de Jean Piaget na técnica 
psicanalítica ludodiagnóstica: a obra piage-
tiana demonstra de que forma a assimilação 
lúdica é construída como um dos momentos 
da construção representativa; a expressão 
das vivências do ser humano pressupõe uma 
estrutura demonstrada na obra A construção 
do real pela criança (Piaget, 1937). Logo, a 
representação lúdica, para ser irrefutavel-
mente compreendida pelo psicoterapeuta, 
psicanalista ou outro estudioso do conheci-
mento lúdico, pressupõe as noções de espa-
ço, tempo e causalidade, demonstradas em 
meu trabalho com 578 crianças “normais” e 
de clínicas infantis, Alguns indicadores para 
o diagnóstico e reabilitação da construção do 
real (Affonso, 2006), e no trabalho Políticas 
avaliativas e as teorias psicogenéticas: a ava­
liação das vivências do ser humano (Affonso, 
2007).
Para a compreensão da expressão lú-
dica devemos considerar como prioridade a 
gênese da representação, ou seja, como, a 
partir das significações dos reflexos, absorve-
mos os signos culturais e como estes, por sua 
vez, se transformam em símbolos lúdicos, 
ou seja, como os significados se diferenciam 
dos significantes a partir das ações práticas 
do período sensório -motor e como a criança 
vai construindo, com a representação, os vá-
rios tipos de pensamento típicos do perío do 
representativo: pensamento intuitivo e trans-
dutivo, com suas categorias artificialistas, 
ani mistas, transformados em conceitos típi-
cos do pensamento operatório.
Por que a brincadeira lúdica é um bom 
recurso para se conversar com a criança e, 
portanto, entendê -la ou diagnosticar os seus 
comportamentos?
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40 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Denominamos materiais lúdicos os 
ins trumentos estruturados (casinha, posto 
de gasolina) ou não estruturados (bloqui-
nhos que possibilitam construir cenas ou si-
tuações, massinhas, guache). A partir deles 
a criança pode construir uma brincadeira 
simbólica, uma linguagem. Isso é um índice 
importante na elaboração de um diagnósti-
co. Sem a brincadeira lúdica não há como 
a criança expressar os conflitos ou como vi-
venciar suas dificuldades.
No entanto, devemos considerar as 
crianças que ainda não conquistaram o faz 
de conta, ou seja, ainda não conseguiram 
representar as suas vivências – e não são 
poucas, considerando o grande número de 
crianças que nos procuram e que não “fa-
lam”, aquelas com um discurso caótico ou 
as que já vêm com quadros clínicos graves. É 
bom lembrar que são casos que já passaram 
por especialistas e avaliações “orgânicas” e 
que chegam ao psicoterapeuta como um dos 
últimos recursos. Esses são casos cada vez 
mais frequentes em nossas clínicas, tendo 
em vista a falta de trabalhos preventivos na 
área da saúde.
Às vezes, essas queixas trazidas pelos 
pais estão mais voltadas para as dificul-
dades de comportamento ou conduta da 
criança, muitas vezes não relacionadas com 
a linguagem. Comumente, nesses casos, a 
teo ria de Piaget sobre as ações práticas e a 
representação também deve ser considerada 
pelo clínico: o sujeito apresenta um compor-
tamento hiperativo, agressivo ou um déficit 
de atenção por ainda não apresentar ações 
organizadas? Ou conquistou a linguagem 
verbal dissociada de suas ações práticas? 
Ou, as imagens mentais predominam sobre 
as suas vivências práticas. Ou há uma desor-
ganização caótica nas suas ações práticas, 
logo representadas também caoticamente? 
Ou ele não foi estimulado a construir as re-
presentações de suas vivências, apesar de 
suas ações práticas estarem expressas de 
maneira organizada?
Todas essas investigações diagnósticas 
podem ser feitas por meio da técnica lúdi-
ca, que possibilita avaliar como está tanto 
o período sensório -motor como o período 
representativo, embora a técnica, em si, já 
pressuponha a representação. Ora, se não 
observamos no comportamento da criança 
ações representativas na sua interação com 
os materiais, podemos investigar como está 
a sua interação prática, na medida em que, 
nestes casos, a criança também vai interagir 
com estes materiais, mas de maneira regre-
dida.
Os casos com queixas graves de socia-
lização em que comumente o profissional é 
procurado requerem um conhecimento mui-
to mais específico da construção das estru-
turas mentais, bem como de todo o processo 
de significação, considerando que a crian-
ça, mesmo no plano prático, expressa algo, 
ainda que sem o domínio consciente que a 
representação lhe oferece.
O mundo da expressão sensório -mo-
to ra é vasto, e as pesquisas mais recentes 
têm demonstrado o que os estudiosos da 
psicanálise e da teoria piagetiana há séculos 
pressupunham. São pesquisas sobre o de-
senvolvimento precoce, realizadas por auto-
res como Brazelton (1981, 1988), Cramer 
(1987, 1988, 1999), Klaus & Klaus (1989) e 
Spitz (1998). Na linguagem primitiva da in-
teração entre a mãe e o bebê já observamos 
a gênese da imitação. Por exemplo, diante 
de um bebê de alguns dias, se abrirmos a 
boca a uma distância de 20 centímetros, 
que corresponde a distância entre o rosto da 
mãe e o bebê ao ser amamentado, o bebê 
aos poucos vai também abrindo a boca. Ora, 
qual a importância disso para o clínico? Se ao 
interagirmos, por exemplo, com uma criança 
de seis anos com comportamentos primários 
de um bebê, ou seja, com comportamentos 
regredidos, e não observarmos nela nem se-
quer esse comportamento imitativo ou de 
resposta de sinais na interação humana, com 
certeza o grau de socialização dessa criança 
será analisado como bastante prejudicado.
A área dos estudos dedicados ao pe-
ríodo sensório -motor ou da relação afetiva 
primária é muito vasta e, além de ter sua 
aplicabilidade na prevenção precoce do de-
senvolvimento humano com bebês, tem sig-
nificativa contribuição tanto no diagnóstico 
das crianças a partir de 2 anos como de ado-
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LudodiAgnóstiCo 41
lescentes e adultos. Recentemente, tenho 
me dedicado ao atendimento de adultos e 
verificado que certos quadros sensoriaisad-
quiridos na primeira infância acabam por 
ser significativos e preponderantes na vida 
adulta, principalmente nos casos clínicos 
mais graves.
Costumo dizer aos meus alunos que 
o que adquirimos no primeiro ano de vida, 
ou anterior à representação, está lá guarda-
do em nossa mente, e, o que é pior, mui-
tas vezes sem a possibilidade de elaboração 
representativa, por isso vai impregnando, 
de maneira primitiva, nossas conquistas 
no desenvolvimento. Um exemplo disso é 
o caso de um adulto que, aos 35 anos, não 
consegue morar sozinho, não tem e nem 
se preocupa em ter parceiros sexuais, não 
conseguiu terminar seus estudos do ensino 
fundamental, ou seja, apenas concluiu até o 
7o ano, e mantém uma dependência afetiva, 
econômica e social dos pais.
Suas atividades se restringem a limpar 
a casa e catar latinhas de alumínio. Após 
vários anos de tentativas terapêuticas insa-
tisfatórias, aceitei o caso com a perspectiva 
de tratá -lo segundo o seu quadro sensorial 
primitivo: o mundo é perigoso e não me 
dá oportunidade de melhorar. No entan-
to, ele nunca experimentou ou explorou o 
ambiente, ou seja, não identifiquei neste 
cliente a fase V do sensório -motor: a desco-
berta dos meios por experimentação ativa, 
quando o bebê volta -se à experimentação, 
ao prazer das descobertas; tampouco a fase 
IV: a descoberta dos meios para atingir os 
fins. Ou seja, sua maneira de representar as 
suas vivências caracterizava um bebê que 
apenas assiste às ações do mundo sem ten-
tar modificá -las, o que é típico do estágio 
II do sensório -motor: primeiro hábitos ad-
quiridos, ou seja, há significações que ele 
percebe, ouve, escuta, mas sem uma coor-
denação ativa; há classes – este é mau e 
este é bom –, mas não há atividade sobre as 
mesmas para tentar modificá -las. A causa-
lidade neste estágio caracteriza -se também 
por um sentimento de eficiência. Alguns 
poderiam contestar se não seria a expressão 
de uma causalidade do estágio III, mágico-
-fenomenista, pois ele atribui uma causa, 
mas não podemos esquecer que no estágio 
III do sensório -motor há o estabelecimento 
de uma relação a partir da ação prática e, no 
caso desse cliente, nem essa ação podemos 
observar, pois não observamos o esforço em 
provocar algo.
A simples compreensão dessa forma 
de pensamento primário observada no com-
portamento da criança já me tirou o peso 
ou as cobranças que fazia ao cliente, propor-
cionando um sentimento de alívio clínico, 
considerando que as exigências do mundo 
adulto foram banidas da relação terapêutica 
e a continência afetiva primária foi estabele-
cida. Ora, diante disso o cliente pode, além 
da possibilidade da representação de sua vi-
vência primitiva, também, se o desejar, par-
tir para outros patamares mais elaborados.
Menciono esse exemplo para demons-
trar o quanto uma fundamentação teórica 
primitiva do desenvolvimento pode ser útil 
a todas as faixas etárias que atendemos e 
tem a ver com a compreensão da estrutu-
ra mental do cliente em questão. É claro 
que são casos com diagnósticos nosológicos 
característicos de uma psicopatologia gra-
ve, tais como Transtorno da Personalidade 
Borderline e Psicose, e nos quais sempre es-
tamos nos perguntando se não se trata de 
alguma deficiência mental ou alguma sín-
drome ainda não identificada, apesar de os 
resultados dos exames médicos nos dizerem 
o contrário.
A ideia de termos de utilizar esse refe-
rencial precoce do desenvolvimento torna-
-se mais difícil conforme aumenta a idade 
do cliente que nos procura, e as resistências 
na relação terapêutica são estabelecidas 
quanto menor a distância entre a compreen-
são do mundo mental esperado para a idade 
do cliente com o mundo precoce observa-
do. Tenho observado que essa resistência 
é maior também por parte do clínico que 
atende adultos do que por parte do cliente 
e costumo dizer que quando trabalhamos 
no patamar cognitivo do cliente podemos 
ser compreendidos, logo a psicoterapia se 
desenvolve. Isso não significa infantilizar 
ainda mais o cliente, mas sim trabalhar se-
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42 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
gundo as suas estruturas mentais possíveis. 
Em minha dissertação de mestrado (Affon-
so, 1987), procurei demonstrar que os casos 
que não se desenvolviam apresentavam um 
pensamento mais primitivo do que a técnica 
que lhes estavam oferecendo, ou seja, certas 
técnicas psicoterápicas também pressupõem 
determinadas estruturas cognitivas.
Por exemplo, um psicodrama pressu-
põe uma capacidade de estruturação e or-
ganização mental e, se não considerarmos 
isso em nossos encaminhamentos ou inter-
venções clínicas, podemos prejudicar ain-
da mais o cliente. Essa discussão sobre os 
pressupostos das estruturas mentais nos 
atendimentos dos adultos, crianças ou ado-
lescentes é longa, mas o que quero enfatizar 
é a importância do estudo sobre o desenvol-
vimento primitivo quando nos propomos a 
trabalhar com as dificuldades nas relações 
interpessoais e o fato de as significações 
que surgem em cada patamar de desenvol-
vimento serem expressas numa dada estru-
tura, não porque escolhemos esta ou aquela 
abordagem, e sim porque o ser humano se 
desenvolve dessa maneira.
SigniFiCAçãO
Há vários níveis de significação que podem 
ser identificados na expressão de uma crian-
ça num contexto ludodiagnóstico e que são 
construídos ao longo de seu desenvolvimen-
to. Rascovsky (1977) menciona a construção 
dessas significações já na gravidez, por volta 
dos 4 meses de gestação, quando, por pres-
suposto, já existe um ego. Outros pesquisa-
dores mais ousados mencionam a existência 
de significações já a partir da concepção, tal 
como Wilheim (1992), Klein (1926) e Bion 
(1953), a partir das teorias psicanalíticas, 
colocam a existência de um processo de sig-
nificação bem precoces. Piaget, com outras 
preocupações que não as afetivas, também 
demonstra como o processo de significação 
tem sua gênese já no exercício dos reflexos, 
na fase sensório -motora, e que a criança vai 
dando sinais de construção de esquemas que 
proporcionam outras significações. No pla-
no representativo, as significações vão se di-
ferenciando dos significados, na medida que 
a socialização também vai oferecendo signos 
e a criança vai construindo os símbo los, os 
“pré -conceitos”, até a formação de conceitos, 
ou seja, chega à compreensão desses signos 
sociais na cultura em que está inserida.
Uma criança pode utilizar uma colher 
como a caminha da boneca, ou seja, utilizar 
a colher com função simbólica, podendo ou 
não nomear ou saber o que é uma colher, 
dependendo de seu patamar cognitivo. Por-
tanto, esse processo do desenvolvimento 
de significações, que será analisado num 
contexto ludodiagnóstico, também deve ser 
cuidadoso, pois faremos interpretações que 
pressupõem essa estruturação mental. Por 
exemplo: a criança ficar esfregando um cor-
dãozinho durante 50 minutos numa sessão 
ludoterapêutica pode dar ao profissional si-
nais de um comportamento regredido, que 
remete a fases primitivas, dando sinais de 
uma possível significação do vínculo mãe-
-bebê, logo, de um possível conflito na se-
paração ou relação simbiótica mãe -bebê. 
Quando o terapeuta tem a informação de 
que o parto da criança foi demorado e tanto 
a mãe como a criança sofreram ameaça de 
morte nesse parto, esfregar o cordão ganha 
maior significação para investigação clínica.
Há situações em que a criança expres-
sa a significação, ela conta uma história 
com começo, meio e fim, ela comunica a 
sua significação, mas, na maioria das vezes, 
quando trabalhamos com a linguagem pré-
-verbal, impomos a ela uma significação, 
que tem uma fundamentação nas teorias do 
desenvolvimento. Damos relevância à teoria 
do desenvolvimento da estrutura mental de 
Piaget aliada aos conteúdos afetivos que po-
dem existir nestas etapas e que correspon-
dem em nosso pressuposto à teoria psicana-
lítica; logo, serão consideradas as fixações 
ou relações orais, anais, fálicas ou genitais, 
bem como todaa influência das significa-
ções que passam de geração a geração e que 
tão bem demonstrou a teoria junguiana. 
Ou seja, o terapeuta dá uma significação às 
ações que a criança expressa, mas ela pode 
não saber o seu significado.
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LudodiAgnóstiCo 43
REPRESEnTAçãO
Conceitualmente, representar é utilizar a 
expressão das vivências, é poder se repor-
tar a algo que foi vivenciado no passado. Na 
situação ludodiagnóstica é o que a criança 
está fazendo que lhe possibilita simbolizar 
uma dada situação com os materiais, com 
o que representa nas ações verbais ou prá-
ticas, se reportando a algo que não é mais 
presente. Piaget refere que a representação 
é caracterizada pelo fato de que os objetos 
não atualmente perceptíveis são assimilados 
aos objetos percebidos, podendo ser evoca-
dos graças aos “significantes” que os tornam 
presentes ao pensamento na ausência de 
uma presença real. “A representação nasce, 
portanto, da união de ‘significantes’, que 
permite evocar os objetos ausentes com um 
jogo de significação que os une aos elemen-
tos presentes” (Piaget, 1946/1978, p.351).
Esta função nova que ultrapassa a ati-
vidade sensório -motora é chamada de fun-
ção simbólica, e é ela que vai tornar possível 
a aquisição da linguagem ou dos signos co-
letivos ou sociais. Por exemplo, ao imitar a 
conduta da mãe ou de um adulto lavando 
louça, numa sessão lúdica, a criança evoca 
um modelo ausente – a ação real da mãe ou 
do adulto ao lavar a louça –, assimilando o 
conjunto de significantes do modelo (pratos 
e panelas reais, por exemplo), diferenciados 
na sua imagem mental dos materiais que 
está manipulando, mas ligados aos atuais 
(pratinhos e panelinhas da caixa lúdica).
Enquanto, na atividade sensório -motora, 
só há acomodação aos dados presentes 
e assimilação sob forma inconsciente e 
prática de uma aplicação dos esquemas 
anteriores ao atual, a atividade represen-
tativa exige, assim, um duplo jogo de as-
similações e acomodações: à acomodação 
aos dados presentes acrescenta -se uma 
acomodação imitadora dos dados não per-
ceptíveis (a ação dos pais lavando louça 
não está mais ali, só na sua mente), de 
maneira tal que, além da significação do 
objeto atual, fornecida pela assimilação 
perceptiva (sua ação sobre os materiais 
lúdicos da caixa), intervêm igualmente 
as significações assimiladoras ligadas aos 
significantes que constituem a evocação 
imitativa. (Piaget, 1946/1978, p. 352)
A importância da representação
Em minha dissertação e tese de doutorado, 
pesquisei alguns elementos da representa-
ção no que diz respeito às noções de espaço, 
tempo e causalidade. Não vou aqui apresen-
tar a defesa que tenho feito nos últimos 20 
anos da importância de se estudar essas no-
ções no diagnóstico infantil, pois este traba-
lho foi publicado em livro Ludodiagnóstico: 
a teoria de Jean Piaget em entrevistas lúdicas 
para o diagnóstico infantil (Affonso, 1994). 
O importante é registrar que essas noções 
são construídas no período sensório -motor 
e vão tendo a sua expressão nos períodos 
subsequentes.
O que quero ressaltar é que os psicó-
logos formulam projetos de atendimento à 
população, fazem diagnósticos e propõem 
intervenções e, muitas vezes, não se ques-
tionam sobre os diagnósticos e as técnicas 
– nossos instrumentos de trabalho. Conside-
ro que esses indicadores espaço -temporais e 
causais podem colaborar para tal. Ou seja, 
avaliamos as representações de espaço, tem-
po e causalidade da população atendida, 
utilizamos instrumentos que pressupõem 
determinados patamares na representação 
do indivíduo, mas ainda pouco sabemos da 
construção dessas representações.
O pressuposto teórico a respeito da im-
portância das construções espaço -temporais 
e causais desenvolvido pelas pesquisas da 
doutora Zélia Ramozzi -Chiarottino, através 
dos pesquisadores do Laboratório de Episte-
mologia Genética e Reabilitação Psicossocial 
do Instituto de Psicologia da Universidade 
de São Paulo (IPUSP), tem procurado, a par-
tir da obra piagetiana, demonstrar como o 
sujeito organiza sua experiência vivida e o 
que é necessário para viver em sociedade. 
Além disso, esses pesquisadores têm pro-
curado esclarecer como o sujeito chega às 
representações e quais são suas várias mo-
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44 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
dalidades de expressão, bem como o com-
prometimento dessas expressões.
São pesquisas que esclarecem e contri-
buem para o estudo da inserção do homem 
animal no mundo dos seres humanos, na 
medida em que mostram também como é 
possível a sua não socialização. Tais estudos 
esclarecem o profissional e contribuem para 
oferece -lhe alguns parâmetros para a socia-
lização infantil, mas que ainda necessitam 
de aprofundamento, finalidade desse proje-
to de pesquisa.
O pressuposto da utilização da brinca-
deira simbólica como expressão dos conflitos 
na técnica ludodiagnóstica tem uma vertente 
teórica que ultrapassa o campo psicanalítico. 
Em minhas pesquisas, considero a brincadei-
ra simbólica como uma das etapas do proces-
so de socialização humana, logo, ao analisar 
a brincadeira simbólica de uma criança num 
contexto lúdico diagnóstico, estou investi-
gando as possibilidades de interação social 
desse indivíduo com o meio. Esse referencial 
oferece diversas vantagens, tanto na estrutu-
ração e planificação dos instrumentos a se-
rem utilizados como no estabelecimento do 
encaminhamento do caso ou na própria com-
preensão do sintoma. Com uma criança que, 
na hora lúdica, sequer manifesta representa-
ções simbólicas, não vou aplicar instrumen-
tos como, por exemplo, o desenho da figura 
humana. Ao detectar comprometimento nas 
funções simbólicas, não vou propor interven-
ções psicoterapêuticas que pressuponham 
a existência de determinadas estruturas ou 
funcionamento cognitivo.
Há na psicanálise um significativo e 
expressivo grupo de pesquisadores que de-
dicaram suas vidas ao estudo de como, a 
partir das experiências infantis, chegamos à 
vida adulta. Dentre eles podemos citar Ana 
Freud, Susan Isaacs, Hanna Segal, Bion, 
Winnicott, Green, Imbasciati, entre outros, 
mas foi, sem dúvida, Klein, através da análi-
se dos primeiros anos de vida de uma crian-
ça, que possibilitou o desenvolvimento dos 
estudos da mente arcaica infantil. Ao mes-
mo tempo, vale lembrar que Freud já havia 
deixado todas as formulações teóricas sobre 
o desenvolvimento do psiquismo até a fase 
adulta a partir do seu nascimento, amplia-
das por Klein.
Freud (1914), no seu artigo sobre o 
narcisismo, refere -se a um autoerotismo 
onde não existem relações de objeto (no 
sentido psicanalítico). No entanto, Klein 
(1925) insistiu na ideia de que as “fanta-
sias” inconscientes estão subjacentes a todo 
o processo mental, logo, mesmo num impul-
so, sem objeto, há fantasias subjacentes com 
significado. O grande debate que se cons-
truiu sobre as “fantasias” inconscientes em 
estágios primitivos, postuladas por Klein, foi 
esclarecido por Isaacs (1948), ao alegar exis-
tir um conhecimento filogenético fornecido 
e que as sensações corporais são uma forma 
de “postular” em ação esse conhecimento, 
fazendo -se, portanto, necessária a descrição 
dessas “fantasias” não verbais, encontradas 
já no lactente.
O problema é demonstrar como uma 
entidade biológica pode transformar -se de 
um mundo de gratificações e de necessida-
des corporais em um mundo de gratificações 
com significados simbólicos. Trata -se de uma 
área de pesquisa que relaciona a mente e o 
corpo, e os atuais estudos sobre a relação 
mãe -bebê parecem demonstrar haver uma 
maior sofisticação desse mundo mental pri-
mitivo kleiniano, tão criticado dentro e fora 
do espaço psicanalítico.
Na proposta teórica das pesquisas de-
senvolvidas atualmente, tem -se procurado 
demonstrar que o espaço que existe entre 
esse mundo arcaico do bebê e sua possibili-
dade simbólica é muito grande e por demais 
complexo. Seibert (2003), em seu estudo 
O resgatedas funções mentais representadas 
pelos agrupamentos práticos e operatórios 
do modelo hipotético ­dedutivo de Piaget nas 
organizações afetivas em Freud, realiza um 
trabalho exaustivo demonstrando a sintaxe 
das funções mentais expressas por Piaget, 
subjacente nos textos que dizem respeito ao 
encontro do objeto e a perda do objeto em 
Freud.
Portanto, ao analisar a expressão lúdi-
ca, quero apontar para o risco de analisar o 
lúdico não pressupondo o comprometimento 
do não lúdico, ou seja, de um suposto sujeito 
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LudodiAgnóstiCo 45
pré -simbólico, ou ainda em formação. Logo, 
ressalto a importância das teorias do desen-
volvimento desse processo de socialização, 
demonstrado na teoria piagetiana, uma vez 
que considero essa teoria como aquela que 
colabora na especificação desse processo.
Portanto, quando Klein (1926; 1929) 
menciona que a fantasia e a personificação 
são a base para a capacidade de transferên-
cia infantil, minha proposta é considerar es-
ses aspectos do ponto de vista da construção 
simbólica piagetiana, tal como demonstrou 
Seibert (2003) em relação à obra de Freud. 
A capacidade de atribuir papéis pressupõe o 
desenvolvimento de uma dessas etapas do 
funcionamento mental.
A atribuição de um papel ao outro su-
põe uma distinção eu/não eu, que nem sem-
pre encontramos nas brincadeiras das crian-
ças num contexto ludodiagnóstico. Atribuir 
um papel ao outro pressupõe a estruturação 
de um “eu” que possa “enxergar” esse outro 
ou ao menos idealizá -lo diferente de si mes-
mo. Quero ressaltar que o termo “fantasia” 
pressupõe o desenvolvimento do aparelho 
mental. Pode -se utilizar, nos casos anteriores 
a esse processo, os termos pseudofantasias, 
protofantasias, ou, no sentido piagetiano, 
quadros sensoriais. Portanto, uma criança 
que não brinca num ludodiagnóstico não o 
faz porque está sob uma grande inibição de 
suas fantasias ou porque ainda não tem a 
capacidade simbólica para expressá -las? É 
essa a tarefa do pesquisador, formular per-
guntas diante da observação lúdica.
Alguns poderiam considerar tais refe-
rências como uma proposta de mudança no 
método psicanalítico, mas, ao contrário, isso 
significa ampliar suas fundamentações. As-
sim, os dados coletados; sobretudo nas três 
últimas décadas, indicam, com segurança, 
que a organização do que se passou e de 
tudo que se pode esperar supõe as relações 
espaço -temporais e causais, ou seja, uma 
construção adequada do real. Portanto, as 
crianças que não construíram essas noções 
representam caoticamente o mundo.
O domínio da complexidade da situa-
ção diagnóstica clínica requer observação 
e conceitualização rigorosas, combinadas 
com paciência. Devemos evitar a tentação 
de simplificar demasiadamente o enfoque 
usado, como uma defesa contra o senso de 
demasiada complexidade em nossa área de 
trabalho. Em vez de fazer com que desista-
mos por desespero, entretanto, a complexi-
dade do funcionamento humano deve inspi-
rar o profissional a superar suas limitações 
(Greenspan e Greenspan, 1993, p. 25).
Os pressupostos clínicos 
da representação na 
técnica ludodiagnóstica
Toda a análise psicanalítica em que consi-
deramos as possíveis significações dos brin-
quedos no seu aspecto afetivo, mencionada 
no capítulo anterior, como a expressão das 
vivências conscientes e inconscientes da 
criança, pressupõe uma compreensão do 
funcionamento mental que, se não ficar ex-
plícita, pode confundir o leitor. Neste senti-
do, é importante registrar que são estudos 
que dizem respeito à relação da estrutura 
mental, tal qual entendida por Piaget, re-
lacionados à teoria psicanalítica e ainda, é 
claro, muito pouco integrados na literatura.
Não tenho o objetivo de defender a 
integração entre teorias, mas de expor o 
que tem sido pesquisado nos últimos anos, 
procurando demonstrar o quanto os psicólo-
gos clínicos empobrecem seus diagnósticos 
quando não consideram a teoria de Piaget, 
principalmente aqueles que analisam as vi-
vências da criança apenas do ponto de vista 
afetivo -psicanalítico. É preciso estudar as 
bases estruturais das vivências afetivas que 
analisamos em nossos clientes, bem como os 
fundamentos de nossas observações e dos 
instrumentos que estamos utilizando, além 
das fundamentações para a compreensão 
dos sintomas, ou seja, o nosso diagnóstico 
clínico.
Defendo a pesquisa no diagnóstico clí-
nico do estudo para compreender em que 
bases estruturais, do ponto de vista piage-
tiano, estão expressas as representações 
ou os comportamentos do sujeito, além de 
também verificarem em quais os níveis pos-
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46 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
síveis dessas estruturações se encontram os 
instrumentos que utilizamos para a avalia-
ção psicológica.
O estudo da representação é um cam-
po de pesquisa do psicólogo e de muitas 
outras áreas científicas, tanto das ciências 
humanas quanto das ciências biológicas e 
neurológicas. Ao realizar uma intervenção 
psicológica – diagnóstica, psicoterapêutica, 
de pesquisa com os testes ou mesmo de ob-
servações clínicas – o psicólogo, seja na ob-
servação, no uso de instrumentos ou na sua 
atuação terapêutica, depara -se com a neces-
sidade da pesquisa no campo da representa-
ção, uma vez que todos esses instrumentos 
pressupõem vários níveis representativos.
Por exemplo: o comportamento de 
chupar o dedo de uma criança pode, depen-
dendo da sua idade ou da situação em que 
ocorre, ser analisado pelo profissional como 
uma atitude regressiva, um mero exercício 
motor, uma expressão de ansiedade dian-
te de conflitos emocionais ou uma condu-
ta patológica de dependência, que leva à 
regressão introjetiva primária; um outro 
exemplo é quando solicitamos a uma criança 
que desenhe uma família de humanos e ela o 
faz desenhando riscos, bolinhas ou rabiscos. 
Ela está num patamar representativo pré-
-esquemático onde há esboços de aspectos 
de sua realidade familiar ou as suas vivências 
familiares são tão traumáticas que sequer 
emocionalmente pode representá -las. Ao 
leigo, essas interpretações podem parecer 
assustadoras, mas ao clínico têm um emba-
samento teórico do desenvolvimento huma-
no analisado a partir da história de significa-
ções do cliente, as quais possibilitam ao pro-
fissional representá -las ou interpretá -las.
No caso do psicólogo clínico, que tra-
balha com as vivências do ser humano, essa 
necessidade está constantemente presente. 
Por exemplo:
n O cliente que não se expressa verbalmen-
te: está inibido, não tem a capacidade 
representativa ou apresenta algum pro-
blema neurológico?
n Ao aplicar um teste, como o WISC, nos 
perguntamos: em que medida os resulta-
dos dos subtestes expressam o funciona-
mento mental daquele sujeito? Que ope-
rações lógicas estão presentes naquela 
tarefa? A compreensão verbal do sujeito 
pressupõe que grau de conhecimento?
n Na aplicação de um teste projetivo (TAT 
ou CAT), ao interpretarmos o discurso do 
paciente, novamente nos perguntamos: 
em que medida aquela história repre-
senta a história vivida pelo paciente? As 
falhas no discurso expressam o conteú-
do emocional e/ou cognitivo do cliente? 
Que grau de complexidade está presente 
nesse discurso?
n Nas queixas sobre distúrbios da socializa-
ção do cliente, esse problema, aparente-
mente de educação social, pode expres-
sar um problema na representação. Por 
exemplo: a criança é hiperativa ou tem 
o funcionamento mental de uma criança 
do sensório -motor? Ou, a hiperatividade 
seria a expressão de uma falha cognitiva 
na representação?
n Ainda no campo psicoterapêutico, mui-
tas vezes nos perguntamos se aquela psi-
coterapia é mesmo a mais recomendada 
àquele tipo de cliente, e novamente esta-
mos no estudo do campo representativo: 
que funcionamento mental pressupõe 
determinadas técnicas psicoterápicas?
A teoria de Piaget é a que eu venho uti-
lizando nestes 25 anos como referência no 
estudo desse campo da psicologia, seja na 
investigação dosinstrumentos psicológicos, 
seja no diagnóstico ou tipo de intervenção 
psicoterapêutica a ser utilizada. Aliás, co-
mecei esses estudos ao verificar que alguns 
casos que atendia não melhoravam ou até 
pioravam com minhas intervenções psica-
nalíticas clássicas, das quais era uma árdua 
defensora corporativista, e aos poucos “tive” 
que avançar nos limites da psicanálise, ou 
melhor, compreender os fundamentos pro-
postos pela técnica.
Durante a realização de minha tese de 
doutorado, primeiramente pesquisei a rele-
vância do fato de que as observações de uma 
criança, principalmente num contexto clíni-
co diagnóstico, devem considerar a presen-
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LudodiAgnóstiCo 47
ça ou não das noções adequadas de espaço, 
tempo e causalidade na construção do real 
pela criança, estudadas por Piaget (1923; 
1936; 1937; 1946; 1966; 1981). A partir 
desse trabalho, tenho procurado ressaltar 
o valor do aporte inicial ou procedimento 
clínico através do brin quedo, tal como Abe-
rastury (1962), Arfouilloux (1976), Efron e 
colaboradores (1974), Greenspan e Greens-
pan (1981), Klein (1929; 1932; 1955), Le-
bovici e Diatkine (1985), Mannoni (1965) 
e Soifer (1974; 1992), trabalhos que pres-
supõem vários níveis do conhecimento da 
representação da criança.
A grande questão levantada nesse 
estudo foi a de que crianças com esse tipo 
de problema cognitivo, ou seja, comprome-
timento nas noções adequadas de espaço, 
tempo e causalidade, não se beneficiam da 
ludoterapia clássica para reorganizar sua 
vida afetiva. Esse trabalho esclareceu parte 
de minhas dificuldades ao atuar como psico-
terapeuta em contextos assim.
Apliquei várias técnicas de investiga-
ção, discuti com especialistas em minha de-
fesa e, durante a realização da tese, inúme-
ros aspectos foram levantados em relação à 
contribuição da teoria de Jean Piaget ao psi-
codiagnóstico, não só ao ludodiagnóstico, e 
que ainda hoje procuro investigar. As indaga-
ções e sugestões do assessor da Fundação de 
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo 
(FAPESP) é que permitiram o estudo dessas 
noções nos quadros clínicos da psicose infan-
til, colocando -me novamente no estudo da 
gênese da representação, pois estes casos ge-
ram insegurança, tanto no diagnóstico quan-
to na intervenção mais indicada, logo, é fun-
damental um referencial consistente sobre o 
funcionamento mental e que possa dar uma 
perspectiva psicoterapêutica satisfatória.
Em relação à minha tese, passei a sub-
meter meu trabalho à comunidade – hos-
pitais, escolas, clínicas e secretarias da Jus-
tiça –, procurando desenvolver uma técnica 
específica com essas crianças, geralmente, 
diagnosticadas com difícil socialização, e 
uma de minhas conclusões foi a de que é pre-
ciso considerar os patamares cognitivos do 
cliente para poder intervir no plano simbóli-
co, ou seja, novamente nos deparamos com o 
estudo das representações, da sua gênese ou 
do patamar em que estamos atuando.
Na pesquisa de pós -doutorado, procu-
rei demonstrar a importância da investigação 
dessas noções espaço -temporais e causais 
como indicadores a serem considerados para 
o diagnóstico da socialização da criança em 
um processo psicodiagnóstico ou em qual-
quer circunstância diagnóstica rea lizada pelo 
profissional. Em minhas pes quisas, tenho 
demonstrado a importância desse diagnósti-
co mais específico em relação às estruturas 
mentais subjacentes a qualquer experiência 
vivida pelo sujeito. Portanto, esse trabalho 
consiste em dar relevância aos relatos ou re-
presentações do sujeito num contexto de ex-
pressão dessas experiências.
O psicólogo, seja por opção, seja pela 
demanda em que esteja inserido, é solicita-
do a avaliar, diagnosticar, encaminhar, tra-
tar, investigar a partir das representações do 
sujeito. Logo, meu propósito é demonstrar a 
relevância de alguns indicadores presentes 
no processo de socialização do sujeito, ne-
cessários, no sentido epistemológico, nesses 
contextos de investigação em que são uti-
lizados instrumentos com representações, 
dando especial ênfase ao contexto de ex-
pressão da técnica ludodiagnóstica.
Acredito que, ao demonstrar a relevân-
cia da identificação das noções de espaço, 
tempo e causalidade num contexto diagnós-
tico, estou considerando o fato de que cer-
tas crianças, diante dessa falha, apresentam 
uma dificuldade de representar adequada-
mente o mundo, logo a pesquisa procura 
dar instrumentos ao psicoterapeuta para o 
estudo das representações infantis.
Embora meu propósito até aqui tenha 
sido destacar alguns aspectos da represen-
tação que dizem respeito às noções de es-
paço, tempo e causalidade, devemos deixar 
claro que essas noções não abarcam toda a 
compreensão do pensamento representativo 
do sujeito. Essa compreensão é importante, 
pois, ao estudar uma técnica ludodiagnósti-
ca, devemos compreender o funcionamento 
mental que está presente e em que patamar 
cognitivo estamos atuando ou intervindo.
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48 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Na análise evolutiva de 330 sessões lu-
doterapêuticas observei que se uma criança 
chega a um determinado patamar cogniti-
vo, ela não regride. Ela pode, inclusive, não 
manifestar aquela estrutura naquela sessão, 
mas ao retomar a sua expressão ela retoma 
a partir do patamar conquistado, ou melhor, 
construído, no desenvolvimento do processo 
terapêutico. Estes dados ilustram a impor-
tância desse processo de desenvolvimento. 
Como trabalhamos fundamentalmente com 
representações, a compreensão de sua gêne-
se é crucial ao clínico.
Em minha revisão bibliográfica, ve-
rifiquei que alguns pesquisadores têm se 
ocupado em estudar aplicações clínicas da 
teoria de Jean Piaget, nos âmbitos neuroló-
gico, motor, social e psicológico. Tais con-
tribuições referem -se à relação entre funcio-
namento mental (neurológico), capacidade 
operatória e performances de sujeitos, e 
foram realizadas por Ajuriaguerra e Tissot 
(1966), Paunier e Doudin (1985), Schimid-
-Kitsikis (1987) e Soussumi (1995; 2003). 
Outros autores estabelecem relações entre 
algumas patologias e o processo cognitivo. É 
o caso de Ajuriaguerra (1963), Kerr -Corrêa 
e Sonenreich (1988), Limongi (1992), Za-
morano (1981) e Bueno Oliveira (2005). Há 
ainda aqueles que têm estudado as relações 
entre os aspectos psicodinâmicos e a teoria 
de Piaget: Assis (1985), que realizou estu-
do sobre as relações entre os níveis opera-
tórios e a avaliação de alguns aspectos da 
vida afetiva (imagos parentais, capacidade 
de reparação e controle dos afetos) e Viana 
(1984), que estudou as correlações entre o 
comportamento de apego e a aquisição da 
noção de permanência do objeto.
O diagnóstico dos sintomas 
da criança e a análise 
das representações 
a partir das noções 
espaço ‑temporais e causais
A necessidade de identificar a presença ou 
ausência das noções espaço -temporais e 
causais, para não confundirmos compor-
tamentos determinados por essa falha no 
processo de cognição com sintomas neuróti-
cos, psicóticos e hiperativos (Affonso, 1995) 
apontava já a importância de considerarmos 
essa análise em vários diagnósticos da crian-
ça, ou seja, o clínico deveria considerar es-
ses indicadores evitando as famosas ciladas 
classificatórias.
Tenho constatado que certos diagnós-
ticos precoces muitas vezes atrapalham o 
clínico quando este tem que tomar decisões 
a respeito de pessoas que procuram a sua 
ajuda, daí minha preferência por denominar 
essas crianças como pertencentes aos casos 
de difícil diagnóstico, em vez de aceitá -las 
imediatamente como limítrofes, deficientes 
mentais, psicóticas, com distúrbios de con-
duta, hiperativas, agressivas, etc.
Esse é um aspecto de extrema rele-
vância, pois tais crianças apresentam vários 
diagnósticos que variam no grau de sua so-
cialização, ou seja, há aquelas com uma re-
presentação empobrecida, mas conseguimos 
identificar na sua ação prática as noções 
espaço -temporais e causais preservadas. 
Frequentemente,as queixas são de que não 
escrevem, não leem, recusam -se a desenhar 
ou não conseguem contar uma história.
Há também os casos de crianças com 
difícil socialização, na maioria das vezes 
diagnosticadas também como psicóticas, 
mas que têm um comprometimento em to-
das as noções de espaço, tempo e causali-
dade. Geralmente, essas crianças são “con-
vidadas” a se retirar das escolas, por não 
conseguirem aprender, e apresentam uma 
socialização difícil, por não conseguirem 
interagir com os colegas, ou seja, apresenta-
rem um discurso caótico.
Encontramos ainda aquelas crianças 
estimuladas no âmbito da representação 
verbal, mas quem ao serem solicitadas a 
representar a sua própria ação através de 
uma redação ou representação lúdica, não o 
conseguem. Na maioria das vezes, são crian-
ças fixadas nas representações por imagem, 
ou seja, não lhes foi permitida a vivência 
prática de suas ações, daí a dificuldade na 
aprendizagem quando solicitadas na repre-
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LudodiAgnóstiCo 49
sentação gráfica. Geralmente, esses casos 
são confundidos com hiperatividade funcio-
nal, pois trata -se de crianças que conversam 
normalmente, mas não param quietas, estão 
em constante interação social, atrapalham 
a aula. Quando, por algum motivo, foram 
estimuladas nas suas estruturas lógicas, 
acabam também sendo confundidas com as 
crianças superdotadas.
É importante ressaltar que a avaliação 
da estrutura lógica é outro campo de estu-
do, embora esteja imbricada na sua cons-
trução com as noções de espaço, tempo e 
causalidade, e tenha sido alvo de milhares 
de pesquisas, tanto na psicologia como na 
neurologia, etc. Aliás, este é um ponto que 
muitas vezes tem sido alvo de discussões em 
reuniões científicas, e tenho procurado es-
clarecer que minha preocupação é com as 
estruturas cognitivas que possibilitam a or-
ganização da experiência vivida do ser hu-
mano e muitas vezes são denominadas de 
estruturas infralógicas.
Piaget enfatizou em sua obra a cons-
trução das estruturas lógicas, demonstran-
do que, subjacentes a elas, estão presentes 
as noções de espaço, tempo e causalidade. 
Dedicou ao assunto, dentre outros livros e 
artigos, a obra A construção do real na crian­
ça (Piaget, 1937), trabalho que se tornou a 
grande especificidade de alguns pesquisado-
res do Laboratório de Epistemologia Genéti-
ca e Reabilitação Psicossocial do Instituto de 
Psicologia da USP desde a sua implantação, 
em 1968, até a presente data.
O importante para esses pesquisadores 
é saber se as operações lógicas das quais o 
sujeito se utiliza estão dentro de um con-
texto em que as noções espaço -temporais e 
causais estão atuantes, ou seja, estudamos 
a vivência do ser humano, a gênese da sua 
socialização e as condições para tal. Temos 
diagnosticado crianças que apresentam um 
resultado acima da média em testes de inte-
ligência, mas que estão comprometidas em 
relação às noções de espaço, tempo e cau-
salidade, portanto, quero demonstrar com a 
presente pesquisa que nem sempre os ins-
trumentos utilizados fornecem parâmetros 
para o profissional avaliar o funcionamen-
to mental do sujeito e, consequentemente, 
o diagnóstico ou encaminhamento podem 
apresentar restrições.
Ainda no que diz respeito à dificulda-
de dos diagnósticos, tenho verificado que 
certos sintomas depressivos podem estar re-
lacionados com as noções de espaço, tempo 
e causalidade. Em 2002, realizamos um es-
tudo através dos prontuários de crianças de 
4 a 12 anos atendidas em psicodiagnóstico 
na Clínica Psicológica do Centro Universi-
tário UNIFMU com queixas de retraimento 
social ou sintomas depressivos considerados 
a partir do DSM -IV -TR (2002).
Todos os prontuários foram analisa-
dos segundo as noções de espaço, tempo 
e causalidade a partir da hora lúdica das 
crianças. Dos 102 prontuários das crianças 
atendidas nos anos de 1998, 1999 e 2000, 
selecionaram -se os casos com sintomas de-
pressivos (ou transtornos afetivos), num to-
tal de 14% com retraimento social (Figura 
4.1). Analisaram -se, então, esses casos se-
gundo as noções de espaço, tempo e causali-
dade. Em 6% encontramos a dificuldade na 
representação das noções, ou seja, crianças 
que seriam diagnosticadas com sintomas 
depressivos, mas que na verdade apresen-
tavam um comprometimento na área da re-
presentação dessas noções (Figura 4.2).
A pesquisa ainda está em fase de con-
clusão, mas uma das nossas constatações é 
que nem sempre os sintomas têm relação 
com causas afetivas, portanto, é necessário 
considerar outros aspectos. A análise das 
noções espaço -temporais e causais pode ofe-
recer um aprofundamento em nossos diag-
nósticos. Certas crianças podem apresentar 
sintomas depressivos por não conseguirem 
expressar suas ações, ou seja, falha na re-
presentação. O sintoma de retraimento so-
cial nada mais é do que uma “pobreza” ou 
“carência expressiva”, ou seja, um problema 
de linguagem, e não um transtorno afetivo.
Parte desse trabalho foi apresentado 
no Simpósio da Associação Brasileira de 
Neurologia e Psiquiatria Infantil, em abril de 
2003, no qual se discutiram os Transtornos 
Afetivos na Infância, ou seja, os sintomas 
depressivos.
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50 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Figura 4.1
Porcentagem	de	102	prontuários	de	crianças	aten-
didas	na	Clínica	Psicológica	UNIFMU	com	sintomas	
depressivos.
14%
86%
sintomas 
depressivos
outros 
sintomas
Porcentagem dos 
sintomas depressivos
Figura 4.2
Porcentagem	de	102	prontuários	de	crianças	aten-
didas	na	Clínica	Psicológica	UNIFMU	com	sintomas	
depressivos.
Porcentagem dos sintomas segundo 
as noções espaço, tempo e causalidade
85%
9%
6% outros sintomas
Comprometimento 
na representação 
das noções
Comprometimento 
depressivo
No entanto, outros pesquisadores ten-
taram estudar o papel do elemento racional 
no processo psicoterapêutico e a contribuição 
específica da epistemologia genética para 
o psicólogo que trabalha com investigação 
clínica: Anthony (1966), Fernandes (1982), 
Delahanthy e Peres (1994), Telles (1997), 
Seibert (2003) e Silva Altenfelder (2005).
A proposta de dar continuidade às 
pesquisas desenvolvidas sobre as noções de 
espaço, tempo e causalidade em meu estu-
do de pós -doutoramento teve vários eixos a 
serem aprofundados, que foram colocados a 
partir do momento que passei a submeter os 
resultados de minhas pesquisas à comunida-
de: hospitais, clínicas, secretarias da Justiça 
e escolas. Os eixos ou temas a serem apro-
fundados dizem respeito ao estudo do sinto-
ma no diagnóstico infantil, à intervenção ou 
psicoterapia a ser realizada com a criança, 
às técnicas e aos instrumentos diagnósticos, 
além do ludodiagnóstico, utilizados na ava-
liação psicológica, e ao estudo sobre a repre-
sentação, que engloba todos esses.
O processo 
diagnóstico e as noções 
espaço ‑temporais e causais
O trabalho de pesquisa que tenho realizado 
em relação ao ludodiagnóstico tem contri-
buído significativamente para aquele profis-
sional que, muitas vezes, dispõe exclusiva-
mente da observação clínica como seu úni-
co instrumento possível de trabalho. Nesse 
sentido, tenho demonstrado a importância 
do brinquedo como instrumento diagnósti-
co, ou seja, como o profissional pode dispor 
de novos instrumentos de observação clínica 
que, se aprofundados, podem oferecer -lhe 
segurança nas suas orientações (Affonso, 
1998; 1999; 2001).
Em 1998, fui convidada para supervi-
sionar um grupo de psicólogas que traba-
lhavam com laudos psicológicos, indicadas 
pelos juízes das varas de famílias de Pouso 
Alegre (MG). Para uma das crianças avalia-
das, tinha -se que emitir um parecer indi-
cando ou não a possibilidade de passar as 
férias com o pai, sendo que o mesmo não 
admitia que a mãe, nesse período de férias, 
contatasse a criança. Logo, consultou -se 
um psicólogo que, mediante apenas duas 
observações lúdicas com a criança, consta-
tou o comprometimento nas noções espaço-
-temporais e causais, concluindo,portanto, 
que não era recomendável para a criança a 
completa ausência da mãe, tendo em vista 
que não dispunha das condições cognitivas 
para a compreensão da ausência materna, 
tampouco a possibilidade cognitiva para 
tal elaboração. Esse trabalho acabou sendo 
apresentado e publicado nos Anais do III 
Congresso Ibero -Americano de Psicologia 
Jurídica, em 2000.
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LudodiAgnóstiCo 51
Se, de um lado, dou ênfase à obser-
vação no ludodiagnóstico, imediatamente 
preciso lembrar que a observação lúdica 
não é o único e exclusivo instrumento de 
investigação diagnóstica. Aliás, em minhas 
pesquisas, tenho estabelecido alguns de 
seus limites como técnica de investigação 
clínica (Affonso, 1992), mas passei a estu-
dar também de que forma em outras técni-
cas de investigação, tais como o desenho e 
os testes projetivos, o profissional pode, sem 
a consideração das noções de espaço, tempo 
e causalidade, “direcionar” o seu raciocínio 
e conduta clínica.
Em uma pesquisa que está sendo reali-
zada com 480 crianças de 3 a 12 anos, ava-
liadas durante 10 anos para serem aceitas 
em uma escola particular da cidade de São 
Paulo, verificou -se em que medida os seus 
desenhos e histórias forneciam informações 
sobre as noções de espaço, tempo e causa-
lidade. Verificou -se numa amostra de 100 
dessas crianças que em apenas 12% do total 
de desenhos e histórias encontramos a pre-
sença dessas três noções, e em 37% dessas 
crianças não encontramos a presença de ne-
nhuma dessas noções. Parte dessa pesquisa 
foi apresentada na reunião científica sobre 
avaliação psicológica no I Congresso de Ava-
liação Psicológica e IX Conferência Interna-
cional de Avaliação Psicológica: Formas e 
Contextos, realizado em Campinas em julho 
de 2003.
Foi interessante observar que, apesar 
de ter sido verificada tanto em meninos 
quanto em meninas uma porcentagem sig-
nificativa de crianças sem as noções, respec-
tivamente, 40 % e 34%, as meninas apre-
sentam um resultado maior em relação à 
presença de duas ou três noções. Enquanto 
nos desenhos e histórias, 15% dos meninos 
apresentam duas noções e 9% apresentam 
três noções (Figura 4.3). Na mesma análise, 
42% das meninas apresentam duas noções e 
14% três das noções (Figura 4.4). Essa dis-
crepância já havia sido detectada em meus 
registros quando realizei a pesquisa para 
minha tese, em 1994, mas eu ainda não ti-
nha uma medida quantitativa.
A partir da tese, passei a investigar 
como em vários diagnósticos infantis faltava 
a consideração dessas noções que, por sua 
Figura 4.3
Porcentagem	da	análise	das	noções	espaço	‑temporais	e	causais	em	desenhos	e	histórias	de	meninos	de	
3 a 12 anos.
Porcentagem de meninos sem ou com uma, duas ou 
três das noções de espaço, tempo e causalidade
sem desenho/sem noções
sem desenho/Com noções
Com desenho/sem noções
Com desenho/Com 1 noção
Com desenho/Com 2 noções
Com desenho/Com 3 noções
40
31
15
9
3 2
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52 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
vez, dirigem o psicoterapeuta para certos 
diagnósticos e determinadas intervenções. 
A grande questão é: qual a utilidade desse 
tipo de avaliação diagnóstica?
Em 1997, a Faculdade de Psicologia do 
Centro Universitário UNIFMU foi convidada 
a estruturar e implantar, junto com outras 
universidades e parceiros, um projeto de 
atendimento a famílias vítimas da violência 
urbana na cidade de São Paulo, através da 
Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania 
do Estado de São Paulo. Esse projeto en-
volvia atendimentos nas áreas psicológica, 
social e jurídica. A Faculdade de Psicologia 
UNIFMU ficou responsável pela estruturação 
do Núcleo de Psicologia. Os núcleos Social e 
Jurídico ficaram respectivamente sob a res-
ponsabilidade da Faculdade de Assistência 
Social da Pontifícia Universidade Católica 
(PUC -SP) e da Faculdade de Direito da USP. 
Esses representantes se reuniam semanal-
mente, juntamente com outros parceiros da 
sociedade civil, para estruturar o Centro de 
Referência e Apoio à Vítima (CRAVI).
A estruturação do Núcleo de Psicolo-
gia envolvia várias questões, entre elas:
a) fundamentar e estruturar os atendimen-
tos psicológicos oferecidos à população;
b) verificar se o atendimento psicológico de 
famílias vítimas indiretas de latrocínio e 
homicídio têm uma abordagem ou técni-
ca de intervenção específica a ser consi-
derada pelo psicólogo no CRAVI;
c) considerar o problema da interface im-
plícito no projeto;
d) avaliar em que medida o atendimento 
psicológico breve proposto no projeto 
era ou não o mais adequado, seus limites 
e seu encaminhamento, entre outras.
O resultado desse trabalho foi publica-
do em 2000 na Revista Psikhê, em conjun-
to com os psicólogos do núcleo, quando na 
época o CRAVI tinha já atendido em torno 
de 400 famílias vítimas de latrocínio e ho-
micídio na cidade de São Paulo (Affonso et 
al., 2000).
Porcentagem de meninas sem ou com uma, duas ou 
três das noções de espaço, tempo e causalidade
Figura 4.4
Porcentagem	da	análise	das	noções	espaço	‑temporais	e	causais	em	desenhos	e	histórias	de	meninas	de	
3 a 12 anos.
sem desenho/sem noções
sem desenho/Com noções
Com desenho/sem noções
Com desenho/Com 1 noção
Com desenho/Com 2 noções
Com desenho/Com 3 noções
0
0
34
14
1042
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LudodiAgnóstiCo 53
Nas supervisões e reuniões com os 
técnicos, desde perguntas, como se era ne-
cessário um atendimento psicológico para 
essas famílias, até a estruturação da técnica 
e sua abordagem funcionavam como pontos 
de reflexão e pesquisa. Uma das propostas 
do Núcleo de Psicologia era oferecer à po-
pulação um espaço para a elaboração, a re-
presentação de uma vivência, de uma perda 
violenta.
Quais os fundamentos teóricos e téc-
nicos necessários para o psicólogo desse nú-
cleo? Haveria a necessidade de uma avalia-
ção psicológica? Quais os instrumentos ne-
cessários para a avaliação? Seria solicitada 
a aquisição de testes? Quais? Que técnicas 
reuniriam mais condições para possibilitar a 
elaboração dessas famílias? Qualquer técni-
ca poderia ser indicada? Que material seria 
necessário? Seria atendida qualquer pessoa, 
independentemente da gravidade do caso? 
Como lidar com as queixas de problemas 
na escolarização e socialização das crian-
ças, geralmente trazidas pelas famílias? O 
atendimento seria individual, em grupo, fa-
miliar?
É claro que algumas dessas perguntas 
ainda estão sem resposta e ainda estão sen-
do publicadas e apresentadas em congres-
sos (Affonso, 1999; 2000; 2001; 2002), mas 
são questões que envolvem a necessidade 
de uma visão epistemológica da intervenção 
psicológica, e a teoria de Piaget, entre ou-
tras, tem fornecido contribuições para a sua 
fundamentação (Affonso, 2004).
Nesse projeto do CRAVI, afirmei (Affon-
so, 2000) que não só os psicólogos deveriam 
considerar as condições cognitivas, estrutu-
rais para a elaboração afetiva da violência 
sofrida, mas também todos os profissionais 
envolvidos no processo, considerando que a 
proposta é oferecer a elaboração afetiva da 
violência, definindo a elaboração a partir das 
noções espaço -temporais e causais (Affonso, 
1998). Propus que o sujeito indicado para a 
psicoterapia breve seria aquele que tivesse 
as estruturas cognitivas preservadas. Para o 
estabelecimento da técnica de intervenção 
a ser eleita, definiu -se que seria aquela que 
possibilitasse a representação gráfica, lúdica 
e verbal, tomando como conceito da repre-
sentação a teoria de Piaget (1932).
Considerando que trabalhamos na 
área da saúde pública com as representa-
ções dos sujeitos, um referencial sobre esse 
tema é fundamental.
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Parte II
A técnica 
ludodiagnóstica
INDEX BOOKS GROUPS
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A técnica ludodiagnóstica tem como fun-
damentos teóricos os trabalhos de vários 
estudiosos da psicanálise, como Melanie 
Klein, Ana Freud, Maud Mannoni, Armin-
da Aberastury, Winnicott, enfim, estudiosos 
que nas investigações clínicas do funcio-
namento psíquico da criança colaboraram 
para o trabalho psicanalítico com crianças a 
partir dos trabalhos de Sigmund Freud com 
adultos. Esse instrumento de investigação 
clínica é quase sempre incluído nas técnicas 
expressivas como uma ferramenta por meio 
da qual o brincar, tal como a associação li-
vre, os sonhos e a atuação (acting out), per-
mite ao clínico o estudo e o diagnóstico do 
funcionamento mental da criança.
Freud descobriu a psicologia da infân-
cia a partir de sua psicanálise com adultos. 
Ao analisar adultos, ele descobriu que as 
lembranças deles quase sempre estavam as-
sociadas a conflitos vivenciados na infância 
e, a partir dessa constatação, elaborou sua 
teoria sobre a sexualidade infantil, publica-
da em 1905. O brilhantismo de Freud estava 
em elaborar um modelo de funcionamento 
mental na infância sem ao menos ter aten-
dido uma criança.
Vale ressaltar que até hoje essa teo-
ria se aplica, não só ao atendimento infan-
til, mas também a adultos e adolescentes. 
Quando Freud quis conferir suas teorias, 
particularmente em Três ensaios sobre a teo­
ria da sexualidade infantil (Freud, 1905), 
pediu a conhecidos e colegas que coletassem 
observações de seus próprios filhos e filhas. 
Assim, após estruturar um modelo teórico, 
quis conferi -lo na prática, ou seja, verificar 
se as crianças passavam pelas etapas que 
havia previsto. A análise do Pequeno Hans 
(1909) foi uma dessas anotações, que veio 
a confirmar a teoria de Freud a respeito do 
desenvolvimento infantil.
Apesar de na obra Análise da Fobia de 
uma Criança de Cinco Anos: Pequeno Hans 
(Freud, 1909) já deixar todos os pressu-
postos da técnica lúdica, o pessimismo de 
Freud sobre trabalhar diretamente com 
crianças impediu muitos de pesquisar a res-
peito. Após 15 anos, em seu trabalho sobre 
o narcisismo, Freud (1914) retoma seu in-
teresse em estudar as crianças, agora para 
conferir suas pesquisas sobre a primeira in-
fância, ou melhor, sobre o desenvolvimento 
do narcisismo do nascimento à idade adul-
ta. Surge, então, uma tentativa de instituir 
uma forma de análise de crianças mais te-
rapêutica.
Do ponto de vista teórico, essas passa-
gens na obra de Freud não são nada fáceis 
de compreensão, pois nesses trabalhos estão 
não só os pressupostos da técnica com crian-
ças, mas também a compreensão da gênese 
das relações afetivas, esclarecidas por Freud 
como a expressão do funcionamento psíqui-
co com uma dada estrutura, que se diferen-
cia com o desenvolvimento de um mundo 
primitivo e fantasmático, indiferenciado, 
para um mundo com interações mais inte-
5
Breve histórico da técnica
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 59
gradas, onde o princípio da realidade passa 
a prevalecer em detrimento do princípio do 
prazer. A libido, diferenciada a partir das 
pulsões de autoconservação e parciais, ad-
quire um significado específico na relação 
com os objetos internos ou externos.
Podemos observar no desenvolvimen-
to infantil que os primeiros vínculos objetais 
orais são permeados do prazer da dependên-
cia e vão se transformando em prazer nas 
manipulações e controles da fase anal. O tipo 
de relação com o objeto da fase anal serve 
de modelo para o controle motor em geral, 
adquirindo sensações de domínio, prazer na 
expulsão ou na retenção. O mundo exterior, 
que na etapa oral era indiferenciado, agora 
é delimitado. As fezes são vivenciadas como 
conteúdos internos que são exteriorizados. 
O bolo fecal é vivenciado como intermediá-
rio entre a criança e o mundo exterior e é o 
herdeiro do objeto -seio da fase precedente 
e, por outro lado, antecessor do pênis da 
fase fálica, que vem a seguir.
O medo de ser deglutido, na fase oral, 
é substituído pelo medo de ser despojado, 
podendo agora representar um valor de tro-
ca. A fase fálica será caracterizada pela uni-
ficação dessas pulsões parciais orais e anais. 
O prazer não mais advém do exercício dos 
instintos de preservação, mas está sob o pri-
mado dos órgãos genitais. Entretanto, esses 
novos vínculos afetivos ainda não estão to-
talmente organizados, como vai ocorrer na 
fase genital. A criança só conhece um único 
órgão, o masculino. Com a descoberta da di-
ferenciação dos sexos, a oposição dos sexos 
é a oposição fálico ­castrado. Encontramos, 
assim, uma convergência das tendências se-
xuais sobre esse objeto – o falo.
As descobertas da diferença anatô-
mica, em princípio, são negadas, pois im-
plicam a perda do narcisismo: se eu não 
sou igual, sou como? Ou me tornarei igual 
quando? A curiosidade infantil pode ser ex-
pressa nas questões grande x pequeno; ho-
mem x mulher; rico x pobre, que também 
podem estar associadas às investigações ou 
manipulações corporais – a masturbação. A 
percepção da diferença começa com a ne-
gação, pois também os desejos não podem 
ser satisfeitos. A criança descobre que nem 
tudo é igual a tudo, daí a questão de qual é 
o seu lugar: menino x menina; o que pode e 
o que não pode.
Com a descoberta das diferenças, ins-
tau ra -se o não da consumação dos seus de-
sejos, e a criança passa a experimentar a 
culpa pelo prazer da consumação de seus 
desejos, que são agora dirigidos aos pais ou 
aos seus cuidadores. Em resumo, este é o 
momento da resolução edípica, com a típica 
angústia de castração. No menino, o medo 
de perder seu pênis leva -o a renunciar aos 
desejos genitais, abandonando os sentimen-
toshostis em relação à figura paterna. Na 
menina, é mais gradual e menos completo, 
segundo Freud: o medo de perder o amor da 
mãe leva -a a renunciar aos desejos pelo pai. 
Em ambos, menino e menina, observamos o 
processo de identificação, que marcará suas 
relações de identificação na puberdade e 
adolescência, preparando -os para a identi-
ficação no mundo adulto.
Em síntese, podemos dizer que o com-
plexo de Édipo é o conjunto organizado de 
desejos amorosos e hostis que a criança ex-
perimenta em relação aos pais. Freud consi-
dera que o ser humano sente a necessidade 
de domesticar as vivências edípicas para po-
der ter acesso a uma nova ordem, à cultura. 
O conhecimento científico nada mais é do 
que a sublimação desse prazer sexual que é 
inibido constitucionalmente, não no sentido 
de recalque, mas de uma repressão neuróti-
ca, transformada, e que permeará o perío-
do de latência. Ao estar vedado o acesso 
aos objetos primários, há uma introversão, 
regressão da libido e identificação com o 
objeto perdido. Nos primeiros estágios, oral 
e anal, a identificação e escolha de objeto 
coincidem, sendo denominada de identifi-
cação primária. Com o complexo de Édipo, 
essa diferenciação ocorre e a identificação 
torna -se mais completa, ou seja, não mais 
sob o domínio dos instintos parciais.
Ao considerar tais pressupostos teóri-
cos, poderemos observar e analisar o com-
portamento da criança em uma interação 
lúdica como a expressão desses vários tipos 
de vínculos afetivos, ora manifestações de 
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60 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
dependência ou de completa desorganiza-
ção ou ausência de prazer na relação, ora 
de tendências agressivas ou de manipulação 
e controle, seja sobre os objetos concretos, 
seja na relação ou no uso dos brinquedos 
para interagir com o meio.
Tais análises não devem necessaria-
mente ocorrer num contexto terapêutico, 
podendo ser feitas através de algumas ho-
ras observando crianças, por exemplo, num 
parque infantil. Em meus cursos de psicote-
rapia de crianças ou de adultos, solicito que 
os alunos, antes de se apropriarem dos con-
ceitos teóricos psicanalíticos, observem du-
rante umas seis horas o comportamento de 
crianças, de preferência sem terem sequer 
informações sobre a idade destas, apenas 
sentando -se num parque infantil e obser-
vando a criança e suas brincadeiras. Como 
é difícil uma criança ficar durante seis ho-
ras num mesmo local, minha sugestão é que 
isso seja feito em dias diferentes. A própria 
escolha da criança a ser observada já é um 
indicador da relação do terapeuta com a 
sua criança introjetada. Tais registros desses 
comportamentos costumam ser muito úteis 
para a compreensão, discussão e análise na 
prática da teoria de desenvolvimento de 
Freud, que estará em jogo quando a psicote-
rapia tiver seu início.
A PRiMEiRA 
PSiCAnALiSTA DE CRiAnçAS
Em 1908, Hermine von Hug -Hellmuth co-
me çou a ser analisada por uma psicana-
lista, que a apresentou a Freud. Desde en-
tão, ela começou a estudar psicanálise e a 
aplicar os conhecimentos psicanalíticos no 
atendimento de crianças e adolescentes. 
Passou a escrever na revista Imago uma 
coluna intitulada “Da verdadeira essência 
da alma infantil”. Em 1921, apresentou um 
trabalho no Congresso de Haia, chamado 
Sobre a técnica da análise de crianças, no 
qual discutia a importância de conquistar a 
confiança da criança, evitando o uso abusi-
vo das interpretações.
Hug -Hellmuth reconhecia a importân-
cia da comunicação da criança já na primeira 
sessão terapêutica e a importância do brin-
car como forma de permitir a expressão da 
problemática da mesma. Participaram deste 
congresso Anna Freud e Melanie Klein, mas 
a tentativa de Klein de estabelecer debate 
foi recebida com frieza por Hermine von 
Hug - Hellmuth.
Diretora do Centro de Orientação In-
fantil em Viena, Hermine foi assassinada em 
1924 por seu sobrinho de 18 anos, que ela 
havia criado e utilizado como matéria -prima 
de seus trabalhos, causando muitas críticas 
publicitárias na época, as quais trouxeram 
consequências negativas à análise infantil. 
Anna Freud na época recebia orientações de 
Hug -Hellmuth.
Na análise de crianças, Hermine von 
Hug -Hellmuth abstinha -se de aprofundar 
questões envolvendo o complexo de Édipo, 
segundo ela, para não despertar tendências 
reprimidas que a criança era incapaz de 
assimilar. Ela achava também que o papel 
do analista era o de exercer uma influência 
educativa. Parece que Anna Freud assimilou 
esses pontos de vista claramente.
Em 1927, Melanie Klein reconheceu 
o trabalho de Hermine von Hug -Hellmuth, 
dizendo que esta teve a honrosa distinção 
de ter sido a primeira pessoa a iniciar a aná-
lise sistemática de crianças, mas também 
fez duras críticas a ela, afirmando que seu 
trabalho fora carregado de preconceitos 
ou preconcepções e que ela se limitara às 
descobertas e ao desenvolvimento da teoria 
psicanalítica, além de não analisar crianças 
com menos de seis anos.
Essas críticas de Klein eram dirigidas 
também a Anna Freud, uma das pioneiras 
da análise de crianças, mas que, assim como 
Hug e outros, colocavam a psicanálise infan-
til a serviço da educação. Klein, por outro 
lado, foi a primeira analista a tentar com 
crianças uma forma rigorosa de psicanáli-
se, excluindo todos os elementos pedagógi-
cos, muito embora seus primeiros trabalhos 
publicados tenham ainda essa influência 
(Klein, 1921; 1923).
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LudodiAgnóstiCo 61
A inFLuênCiA DE AnnA 
FREuD nA TéCniCA DE 
AnáLiSE DE CRiAnçAS
A filha mais moça de Freud nasceu em 1892, 
em Viena, vindo a falecer em 1982. Efetuou 
várias contribuições importantes, como O 
ego e os mecanismos de defesa (1936), e, 
juntamente com Heinz Hartmann criou 
um estudo específico sobre a psicologia do 
ego (Hartmann apud Hinshelwood, 1992, 
p. 347). Entretanto, no início da década 
de 1920, ela e Melanie Klein iniciaram um 
debate ardoroso sobre a técnica de análise 
infantil, praticamente selado em 1927, no 
Simpósio Sobre a Análise Infantil, no qual 
Klein respondeu a críticas de vários analis-
tas, particularmente as de Anna Freud.
A síntese da análise infantil proposta 
por Anna Freud está publicada em seu tra-
balho O Tratamento psicanalítico de crianças 
(1927) e se refere à fase preparatória, à situa-
ção analítica modificada, à transferência nas 
crianças e ao brincar e a associação livre.
A fase preparatória
Anna Freud acreditava que a criança come-
ça sem entendimento do processo terapêuti-
co, logo, ela defendia a postura do analista 
engajar -se de maneira afetuosa, destinada 
a vincular a criança ao analista. Para Klein, 
não há qualquer restrição do método a ser 
feito com a criança; o método é o mesmo em-
pregado com adultos, acreditando que esta 
atitude de sedução da criança vai contra o 
proposto pela técnica psicanalítica, mencio-
nando que essa “técnica de amaciamento” 
proposta por Ana Freud com o cliente acaba 
por impedir o êxito da situação analítica que 
é a investigação do inconsciente.
A situação analítica modificada
Anna Freud acreditava que o analista de-
veria se apresentar também como um edu-
cador. Para ela a criança ainda estava cons-
truindo suas relações objetais, logo o analis-
ta tinha o papel de interferir nesse processo. 
Essa atitude era embasada no fato de que a 
transferência ainda não podia aparecer na 
relação com o analista na sua plenitude, tal 
como na análise de adultos, considerando 
que o ego ainda estava em formação. Para 
Klein, a criança está em grau maior sob a 
influência do inconsciente e é deste que de-
vemos nos aproximar como analistas. Klein 
acreditava que na função de educador o 
trabalho se restringe a uma investigação do 
ego consciente e, como tal, essa investigação 
não se firma como suporte único da análise. 
Além disso, Klein afirmava que os pacien-
tes desejam ver no analista uma figura de 
autoridade, amada ou odiada, e que só ana-
lisando essa atitude pode-se obter acesso às 
camadas mais profundas.
A transferência nas crianças
De acordo com a teoria da transferência da 
época, Anna Freud acreditava que a crian-
ça ainda se achava sob os cuidados de seus 
objetos primários (pai e mãe), logo não 
transferia afetos e impulsos a partir desses 
relacionamentos para formar uma neuro-
se de transferência com o analista. Conse-
quentemente, seus afetos e impulsos não 
poderiam ser interpretados. Klein, por outro 
lado, acreditava na evidência dos objetos 
primários, representados a partir dos brin-
quedos e comumente apresentados ansio-
samente pela criança de maneira negativa. 
Enquanto Anna Freud lutava para demons-
trar tal atitude defendendo o uso de uma 
transferência positiva com a criança, Klein, 
ao contrário, defendia a interpretação da 
transferência negativa como um elemento 
essencial para suavizar a ansiedade mani-
festa pela criança.
Podemos estabelecer um contato mais 
rápido e seguro com o inconsciente das 
crianças se, agindo com a convicção de 
que elas são muito mais profundamente 
influenciadas pelo inconsciente e pelos 
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62 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
impulsos instintivos do que os adultos, 
encurtamos o caminho que a análise de 
adultos toma pelo contato com o ego e fa-
zemos a ligação direta com o inconsciente 
da criança, fazendo uso da linguagem 
através das interpretações. (Klein, 927, 
p. 205)
O brincar e a associação livre
Anna Freud não acreditava que o brincar da 
criança fosse o equivalente à associação li-
vre do adulto, na medida em que também 
não considerava a existência da neurose de 
transferência. Klein viu no brinquedo a lin-
guagem de expressão da criança. Ela acredi-
tava que as crianças que por alguma razão 
não associavam não o faziam por causa de 
sua incapacidade de transformar seus pen-
samentos em palavras, tal como em Anna 
Freud, mas porque a ansiedade resiste às as-
sociações verbais, e o brinquedo é um instru-
mento facilitador. A representação por meio 
de brinquedos reveste -se de menos ansieda-
de, logo, as representações indiretas têm um 
papel facilitador do acesso ao inconsciente. 
Os analistas da época encaravam o brincar 
como uma atividade inocente; o que, por 
outro lado, levou Klein a um interesse pelo 
estudo da natureza da simbolização. Tanto 
Klein como Anna, no entanto, apoiavam a 
ideia de Freud (1920) de que por meio do 
brinquedo a criança expressa e elabora sua 
angústia. A repetição que observamos no 
brincar da criança demonstra uma situação 
de ansiedade em que o sujeito inverte o seu 
papel passivo diante do trauma para um 
papel ativo, onde ele controla a ansiedade. 
Anna Freud adotou a expressão “identifica-
ção com o agressor” para designar esse pro-
cesso, ou seja, mudar o papel para tornar o 
desfecho mais agradável em vez de penoso. 
A diferença decisiva era que, para Klein, a 
externalização da fantasia por meio do brin-
quedo é uma manobra defensiva, enquanto 
na psicanálise clássica a fantasia é utilizada 
para elaborar o trauma.
Há ainda uma série de divergências 
entre as duas, como em relação à análise 
de crianças a partir da latência, defendida 
por Anna Freud e criticada por Klein (1923, 
1927). Na medida em que dispomos do ma-
terial lúdico como expressão da criança e 
também por Klein (1929) acreditar na exis-
tência de objetos primários constantemente 
representados pela criança, mesmo naquela 
criança que se encontra em situação anterior 
ao período de latência a análise é possível. 
Essas divergências também acabaram por 
refletir em críticas sobre a investigação do 
complexo de Édipo precoce, analisado por 
Melanie Klein (1928), mas foram aos pou-
cos demonstrando que haviam divergências 
teóricas, não só técnicas.
A grande importância dessas influên-
cias teóricas é que foi estabelecida uma téc-
nica ludoterapêutica dirigida a crianças e, 
posteriormente, uma técnica de diagnóstico 
infantil, o ludodiagnóstico, com todos os 
fundamentos da psicanálise infantil, iniciada 
a partir de Freud, mas sistematizada e apro-
fundada a partir de Klein e seus seguidores. 
No caso específico da técnica lúdica diag-
nóstica destacam -se Aberastury, uma das 
precursoras da introdução da técnica como 
instrumento diagnóstico, principalmente na 
América Latina. Segundo essa autora, no 
primeiro encontro a criança manifesta seus 
conflitos e angústias e o histórico destes, ou 
seja, como e por que está ou ficou com difi-
culdades; suas fantasias de cura, bem como 
as expectativas do tratamento ou do seu 
prognóstico (Aberastury, 1962). Este livro 
tem justamente a proposta de ampliar o va-
lor do encontro lúdico com a criança como 
um instrumento de avaliação psicológica.
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LudodiAgnóstiCo 63
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In: M. Klein, Contribuições à psicanálise (pp. 193-
232). São Paulo: Mestre Jou. (Obra originalmente 
publicada em 1927).
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O ludodiagnóstico é uma técnica proje-
tiva, geralmente utilizada em situações de 
psicodiagnóstico infantil. Comumente essa 
técnica é utilizada pelo psicólogo no primei-
ro encontro com a criança, após as entrevis-
tas com os pais, no processo psicodiagnós-
tico, como uma das etapas de um dos con-
juntos de técnicas e testes utilizados para o 
diagnóstico clínico.
Na literatura, a observação lúdica ou 
ludodiagnóstico tem como fundamentação 
teórica os estudos de Freud (1900; 1905; 
1909; 1910; 1920; 1923) e Melanie Klein 
(1921; 1923; 1928; 1930; 1932; 1955), 
sendo esta quem sistematizou a técnica e o 
valor do jogo lúdico como instrumento de 
investigação clínica e terapêutica (Klein, 
1929; 1932; 1955). Entretanto, há vários 
autores que, a partir daí, sistematizaram a 
hora lúdica. Aberastury (1962), Efron e co-
laboradores (1976), Greenspan e Greenspan 
(1993), Soifer (1992) são slguns exemplos.
Alguns profissionais utilizam apenas 
este instrumento como avaliação psicoló-
gica da criança, como é o caso de alguns 
psicanalistas. Outros o utilizam como um 
rapport com a criança, para prepará -la 
para o processo de avaliação psicológica, 
ou seja, antes da aplicação de alguns tes-
tes psicológicos. Outros ainda a utilizam 
dentro de um conjunto de procedimentos 
de avaliação que fará parte do conjunto de 
resultadosque permitirão as conclusões 
diagnósticas.
As denominações utilizadas para o 
aporte inicial realizado com a criança den-
tro de um contexto psicológico são várias, 
e essa variedade vai depender da sua utili-
zação.
 1. Hora lúdica: a denominação é utilizada 
por vários profissionais, como fonoau-
diólogos, professores e psicopedagogos, 
na maioria dos casos com a função de 
estabelecer contato com a criança para 
uma observação. Geralmente brinque-
dos, preparados ou não, são fornecidos 
à criança sem um critério de análise es-
pecífico, apenas tendo como objetivo 
uma boa interação com a criança. Uma 
interação lúdica numa brinquedoteca ou 
numa recepção de consultório pode ser 
um exemplo.
 2. Observação lúdica: aqui já há um objeti-
vo específico, que é a análise do compor-
tamento da criança. Também pode ser 
utilizada por outros profissionais além do 
psicólogo, mas, no caso da psicologia vai 
ter a influência da abordagem escolhida 
pelo profissional, como, por exemplo, a 
abordagem comportamental, existencial 
ou psicanalítica. O profissional escolhe 
brinquedos sem um padrão específico 
e observa a criança interagindo com os 
6
O ludodiagnóstico e as 
técnicas projetivas expressivas
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 65
mesmos, analisando a posteriori alguns 
padrões de comportamento, indicadores 
ou sentimentos envolvidos naquela situa-
ção.
 A grande diferença da observação e da 
entrevista é que na situação de obser-
vação o profissional praticamente não 
intervém, e isso é combinado com a 
criança. Um exemplo de observação lú-
dica foram as análises de Freud sobre 
os comportamentos do Pequeno Hans 
(1909), analisando como a criança, a 
partir de suas perguntas ou brinquedos, 
havia, por exemplo, ficado horrorizada 
com o sangue da mãe no nascimento do 
bebê, associando -o ao medo da castra-
ção fálica, ou quando Freud, em 1920, 
analisa a situação da brincadeira de um 
bebê com um carretel que aparecia e de-
saparecia. Freud apresenta como esse 
comportamento significava a expressão 
e elaboração pela criança da angústia de 
separação da figura materna. Estes são 
exemplos de análise do comportamento 
infantil a partir de observações.
 3. Entrevista inicial com a criança: é utiliza-
da para o primeiro contato com a crian-
ça, visando ao contrato sobre o que será 
realizado. Aqui a influência psicanalítica 
passa a ser mais determinante, principal-
mente nos trabalhos de Maud Manonni 
(1982). Sem uma preocupação com a 
sistematização da técnica, Mannoni de-
senvolve a importância da investigação 
do significado do sintoma da criança, no 
lugar que este ocupa no fantasma paren-
tal da família. Além disso, a entrevista 
inicial pode ser entendida como o pri-
meiro encontro para o estabelecimento 
de um contrato psicoterapêutico com a 
criança. Aqui já há uma situação estabe-
lecida, na qual há o pressuposto da “fala” 
da criança e do terapeuta.
 4. Entrevista clínica com a criança: neste 
caso, os materiais lúdicos não são ne-
cessariamente utilizados, mas o objetivo 
é uma investigação sobre o desenvolvi-
mento num contexto clínico em geral, ou 
seja, outros profissionais podem aplicá -la. 
Estes contextos geralmente são encon-
trados num hospital e em consultórios. 
O psicólogo aqui não está comprometi-
do com a técnica clássica ludoterápica, 
ou seja, não há um padrão de contrato. 
Os trabalhos de Greenspan e Greenspan 
(1993) podem ilustrar muito bem esta 
denominação.
 5. Ludodiagnóstico: esse instrumento de 
investigação psicológica é quase sempre 
incluído nas técnicas projetivas expressi-
vas, como um procedimento de investi-
gação fundamentado nos princípios da 
associação livre (Freud, 1900), nas quais 
o sujeito fica inteiramente livre na sua 
forma de expressão (Anzieu, 1978).
Entende -se aqui por técnica a arte, a 
habilidade, a destreza, as regras comunicá-
veis para a execução de qualquer trabalho 
(Ferreira, 1986) Neste sentido, trata -se de 
um instrumento que requer treino e habili-
dade para sua aplicação. Embora a técnica 
consista na utilização da brincadeira infan-
til, o objetivo não é brincar com a criança, 
e sim permitir que ela expresse através dos 
brinquedos as dificuldades que porventura 
esteja enfrentando, requerendo habilidade 
do profissional. Não basta, portanto, o de-
sejo de brincar com a criança. Aliás, dificil-
mente o profissional irá literalmente “brin-
car” com a criança, considerando que a sua 
postura é mais de compreensão das expres-
sões lúdicas.
No senso comum, brincar está relacio-
nado a passatempo, divertimento, entrete-
nimento, agitação, gracejo, etc. (Ferreira, 
1986), mas dificilmente um profissional 
num contexto diagnóstico utilizará a situa-
ção lúdica nesse sentido. Mesmo o pro-
fissional que utiliza a técnica lúdica como 
rapport, ou seja, para explicar à criança o 
que será feito nos próximos encontros, co-
mumente fará uma observação do compor-
tamento da criança para avaliar se o mesmo 
corresponde às exigências requeridas pelos 
testes subsequentes, a serem utilizados ou 
planejados. Portanto, mesmo num contexto 
de observação do comportamento, há um 
referencial, há um “olhar” que tem funda-
mentos teóricos comprometidos com o de-
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66 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
senvolvimento humano, logo requer tam-
bém um preparo para esse olhar diagnósti-
co. Daí também a denominação de “hora de 
jogo diagnóstica”.
Trata -se, portanto, de uma técnica 
projetiva. No sentido psicanalítico, pro-
jeção (Laplanche, J.; Pontalis, 1977) é a 
operação pela qual o indivíduo expulsa 
de si e localiza no outro (pessoa ou coisa) 
qualidades, sentimentos, desejos e mes-
mo objetos que ele desdenha ou recusa 
em si. Trata -se aqui de um mecanismo de 
defesa de origem muito arcaica e que va-
mos encontrar em ação, particularmente, 
na paranoia, mas também em modos de 
pensar normais, como, por exemplo, na su-
perstição. Klein, em seu trabalho Criminal 
tendencies in normal children [Tendências 
criminais em crianças normais], de 1927, 
(apud Hin shelwood, 1992) coloca o me-
canismo de projeção como importante na 
externalização de conflitos no brincar com 
objetos externos, confirmando o que Freud 
já mencionara sobre a culpa inconsciente 
existente nos atos violentos dos adultos, em 
1916, em Varios tipos de caracter descubier­
tos en la labor analitica: criminosos a partir 
de um sentimento de culpa (Freud, 1916a), 
ou seja, a externalização da criminalidade 
como um método de mitigar a violência in-
terna entre os desejos e as proibições do 
superego. Assim, durante a aplicação da 
hora -lúdica, as crianças podem atuar pro-
jetando no relacionamento com os brin-
quedos e com o terapeuta seus conflitos ou 
relacionamentos internos.
Klein (1927; 1928) encontrou no brin-
car da criança normal graus de violência 
e uma luta para dominar esses impulsos 
agressivos. A ação externa no brincar (ou 
no crime real) permite que o mundo real 
tranquilize o ego de que a violência não é 
tão temível assim, permitindo que no brin-
car novas fantasias apareçam e melhorem a 
violência interna. Klein também abordou o 
conceito de projeção como auxiliar no pro-
cesso de formação da identidade, na medida 
em que considerava que o ego projeta para 
fora impulsos originados da pulsão de mor-
te, procurando introjetar o que é bom.
Anzieu (1978) descreve o uso do con-
ceito de projeção nas técnicas projetivas 
como meio para expulsar da consciência os 
sentimentos repreensíveis, tendo como con-
sequência o favorecimento de uma descarga 
emocional. No caso do ludodiagnóstico, a 
criança pode expressar sua raiva atribuindo 
à situação lúdica ou através de personifica-
ções o ódio que não pode admitir no plano 
consciente. Ou seja, o brinquedo atua como 
instrumento de descarga, ao mesmo tempo 
favorecendo a compreensão dos aspectos in-
conscientes.
O ludodiagnóstico consiste em uma 
técnica expressiva projetiva que favorece a 
expressão segundoas variáveis de persona-
lidade do sujeito, permitindo a compreen-
são dos referenciais por este utilizados.
O que ocorre na sessão psicanalítica é 
interpretado como a expressão dos conteú-
dos do mundo interno e externo. Ao ofere-
cer à criança a possibilidade de utilizar o 
brinquedo ou o jogo dentro desse contex-
to particular do ludodiagnóstico, cria -se a 
possibilidade da configuração de um cam-
po determinado pelas variáveis internas de 
personalidade da criança. Assim, a criança 
pode atualizar no aqui e agora um conjun-
to de fantasias e de relações de objeto que 
serão analisadas pelo terapeuta, no sentido 
de compreender os motivos manifestos e 
latentes que determinaram os conflitos ou 
explicitar de que maneira a criança gostaria 
de ser ajudada e como está o seu funciona-
mento psíquico (id ego e superego).
Segundo Anzieu (1978), o método 
projetivo geralmente é utilizado nos diag-
nósticos para a obtenção de informações 
indiretas, às quais o sujeito não tem acesso 
ou que não consegue expressar. Assim, são 
planejados o uso de certas técnicas e testes 
para proporcionar oportunidade de autoex-
pressão sem depoimento verbal direto. No 
caso da técnica lúdica, os materiais teriam 
essa função indireta de expressão.
Comumente utiliza -se o termo “teste” 
para se referir a um procedimento sistemá-
tico a fim de observar e analisar o compor-
tamento e descrevê -lo com ajuda de escalas 
numéricas ou categorias fixas. Se tomarmos 
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LudodiAgnóstiCo 67
a definição literal de método e de teste, 
pode -se dizer que a técnica ludodiagnóstica 
não corresponde a um método nem a um 
teste, considerando que é uma técnica onde 
a criança fica livre para se expressar, logo 
não é sistemática nem contém um padrão 
fixo de estímulos ou de instruções, como em 
alguns métodos projetivos, por exemplo, o 
Rorschach (Anzieu, 1978).
Método diz respeito a um sistema que 
perfaz a essência do saber científico. Sis-
tema é o conteúdo e o método, o aspecto 
formal, é o processo racional para se che-
gar a um dado conhecimento. Ao estudar 
a entrevista clínica com crianças, estamos 
tentando desenvolver instrumentos que 
a insiram num saber científico; tentando 
construir um caminho dentro de um con-
junto de técnicas e processos, visando a ul-
trapassar a subjetividade de quem a aplica. 
Este é o grande desafio do pesquisador que 
tem a psicanálise como referência: tornar 
o seu instrumento um método científico, 
mesmo com algumas poucas variáveis de 
controle – a técnica e os seus fundamentos 
para a análise.
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A SALA DE ATEnDiMEnTO
A sala de atendimento infantil onde se reali-
za o ludodiagnóstico não deve ser a mesma 
dos adultos ou adolescentes, pois deve ser 
um local preparado para a criança se movi-
mentar, utilizar os materiais, pintar a mesa 
ou a parede, jogar bola, molhar com água, 
etc. Dou estes exemplos mais drásticos 
porque muitos profissionais que atendem 
crianças fazem restrições a suas maneiras 
de brincar, pois o espaço em que ocorre a 
sessão não está convenientemente prepara-
do para a ação prática ou representativa de 
uma criança. A sala também não pode ser 
muito pequena, para não restringir a mo-
vimentação infantil possível. O ideal é que 
tenha pelo menos 9 m2.
O chão e as paredes devem ser laváveis 
para as possíveis eventualidades e para que 
os descontroles das ações lúdicas não sejam 
vividos com angústias, tanto pelo terapeuta 
como pela criança. Deve ser sempre conside-
rada a possibilidade de reparação, diante de 
um descontrole das ações da criança, daí a 
preocupação tanto na escolha dos materiais 
como na preparação da sala. Deve -se ter o 
cuidado de montar a sala com materiais lavá-
veis e que não coloquem a criança em risco.
Como o contexto ludodiagnósticoé de 
avaliação psicológica, sugere -se que a sala 
tenha janela, com acesso à luz natural. Em 
edifícios, a janela deve ter rede de proteção. 
No caso do uso de lâmpadas, é importante 
que elas estejam protegidas, pois podem ser 
atingidas com algum material e provocar 
acidentes.
No que se refere ao mobiliário, reco-
men da -se que haja uma mesa lavável, re-
vestida por fórmica branca, de 1,10 m de 
comprimento, 70 cm de largura e 65 cm de 
altura. O revestimento com fórmica, além 
de facilitar a limpeza, impede que a criança 
deixe marcas na mesa, uma vez que a fór-
mica dificulta riscos. Certa vez, trabalhando 
numa mesa de madeira, um cliente deixava 
sulcos irreparáveis sobre a madeira. É claro 
que os outros clientes acabavam utilizando 
esses desenhos, e os desenhos sobre as fo-
lhas de papel sulfite ficavam com as marcas 
da madeira no papel.
O branco é recomendável na mesa por 
ser esta uma cor neutra, logo não interfere 
na produção lúdica. O tamanho e a forma 
retangular da mesa facilitam a colocação 
dos materiais, pois podemos deixar um es-
paço livre à frente da criança para que ela 
escolha o material a ser utilizado, ou seja, 
trata -se de uma disposição onde não dirigi-
mos a escolha. A largura e o comprimento 
da mesa facilitam o acesso aos materiais 
sem ter que sair da mesa para pegar um ma-
terial, e a altura é a ideal para a utilização 
de crianças de 2 a 12 anos. Geralmente o 
terapeuta senta -se num dos lados menores 
do retângulo, por ser menos persecutório, e, 
além disso, facilitar o acompanhamento das 
ações da criança.
7
O procedimento ludodiagnóstico
rosA mAriA LoPes Affonso
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70 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Na sala deve haver ainda duas cadei-
ras iguais, uma para a criança e outra para 
o terapeuta, ou seja, o terapeuta fica no 
mesmo plano que a criança, logo a altura do 
assento deve ser em torno de 35 cm. Além 
dessas cadeiras mantém -se uma cadeira de 
tamanho normal para adultos, que é dispos-
ta longe da mesa e pode ser utilizada por 
um dos pais ou responsáveis, no caso de a 
criança solicitar um acompanhante durante 
a sessão ludodiagnóstica.
Um divã, também lavável, será usado 
no caso de a criança preferir verbalizar ou 
deitar -se para alguma associação. Há tera-
peutas que em vez do divã utilizam colchões 
com almofadas laváveis. Tal preocupação 
pode parecer muito rigorosa, mas deve-
mos contar com a possibilidade de algumas 
crianças já virem preparadas para uma asso-
ciação livre. No início de minha carreira não 
acreditava nisso e não me preocupava com 
a existência do divã. Meus próprios clientes 
foram me demonstrando essa necessidade, 
e a utilização do divã pode aparecer de vá-
rias maneiras, seja como o lugar das asso-
ciações verbais, seja como o corpo materno. 
Por exemplo, um dos casos em que essa 
significação se deu foi o de um garoto de 9 
anos que praticamente permaneceu no divã 
por cerca de noves meses. Primeiramente, 
ficava deitado no divã olhando para o teto, 
depois passou a me olhar e, depois de várias 
sessões, interagia com o divã como se fosse 
o corpo materno: entrava debaixo, saía pe-
los pés do divã com a cabeça, como se esti-
vesse nascendo, lambia o divã ou mesmo o 
acariciava. É claro, que encontraremos tais 
significações em crianças muito prejudica-
das, ou seja, onde a expressão de relações 
primárias parecem ser primordiais em suas 
ações lúdicas.
O ARMáRiO DAS CAixAS 
LúDiCAS Ou BOxES
Costumo dizer aos meus alunos que já traba-
lhei de várias maneiras e fui compreenden-
do as recomendações kleinianas aos poucos. 
Inicialmente, achava que uma criança ter 
seus materiais individualmente era desne-
cessário, mas vejamos: uma dada criança 
utiliza um brinquedo, pinta -o ou tira -lhe 
uma peça significativa. Discute -se com a 
criança sobre essas significações nesta ses-
são. Imagine que uma outra criança venha 
Figura 7.1
foto de uma sala de atendimento ludoterapêutico.
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LudodiAgnóstiCo 71
e lave esse mesmo instrumento ou queira 
saber o porquê dos materiais estarem desta 
maneira e lhes dê outra configuração. A pri-
meira criança com certeza notará a diferen-
ça, podendo reclamar ou não. Até que pon-
to, ao colocarmos materiais coletivos, não 
estamos introduzindo variáveis que podem 
comprometer nossa relação com a criança?
Costumo perguntar: o atendimento é 
coletivo? Se não o é, por que tratar os mate-
riais dessa maneira? A individualidade dos 
materiais garante o sigilo terapêutico, prin-
cipalmente se nos encontramos diante de 
um processo psicoterapêutico. Quando não 
consideramos a individualidade dos mate-
riais, podemos estar invadindo a privacida-
de da criança, expondo os seus conflitos, e 
isso as próprias crianças nos demonstram. 
Costumo dizer àqueles que fazem críticas a 
isso que as próprias crianças vão demons-
trando o que os especialistas estudaram há 
anos. Klein demonstrou que não devemos 
atender as crianças em seu habitat natural, 
que os materiais devem ser guardados em 
boxes e também se preocupou com os tama-
nhos dos materiais, entre outros aspectos.
A maneira diferente de cada profis-
sional tratar o material infantil confunde, 
principalmente, os iniciantes, e é uma das 
razões pelas quais defendo a padronização. 
Aliás, a falta de cuidado ou os excessos com 
que são montadas as caixas lúdicas nas clí-
nicas psicológicas em geral deixa a impres-
são de que estas não são instrumentos de 
valor terapêutico.
Voltando à questão da individualidade 
dos materiais, é importante que haja um ar-
mário lavável dividido em boxes fechados, 
onde serão guardados os materiais de cada 
criança, ou então devem ser montadas cai-
xas lúdicas individuais, guardadas em um 
armário fechado com prateleiras. O impor-
tante é que apenas a criança atendida tenha 
acesso aos seus materiais, protegendo tam-
bém o sigilo.
O armário é dividido em prateleiras, 
com uma única porta, onde serão colocadas 
as caixas lúdicas fechadas, ou em espaços 
com portinholas com chaves individuais 
(boxes). A altura do armário é de aproxi-
madamente 1,60 m e a largura, de 1,50 m, 
com 45 cm de profundidade. Recomendo e 
utilizo o segundo formato de armário, no 
qual deixo dois compartimentos para os lu-
dodiagnósticos. Os outros compartimentos 
são para as crianças que estão em proces-
so psicoterapêutico, caso em que o cuidado 
com o sigilo deve ser maior.
Por exemplo, num processo psicotera-
pêutico, não mexo no compartimento que foi 
destinado à criança. No compartimento do 
ludodiagnóstico já não tenho esse cuidado, 
pois reponho o material que porventura te-
nha sido danificado na primeira sessão diag-
nóstica. No contrato ludodiagnóstico não co-
loco para a criança que aquele compartimen-
to será só de sua utilização, como o faço na 
psicoterapia da criança, ou seja, o box é, de 
certa forma, coletivo. Como as sessões ludo-
diagnósticas podem ser no máximo três, pro-
curo deixar no compartimento os materiais 
produzidos pela criança, no caso de, já na 
primeira sessão, verificar que irei utilizá -los 
novamente no segundo ou terceiro encontro 
do ludodiagnóstico. Caso contrário, retiro ou 
reponho os materiais utilizados pela criança 
e o compartimento do ludodiagnóstico fica 
disponível para a próxima.
Alguns poderiam questionar quão dis-
pendioso é tal procedimento. Trabalhei em 
comunidades muito carentes onde as caixas 
lúdicas eram feitas de papelão e algumas 
de caixas de sapato, mas sempre mantive a 
preocupação de mantê -las num armário fe-
chado. A existência de um armário onde se 
guardam as caixas lúdicas, além de demons-
trar o cuidado com a relação terapêutica, 
garante que outras crianças não mexam nas 
caixas ou mesmo queiram pintá -las, como já 
ocorreu comigo.
A CAixA LúDiCA E OS MATERiAiS
No caso do profissional optar pelo uso de 
um armário com prateleiras, deverá tirar 
a caixa do mesmo a cada sessão. Logo, ela 
deve ser resistente e, no caso do ludodiag-
nóstico, não necessita de cadeado,pelas 
mesmas razões já mencionadas em relação 
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72 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
à não individualidade da caixa diagnóstica. 
Há muitos locais que vendem as caixas lúdi-
cas já prontas, feitas de madeira e revesti-
das de fórmica, por ser lavável. Esse cuidado 
facilita a sua reutilização, uma vez que há 
crianças que pintam suas caixas. O tamanho 
ideal de uma caixa ludodiagnóstica é de 50 
cm de comprimento por 35 cm de largura e 
30 cm de altura. Ao longo dos anos de aten-
dimento, verifiquei que as crianças que se 
sentem ameaçadas com a invasão de outras 
costumam, com mais frequência, delimitar 
seu espaço pintando suas caixas.
Quanto aos materiais, Klein (1932) 
sugere que sejam pequenos, permitindo 
que a criança os manipule, ou seja, tenha o 
controle sobre os mesmos, mas não tão pe-
quenos que possam pôr em risco a vida da 
criança, pois algumas deverão querer pô -los 
na boca. Além disso, os materiais estrutu-
rados devem ser uma miniatura da realida-
de, para que a criança possa encontrá -los e 
reconhecê -los como representantes de sua 
realidade. Logo, cada caixa deve respeitar 
a realidade cultural da criança em ques-
tão. Não colocaremos um posto de gasolina 
numa caixa lúdica se formos atender uma 
criança indígena, por exemplo.
Efron e colaboradores (1976) e Abe-
rastury (1962) recomendam que sejam utili-
zados materiais estruturados e não estrutu-
rados. Não há ainda uma padronização para 
a caixa lúdica, embora se esteja estudando 
esta possibilidade, mas os profissionais de-
vem ter alguns cuidados na escolha dos ma-
teriais, observando, como já mencionado, 
que sejam uma miniatura da realidade, e 
não, por exemplo, um jacaré de cor abóbo-
ra. Além disso, é recomendável que sejam 
manipuláveis pelas crianças, não devendo 
ser grandes demais, pois também podem as-
sustar a criança, nem pequenos demais, pois 
podem pôr em risco sua manipulação.
Os materiais recomendados para uma 
cultura urbana brasileira são:
Materiais estruturados
n famílias de bonecos;
n famílias de animais selvagens e domésti-
cos;
n casinha com quarto, cozinha, sala e ba-
nheiro;
n posto de gasolina;
n carros e caminhões ou caminhão -cegonha 
ou cegonheiro;
n bola;
n armas de brinquedo;
n soldados em campo de guerra ou poli-
ciais;
n índios;
n equipamentos de cozinha, de enferma-
gem ou ferramentas;
n telefone;
n aeroporto;
n porto com barquinhos.
Materiais não estruturados
n lápis preto;
n caixa de lápis coloridos;
n borracha;
n guaches coloridos, com pelo menos cin-
co cores (azul, preto, amarelo, branco e 
vermelho);
n um pincel no 6 e outro no 12;
n apontador;
n cola e fita adesiva;
n tesoura;
n massa de modelar;
n barbante;
n papéis laminados coloridos;
n papel sulfite;
n papel espelho colorido;
n blocos de madeira coloridos;
n brinquedos de construção: ligue -ligue; 
monta -tudo ou de outros tipos de encai-
xes;
n panos e bacia com água.
Os materiais estruturados têm a função 
de facilitar a expressão, permitindo um rápi-
do acesso à capacidade simbólica da criança, 
considerando que esta é a sua forma mais 
comum de interagir com o mundo no seu 
dia a dia, logo o material lúdico estruturado 
teria essa finalidade facilitadora. Tenho fei-
to várias críticas aos materiais estruturados 
que muitos profissionais utilizam, pois não 
obedecem a alguns cuidados. Por exemplo, 
é comum encontrarmos caixas com animais 
de diversar cores, como vaca azul e boi ver-
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LudodiAgnóstiCo 73
de. Além disso, tenho verificado através de 
pesquisas que as caixas lúdicas muitas vezes 
não contêm cenas, e sim todos os materiais 
sem relação alguma entre si.
Deve -se colocar um posto de gasolina, 
e não um carrinho apenas; um aeroporto, e 
não um avião. Como já demonstrei, a análi-
se da estrutura mental das noções de espaço, 
tempo e causalidade (Affonso; 1994, 1998) 
será feita a partir da montagem ou não de 
cenas, que podem ser construídas através de 
blocos, mas numa situação diagnóstica, na 
qual temos pouco tempo de observação, de-
vemos oferecer à criança estas cenas.
Ainda em relação aos materiais estru-
turados, tenho verificado que para as meni-
nas é mais fácil a escolha dos materiais, e os 
mesmos facilitam a expressão de sua identi-
ficação com a figura feminina. Na nossa cul-
tura ainda é a figura feminina quem tem a 
responsabilidade pelos cuidados domésticos 
(mesmo, às vezes, essas funções ficando a 
cargo do homem), logo, a casinha, os bone-
cos e os utensílios de cozinha servem para 
a expressão dessas vivências familiares, e é 
possível adquirir várias cenas muito utiliza-
da pelas meninas no seu cotidiano natural.
No caso dos meninos isso já não ocorre 
com tanta frequência. Comumente são ofe-
recidos a estes um carrinho, um guerrilhei-
ro, um bombeiro, etc., e não uma patrulha 
de policiais, um homem no escritório. As 
vivências dos papéis masculinos ficam mais 
distanciadas das crianças, logo, segundo mi-
nhas hipóteses, a identificação masculina, 
principalmente para os meninos, é imagina-
da sem a possibilidade de um brinquedo que 
facilite sua representação.
Os materiais não estruturados também 
têm a finalidade de facilitar a expressão in-
fantil, principalmente para aquelas crianças 
que se sentem ameaçadas com o material 
estruturado, além de permitir a expressão 
da criatividade na sua forma de construção.
Alguns autores da psicanálise sugerem 
que, por ser esta uma técnica projetiva, se-
jam utilizados somente materiais não estru-
turados, apoiados no fato de que os estrutu-
rados sofrem a influência cultural de quem 
os escolhe (Brougère, 2000). Outros, como 
Klein (1955) e Soifer (1974), são contrários 
ao uso de jogos de competição, sob a alega-
ção de que levam o terapeuta a se afastar de 
sua atitude investigativa, ou seja, podemos 
não encontrar um consenso em relação à es-
colha desses materiais.
Portanto, a padronização dos materiais 
numa caixa lúdica ainda é alvo de pesquisas 
e é um campo complexo de estudo. O que é 
comum é a necessidade da utilização de ma-
teriais, uma vez que permitem a observação 
de fenômenos que não são obtidos pela pa-
lavra e podem ser observados ou analisados 
tanto no acontecimento lúdico quanto na 
maneira como a criança utiliza os materiais, 
estruturados ou não.
Encaro o material lúdico, seja estru-
turado ou não estruturado, como um ins-
trumento de expressão da saúde mental 
infantil, que permitirá a manifestação da 
brincadeira simbólica e que poderá permitir 
a imaginação de uma realidade dolorosa ou 
não, ou seja, cumpre um papel da expressão 
de aspectos positivos ou negativos de suas 
vivências e que faz parte dos comportamen-
tos esperados num desenvolvimento infantil 
sadio. Logo, a criança que não interage com 
os materiais ou não manifesta a brincadeira 
simbólica apresenta alguma problemática a 
ser investigada. Klein (1929) aponta os cui-
dados que devemos ter com a criança que 
não brinca e o quanto este bloqueio está re-
lacionado ao comprometimento pessoal e/
ou social. Portanto, o faz de conta permite 
não só a representação de uma realidade 
angustiante (Freud, 1920) como também 
a sua elaboração ou mesmo o confronto da 
realidade interna com a vivenciada.
É essa concepção que muitas vezes 
está subjacente na montagem de brinque-
dotecas ou na escolha dos materiais em di-
versos contextos, como, por exemplo, em 
hospitais. Na montagem de uma brinquedo-
teca hospitalar devem -se considerar espaços 
com instrumentos cirúrgicos, macas, utensí-
lios de higiene pessoal, enfim, materiais que 
possam facilitar a expressão, a representa-
ção da realidade vivida no contexto hospi-
talar, podendo ser transformada, elaborada, 
confrontada na brincadeira simbólica atra-
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74 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
vés dos brinquedos, tal como fundamentou 
Freud (1920). Quando atendi famílias víti-
mas de homicídio e latrocínio em psicote-
rapia breve infantil, foram montadascaixas 
lúdicas específicas, pois os materiais da cai-
xa devem ser alterados conforme o objetivo 
do atendimento, mas sempre respeitando o 
conteúdo de materiais estruturados e não 
estruturados.
Nos casos de caixas lúdicas montadas 
apenas com material não estruturado, a in-
fluência cultural também estará presente. A 
brincadeira simbólica manifesta pela crian-
ça, independentemente do material, sofre 
influências educacionais, familiares ou não, 
e a criança apresentará os seus conflitos sob 
a influência da família, que, por sua vez, está 
inserida naquela cultura. Portanto, o profis-
sional deve fazer uma análise crítica, seja na 
escolha dos instrumentos para aquele con-
texto em que está trabalhando no momento, 
seja na consideração das manifestações dos 
instrumentos utilizados.
Ainda em consideração à escolha dos 
materiais pelo profissional que trabalha com 
ludodiagnóstico, o referencial de teorias de 
desenvolvimento está implícito. A brinca-
deira simbólica faz parte de uma das etapas 
do processo de socialização da criança, por 
isso a escolha de determinado brinquedo ou 
brincadeira pela criança será analisada sob 
este enfoque evolutivo. Logo, a caixa deve 
conter elementos que pressupõem esta aná-
lise, não sendo, portanto, uma caixa lúdica 
qualquer. Para Efron (1976) e Aberastury 
(1962), o significado dos brinquedos tem 
um valor diagnóstico fundamentado na te-
oria do desenvolvimento psicossexual de 
Freud (1905) e nas teorias de desenvolvi-
mento cognitivo.
É diferente uma criança que monta 
várias cenas com personagens interagindo 
em várias situações conflituosas de outra 
que persevera, tomando a água da bacia 
ou apenas afundando um carrinho na água 
sem parar. O profissional analisará a etapa 
da manifestação simbólica, podendo consi-
derar, por exemplo, a capacidade simbólica 
da primeira criança, com vários recursos 
egoicos, enquanto a segunda manifesta eta-
pas primárias do desenvolvimento oral, ou 
ainda, a primeira manifestando um tipo de 
brincadeira em que está implícita a brinca-
deira simbólica, enquanto na segunda a pos-
sibilidade de sua não construção.
A escolha dos materiais tem o objetivo 
de possibilitar a manifestação ou expressão 
da criança, sofrendo as influências culturais 
da sociedade em questão, mas essa esco-
lha obedece a critérios teóricos específicos, 
abordados por vários estudiosos da teoria 
psicanalítica, que pressupõem o estudo do 
desenvolvimento humano.
Como mencionei acima, o diagnós-
tico da problemática ou crise da criança é 
realizado no contexto evolutivo, no qual a 
investigação das etapas evolutivas da mani-
festação da brincadeira simbólica e de seus 
significados tem um papel importante. Logo, 
a escolha da abordagem psicanalítica não é 
uma opção, uma vez que pressupõe uma teo-
ria do desenvolvimento. O mesmo acontece 
com a abordagem piagetiana em relação ao 
estudo do desenvolvimento das expressões 
práticas do bebê para as manifestações sim-
bólicas na criança, pois o diagnóstico não é 
do brinquedo, e sim da manifestação das re-
presentações da mente infantil.
A COnDuTA DO 
PROFiSSiOnAL nA SiTuAçãO 
LuDODiAgnóSTiCA
Segundo a técnica, o papel do profissional é 
passivo, porque ele funciona como observa-
dor, mas também ativo, na medida em que 
investiga e formula hipóteses sobre a proble-
mática a ser estudada. Logo, apropriando -se 
das recomendações sobre os estudos de en-
trevistas diagnósticas (Bleger, 1975), trata-
-se de um papel de observador participante, 
e, para efeito dessa investigação diagnósti-
ca, o profissional pode formular perguntas 
para esclarecer dúvidas e decidir interagir 
na brincadeira, se isso lhe for solicitado. 
Embora a recomendação seja de evitar in-
terpretações, estas poderão ser utilizadas 
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LudodiAgnóstiCo 75
dependendo do grau de experiência profis-
sional na arte e manejo da técnica.
A conduta do profissional no caso de a 
criança necessitar ser acompanhada é pra-
ticamente a mesma, pois ele analisará por 
que a criança necessita dessa companhia, 
observará e investigará sua interação com 
o outro presente, sem, no entanto, disputar 
a atenção com este. Isso pressupõe o aco-
lhimento às necessidades da criança ou do 
par presente na situação. Nesses casos é co-
mum o profissional solicitar ao responsável 
presente que evite interferências, sem, no 
entanto, mostrar impedimentos ou recrimi-
nações caso estas ocorram.
Como se trata de uma situação comu-
mente ansiógena para a a criança, a postura 
do profissional é a de ficar atento e intervir 
tentando diminuir possíveis reações de medo 
ou de angústia, evitando críticas às condu-
tas expressas, sem, no entanto, colocar -se 
na posição de laissez faire. Arzeno (1995) 
lembra que não devemos permitir estragos 
irreparáveis, pois a angústia, ao contrário 
do que se pensa, pode ficar intensificada. 
Nesta perspectiva ansiógena, também há a 
possibilidade de a criança desejar sair da 
sala para ir ao banheiro, ou mesmo querer 
se retirar para reassegurar -se e ficar por um 
tempo na companhia dos responsáveis.
Considerando que o objetivo é a in-
vestigação da interação com a criança, 
sugere -se não anotar durante a sessão, pois 
esta atitude pode inibir a criança ou mes-
mo impedir e dificultar o processo investi-
gativo diagnóstico. Os registros são feitos 
a posteriori, e tal procedimento tem seus 
pressupostos no método clínico psicanalí-
tico, onde não importa a exatidão do ma-
terial expresso, e sim um relato o mais fiel 
possível daquela situação. Tal conduta, no 
entanto, requer treino e preparo. Além dis-
so, parte -se do pressuposto de Freud (1914; 
1920) de que há uma tendência da criança, 
assim como do adulto, a repetir e desejar 
elaborar as situações ansiógenas. Logo, caso 
o profissional não memorize situações num 
dado momento, é provável que, em outro, a 
criança as repita. Além disso, o mesmo pro-
cedimento pode se repetir em pelo menos 
três outros encontros, diminuindo no profis-
sional a ansiedade por registros.
MAnEJO TéCniCO DA SiTuAçãO 
LuDODiAgnóSTiCA
Segundo Aberastury (1962), os móveis po-
dem fazem parte do contexto interpretati-
vo a ser analisado, pois podem representar 
a maneira como a criança interage com o 
mundo externo, com os conteúdos de figu-
ras de autoridade, com um adulto, etc. Por-
tanto, certos cuidados com o local podem 
facilitar a interação e fazem parte da análise 
neste contexto diagnóstico. Neste sentido, 
é importante que o local esteja limpo, sem 
materiais de outras crianças expostos e faci-
lite o contato e a interação com os materiais 
que serão usados.
Antes de a criança entrar na sala, os 
materiais da caixa lúdica devem estar dis-
postos sobre a mesa, obedecendo a critérios 
aleatórios, mas com uma certa ordem, pre-
ferencialmente em montinhos agrupados. 
Por exemplo: o montinho de animais, o 
dos blocos de madeira ou de construção, o 
da casinha com os utensílios de cozinha, o 
do material gráfico, etc., sem preocupação 
excessiva com a maneira de agrupá -los, ou 
seja, não é necessário que todos os animais 
ou carrinhos estejam alinhados ou de pé; o 
agrupamento é no sentido de facilitar o ma-
nuseio e a escolha do material.
A orientação em relação à disposição 
dos materiais sobre a mesa tem o mesmo sen-
tido facilitador expressivo, pois considera -se 
que certas crianças podem inibir -se diante 
de uma caixa com brinquedos que esteja fe-
chada, ou esteja aberta, mas com todos os 
materiais guardados. Nestes casos, a criança 
não pode sequer abrir a caixa ou escolher 
o material que esteja circunstancialmente 
em sua parte superior. Segundo essa mesma 
perspectiva, sugere -se que os materiais se-
jam apresentados fora de suas embalagens, 
isto é, os lápis, a massinha e outros devem 
ter sido retirados de suas caixas. Além dis-
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76 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
so, o profissional deve providenciar que a 
criança tenha acesso à água, que pode ser 
disposta numa bacia,caso não exista na sala 
uma pia com torneira.
O COnTRATO DA 
SESSãO LuDODiAgnóSTiCA
Assim que a criança entra na sala de aten-
dimento, sugere -se esclarecer a ela os ob-
jetivos do encontro, o porquê da presença 
do material, bem como o papel de cada um 
–criança e profissional – neste contexto. 
Como a situação ludodiagnóstica é realiza-
da após as entrevistas com os pais ou res-
ponsáveis, em geral o profissional já tomou 
o cuidado de saber o que foi dito à criança 
ou de orientar tal esclarecimento aos pais 
ou responsáveis, procurando evitar situa-
ções fantasiosas ou de falsidade no encon-
tro. Aliás, é comum que a criança, quando 
questionada pelo profissional sobre os moti-
vos que a trouxeram ali, diga que os desco-
nhece, para testar a confiabilidade daquele 
que a está questionando.
Para a realização do ludodiagnóstico, 
não existe uma padronização, mas há al-
guns procedimentos comumente utilizados.
 1. Primeiramente, pergunta -se à criança se 
ela sabe os motivos que a levaram àquela 
situação.
 2. Depois disso, são apresentados os moti-
vos dos pais ou de terceiros que a leva-
ram a esse encontro, tomando o cuidado 
de não colocá -los no papel de figuras 
más. Caso seja necessário mencionar os 
reais motivos, devem ser colocados como 
uma tentativa de colaboração em relação 
a algo que não se está conseguindo resol-
ver sem uma ajuda profissional. Deve -se 
ter o cuidado de não causar indignação, 
ou mesmo sentimentos de traição na 
criança.
 3. A apresentação dos materiais é feita de 
modo a explicitar que os mesmos têm a 
função de colaborar para o entendimen-
to das situações -problema apresentadas 
e a finalidade de facilitar a expressão 
da criança. Comumente, acrescenta -se 
que a utilização ou não do material pela 
criança é facultativa.
 4. Deve ser esclarecido no início de sessão 
que o objetivo é compreender e tentar 
orientar os envolvidos no problema, 
(pais, criança, escola, etc.) e que outros 
contatos foram ou serão ainda realiza-
dos, ao menos com os pais. É importante 
o profissional considerar que, embora o 
ludodiagnóstico tenha seus fundamentos 
na técnica psicanalítica, nem sempre a 
sua utilização é psicanalítica, pois pode, 
dependendo da demanda, não estar a 
serviço da psicanálise, e sim da orienta-
ção de pais ou de outros responsáveis. 
Portanto, o profissional deve considerar 
que nem sempre estará ali para decidir 
– como ocorre num contexto psicotera-
pêutico psicanalítico – se a criança irá 
se submeter ou não ao processo psicote-
rapêutico, e sim para fazer o diagnósti-
co de uma dada conduta, de uma dada 
situação. Também há uma demanda de 
terceiros a ser atendida, que nem sem-
pre corresponde às demandas da criança, 
mas que deve ser considerada.
 5. Após tais esclarecimentos, aguarda -se 
um posicionamento sobre como a crian-
ça está recebendo esta preocupação dos 
pais e, segundo Aberastury (1962), é 
o momento em que a criança pode de-
monstrar, a partir dos materiais, cons-
ciência ou não do problema, bem como 
expressar os motivos que a levaram a 
apresentar tais dificuldades e o que ne-
cessita para saná -las.
 6. Aguardam -se as manifestações da crian-
ça, sejam verbais ou através da utilização 
dos materiais, e o examinador poderá 
indagar a criança, com os cuidados su-
geridos nas técnicas expressivas projeti-
vas. Por exemplo: conte -me algo sobre o 
que você está fazendo; se fosse um lugar, 
onde poderia ser? O que poderia estar 
acontecendo? Há pessoas nessa situa-
ção? O que elas poderiam estar fazendo? 
Como elas são? Do que elas mais gostam? 
Do que elas não gostam? O que poderia 
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LudodiAgnóstiCo 77
acontecer para tornar essas pessoas mais 
felizes? Conte -me uma história sobre o 
que você está fazendo. O que vai aconte-
cer depois? Como termina esta história?
 7. Essas perguntas não podem ser seguidas 
como um roteiro, pois poderão ser utili-
zadas ou não, dependendo daquilo que a 
criança fizer ou desejar expressar. Logo, 
nem sempre é possível formular ques-
tões; por outro lado, as questões serão 
desnecessárias se a criança apresentar 
facilidade na expressão.
 8. Alguns minutos antes do término da 
sessão ludodiagnóstica, sugere -se a re-
tomada do que foi esclarecido no início 
da sessão, explicitando quais serão os ob-
jetivos seguintes, ou seja, quais e como 
serão os encontros seguintes, se estão 
previstas outras atividades ou a mesma 
que foi realizada. Enfim, conclui -se o 
contrato, explicitando o número de en-
contros previstos, com os seus objetivos, 
duração e tempo, forma de pagamento, 
sigilo profissional e como se dará a fina-
lização de todo o processo de avaliação. 
É importante esclarecer que o sigilo com 
os pais ou responsáveis é relativo, pois o 
contexto é de avaliação, e não um sigilo 
psicoterapêutico, logo a criança deve ser 
informada de que receberá os resultados 
do processo juntamente com os pais ou 
responsáveis.
 9. Ao final, comumente após 50 minutos, a 
sessão lúdica é encerrada. Antes, porém, 
é solicitado que a criança guarde os ma-
teriais segundo os seus critérios. Tal pro-
cedimento tem como objetivo verificar 
como a criança lida com regras e analisar 
como ela consegue conter ou cuidar dos 
conteúdos expressos. Pode -se considerar 
a recusa da criança a esse procedimen-
to como a expressão de dificuldades em 
conter ou de tolerar o que foi expresso, 
deixando para o examinador fazê -lo, na 
medida em que é ele o depositário da 
função de conter ou de cuidar do que 
se considera, supostamente, irreparável. 
É evidente que tais significados podem 
ser entendidos sob outros aspectos: difi-
culdade em aceitar a separação ou inca-
pacidade para guardar os materiais, ou 
mesmo dificuldade na aceitação das ins-
truções ou do que foi vivenciado naquela 
sessão ludodiagnóstica.
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diagnóstica con niños. São Paulo. (Documento 
mimeografado).
INDEX BOOKS GROUPS
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O significado do brinquedo pode ser um 
tema polêmico, na medida em que nenhum 
psicoterapeuta ou profissional da saúde 
considera os significados dos brinquedos 
como algo estático e imutável. Alémdisso, 
o estudo do significado do brinquedo envol-
veria necessariamente estudar a sua evolu-
ção no contexto das diversas culturas, daí a 
grande polêmica quando ele se direciona a 
dar significados específicos a determinados 
brinquedos.
Uma pesquisa sobre a significação dos 
jogos pode também ser feita segundo um re-
ferencial evolutivo específico, como propõe 
Aberastury (1992), fundamentada na teoria 
psicanalítica, a partir de Freud e Klein e uti-
lizado por inúmeros educadores e clínicos. 
Sobre a significação das fezes e da urina 
Aberastury (1992, p. 40) comenta:
Entram alimentos em sua boca, pas sam 
através do corpo e saem transformados; os 
sólidos, suscetíveis de originar capacidade 
criadora. A criança ama e teme as subs-
tâncias que saem de seu corpo. Uma vez 
que elas estão condenadas a desaparecer, 
devido às proibições do adulto, a criança 
busca na água, terra e areia os substitutos 
permitidos das fezes e da urina. Desse 
modo, água, terra e areia passam do es-
tado de puras substâncias para adquirir 
aspectos selvagens, mangueiras de apagar 
incêndios, líquidos com poderes mágicos, 
etc. Mais tarde, o adulto lhe oferecerá uma 
substância, uma massa especial, com que 
poderá modelar objetos.
Nesse trecho identificamos a teoria na 
qual Freud (1905) apresenta como o ho-
mem, dentro do seu quadro evolutivo, bus-
ca satisfação e estabelecimento de relações 
objetais a partir do exercício dos instintos 
parciais – no caso, a satisfação ao evacuar. 
Identificamos como a criança procura, ao 
mesmo tempo em que está estruturando e 
elaborando a sua psique interna, objetos 
substitutos para satisfazer sua libido através 
da manipulação de objetos não estruturados 
como, por exemplo, a areia ou massinha de 
modelar.
Aberastury (1992) demonstra como 
os objetos concretos vão ganhando signi-
ficados de satisfação libidinal ao longo do 
desenvolvimento. Vale ressaltar que Freud 
(1905), na obra dos Três ensaios sobre a 
teoria da sexualidade, apresenta as várias 
transformações da energia psíquica nas suas 
relações com objeto quanto ao alvo e quanto 
à fonte da excitação sexual sem relacionar, é 
claro, com qualquer significação de objetos 
concretos. Podemos entender, portanto, que 
o exercício de defecar pode promover uma 
satisfação advinda da zona erógena anal, 
que se transforma num modelo de relação 
8
O brinquedo, sua evolução e 
seus possíveis significados
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 79
objetal como, por exemplo, o controle ou a 
manipulação do outro, típicos do compor-
tamento característico que encontramos em 
crianças que estão na etapa anal.
Aberastury (1992) e Lebovici e Diatki-
ne (1985) também alertam para a impor-
tância da história cultural dos objetos nos 
estudos dos significados dos brinquedos. A 
fecundidade começa a interessar a criança. 
Aparecem os tambores, os globos, as bolas, 
como brinquedos prediletos que simbolizam 
o ventre fecundo (Aberasury, 1992, p. 40), 
objetos concretos escolhidos, pois estão à 
disposição daquela cultura em que a criança 
está inserida.
Poderíamos também estudar os signifi-
cados dos brinquedos a partir de um quadro 
evolutivo onde há categorias de jogos: dos 
funcionais, como o prazer nos rituais e re-
petições, para aqueles onde a disciplina e a 
regra se impõem, como, por exemplo, um 
jogo de futebol. Neste aspecto poderíamos, 
apoiados na teoria piagetiana, estudar o 
significado dos brinquedos a partir do exer-
cício dos esquemas práticos, os esquemas 
representativos ou o exercício dos esquemas 
lógico -concretos. Neste caso, o estudo so-
bre a significação pode adquirir a qualidade 
da estruturação do conhecimento humano 
tal como o fez Piaget (1946) em sua obra 
A Formação do Símbolo na Criança, onde 
minuciosamente vai demonstrando como a 
atividade lúdica tem a sua gênese a partir da 
inteligência sensório -motora. Piaget carac-
teriza os jogos de exercício passando para a 
inteligência representativa o que irá carac-
terizar a atividade lúdica, que por sua vez 
será sucedida pela inteligência operatória, o 
que caracteriza os jogos de regras. Essa pas-
sagem, segundo Piaget, é complexa e longa, 
envolvendo os primeiros anos de vida até os 
12 anos de idade, e faz parte do processo de 
diferenciação eu/não eu.
Sem tais pretensões científicas, reuni 
aqui o que tenho exercitado em minha expe-
riência clínica e de observação de crianças. 
Essa necessidade de estudar o significado 
dos brinquedos surgiu, por outro lado, a 
partir de minhas convicções da importân-
cia histórico -cultural do brinquedo e de 
minhas inquietações de observar em várias 
crianças esses mesmos significados. Essa 
pesquisa mais ampla, porém, não foi feita 
e, é claro, tais significados devem ser consi-
derados na sua relatividade, logo, também 
devem ser criticados e questionados o seu 
uso unilateral. 
Podemos entender que qualquer obje-
to pode apresentar uma significação com-
pletamente adversa do que se espera que 
ele signifique. O vaivém de uma bola pode 
representar o prazer dos toques nas pa-
redes, ou querer ver como se sucedem os 
deslocamentos ou ainda nada mais do que 
um simples vaivém. Logo, ao considerarmos 
os significados dos brinquedos temos que 
considerá -los sempre num contexto, e nun-
ca pensá -los isoladamente.
Mesmo assim, as possíveis significa-
ções devem ser cuidadosamente observa-
das inúmeras vezes no comportamento da 
criança, para que sejam interpretadas ou 
consideradas numa intervenção qualquer, 
seja educacional ou clínica. Pode -se, porém, 
questionar o porquê mencionar os seus sig-
nificados se não os utilizarmos em sua ple-
nitude num contexto diagnóstico infantil. 
Comumente, utilizo este material de signi-
ficados lúdicos para demonstrar o quanto a 
criança pode atribuir significação, as mais 
adversas possíveis, expressando aspectos do 
seu desenvolvimento. As interpretações lú-
dicas, porém, são consideradas em conjunto 
com as informações sobre o histórico do de-
senvolvimento obtidos nas entrevistas com 
os pais ou com profissionais, portanto, num 
contexto clínico que exige uma habilidade 
técnica específica. O seu uso por todos os 
profisionais, no entanto, pode ser no sentido 
da observação lúdica como possíveis indica-
dores do desenvolvimento infantil, como 
propõe Aberastury.
Este capítulo tem também o objetivo 
de contribuir principalmente com os profis-
sionais que atendem crianças que não se co-
municam verbalmente, fornecendo alguns 
subsídios para serem utilizados na interven-
ção e possíveis hipóteses diagnósticas.
Portanto, antes de me reportar à aná-
lise do ludodiagnóstico, apresentarei aqui o 
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
80 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
que tenho recolhido ao longo dos anos de 
atendimento clínico, educacional e de pes-
quisa sobre os possíveis significados dos 
brinquedos no ludodiagnóstico.
Abordarei o significado do brinque-
do com base nas diversas manifestações da 
criança em atendimentos psicoterapêuticos 
e nas sessões de ludodiagnóstico e em ob-
servações de comportamentos de crianças. 
É importante ressaltar que são possíveis sig-
nificações, nem sempre constatadas pelo te-
rapeuta em todas as crianças, considerando 
que cada uma delas tem a sua história es-
pecífica de significações, além da influência 
cultural e social do brinquedo, já descritas. 
No entanto, estas possíveis significações po-
dem auxiliar na análise do brinquedo, logo, 
podem ser utilizadas ou não como indicado­
res na análise da sessão lúdica, que deverão 
ser complementados com outros instrumen-
tos de investigação, ou seja, outros testes, 
ou com o relato da própria história da crian-
ça, fornecida por seus responsáveis.
Antes de abordar os brinquedos, ve-
jamos alguns possíveis significados da sala 
de atendimento, na qual todo esse processo 
será desenvolvido. A sala de atendimento é 
o espaço onde o terapeuta deve propiciar à 
criança um ambiente favorável à manifesta-
ção de sua afetividade,seus conflitos e suas 
angústias.
As paredes da sala de atendimento 
podem significar o corpo do terapeuta e 
de quem cuida da criança, logo, também 
o corpo materno, que tanto pode ser pro-
tetor como ameaçador, ou, ainda, alvo de 
pesquisa. Por volta dos 2 anos, período que 
corresponde à fase anal, é comum observar 
que a criança gosta de deixar suas marcas 
pelas paredes, porque elas marcam o corpo 
ou o espaço do lugar que a contém, no caso, 
simbolicamente representado pelas paredes, 
que remetem ao corpo materno.
É comum no atendimento terapêuti-
co as crianças deixarem materiais colados 
nas paredes, podendo isso significar que a 
criança quer deixar o seu produto colado no 
corpo do outro. Isso pode estar relacionado 
a como este outro a recebe, no caso a figura 
materna, representada pela família e o te-
rapeuta, ou ainda, ser fonte de exibição ou 
demarcação de território. Geralmente, neste 
período de desenvolvimento do treino dos 
esfíncteres a mãe tenta orientar a criança 
delimitando um espaço para riscar ou colar 
coisas, mas é comum a criança contrariá -la 
rabiscando a parede. Quando isso ocorre no 
ambiente terapêutico, tal reação pode deno-
tar que a criança quer comunicar a sua ne-
cessidade de contato físico ou de contrariar 
as regras.
Certa vez, atendi uma criança que aos 
9 anos não falava e apresentava um compor-
tamento muito regredido. Ela manteve du-
rante meses uma relação com as paredes do 
consultório muito comum em casos de diag-
nóstico grave. Em princípio, ficava deitada 
no divã tocando a parede da sala, como que 
imersa no contato sensorial com a mesma. 
Após alguns meses, passou a tirar casquinhas 
da parede e comê -las, como que incorporan-
do simbolicamente o contato afetivo com a 
figura materna. Foi interessante observar 
que, depois de algumas sessões, ela passou 
a querer manter um contato de toque com 
meu corpo, na região dos meus seios, em que 
reproduzia, mas já não tão absorto, aquele 
movimento de contato com a parede.
É nessas crianças com comportamen-
tos tão regredidos que podemos observar 
a intensidade dessas significações. Aliás, 
entendo que, se não nos basearmos nelas, 
praticamente não temos outros instrumen-
tos para trabalhar, na medida em que são 
crianças com pouca aderência a interven-
ções. As significações observadas comumen-
te correspondem a fases muito precoces do 
desenvolvimento infantil, aos primeiros me-
ses, quando sequer existe o brinquedo como 
intermediário no contato. Daí a importância 
de consideramos essas significações dentro 
de uma perspectiva do desenvolvimento 
infantil como um todo. O contato com as 
paredes, nesses casos, corresponde a signi-
ficações orais em que a noção de eu/não eu 
ainda está fundida, e a criança expressa esse 
comportamento na relação com o terapeuta. 
Trata -se, a meu ver, do campo da invasão 
da sensorialialidade, tal como descrito no 
Capítulo 3.
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LudodiAgnóstiCo 81
Isso não significa que o contato com 
a parede corresponde sempre a fases primi-
tivas do desenvolvimento, oral (no contato 
direto com o corpo simbólico) ou anal (no 
contato de deixar simbolicamente os seus 
produtos). Uma criança de 4 anos, por exem-
plo, pode utilizar as paredes como expressão 
de suas angústias edípicas, tentando deixar 
marcas nas paredes para exibir aos outros 
clientes o quanto ela é inteligente, capaz, ou 
até mesmo para provocar os terceiros das 
supostas relações do terapeuta. Neste caso 
já temos que considerar um comportamento 
mais amadurecido e que pode corresponder 
a relações de exibicionismo e ciúmes, típicos 
da fase edípica. Também se poderiam discu-
tir as relações primitivas do complexo edí-
pico, segundo a contribuição kleiniana, mas 
meu propósito não é a discussão teórica, e 
sim as possíveis significações que, depen-
dendo da abordagem terapêutica, podem 
ser consideradas.
Afirmar que dependendo do terapeuta 
as significações podem ou não ser considera-
das é um problema teórico que, no meu pon-
to de vista, requer uma compreensão episte-
mológica da teoria psicanalítica e que requer 
um capítulo na teoria das ciências psicoló-
gicas. Segundo autores da teoria piagetiana, 
as significações são construídas a partir da 
troca com o meio e já a partir dos reflexos. 
Tais significações vão ser integradas a símbo-
los, signos significantes e que contribuíram 
na construção dos conceitos. Não vou me de-
dicar a tal discussão, dada a complexidade e 
a necessidade de integrar, por exemplo, os 
significados particulares e gerais dos símbo-
los descritos por Jung (1977).
Para meu propósito, a própria noção 
do conceito de simbólico deve ser também 
estudada, principalmente quando trabalha-
mos com crianças com comportamentos tão 
primários, em contraposição a um concei-
to de simbólico ou de campo lúdico (como 
descrito no Capítulo 3), que pressupõe já 
um amadurecimento egoico, com represen-
tações simbólicas já evoluídas, sequer ainda 
consideradas nestes casos tão primitivos do 
funcionamento mental. Portanto, neste mo-
mento é importante considerar as várias con-
tribuições psicanalíticas no processo de com-
preensão das significações da criança ou de 
outra contribuição teórica, resguardando, é 
claro, o perigo do ecletismo sem sentido.
O teto da sala pode estar relaciona-
do à proteção que a criança espera receber 
do terapeuta e a capacidade de reflexão da 
mesma. Nos desenhos projetivos, o telhado 
está associado ao pensamento ou às fanta-
sias da criança. Podemos verificar isso nos 
desenhos feitos num Teste Projetivo HTP, 
no qual algumas crianças podem, inclusive, 
manifestar indicadores de lesões cerebrais 
ao desenhar o telhado da casa. Por isso, tan-
to as paredes como a sala como um todo po-
dem ter este mesmo significado de proteção 
ou de um espaço ansioso, dependendo da 
vivência da criança.
O chão da sala pode apresentar diver-
sos significados. Geralmente está associado 
ao contato com a realidade, é o que dá base, 
sustentação. Além disso, pode estar rela-
cionado à produção dos alimentos, à terra 
(mãe -terra). A terra está relacionada aos 
símbolos femininos, assim como o chão. Por 
exemplo, quando a criança pega o carrinho 
e anda pelas ruas, o que ela está fazendo? 
O carrinho é comumente um símbolo fálico, 
logo, pode significar que anda pelas ruas, em 
busca do conheci mento ou do contato com o 
corpo feminino.
Um outro significado para chão é de 
um comportamento regressivo ou de regres-
são. Na sala de atendimento é importante 
que o terapeuta coloque uma mesa para 
trabalhar com a criança, mas, se ela o cha-
mar para fazer a atividade no chão, não há 
problemas. O convite deve sempre partir da 
criança e não do terapeuta, para que este 
não estimule a regressão na criança. Tanto 
a criança quanto o bebê usam o chão para 
brincar. Geralmente na sala de atendimento 
de bebês utiliza -se um tapete para trabalhar 
com eles. A partir dos 2 anos, o terapeuta 
deve colocar mesa e cadeira pequenos, de 
acordo com o tamanho da criança, ou seja, 
em respeito ao seu desenvolvimento, mas 
não estimular a utilização do chão. Consi-
derando o desenvolvimento infantil, inicial-
mente a criança começa engatinhando, ou 
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82 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
seja, podendo significar a pesquisa ao corpo 
feminino. O significado da regressão, na es-
colha do chão, a este estado precoce pode 
se relacionar ao apego afetivo da criança ao 
corpo materno.
Se colocarmos em contraposição o teto 
e o chão da sala, veremos que, enquanto o 
teto se relaciona com o destacamento da 
realidade, o chão significa o contato com a 
mesma. Portanto, podemos encontrar com-
portamentos de onipotência e de extrema 
fantasia no ato da criança que pega um 
aviãozinho e fica andando com ele acima 
dela pela sala ou daquele que insiste em an-
dar com um avião num aeroporto, demons-
trando com isso a sua necessidade de apoio 
aos seus pensamentos ou fantasias.
Todo esse conjunto de significadosnas 
obras psicanalíticas pode ser também estu-
dado pela abordagem junguiana, existencial 
ou gestáltica. Uma obra muito conhecida 
de Jung é O homem e seus símbolos, que 
demonstra essa significação do ponto de 
vista filogenético e ontogenético. Baseado 
na teoria gestáltica, Oaklander (1980), em 
Descobrindo crianças, ressalta o uso da cai-
xa de areia com seus diversos significados. 
Geralmente, a caixa de areia é colocada no 
chão da sala de psicoterapia e é utilizada 
para fazer diagnóstico. A areia, assim como 
a terra, contém a significação do apoio, da 
continência e produtividade afetiva. Em 
Axline (1972, 1980), numa abordagem mais 
existencialista, observamos que uma crian-
ça guardava com frequência os seus mate-
riais, escondidos ou protegidos, na caixa de 
areia. Em algumas sessões, verificamos tal 
ato como uma necessidade de averiguação 
do quanto a terapeuta cuida ou não de seus 
materiais.
Em ambas as autoras, a areia ou caixa 
de areia é utilizada como um material não 
estruturado, dando a liberdade de estru-
turação, sem a indução de instruções, sem 
mobilizar frustrações, pois não necessita de 
habilidades para o seu manuseio, possuindo 
qualidades táteis cinestésicas tranquilizado-
ras. A escolha de materiais estruturados ou 
não estruturados também tem relações em 
facilitar, no caso das primeiras, ou que sejam 
constituídos os próprios materiais, no caso 
dos segundos.
Vale ressaltar que os profissionais que 
trabalham essencialmente com materiais 
não estruturados são os que mais evitam 
tais significações dos brinquedos.
Para a utilização da caixa de areia, é 
necessário especialização, pois o seu ma-
nuseio requer cuidados técnicos e funda-
mentação teórica específica. Além disso, 
o uso com crianças muito comprometidas 
emocionalmente pode induzir a frustrações 
ou angústias de difícil manuseio técnico-
-terapêutico. Certa vez, ao utilizar uma cai-
xa de areia, uma criança fazia questão de 
molhar a areia com sua própria urina, e em 
algumas sessões queria comer os bolinhos 
feitos da areia misturada com urina. Outras 
vezes espalhava a areia pela sala e deitava-
-se sobre ela.
De acordo com o que já mencionei an-
teriormente, esse movimento tinha uma sig-
nificação primária, mas o grande problema 
era o tempo exigido para que eu limpasse a 
sala, pois, obviamente, essas crianças ainda 
não têm a função continente estruturada, 
logo não podemos esperar que guardem, 
limpem, etc. Além disso, tomar a sua própria 
urina não era o problema, mas sim ingeri -la 
misturada com a areia, pondo em risco a sua 
saúde. Alguns poderiam questionar se não 
era o caso de colocar limites, mas sabemos o 
quanto as crianças costumam ser rápidas em 
suas ações, impedindo que possamos cuidar 
delas como esperam ou necessitam.
No atendimento a outras crianças, ve-
rifiquei que ficavam muito agitadas ao espa-
lhar a areia pela sala e passavam a evitar en-
trar nela. Deixar o atendimento com a sala 
desarrumada desestabiliza emocionalmente 
a criança. Pode ter o significado de ter des-
truído a figura de proteção, ou a destruição 
projetada no terapeuta pode voltar -se contra 
ela, daí a importância de deixarmos claro no 
contrato com a criança que devemos deixar 
a sala tal qual encontramos, mas, nesses 
casos difíceis, somos nós, terapeutas, que 
temos que exercer tal função daquele que 
resguarda, cuida, valoriza e respeita o mate-
rial e os conteúdos vivenciados pela criança 
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LudodiAgnóstiCo 83
através dos materiais, evitando esse sentido 
de que a figura de proteção foi atacada, daí 
a dificuldade e todos os cuidados com o ma-
nuseio do material lúdico pelo terapeuta.
Ao mesmo tempo, devemos deixar cla-
ro, nos casos em que a criança se coloca em 
risco, que não admitiremos ser machucados 
ou agredidos, os móveis da sala não deverão 
ser danificados, como também não deixare-
mos que a criança se machuque. Certa vez 
uma criança entrou na sala com um pacoti-
nho que eu não conseguia ver o que era. Fi-
cou de costas para mim expressando o pra-
zer em esconder -me as suas ações. Quando 
percebi, ela tinha colocado cinco gomas de 
mascar (chicletes) em sua boca. Imediata-
mente arranquei -lhe da boca as gomas, pois 
estava se sufocando.
A utilização de areia, argila ou de tor-
neiras com fácil acesso à água requer habi-
lidades técnicas, pois estamos lidando com 
materiais com significações primitivas. Em 
absoluto, isso significa que não devemos 
oferecer tais materiais. Ao contrário, algu-
mas crianças muitas vezes só utilizam tais 
materiais, mas, ao fazê -lo, devemos cuidar 
para que seja garantido o espaço ou aliança 
terapêutica, e para que o uso não se trans-
forme num transtorno para ambas as partes. 
Nesses casos, uma bacia com água ou mas-
sa de modelar podem colaborar da mesma 
forma com essa necessidade primária da 
criança, facilitando ao terapeuta o exercício 
do cuidar, também necessário como modelo 
para o desenvolvimento psíquico.
As cadeiras e a mesa da sala são os con-
teúdos simbólicos do corpo materno, onde 
a criança pode ou não se relacionar com 
eles mostrando significações com esses ele-
mentos. Existem crianças que ao entrar na 
sala de atendimento têm a necessidade de 
desarrumá -la para depois iniciarem suas ati-
vidades ou interagir com os materiais da cai-
xa lúdica, demonstrando com isso a necessi-
dade de criar a sua identidade para poder ter 
mobilidade ou capacidade de construção. Às 
vezes isso pode ter um significado de prazer 
ou de pesquisa dos conteú dos maternos ou 
do terapeuta, em outras, pode ganhar uma 
significação agressiva ou invejosa.
Um garoto costumava insistentemente 
jogar uma bola, que tinha que passar por 
entre as pernas de minha cadeira. Em ou-
tros momentos ficava minutos debaixo do 
divã olhando ou mexendo nele. Tratava -se 
de uma criança com 8 anos, com queixa 
nas trocas de letras, com uma angústia in-
tensa em relação à curiosidade sexual pelas 
mulheres. A investigação do corpo femini-
no ameaçava -o na troca de papéis, papel 
feminino e papel masculino, daí a troca de 
letras. Havia um desejo intenso do conheci-
mento do corpo feminino, tornando a equa-
ção simbólica homem -mulher uma ameaça. 
Outra criança, uma menina de 6 anos, de-
monstrava no seu desarranjo constante da 
mesa e das cadeiras da sala a sua agressivi-
dade invejosa das capacidades do terapeuta 
e de suas vivências, também invejosas, da 
capacidade da figura materna, que, por sua 
vez, refletiam na relação ansiosa com a sua 
professora, levando -a a um comportamento 
fóbico escolar.
O espaço da sala deve ser sempre or-
ganizado pelo terapeuta ou profissional 
em geral e mantido na mesma disposição. 
Quando houver modificações, a criança 
deve ser informada. Além disso, os lugares 
da criança e do terapeuta devem ser por este 
previamente estabelecidos. As modificações, 
comumente solicitadas pela criança, podem 
ser atendidas, mas devem ser consideradas 
no contexto afetivo da criança. Mesmos os 
educadores sabem o quanto é importante 
o lugar para uma criança, principalmente 
aquela que ainda está em fase de constru-
ção ou de conflito com sua identidade. Nes-
se sentido a troca de lugar pode significar 
a necessidade da criança de experimentar e 
conhecer papéis adultos, masculinos, femi-
ninos, ou tentar ocupar ou diminuir a fun-
ção do terapeuta.
O brinquedo é a linguagem da criança, 
por isso é importante que o terapeuta saiba 
quais são esses códigos gerais da linguagem 
manifestada por ela. Por exemplo, quando 
a criança deixa marcas nos objetos do tera-
peuta (mesa ou cadeira suja) ou nas paredes 
da sala, ou ainda deixa massinha grudada 
em algum local, ela está tentando transmitir 
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84 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
mensagens, e estas devem ser decodificadas 
e interpretadas pelo terapeuta.
O armário significa simbolicamente os 
conteúdos femininos, a feminilidade, repre-
sentando o modelo da figura materna. É o 
objeto que serve paraguardar e proteger os 
materiais da criança, logo também é consi-
derado como o símbolo do útero materno.
As colmeias usadas nas escolas podem 
representar os continentes que se dispõem 
para que as crianças depositem ou cuidem 
de suas produções, posses ou conteúdos. Os 
educadores sabem da importância que cada 
um desses espaços tem para cada criança e 
o quanto as crianças ficam ansiosas diante 
de alterações que não sejam as feitas por 
elas. E é nesse sentido que se recomenda na 
psicoterapia, e não no ludodiagnóstico, que 
cada criança tenha o seu espaço para guar-
dar os seus materiais, no caso um armário. 
Recomenda -se, inclusive, que os psicotera-
peutas tenham um armário equivalente a 
essas colmeias que observamos nas escolas, 
mas cada uma delas com porta e com uma 
chave correspondente, cada criança tendo 
acesso ao seu compartimento. Os materiais 
ficam guardados e quando a criança chega 
ao local o terapeuta dá a chave à criança, 
e é ela quem abre ou não a sua colmeia ou 
box.
Esses cuidados em relação ao armário 
têm o sentido de guardar e proteger os mate-
riais, respeitando a individualidade de cada 
criança. No caso do ludodiagnóstico, esse 
sentido pode ainda não estar estabelecido, 
mas procuro manter o mesmo box quando 
faço uma segunda hora lúdica diagnóstica e 
recomendo que as crianças utilizem a mes-
ma caixa lúdica, na falta do armário. Esse 
cuidado se justifica porque, ao interagir com 
os materiais, a criança expressa suas vivên-
cias, logo, chegar numa segunda hora lúdi-
ca com outros materiais ou com materiais 
quebrados por outras crianças pode ter um 
sentido de invasão, desrespeito e falta de 
cuidados na relação afetiva.
Quando iniciei meus atendimentos 
clínicos não tinha esse cuidado, ou melhor, 
considerava que outras abordagens, como a 
de Axline (1980), ao contrário, eram mais 
flexíveis neste aspecto e achava que essas li-
nhas teóricas davam maior importância à re-
lação do que aos materiais. Além de reduzir 
os custos financeiros com os materiais, essas 
abordagens, no meu entender, permitiam às 
crianças compartilhar os brinquedos, afinal 
as crianças têm essas vivências no seu dia 
a dia, seja na escola ou nas suas brincadei-
ras coletivas. Considerava, inclusive, muito 
rígida essa posição de individualidade em 
relação aos armários.
Aos poucos fui percebendo não só 
a importância da caixa lúdica individual, 
como também do armário e do armário 
individual ou com boxes. Já trabalhei com 
prateleiras coletivas, com caixas lúdicas nas 
prateleiras, com um armário para guardar 
as caixas lúdicas e hoje trabalho com um ar-
mário com esses boxes, sendo que reservo 
dois deles somente para o ludodiagnóstico. 
Os outros compartimentos são reservados 
para a psicoterapia infantil.
No ludodiagnóstico, sugerimos que 
seja a criança quem deve guardar no box 
que estiver aberto os materiais que encon-
trou sobre a mesa ao chegar. No uso das pra-
teleiras com brinquedos coletivos, a criança 
pode quebrar um material com o qual outra 
havia interagido anteriormente, com outras 
significações, expondo o espaço e a relação 
terapêutica a compreensões negativas. Cos-
tumo dizer que não usar boxes ou caixas 
lúdicas é o mesmo que deixarmos nossas 
transcrições terapêuticas de um cliente para 
um outro lê -las, ou seja, é o mesmo que tor-
nar público um material clínico. Acrescen-
to ainda que estamos tratando de vivências 
pessoais, e não coletivas, de cada criança, 
com angústias e histórias particulares, daí 
todo esse cuidado e respeito com o clien-
te infantil. Portanto, oferecer à criança um 
armário em que se guardam suas coisas ou 
uma caixa lúdica tem este sentido de cuida-
do e respeito ao que foi vivenciado ali.
Depois de discorrer sobre os itens da 
sala de atendimento e seus significados, 
abordarei os brinquedos contidos na caixa 
lúdica, esclarecendo o possível uso que a 
criança faz desses materiais e o significado 
destes.
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LudodiAgnóstiCo 85
A caixa lúdica é o lugar no qual são 
guardados os materiais e brinquedos e pode 
representar o lugar, o continente onde estão 
os conteúdos do eu da criança. Crianças psi-
cóticas não suportam guardar os materiais 
na caixa, talvez porque o eu ainda não esteja 
totalmente estruturado. Quando o terapeuta 
convida essas crianças a guardar os brinque-
dos, elas não conseguem, se negam a fazê-
-lo e podem até se retirar da sala. Isto pode 
ocorrer porque as crianças psicóticas ou mui-
to prejudicadas têm dificuldades em conter 
seus conteúdos internos, pois não possuem 
ainda esta capacidade desenvol vida.
A criança desenvolve o eu por volta 
dos 6 meses a 1 ano (idade emocional e não 
cronológica). A diferenciação eu/não eu se 
desenvolve no período entre 1 ano e meio a 
2 anos de idade. Pode ocorrer de uma crian-
ça com idade superior a 2 anos não ter o eu 
formado, o que será identificado através do 
diagnóstico e da observação do terapeuta, 
verificando como a criança expressa esses 
conteúdos na sessão lúdica. Este procedi-
mento está relacionado à teoria do desen-
volvimento afetivo e cognitivo da criança 
(Piaget, 1937; Spitz, 1978).
Certa vez, atendi uma criança que a 
cada sessão arrebentava a caixa lúdica (vale 
ressaltar que a caixa era de madeira), até 
que entendi que ela estava me dizendo que 
não havia distinções ali. Ficou tranquila 
quando apenas coloquei alguns materiais 
e a água, sem caixa. Às vezes utilizava o 
meu colo para guardar os materiais, ficando 
quase a sessão inteira observando o que eu 
fazia com eles. Assustava -se, com expressão 
de pânico, e gritava se, porventura, os obje-
tos caíam de meu colo. Tratava -se de uma 
criança de 7 anos, com difícil socialização, 
e que durante a gravidez fora rejeitada, so-
frendo várias tentativas de aborto.
Podemos também interpretar a caixa 
lúdica como a estrutura psíquica da crian-
ça com os seus conteúdos egoicos, ou ainda 
como o representante dos conteúdos egoi-
cos, a estrutura que está em contato com o 
mundo externo. Diante disso, também cos-
tumo dizer que a maneira em que se encon-
tra a caixa lúdica é a maneira como a crian-
ça está cuidando de si mesma. Caixas muito 
confusas e destruídas podem expressar um 
mundo mental confuso e desestruturado. 
Muitas vezes temos que ajudar a cuidar desse 
espaço, não permitindo que a criança “ata-
que” os outros, representados pelas outras 
caixas lúdicas ou boxes. Além disso, temos 
que cuidar de evitar a escolha de materiais 
Figura 8.1
foto de uma sala de atendimento com armário box e divã.
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86 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
que possam entrar em estado de putrefação, 
atingindo outras caixas lúdicas, ou seja, de-
vemos resguardar o espaço terapêutico.
Certa vez uma menina, que gostava 
muito de dar banho nas bonecas, deixou-
-as molhadas na caixa. Vale lembrar que eu 
havia colocado bonecas de pano feitas com 
macela, que, ao ser molhada, criou bichos. 
Ao voltarmos das férias, quando peguei a 
caixa lúdica (ainda não trabalhava com os 
boxes), senti que algo se mexeu dentro. 
Avisei -a, logo no início da sessão, que pre-
cisávamos limpar a caixa, pois devia haver 
algum bichinho na mesma. Ela ficou extre-
mamente feliz em saber dos bichinhos, e, 
ao abrir a caixa, encontrou quatro baratas, 
com as quais queria brincar. Disse -lhe que, 
infelizmente, tínhamos que matar as bara-
tinhas, com o que se mostrou muito revol-
tada. Tentei mostrar -lhe que as baratinhas 
tinham vindo do lixo, logo tinham que ser 
mortas, e, além disso, poderiam deixar ali 
mais sujeira, e não ficariam só na caixa.
Obviamente, era esse o seu desejo: 
atacar a mim, como representante da figura 
materna, por causa de meus outros “filhos”, 
representado pelos outros pacientes. Aca-
bei matando as baratinhas mesmo sob seus 
protestos. Uma outra criança, ao guardar 
os materiais, queria a todo custo guardar a 
água com um pano todo molhado no box, o 
que provocaria umidade. É lógico que isso 
tinha um sentido,mas temos que lidar tam-
bém com os limites, com todos os seus signi-
ficados que, obviamente, são discutidos ou 
compreendidos no ato ou posteriormente, 
durante os atendimentos subsequentes.
Por outro lado, crianças que arrumam 
o material de forma metódica, organizada, 
denotam características de traços obsessi-
vos, controladores. São crianças que retêm 
suas emoções, estando estas características 
relacionadas à fase anal.
É importante que o terapeuta tenha 
a caixa lúdica para guardar os materiais e 
cuide dela, porque, com o decorrer do tra-
tamento, a criança atribuirá diversos signifi-
cados à caixa, porque esta pode representar 
o seu eu ou mundo interno. Quem mexe no 
eu da criança na psicoterapia é ela mesma, 
e nunca o terapeuta, portanto, quem abre 
a caixa lúdica é a criança, mas este não é o 
caso num ludodiagnóstico. Assim, podería-
mos também dizer que esse significado do 
eu não teria sentido num atendimento ludo-
diagnóstico, o que também pode ser verda-
de. Entretanto, temos que estar atentos a to-
das essas significações, independentemente 
de ser a primeira ou segunda sessão lúdica, 
ou mesmo as sessões do atendimento psico-
terapêutico. Certa vez um garoto de 7 anos, 
após guardar os materiais, numa sessão lu-
dodiagnóstica, virou -se e disse, apontando 
para a caixa: “Esse é meu lado pirado!”. Pas-
sou, então, a abrir e fechar a caixa, dando 
gritos ao abri -la: “Aaííí! Aaíí!”. Avisou -me 
que não queria que eu lhe trouxesse mais o 
seu lado pirado.
Mediante a descrição do significado 
da caixa lúdica, destacarei o significado 
dos materiais e brinquedos nela contidos. 
Aliás, prefiro utilizar o termo “materiais”, 
e não “brinquedos”, pois nós, psicólogos, 
não brincamos com a criança; não usamos 
brinquedos para brincar, e sim para con-
versar, portanto, são materiais que não têm 
esse sentido lúdico de divertimento. São os 
instrumentos que favorecem a projeção da 
criança, daí os cuidados com eles.
Outra questão sempre colocada é se 
podem ser usados quaisquer materiais. É 
claro que não! Daí a minha defesa de que a 
caixa lúdica siga um padrão. Aliás, em con-
tato com várias clínicas, observei que há um 
certo padrão, mas não existe pesquisa para 
tal. Os materiais comumente utilizados se-
guem as sugestões de Efron (1976) sem, no 
entanto, seguir uma padronização.
A caixa deve conter de modo equiva-
lente tanto materiais estruturados como não 
estruturados, a fim de favorecer a projeção 
da criança, expressa através desses mate-
riais. Os não estruturados, além de facili-
tarem a expressão e a criatividade, podem, 
para algumas crianças, não direcionar a 
determinados assuntos em que elas tenham 
dificuldade. Uma família de bonecos é um 
material estruturado e direciona para a ex-
pressão de relações familiares, o que para 
uma criança que está vivenciando agressões 
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LudodiAgnóstiCo 87
familiares, por exemplo, pode ser difícil con-
ter. Para outra criança esse mesmo material 
pode facilitar a discussão com o terapeuta 
de sua angústia nas vivências familiares.
Por outro lado, um material não es-
truturado também pode ser alvo de signifi-
cações intensas. Certa vez uma menina, ao 
entrar na sala, olhou os gizes de cera e me 
perguntou: “Para que isso?”. “Ora! Para você 
fazer o que achar melhor”, respondi -lhe. 
“Não quero isso aqui”, retrucou ela e, ime-
diatamente, afastou os gizes de cera. Obser-
vei que os gizes de cera eram semelhantes 
a pênis, inclusive, com a ponta e tamanhos 
muito parecidos, e entendi a mensagem.
Tratava -se de uma menina que, aos 9 
anos, dormia na cama com os pais. Para a 
mãe essa atitude da criança trazia alívio na 
sua relação conjugal, pois tinha muitas di-
ficuldades na relação sexual com o marido. 
Portanto, entendi o porquê dessa intensa 
projeção sexual da criança nos gizes de cera, 
um material não estruturado. Nesse caso, a 
criança, por várias razões psicodinâmicas, 
provavelmente também evitava ou reprimia 
os seus desejos sexuais colaborando com a 
figura materna ao identificar -se com ela, daí 
sua atitude de afastamento e de surpresa em 
relação ao material.
Costumo dizer que quanto mais nova 
a criança for afetivamente, mais encontrare-
mos significações inconscientes primitivas. 
Um lápis, para uma criança emocionalmen-
te regredida, pode ter esse significado fálico, 
mas nem sempre. Uma criança emocional-
mente já no período de latência utilizará o 
lápis como instrumento de suas produções, 
de seu poder de registro. Assim, embora com 
o mesmo sentido fálico, o desenvolvimento 
da repressão constitucional na criança desta 
fase deverá ser considerado pelo terapeuta.
Pode ser, inclusive, que o ponto a ser 
discutido não esteja relacionado aos instru-
mentos que a criança utiliza para registrar 
os seus conteúdos, e sim aos registros de 
suas identificações, consequências da fase 
edípica. Portanto, devemos considerar de 
maneira muito cuidadosa a fase do desen-
volvimento psíquico em que se encontra a 
criança nessas significações, pois, do contrá-
rio, podemos concretizar essas significações 
vulgarizando a teoria subjacente a elas.
Isso é muito comum quando mencio-
no as possíveis significações dos materiais 
não estruturados, pois, é claro, para nós 
adultos, já supostamente distanciados das 
significações primárias, encontradas no 
comportamento das crianças, enxergar num 
simples apontador a significação de uma va-
gina dentada, torna -se, no mínimo, irônico. 
No entanto, se considerarmos o quanto as 
meninas, por volta dos 6 anos, no período 
final da fase edípica, desgastam seus lápis 
nas escolas, tornando -os “toquinhos” de lá-
pis, poderemos observar que, além de de-
monstrarem um comportamento de cuidado 
escolar, apontam os lápis com a intensida-
de inconsciente de sua fase edípica, pois 
veremos, mais tarde, esse comportamento 
desaparecer. O menino, ao contrário, nessa 
mesma idade, utiliza o apontador para dei-
xar a ponta mais fina, fazendo questão de 
deixá -la mais comprida. Logo, enquanto um 
utiliza o apontador para desgastar o símbo-
lo fálico, em resposta aos seus sentimentos 
invejosos, o outro o utiliza no exercício do 
mesmo, ambos em consequência de uma 
fase de amadurecimento psíquico.
Os lápis, pincéis e tudo que for pontu-
do têm essa significação fálica, que podem 
também se transformar em armas ou instru-
mentos agressivos, tal como utilizar o lápis 
para cutucar ou agredir o terapeuta. É ma-
nifestação do uso de um instrumento fálico 
de contato agressivo.
Bacias, cestas, panelinhas e tudo que é 
côncavo ou que pode conter algo tem a sig-
nificação do feminino ou do corpo feminino. 
A bacia com água é um material não estrutu-
rado e, como tal, pode apresentar inúmeras 
significações, diferentemente dos materiais 
estruturados, pois neste caso as significações 
são mais direcionadas ao que eles represen-
tam. Mergulhar na bacia pode ter o significa-
do de mergulhar no inconsciente, na medida 
em que a água é um símbolo bem primitivo 
– de onde viemos (o líquido amniótico) e de 
onde viemos do ponto de vista filogenético.
Certa vez, ao afundar um boneco na 
água, um garoto de 4 anos demonstrava -me 
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88 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
o quanto estava sofrendo ao entrar em con-
tato com suas angústias na sessão e o quanto 
também tinha sofrido durante sua gestação, 
na medida em que sua mãe tentou abortá-
-lo. Mergulhava o boneco no fundo da bacia 
e, ao tirá -lo, emitia um grito de sofrimento. 
Repetiu esse movimento durante várias ses-
sões, até que eu o entendi e pudemos con-
versar a respeito.
Outro garoto fazia da bacia um mar 
onde um homem ia pegar peixes para se ali-
mentar. Colocava na água um “barco” (sím-
bolo de continência ou de feminilidade) com 
um boneco pescando com uma vara peixes 
que às vezes se transformavam em monstros, 
representados por jacarés, e que devoravam 
o pescador. Com isso ele me demonstrava a 
sua dificuldade na aprendizagem, ora positi-
vae repleta de satisfação e prazer, ora amea-
çadora, destruindo a sua capacidade investi-
gativa. Expressava também a sua capacidade 
de mergulho num inconsciente produtivo e 
com alimento para a sua sobrevivência e, 
num outro, devorador e destrutivo.
No início de minha formação profis-
sional era muito comum, num primeiro mo-
mento, desprezar essas significações. O que 
é interessante é que a criança repete, repete 
e repete suas ações e manipulações com es-
sas significações, até que, ao entendermos 
e conversarmos a respeito, ela muda o con-
teúdo de seu discurso e o que é pior para 
os descréditos, ela melhora nas suas angús-
tias ou sintomas. Essa mudança de discurso 
pode indicar que a carga emocional pode 
ser representada, expressa, logo, ela pode 
dar continuidade a outros assuntos.
Ainda em relação aos lápis, comumen-
te utilizamos uma caixa de 12 lápis de cor, 
de preferência com lápis branco. O uso de 
cores está relacionado ao afeto, portanto, 
seja em relação às tintas ou aos lápis de cor, 
devemos ter uma concepção do significado 
psicológico das cores, que abordarei mais 
adiante. Deve -se ter como fundamentação 
teórica das técnicas projetivas os estudos 
de Pfister (apud, Heiss, 1936) e Lourenção 
Van Kolck (1966; 1984), lembrando que o 
Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister faz 
a análise da estrutura de personalidade dos 
sujeitos mediante a estruturação colorida de 
pirâmides (Figura 8.2).
A caixa lúdica também deve incluir 
uma casa, com cozinha, sala, quarto e ba-
nheiro. Estes itens são importantes na com-
posição da caixa e não podem faltar. Alguns 
psicoterapeutas dispõe a casinha completa 
para todos os clientes, outros colocam em 
saquinhos cada grupo de elementos, ou 
seja, a casinha é apresentada em saquinhos, 
com quarto, sala, cozinha e banheiro, mas 
sem estrutura. Entendo que a estrutura da 
casa não é necessária e pode comprometer a 
expressão, na medida em que se torna cole-
tiva. Ou seja, a criança saberá que está dis-
cutindo os seus problemas familiares com 
outras crianças, podendo haver dificuldades 
quando o psicoterapeuta torna público con-
teúdos de relações familiares (Figura 8.3).
Figura 8.2
Lápis de cor, indicado para a caixa lúdica.
Figura 8.3
foto de uma casinha completa para a sala lúdica 
(Ligia	Regina	Marquart,	2006).	
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LudodiAgnóstiCo 89
Figura 8.4
foto da cozinha da casinha, indicado para a caixa lúdica.
Figura 8.5
foto da sala da casinha, indicado para a caixa lúdica.
Na cozinha podem aparecer os conteú-
dos associados à relação mãe/filho, típicos 
da fase oral. Quando a criança tem algum 
distúrbio alimentar, isto poderá aparecer 
na dramatização, por exemplo, da mãe ali-
mentando o filho de maneira agressiva ou a 
criança passar a maioria da sessão drama-
tizando situações de alimentação. Também 
podem se manifestar conteúdos relaciona-
dos à maneira como a família se alimenta ou 
processa a energia para sobreviver; é uma 
alimentação saudável, prazerosa e que põe 
em movimento o relacionamento e a dinâ-
mica familiar? (Figura 8.4).
Os objetos da sala podem representar 
as relações sociais da criança, o contato dos 
membros de sua família entre si, a reunião 
do grupo ou o contato da família com o 
mundo externo (Figura 8.5).
No quarto podem surgir conteúdos da 
relação homem/mulher, sexualidade, mas-
turbação e o ato sexual em si, ou mesmo 
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90 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
algumas tendências ao isolamento ou à in-
trospecção (Figura 8.6).
No banheiro podemos encontrar con-
teúdos relacionados à fase anal. Deve -se 
observar como a criança lida com as regras 
educacionais. A partir do momento que 
ela adquire controle sobre as fezes e a uri-
na, passa -se a educá -la sobre onde ela irá 
colocá -los. Quando a criança dramatiza no 
ludodiagnóstico as situações de controle 
dos esfíncteres podemos verificar e analisar 
como a criança internaliza as regras a partir 
da educação recebida pelos pais e sua rela-
ção com os esfíncteres (Figura 8.7).
Geralmente, na entrevista com a mãe 
da criança, investigamos sobre o controle 
Figura 8.6
foto do quarto da casinha, indicado para a caixa lúdica.
Figura 8.7
foto do banheiro da casinha, indicado para a caixa lúdica.
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LudodiAgnóstiCo 91
dos esfíncteres, quando perguntamos a ela 
sobre alimentação, sono, educação sexual; e 
a criança reproduz esses conteúdos na rela-
ção com o brinquedo.
A família de bonecos é composta ba-
sicamente pela mãe, pai, avô, avó, menino, 
menina e bebê. Recomenda -se o uso de bo-
necos articuláveis. Existem famílias que pos-
suem, além desses elementos, uma mulher 
grávida, empregada, cachorro e gato. Na te-
rapia os elementos da família são incluídos 
de acordo com o número de pessoas existen-
tes na casa da criança (Figura 8.8).
Os bonecos da família podem represen-
tar as relações familiares e homem/mulher, 
e é importante que existam animais, porque 
estes estão associados com a parte instinti-
va, permitindo observar -se a maneira como 
a família se aproxima de seu lado instinti-
vo. Os animais domésticos estão associados 
à parte domesticada da personalidade da 
criança e podemos formar pares com eles. 
Já os selvagens relacionam -se à parte ins-
tintiva da personalidade da criança. A cerca 
que envolve o conjunto dos animais pode 
estar relacionada ao superego e ao controle 
dos impulsos (Figura 8.9).
Insisto que não é recomendado ofere-
cer a uma criança com problemas cognitivos 
um porco verde ou uma vaca vermelha, por-
que isso pode trazer prejuízos na avaliação 
psicológica, por não serem essas as cores 
desses animais, podendo gerar confusão no 
pensamento da criança (Figura 8.10).
Em relação aos veículos oferecidos, o 
caminhão -cegonha pode ser associado ao 
nascimento, dá a ideia de que vai até a fábri-
ca buscar o filho para entregar ao seu dono. 
O fato de esse caminhão transportar carros 
relaciona -o à mãe, que carrega seus filhos, 
ou ao terapeuta, que carrega a criança e a 
contém de seus impulsos ou conteúdos que 
a preocupam (Figura 8.11).
Deve -se observar a relação estabeleci-
da entre os carrinhos e o caminhão -cegonha. 
É comum a criança ficar enfiando os carri-
nhos na parte de trás do caminhão, atitude 
relacionada à pesquisa do corpo da mãe, 
ao ato sexual, e se a criança permanecer na 
parte de trás pode -se pensar numa relação 
homossexual ou anal. A parte superior do 
caminhão pode estar associada à ponte, que 
pode significar masturbação.
O carrinho comumente é um símbolo 
fálico, e o encontro entre carrinhos pode 
significar o ato sexual. Esta brincadeira é 
observada principalmente nos meninos.
A bola ideal para se trabalhar é a que 
tem o tamanho entre 15 a 20 cm de diâme-
tro. Ela pode representar no lúdico o substi-
tuto do útero. Há crianças que a usam como 
substituto do corpo feminino. O chocalho é 
Figura 8.8
foto dos bonecos da família, indicado para a caixa lúdica.
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92 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
visto no livro de Aberastury como o útero 
que contém os bebês dentro (Aberastuty, 
1992, p.28) (Figura 8.12).
Na caixa de estimulação de bebês é 
importante que haja uma bolinha pequena, 
porque ela pode representar o substituto do 
corpo da mãe.
Em nossa cultura, a bola adquiriu di-
versas representações e pode significar con-
tato e troca, no sentido de dar para o outro 
e receber de volta. Jogar bola, porém, pode 
ter o sentido de pesquisa do corpo feminino 
e de encontro associado ao ato sexual, espe-
cialmente no futebol.
No futebol, a bola pode se tornar um 
símbolo fálico. Os jogadores a disputam e o 
objetivo é fazer gol, mas diante do gol está 
presente um representante do superego, 
o goleiro, para impedir que isso aconteça. 
Quando a bola entra no gol, ocorre a satis-
fação dos jogadores, ou seja, a satisfação se-
xual foi alcançada.
Figura 8.9
Foto	de	animais	selvagens,	indicadopara	a	caixa	lúdica.
Figura 8.10
foto de animais domésticos, indicado para caixa lúdica.
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LudodiAgnóstiCo 93
A criança brinca para expressar e elabo-
rar uma angústia, e cada criança buscará 
elaborar suas próprias vivências que serão 
expressas na escolha dos materiais lúdicos. 
O trabalho do terapeuta será decodificar essas 
dificuldades e tentar ajudá -la a superá -las.
A escolha do brinquedo relaciona -se 
à necessidade de usar um instrumento que 
possibilite a expressão de emoções e afetos. 
Segundo Melanie Klein (1955), a escolha do 
brinquedo contribuirá para a elaboração da 
fantasia e da realidade da criança e de sua 
angústia referente à sua própria vivência. O 
brincar, portanto, está relacionado aos as-
pectos inconscientes da criança e compete 
ao clínico investigar a sua expressão, muitas 
vezes facilitada pela interpretação de seus 
possíveis significados.
A vontade de explorar os objetos é de-
nominada por Melanie Klein (1955) “instin-
to epistemofílico” (desejo de conhecer), e se 
a criança não brinca e não os explora é con-
siderado um comportamento “doente”, sen-
do que esse instinto e o conhecimento estão 
comprometidos. Aí entra o trabalho do psi-
cólogo para ajudar a criança. Melaine Klein 
(1955) descreve em detalhes como uma 
criança que não “brincava” no início dos 
atendimentos vai melhorando com a possi-
bilidade de expressão de suas angústias de 
exploração ao corpo materno expresso nas 
suas ações lúdicas com choque de carrinhos 
ou no andar dos carrinhos através de ruas. 
Klein demonstra como a interpretação do 
terapeuta em relação à escolha lúdica da 
criança pode ser feita.
As coleções de objetos geralmente es-
tão associadas às coisas de que gostamos e 
que não conseguimos elaborar. Com relação 
aos utensílios de cozinha, temos o fogão (que 
pode possuir vários significados), as panelas, 
potes e correlatos. As panelas podem signifi-
car objetos continentes e podem estar asso-
ciadas aos símbolos femininos (Figura 8.13).
Quando a criança brinca de fazer co-
mida, outros objetos estão aliados nesta 
brincadeira, como os talheres, que podem 
significar símbolos fálicos. Aí podemos ve-
rificar o significado do encontro entre os 
Figura 8.12
Bola, indicado para a caixa lúdica.
Figura 8.13
utensílios de cozinha, indicados para a caixa lúdica.
Figura 8.11
Caminhão	‑cegonha,	indicado	para	caixa	lúdica.
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94 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
símbolos masculino e feminino, que irá 
produzir um alimento (ou gerar um filho). 
Neste tipo de brincadeira aparecem conteú-
dos sobre o nascimento dos bebês, além do 
tema alimentação corresponder à fase oral. 
Os potes que guardam alimentos também 
podem significar objetos que possuem con-
teúdos femininos.
O fogão pode estar associado à energia 
psíquica. É a parte energética da estrutura 
psíquica que mobilizará a transformação, em 
alguns casos, utilizado de forma destrutiva. 
O alimento que foi produzido a partir do co-
zimento dramatizado pela criança pode ser 
um alimento bom ou um veneno, ou ainda, 
ao fazer o alimento pode ser dramatizada 
uma situação de explosão podendo signifi-
car que a energia psíquica é destrutiva.
Os elementos relacionados ao petró-
leo, como, por exemplo, o posto de gasoli-
na onde o carro é abastecido, podem estar 
relacionados com a energia transformada 
em ação, movimento. Tanto o botijão como 
a gasolina irão mobilizar as transformações 
ou colocar em ação os conteúdos psíquicos 
da criança. No caso de crianças hiperativas, 
observa -se que, na brincadeira com posto de 
gasolina, ocorre a explosão do mesmo.
O escorredor de macarrão é um objeto 
que contém, mas está vazado; pode repre-
sentar aquele que não contém as coisas. Um 
conteúdo simbólico feminino que não con-
tém pode estar associado a vários fatores: 
significa a mãe que aborta, a menstruação 
ou a própria urina, que está relacionada à 
fase anal ou fálica. Pode representar um 
conteúdo simbólico feminino rompido, des-
trutivo ou negativo.
Nos jogos de construção nos quais a 
criança usa peças de montar, como Lego, os 
significados vão depender da sua produção, 
mas podem estar relacionados a símbolos 
fálicos ou ao ato sexual. Considerando que 
são duas ou mais peças que se unem e se 
transformam numa terceira podem repre-
sentar a concepção, ou mesmo o nascimen-
to de algo, ou seja, uma representação que 
corresponde a conteúdos da fase edípica. 
No entanto, esse encontro de duas ou mais 
peças de encaixe pode apenas significar a 
origem de um objeto destrutivo (fazer uma 
arma) ou construtivo (construir uma casa).
O encontro entre o masculino e o femi-
nino pode ser visto pela criança como sim-
bolicamente violento.
Geralmente os jogos de construção são 
indicados para se verificar a criatividade da 
criança, porque são peças separadas que po-
dem ser transformadas em um objeto novo. 
Com eles pode -se verificar a capacidade da 
criança para estabelecer relações.
Copiar um objeto está associado com 
a cópia de modelos. Geralmente a criança 
está incorporando, construindo um modelo. 
Isto é esperado até os 4 anos de idade. A 
partir dessa fase ela possuirá um modelo in-
ternalizado, incorporado, portanto, novo.
A fase de identificação é a que corres-
ponde ao período entre 4 e 6 anos de idade, 
quando verificamos que ela quer copiar um 
modelo. Significa que a criança ainda não o 
possui ou possui modelos assustadores para 
ela, por isso apoia -se nos modelos externos.
Ainda no jogo de construção, o terapeu-
ta deve observar as construções que caem a 
partir de um determinado número de peças 
encaixadas, ou seja, a criança tenta encai-
xar peças, mas elas desmontam. Isso pode 
estar relacionado a problemas da criança ou 
com algum fato ocorrido, por exemplo, pro-
Figura 8.14
Lego,	 brinquedo	 de	 construção	 indicado	 para	 a	
caixa lúdica.
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LudodiAgnóstiCo 95
blemas com irmãos. Pode -se observar este 
fato quando este tipo de brincadeira começa 
a se repetir. Certa vez, uma criança passou 
várias sessões tentando encaixar ‘pinos má-
gicos’ (um tipo de brinquedo de encaixe). 
Somente após umas cinco sessões observei 
que o encaixe se quebrava na quarta peça. 
Lembrei -me que a criança tinha um irmão, o 
quarto filho, que era deficiente mental e que 
dava muito trabalho à mãe. Passamos, eu e 
a criança, a conversar sobre esse irmão, com 
o qual a criança se identificava e temia ter 
os mesmos problemas que ele. Foi interes-
sante que a partir desta conversa a criança 
finalmente conseguiu estruturar uma mon-
tagem com os pinos.
No manuseio de lápis, guaches, peças 
de montar e outros materiais coloridos po-
demos encontrar significados também para 
o uso das cores. Segundo Pfister (apud Jus-
tos e Van Kolck, 1976), as cores se dividem 
em primárias e secundárias. As primárias são 
azul, amarelo e vermelho. No uso das cores 
primárias, pode -se observar que a criança 
está em contato com os recursos primitivos 
de sua personalidade. As cores secundá-
rias são aquelas mais refinadas, elaboradas 
com a mistura de duas ou mais tintas (por 
exemplo, laranja, verde e violeta), podendo 
significar que a criança utiliza os recursos 
amadurecidos de sua personalidade.
Existem também as cores extratensivas 
ou intratensivas. As primeiras podem estar 
relacionadas à impulsividade e são repre-
sentadas pelas cores amarelo e vermelho. 
As intratensivas podem estar associadas à 
depressão, aos impulsos sem controle e que 
precisam ser controlados, sendo representa-
das pelas cores azul, marrom e preto.
É importante haver a cor branca no con-
junto dos lápis de cor, porque esta pode sig-
nificar distanciamento, isolamento, ou seja, 
não representa agressividade nem afeto, é 
uma cor neutra, logo, pode estar relacionada 
ao mecanismo de defesa da negação do con-
flito ou dos problemas que afetam a criança, 
típicos de uma personalidade neurótica, que 
além de encobrir negaos afetos.
O preto pode representar a destruição 
ou mistura de todas as cores, pode estar re-
lacionado à repressão dos afetos de conflitos 
não resolvidos, tristeza ou depressão.
As cores frias, como azul, marrom, 
preto e roxo, estão relacionadas ao controle 
dos afetos. Por outro lado, o verde, com sua 
característica secundária, mistura de azul 
e amarelo, indica uma personalidade mais 
amadurecida em relação ao controle dos 
afetos, podendo estar relacionado à sociabi-
lidade e à capacidade de contato, enquanto 
o azul, cor primária, pode indicar um con-
trole obsessivo, no sentido de seguir normas 
aceitas de maneira ansiosa.
Também temos que observar a escolha 
de cores primárias e secundárias e a ausên-
cia ou excesso de cores. O excesso (acima de 
oito cores ou tons) pode indicar comporta-
mentos maníacos ou histéricos, enquanto a 
ausência, com o uso simplesmente do lápis 
preto número 2 ou de apenas uma cor, pode 
indicar coartação ou pobreza de emoções, 
ou mesmo desajustamento social. Além dis-
so, temos que estar atentos a crianças que 
estão passando por um processo de perda 
ou violência e demonstram estes aspectos 
através do uso de cores e traços leves, mes-
mo com o lápis preto, os desenhos são quase 
imperceptíveis no papel.
Na interpretação do uso das cores te-
mos que verificar a disposição das cores ou 
a possível relação entre elas. Por exemplo, 
no desenho de uma figura humana mascu-
lina verificamos que as cores utilizadas são 
as mesmas com as quais a criança desenhou 
um leão feroz. No desenho de uma casa, a 
criança pode fazer uma parede delineando-
-a em azul e por dentro pintar com a cor 
amarela, podendo significar que o azul pode 
controlar o amarelo, ou seja, a cor intraten-
siva controlando a extratensividade.
O teste das Pirâmides Coloridas de 
Pfister (1976) ilustra todas as nuances das 
significações das cores. É um teste no qual, 
através da escolha das cores, analisam -se 
aspectos da estrutura de personalidade da 
criança ou adulto. Neste teste pede -se para 
que se faça com as peças coloridas uma pirâ-
mide bonita e outra feia. Embora não seja o 
caso de apresentar aqui o Teste das Pirâmi-
des Coloridas de Pfister, o profissional pode 
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96 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
pesquisar, a partir de seu estudo, os signifi-
cados das cores de maneira mais específica 
e relacioná -lo com traços da personalidade, 
por exemplo.
Ao lidar com os guaches, é muito co-
mum a mistura de cores, que está relacio-
nada ao significado da mistura das relações 
em geral, entre terapeuta e criança ou os 
seus relacionamentos pessoais. É comum, 
principalmente no início de uma relação, 
como é o caso da situação ludodiagnóstica, 
a criança perguntar: “O que vai dar mistu-
rando essa cor com essa?”. Em geral, essa 
pergunta pode ser entendida como: “No que 
vai dar a minha relação com você? O que 
será que vai acontecer comigo neste contex-
to terapêutico?”.
As misturas indiscriminadas podem es-
tar relacionadas à fase de manipulação, daí 
ser comum o sujar das crianças, típico de 
manifestações anais, enquanto a superpo-
sição de cores pode estar relacionada a es-
conder algum padrão de comportamento. É 
comum, nestes casos, o uso do branco para 
esse encobrimento de sentimentos.
Na utilização de lápis ou guaches, as 
interpretações estão comumente associadas 
a desenhos e nesse processo uma bibliogra-
fia enorme deve ser considerada, pois o de-
senho livre, nas técnicas projetivas, tem um 
capítulo muito relevante e de pesquisa e é 
muito comum no ludodiagnóstico a criança 
se expressar através do desenho, logo, as 
interpretações estudadas nas técnicas proje-
tivas gráficas devem ser consideradas pelo 
terapeuta, mas não vamos aqui nos aprofun-
dar. Considero este capítulo da Psicologia 
muito complexo, por isso devemos conside-
rar a evolução do desenvolvimento infantil 
da criança, além do aspecto evolutivo do uso 
das cores. Não vou me estender neste as-
sunto, pois a bibliografia é vasta, mas sugiro 
como livro básico, além de Hammer (1989), 
Di Leo (1985) e Luquet (1979), do ponto de 
vista teórico afetivo, que, juntamente com 
os pressupostos do surgimento do desenho 
de Piaget e Inhelder (1982), fornecem uma 
visão da representação gráfica da criança. A 
criança desenha o que suas estruturas men-
tais permitem. Além disso, segundo esses 
autores, a criança inspira -se não no modelo 
objetivo, mas na conjunção da sua imagem 
interna com a do modelo externo.
O telefone pode significar querer o 
contato com o outro, contar as coisas a dis-
tância, sem proximidade. A antena também 
pode ser vista como busca de contato.
Com relação aos utensílios de jardi-
nagem (se forem colocados na caixa), as 
ferramentas podem significar instrumentos 
fálicos que penetram na terra (pátria -mãe), 
e seu objetivo é torná -la mais fértil.
A bandeira é a pátria -mãe, podendo 
estar relacionada aos conteúdos femininos 
ou à identidade do feminino.
O avião é considerado um símbolo fá-
lico, mas também pode estar associado ao 
destacamento da realidade, à onipotência. 
Como símbolo fálico está em busca de des-
cobertas. Por ser um instrumento de trans-
porte, pode ser usado para o conhecimen-
to, conhecimento de outros países, ou seja, 
pode estar relacionado ao conhecimento de 
outras pátrias, outros símbolos femininos 
(Figura 8.15).
Observa -se no desenho das crianças 
que algumas fazem os aviões atirando de 
cima. Isto pode significar pensamentos des-
trutivos que atacam o contato com a reali-
dade, fantasias destrutivas. Geralmente nos 
desenhos das meninas nota -se que elas colo-
Figura 8.15
Avião, indicado para a caixa lúdica.
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LudodiAgnóstiCo 97
cam diversas borboletas e pássaros, signifi-
cando que a criança possui muitas fantasias, 
nas quais os pensamentos estão confusos.
Tudo que representa movimento pode 
relacionar -se à masturbação, como brincar 
no escorregador, que pode significar querer 
mexer com o corpo, ou o vaivém insistente 
de um caminho.
Tanto o mar quanto a água podem 
significar um mergulho no inconsciente. O 
barquinho representa o contato com a rea-
lidade e o ego. Por exemplo, um pescador 
com uma vara de pescar que por sua vez 
está embaixo d’água, vai buscar alimento 
(no inconsciente), e às vezes existem alguns 
monstros lá embaixo, o que pode significar 
um inconsciente assustador. A água ou o 
mar podem representar aspectos primários 
associados ao líquido amniótico, ou seja, ao 
útero. Daí associarmos a água ou o mar ao 
desejo de contato com aspectos primários 
inconscientes. O barquinho que fica com o 
pescador na parte de cima pode represen-
tar aquele que no contato com a realidade 
procura alimentar -se buscando o alimento 
inconsciente que necessita no contato com 
a realidade.
O material gráfico pode significar que 
a criança entrou no período de latência, en-
quanto a utilização do material lúdico cor-
responde a uma fase pré -operacional, com a 
expressão de seus respectivos mitos infantis, 
o artificialismo ou animismo, onde o “pré-
-conceito” tem o seu domínio.
Na latência, os comportamentos má-
gico -fenomenistas são substituídos por 
comportamentos racionais, e os conceitos 
ganham maior status no pensamento da 
criança, por isso costumamos dizer que a 
criança evita o afeto. O correto neste caso 
é dizer que a ordem dos afetos adquire um 
novo patamar, de maior controle e de ex-
plicações racionais, de acordo com o real 
externo. É claro que se trata de um desen-
volvimento afetivo que não deixou de existir 
para a criança, mesmo ela se encontrando 
na fase de latência. É segundo esse interjogo 
do desenvolvimento afetivo e cognitivo que 
pode ser interpretado o significado do uso 
dos lápis.
Quanto menor for a criança, mais se 
verifica o uso de representações primitivas, 
logo, um lápis pode aparecer como símbolo 
fálico. Por outro lado, o lápis preto número 
2 pode ser um indicativo de que a criança 
adquiriu o controledos afetos, estando asso-
ciado ao desenvolvimento do superego.
No período de latência, a criança ten-
ta evitar ou controlar o afeto, sendo que al-
gumas só desenham com lápis preto número 
2, o que significa um problema, e ela pode 
estar demonstrando que não suporta lidar 
com a afetividade. No entanto, um ou ou-
tro desenho só com lápis preto número 2 
é esperado para esta fase, pois isso corres-
ponde a evitar as relações afetivas direta-
mente.
O que se costuma considerar como 
uma estrutura de personalidade sadia no 
período de latência é quando a criança faz 
o desenho com lápis preto número 2 e em 
seguida o colore com os lápis de cor.
A borracha pode estar associada à re-
paração, mas seu uso em excesso pode sig-
nificar que a criança é exigente, possui uma 
autocrítica exagerada e autoestima rebaixa-
da, porque ao começar a produção apaga -a 
sucessivas vezes.
O apontador pode ser um símbolo que 
pode estar associado à vagina dentada, ou 
seja, é aquele que destrói o símbolo fálico, 
no caso, o lápis. Os meninos costumam mais 
frequentemente usar o apontador para ter 
ponta grande, ou seja, dar ênfase ao sím-
bolo fálico. Os pincéis podem ser utilizados 
como símbolo fálico, mas geralmente são 
usados em algumas produções de desenho, 
assim como o lápis.
Para a criança, desenhar significa co-
locar o seu produto no papel, sendo a folha 
o local onde ela registra suas produções. O 
pincel associado ao guache pode produzir 
uma pintura com aparência de “meleca”. O 
guache, assim como a massinha, pode de-
monstrar conteúdos ligados à fase anal (Fi-
gura 8.16).
As produções de letras pequenas sig-
nificam crianças inibidas, e o contrário dis-
so é observado nos traços de crianças que 
não respeitam os limites das linhas, o que 
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98 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
denota dificuldade na fase anal, pois ainda 
não houve a elaboração do controle. Cader-
no sujo e marcado significa ansiedade, com 
traços claros de que a criança está se distan-
ciando do contato com a realidade, quer se 
desligar.
Usar uma folha de papel sulfite pode 
significar a expressão do não eu, a partir do 
momento em que a criança pode deixar suas 
marcas. Significa que ela está começando a 
desenvolver o processo de diferenciação eu/
não eu. Com isso a criança expressa e or-
ganiza sua identidade ao realizar desenhos 
estruturados.
A folha de sulfite pode estar associa-
da a significações das relações simbióticas, 
o que pode ser verificado nos casos em que 
a criança molha o pincel na água e pinta na 
folha dizendo que essa produção é um fan-
tasma.
O processo simbiótico é a relação com 
a mãe, na qual o bebê não percebe o que 
acontece fora dele, entrando em estado con-
fusional, não discriminando o que é seu ou 
do outro. Neste caso, a água que não discri-
mina, que se mistura com o sulfite, delimita 
um vazio.
A tesoura pode ajudar na elaboração 
da simbiose, quando a criança faz um recor-
te, destaca um pedaço da folha e cola -o em 
outro local. A colagem pode significar uma 
elaboração do processo simbiótico, espera-
da em crianças a partir dos 8 anos de idade. 
A tesoura pode ser utilizada para elaborar, 
manifestar a agressividade, podendo estar 
relacionada à fase anal. Portanto, novamen-
te nos deparamos com as possíveis signifi-
cações de expressão ao utilizar um mesmo 
instrumento.
O barbante pode representar prima-
riamente o cordão umbilical, mas pode ser 
utilizado também para unir. Quando usado 
em colagem pode estar ligado ao processo 
de identificação, de diferenciação do eu. É 
a criança que, em suas produções, coloca 
contornos com o barbante nos desenhos, 
expressando a preocupação em demarcar 
território ou delimitar um processo de iden-
tificação.
A cola e a fita adesiva podem estar as-
sociadas à união. A cola é vista como um 
elemento de reparação. Existem crianças 
que em suas brincadeiras usam a cola como 
“leite envenenado”. Isto ocorre quando a 
criança diz: “Eu vou fazer leitinho”, começa 
usando o guache branco, passando para a 
cola e dizendo: “Eu vou dar para o bebê”.
O terapeuta deve observar no que se 
transforma a “comida” ou “leite”. Se a crian-
ça misturar alguma substância preta, ficará 
um “leite estranho”; se for usada a cor ama-
rela, pode passar a ser “xixi”, e ela poderá 
até sentir seu cheiro, mergulhando no pro-
cesso primário, nos seus impulsos.
As folhas coloridas estão relacionadas 
ao afeto. O terapeuta deve ficar atento ao 
que a criança irá produzir com elas, se são 
produções ligadas à identidade. É importan-
te oferecer a ela as cores primárias, o branco 
e o preto.
A quEM SE DESTinA 
O PROCEDiMEnTO 
LuDODiAgnóSTiCO
Aberastury (1962), a partir de Klein, sugere 
que o procedimento ludodiagnóstico pode 
ser utilizado em crianças que conquistaram 
a capacidade simbólica, por volta dos 2 anos. 
Outros a utilizam em contextos mais primá-
rios de expressão, ou seja, com bebês. Muitos 
ainda questionam se num contexto lúdico a 
criança tem a capacidade de apresentar suas 
angústias ou sua problemática ao examina-
dor, mas as pesquisas têm demonstrado que 
este questionamento está mais relacionado 
com o desconhecimento, manejo técnico ou 
acesso ao desenvolvimento da criança.
Nesse aspecto, as fundamentações teó-
ricas são infindáveis, sejam elas do âmbito 
psicanalítico ou não. Somente no âmbito 
psicanalítico temos quase um século de pes-
quisas, se considerarmos apenas a partir de 
Klein (1921). Em outras abordagens, encon-
traremos Arfouilloux (1976), Greenspan e 
Greenspan (1993), etc.
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LudodiAgnóstiCo 99
É claro que a problemática da criança 
pode parecer algo complexo para ser expres-
so e compreendido, mas muitas vezes a do 
adulto também o é. A criança poder expres-
sar, por exemplo, que está com dificuldades 
com a mãe, pois esta não permite que se re-
lacione com os amigos, familiares ou o pró-
prio pai. Muitas vezes essa expressão pode 
ser mais difícil em contextos que envolvem 
separações judiciais do que em um contex-
to meramente de dificuldade no desenvolvi-
mento emocional edípico. A grande questão 
é se a criança pode ser sujeito ou tem o poder 
de expressar suas vivências e a partir de que 
idade ela teria este poder de expressão.
Com base nas teorias sobre o desen-
volvimento infantil, pode -se dizer que apro-
ximadamente a partir dos 2 anos a criança 
já tem a capacidade simbólica de poder ex-
pressar as suas vivências. O que é preciso 
considerar no desenvolvimento para se ter 
certeza de que os dados obtidos podem ser 
considerados como a expressão de sua difi-
culdade, sem termos o compromisso com as 
abordagens psicanalíticas ou crenças subje-
tivas? É este saber sobre o processo evoluti-
vo infantil, que pressupõe não só o domínio 
do manejo técnico, mas, principalmente, a 
condição do pesquisador sobre o desenvol-
vimento humano no seu sentido amplo.
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Parte III
Análise do 
ludodiagnóstico
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O termo “sintoma” diz respeito a um fe-
nômeno que revela uma perturbação fun-
cional ou algum tipo de lesão; qualquer 
mudança provocada no organismo por uma 
doença e que, descrita pelo paciente, auxi-
lia, em grau maior ou menor, a estabelecer 
um diagnóstico; também diz respeito à apa-
rência ou semelhança com algo, entre ou-
tras definições.
Na ciência psicológica, o estudo dos 
sintomas está mais relacionado a um refe-
rencial psicopatológico, comumente oriun-
do da medicina. No âmbito dos transtor-
nos mentais, essa definição ganha maior 
complexidade. Segundo Kaplan e Sadock 
(1999), os sintomas representam variações 
de diferentes graus de um continuum entre 
saúde mental e psicopatologia. Note -se que 
teríamos que considerar as variações entre 
o que é normal e o que é patológico e, con-
sequentemente, os julgamentos circunstan-
ciais determinados pela cultura, pela socie-
dade, pelos costumes, por uma família ou 
por um indivíduo. Portanto, dependendo do 
momento, pode -se diferir na determinação 
dos limites da variabilidade da saúde e da 
doença, fazendo com que, dependendo do 
ambiente, um comportamento pareça sinto-
mático ou não.
Poderíamos considerar algo como sin-
toma quando os limites da variabilidade 
normal são ultrapassados, mas entraríamos 
na discussão do que é normal: normal em 
oposição a doente; normal como média es-
tatística, confundindo o anormal com ano-
malia; normal como ideal a realizar -se ou 
como processo dinâmico de adaptação que 
reencontra seu equilíbrio.
Sem entrar na discussão do que é nor-
mal, quero salientar que o referencial da 
saúde e do desenvolvimento humano estão 
presentes em meus diagnósticos, portanto, 
ao me referir ao diagnóstico de determina-
dos sintomas, quero dizer que, diante de 
uma queixa ou sintoma descrito pelo clien-
te, considero tanto os fenômenos psicofi-
siológicos, passíveis de observação direta, 
de comprovação experimental e de análise 
quantitativa, com suas explicações causais, 
quanto os fenômenos psicológicos propria-
mente ditos, manifestos ou não, mas que 
podem ser abordáveis por meio de métodos 
compreensíveis.
A conjunção desses dois pressupostos 
parece ser o referencial mais utilizado atual-
mente, em especial no campo da psiquiatria, 
com os diferentes eixos axiais do DSM -IV 
TR, no qual, além dos fatores orgânicos, os 
sintomas são identificados em transtornos 
analisados sob o enfoque global do desen-
volvimento, bem como das influências psi-
cossociais e ambientais.
Marcelli (1998) considera que, no es-
tudo das condutas e do equilíbrio psicoafeti-
vo de uma criança, o normal e o patológico 
não devem ser considerados como dois es-
tados distintos um do outro, nem uma fron-
teira. O autor considera os dois termos in-
9
O sintoma no diagnóstico infantil
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 103
dissociáveis, pertencentes a um mesmo par 
antitético, onde um não pode se definir sem 
o outro. Acrescenta que o desenvolvimento 
e/ou a maturação da criança são, por si sós, 
fontes de conflitos, e como qualquer conflito 
podem levar ao aparecimento de sintomas, 
assim, os respectivos campos do normal e 
do patológico interpenetram -se.
A partir dessa perspectiva teórica com-
preensiva dos fenômenos expressos nos sin-
tomas, meu objetivo não é compreender os 
quadros clínicos nosológicos segundo um 
único referencial, e sim sob vários: orgâni-
co, descritivo, ambiental, diferencial, psico-
dinâmico, preventivo, pois acredito que tal 
procedimento possibilita, inclusive, a espe-
cificação dos sintomas ou entendimento das 
causas dos mesmos. Por exemplo, se esco-
lhemos um único referencial de um sintoma 
psicossomático limitamos, inclusive, a possi-
bilidade de descobrir que aquele sintoma é 
produto de algum comportamento cognitivo 
ou social.
Segundo Popper (1991), para a com-
preensão da doença mental há três campos: 
o campo físico, da área da biologia e da quí-
mica, o campo das experiências psicológicas 
conscientes e inconscientes e o campo da 
linguagem e das teorias das argumentações. 
A atuação do psicólogo diz respeito aos dois 
últimos campos, sem, no entanto, deixar de 
levar em conta a relação corpo/mente. As-
sim, a leitura do fenômeno está baseada nas 
informações do cliente, captadas pela leitu-
ra do desenvolvimento ou da psicopatolo-
gia, embasadas nas vivências e nas queixas 
do cliente.
Em adição a essa perspectiva, atua-
mos no campo da linguagem, no campo das 
representações do cliente, que podem não 
ter qualquer relação com o fenômeno, pois 
dizem respeito ao especificamente particu-
lar daquele sujeito, ao seu sofrimento rela-
cional, podendo ou não se tornar um dos 
elementos de compreensão da essência do 
sintoma ou queixa.
O estudo do sintoma contempla uma 
complexidade que vai além do que é normal 
e patológico e que ultrapassa a escolha de 
referenciais teóricos, requerendo por parte 
do profissional necessariamente um con-
junto de investigações e cuidados especiais 
para a sua análise e compreensão. A utiliza-
ção do raciocínio clínico pelo psicoterapeuta 
pressupõe inferências clínicas complexas, e 
ele pode optar, dependendo do caso, entre 
duas, três ou mais relações causais, ou me-
lhor, inferenciais.
Além disso, essas concepções em rela-
ção ao sintoma do cliente infantil são por 
demais fundamentais e muito mais especí-
ficas, pois geralmente somos solicitados a 
examinar crianças que na maioria das vezes 
nada pedem, ou seja, não têm elas mesmas 
uma queixa, e são colocadas numa situação 
em que devem eliminar uma conduta, que, 
por sua vez, é julgada pela família ou pelo 
ambiente em geral. Portanto, os critérios de 
investigação devem extrapolar a avaliação 
da conduta que motivou o pedido, não de-
vendo o terapeuta se apressar numa decodi-
ficação sintomática.
A avaliação e compreensão de um sin-
toma tem sua relação com o termo diagnós-
tico, que contempla uma bagagem signifi-
cativa de fundamentos teóricos e técnicos. 
Quero ressaltar que essa compreensão do 
fenômeno envolve também uma necessida-
de diagnóstica, considerando que o contexto 
no qual atuamos exige tal demanda. Um pai 
ou uma mãe que tem um filho em sofrimen-
to quer uma ajuda, queruma solução para 
o problema, e a nós compete uma avaliação 
ou compreensão diagnóstica.
O termo diagnóstico, de origem grega, 
significa reconhecimento (Ferreira, 1986). 
No caso da investigação de um sintoma ou 
queixa, trata -se do reconhecimento de um 
fenômeno ou de uma patologia em um indi-
víduo supostamente em sofrimento, incapa-
citado ou em estado de risco, em conflito ou 
não com o seu ambiente.
Em crianças, o diagnóstico do sintoma 
é ainda mais difícil, considerando que elas 
se encontram em pleno estado de desenvol-
vimento, logo o reconhecimento de um sin-
toma patológico torna -se complexo. Alguns 
preferem, inclusive, a utilização do reconhe-
cimento ou de diagnósticos de dificuldades 
ou de distúrbios do desenvolvimento, como 
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104 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
se esses termos diminuíssem o grau de pato-
logia encontrado numa criança (Grunspun, 
2003).
O importante nesse aspecto é nova-
mente o caráter compreensivo do diagnósti-
co, na medida em que não basta o profissio-
nal analisar o histórico do desenvolvimento 
da criança e do sintoma. É preciso também 
estudar as condições externas, sejam edu-
cacionais, culturais ou sociais, que possibi-
litaram o aparecimento do sintoma, preven-
do ou tentando prever o curso do mesmo. 
Trata -se, portanto, da identificação de um 
distúrbio ou de um desvio, que, necessaria-
mente, coloca o profissional num contexto 
preventivo em relação ao desenvolvimento 
em análise. Assim, não é por coincidência 
que encontramos na literatura sobre o diag-
nóstico infantil capítulos abordando os vá-
rios aspectos do desenvolvimento da crian-
ça: afetivo, cognitivo, motor, do processo de 
escolarização, das suas relações sociais e fa-
miliares e, em sequência, sobre os processos 
psicopatológicos ou causadores dos desvios 
desse mesmo desenvolvimento.
O diagnóstico dos sintomas infantis 
faz parte da análise de um sujeito em cons-
trução, logo, de um processo de compreen-
são segundo uma visão interacionista, na 
qual se analisa o funcionamento da estru-
tura mental e as condições necessárias para 
desenvolvê -la.
Portanto, a análise de um sintoma 
pressupõe inferências clínicas com esses vá-
rios referenciais teóricos sobre o desenvolvi-
mento da criança, e a pesquisa pelo clínico 
sobre as suas inter e intrarrelações é muito 
comum, na medida em que tanto a ela como 
aos pais do cliente se colocam questões diag-
nósticas. Por exemplo: de que maneira os 
problemas afetivos não permitem que meu 
filho aprenda? Será preguiça? Ele ainda não 
aprendeu, logo precisa de umas aulas parti-
culares? Há algum problema genético? A di-
ficuldade pode estar no processamento das 
informações? O problema de meu filho tem 
a ver com alguma conduta inadequada que 
eu tenho, como pai?
Segundo essa perspectiva, é muito co-
mum nos perguntarmos sobre as relações 
entre afeto e cognição no estudo dos sin-
tomas, já apontadas por vários estudiosos 
da psicologia e da epistemogogia genética, 
como Ajuriaguerra (1963), Kerr -Corrêa e 
Sonenreich (1988), Anthony (1966), Fer-
nandes (1982), Delahanthy e Peres (1994), 
Seibert (2003) e Silva Altenfelder (2005). 
Nesse aspecto, vale a pena retomar o que já 
afirmei em 1994 em minha tese: afeto e cog-
nição estão imbricados nas vivências do ser 
humano, e só por um processo de abstração 
podem ser analisados separadamente.
No entanto, do ponto de vista teórico, 
é difícil unir esses dois aspectos, e nenhuma 
teoria conseguiu realizar tal proeza. A ver-
dade é que sabemos que afeto e cognição 
estão imbricados, mas não sabemos como 
nem por quê. Piaget refere -se à afetividade 
como aspecto energético e móvel do com-
portamento, quase nada mais além disso. 
Em Freud, a lógica aparece sobretudo na 
racionalização, embora este nos fale da ori-
gem da predicação e do juízo em seu famoso 
trabalho A negação (1925).
Se levarmos em conta a obra de Freud 
(sem falar nas de seus sucessores), devere-
mos reconhecer que Piaget deu importância 
muito pequena ao fator afetivo ao respon-
der como é possível ao ser humano alcançar 
o conhecimento do mundo. Entretanto, ao 
considerar a obra de Piaget, devemos re-
conhecer que Freud falou pouco ou quase 
nada a respeito do processo de cognição que 
permitiu a ele mesmo levantar hipóteses, fa-
zer analogias e constituir um universo de 
virtualidades referentes a um sujeito univer-
sal, ainda que aplicável ao sujeito psicológi-
co analisado no setting, aqui e agora.
Afeto e cognição estão imbricados. 
Como? É preciso pesquisar. Uma das linhas 
de pesquisa do Laboratório de Epistemolo-
gia Genética da Universidade de São Paulo 
dedica -se a esse estudo, sob a responsabi-
lidade de Zélia Ramozzi -Chiarottino, ino-
vadora nas pesquisas sobre as estruturas 
mentais que norteiam o processo de repre-
sentação do ser humano nos vários contex-
tos sociais. Portanto, o pressuposto teórico 
deste trabalho a respeito da importância das 
construções espaço -temporais e causais na 
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LudodiAgnóstiCo 105
organização da experiência vivida está em-
basado em décadas de pesquisas que têm 
buscado, ao que parece, com bastante su-
cesso, comprovar hipóteses relevantes para 
este estudo.
Assim, os dados que temos coletado 
indicam, com segurança, que a organização 
do que se passou e de tudo que se pode es-
perar supõe as relações espaço -temporais e 
causais, ou seja, uma construção adequada 
do real. Portanto, as crianças que não cons-
truíram essas noções representam caotica-
mente o mundo. As pesquisas têm demons-
trado que essa representação caótica, deter-
minada pelo comprometimento da constru-
ção adequada dessas noções, pode originar 
medos, ansiedades e sentimentos de culpa. 
Assim, chegamos ao presumível elo entre 
afetividade e cognição.
E qual é o conceito de real? “É o mundo 
dos objetos e dos acontecimentos, estrutura-
do pela criança graças à aplicação (a este 
mundo) de seus esquemas de ação. É por 
intermédio desses esquemas que a criança 
entende as propriedades dos objetos, as re-
gularidades da natureza e o alcance ou os li-
mites de suas ações no seu mundo (ou seja, 
um mundo no qual ela age). É graças à ação 
que exerce sobre o meio que a criança se 
insere no espaço e no tempo e percebe as 
relações causais. Sem essa organização, a 
representação do mundo não será adequada 
(Ramozzi -Chiarottino, 1984, p. 75).
No contexto do ludodiagnóstico ou da 
Psicologia Clínica e Social as contribuições 
da Dra. Zélia Ramzzi -Chiarottino vêm sen-
do demonstradas em suas pesquisas e orien-
tações.
Em algumas dessas contribuições es-
clarecemos e investigamos a possibilidade 
de compreensão de conceitos utilizados pelo 
clínico. Por exemplo: Quando Klein (1926, 
1929) menciona que a fantasia e a personifi-
cação são a base para a capacidade de trans-
ferência infantil, nossa proposta é a de que 
devemos considerar estes aspectos do ponto 
de vista da construção simbólica piagetia-
na, tal como o conceito de Real (Ramozzi-
-Chiarottino, 1984, p. 75). A capacidade de 
atribuir papéis pressupõe o desenvolvimen-
to de uma dessas etapas do funcionamento 
mental.
A atribuição de um papel ao outro 
supõe uma distinção eu/não eu e que nem 
sempre encontramos nas brincadeiras das 
crianças num contexto lúdodiagnóstico. Atri-
buir um papel ao outro pressupõe a estrutu-
ração de um “eu” que possa “enxergar” esse 
outro ou ao menos idealizá -lo, diferente de 
si mesmo. Queremos ressaltar que o termo 
“fantasia” pressupõe o desenvolvimento do 
aparelho mental. Posso utilizar a terminolo-
gia psicanalítica de pseudofantasias, proto-
fantasias, ou, no sentido piagetiano, quadros 
sensoriais. Portanto, uma criança que não 
brinca num ludodiagnóstico é por que está 
sob uma grande inibição de suas fantasias 
ou por que não tem ainda esta capacidade 
simbólica para expressá -las? É essa a tarefa 
do pesquisador, formular perguntas diante 
da observação lúdica.
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A análise do ludodiagnóstico vai depen-
der da abordagem teórica do examinador 
ou dos objetivos para os quais foi utilizada. 
Caso tenha sido utilizada como rapport, a 
análise vai ser voltada para o estabeleci-
mento do vínculo. Caso sua utilização seja 
para avaliação psicológica ou para o estabe-
lecimento e escolha de testes, a observação 
será dirigida para a análise do desenvolvi-
mento motor, afetivo, cognitivo ou social. 
Por exemplo, para verificar se o problema é 
motor é necessário observar como a criança 
utiliza os materiais, se é destra, se os mate-
riais caem, se os movimentos são irruptivos, 
hipotônicos, hipercinéticos, etc. Outros pro-
fissionais estabelecem, inclusive, análises de 
categorias de comportamento apoiados nas 
várias teorias de desenvolvimento, como por 
exemplo, Greenspan e Greenspan (1993). 
Kornblit (1976) dá ênfase à observação da 
sequência da interação lúdica e, entre ou-
tros, sugere a identificação do momento ini-
cial, do de máxima expressão lúdica, bem 
como do final da hora lúdica, considerando 
a interação em subsistemas, nos quais po-
dem variar a quantidade de material utili-
zado e o tipo.
Aberastury (1962), ao contrário, pro-
põe uma análise em que o sintoma é consi-
derado no todo da sessão, verificando a sua 
gênese, as angústias que o desencadeiam 
e as fantasias de cura imaginadas. Tardivo 
(1985; 1997), baseado nas pesquisas de 
Trinca (1983; 1987) sobre o método com-
preensivo, formulou uma organização de 
categorias que foram, por sua vez, aplicadas 
por Menichetti (2003) à observação lúdica, 
sugerindo a análise de atitudes básicas do 
sujeito diante da tarefa lúdica (aceitação, 
oposição, insegurança, identificação positiva 
ou negativa); identificação das figuras sig-
nificativas (figura materna; paterna; frater-
na); os sentimentos expressos (derivados do 
instinto de vida, os derivados do instinto de 
morte e os derivados dos conflitos); identi-
ficação das tendências e desejos (regressão, 
necessidade de proteção, destruição ou de 
construção); identificação das ansiedades e 
dos mecanismos de defesa.
Efron (1976), por outro lado, é a mais 
utilizada como referencial teórico -técnico 
no ensino da técnica ludodiagnóstica. Pro-
põe para a análise oito indicadores, lem-
brando que não há um roteiro padronizado, 
portanto, tais indicadores contribuem para 
uma sistematização apenas para orientar a 
análise com fins diagnósticos e prognósti-
cos, orientados para uma classificação di-
10
A análise do procedimento 
ludodiagnóstico segundo o 
referencial teórico psicanalítico
rosA mAriA LoPes Affonso
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108 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
nâmica do funcionamento da personalidade 
da criança:
a) Escolha de brinquedos: está relacionada 
com o momento evolutivo afetivo e cog-
nitivo em que se encontra a criança, logo 
os brinquedos ou brincadeiras devem ser 
analisados segundo esse ponto de vista 
evolutivo, classificando as condutas lúdi-
cas conforme as idades correspondentes 
aos diferentes referenciais da psicologia 
do desenvolvimento. Soifer (1992) apro-
fundou este aspecto, identificando, ba-
seado nas fases libidinais (oral, anal, fá-
lica e genital) as condutas lúdicas numa 
sessão.
b) Modalidade de brinquedo: cada criança 
estrutura uma modalidade de brinque-
do, baseada nas formas de manifestação 
simbólica de seu ego e de seus traços 
de funcionamento psíquico, podendo se 
expressar de uma maneira organizada, 
com uma sequência lógica, ou, ao con-
trário, limitada em seus recursos egoicos 
de expressão, podendo apresentar desde 
uma rigidez expressiva até uma comple-
ta ausência de resposta afetiva, observa-
da principalmente nos comportamentos 
estereotipados ou perseverativos.
c) Psicomotricidade: além dos conhecimen-
tos essenciais da psicologia evolutiva, pa-
rece que o profissional deve ter também 
alguns conhecimentos básicos de neuro-
logia, fisiologia e psicomotricidade, para 
que possa identificar nas condutas moto-
ras a adequação evolutiva da criança.
d) Personificação: consiste na capacidade 
da criança para assumir e desempenhar 
papéis no brinquedo, elemento muito co-
mum no processo evolutivo, através do 
qual a criança pode transformar os brin-
quedos ou a si mesma em personagens, 
imaginários ou não, de acordo com a sua 
faixa etária, expressando os afetos, tipos 
de relações ou de conflitos correspon-
dentes a essas idades, em sintonia com a 
sua realidade vivida ou imaginada.
e) Criatividade: manifesta -se quando a 
crian ça transforma ou constrói um novo 
objeto, demonstrando a sua capacidade 
de relacionar elementos novos, de mani-
pular o ambiente, resultando em novas 
ideias, formas ou relações.
f) Capacidade simbólica: é a expressão lú-
dica da criança. Essa capacidade, por 
sua vez, pressupõe níveis evolutivos. 
Po demos verificar em que medida os 
conteúdos conflitivos estão expressos se-
gundo a idade evolutiva da criança e se 
os mesmos permitem a identificação do 
momento psicossexual da criança, por 
exemplo, se a criança está regredida ou 
fixada em um dado estágio. Além disso, 
verificamos se através da expressão lúdi-
ca a criança expõe suas angústias, como 
lida com as suas dificuldades e o que es-
pera do atendimento.
g) Tolerância à frustração: é a aceitação ou 
não dos limites do contexto lúdico, da 
finalização da tarefa,do enfrentamento 
de possíveis dificuldades na atividade.
h) Adequação à realidade: está relacio-
nada com o indicador anterior e inclui 
as possibilidades de adequar -se à tare-
fa, separar -se ou não dos responsáveis, 
compreender o contrato e as instruções, 
colocar -se no seu papel, compreenden-
do ou não o papel do outro. Relaciona-
-se ainda com a maneira como a criança 
inicia a tarefa e o tempo necessário para 
adaptar -se à mesma.
Safra (1993) lembra que o estudo do 
fenômeno psíquico se relaciona com o psi-
quismo do investigador, o que pode facilitar 
ou ocultar a sua elucidação. Portanto, ape-
sar das várias tentativas de sistematização 
da técnica, trata -se de um instrumento pro-
jetivo e como tal a pesquisa deve também 
considerar o pesquisador, mas este seria um 
outro capítulo envolvendo o método clínico. 
É importante mencionar que a arte da análi-
se da técnica lúdica pressupõe sempre saber 
o que se investiga, com base ao menos no 
domínio de uma teoria, mas ao mesmo tem-
po exige do pesquisador estar aberto para 
novas descobertas, independentemente da 
heresia teórica que possa cometer.
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LudodiAgnóstiCo 109
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A seguir, relatarei alguns casos clínicos, 
como ilustração do uso da técnica ludodiag-
nóstica.
CASO BEREniCE
Identificação
Trata -se de uma criança de 7 anos e 2 me-
ses, do sexo feminino, a quem chamarei de 
Berenice. Ela frequentava o primeiro ano do 
ensino fundamental e o nível socioeconômi-
co familiar era classe baixa.
queixa
A mãe procurou a clínica por solicitação da 
escola, pois a menina apresentava dificul-
dades de aprendizagem e comportamento 
agitado no ambiente escolar. Além disso, a 
mãe relatou que Berenice não obedecia às 
suas ordens, corria o tempo todo, era mal-
criada, respondona e só falava gritando, 
comportando -se de maneira oposta à da 
irmã. Berenice tem uma irmã gêmea a quem 
daremos o nome de Bárbara.
Síntese da anamnese
A mãe não se lembrava de quando esse com-
portamento havia começado, mas afirmava 
que até uns 3 anos de idade Berenice era 
um amor, calma e apresentava -se como uma 
criança normal.
Atualmente, quando contrariada, colo-
cava os dedos na boca. A mãe relatou que 
quando a criança apresentava esse com-
portamento não conseguia ter paciência, 
começava a gritar com ela e às vezes batia 
nela. Aos 5 anos de idade, a mãe levou -a a 
uma psicóloga, a pedido da escola, e esta 
orientou -a a conversar mais com Berenice, 
mas sem deixar de colocar limites. Na épo-
ca, a mãe admitiu que não sabia dizer “não” 
para suas filhas.
A mãe relatou que a psicóloga enca-
minhara Berenice ao neurologista e ao fo-
noaudiólogo, pois a menina apresentava 
dificuldades para decifrar as cores, contar 
os números e acompanhar as atividades na 
escola. O exame neurológico demonstrou 
atividade irritativa generalizada, o que jus-
tificava a sua agitação. Segundo a mãe, o 
neurologista receitou um medicamento para 
que Berenice pudesse ficar “mais calma, me-
nos elétrica e agitada”.
Na escola, a diretora propôs que a 
menina mudasse de sala, pois não estava 
conseguindo acompanhar as atividades da 
turma. Na época a mãe concordara com a 
sugestão, mas Berenice reclamava por não 
ter atividades para fazer e só ficar brincan-
do com massinha. A mãe constantemente 
comparava Berenice com a irmã, dizendo: 
“A irmã faz tudo direitinho, os brinquedos 
11
Casos clínicos
rosA mAriA LoPes Affonso
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LudodiAgnóstiCo 111
são arrumadinhos, enquanto a ‘outra’ aca-
ba mais rápido com as bonecas, são todas 
riscadas, sem braços. As roupas e os sapatos 
acabam primeiro que os da irmã”. A mãe 
fazia esse tipo de comparação na frente de 
Berenice, mas dizia que esta não demons-
trava ligar para as comparações. Afirmava 
não aguentar mais o comportamento da fi-
lha, frisando que, se esta continuasse assim, 
iria enlouquecer.
Berenice apresentava dores nas pernas 
e na cabeça, e diante destes sintomas os pais 
demonstravam grande preocupação, porém 
os exames médicos nada acusavam. Segun-
do a mãe, a menina dizia que sentia a dor 
quando encostavam na cabeça dela, e a mãe 
acreditava que o couro cabeludo da filha era 
solto, por isso as dores na cabeça.
A mãe de Berenice trabalhava há 17 
anos como empregada doméstica e o pai es-
tava desempregado, mas trabalhava fazendo 
“bicos” como pintor. A relação entre ambos 
era bastante conflituosa. Brigavam na frente 
das crianças e não demonstravam respeito 
um pelo outro. A mãe comentou que não 
conseguia ficar calada e que gritava e dizia 
coisas desagradáveis ou palavrões quando 
brigavam. Os motivos das brigas eram rela-
cionados com a educação das crianças e as 
responsabilidades financeiras.
Diante das brigas, as crianças ficavam 
quietas no canto, vendo tudo. A mãe men-
cionou que, quando Berenice tinha apenas 4 
anos, presenciara uma briga muito feia en-
tre eles: o marido pediu para ela bater em 
seu rosto, tendo ela lhe dado um tapa, e na, 
sequência, ele deu -lhe um soco, que a derru-
bou no chão. Diante dessa cena, as crianças 
começaram a gritar, mas a mãe acreditava 
que elas já não se lembravam desse fato.
Segundo o pai, diante dos comporta-
mentos da filha ele procurava chamar a aten-
ção dela, pedindo constantemente para que 
ficasse quieta. Já a mãe deixava as crianças 
fazerem o que quisessem dela, frisando que 
elas a faziam de “gato e sapato”. Comentou 
que às vezes a mãe estava atrasada para le-
var as meninas à escola, mas se elas pediam 
para pentear o cabelo dela, ela deixava, e 
com isso se atrasava mais ainda. O pai di-
zia que a mãe não conseguia estabelecer 
alguns limites e que, quando saíam juntas, 
se as meninas quisessem salgadinhos ela 
comprava, e se passassem em uma barraca 
de cachorro -quente ela comprava, mesmo já 
tendo comprado o salgadinho; se passasse 
em outra barraca de cachorro -quente e as 
meninas quisessem jogar fora o que haviam 
comprado, ela comprava outro.
Relatou que, quando Berenice chegava 
da escola, ia tirando a roupa no meio da casa 
e ia para o banheiro tomar banho. Acrescen-
tou que, se a mãe comprasse um batom paraBerenice e ela o destruísse, no outro dia a 
mãe já aparecia com outro, não ensinando a 
ela que não poderia destruir o que tinha.
O pai comentou que não estava de 
acordo com o comportamento de Bereni-
ce, considerando -o inadequado. Disse que 
quando estava em casa conseguia colocar 
limites, pedia para juntarem as coisas es-
palhadas, ao que as crianças obedeciam. 
Afirmou que quando levava algum presente 
para as crianças procurava ensinar que este 
deveria ser conservado e que não se deve 
ficar desperdiçando.
Em relação às discordâncias do casal, 
o pai afirmou que às vezes era possível que 
a mãe aceitasse as suas intervenções, mas 
na maioria das vezes ele era desvalorizado 
na frente das crianças. O relacionamento do 
casal era permeado de cobranças, e a mãe 
não aprovava o comportamento do pai de 
sair com os amigos para tomar alguma coisa 
e chegar tarde em casa. Com relação à casa, 
a mãe decidia o que era melhor e não havia 
conflitos sobre isso.
Segundo a mãe, sua relação com as 
crianças era muito boa e ela tentava deixá-
-las à vontade, fazendo o que quisessem 
dela. Mencionou que Berenice adorava 
mexer em seus cabelos, pelo fato de ter o 
cabelo “duro”. Considerava Berenice muito 
apegada a ela e dizia que as pessoas comen-
tavam que ela a mimava muito, por isso ela 
se comportava assim. Em seu relato, afir-
mou que Berenice exigia muito mais dela do 
que a irmã. A mãe ressaltou ainda que as 
crianças tinham mais respeito pelo pai do 
que por ela.
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112 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
O pai afirmava que Berenice era muito 
dependente da irmã e ficava todo o tempo 
pedindo para que esta buscasse as suas coi-
sas e fizesse a sua lição, mas quando o pai 
estava presente evitava esse tipo de compor-
tamento. Disse tentar estabelecer alguns li-
mites para que ela fizesse as suas atividades 
sozinha e não ficasse pedindo para sua irmã 
fazê -las. Afirmou que costumava brincar 
com as crianças e elas se divertiam.
A mãe levava as crianças ao pediatra 
uma vez por mês ou a cada dois meses. Di-
zia ser uma mãe muito preocupada com as 
suas filhas e, sempre que podia, conversava 
com elas. Dizia que as filhas brigavam, mas 
acreditava ser coisa de criança. Comentou 
que Berenice não era bem vista pelas outras 
crianças, que ninguém a suportava e quan-
do ela se aproximava, diziam: “Lá vem essa 
menina”. Segundo ela, Berenice preferia 
brincar com meninos do que com meninas 
e adorava o afilhado do pai, que tinha 4 
anos.
A mãe também afirmava que o pai das 
meninas era mais rigoroso com as crianças 
do que ela e que em situações nas quais as 
crianças pediam coisas ela não conseguia di-
zer não. Relatou que às vezes o pai colocava 
as crianças de castigo, e quando ela chegava 
as tirava do castigo, não permitindo que o 
pai tivesse autoridade sobre elas. Sua vizi-
nha achava que ela batia em Berenice com 
“pena” e dizia que a criança precisava de 
uma surra bem dada, pois não tinha limites. 
A mãe disse que preferia conversar do que 
bater e não conseguia ser firme com Bereni-
ce; até tentava, mas depois cedia, deixando-
-a fazer tudo o que quisesse.
A mãe dizia ter uma vida muito corri-
da e ser uma pessoa organizada, apesar de 
não colocar sempre as coisas no seu devido 
lugar, mas afirmava não poder contar com a 
colaboração do marido e das crianças. A fa-
mília apresentava dificuldades financeiras, 
sendo a renda familiar de mil reais por mês. 
A mãe informava não ter condições de pagar 
o tratamento de sua filha, não possuir con-
vênio médico e que seu marido estava sem 
trabalho, fazendo apenas “bicos”, quando 
apareciam. Dizia ser muito dolorido não po-
der dar o que suas filhas pediam. Afirmava 
que Berenice compreendia quando ela não 
podia dar o que a menina solicitava.
Em momentos de lazer, a família se 
reunia para ir a festas de aniversários. A 
mãe comentou que tomava “algumas cerve-
jinhas” nos finais de semana e afirmava não 
deixar as crianças com ninguém para poder 
sair. Disse que sempre que saía elas estavam 
junto, e sempre que podia comemorava os 
aniversários das filhas.
História da família e herança
Na história da família de Berenice existiam 
casos de doenças mentais, diabetes e pes-
soas com alergia. Segundo a mãe, quando 
a menina caía e se machucava, ficava com 
alergia no local, tal qual sua mãe (avó de 
Berenice); a mancha logo aparecia, ela não 
sabia por quê. Comentou também que sua 
mãe e mais três tios maternos tinham diabe-
tes. Ela relatou que sua família era grande e 
tinha muitos sobrinhos, estando o mais ve-
lho com 30 anos e a mais nova, com apenas 
1 ano. Os avós maternos e paternos de Bere-
nice moravam em Recife, e as crianças já ha-
viam viajado duas vezes para a casa deles.
A mãe contou que, quando morava 
com seus pais, sempre procurava ajudar. Dis-
se sentir saudade do tempo em que morava 
junto com eles, do cuidado que eles tinham 
com ela, da união da família. Relatou ter 
saído de casa porque existia muita repres-
são com relação à sexualidade, não se podia 
“transar” antes do casamento, pois seus pais 
não aprovavam. Retornara após um ano e 
meio para a casa dos pais, para visitá -los, e 
fora bem recebida. Fez questão de frisar que 
sempre ajudou muito eles.
A mãe de Berenice relatou ainda ser 
muito parecida com sua mãe. Comentou 
que esta sempre cedia aos seus pedidos. 
Mencionou também que sua mãe era muito 
exigente com relação à limpeza da casa e 
que seu pai não ligava muito para isso. Ela 
se identificava com o seu pai nesse aspecto, 
dizendo que casa é feita para limpar e de-
pois sujar.
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LudodiAgnóstiCo 113
Os familiares mais próximos naquela 
época eram o irmão do marido, a esposa 
e uma tia dele. Segundo a mãe, a relação 
de Berenice com os familiares era boa e a 
menina gostava de manter contato com 
crianças menores e com idosos. Comentou 
que sua cunhada estava esperando um bebê 
e que Berenice estava superansiosa com a 
chegada dele. Berenice era então vista pela 
família como uma criança que havia melho-
rado bastante, conseguindo até ficar senta-
da, pois antes era vista como um furacão. 
A mãe atribuía essa mudança de comporta-
mento ao fato de a criança estar tomando 
um medicamento que o médico receitara 
para acalmá -la.
Os pais de Berenice haviam se conhe-
cido na festa de aniversário de uma amiga 
e, após alguns dias, iniciaram o namoro. 
Namoraram durante dois anos e a decisão 
de morar juntos partiu dele. No início houve 
uma resistência por parte dela, pois morava 
sozinha com uma amiga, tinha a liberdade 
de viajar, sair para ir a forrós, e o marido 
não gostava. Ela lamentava não poder mais 
fazer o que fazia antes, pois tinha as crian-
ças, o marido e a casa para cuidar. Relatou 
que, após seis meses morando de aluguel, 
haviam conseguido conquistar sua própria 
casa. O marido colaborava com as respon-
sabilidades financeiras e também ajudava a 
cuidar das crianças.
Antecedentes pessoais – 
história da criança
Segundo a mãe, ela engravidara após mais 
ou menos um ano de união com o marido, 
não se lembrando exatamente quando. A 
gravidez fora normal, embora não tivesse 
sido planejada. A notícia fora recebida com 
um susto. No início o pai não acreditara, 
mas depois compreendeu, ficou contente e 
disse que iria ajudar.
A mãe realizou o pré -natal, o acom-
panhamento necessário e seguiu todas as 
orientações do médico, mas o pai não podia 
acompanhá -la nas consultas por conta da 
distância, pois o médico era próximo ao tra-
balho dela. Ela disse que não teve nenhum 
problema de saúde nem enjoo durante gra-
videz. Relatou que comia de tudo, dormia 
bem e trabalhara como doméstica até um 
dia antes de ganhar as crianças. Conta que 
na época em que estava grávida ainda es-
tava estudando. Comentou ter sofrido dois 
abortos espontâneos antes do nascimento 
das filhas, que nasceram com oito meses de 
gestação. A escolha dos nomes foi feita por 
ambos os pais.
O parto de Berenice precisou ser atra-vés de cesárea, pois as crianças não estavam 
na posição correta para nascer de parto nor-
mal.
A mãe afirmou ter ficado muito feliz e 
emocionada no momento em que as crianças 
nasceram. Mencionou que o pai não pôde 
acompanhá -la ao hospital, pois ela estava 
sozinha em casa quando começou a sentir 
as dores e resolveu ir para o hospital. Con-
tou que quem nasceu primeiro foi Berenice 
e logo depois nasceu Bárbara. As meninas 
são gêmeas idênticas.
Após chegar da maternidade, durante 
os três primeiros meses, a mãe recebeu aju-
da da avó materna e da tia das crianças para 
cuidar delas. Berenice nasceu com 2,205 kg 
e Bárbara nasceu com 2,105 kg. A mãe co-
mentou que as crianças eram bem pequenas 
e disse não se lembrar exatamente do tama-
nho das duas. Afirmou que foi realizado o 
teste do pezinho e que estava tudo normal 
com as crianças.
Segundo a mãe, ela ficou no hospital 
durante 48 horas. Berenice foi para casa e 
depois de um dia teve que retornar ao hos-
pital por estar com icterícia. A mãe disse 
ter ficado arrasada e chorado bastante, mas 
no dia seguinte Berenice teve alta, e antes 
mesmo de receber a notícia ela já estava no 
hospital.
As crianças não tiveram dificuldade 
em pegar o bico do seio e mamaram no 
peito até os 5 meses, quando a licença-
-maternidade da mãe terminou. No período 
da amamentação foi necessária a comple-
mentação com outro leite, pois a mãe não 
tinha leite suficiente para as duas crianças. 
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114 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
A introdução de outros alimentos ocorreu a 
partir do quarto mês.
A mãe informou que o uso de chupeta 
pelas meninas foi até os 2 ou 3 anos e elas 
pararam de usá -la quando Berenice ficou 
com uma infecção na boca por conta da chu-
peta suja. Após esse acontecimento, as duas 
pararam juntas de usar chupeta. Segundo a 
mãe, na época da anamnese Berenice chu-
pava o dedo e por mais que ela tentasse 
orientá -la a parar a filha não a obedecia.
Em relação à alimentação, a mãe re-
velou que Berenice gostava de arroz, feijão 
e adorava peixe. As crianças tinham horário 
certo para comer, almoçando às 12h e jan-
tando por volta das 19h. O pai comentou que 
não possuía o hábito de jantar com as crian-
ças, pois chegava muito tarde e elas já esta-
vam dormindo. Segundo ele, no momento 
das refeições e nos horários de fazer as lições 
de casa a televisão ficava desligada.
Em relação ao sono, Berenice apre-
sentava medo de dormir sozinha desde os 3 
anos, dizia ter medo de monstro e reclama-
va de dor. A mãe comentou que fazia pouco 
tempo que a filha deixara de dormir com os 
pais. Revelou que a psicóloga a orientara a 
ser firme com Berenice e que esta conduta 
funcionou. O pai também mencionou a difi-
culdade de orientação para a filha, dizendo 
que somente após a orientação da psicóloga 
Berenice passou a dormir em sua própria 
cama. Na época ela dormia sozinha e com a 
luz apagada. Segundo a mãe, no período em 
que Berenice dormia junto com os pais na 
cama eles não tinham relações sexuais.
Quanto ao desenvolvimento motor, 
Berenice começou a andar com um 1 ano 
e meio e a irmã com 1 ano e quatro meses. 
A mãe relatou que Berenice caía muito e 
corria demais, apresentando constante tre-
mor em sua perna direita, que parecia fraca. 
Comentou que as duas crianças começaram 
a engatinhar com seis meses, e Berenice co-
meçou a sentar e a ficar “durinha” com seis 
meses. Segundo a mãe, Berenice escrevia 
com a mão direita.
Em relação ao controle dos esfíncteres, 
Berenice parou de usar fraldas com 2 anos 
de idade. Para treinar as meninas, a mãe 
utilizava penicos de bichinhos, e as crianças 
adoravam. Ela contou que não ficava espe-
rando as meninas pedirem para ir ao ba-
nheiro, estimulava -as, sempre perguntando 
para elas se estavam com vontade de ir ao 
banheiro, até elas se acostumarem a pedir. 
A mãe relatou que, dois dias antes de ser 
levada até a clínica, Berenice fizera xixi na 
calcinha e, à noite, na cama.
A mãe contou que Berenice gostava 
de se arrumar sozinha, mas não era possí-
vel permitir isso, por falta de tempo, pois 
não podiam chegar atrasadas à escola. A 
casa era pequena, com apenas um banheiro 
para quatro pessoas se arrumarem, por isso 
era necessária a ajuda dela. A mãe contou 
ainda que Berenice começou a pedir para se 
cuidar sozinha desde os 4 anos e se preocu-
pava com a aparência, dizendo que quando 
crescesse teria cabelo comprido e o pinta-
ria de loiro. A mãe mencionou que Berenice 
se preocupava com o fato de seu cabelo ser 
crespo, adorava fazer penteados e já pensa-
va em namorar.
Quanto ao desenvolvimento da lin-
guagem, a mãe contou que as duas meninas 
começaram a falar aos 2 anos, porém quan-
do tinham em torno de oito meses falavam 
“dadá”, “mama”, algumas coisas, mas res-
saltou que aos 2 anos é que de fato passa-
ram a falar tudo.
Em relação ao interesse pela sexua-
lidade, segundo mãe, Berenice nunca per-
guntara sobre sexo, somente Bárbara apre-
sentara tal interesse. Relatou que Bárbara 
perguntara o que era transar, mas ela se ne-
gara a responder. Após um tempo, Bárbara 
vira numa novela um casal dormindo junto 
e se beijando na boca, então dissera para a 
mãe que havia visto o que ela não tinha res-
pondido.
Berenice demonstrou interesse em sa-
ber como havia nascido, e a mãe conseguiu 
explicar dizendo que foi após o médico ter 
cortado a sua barriga. Comentou que a filha 
acreditou e que nunca demonstrou interesse 
em saber como entrou na sua barriga. A mãe 
considerava a idade da menina inadequada 
para esse tipo de curiosidade e acreditava 
que a idade mais adequada seria após os 12 
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LudodiAgnóstiCo 115
anos. Comentou que o órgão sexual do ho-
mem era chamado pelas crianças de pipiu e 
o órgão sexual da mulher, de xexeca.
Em relação a manipulações e tiques, 
segundo a mãe, Berenice chupava o dedo 
nos momentos em que ficava irritada e 
quando ia dormir, e ela ameaçava a filha de 
colocar pimenta em seu dedo ou fazia pro-
messas de dar tudo o que ela quisesse, caso 
ela parasse.
A mãe contou que existia uma rotina 
em que a filha tinha atividades e fazia cinco 
refeições por dia na escola. Berenice dormia 
na escola aproximadamente duas horas, 
mas a mãe não sabia exatamente por quan-
to tempo. Mencionou que a filha era uma 
criança muita agitada e elétrica e já recebe-
ra vários bilhetes e reclamações da diretora 
e da professora.
O pai não participava das reuniões es-
colares das crianças, alegando que a escola 
ficava mais próxima do local de trabalho da 
mãe. Segundo o pai, a escola não demons-
trava interesse no rendimento das crianças, 
não tinha interesse em ajudar, simplesmente 
sendo dito aos pais que a criança estava com 
problemas e não se sendo tomada uma ati-
tude para mudar a situação. A mãe comen-
tou que, quando a professora a chamou pela 
primeira vez para conversar sobre Berenice, 
aquela disse que sua filha precisava de aju-
da, e que talvez a menina fosse doente men-
tal. Relatou que quando a professora disse 
isso, ela demonstrou dificuldade em aceitar 
essa situação, procurou uma psicóloga e esta 
deu uma outra orientação. De acordo com a 
mãe, a psicóloga orientou -a para que Bere-
nice fosse mais estimulada, a fim de poder 
acompanhar as outras crianças. Segundo a 
mãe, na escola anterior Berenice era mais 
estimulada.
A mãe relatou que, pelo fato de Bere-
nice ter mudado de classe, não tinha mais 
caderno para escrever em casa, pois sua fi-
lha fazia as atividades que a escola dava lá 
mesmo. Em casa havia uma pasta com algu-
mas atividades e um caderno de desenho. 
Berenice estava indo para o segundo ano e 
ainda não sabia escrever seu próprio nome. 
Também apresentava dificuldades com os 
números, contando só até 4 e acreditando 
que o próximo número era 6. O pai contou 
que participava e ajudava nos estudos das 
crianças e disse que quando Berenice ia fa-
zer a lição ele pedia para ela depois mostrá-
-la para ele. Afirmou que colocava limitespara a filha não brincar nesses momentos.
A mãe explicou que mudara as crian-
ças de escola por causa do pagamento, pois 
em escola de bairro era muito difícil conse-
guir bolsa e nas escolas próximas ao traba-
lho dela era mais fácil. Segundo ela, no mo-
mento em que foi necessária a mudança, ela 
conversou com as crianças e elas adoraram 
a ideia, pois nessa nova escola elas iriam an-
dar de ônibus e a mãe iria levá -las e buscá-
-las todos os dias. De acordo com a mãe, as 
crianças adoravam a escola e não gostavam 
que ela chegasse mais cedo para buscá -las. 
A mãe contou que todo fim de mês a escola 
promovia uma festa de aniversário para os 
aniversariantes do mês, e as crianças fica-
vam superfelizes.
A mãe relatou que Berenice possuía 
amigos imaginários e vivia brincando de dar 
aulas, gostando de se fazer de professora ou 
de diretora da escola. Segundo a mãe, a filha 
falava algumas coisas erradas, como micro-
fone, que ela insistia em pronunciar “ocofo-
ne”. Aos 6 aos, a menina fora atendida por 
uma fonoaudióloga durante um ano.
Segundo a mãe, Berenice acreditava 
em Papai Noel, estando certa de que era ele 
quem trazia os brinquedos no Natal. A mãe 
contou alimentar essa fantasia, reforçando 
para as crianças que realmente era o Papai 
Noel quem trazia os brinquedos. Na Páscoa 
elas pintavam o coelho, faziam as orelhas e 
acreditavam que era ele quem trazia os ovos 
de Páscoa.
A mãe comentou que Berenice não 
apresentava nenhum tipo de preconceito, 
mas sempre que via uma pessoa um pouco 
gorda perguntava se estava grávida. Segun-
do a mãe, ela não planejava ter mais filhos, 
pois estava muito feliz com suas duas filhas 
e dizia que educar não era fácil. Relatou ser 
católica, às vezes indo à missa com o marido 
e as crianças. De acordo com ela, Berenice 
ficava inquieta na igreja e sempre que ia fa-
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116 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
zia muita bagunça. Os pais não oficializaram 
o casamento, embora se sentissem casados. 
Berenice desejava que os pais realizassem a 
cerimônia religiosa.
Segundo a mãe, o sonho de Berenice 
era ser dançarina quando crescesse. A filha 
também dizia querer ser professora. Afir-
mou que procurava orientá -la, dizendo para 
prestar atenção na escola, pois para con-
quistar as coisas era necessário estudar. Em 
relação ao manejo do dinheiro, a mãe rela-
tou que Berenice não tinha noção de valor, 
mas comentou que ela adorava gastar com 
besteiras, doces e qualquer coisa que visse.
Na escola, Berenice praticava ginásti-
ca. Segundo a mãe, antes ela fazia natação, 
mas como houve mudança de turma, teve 
que parar, e somente Bárbara continuara, 
porém Berenice não chegara a se queixar.
Educação da criança
A mãe demonstrou em seu relato ter dificul-
dades educacionais, por não conseguir dizer 
não para filha, o que impedia o amadureci-
mento da menina. Os pais não conseguiam 
compactuar como casal, discordando entre 
si o tempo todo na frente das crianças, o que 
impossibilitava que as filhas identificassem 
o certo e o errado.
RESuLTADOS DOS 
TESTES REALizADOS
Síntese do procedimento 
desenho ‑história
A criança apresenta atitude oposicionista 
frente às exigências do meio externo, rea-
gindo agressivamente. Representa que o seu 
conflito sádico está em atender as demandas 
da vida escolar. Os resultados dos desenhos 
sugerem uma defasagem na coordenação 
motora e intelectual; sem perspectiva de so-
lução evolutiva. Observa -se essa defasagem 
no desenvolvimento perceptivo -motor, inte-
lectual e emocional, com possível compro-
metimento neurológico.
Síntese do teste Columbia
Os resultados da performance da criança 
encontram -se na média inferior em compa-
ração com a amostra de padronização. Sua 
capacidade intelectual é compatível com a de 
crianças de 4 anos e 11 meses. Observa -se, 
desta forma, que a criança apresenta prejuízo 
quanto à capacidade de abstração, elabora-
ção e formação de conceito.
Síntese do Teste gestáltico 
Visomotor de Bender
Os resultados encontram -se dentro do espe-
rado para a idade.
Análise dos cadernos
As atividades propostas ainda são simples 
e é trabalhada a prontidão básica, estimu-
lando a percepção: dentro e fora, espaços 
e limites. As atividades são primitivas, cor-
respondendo ora ao jardim I, ora ao jardim 
II, portanto estão regredidas em relação à 
idade da criança. Pode -se observar que a 
criança realiza atividades de correspondên-
cia e pontilhados, típicas de crianças de 4 e 
5 anos.
Observa -se nas atividades realizadas 
que não existe uma motricidade fina compa-
tível. A criança rabisca desenhos, não aten-
tando a detalhes. Não esboça nos desenhos 
livres um desenho socialmente reconhecí-
vel.
Não se identificaram atitudes reforça-
doras para a estimulação da produção, pois 
não há observações da professora nas ativi-
dades, e nos desenhos livres não há identifi-
cação e nomeação das produções feitas pela 
criança.
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LudodiAgnóstiCo 117
Conclui -se que as produções realiza-
das são de uma criança de 4 ou 5 anos, osci-
lando entre o jardim I e o jardim II, logo não 
apresentando condições para alfabetização.
TRAnSCRiçãO DA SESSãO 
LuDODiAgnóSTiCA
na recepção
– Oi Berenice!
– Ai, não, eu não quero sair daqui.
Ela esconde o rosto.
– Vamos lá?
– Ah, não, estou com preguiça.
– Berenice, eu vou te levar a uma sala para 
conversarmos e se quiser poderá voltar.
– Tá, tudo bem...
A mãe diz:
– E você não vai cumprimentar?
– Tá bom.
A menina me dá um beijo.
A mãe diz:
– Berenice, cuidado por causa da perna, 
hein? Sabe, hoje ela acordou já com esta 
perna doendo e está com ela tremendo o 
dia todo.
– Tudo bem. Tomaremos cuidado, sim. Va-
mos lá, Berenice?
– Vamos.
Sai pulando e dá a mão para mim. Não 
há indícios de comprometimento no andar.
na sala
– Olha.
Berenice para à porta e fica olhando a 
mesa cheia de brinquedos. Logo sai corren-
do e os pega.
– Um espelho! E isso aqui o que é?
Aponta para o avião e o pega.
– O que você acha? Você sabe por que está 
aqui?
Vira o avião e fica em silêncio.
– Ah, é um avião!
– Isso mesmo. Berenice, tudo isto que está 
em cima da mesa são materiais que po-
derão nos ajudar em nossas conversas. 
Estavam nesta caixa aqui e coloquei na 
mesa. Ao final vamos guardar juntas.
– Ahã...
– Berenice você sabe por que está aqui 
hoje?
– Não.
Ela pega alguns rolos de massinha, co-
meça a amassar e fazer bolinhas.
– O que a mamãe disse para você quando 
estavam vindo para cá hoje?
– Que eu ia na psicóloga.
– E o que é uma psicóloga?
– Sei lá. – diz amassando a massinha.
– Eu sei seu nome... Tia Rosa!
– Isso! Berenice, a mamãe e o papai estão 
preocupados porque você está com difi-
culdades na escola.
– É isso mesmo.
Amassa com força a massinha sobre a 
mesa.
– Tia, o que é isso tudo na mesa?
– São os materiais que você poderá usar en-
quanto conversa comigo, para entender o 
que está acontecendo com você, o porquê 
de você estar tendo essa dificuldade.
– Humm... E esta água aqui, é pra fazer o 
quê?
– Você pode usar como achar melhor.
– Oba!
Ameaça jogar a bacia d’água no chão, 
mas olha para mim.
– Vou jogar a massinha na água.
Pega o barbante e começa a enrolá -lo 
no pescoço.
– Berenice, e esta história que sua mãe con-
tou da sua perna, o que é?
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118 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
– Minha perna dói e eu caio muito.
– E por que acontece isso?
– Por quê? Não sei...
– A mamãe também contou que você está 
muito agitada e as atividades na escola 
não saem direito. Como é isso?
– É assim mesmo.
Pega o papel laminado prateado, vira o 
lado que brilha para a mesa e coloca a mas-
sinha sobre o papel. Enfileira as bolinhas 
que tinha feito, como se fossem um muro 
entre mim e ela.
– O que é isso?
Ela aponta para as tintas.
– O que você acha?
– É tinta. Aqui também tem pincel.
Pega os pincéis e as tintas verde, ama-
rela e azul. Conforme vai pintando, repete o 
nome das cores.
– Estadaqui é amarelo, né?
– Isso mesmo. O que é isso que você está 
fazendo?
– Ainda não vou te falar, só quando acabar.
– Tudo bem.
Vejo que ela vai misturando as cores 
no papel. Passa cola em volta do papel e tro-
ca as cores das tintas.
– Percebo que você quer experimentar tudo 
o que está aqui. Misturar as cores, amas-
sar as massinhas. Será que isso também 
acontece na escola? A professora dá uma 
atividade e você quer logo fazer, sem sa-
ber ao certo o que tem que fazer?
– A professora briga. Fala: “Sente -se, Be-
renice, faça a sua lição e pare de con-
versar”. Agora vou pintar com as cores 
vermelho, preto e branco.
Pinta o papel com as novas cores. Tira 
as massinhas que formavam o muro e do-
bra o papel laminado. Com o papel fechado 
em forma de um quadrado, faz um contorno 
com a cola.
– Pronto, acabei este!
– E o que é Berenice?
– É uma casa.
– Hum... e quem mora nela?
– Ué, a cola e a tinta. Agora vou fazer ou-
tra coisa!
– E se a cola e a tinta fossem pessoas? 
Quem seriam?
– Não sei ainda.
Pega outro papel laminado prateado, 
abre e passa cola. Pega a tinta verde e, como 
estava dura, ela põe a água da bacia, mas cai 
tudo de uma vez, esparramando na mesa. 
Ela fecha o papel e passa cola nos dois la-
dos dele. Espalha bastante cola, água e tinta 
verde com a mão. Molha a mão na água e 
espalha mais cola.
– Pronto, acabei.
– E esse aí, o que é?
– É um tapete. Toma.
Joga -o para mim e pego -o no ar, pois, 
do contrário, iria me sujar.
– Vou colocar junto com a casa, tudo bem?
A casa cai no chão. Ponho do lado da 
mesa.
– Ah, tá, tudo.
Pega outro papel laminado prateado.
– Agora eu vou fazer uma coisa que não 
posso contar pra ninguém.
– É, Berenice? Mas por quê?
– Este não. Não posso.
Abre o papel e passa bastante cola. Es-
palha tudo e põe legos coloridos em cima.
– Aqui são as cadeiras das meninas. Mas 
eu só quero as rosa.
Tira os legos verdes e amarelos e enfi-
leira somente cinco legos cor -de -rosa.
– Que meninas são estas?
– As meninas. Elas vão sentar nestas cadei-
ras!
Fecha o papel e passa mais cola.
– Pronto, está pronto o presente.
– E para quem é o presente Berenice?
– Para você.
– Posso abrir, então?
– Não, não pode. É um presente.
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LudodiAgnóstiCo 119
– Tá.
Ao me entregar o presente, o papel se 
abre sozinho e os legos caem.
– Ah, não, estragou o presente!
Pega os legos, abre o papel, coloca -os 
novamente dentro dele e fecha -o.
– Nossa, você fez as unhas, tia!
Para e fica olhando a terapeuta.
– Você é bonita!
– Obrigada! Vou deixar o presente aqui 
junto com a casa e o tapete, tudo bem?
– Tudo.
– Acho que você está feliz de poder fazer 
atividades, falar sobre coisas de menina 
e até quis me dar um presente de tão 
contente.
Levanta, pega papel sulfite, lápis colo-
rido, giz de cera e massinha e vai em direção 
à cadeira de adulto que tem na sala.
– Vou fazer um desenho agora, mas você 
não pode ver, tá?
– Tudo bem.
Berenice vira -se de costas para a tera-
peuta, vai até uma cadeira distante da mesa 
e desenha em cima da cadeira. Desenha 
duas linhas na vertical com giz de cera e co-
loca duas bolinhas de massinha em cima.
– Acabei!
– Qual é o nome deste desenho, Berenice?
– O pintor.
– Conte -me uma história sobre ele.
– Era uma vez uma menina que usava um 
chapeuzinho vermelho, aí veio o lobo e 
pegou ela. Agora vou fazer outro dese-
nho.
Pega os lápis de cor e faz linhas colori-
das e grossas.
– Berenice, nosso tempo já está acabando 
e vamos ter que guardar todos estes ma-
teriais. Você já está acabando de dese-
nhar?
– Ah, não! Eu não quero ir embora... Este 
desenho aqui pode ficar comigo?
Mostra o último que tinha feito.
– Você vai precisar dele?
– Ahã. Mas eu vou cortar só a parte que 
pintei.
Pega a tesoura e faz cortes pequenos 
no meio do desenho, depois corta em volta.
– Precisamos guardar os materiais. Vamos 
nos encontrar outras vezes, mas vou tra-
zer outras coisas. Berenice, vamos! Hoje 
vou te ajudar a guardar as coisas, acho 
que você não quer ir, mesmo.
– Eu vou te ajudar. Eu gosto de ajudar. Na 
escola eu ajudo a tia.
Na arrumação, Berenice joga na mesa 
o desenho que fez com giz de cera e massi-
nha. Sai correndo pelo corredor e entra em 
todas as salinhas de atendimento.
– Berenice, é por aqui, vamos lá, que a ma-
mãe está esperando.
Berenice pega na minha mão e chega-
mos à recepção.
– Ih, tia, esqueci o desenho! Quero ir lá 
buscar.
– Então podemos voltar para pegar.
Berenice sai correndo e não me espera, 
mas, como não lembrava do caminho da sala, 
para e espera. Pega o desenho, volta para a 
recepção e sai, dando a mão para a mãe.
AnáLiSE DA SESSãO 
LuDODiAgnóSTiCA
Escolha dos brinquedos
Verifica -se que o contato inicialmente é feito 
com restrições, típico de uma criança dessa 
idade diante de alguém desconhecido. En-
tretanto, diante da visão dos materiais, já 
na sala, a menina fica surpresa e sua rea-
ção é de impulsividade, como se os mate-
riais representassem o lado prazeroso de 
sua infância. O primeiro material que utiliza 
é o espelho, podendo representar a busca 
de sua identidade. Imediatamente quer sa-
ber o que é o avião. Aliás, ela sabe o que é 
o avião, mas neste momento expressa sua 
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120 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
confusão mental, indicando que precisa se 
diferenciar.
Não consegue dar continuidade à sua 
pesquisa e passa a amassar a massinha. Se 
considerarmos estas primeiras escolhas de 
materiais, e equiparando -as às associações 
livres da criança, é como se ela nos disses-
se: meu problema está na busca de quem eu 
sou, de outro que me permita diferenciar-
-me, mas não consigo, regrido a um está-
gio anterior, ou seja, de uma etapa edípica 
retorno a uma etapa anal, de exploração e 
manuseio prático. Esse manuseio regressi-
vo, no entanto, a faz entrar em contato com 
seus impulsos agressivos, que não quer que 
a terapeuta conheça. Ao reconhecer que a 
terapeuta pode “se conter”, permitindo a 
sua agressividade, novamente se depara 
com a possibilidade de descontrole: ameaça 
jogar a água.
Ao reconhecer este seu lado destruti-
vo, volta -se para si, na tentativa de se pu-
nir. Isso fica claro ao enrolar o barbante no 
pescoço. Aqui podemos entender o quanto 
a criança, diante da possibilidade de manu-
sear e pesquisar os materiais, de expressar 
sua agressividade, rompe com a realidade, 
desiste de sua exploração e enrola um bar-
bante no seu pescoço, ou seja, em vez de ex-
pressar seus sentimentos ataca -se inibindo 
sua ação de exploração.
Possivelmente, as dores na cabeça e na 
perna representam sintomas psicossomáti-
cos, ou seja, através das dores pode receber 
atenção ou encobrir a sua agressividade. As 
bolinhas de massinha ficam em cima de um 
papel laminado cujo brilho fica escondido. 
O que aparece? É o seu lado regredido, onde 
o interesse é apenas expresso na manipula-
ção, ora com as tintas, ora com a massinha.
A cola representa sua necessidade de 
afeição e de simbiose, sua necessidade de 
ser aceita como uma menina “desconjunta-
da”, “atrapalhada”. Entrega para a terapeu-
ta um conjunto de legos que representam 
meninas. Quais meninas? As várias meninas 
que sente dentro de si, mas que ela não quer 
que sejam conhecidas.
Diante da impulsividade da expressão 
de seus impulsos agressivos, verifica que é 
possível pesquisar os conteúdos femininos, 
mas o faz com angústia e persecutoriedade. 
Seus desejos femininos podem, novamente, 
colocá -la numa situação de perigo. Lembra-
-se da história da Chapeuzinho Vermelho, 
que é comida pelo Lobo Mau. Não há a pos-
sibilidade de reparação dos impulsos agres-
sivos, e novamente ela reproduz o seu histó-
rico de repressão, demonstrando o quanto 
não consegue crescer.
Quem sabe as suas dificuldades esco-
lares, tal como descritas por Klein (1930; 
1931), estejam relacionadas ao impedimen-
to destas descobertas típicas da fase fálica.
Modalidade de brinquedo
As manifestações simbólicas da menina de-monstram um ego pobre na expressão, onde 
os impulsos parecem prevalecer sobre a ca-
pacidade expressiva representativa. As ações 
da criança demonstram um interesse na ma-
nipulação, que, por sua vez, surge para im-
pedir a capacidade simbólica edípica.
No relato da mãe, nas sessões que 
precederam o primeiro encontro com a te-
rapeuta, fora mencionado que a criança, 
ao saber do atendimento psicológico, ficara 
ansiosa e fizera xixi na cama, coisa que há 
muito tempo não fazia. Ao se apresentar à 
terapeuta na recepção, ela diz que não quer 
ir para a sala. A mãe menciona que naquele 
dia a criança está com a perna doendo e tre-
mendo. São dados que revelam a ansiedade 
da criança diante da situação de avaliação. 
É contraditória, porém, sua atitude impulsi-
va ao chegar na sala, sugerindo falta de ade-
quação evolutiva no seu comportamento.
Entretanto, o aspecto motor já fora 
avaliado com o médico, o que nos leva a 
uma possível hipótese (associada à sua an-
siedade) de que há um aspecto de natureza 
psicossomática. Essa hipótese fica mais clara 
se considerarmos que esse comportamento 
impulsivo diminui com o decorrer da sessão. 
Ora, o que justificaria, então, a ansiedade 
persecutória da criança?
Verifica -se que, ao conversar sobre as 
dificuldades escolares, a manipulação da 
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LudodiAgnóstiCo 121
massinha também demonstra ansiedade. 
Provavelmente o seu medo é de ser aniqui-
lada e não aceita pela mãe, que, por sua vez, 
a compara com a irmã.
Há ataques a essa falta de aceitação 
de sua dificuldade que ela deseja expressar, 
mas procura evitar. Verifica -se tal atitude 
de repressão de seus impulsos quando ela 
tenta evitar jogar a massinha na água, ou 
seja, identificamos a presença de uma crí-
tica superegoica no seu comportamento, 
esperado para uma criança de sua idade. 
Seu bloqueio na ação de atirar a massa na 
água é evitado, mas o que faz em seguida? 
Envolve o barbante no pescoço, sugerindo 
uma autoagressão, típica de sintomas psi-
cossomáticos.
No desenrolar da sessão, verifica -se que 
a modalidade do jogo vai adquirindo aspec-
tos do que é esperado em sua idade, ou seja, 
mistura cores, faz um tapete para a casa, es-
boça uma história para o seu desenho.
No encadeamento de suas ações, iden-
tificamos uma sequência desorganizada, 
apesar de haver uma lógica quando a in-
terpretamos. Por exemplo, quando usa as 
tintas, ela demonstra que sabe as cores, faz 
uma casa onde moram a cola e a tinta, o 
que representa a união e a identidade. Pro-
vavelmente, o seu grande problema é este: 
o conhecimento está impossibilitado pela 
dificuldade na identificação.
Em seguida, ela faz com os papéis um 
tapete da casa, que joga para a terapeuta. 
O que pode significar um tapete? O apoio, 
a segurança, que não encontra no ambiente 
familiar. Logo, quem deverá cuidar disso é a 
terapeuta, daí jogar o tapete para esta.
Ou seja, o que podemos verificar é 
uma expressão carregada de ansiedade, daí 
a desorganização, mas se trata de uma de-
sorganização com uma lógica significativa.
Psicomotricidade
A criança desenha, faz colagens, apresenta 
preensão manual adequada, faz recortes, re-
conhece quando a atitude não corresponde 
ao esperado – por exemplo, quando os legos 
caem no chão. Do ponto de vista evolutivo 
gráfico, os desenhos ainda estão numa fase 
pré -esquemática, ou seja, não correspon-
dem à realidade, sugerindo uma regressão 
nos conteúdos.
Além disso, a alternância das atividades 
também não é a esperada para uma criança 
de 7 anos. Discutindo esses indicativos, foi 
indicada uma avaliação neurológica, que 
acusou foco irritativo. Este resultado, porém, 
foi associado ao comportamento impulsivo, e 
não a uma impossibilidade intelectual.
Se considerarmos o resultado do Testes 
Gestáltico Visomotor de Bender como nor-
mal, é provável que com estimulação ade-
quada na representação de suas ações práti-
cas este atraso na expressão possa melhorar.
Personificação
Trata -se de uma criança que interage com 
a terapeuta, há diálogos. Ela realiza ativi-
dades e presenteia a terapeuta, ou seja, há 
uma relação intensa e que poderíamos de-
finir como uma personificação primária, ou 
seja, o faz de conta com personagens é ain-
da correspondente a uma criança de 3 anos. 
Ela associa os legos a meninas, que têm uma 
cor feminina (cor -de -rosa).
Novamente, identificamos uma ne-
cessidade de diferenciação. Essa personifi-
cação, ainda tão regredida para a idade de 
7 anos, nos faz entender que o processo de 
identificação apresenta dificuldades, com a 
figura masculina adquirindo sinais de per-
secutoriedade. Essas falhas na identificação 
podem fazer emergir comportamentos es-
tereotipados, o que pode sugerir o agrava-
mento do quadro regressivo.
Tal aspecto pode ser observado primei-
ramente quando a criança entrega os legos 
para a terapeuta dizendo que são as cadei-
ras das meninas. Quem poderiam represen-
tar essas meninas? Ela e a irmã? Ao entregar 
o presente, ela se depara com as unhas da 
terapeuta e fica observando -as. Ora, nesta 
idade a criança fica interessada nos aspectos 
femininos, bem como no comportamento 
dos adultos, e verificamos isso quando ela 
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122 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
vai em direção à cadeira do adulto. O que 
acontece em seguida? Ela faz um desenho 
que a terapeuta não pode ver. O que esta não 
pode ver? O pintor. O que pode representar 
o pintor? O aspecto masculino proibido.
Em seguida aparece a história estere-
otipada: a menina que usava um chapeuzi-
nho vermelho, “aí veio o lobo e pegou ela”. 
O interesse na figura masculina se transfor-
ma em algo ameaçador. Além disso, usar o 
chapéu vermelho faz com que o lobo pegue 
a menina. Aqui está a grande confusão “psi-
cótica” desta criança: se consideramos que 
ela foi utilizada pela mãe como motivo do 
impedimento da sexualidade conjugal, o 
comprometimento na identificação torna -se 
ainda maior.
O que resta a esta criança? A solução 
que dá ao conflito é resolver o seu proces-
so de identificação primária. A expansão da 
história do chapeuzinho vermelho é inibida, 
e a criança retorna ao uso dos recortes, ou 
seja, novamente regride, indicando que a 
sua dificuldade está neste processo de dife-
renciação materna.
Criatividade
A criança manipula os materiais dentro do 
esperado, usa os legos como cadeiras, faz 
recortes coloridos representando um tapete, 
mas sem verificarmos relações inusitadas, 
ou seja, a criatividade está dentro do espe-
rado.
Se considerarmos que se trata de uma 
criança de 7 anos, podemos dizer que as 
suas ações são muito primárias, uma vez 
que ela mistura desenho com massinha, ao 
fazer o pintor. Evidentemente, ao analisar-
mos o conteúdo da situação percebemos o 
quanto a sua capacidade criativa fica inibida 
diante da sua impossibilidade, que não lhe é 
favorável ao crescimento.
Capacidade simbólica
Verifica -se que a criança expressa as suas 
dificuldades relacionadas a sua impossibili-
dade de lidar com os conflitos edípicos apre-
sentando um comportamento com fixações 
anais. Na medida em que suas ações são 
permeadas de exploração e manipulação 
(ou seja, pinta, recorta, desenha), mas, ao 
tentar estruturar um comportamento mais 
elaborado, como a casa ou a história sobre 
as duas bolinhas que compõem o seu dese-
nho do pintor, a criança não vai além disso, 
não consegue representar verbalmente uma 
hitória sobre suas ações. A ansiedade per-
secutória parece impedir o seu crescimento, 
logo, a faz regredir ao comportamento de 
manipulação.
A criança demonstra com isso uma fra-
gilidade egoica, e as defesas preponderantes 
são de repressão, deslocamento e, em alguns 
momentos de maior conflito, aparecem os 
mecanismos de cisão.
Por outro lado, ela expressa suas di-
ficuldades, o porquê das dificuldades de 
aprendizagem e de agitação, e expressa tam-
bém a sua fantasia de cura. Suas dificulda-
des na aprendizagem perecem estar associa-
das a uma impossibilidadede conhecimento 
de si mesma e do processo de diferenciação. 
Nossa hipótese é de que essas dificuldades 
foram impedidas com a não aceitação de 
seu interesse pelo aspecto feminino. A fan-
tasia de cura parece associada ao processo 
de identificação primária, na medida em 
que há ataques à figura materna e que, na 
fantasia inconsciente da criança, as dificul-
dades só podem ser vivenciadas através de 
seu sintoma de deficiente mental ou de não 
aprendizagem.
Ainda em relação à expressão da sua 
dificuldade de aprendizagem, podem -se 
questionar todos estes significados e dizer 
que o comprometimento desta criança é 
neurológico, logo, deveríamos centralizar 
nossa preocupação no aspecto cognitivo ou 
intelectual, dando um outro direcionamento 
ao caso – por exemplo, sugerir um trabalho 
neuropsicomotor.
Esse procedimento também pode ser 
utilizado se formos rigorosos na análise do 
seu comportamento, tão regredido para 
uma criança de 7 anos. No entanto, de que 
adianta todo um processo de estimulação 
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LudodiAgnóstiCo 123
dissociado das “possíveis” significações das 
vivências de um ser humano? Este impasse 
é algo que o psicoterapeuta terá que decidir 
mediante o conjunto das suas avaliações.
Tolerância à frustração
A criança aceita os limites impostos pela 
atividade lúdica, embora suas ações sejam 
quase sempre exploratórias, com esboços de 
construções. No que diz respeito à separa-
ção, verifica -se que essa foi a sua maior difi-
culdade, expressa diante do limite do térmi-
no da sessão. Diante do inevitável término 
da sessão, começa a ficar agressiva, atirando 
o desenho no chão e deixando a sala ansiosa 
e agitada.
Por outro lado, suas ações agressivas 
são permeadas de reparação. Por exemplo, 
joga o desenho ao chão, mas precisa retor-
nar à sala, admitindo não poder ficar sem o 
desenho.
Adequação à realidade
A criança compreendeu os papéis de cada 
um na situação lúdica, utilizou os materiais 
de acordo com as sua funções e, apesar das 
dificuldades diante dos limites impostos 
pelo tempo da sessão, demonstrou compre-
ensão do contrato e das instruções, ou seja, 
apresentou um comportamento adequado à 
sua faixa etária.
Síntese do ludodiagnóstico
Verifica -se que a criança expressa as suas 
dificuldades relacionadas a sua impossi-
bilidade de lidar com os conflitos edípicos 
apresentando um comportamento com fi-
xações anais. A angústia preponderante é a 
persecutória, que parece permear e impedir 
as manifestações de seus recursos, desen-
cadeando comportamentos regressivos de 
manipulação.
A criança demonstra com isso uma 
fragilidade egoica, e as defesas preponde-
rantes são de repressão e regressão, e em 
momentos de maior conflito aparecem os 
mecanismos de cisão e tentativas de desin-
tegração.
As dificuldades na aprendizagem estão 
associadas a uma impossibilidade de conhe-
cimento de si mesma e do processo de dife-
renciação. Essas dificuldades de exploração 
e pesquisa parecem estar associadas a sua 
não aceitação dos seus aspectos femininos. 
A fantasia de cura parece associada à ela-
boração do processo de identificação primá-
ria, na medida em que há representações de 
ataques à figura materna que, na fantasia 
inconsciente da criança, só podem ser vi-
venciadas através do seu sintoma escolar ou 
psicossomático.
CASO CARLOS
Identificação
Trata -se de um pré -adolescente de 12 anos 
do sexo masculino, a quem darei o nome de 
Carlos.
Carlos foi levado à clínica encaminha-
do pela escola, pois, frequentando o sexto 
ano do ensino fundamental, recusava -se a 
fazer os deveres de casa. Além disso, seu 
comportamento era agressivo, tanto em 
casa como na escola. Respondia para os 
professores que não iria fazer os deveres. 
Com os colegas ficava enfurecido quando 
lhe chamavam de baixinho. Segundo a mãe, 
quando o menino ia ao banheiro sentia -se 
inferiorizado, uma vez que seu pênis era pe-
queno. A mãe já o levara ao endocrinologis-
ta, mas não havia problemas.
O pai, em função das várias reclama-
ções da escola, procurara dar mais atenção 
ao menino e entendia que ele estava mais 
calmo. Também acreditava que a mãe dizia 
muito para Carlos obedecer, e ela mesma 
admitia que acabava por se descontrolar, 
gritando com Carlos. Segundo os pais, o me-
nino resistia às regras educacionais, nunca 
obedecendo na primeira solicitação. Com o 
pai a obediência era mais frequente.
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124 rosA mAriA LoPes Affonso (org.)
Síntese da anamnese
Carlos era o filho caçula e temporão. Os pais 
tinham mais duas filhas, uma de 24 anos e 
outra de 22. Os pais acreditavam que Carlos 
sempre fora “mimado” por todos da casa, 
em função de ser o caçula, e sempre fizera o 
que queria desde pequeno.
Quando o menino tinha 6 anos, come-
çou a praticar kung -fu; segundo os pais, para 
dar vazão à sua agressividade, pois já naque-
la época havia queixas da escola. Algumas 
mães chegaram a conversar com a mãe de 
Carlos, pois ele já batia nas crianças.
Carlos sempre conviveu com adultos, 
pois o local onde a família morava não per-
mitia o convívio com outras crianças, ou 
seja, a sua socialização se restringia à esco-
la. Apesar de ter um quarto para ele, todas 
as noites ele ia para o da irmã mais velha. 
Ainda naquela época havia dias em que 
acordava e ia para a cama da irmã. O meni-
no alegava ter medo do escuro e dizia que 
quando assistia a filmes de terror acabava 
tendo pesadelos.
Os professores afirmavam que Carlos 
não podia fazer trabalhos em grupo, pois 
brincava e fazia bagunça.
Antecedentes pessoais: 
história da criança
A gravidez de Carlos não foi planejada e, 
ao 7 meses de gestação, houve a ameaça de 
nascimento prematuro. Isto teria se dado 
em razão de um susto que a mãe levara en-
quanto estava dirigindo, durante uma via-
gem, quando o carro derrapou. O bebê nas-
ceu sentado e teria girado devido ao susto. 
Porém, não houve outras consequências, e o 
nascimento foi aos 9 meses.
Segundo a mãe, a gravidez foi boa, 
com enjoos até o quarto mês, como nas duas 
gestações anteriores. O parto foi através de 
cesárea, pelo fato de o bebê estar sentado. 
Carlos nasceu com 3,6 kg e com 48 cm. O me-
nino mamou ao seio até os 10 meses, e a mãe 
retirou a amamentação aos poucos, como a 
médica lhe recomendara. A mamadeira foi 
usada até até os 5 ou 6 anos, quando Carlos 
deixou -a por iniciativa própria, pois haviam 
descoberto na escola que ele usava mama-
deira. Usou chupeta até os 4 anos, tendo 
esta lhe sido retirada pelos pais.
O controle dos esfíncteres teve início 
com 1 ano e 2 meses, e as fraldas foram re-
tiradas aos 2 anos. A mãe deixava -o horas 
no urinol, e as irmãs mais velhas é que o 
limpavam quando se sujava.
Com 10 meses, Carlos começou a en-
gatinhar, mas pouco, pois com 1 ano já pas-
sou a andar. Começou a dizer frases com 4 
anos. Aos 2 anos falava somente palavras 
bem curtas. Chamava sua irmã mais velha 
de Onca, em vez de Mônica, e a irmã mais 
nova de Lu, em vez de Lucélia.
Com 5 anos, o menino entrou na pré-
-escola. Com 6 anos iniciou o primeiro ano 
do ensino fundamental. Começou então a 
ler e escrever, porém muito pouco, sendo 
tal fato atribuído a sua falta de paciência. 
Quando tinha 9 anos, já no quarto ano, co-
meçou a ter explosões de raiva.
Carlos gostava de frequentar a escola, 
mas não gostava de levantar cedo, o que 
gerava dificuldades para levá -lo às aulas. 
Na época, seu rendimento escolar era bom. 
Tinha bom desempenho em matemática, 
ciên cias e artes e não ia muito bem em geo-
grafia, inglês e português. Não gostava de 
história, pois não gostava de ‘decorar’. Ti-
rava notas altas, como, por exemplo, 9 em 
matemática, no entanto, não era essa a nota 
que constava em seu boletim, devido ao seu 
mau comportamento. Ainda assim, atingia a 
média sem problemas.
Carlos era ajudado nas lições pelo 
pai, rejeitando a ajuda da mãe. A irmã mais 
velha ajudava -o eventualmente. O espaço 
onde Carlos fazia suas lições era uma mesa 
no

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