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! ��1�����2 �� �"�� � ��������� �� �� ����������� �� � ���������������� ����� �������� ��� � L946 Ludodiagnóstico [recurso eletrônico] : investigação clínica através do brinquedo / Organizadora, Rosa Maria Lopes Affonso. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2012. Editado também como livro impresso em 2012. ISBN 978-85-363-2696-2 1. Psicanálise. I. Affonso, Rosa Maria Lopes. CDU 159.964.2 Catalogação na publicação: Fernanda B. Handke dos Santos – CRB 10/2107 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 2012 Versão impressa desta obra: 2012 Ludodiagnóstico investigação clínica através do brinquedo Rosa Maria Lopes Affonso organizadora INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS © Artmed Editora Ltda., 2012 Capa Ângela Fayet Preparação do original Maria Lúcia Badejo Leitura final Gabriela W. Linck Coordenadora editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, foto cópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 Cond. Espace Center – Vila Anastácio 05095-035 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Autores Rosa Maria Lopes Affonso (org.) Psicóloga. Mestre, doutora e pós-doc pelo Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo. Especialização em Psicoterapia. Professora de Avaliação Psicológica. Supervisora de atendi- mentos psicoterapêuticos de bebês, crianças, adultos e idosos. Aicil Franco Psicóloga e psicoterapeuta. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Especializada no Jogo de Areia na Suíça e nos Estados Unidos e em Psicolo- gia Social pela PUC -SP. Professora e supervi- sora no Instituto Junguiano da Bahia. Mem- bro do conselho editorial da revista Psiquê – Ciência e Vida. Claudia Anaf Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Dagmar Menichetti Psicóloga. Diretora Substituta da Área de Saúde do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela USP -SP. Especialização em Psicologia e Psi- coterapia da Infância e Adolescência. Elisa Marina Bourroul Villela Psicóloga Clínica. Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Universidade Presbi- teriana Mackenzie. Helena Rinaldi Rosa Psicóloga. Mestre e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Professora As- sistente na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis. João Augusto Figueiró Médico. Psicoterapeuta. Presidente do Insti- tuto Zero a Seis. Karina Okajima Fukumitsu Psicóloga e psicoterapeuta. Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela Michigan School of Professional Psychology, Center for Humanistic Studies, EUA. Especialis- ta em Psicopedagogia pela PUC -SP e em Gestalt -Terapia pela Sedes Sapientiae, SP. Professora do Curso de Psicologia da Uni- versidade Presbiteriana Mackenzie. Profes- sora Convidada do Curso de Especialização em Gestalt -Terapia do Instituto Sedes Sa- pientiae. Katia Wanderley Doutora em Psicologia Clínica pela USP. Chefe da Seção de Psicologia do Hospital do Servidor Público Estadual. Professora e Supervisora do Curso de Psicologia das Fa- culdades Metropolitanas Unidas. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Kayoko Yamamoto Doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP. Departamento de Psicologia Clínica do Ins- tituto de Psicologia da USP. Curso de Especia- lização em Psicoterapia Psicanalítica do De- partamento de Psicologia Clínica do IPUSP. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo Psicóloga. Mestre. Doutora em Psicologia Clínica e Livre Docência em Psicopatologia pela Universidade de São Paulo. Professo- ra Associada da Universidade de São Pau- lo. Coordenadora do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do IPUSP. Maria Leonor Espinosa Enéas Doutora em Psicologia pela Pontifícia Uni- versidade Católica de Campinas. Professora e supervisora de Psicoterapia Breve de Adul- tos na Universidade Presbiteriana Macken- zie. Marisa Cintra Bortoletto Mestre em Psicologia Clínica PUCSP. Espe- cialista em Psicoterapia Psicanalítica pela USP. Diretora da Verbo Clínica Psicológica. Roberto Evangelista Doutor e Mestre em Psicologia Clínica pela USP. Especialista em Psicologia Hospitalar e Forense pelo CRPSP Trabalho, Ministério Público do Estado de São Paulo e FMU- -Faculdade de Psicologia. Ryad Simon Professor Titular do Departamento de Psi- cologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Orientador Acadêmico do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalí- tica do IPUSP. Coordenador do Curso Pós- -Graduação lato sensu: Psicoterapia Breve Operacionalizada do UNIP. Sandra R. de Almeida Lopes Psicóloga Clínica e Hospitalar. Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciên- cias Médicas da Santa Casa de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. Professora, Supervi- sora e Pesquisadora nas áreas de Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde e Psicotera- pia do Adolescente no Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sonia Maria B. A. Parente Psicóloga. Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, SP. Psicopedagoga pelo CRP/SP. Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Coordenadora do Espaço de Pes- quisa em Criatividade, Desenvolvimento e Aprendizagem (EPCCO). Walter Trinca Professor Titular no Instituto de Psicologia da USP e Psicanalista. Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association. Yvette Piha Lehman Professora Titular no Departamento de Psico- logia Social e do Trabalho do Instituto de Psi- cologia da USP. Membro Associada da Socie- dade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. vi Autores INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS É com imensa satisfação que apresento esta obra que reúne várias contribuições teó ricas e técnicas enfocando o ludodiag- nóstico e o brincar; como o título indica. O jogo é fundamental no psicodiagnós- tico compreensivo e interventivo e no trata- mento psicoterápico de crianças, sendo es- ses aspectos aqui apresentados e discutidos. Sua relevância e abrangência ultrapassam os limites da clínica com crianças. O jogo, assim, está presente em todas as atividades humanas, e, como afirma Huizinga, até nos animais. O livro está dividido em sete partes, cada uma com um tema relacionado a Lú- dico e cada uma delas com seus diversos capítulos. A obra tem como primeira parte os fundamentos teóricos do ludodiagnóstico, sendo constituída por quatro capítulos. Essa parte traz as relações entre o brincar e a psi- canálise; a atitude lúdica com a expansão da consciência. Os aspectos da representação e da significação são também abordados, e um capítulo amplo traz considerações a respeito das bases neurofisiológicas do brincar e da importância do brincar no desenvolvimento cerebral do ser humano. Vale destacar os au- tores dessa parte. Temos a ilustre presença de mestres da Psicologia Clínica e da Psica- nálise em nosso país que nos brindam com seus capítulos: Ryad Simon e Walter Trinca. Os pioneiros da Psicologia são acompanha- dos por João Augusto Figueiró, médico ilus- tre que vem atuando e “batalhando” pela infância em nosso país e no mundo, e por Rosa Maria Lopes Affonso, a organizadora desta obra,que é a principal pesquisadora e conhecedora do ludodiagnóstico em nosso meio. Testemunhas do conhecimento e da experiência dessa grande psicóloga clínica são a segunda e a terceira partes do livro, inteiramente da autoria de Rosa Maria Lo- pes Affonso. A segunda parte, composta por quatro capítulos, aborda a técnica ludo- diagnóstica. A autora discute a história do ludodiagnóstico, as relações com as técnicas projetivas expressivas, a descrição do pro- cedimento ludodiagnóstico e a evolução do brinquedo com os significados que pode ter em cada fase do desenvolvimento. A terceira parte é totalmente dedi- cada à análise do ludodiagnóstico. Rosa Maria Lopes Affonso trata assim o sintoma no diagnóstico infantil e as relações com o ludodiagnóstico. Ela aborda a análise do procedimento segundo o referencial da Psi- canálise e do desenvolvimento psicológico, e conclui a terceira parte com ilustrações clínicas que atestam a experiência clínica da principal autora deste livro. Três capítulos compõem a quarta par- te, que trata do ludodiagnóstico e as rela- ções com os testes e técnicas psicológicas. O primeiro e terceiro capítulos, da autoria de Rosa Maria Lopes Affonso, discutem ins- trumentos para o processo diagnóstico e/ou Prefácio LeiLA sALomão de LA PLAtA Cury tArdivo INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS viii PrefáCio intervenção e a avaliação lúdica na psicote- rapia infantil, respectivamente. As relações entre o ludodiagnóstico e uso de testes, da autoria de Helena Rinaldi Rosa, e o último com algumas concepções de minha autoria sobre as relações entre o brinquedo e o de- senho no diagnóstico e na intervenção. Evidenciando a abrangência do lúdico, a quinta parte aborda os contextos sociais, ou seja, os diversos campos onde o lúdico tem sua relevância. Katia da Silva Wander- ley e Sandra R. de Almeida Lopes trazem toda sua experiência de atuação no contexto hospitalar. Ainda na área da saúde, Marisa Cintra Bortoletto traz sua contribuição so- bre o uso do ludodiagnóstico no consultório. O lúdico também se faz presente na área ju- rídica, como mostra o capítulo de Claudia Anaf, Dagmar Menichetti e Roberto Evan- gelista. E, na área da aprendizagem, Sonia Maria B. A. Parente enfoca especificamente a tendência antissocial. Finalizando essa discussão do ludodiagnóstico em diversos contextos, está o capítulo de Elisa Marina Bourroul Villela sobre o ludodiagnóstico e a deficiência visual. Essa parte evidencia a importância e a aplicação do jogo nesses di- versos contextos. Evidenciando a abrangência da téc- nica lúdica, a sexta parte é constituída por dois capítulos que enfocam a técnica lúdica a partir de outras abordagens. Assim, Karina Okajima Fukumitsu trata a técnica do lúdi- co na abordagem da Gestalt. E Aicil Franco expõe seu conhecimento e vasta experiência apresentando o jogo de areia no Brasil. Completa a obra a sétima e última par- te que trata do lúdico e do desenvolvimento. Dessa forma, temos as relevantes contribui- ções de Yvette Piha Lehman, que apresenta o lúdico na adolescência a partir da psica- nálise winnicottiana que evidencia os fun- damentos da relevância do brincar na atua- lidade. E finalmente Maria Leonor Espinosa Enéas expõe reflexões sobre os aspectos lú- dicos no tratamento do adulto, enfocando a psicoterapia como metáfora. Fica evidente, pela breve descrição que acima fiz, porque iniciei esta apresentação salientando a satisfação de poder apresentar este livro e inclusive ser uma das colabora- doras. A obra foi muito bem pensada, tratan- do dos aspectos básicos teóricos e práticos do ludodiagnóstico e do brincar. A autora principal e organizadora do livro, a Dra. Rosa Maria Lopes Affonso, vem atuando, in- vestigando, ensinando há anos o Psicodiag- nóstico, a Psicoterapia e a Psicologia Clíni- ca, dedicando -se de forma mais detida ao Ludodiagnóstico, escrevendo, organizando eventos; enfim, divulgando esse importante procedimento em todas as suas vertentes. Este livro só pôde ser feito e agora chega às nossas mãos por seu empenho, sua dedica- ção e competência. O leitor, tanto o profissional expe- riente como o estudante e o profissional em início de carreira, tem neste livro uma relevante contribuição para sua atuação e conhecimento. Certamente estes capítulos poderão e deverão inspirar a todos que se interes- sem pelo ludodiagnóstco, pelo brincar, pela criança, pelo adolescente e adulto nos mais diversos contextos a conhecer, compreen- der, atuar e se encontrar mais e melhor com o ser humano. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Sumário Prefácio .................................................................................................................................... vii Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo Apresentação ...........................................................................................................................11 Rosa Maria Lopes Affonso PArte i Fundamentos teóricos do ludodiagnóstico 1 o brincar e a psicanálise: subsídios à técnica ...............................................................14 Ryad Simon, Kayoko Yamamoto 2 Atitude lúdica e expansão da consciência .....................................................................19 Walter Trinca 3 As bases neurofisiológicas do brincar ...........................................................................26 João Augusto Figueiró 4 Brincar, significação e representação ............................................................................38 Rosa Maria Lopes Affonso PArte ii A técnica ludodiagnóstica 5 Breve histórico da técnica ..............................................................................................58 Rosa Maria Lopes Affonso 6 O ludodiagnóstico e as técnicas projetivas expressivas ................................................64 Rosa Maria Lopes Affonso 7 O procedimento ludodiagnóstico ....................................................................................69 Rosa Maria Lopes Affonso 8 O brinquedo, sua evolução e seus possíveis significados .............................................78 Rosa Maria Lopes Affonso PArte iii Análise do ludodiagnóstico 9 O sintoma no diagnóstico infantil .................................................................................102 Rosa Maria Lopes Affonso 10 A análise do procedimento ludodiagnóstico segundo o referencial teórico psicanalítico .................................................................107 Rosa Maria Lopes Affonso INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 10 sumário 11 Casos clínicos ..............................................................................................................110 Rosa Maria Lopes Affonso PArte iv Ludodiagnóstico e os testes e as técnicas psicológicas 12 Instrumentos para o processo diagnóstico e/ou intervenção. ......................................138 Rosa Maria Lopes Affonso 13 Compreendendo o uso de testes a partir do ludodiagnóstico ......................................158 Helena Rinaldi Rosa 14 Avaliação lúdica na psicoterapia infantil.......................................................................165 Rosa Maria Lopes Affonso 15 o brinquedo e o desenho: expressão e comunicação de e com crianças – possibilidades diagnósticas e interventivas .....................................175 Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo PArte v O lúdico e os contextos psicossociais 16 o lúdico no contexto hospitalar: quando o brincar no contexto hospitalar é recreação e quando é ludoterapia .............................................192 Katia Wanderley 17 O uso do recurso gráfico como meio de interação e comunicação com crianças hospitalizadas ...............................................................200 Sandra R. de Almeida Lopes 18 O ludodiagnóstico no contexto jurídico ........................................................................207 ClaudiaAnaf, Dagmar Menichetti, Roberto Evangelista 19 O lúdico no consultório: análise do ludodiagnóstico na demanda da saúde suplementar ..................................................225 Marisa Cintra Bortoletto 20 O lúdico e a tendência antissocial na clínica da aprendizagem ...................................231 Sonia Maria B. A. Parente 21 O ludodiagnóstico e a deficiência visual ......................................................................240 Elisa Marina Bourroul Villela PArte vi A técnica lúdica e outras abordagens 22 A técnica lúdica na perspectiva gestáltica....................................................................248 Karina Okajima Fukumitsu 23 O jogo de areia no Brasil ..............................................................................................260 Aicil Franco PArte vii O lúdico e o desenvolvimento 24 o lúdico na adolescência: Winnicott e o brincar adolescente ......................................266 Yvette Piha Lehman 25 Psicoterapia e metáfora: aspectos lúdicos em tratamento de adultos .........................271 Maria Leonor Espinosa Enéas Índice .....................................................................................................................................286 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Apresentação rosA mAriA LoPes Affonso O ludodiagnóstico é um instrumento de investigação clínica no qual, por meio da utilização de brinquedos, estruturados ou não, o profissional procura estabelecer um vínculo terapêutico com a criança, visando ao diagnóstico de sua personalidade. Tendo como fundamento as teorias do desenvolvimento e da psicopatologia infantil, o ludodiagnóstico é muito utiliza- do como uma técnica projetiva expressiva, baseada nos princípios da associação livre psicanalítica, aplicada em diagnósticos ob- tidos sem o depoimento verbal ou por meio da autoexpressão da criança, facilitada pelo contexto clínico lúdico. Parte -se do pressuposto que a técnica lúdica possibilita o diagnóstico da estrutura mental como expressão da brincadeira sim- bólica. Assim, o objetivo nesta obra é reunir os profissionais que, apoiados na estratégia clínica, utilizam esse instrumento, seja nos seus diagnósticos e tratamentos psicotera- pêuticos, seja na orientação, prevenção ou intervenção educacional dos distúrbios de aprendizagem, psicossomáticos e de socia- lização. A reunião dos trabalhos desses es- pecialistas visa à compreensão das aplica- ções do instrumento ludodiagnóstico, seus fundamentos e suas abordagens teóricas no campo da pesquisa, apresentando os ma- teriais, os registros, os procedimentos e as análises com a população infantil. A utilização dos instrumentos lúdicos ou a compreensão das manifestações lúdicas no ser humano, nos seus diferentes contex- tos sociais, podem extrapolar a preocupação clínica, levando ao estudo das manifestações e aplicações da brincadeira simbólica dentro de um contexto de estimulação e intervenção preventiva da socialização infantil. Assim, nesta obra apresentaremos algumas utiliza- ções da brincadeira simbólica, possibilitando aos profissionais: médicos, psicólogos, neu- rologistas, educadores em geral, psicopeda- gogos, terapeutas educacionais, fonoaudiólo- gos, um estudo das aplicações, limitações e interfaces no uso de materiais lúdicos. O livro está dividido em sete partes. Na primeira parte, apresentaremos os fundamentos do lúdico no ser humano: a constituição do sujeito e as bases neurofisio- lógicas do brincar, a consciência e a corpo- ralidade, inserindo a noção lúdica segundo o conceito de representação. Na segunda parte, apresentaremos a técnica lúdica: seus fundamentos psicanalíti- cos; os materiais mais utilizados e os seus pos- síveis significados a partir da teoria de desen- volvimento psicanalítica; os procedimentos utilizados para a aplicação lúdica; as análises clínicas e a formação profissional necessária. Na terceira parte será estudada a aná- lise do ludodiagnóstico, com exemplos de vários casos clínicos. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 12 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) Na quarta parte apresentaremos algu- mas considerações sobre a relação do lúdico com avaliações psicológicas, testes e técni- cas de investigação clínica. Na quinta parte do livro apresenta- remos algumas aplicações da técnica ludo- diagnóstica: hospitalar, jurídica e em con- sultório. Na sexta parte discutiremos as diferen- tes abordagens da técnica lúdica. Encerraremos com a sétima parte, na qual procuramos identificar o lúdico no ado- lescente e no adulto. Portanto, neste livro procuramos reunir os estudiosos do desenvolvimento humano, da psicopatologia infantil, da avaliação psicoló- gica e da psicoterapia infantil, que, por meio da expressão lúdica, procuram colaborar nas pesquisas sobre a expressão, prevenção e elaboração do sofrimento na infância. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Parte I Fundamentos teóricos do ludodiagnóstico INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Nos primórdios da psicanálise de crian- ças, em 1923, Melanie Klein atendia uma menina de 7 anos, inibida e com mau apro- veitamento escolar. A criança não gostava da escola, faltava às aulas e começava a afastar- -se da mãe, apesar de ter anteriormente um bom relacionamento com ela. A criança não desenhava, falava muito pouco. O progresso do atendimento era quase nulo. Klein sentiu que aquela forma de atendimento não leva- ria muito longe o trabalho. Numa sessão em que a criança ficou silenciosa e retraída, a angústia de Melanie Klein deve tê -la mobi- lizado a criar algum recurso. Avisou que ia sair da sala e voltaria num instante. Como o atendimento era feito na residência, esta pegou alguns brinquedos: algumas bone- quinhas, carrinhos, cubos e um trenzinho. Colocou -os numa caixa e trouxe para a pa- cientezinha inibida. A criança interessou -se pelos objetos e começou a brincar. Por seu modo de brincar, Klein inferiu que os dois bonecos que a menina utilizou para realizar uma brincadeira poderiam re- presentar a própria paciente e um menini- nho da escola que havia sido mencionado numa sessão anterior. Parecia haver algum segredo na conduta dos dois bonecos, e que os outros bonecos eram vistos como intrusos e afastados. As atividades dos dois bonecos acabavam em catástrofes, como cair e serem atropelados. Esse brincar era repetido, e, à medida que a menina os reproduzia, iam aparecendo crescentes sinais de angústia. Até que a analista começou a intuir, pelos detalhes daquela brincadeira, que a pacien- te representava alguma atividade sexual en- tre ela e seu colega da escola. Isso levaria a criança a ter medo de ser descoberta, então ela ficava desconfiando dos outros. Klein interpretou esse significado para a paciente e mostrou -lhe que, enquanto brincava, ela se angustiava tanto a ponto de largar o brinquedo. E mais, que não esta- va mais querendo ir para a escola porque talvez a professora pudesse descobrir tudo e castigá -la. Estava sentindo esse medo principalmente com a mãe. E nesse momen- to podia estar sentindo o mesmo medo de punição com relação a Klein. O efeito dessa interpretação foi nítido: a angústia e a des- confiança da paciente inicialmente aumen- taram, mas logo foram seguidas de evidente alívio. Sua expressão facial mudou e, em- bora não admitisse nem negasse o que foi interpretado, posteriormente mostrou con- cordância ao produzir mais material corro- borando o que fora interpretado. Liberou -se mais no brincar e na verbalização. A relação com a analista tornou -se menos desconfiada e mais amistosa. Na sequência do atendimento era es- perado que a transferência se alternasse en- tre positiva e negativa, mas, a partir dessa 1 O brincar e a psicanálise Subsídios à técnica ryAd simon kAyoko yAmAmoto INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 15 sessão a análise evoluiu bem. Concomitan- temente foi melhorando o relacionamentocom a mãe e com a escola. É notável o quan- to a mudança de método favorece novos descobrimentos. Quando Freud abandonou a hipnose e passou a usar o método da asso- ciação livre com seus pacientes, teve acesso à descoberta das resistências, dos conflitos inconscientes que permanecem reprimidos, das soluções de compromisso que geram os sintomas, os sonhos e toda a trama que se passa em áreas da mente inacessíveis à abordagem direta. Do mesmo modo, quando Melanie Klein, percebendo a inibição insuperável de sua pacientezinha, teve a intuição genial de introduzir os brinquedos para favore- cer a comunicação, abriu caminho para a descoberta de áreas da mente ainda mais profundas que as obtidas pelo método de associação livre dos adultos. Na criança pe- quena o mecanismo de repressão é menos rígido, facilitando o acesso aos conteúdos inconscientes. Porém, era necessário dispor de recursos para alcançar esse universo que estava mais além da palavra. A psicoterapia psicanalítica do adulto é feita principalmen- te pelos relatos verbais dos pacientes, mas, como a verbalização da criança pequena é geralmente escassa, foi necessária uma ino- vação técnica para favorecer uma comuni- cação mais significativa. Muito se tem dito acerca do brincar como forma de psicoterapia infantil, mas gostaria de me deter sobre as diferentes formas e usos do brincar em psicoterapia. Quando eu, Ryad Simon, era recém -formado em psicologia clínica, tive a oportunidade de conhecer e a possibilidade de trabalhar junto com um conhecido psiquiatra infan- til, Dr. Haim Grünspum. Seu consultório ficava num grande sobrado, e várias salas eram usadas para ludoterapia, geralmen- te em grupo. Os brinquedos ficavam em prateleiras, alguns espalhados pelo chão, e eram usados coletivamente. Não havia brinquedo particular, o material era usado à vontade pelas crianças de várias idades, geralmente na latência e pré -adolescência. Havia um ringue onde as crianças podiam brigar entre si, recipientes com água para introduzir brinquedos ou se molhar, como quisessem. Não havia privacidade. Realizei a visita acompanhado pelo Dr. Haim. Lembro -me que quando um garoto se dirigiu a ele desafiando -o para uma luta, o terapeuta agarrou o garoto e lhe deu uma gravata, brincando e sorrindo, dando -me a ideia de que realizava psicoterapia suporti- va. Eu estava aprendendo a fazer psicote- rapia psicanalítica de crianças com Virgínia Bicudo, Lygia Amaral e Judith Andreuci. Virgínia, principalmente, voltando de um período de aprimoramento em Londres, jun- to ao grupo kleiniano, em 1962, fornecia as diretrizes da técnica lúdica em psicanálise infantil. Eu seguia mais ou menos automati- camente as instruções, sem muita clareza do porquê de certos procedimentos técnicos. Por exemplo: a) os brinquedos devem ser de um determi- nado tamanho, formato e variedade. Em sua monumental Psicanálise de crianças, Klein, no início do Capítulo 2, dá uma relação de brinquedos para crianças pe- quenas: “Sobre uma pequena mesa baixa estão colocados brinquedos pequenos e simples – homenzinhos e mulheres de madeira, cartas de baralho, carruagens (hoje seriam outros veículos), automó- veis, trens (hoje se acrescentam aviõe- zinhos), animais, peças de construção e casas, bem como papel, tesoura e lápis” (1932, p. 16); b) os brinquedos devem ficar guardados numa caixa de madeira, com cadeado, e a cada sessão a criança acompanha o terapeuta até o armário onde ficam guardadas as caixas lúdicas, cada uma específica para cada criança. Ao final da sessão, os brinquedos são guardados no- vamente na caixa, trancada, e a criança acompanha o terapeuta até o armário, verificando sua guarda, sempre no mes- mo lugar; c) a sala de ludoterapia deve ter chão e paredes laváveis, móveis simples, uma torneira e uma pia (ou então uma bacia com água); INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 16 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) d) a sessão começava e terminava sempre no horário combinado. Se o paciente se atrasasse, perderia o tempo de atraso; e) durante a sessão a porta da sala de ludo fica trancada, como na sessão de adul- tos; f) o contato com os pais é reduzido ao mí- nimo necessário. Para que serve tudo isso? Klein respon- de de uma maneira sintética e completa so- bre a essência do sentido do brincar: A criança expressa suas fantasias, seus desejos e experiências reais numa forma simbólica através do brincar e dos jogos. Ao assim fazê -lo, usa os mesmos modos de expressão arcaicos e filogeneticamente adquiridos, a mesma linguagem com que temos familiaridade através dos sonhos, por assim dizer; e só podemos entender completamente essa linguagem se nos aproximamos dela como Freud nos en- sinou na abordagem da linguagem dos sonhos. O simbolismo é apenas uma parte dela. Se desejamos entender o brinque- do da criança corretamente em relação à totalidade de seu comportamento durante a sessão analítica, não devemos nos contentar pinçando separadamente o significado dos símbolos no brincar, por mais impressionantes que sejam – e geralmente o são –, mas devemos fazê- -lo considerando todos os mecanismos e métodos de representação empregados no trabalho onírico, nunca perdendo de vista a relação de cada fator com a situação como um todo. (Klein, 1932 p 7-8) Voltando aos itens acima: se os brin- quedos forem muito grandes, não caberão na caixa; se forem muito complicados, não serão facilmente manipuláveis para expres- sar uma brincadeira. A variedade de brin- quedos é restrita pela mesma questão de espaço, mas também porque a imaginação da criança pode dar muitos usos a poucos brinquedos. Guardam -se os brinquedos numa caixa de madeira para permanecerem do mesmo modo que foram deixados na sessão an- terior. O cadeado existe para garantir que ninguém abra a caixa entre uma sessão e outra. A cada sessão a criança acompanha o terapeuta até o armário onde ficam guar- dadas as caixas lúdicas, cada uma específica para cada criança. Isso mostra à criança que seu material é inviolável e tem a garantia da guarda do terapeuta. Ao final da sessão, os brinquedos são guardados novamente na caixa, que é trancada, e a criança acompa- nha o terapeuta até o armário, verificando sua guarda sempre no mesmo lugar. Esse procedimento garante que a caixa só seja aberta e fechada na presença da crian- ça e que só tenham acesso a ela a criança e o terapeuta. Suponhamos que os brinque- dos que a criança “A” usa para a ludoterapia fossem manipulados por uma criança “B”, e ainda por uma criança “C”, como no exem- plo do Dr. Haim. Suponhamos que a criança “B”, usando o mesmo brinquedo, quebrasse uma parte dele, ou mesmo o destruísse tão completamente que ficasse inutilizado. Qual seria a importância disso? Admitamos que os brinquedos repre- sentem os objetos do mundo interno da criança. Suponhamos que um determinado boneco represente o “pai mau” para a crian- ça “A”, que tem muito medo desse brinque- do, e que a criança “B”, numa sessão poste- rior, manuseando esse mesmo boneco, corte sua cabeça. Qual seria a reação da criança “A”, quando, na sessão seguinte se deparasse com esse “pai mau” de cabeça cortada? Pro- vavelmente ficaria aterrorizada. Entretanto, se não foi a criança “A” que cortou a cabeça do boneco, que uso faria disso o psicotera- peuta para a compreensão dos processos inconscientes da criança “A”? A cabeça do boneco foi cortada pela criança “B”. O que a teria levado a tal ataque? Suponhamos agora que, numa outra sessão, a criança “C”, usando os mesmos brinquedos, observando o homem de cabeça cortada, resolvesse colar de volta a cabeça do boneco. Qual o efeito disso para a crian- ça “B”? E para a criança”A”? É fácil perceber que a manipulação do brinquedo por crian- ças diferentes em ocasiões diferentes criaria INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 17 tal confusão que terapeuta algum consegui- ria desfazer. O brinquedo manipulado porvárias crianças não traria problema de interpre- tação numa psicoterapia suportiva, porque nesta não há a preocupação de compreen- der os processos inconscientes do pequeno paciente, mas, numa psicoterapia psica- nalítica, em que as interpretações princi- pais se apoiam na transferência, a confu- são resultante da manipulação do mesmo brinquedo por crianças diferentes tornaria o processo um equivalente do “samba do crioulo doido”.1 Assim, a caixa individualizada e tran- cada, sendo manipulada somente pelo mes- mo paciente, garantiria a segurança de que os brinquedos – que representam os objetos internos da criança – não seriam tocados por outro, evitando interferências causadoras de confusão indecifrável. Nesse ambiente preservado e privativo será possível acom- panhar detalhadamente cada movimento do paciente, favorecendo a compreensão da transferência e das cotransferências2 com mais nitidez e segurança. Continuando o esclarecimento dos itens citados, a sala de ludoterapia deve ser de chão e parede laváveis, móveis simples, conter torneira ou bacia para permitir brin- car com água, tinta, plastilina, etc., facilitan- do a expressão de formas de agressão ou de gratificação regredidas, que a criança não conseguiria representar com palavras e são necessárias para entendimento dos impul- sos, angústias, defesas, bem como das fan- tasias concomitantes. Já a fixação do tempo ajuda a desenvolver o sentido do tempo, a responsabilidade e a consideração pelo trabalho psicoterápico. Do mesmo modo, a porta trancada garante a privacidade da relação dentro da sessão. E o contato com os pais reduzido ao mínimo necessário evita interferências na relação entre a criança e o terapeuta. Se não puder ser evitado, é prefe- rível conversar na presença da criança. Se os pais forem muito angustiados, solicitando contato frequente, deve -se marcar um horá- rio separado para esclarecer as questões. É fácil de ver que todas essas provi- dências técnicas têm o objetivo precípuo de permitir o desenvolvimento da situação analítica. Ou seja, criar uma atmosfera que permita inferir cada movimento dentro da sessão tendo significado no aqui e agora com o terapeuta. É essa condição que favorece a visão clara dos movimentos no brincar como expressão da comunicação das fantasias in- conscientes, suas associações e significados. Quando há interferências no material do brinquedo, na sala de ludoterapia, na intro- missão de outros, o ambiente fica poluído e confuso, obscurecendo a possibilidade de compressão do interjogo entre fantasias, im- pulsos, angústias e defesas. Haverá momentos em que a criança pode estar tão atemorizada que não conse- gue ficar só com o terapeuta. Neste caso, a presença temporária de um adulto garante a entrada e permanência da criança na sala de ludoterapia. E, tão logo as angústias perse- cutórias transferenciais sejam esclarecidas, o adulto pode retirar -se para a sala de espera. Essa sucinta informação sobre a técnica tem o intuito de mostrar a diferença entre ludote- rapia psicanalítica e a ludoterapia suportiva. Não há intuito de depreciar a ludotera- pia suportiva. Brincar com uma criança des- preocupadamente, dar -lhe atenção, tratá -la com carinho e respeito têm um potencial 1 O Samba do Crioulo Doido é uma paródia com- posta pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, sob pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, em 1968, para o Teatro de Revista, em que procura ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas de enredo somente fatos históricos. A expressão do título é usada, no Brasil, para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo. 2 “Cotransferência” refere -se ao termo que criei para indicar as transferências colaterais, isto é, as transfe- rências que o paciente faz com pessoas significativas em seu relacionamento pessoal atual ou pretérito (Simon, R. 2004; e capítulo IV de meu livro meu livro Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original). A prática clínica – minha e de outros colegas – tem mostrado a importância de trabalhar a cotransfe- rência para ampliar a compreensão do paciente a respeito das interações inconscientes com pessoas significativas de seu convívio atual e pregresso. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 18 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) terapêutico inegável. Isso permite a catarse, a gratificação da necessidade de calor hu- mano, e, com a redução da angústia, algu- ma elaboração espontânea em estratos in- conscientes da personalidade. Todavia, esse alcance é limitado. Para alcançar estratos mais profundos, modificar conflitos incons- cientes que tenham potencial para causar (ou já estejam causando) distúrbios neuróti- cos ou psicóticos, a via mais apropriada é a ludoterapia psicanalítica. O desenvolvimento da técnica ludo- terápica por Melanie Klein proporcionou a ampliação da percepção e compreensão dos conflitos e mecanismos mais profundos da personalidade, abrindo caminho para o tratamento de pacientes psicóticos cuja acessibilidade era muito limitada por via da psicoterapia psicanalítica. Freud (1914) afirmava, em seu artigo sobre introdução ao narcisismo, que os pacientes que padeciam de “neuroses narcísicas” (psicóticos) eram inacessíveis ao tratamento psicanalítico por- que sua libido ficava centrada no ego, não permitindo a “transferência”, que era o prin- cipal meio de influência psicoterápica. Melanie Klein, com sua aguda intuição para compreensão dos processos incons- cientes – obtidos por meio do método da lu- doterapia – teve um vislumbre mais amplo e profundo dos primórdios do funcionamen- to e desenvolvimento mental, lançando as bases para uma abordagem compreensiva dos distúrbios mentais graves (Klein, 1935; 1932; 1946). Seus discípulos mais brilhan- tes, começando por Rosenfeld (1947), Han- na Segal (1950) e W.R. Bion (1953; 1957) aplicaram suas contribuições ao tratamento psicanalítico de psicóticos, utilizando a abor- dagem clássica: verbalização por associação livre, uso do divã, várias sessões semanais, abstenção de medicação, conseguindo algu- ma melhoria na condição de pacientes es- quizofrênicos. Isso confirma o entusiasmo de Karl Abraham, que no 8o Congresso In- ternacional de Salzburg, em 1924, afirmou que o futuro da pesquisa psicanalítica se as- senta na psicanálise de crianças. REFERênCiAS Bion, W. R. (1957). Differentiation of the psychotic from the non -psychotic personalities. In: W. R. Bion, Second thoughts: Selected papers on psycho analysis. New York: J. Aronson. (Obra original- mente publicada em 1953). Bion, W. R. (1967). Notes on the theory of schizo- phrenia. In: W. R. Bion, Second thoughts: Selected papers on psycho analysis. New York: J. Aronson. (Obra originalmente publicada em 1953). Freud, S. (1973). On narcissism: An introduction. In: S. Freud, The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud (vol. 14). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1914). Klein, M. (1975). Notes on some schizoid mecha- nisms. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 3). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Klein, M. (1986). The psycho -analysis of children. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 2). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Klein, M. (1992). A contribution to the psychoge- nesis of manic -depressive states. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 1). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Rosenfeld, H. (1947). Analysis of a schizophrenic state with depersonalization. International Journal of PsychoAnalysis, 28, 130-139. Segal, H. (1950). Some aspects of the analysis of a schizophrenic. The International Journal of Psycho analysis, 31, 268-278. Simon, R. (2004). Cotransferência e transferên- cia em psicoterapia psicanalítica de “quadros medianos”. In: R. Simon, & K. Yamamoto (Orgs), 8º Encontro do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica: Variedades de transferência na clínica psicanalítica. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP. Simon, R. (2010). Psicoterapia psicanalítica: Con cepção original. São Paulo: Casa do Psicólogo. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS A atitude lúdica diz respeito a uma dis- posição mental considerada livre por ex- celência, tendo por paradigma o brincar da criança que frui em liberdade o prazer de se entregar a seus objetos de relaciona- mento, entretenimento e divertimento. Esta atitude tem sido associada à atitude psica- nalítica, especialmente depois que Winni- cott (1975) ressaltou que a psicanálise foi desenvolvida como uma forma altamente especializada do brincar. Antes dele, Freud havia formulado o princípio da associação livre, em correspondência com o conceito de atenção flutuante, de que Ferenczi (1966) fez uso para introduzir o que chamou de elasticidade da técnica psicanalítica. Essas são formas de atitude lúdica, assim como o são, sem dúvida, a atitude analítica sem me- mórias, sem desejos e sem necessidades de compreensões, proposta por Bion (1973), e aquela que coloca o analista nas condições de ressonância tonal aos afetos, considerada por Fedida (1986). O SER inTERiOR De meu ponto de vista, a atitude lúdica passa pelo contato com o ser interior, do qual ema- na a mobilidade psíquica. Na psicanálise, o ser interior pode ser pensado como a rea- lização no indivíduo do ser que ele é. Cada indivíduo conta com a realidade primária de ter um ser que responde por sua existência, estando na base das noções de si mesmo. Ele é um núcleo essencial e um foco originá- rio, que fundamentam a verdade interior e mais profunda do existir pessoal, pela qual esse indivíduo pode afirmar “eu sou” em sua identidade, distinguindo -se, definindo -se e qualificando -se. Desse modo, o ser interior revela -se como inteiro, indiviso, singular e específico, sendo também irrepetível, irre- plicável e incomensurável. Contudo, a característica básica pela qual podemos conceber o ser interior é sua não sensorialidade, que se expressa como fonte de vida e de movimento. Há alguma coisa que ultrapassa qualquer contingência, sendo praticamente indescritível: a fonte de vida, que se manifesta como ser, e que pode (ou não) se realizar como mobilidade, vitalidade, harmonia e organização. No mo- delo que preconizo, a atitude lúdica é uma função da mobilidade psíquica, que decorre do contato com esse ser, em que os aspectos não sensoriais vêm ocupar um lugar de des- taque na vida mental. Tenho observado que o contato reali- zado em estado consciente com o ser inte rior corresponde ao que Winnicott (1975) chamou de viver criativo, porque se liga pri- mariamente à experiência de inteireza que se expressa como experiência de viver. Para 2 Atitude lúdica e expansão de consciência WALter trinCA INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 20 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) ele, essa experiência tem por referência o espaço potencial,1 que é preenchido com o brincar da criança, com a imaginação criati- va, com a vida de sonhos, com a apercepção criativa, com a experiência cultural e com todo tipo de experiência satisfatória relacio- nada à consciência de estar vivo e de se en- contrar pessoalmente presente em si mesmo e no mundo (Davis e Wallbridge, 1982). Ao falar de espaço potencial, Winni- cott certamente se referiu à própria mobi- lidade do ser interior, cuja natureza, como mencionado, é não sensorial. As expressões desse ser ligam -se à vida, à criação, ao vi- gor, à harmonia e ao bem -estar psíquico e realizam -se desde que a pessoa tenha sufi- ciente contato consigo própria. O centro das atenções de Winnicott se concentrou na ex- periência de ser, que se efetiva pelas noções de si mesmo referidas à existência própria. A FunçãO DO COnTATO É importante sublinhar que diferencio a no- ção de ser interior da noção de self, sendo aquele, basicamente, um foco de existência e este um órgão mental de consecução dessa existência, ou seja, um meio pelo qual ela se efetiva. Assim, o ser interior exerce influên- cia em graus sobre o self, na dependência do contato que uma pessoa estabelece consigo própria (Trinca, 2007). Isso significa que o ser interior pode permanecer, em grande parte, encoberto ou invisível, e sua realiza- ção na vida mental vai depender do grau de contato alcançado nas relações com ele. A função do contato é, pois, um fator relevan- te a ser considerado, porquanto uma pessoa poderá viver uma vida inteira minimamente em contato com seu ser. Se somente o con- tato desvenda para a pessoa a natureza do ser que ela é, o estudo do distanciamento de contato constitui uma tarefa necessária e imprescindível. Temos, então, na psicanálise, uma ten- são não só entre o consciente e o inconscien- te, como também entre a invisibilidade do ser interior e a visibilidade de tudo aquilo que aparece em seu lugar. Quanto menor for a aproximação ao contato com o ser in terior, maior será a impregnação do self por fatores estranhos àquele (Trinca, 2007). Nesse caso, o self poderá ser impregnado tanto de sensorialidade quanto de fragili- dade. Isso significa que quanto maior for o grau de distanciamento de contato, maior será a saturação do self por partículas, ele- mentos e condições de um funcionamento desarmônico ou perturbado, em que a mo- bilidade psíquica diminui na razão inversa do aumento de sensorialidade ou de fragili- dade. Em outras palavras, entre nosso pró- prio ser e a consciência que temos de sua presença pode ocorrer um distanciamen- to e a medição de um fosso que temos de transpor. O ser profundo está lá, mas inter- ferem em nós situações e processos, tanto internos quanto externos, que prejudicam nossa capacidade de sintonia com ele. A MOBiLiDADE PSíquiCA No caso de uma sintonia satisfatória ou bem realizada, ocorre aquilo que Winnicott cha- mou de apercepção criativa, que não é outra coisa senão o sentimento de que a vida vale a pena ser vivida. A pessoa pode experien- ciar sua vida como unidade, isto é, como ex- pressão do “eu sou eu mesmo” (Winnicott, 1975). A mobilidade psíquica origina -se justamente do contato com o ser interior, tendo repercussões e influências diretas so- bre o self. Emanada desse ser, ela pode ser descrita como uma disposição fluida e como um estado de abertura, de liberdade e de le- veza, que também compreende uma atitude experiencial solta e espontânea, incluindo, na dependência do que estiver envolvido, a flexibilidade, a plasticidade, a elasticidade, 1 Para Winnicott (1975), trata -se de um área hipo- tética que existe (mas poderia não existir) entre o bebê e o objeto (a mãe ou partes desta) durante a fase de repúdio do objeto como não eu. O conceito é estendido de modo a abranger a ocorrência de comunicação significativa nas relações interpes- soais. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 21 a maleabilidade, a flutuação e o alargamen- to na correnteza das experiências. Tudo isso vem assegurar que na base do self iluminado por influência do ser inte rior está o espaço potencial, manifestando -se por mobilidade psíquica, cujas expressões mais evidentes são o gesto espontâneo e o brincar criativo. Para Winnicott, nessa área da experiência não há dissociação entre ser e brincar, uma vez que o interesse lúdico da criança consiste na busca de si mesma. As- sim, em meus termos, da mobilidade psíqui- ca decorre imediatamente a atitude lúdica, sendo esta uma consequência direta do esta- do de maior contato com o ser profundo. A SEnSORiALiDADE E A FRAgiLiDADE DO SELF Nessa linha de considerações, pode -se pen- sar que o que impede ou anula a atitude lú- dica é o distanciamento de contato com o ser interior. Quando ele se instala, a pessoa tem pela frente uma “escolha” entre duas al- ternativas que são normalmente utilizadas: a sensorialidade ou a fragilidade do self. Se a “opção” for pela sensorialidade,há uma imensa gama de situações psíquicas que podem se manifestar, dependendo do grau de distanciamento de contato que vier a se instalar. Para cada grau de distanciamento, há determinado tipo de manifestação ligada à sensorialidade. Esta diz respeito a elemen- tos que são saturados de concretitude ou que têm as características, propriedades ou qualidades da concretitude, os quais já pre- existem ou vêm se introduzir no aparelho psíquico, determinando manifestações emo- cionais, congnitivas, imagéticas e outras, de forma tanto consciente quanto inconsciente (Trinca, 2007). Ainda que eu considere a sensorialida- de como uma variável contínua, gostaria de apresentar três exemplos de manifestações sensoriais a fim de tornar o assunto mais claro. O primeiro exemplo refere -se aos as- pectos predominantes no chamado homem moderno, que habita os grandes centros ur- banos da sociedade tecnológica e industrial. Nele, a motivação principal volta -se ao fazer, sob o exclusivismo dos interesses egocêntri- cos. Ele absolutiza a tendência de obter sa- tisfações com o sucesso, o poder, a riqueza, a fama, os objetivos materiais etc. Nutre ape- go excessivo à valorização externa, usa de modo abusivo o pensamento sistemático e tem a mente tomada por prismas, sistemas, conceitos, estruturas e valores de tipo con- cretista. Sua adaptação se faz a um mundo humano coisificado, sob a dominância dos condicionamentos psicológicos e sem maior aprofundamento nos vínculos. Outro exemplo consiste no preenchi- mento do self pela sensorialidade associa- da à sexualidade infantil, em que predo- minam conflitos inconscientes sustentados por recalcamento. O self é palco de luta e jogo de partes conflitantes, sob o comando do inconsciente, que se faz estruturante. Encontram -se normalmente conflitos infan- tis, fixações, regressões, figuras parentais dominantes etc. Trata -se de uma situação que propicia o aparecimento de neuroses dos tipos descritos por Freud. Finalmente, um exemplo relacionado às psicoses graves: aqui a sensorialidade torna -se densa, pesada, primitiva e virulen- ta por conta de um self altamente impreg- nado de concretitude, com forte tendência ao inanimado. Há acumulação de elemen- tos beta e forte presença da tela beta (Bion, 1966). Essa sensorialidade pode responder por manifestações clínicas de autismo e es- quizofrenia. A sensorialidade, quando não for nor- mal, poderá se constituir em obstáculo à atitude lúdica, porque determina modos, padrões e sistemas de funcionamento men- tal tendentes, em graus, à concretitude e ao inanimado. A fragilidade, por sua vez, quando se instala por conta do distancia- mento de contato, determina a ocorrência de enfraquecimento e de esvaziamento do self. Nela, as angústias tendem ao buraco negro, podendo se transformar em terror de passagem à inexistência. Desse modo, dependendo do grau de fragilidade, o self poderá se impregnar de inconsistências, INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 22 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) dispersões, estados de alheamento ou de engolfamento, entre outros aspectos. Nada disso combina com a mobilidade psíquica nem tampouco com a atitude lúdica que es- tou considerando. AS COnDiçõES DA ExPAnSãO Para haver atitude lúdica, é necessário ul- trapassar a esfera dos encobrimentos e da invisibilidade do ser interior à consciência, afastando -se as interferências ao contato com ele, causadoras de sensorialidade e de fragilidade. Isso quer dizer que se deve pro- porcionar a libertação das condições obstru- tivas da mente, sejam elas consideradas pa- tológicas ou não. Um dos aspectos consiste em lidar com a sensorialidade no nível da superação dos condicionamentos e das re- lações de tipo predominantemente concre- tista. Ou seja, uma desmaterialização dos vínculos, a fim de que se tornem realmente afetivos e profundos. O que nos deixa contentes e felizes é o contato significativo, relacionado ao sentido do que é vivo e encontrado nas raízes que nos ligam a nós próprios e ao universo – um contato que se assemelha à concentração em si mesmo e que se realiza tal como o brincar, que proporciona a experiência de estar só, mesmo na presença de alguém. Não se con- funde jamais com o esvaziamento. Ao con- trário, é emergência do gesto espontâneo, colocando -nos “sobre o caminho da ação pessoal espontânea, que emana do próprio ser” (Chuang -Tsé, 1985, pg. 188). O gesto espontâneo, em Winnicott, é uma expressão da ação do ser interior que, por causa de suas raízes não sensoriais, é capaz de criar verdadeiramente por inter- médio do sentido do que é vivo. Daí é pos- sível haver um intercâmbio significativo com o mundo. Esse intercâmbio acaba por constituir uma busca de sentidos originária do próprio ser. Havendo expressão genuí- na desse ser, encontramos o mundo exter- no, que terá para nós o sentido que nossa profundidade de contato consegue alcançar. Quanto maior for o contato, maior será o fluxo livre e o fluir criativo que emanam da mobilidade psíquica. A atitude lúdica corresponde, portan- to, ao estado de deixar -se ser, equivalen- te à flutuação e ao fluxo da correnteza de um rio. É preciso que a vida siga seu cur- so e que a recebamos com um mínimo de interferência dos medos, desejos e outras formas de sentir passional. Assim, podere- mos acompanhar e conhecer os movimentos e as transformações inesperadas das coisas e situações. Poderemos vir a ser espaço de acolhimento a cada ser, em sua natureza e condição, sem lhe causar nenhuma violên- cia. Essa atitude é diametralmente oposta a influenciar, moldar, controlar e manipular. Refiro -me ao contato direto e profundo, seja conosco mesmos, seja com o mundo. Como disse, é fundamental estar de posse de contato profundo conosco, que se faz em graus de sintonia, para haver encon- tro com o que há de profundo no mundo; um contato que nos coloca em condições de descoberta do mundo em dupla profundida- de: a profundidade do encontro conosco e a profundidade do encontro com o mundo. É preciso que venha de dentro, para que a relação com o que está fora tenha realmen- te sentido. O significado poderá surgir do contato direto, que nos mostra o que é sem intermediações sensoriais ou de qualquer outra natureza. Para além de nossas disposições sen- soriais, as coisas e situações revelam natu- ralmente suas fisionomias e seus sentidos, dizendo -nos o que têm a dizer. Como resso- nâncias do que existe, podemos nos deixar penetrar pela vida das coisas, acolhendo o novo e o inesperado. Essa é certamente uma reorientação da percepção e da compre- ensão, ou uma possibilidade intuitiva que estamos cada vez mais abandonando e per- dendo. Ela nos leva, em nossas atividades profissionais, a nos concentrarmos na mo- bilidade psíquica, como um processo que se dá em graus, porque é na fluidez da mente não aprisionada que a realidade vem se ma- nifestar, sendo necessário encontrar meios – e, especialmente, meios psicanalíticos – de se lidar com a sensorialidade e com a fragi- INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 23 lidade. Havendo uma psicanálise voltada a esse fim, ela certamente ajudará a encontrar os estados límpidos de consciência, que são espaços abertos na mente, o mais livres pos- sível de impregnações sensoriais e de turbu- lências emocionais. Acredito que essas são as verdadeiras bases da atitude lúdica. uM MODELO gERAL A esquematização de um modelo geral po- derá ajudar a compreender essa situação. Traçando -se uma linha de base que repre- senta um eixo do contínuo de contato com o ser interior, temos um campo de variação dos graus de contato entre infinito negati- vo e infinito positivo, passando pelo ponto zero ou origem. Este ponto representa a ex- periência de inteireza. Cada ponto do con- tínuo representa um conjunto de situações psíquicas que preponderam. Entre o ponto zero e o infinito negativo, temos os graus de distanciamento de contato, quesão decres- centes. Entre o ponto zero e o infinito positi- vo, temos graus de expansão de consciência, que são crescentes (Figura 2.1). Isso significa que, a partir de nossa experiência de nos sentirmos inteiros e in- divisos, podemos, como seres humanos, tan- to nos distanciarmos em graus do contato conosco, quanto fortalecê -lo, igualmente em graus, de modo a se tornar expansão de consciência. Ou seja, tomando -se por re- ferência o estado do contato, ele pode ser muito restringido ou muito ampliado, com todas as variações intermediárias. Assim, a noção que temos de nós próprios é variável em conformidade com os graus de contato com o ser interior. Com a diminuição do contato a noção de si mesmo poderá se des- focalizar, se afastar ou se perder; com o au- mento do contato, ela poderá se tornar cla- ra e distinta, assim como proporcionar uma abertura a experiências novas e vitais. Entre o ponto zero e o infinito negativo temos o domínio da sensorialidade e da fragilidade, com todas as consequências em termos de perturbações psíquicas. Entre o ponto zero e o infinito positivo está o domínio das formas mais elaboradas de alargamento mental, en- tre as quais a experiência de imaterialidade (Figura 2.2). A mobilidade psíquica percorre em graus o eixo do contínuo de contato, acom- panhando o estado do contato. Quanto mais este se distanciar do ponto zero em direção ao infinito negativo, menor será a mobili- dade psíquica e maior será a tendência ao inanimado (por conta da sensorialidade ou da fragilidade que virão se instalar). Por ou- tro lado, quanto mais alargado, abrangente e profundo for o contato, maior será o grau de mobilidade psíquica e, portanto, maior será o grau de expansão de consciência, em que as qualidades das experiências sofrem os efeitos da não sensorialidade, iluminan- do o self. Aqui, o contato é um fator que se coloca não mais sob a óptica dos déficits, mas dos acrescentamentos à experiência de Figura 2.1 Campo de variação dos graus de contato com o ser interior, indicando áreas de distanciamento de contato e de expansão de consciência, desde a experiência de inteireza. – ∞ + ∞ ex pe riê nc ia de in te ire za Eixo do contínuo de contato graus de distanciamento de contato graus de expansão de consciência INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 24 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) inteireza. Desse modo, podemos considerar que a atitude lúdica, dependente da mobi- lidade psíquica, seja um elemento variável no eixo de contínuo de contato com o ser interior, sofrendo variações em graus entre o ponto zero e o infinito positivo (Figura 2.3). Por oposição à área de predominância da sensorialidade e da fragilidade, a área de manifestação da atitude lúdica se define por meio dos elementos da experiência de ima- terialidade (Trinca, 1999; 2006; 2008). ExPERiênCiA DE iMATERiALiDADE Como compreender essa experiência? Quan- to mais elevados forem os graus de contato, desde a experiência de inteireza, mais o self tende a sofrer a influência e a ser inundado pela luz do ser interior de natureza não sen- sorial. A experiência de imaterialidade cor- responde a graus avançados dessa influên- cia e ocorre por conta de grande abertura no plano da consciência. Em determinado grau da profundidade de contato, cessam as turbulências e os conflitos que são próprios da sensorialidade e da fragilidade, vindo a se apresentar um amplo espaço aberto na mente, despertado pelas condições não sen- soriais presentificadas no self. Emerge, por- tanto, um espaço interno vivo, em estado de espontaneidade, leveza, colorido, movimen- to, brilho, limpidez, eteridade, abrangência, entre outros aspectos. Nessa profundidade do ser, podemos descobrir nossa verdadeira natureza humana, numa condição de aber- tura, receptividade e acolhimento, com o alargamento da percepção e da compreen- são dos fatos. Como o encontro profundo com nosso ser é vivido o mais possível sem interferên- cias ou entraves, as coisas e situações ten- dem a se mostrar como verdadeiramente Figura 2.2 Campo de variação da mobilidade psíquica, indicando áreas de predominância da sensorialidade e da fra- gilidade do self, bem como da experiência de imaterialidade. – ∞ + ∞ ex pe riê nc ia de in te ire za Mobilidade psíquica graus de sensorialidade e de fragilidade do self graus da experiência de imaterialidade Figura 2.3 Campo de variação da atitude lúdica (sobreposto ao campo de variação da expansão de consciência). – ∞ + ∞ ex pe riê nc ia de in te ire za Atitude lúdica tendência ao inanimado área da atitude lúdica INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 25 são no vazio, por assim dizer, de sensoria- lidade e de fragilidade. Assim, as proprie- dades imateriais que não são separadas das realidades fenomênicas (quando existentes no plano da realidade) têm melhores condi- ções de se fazerem presentes. Um universo que não é aquele produzido por nosso fun- do de impressões sensoriais assoma à cons- ciência. O encontro do próprio ser em sua profundidade faz encontrar a profundidade do mundo. Por exemplo, se experimentamos luz interior, podemos melhor perceber a luz exterior. Se a luz interior é transfigurada, a exterior banha os objetos de uma luz preter- natural. Então, é possível descobrir verda- deiramente o mundo. A princípio, pode -se duvidar da realidade dessa percepção, mas depois se sabe que a realidade é mais pro- funda que a banal. Encontra -se o que está fora com o olho interior, e o que está fora pode ser percebido porque o que está dentro se acha preparado. O mundo exterior é en- contrado em sua fisionomia original e ines- perada por aquele que consegue ver – e o que vê é o real transfigurado. A luz interior encontra a luz exterior num nível de reali- dade mais profunda. Desse modo, dar sentido à vida é uma condição que depende do contato com o próprio ser. Os sentidos variam de acordo com os graus de contato, de sorte que é possível encontrar o espaço dos sonhos, o sentimento de presença de vida, a imagina- ção criadora, as imagens primordiais espon- tâneas, a radiância do mundo, o espaço do silêncio interior, o espaço de perplexidade e tudo o mais. COnCLuSãO A atitude lúdica não é outra coisa senão a emergência à consciência do mesmo espaço aberto na mente pela presença alargada e profunda de nosso ser. Ela consiste em aju- dar a descobrir a profundidade contida em cada ser. Diz respeito a acompanhar e aco- lher com o coração, ir a fundo no contato e receber o fundo dos abismos, o fundo da vida e o fundo do universo. Humano ou não humano, cada ser comunga com a raízes do universo, sendo composto de enigma, mis- tério e abismo. Sua face invisível tende a tomar forma de modo lúdico, porque é em liberdade e em espontaneidade que as coi- sas são criadas, a fim de serem contidas no ser e na vida que elas têm. REFERênCiAS Bion, W. R. (1973). Atenção e interpretação: Uma aproximação científica à compreensão interna na psicanálise e nos grupos. Rio de Janeiro: Imago. Chuang Tzu. (1985). L’Oeuvre complete de Tchou angtseu. Paris: Gallimard/Unesco. Davis, M., & Wallbridge, D. (1982). Limite e espaço: Uma introdução à obra de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago. Fédida, P. (2002). Introdução a uma metapsico- logia da contratransferência. Revista Brasileira de Psicanálise, 20(4), 613-629. Ferenczi, S. (1966). La elasticidad de la técnica psicoanalítica. In: Ferenczi, S. Problemas y métodos del psicoanálisis. Buenos Aires: Horme. Trinca, W. (1999). Psicanálise e expansão de cons ciência: Apontamentos para o novo milênio. São Paulo: Vetor. Trinca, W. (2006). Psicanálise e transfiguração: A etérea leveza da experiência. São Paulo: Vetor. Trinca, W. (2007). O ser interior na psicanálise: Fundamentos, modelos e processos. São Paulo: Vetor. Trinca, W. (2008). O espaço mental do homem novo (2. ed.). São Paulo: Vetor. Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade.Rio de Janeiro: Imago. (Obra originalmente pu- blicada em 1953). INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 3 As bases neurofisiológicas do brincar JoAo Augusto figueiró O Dicionário Houaiss da Língua Portu guesa (2001) conceitua brincar como um verbo transitivo indireto e intransitivo e traz 13 definições para o termo, dentre os quais ressalto “distrair -se com jogos infan- tis, representando papéis fictícios, entreter- -se com um objeto ou uma atividade qual- quer; agitar -se, menear, tamborilar, mexer em algo distraidamente, por compulsão ou para passar o tempo, não falar a sério; gracejar, fazer zombaria; debochar, não de- monstrar interesse; não dar importância; não levar (algo) a sério, agir de modo exi- bido ou intrometido, agir com leviandade ou imprudência, tirar gozo, distração ou proveito; desfrutar”. Traz também algumas derivações de sentido figurado como “fazer algo sem notar, sem fazer esforço, lidar de maneira inconsequente com coisas sérias ou perigosas, fazer algo com facilidade, sem esforço, ser ágil e esperto na tomada de providências, na resolução de questões, em executar um trabalho (como em ‘fazer algo brincando’)” e apresenta como sinô- nimos “divertir -se, distrair -se, entreter -se, folgar, gracejar, zombar”. Pode -se observar nestas definições selecionadas o caráter de frivolidade, de não seriedade e mesmo pe- jorativo atribuído à atividade. Brincar é coisa séria e, como diz a psicopedagoga Dra. Sandra Kraft do Nasci- mento da Associação Brasileira de Brinque- dotecas, “o brincar é tão importante para a criança como trabalhar é para o adulto”. O brincar torna a criança ativa, criativa e lhe dá oportunidade de se relacionar com os outros; também a faz feliz e, por isso, mais propensa a ser bondosa, a amar o próximo, a ser solidária. A criança não é um adulto que ainda não cresceu. Ela tem caracterís- ticas próprias. Para alcançar o pensamento abstrato do adulto, ela precisa percorrer to- das as etapas de seu desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional. Seu primeiro apoio nesse desenvolvimento é a família. Posteriormente, esse grupo se amplia com os colegas de brincadeiras e a escola. Brincando, a criança desenvolve po- tencialidades; ela compara, analisa, no- meia, mede, associa, calcula, classifica, compõe, conceitua, cria, deduz, estimula e desenvolve a capacidade de concentração, favorece o equilíbrio físico e emocional, dá oportunidade de expressão, desenvolve a criatividade, a inteligência e a sociabilida- de, enriquece o número de experiências e de descobertas, melhora o relacionamento com a família, entre muitas outras coisas. Sua so- ciabilidade se desenvolve; ela se aproxima de outras crianças, dos familiares, de outros adultos e cuidadores, faz amigos, aprende a compartilhar e a respeitar o direito dos ou- tros e as normas estabelecidas pelo grupo, e a envolver -se nas atividades apenas pelo prazer de participar, sem visar recompensas nem temer castigos. Brincando, a criança estará buscando sentido para sua vida. Sua saúde física, emocional, intelectual, mental INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 27 e social depende, em grande parte, dessa atividade lúdica. Cunha (2007), presidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas destaca, além disso, a importância dos espa- ços de brincadeira como oportunidade para a criança “mergulhar” em seu brinquedo sem cobranças de desempenho. Para a autora, “alimentar a inteligência e a criatividade da criança com a brincadeira é tão importante quanto alimentar o corpo com comida”. Os jogos e as brincadeiras podem, além disso, auxiliar na identificação de dificuldades de aprendizado, alterações do desenvolvimen- to, no diagnóstico de determinadas condi- ções comuns da criança e como auxiliar no tratamento, na melhoria da aceitação dos procedimentos médicos, da tranquilização, da qualidade de vida e prognóstico, bem como nas internações hospitalares. Durante a brincadeira, é possível observar a capaci- dade de memorização da criança, suas an- siedades e seus medos, sua forma de lidar com o erro, seu nível de atenção e seu foco nas atividades. O brincar também tem suas etapas de desenvolvimento cognitivo, emocional e social. A criança começa a brincar sozi- nha, manipulando partes do próprio corpo e objetos. Posteriormente, procurará compa- nheiros para as brincadeiras paralelas (cada um com seu brinquedo). A partir daí, de- senvolverá o conceito de grupo e descobrirá os prazeres e frustrações de brincar com os outros, crescendo emocionalmente. Brincar em grupo evita que a criança se desestimule, mesmo quando ainda não desenvolveu ple- na capacidade de brincar junto. Ela aprende a esperar sua vez e a interagir de forma mais organizada, respeitando regras e cumprindo normas. Com os grupos, ela aprende que, se não encontrarmos uma forma eficiente de cooperar uns com os outros, seremos todos prejudicados, além das vantagens da coope- ração. A vitória depende de todos. Aprende- -se a ganhar e a perder. A atividade lúdica promove entusiasmo, prazer e a alegria do compartilhamento. A criança fica alegre, vence obstáculos, desafia seus limites, des- pende energia, desenvolve a coordenação motora e o raciocínio lógico, adquire mais confiança em si e aprimora seus conheci- mentos, competências, forças, talentos e habilidades. É com este foco que iremos de- senvolver nossas ideias, trazendo algumas contribuições cientificas ao entendimento da importância do brincar no desenvolvi- mento humano e na cidadania. Sabemos, hoje, que o adolescente e o adulto resultam de sua própria natureza, das figuras parentais, da família, dos gru- pos sociais em que viveu e vive, da escola, da cultura e da sociedade com seus valo- res, crenças, normas e práticas. Ressalta- -se nesse processo o papel fundamental da primeira infância que, junto com o período gestacional, representa o principal momen- to de estruturação neuropsicológica e social do individuo e, entre as práticas, ressaltam- -se as atividades lúdicas como um dos pi- lares mais importantes do desenvolvimento infantil. O cérebro é vulnerável aos efeitos adversos do ambiente e é, igualmente, sus- ceptível aos efeitos positivos de ambientes ricos, afetivos e equilibrados de aprendiza- gem e à boas relações de cuidado. Brincar é um aspecto importante do desenvolvimento neurocomportamental, mas não sabemos ainda exatamente por quê. Está relacionado à atividade cerebral, mas não sabemos exa- tamente como, e é observado em muitas es- pécies além do Homo sapiens e não sabemos exatamente em quantas e em quais. O que é o brincar? O que ele pode pro- meter? Porque brincamos? Qual a relação entre o brincar motor e comportamental com o brincar mental (fantasia, imaginação, ensaios cognitivos)? Quais as raízes biológi- cas, evolutivas, ontogenéticas e a causa e a função do brincar? São muitas as questões que ainda precisamos pesquisar mais, escla- recer e responder. Ainda hoje, o brincar está associado a comportamento frívolo, sem importância, sem propósito específico, por vezes tomado como inútil e improdutivo, desnecessário, uma distração, uma perda de tempo desvinculado de utilidade social e produtiva. Brincar é uma atividade séria, pois é importante para o desenvolvimento social e cognitivo, da mesma forma que outras ne- INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 28 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) cessidades básicas como dormir, repousar e comer. A importância do brincar para o de- senvolvimento cerebral e desenvolvimento infantil, sem dúvida, irá influenciar famílias, escolas e outras instituições sociais e corpo- rativas e reorganizará suas atitudes e priori- dades relativas ao próprio brincar, recreios, intervalos, educação física, música, jogos, arte e interações pessoais ricas entre cuida- dores e crianças. O brincar tem uma impor- tante função adaptativa. A observação das brincadeiras em animais mostra os desdo- bramentosda progressiva complexidade do brincar como parte integral do desenvolvi- mento e da aquisição de competências e ca- racterísticas como alegria, valor, liberdade, prazer, voluntariedade e urgência, livre de limites de tempo, improviso, perda da auto- consciência. Trata -se de um comportamento automotivado, não dirigido à objetivos, es- pontâneo e livre de regras estabelecidas por adultos tendo propósitos, funções evolutivas e mecanismos nos seres vivos observados. Salienta -se aqui a função do adulto como base segura no comportamento, permane- cendo fora do campo do brincar e interfe- rindo somente nos excessos. Sabemos que o brincar predomina em mamíferos carnívo- ros e primatas, mas também é encontrado em algumas aves como periquitos, corvos e gralhas, em tartarugas, lagartos e lagartixas, diversos peixes e octópodes e mesmo artró- podes. Facilitam o brincar a presença de há- bitos carnívoros, estilo de vida muito ativo, comportamento social complexo e tamanho corporal relativamente grande. Entretanto, o brincar não é tardio na evolução, prece- dendo a divisão vertebrados/invertebrados. Talvez exista em nosso planeta há mais de um bilhão de anos! Em humanos, podemos observá -lo nos movimentos expressivos e aleatórios do bebê, posteriormente na exploração livre do ambiente do engatinhante, nas ativida- des construtivas, imaginativas e simulativas do pré -escolar, nos jogos de perseguição, competitivo -cooperativo, organizados da criança em idade escolar. Todas, expressões criativas do brincar. CRiTéRiOS PARA DEFiniçãO DO BRinCAR Os critérios para se definir o brincar são ba- seados na literatura de espécies animais e humanos e contemplam diferentes orienta- ções metodológicas: fisiológicas, cognitivas, sociológicas, desenvolvimentais, etológicas, etc. São eles: 1. O comportamento expresso não é comple tamente funcional na forma e contexto no qual é expresso, isto é, inclui elementos ou é dirigido a estímulos que não con- tribuem para a sobrevivência. Este crité- rio reconhece uma importante utilidade, embora não focando diretamente na so- brevivência, como ocorre com o comer e o lutar; 2. O comportamento é espontâneo, volun- tário, intencional, prazeroso, gratificante e autotélico (feito por/para si mesmo). Somente um desses termos precisa ser aplicável. Este critério também contem- pla os concomitantes afetivos e emocio- nais do brincar, mas não o torna essen- cial para o seu reconhecimento; 3. Difere das performances “sérias” dos comportamentos etotípicos em pelo me- nos um aspecto: a incompletude (geral- mente através da inibição dos elementos finais), o exagero, por ser desajeitado, o requinte, o envolvimento com signos, a reversão de papéis, outros padrões com- portamentais com formas modificadas, sequenciamento ou objetivos. Elemento comum deste critério é que exista uma diferença estrutural e temporal com rela- ção aos comportamentos ditos “sérios”; 4. É repetidamente observado durante pelo menos uma boa parte da vida do animal ou dos humanos. Este critério também diferencia respostas transitórias aos es- tímulos ou ambientes novos do brincar que pode suceder tais comportamentos exploratórios iniciais; 5. Inicia somente quando o animal está ade- quadamente alimentado, saudável e livre de estresse (ameaça de predadores, más condições ambientais, superpopulação, INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS LudodiAgnóstiCo 29 instabilidade social) ou motivações com- petitivas intensas (alimentares, reprodu- tivas, recursos, construção de ninhos). O animal ou criança precisa se encontrar em um campo relaxado ou se sentir psi- cologicamente seguro. Este critério con- textual é essencial para a ocorrência do brincar, dado que é um dos primeiros tipos de comportamento a ser extinto quando o animal ou criança é ameaçado, tem fome, é maltratado ou exposto a cli- ma desagradável. Considerando tais pressupostos, pode- mos definir o brincar como um comporta- mento repetitivo funcionalmente incomple- to, diferente estrutural, contextual e ontoge- néticamente das versões comportamentais mais funcionais, iniciado voluntariamente quando o animal está em um ambiente/ contexto relaxado e livre de estresse. Todo o brincar de uma criança deve se ajustar a este critério. Se uma criança é obrigada a brincar, esta atividade infantil deixa de ser brincar. Isso é importante, pois muitas ativi- dades altamente estruturadas têm progres- sivamente substituido o livre brincar desor- ganizado em muitos contextos hoje ofereci- do às crianças. Tradicionalmente, têm sido poucas e tardias as pesquisas sobre o brincar. Um dos pioneiros foi Freud (1920) com a des- crição das brincadeiras de for da. As pesqui- sas, de um modo geral, ainda subvalorizam as consequências da privação do brincar em crianças saturadas por agendas e tem demonstrado a complexidade das informa- ções obtidas principalmente por estudo em ratos e camundongos – refletindo a nature- za multifacetada do processo. Ressaltam a complexidade em muitas outras espécies e constantemente reafirmam a importância do brincar como uma atividade fundamen- tal para todos os que acalentam o brincar infantil e juvenil. Brincar está em nosso organismo, pa- rece estar under the skin, como afirmam os canadenses Pellis & Pellis (1987, 2005). Ra- tos criados socialmente com oportunidades normais para brincar de lutas apresentam resposta de estresse menos prolongada em situações indutoras de ansiedade do que aqueles criados em isolamento, que são in- capazes de acalmarem a si mesmos. Brown (1998) do National Institute for Play afirma: Brincar é como nós somos feitos, como nos desenvolvemos e nos ajustamos a mu- danças; permite que expressemos nossa alegria e nos conecta mais profundamente com o melhor de nós mesmos e dos ou- tros; é a forma mais pura de expressão de amor. Quando um número suficiente de pessoas elevar o brincar ao status que ele merece em nossas vidas, veremos que o mundo será um lugar melhor para viver. As pesquisas têm demostrado que cé- rebros grandes não necessariamente predi- zem a capacidade para brincar, mas permi- tem maior complexidade desde que sejam dadas as condições adequadas. Por exem- plo: uma criança que evoluir de empurrar um bloco em uma mesa a simular que é um carro está usando mais córtex, indicando o uso de maior potencial. Ratos podem brincar mais do que primatas, mas o escopo é mais limitado. As brincadeiras de luta, tão repro- vadas hoje, permanecem um tema bastante ignorado e frequentemente desencorajado, corresponde à forma dominante de brincar nas espécies, permite tornar -se competen- te com a ambiguidade social, uma função fundamental melhorando a capacidade de leitura das dicas sociais e entendimento das nuances da agressão x ludicidade e colabo- ra na organização de respostas adequadas. Essas habilidades conduzem às competências sociais, à definição de dominâncias em hu- manos e não humanos e em como ser compe- tente em ser ambíguo e explicam a posterior evolução para formas verbais de brincadeiras de lutas em humanos, a inclusão de comentá- rios “cabeludos”, a diferenciação do ambíguo na evolução para a dominância social e em navegar na ambiguidade social oferecendo um novo olhar para a agregação social. Os estudos mostram que os machos se envolvem mais em brincadeiras de lutas. Por que então as fêmeas, que lutam menos, INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 30 rosA mAriA LoPes Affonso (org.) são socialmente mais competentes? Possi- velmente, o sucesso reprodutivo das fêmeas dependerá mais de competências sociais, assim seu cérebro provavelmente já contém hardware com mais competências sociais que os machos e é menos dependente da experiência para desenvolver estas habili- dades. Está bem demonstrado que o brincar favorece o desenvolvimento emocional. Por seu intermédio, mantemos sentimentos de prazer. Existem evidências anedotais de que, com brincar suficiente, nosso cérebro
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