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HISTÓRIA DE SERGIPE- SÃO CRISTÓVÃO PROF. ALBERTO GARCIA Terras e armas: as origens da capitania de Sergipe Del Rei A formação da capitania de Sergipe, enquanto uma referência espacial, social e política, foi resultado da ação de elementos típicos do estilo de conquista portuguesa no período moderno: ocupação, exploração colonial e composição do território. Discutimos, neste capítulo, os aspectos relacionados às características desse processo de constituição territorial e social em que o caráter da colonização determinou as formas de ocupação do espaço, a composição da estrutura fundiária e o perfil da produção econômica em Sergipe, e, relacionada a esses traços, fundamentaram a formação sociocultural e a configuração da elite colonial nesta região. Nossa intenção, ao conhecer os elementos da formação histórica desta região e suas especificidades, longe de construir uma história linear totalizante, foi buscar realçar os elementos característicos que nos permitam captar o significado dessa experiência histórica no conjunto da América portuguesa. A origem do processo de conquista e ocupação do território que se configurou como Sergipe D`el Rei situa-se, então, na segunda metade do século XVI, na iniciativa da Coroa portuguesa em ocupar a região entre as capitanias de Pernambuco e Bahia. Esse interesse pautava-se pela necessidade não apenas de dominar e conquistar terras para destiná-las à produção colonial, mas também para interligar, geograficamente, dois importantes núcleos produtores de açúcar do século XVI. Originalmente, o território era parte da capitania doada, em 05 de abril de 1534, a Francisco Pereira Coutinho, e continha 50 léguas de terra que abrangia a barra do rio São Francisco até a ponta da Bahia de Todos os Santos. 2 Porém, o fracasso de seu donatário em colonizar o território, situação agravada ainda pela trágica e precoce morte de Coutinho, fez com que a capitania fosse passada por sucessão a seu filho, Manuel Pereira Coutinho. Sem recursos suficientes para realizar a colonização, o novo donatário teve que devolver sua posse à Coroa. A conquista dessa região também se relacionava com o movimento de ampliação da ocupação e fixação da presença portuguesa por toda a costa atlântica do que viria a ser seus domínios na América. Empreendida pelos portugueses, no que se assinalaria como “uma expansão baiana”, dita assim porque realizada por colonos de variadas origens que vinham da capitania vizinha. Naquele momento, a Bahia representou um importante núcleo de irradiação da colonização, característica compartilhada por Pernambuco e São Vicente. 4 A cidade de Salvador, fundada em 1549, e seu entorno imediato, o Recôncavo, foi uma área que conheceu rápida ocupação. Mais do que centro administrativo, a sede do governo-geral no Brasil era um importante centro povoador, difusor e coordenador da colonização portuguesa em terras sul-americanas. Antes mesmo do final do século XVI o governo da Bahia já havia doado sesmarias em terras para além do Rio Real, mas que não foram ocupadas devido à presença de indígenas - os tupinambás - e que, por esse motivo, foram devolvidas ao Rei. Em 1563, a Tomé de Souza eram doadas, na capitania da Bahia, oito léguas por costa e cinco para o sertão, terras depois distribuídas a Garcia d’Ávila. De um patrimônio inicial de duas vacas, este modesto português converteu-se em um potentado dos mais poderosos e abastados da colônia, proprietário de grandes áreas de pecuária e senhor de engenho do recôncavo baiano. Chegado de Portugal à Bahia em 1549, esteve a serviço de Tomé de Souza, gozando de enorme poder e prestígio junto ao primeiro governador-geral, ocupando cargos e prestando diversos serviços militares em luta contra os índios. Teve atuação decisiva não só na conquista de Sergipe, como também na dos sertões do rio São Francisco e parte do Piauí, que passaram a compor sua posse, a famosa Casa da Torre. 5 Facilidades de comunicação e segurança para o colono português na ocupação e fixação do território passaram a ser a meta das ações dos portugueses. Frei Vicente do Salvador explicou a necessidade da conquista dessa parte do litoral e o que ela representou para os propósitos coloniais naquela região, pois que “dantes ninguém caminhava por terra, que o não matasse e comessem os gentios, e o mesmo faziam aos navegantes, porque ali começa a enseada de Vasa-barris, onde se perdem muitos navios, por causa dos recifes que lança muito ao mar, e os que escapavam do naufrágio não escapavam de suas mãos e dentes”. 6 Dois importantes desafios e obstáculos eram colocados para o sucesso da fixação portuguesa na região que se constituiria como a capitania de Sergipe: a forte resistência do indígena e a presença de franceses. Em Sergipe viviam grupos nativos Tupinambá, Caetés e Kiriri, além de grupos menores como os Boimé, os Karapató, os Aramuru, os Romari, os Kaxagón. 7 Para o primeiro desafio, Luiz de Brito, governador das Capitanias do Norte, 8 ordenou a padres jesuítas que dominavam a língua indígena que fossem catequizar os índios das margens do rio Real. Assim, a conquista e submissão do gentio deveria ocorrer, inicialmente, com a ação evangelizadora a partir da organização das missões jesuíticas dos padres Gaspar Lourenço e João Salônio. Os primeiros resultados da ação catequética se materializaram na construção de uma igreja na aldeia de Santo Inácio, próximo ao Rio Sergipe, em 1575. Foi organizada, ainda, a missão jesuítica de São Tomé. Além de contar com a estratégia missionária para a conquista da região, o governador da Bahia entregou a Garcia d’Ávila, agora rico fazendeiro do Recôncavo, na Bahia, o direito de exploração das terras da área em que se formaria Sergipe, e assim organizou uma expedição exploradora para iniciar o trabalho de sujeição das populações nativas. O trabalho de colonização via cristianização mostrou-se demorado e pouco frutífero. Além disso, desenvolvia-se a desconfiança entre os nativos diante da crescente aproximação do europeu, agravada pela constante presença de soldados, elementos que fizeram suspeitar ao índio que a real intenção dos conquistadores era escravizá-los. Surgiram problemas de entendimento entre os Prof. ALBERTO GARCIA 2023 GUARDA MUNICIPAL DE SÃO CRISTÓVÃO padres Gaspar e João Salônio e Garcia d’Ávila, em 1575, sobre a utilização da mão de obra indígena. Atritos entre religiosos e colonos foram comuns ao longo do processo e refletiam a divergência entre esses agentes colonizadores acerca das formas de inserção do nativo no sistema colonial. Isso, contudo, não significava uma situação de oposição entre Igreja e Estado, pois eram partes integrantes de um mesmo processo de submissão dos indígenas. Não havia incompatibilidade entre os objetivos da missão jesuítica e da ação militar para os propósitos da colonização, uma vez que visavam o mesmo objetivo. 9 O governador Luiz de Brito veio, pessoalmente, para apaziguar a contenda e se posicionou a favor dos interesses militares e econômicos relacionados ao projeto de transformar os índios em trabalhadores disciplinados e adequados ao sistema de exploração colonial. Constatou o governador que, por insuficiência de recursos militares, não poderia derrotar os nativos, convencendo-se igualmente da necessidade de reunir elementos bélicos mais reforçados para conquistar a região entre os rios Piauí e Real. Em novembro de 1575, o governador Luiz de Brito e seus soldados “com grande aparato de guerra” e “animados pelo desejo de trazer gentio para o cativeiro”, dirigiram-se com grande força militar para a aldeia de SantoInácio. Foram recebidos com hostilidades pelos morubixabas Serigy, Suruby e Aperipê, alterando o equilíbrio das relações aparentemente cordiais entre os colonizadores portugueses e os nativos dessa região. Luiz de Brito e seus soldados invadiram a missão de São Tomé e combateram aos índios, estes apoiados militarmente pelos franceses. Na luta morreu Suruby, foram presos Serigy e Aperipê e mais de mil e duzentos índios teriam sido levados para a Bahia. 10 Na guerra, os soldados devastaram as habitações indígenas, incendiaram as aldeias de São Thomé, arruinando a ação missionária. Voltaram para a Bahia, sem deixar estabelecidas bases mais consistentes de colonização, 11 uma vez que não criaram formas de fixação da população nem condições para promover a distribuição de terras. Em 1586, uma década após a destruição da nascente aldeia jesuítica de São Tomé, um grupo de 150 soldados e 300 índios domesticados que contavam com o apoio da Casa da Torre, 12 adentram-se os sertões. Foram massacrados pelos índios Kiriri, comandados pelo cacique Baepeba e auxiliados militarmente pelos franceses, com quem estabeleceram alianças e comerciavam produtos da terra . O episódio reforçou a percepção ao colonizador português que seria necessário uma intervenção militar mais incisiva para efetivamente conquistar o território e aprisionar cativos. Felisbelo Freire destacou um grande e importante motivo para apressar a realização da conquista pelos portugueses nessa região: existiria um plano dos franceses, apoiados pelos indígenas, para atacar Salvador. As presenças francesa e inglesa, que desenvolviam atividades comerciais com nativos no litoral, e as ações de piratas nesta parte do litoral eram constantes e encaradas como um risco para instalar bases seguras para a formação de uma estrutura colonial portuguesa na América. 2. economia Em Sergipe, como nas demais áreas costeiras da América Portuguesa, a cultura canavieira se aproveitou da faixa de terras férteis próximas ao litoral. Úmida e dispondo de abundantes rios, com chuvas regulares e facilidade de escoamento, a região adequou-se bem à cultura de exportação, o que levava à contínua instalação dos engenhos. O interior também possuía uma faixa fértil, mas por estar sujeito à inconstância das chuvas, à localização esparsa dos rios e à inexistência de caminhos para o transporte da produção, não reunia as mesmas qualidades produtivas do litoral. Assim, o litoral foi dominado pela produção açucareira e, a partir dela, constituíram-se a capital São Cristóvão e as vilas do vale do Cotinguiba, com seus engenhos e incipientes núcleos urbanos. Fundada em 1590, a sede administrativa da capitania, São Cristóvão, ergueu-se próxima à foz do rio Sergipe, no istmo formado pelo rio Poxim, voltada para o mar, no mesmo sentido das vilas que eram erigidas com o fim de contemplar uma função estratégica de múltiplas necessidades: não apenas do movimento de dominação e povoamento do interior, mas principalmente pela vigilância ante a ameaça dos navios estrangeiros. Entre 1594-95, a cidade foi transferida para outro ponto, situada entre o rio Poxim e o litoral. Em 1607, a cidade novamente foi mudada de lugar, com o objetivo de torná-la mais próxima dos proprietários de terras que a essa época começavam a ocupar o vale do Cotinguiba e a formar os primeiros engenhos. Essa mudança recebeu uma avaliação negativa dos moradores, pois a nova localização não facilitava o acesso de embarcações devido à maré baixa, dificultando e até mesmo impossibilitando a navegação, mesmo de barcos de pequeno porte. Se considerarmos, a princípio, a obrigatoriedade da presença de traços urbanos para caracterizar a constituição do perfil de cidades sede coloniais, pode-se dizer que São Cristóvão não era exatamente uma cidade que, por apenas possuir órgãos mínimos para o desempenho de suas atribuições administrativas e econômicas, reunisse e refletisse as características e a importância de uma sede de capitania. Mais concisa e simples, se apresentava como um modesto e acanhado núcleo urbano que executava as funções administrativas básicas necessárias. Historiadores e estudiosos sergipanos apontam e destacam a precariedade, a simplicidade e o desenvolvimento muito lento dessa vila até o final século do XVII. Atribui-se esta condição por sua característica eminentemente agrária, pois os moradores viviam nas casas-grandes dos engenhos e fazendas, nas modestas habitações dos sítios ou nas choupanas, casebres e senzalas levantadas nas proximidades das residências dos senhores de terras. Sem coesão e distantes uma das outras denotavam, para a capitania, a impressão de um arquipélago humano tamanha a rarefeição da população da capitania e sua capital refletia essa realidade. A construção dessa imagem dialoga com uma interpretação historiográfica sustentadora da idéia de que a vida urbana colonial quase não possuía expressividade, uma vez que predominava sua Prof. ALBERTO GARCIA 2023 GUARDA MUNICIPAL DE SÃO CRISTÓVÃO essência rural e, dessa forma, às cidades caberia apenas o papel de abrigar comerciantes e autoridades régias. Essas características, muito destacadas nessas abordagens, sugeriam uma simplificação e minimização de sua função social e política, cenário que mudaria apenas no século XVIII, contexto fomentador do desenvolvimento de vilas e cidades na América Portuguesa. 52 Uma povoação de casas de taipa, Câmara e cadeia instaladas em prédios precários sugerem o aspecto rústico da capital de Sergipe. A “pobreza” do centro administrativo da capitania seria explicada também em função da morosidade na construção dos prédios urbanos e religiosos. A edificação do Convento de São Francisco, ensaiada em 1657, somente em 1693 poder ser efetivada. A mesma dificuldade de construção teria acontecido a Igreja Matriz que teve que pedir auxílio ao rei para sua conclusão, que atendeu a solicitação dos colonos determinando que se retirasse da cota anual da capitania o valor necessário para sua finalização, algo em torno de 6.000 cruzados. Porém, essa realidade não deveria parecer tão problemática quando se pensa em espaço urbano no período colonial. Um conjunto de trabalhos recentes sobre as vilas e cidades coloniais tem ajudado a relativizar essa impressão e possibilitado emergir outras questões e informações relativas à existência de uma política lusa urbanizadora consistente voltada para efetivar os interesses administrativos do governo em terras coloniais. Como salientou a historiadora Sandra Hunold Lara, a renovação provocada por esses estudos permitiu rever a ideia minimizadora (e desorganizada) da instalação e funcionalidade dos centros e vilas na América portuguesa. Passaram a ser compreendidas, por essa perspectiva, como estratégia específica de domínio e ocupação dos novos espaços conquistados. As vilas e cidades coloniais, mais do que agregar os órgãos e instituições metropolitanos, forneciam materialidade, essência e significado aos poderes políticos, militares, religiosos do Estado português na obra colonizadora. 53 Além disso, pode-se aventar que a presença da suntuosidade e sofisticação de prédios urbanos e moradias, seriam mais facilmente encontradas em grandes centros coloniais como Olinda, São Vicente e Salvador, e seguramente não faziam parte das vilas de menor proeminência, principalmente em seus começos de vida administrativa. Uma questão relacionada aos motivos da “simplicidade” de São Cristóvão relaciona-se com sua não integração à economia açucareira, pois que até meados do século XVII seus moradores dedicavam-se mais a pecuária, cultura de mantimentose do fumo. A instalação dos primeiros engenhos em Sergipe remonta ao começo do século XVII, mas sua expansão e consolidação, resultado de conjunturas específicas que serão tratadas adiante, ocorreram no final do século XVIII e início do século XIX. Desenvolveram-se os núcleos produtores de açúcar em que os mais importantes localizavam nas povoações de Laranjeiras e Santo Amaro das Brotas. Sua organização e desenvolvimento estavam atrelados à economia açucareira, como a povoação de Santo Amaro das Brotas, que teve sua origem na doação de uma sesmaria e a instalação de um engenho, em 1699. O acesso a porto e a rio navegável – o Cotinguiba – contribuir para tornar a povoação de Laranjeiras uma das mais importantes da região açucareira. Com a instalação da comarca em 1696, criaram-se as condições favoráveis para a criação da vila, mas sua efetiva elevação somente ocorreria no século XIX. Ao redor dessas povoações foram desenvolvidos outros prósperos povoados: Capela, Maruim, Rosário, Japaratuba, Bom Jesus, Divina Pastora e Pé do Banco (Siriri). A inserção da capitania na economia de exportação, a partir da montagem de seus engenhos e início de sua produção comercial, pode ser captada na relação que se estabeleceu de São Cristóvão com a zona produtora de açúcar, fator que teria sido responsável pelas mudanças no panorama urbano e populacional da capital e das vilas e povoados ligados à atividade açucareira. Aspecto que, acreditam os estudiosos, tem sua origem na introdução da atividade açucareira no final do século XVII, e sua influência sobre a organização urbana e arquitetura da cidade, com a construção de sobrados e o aumento da população. Prof. ALBERTO GARCIA 2023 GUARDA MUNICIPAL DE SÃO CRISTÓVÃO
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