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Ética, Redes Sociais e Direitos Humanos Ética e Cidadania Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria ANA LUCIA GUIMARÃES AUTORIA Ana Lucia Guimarães Olá! Sou doutora em Ciências Humanas e tenho mais de 20 anos de atuação como professora na Educação Superior. Além disso, tenho 12 anos de militância como dirigente sindical da causa dos professores, o que me agrega conhecimentos e experiências para ser autora desta disciplina. Portanto, atuar e defender a causa da educação laica, democrática e de qualidade é mais do que um princípio em minha formação e trajetória profissional, é um compromisso de ofício. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Direitos Humanos ........................................................................................ 10 Conceituação e Princípios Dos Direitos Humanos ................................................. 10 Ação Comunitária e Participação Democrática ............................. 14 Ética, Direitos Humanos e Violência .................................................................................. 18 Cenário Atual e Tendências da Ética e da Cidadania ........................................... 21 Ética e Política ................................................................................................................23 Ética na Saúde ................................................................................................................24 Ética nas Redes Sociais ............................................................................26 Educação, Ética e Cidadania Hoje ........................................................ 31 7 UNIDADE 04 Ética e Cidadania 8 INTRODUÇÃO Nesta unidade de ensino de nossa disciplina, aprenderemos sobre Direitos Humanos. Veremos o que são os direitos humanos, como o direito à vida, à educação, ao trabalho, à liberdade de opinião etc. Veremos que é possível construir nossa cidadania zelando pelos nossos direitos e de nossos vizinhos. Veremos, ainda, a responsabilidade de governos de garantirem esses direitos. Entenderemos que só é possível participar das decisões políticas de um país a partir do exercício da cidadania plena, ancorada na ética, se temos condições democráticas para essa participação. Enfim, faremos uma reflexão sobre ausência de direitos e perpetuação da violência para entendermos o que está acontecendo hoje com as práticas de ética e cidadania. Você também está curioso para debater esses temas? Vamos lá! Ética e Cidadania 9 OBJETIVOS Seja muito bem-vindo à Unidade 4. Nosso objetivo é dar suporte a você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Explicar o conceito e os princípios dos Direitos Humanos. 2. Relacionar ação comunitária com participação democrática. 3. Ponderar questões e situações ligadas a ética, direitos humanos e violência. 4. Identificar o cenário atual e as tendências da ética e cidadania. Então, preparado para conhecer os Direitos Humanos e sua relação com os conceitos de ética e cidadania? Seguimos juntos na aprendizagem desses importantes temas! Ética e Cidadania 10 Direitos Humanos OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você deverá ter todo conhecimento sobre Direitos Humanos, princípios e relações com ações comunitárias de participação democrática. Deverá compreender que só é possível atuar de forma cidadã e ética se existem garantias de efetivação dos direitos que possuímos. Vamos lá! A aprendizagem e o debate nos esperam! Conceituação e Princípios Dos Direitos Humanos O conhecimento dos Direitos Humanos acende uma chama de luta social, coletiva e ao mesmo tempo individual. É importante destacar que os Direitos Humanos envolvem a proteção de nossa cidadania em nível mundial. Por isso, não podemos colaborar para que discriminações, intolerância e opressão aconteçam com qualquer indivíduo. Mas o que são Direitos Humanos? Inicialmente, convém destacar que são a base de uma relação respeitosa entre iguais e diferentes no mundo social. Nossa Constituição de 1988, por exemplo, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, definida e divulgada pela ONU — Organização das Nações Unidas, já preconizava no art. 1º que: “[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. DEFINIÇÃO: Direitos Humanos: são aqueles constituídos pelos direitos naturais, garantidos a todos os cidadãos e que devem ser estendidos a todos os indivíduos, sem distinção de gênero, classe social, posição política, etnia, religião ou nacionalidade. Ética e Cidadania 11 Figura 1 - Dia Internacional dos Direitos Humanos — 10 de dezembro Fonte: Freepik. Segundo Franzoi (2003), é no contexto pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que houve a publicação, em 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU. O autor remonta que tal documento se fez necessário para que pudéssemos lembrar, combater e exterminar todo e qualquer ato de atrocidade, violência, semelhantes aos que aconteceram durante o conflito. Esse documento é o resultado das lutas por direitos historicamente constituídos e traz a perspectiva de igualdade e liberdade entre homens e mulheres. Mas é preciso compreender o significado desses direitos, no sentido de valorizar sua existência e aplicabilidade. Nesse sentido, para Piovesan (2005), a efetivação dos Direitos Humanos refere-se a uma aspiração e necessidade universal de reconhecermos a nós mesmos como seres humanos, únicos, que não são julgados pelas suas diferenças para acessar espaços e culturas. Tal movimento dá respeito à valorização da dignidade da pessoa humana. Ética e Cidadania 12 SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura do texto Ética e Direitos Humanos. Disponível aqui. De maneira geral, devemos destacar que os três princípios fundamentais dos Direitos Humanos são: • Inviolabilidade da pessoa - não sacrificar um indivíduo com o motivo de que será para o benefício de outro. • Autonomia da pessoa - assegura a liberdade de ação para qualquer indivíduo desde que este não prejudique outros. • Dignidade da pessoa - os indivíduos devem ser julgados e tratados conforme seus atos, unicamente. Depreende-se que os Direitos Humanos são os direitos e a liberdade de todos os seres humanos. Assim, ressaltamos algumas característicasdesses direitos, sendo: • Universalidade – todo e qualquer ser humano é sujeito ativo desses direitos, independente de credo, raça, sexo, cor, nacionalidade e convicções. • Inviolabilidade – esses direitos não podem ser descumpridos por nenhuma pessoa ou autoridade. • Indisponibilidade – esses direitos não podem ser renunciados. Não cabe ao particular dispor dos direitos conforme a própria vontade, devem ser sempre seguidos. • Imprescritibilidade – eles não sofrem alterações com o decurso do tempo, pois têm caráter eterno. • Complementaridade – os direitos humanos devem ser interpretados em conjunto, não havendo hierarquia entre eles. Ética e Cidadania http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832003000100015 13 SAIBA MAIS: Esses conhecimentos são importantes, pois trazem reflexões sobre os direitos humanos. Recomendamos assistir ao vídeo: Direitos Humanos - Teoria Geral: Conceito e Premissas Filosóficas. Disponível aqui. Em seguida, indicamos a leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível aqui. RESUMINDO: Neste capítulo vimos o conceito de Direitos Humanos, bem como seus princípios fundamentais. Conhecemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos realizada pela ONU e vimos algumas características desses direitos. Ética e Cidadania https://www.youtube.com/watch?v=A7eTybbqFCc https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf 14 Ação Comunitária e Participação Democrática OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você será capaz saber o que é comun idade e quais são os canais de participação pelos quais ela pode atuar na sociedade. Veremos também sobre ética, direitos humanos e violência e qual é o cenário atual e as tendências da ética e da cidadania, tanto na política como na saúde. O ser humano imagina-se incluído em dois grupos societais: um deles mostra-se como alguém que sente a necessidade de ser conduzido, aceita e espera confortavelmente aquilo que o Estado oferece, como políticas públicas, ou decisões políticas, sociais e econômicas. O outro grupo busca constantemente a chama acesa do questionamento, da participação, da vontade de transformar e de estar construindo as decisões acima referidas. Dessa forma, consideramos significativo destacar o conceito de comunidade para pensarmos seu papel no âmbito democrático. DEFINIÇÃO: Comunidade: sociologicamente é um grupo de indivíduos que além de possuírem a residência em comum do ponto de vista geográfico, compartilham cultura e tomam parte de uma história compartilhada, têm objetivos e metas comuns, partem das demandas comuns.. Ética e Cidadania 15 Figura 2 - Comunidade Fonte: Freepik. Paul (1987) aponta que uma comunidade, para alcançar um excelente grau de participação em um projeto comunitário, por exemplo, deve se voltar aos seguintes objetivos: • Empoderamento — alto nível de consciência coletiva e de força política. O autor mostra que precisa de uma forte iniciativa com ações e organização que possam influenciar processos de mudanças. • Capacity building — compartilhamento de tarefas relacionadas à administração do projeto de transformação. Também diz respeito a monitoramento e construção da sustentação do projeto. • Eficácia — quando o projeto caminha junto com as demandas da comunidade. Corresponde e atende essas demandas. • Eficiência — a procura de consenso com interação e cooperação para avanços e não atrasos. Cumprindo metas e prazos. Intensa participação comunitária. • Compartilhamento de custos — compartilhamento de gastos do projeto a ser desenvolvido, com a finalidade de baratear o projeto. Quando falamos em ”democracia participativa”, estamos lidando com a situação de uma participação popular na tomada de decisões, sobretudo políticas. Esse conceito evoca a ideia de proporcionar a oportunidade de participação às pessoas, criando canais de debate que incentivem o pensar sobre questões políticas diretamente ligadas ao exercício de sua cidadania. Ética e Cidadania 16 Uma proposta de entendimento e clareza sobre a ideia de ação da comunidade em uma perspectiva democrática volta-se para a situação do conceito de gestão democrática presente nas escolas. Nascimento (2012) afirma que o trabalho em equipe voltado à qualidade de ensino é a grande base para uma gestão democrática e participativa nas escolas. Paro (2002) considera fundamental que a gestão escolar tenha a consciência de que precisa estar sujeita a mecanismos de controle e fiscalização pela própria comunidade na qual se insere. Fortalecendo essas ideias, Gadotti (1995) nos lembra que descentralização e autonomia devem andar lado a lado. A luta pela conquista da autonomia na escola é reflexo da luta na própria sociedade. Assim, tal qual apresentamos aqui, é necessário que o entendimento da condução democrática esteja presente, favorecendo o estado de participação da comunidade. Na escola, bem como no Estado, uma gestão participativa e democrática deve envolver participação propriamente dita, descentralização e transparência. Sobre o cenário dessa concepção se realizar na escola, Freire (1995) mostra que a participação política das classes populares deve ocorrer por meio de seus representantes, seja na tomada de decisões, seja na definição de um projeto de ação. Figura 3 - Gestão democrática Fonte: Freepik. Ética e Cidadania 17 É notável que tanto na escola quanto na sociedade são necessários canais democráticos que possibilitem a participação dos indivíduos no processo de tomada de decisões. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura do Texto: A gestão participativa na escola pública: tendências e perspectivas. Disponível aqui. Para que a participação da comunidade aconteça de forma efetiva, é preciso também que ela conheça os canais que existem para sua atuação, que são: • Conselhos municipais – formulam, acompanham e avaliam as políticas públicas. Neles, qualquer cidadão pode participar, apresentar projetos e dar sua opinião. • Audiências públicas – são obrigatórias para a discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e podem ser requisitadas para o debate de problemas que afetem a cidade. • Ouvidoria Pública Municipal – Atende reclamações de problemas relacionados à Prefeitura. • Ação popular – permite que o cidadão proponha uma ação contra ato que lese o patrimônio público. • Iniciativa popular – com o aval de 5% dos eleitores do município, qualquer cidadão pode apresentar um projeto de lei na Câmara Municipal. • Representações – ao Ministério Público, possibilita a abertura de procedimentos de investigação de supostos atos irregulares praticados contra o interesse público. Caso seja ao Tribunal de Contas, o cidadão pode denunciar irregularidades ou ilegalidades na administração pública. Ética e Cidadania http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/SU3onzBiYiLUhza_2013-6-28-15-24-32.pdf 18 Dessa forma, vemos que cada grupo representado nos diálogos recebe a oportunidade de apresentar suas ideias e prováveis soluções para os entraves. Isso supera, com certeza, o fato de ter uma visão unilateral, em que somente uma classe, ou grupo, toma decisões e avaliam ações, pois todos os níveis envolvidos podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida no coletivo. Ética, Direitos Humanos e Violência A temática dos direitos humanos apresenta relevância na constituição da lógica jurídica do século XXI. Nesse sentido, mostra-se com traços do passado e uma perspectiva de futuro. Sobre os direitos humanos, vemos a necessidade de uma ampla análise histórico-filosófica, além de um grande conhecimento jurídico. A questão da violência está na ordem do dia. Como podemos nos posicionar do ponto de vista ético em relação às diferentes situações que saltam aos nossos olhos diariamente. Temos assistido a muitas cenas de desrespeito aosdireitos humanos. Muitas atitudes de violência e precarização da ordem social. Figura 4 - A questão da violência Fonte: Freepik. Ética e Cidadania 19 Schilling (2007) destaca que a violência em nossa sociedade está presente desde a fala das pessoas no dia a dia, até mesmo na mídia e nos discursos políticos. Para a autora, existem diversos tipos de violência, desde a que acontece na família até a que configura a criminalidade. Violência física, psicológica, social e emocional. Nesse sentido, viver em um estado democrático de direito como o nosso é experimentar práticas de respeito às diferenças e direitos humanos. Tudo isso é muito significativo e completo na letra fria do papel, pois, na prática, assistimos a violência contra a mulher, violência contra o idoso, violência contra a orientação sexual, crimes de ódio, corrupção, violência policial, entre outras. DEFINIÇÃO: Estado democrático de direito é aquele em que os governantes seguem o que está previsto nas leis, isto é, deve ser respeitado e cumprido o que é definido pela lei. Figura 5 - Estado democrático de direito Fonte: Pixabay. Ética e Cidadania 20 Como entendemos a violência em relação aos Direitos Humanos? Vemos, por exemplo, que a educação é direito de todos e dever do Estado, tendo por princípios a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de aprender, de ensinar, pesquisar e ampliar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de vertentes pedagógicas; a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; a valorização dos profissionais do ensino; a gestão democrática do ensino público e a garantia do padrão de qualidade. Nesse caso, a infração ao respeito dos direitos humanos está diretamente vinculada à impunidade. No Brasil, existe a Emenda Constitucional 45 de 2004, que federaliza crimes contra os Direitos Humanos. Assim, quando ocorre a violação a um direito humano, esta é logo transferida para o sistema de justiça nacional. Mas o ideal seria criar políticas públicas que se voltassem ao combate direto à violência. Como o Estado apresenta dificuldades nesse projeto, assistimos, na maioria das vezes, aos pobres sendo mais vitimados pela violência, pois, no fundo, há uma inércia para estabelecer punições, bem como a conivência com ações de violência física e simbólica. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura do texto: Cidadania e violência: um desafio para os direitos humanos. Disponível aqui. No que tange ao campo da ética, vemos que ela e a violência caminham para lados diferentes. Já que violência remete a tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser, esmagando-o, torturando-o, desorganizando-o. Nesse sentido, podemos afirmar que a sociedade aponta que uma atitude violenta em nada colabora para uma vida justa e solidária. Dessa forma, afirmamos que violência se opõe à ética porque não considera o respeito e o compromisso de manter a integridade física e moral dos indivíduos. Ética e Cidadania http://www.esedh.pr.gov.br/arquivos/File/Cidadania.pdf 21 SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura da reportagem: Pelo menos três mulheres são assassinadas, vítimas de feminicídio, todos os dias no Brasil. Disponível aqui. Cenário Atual e Tendências da Ética e da Cidadania A realidade social não está pré-concebida, e os indivíduos podem atuar sobre os processos coletivos. Assim, é possível que os homens criem e recriem novas propostas de convivência que esbarram em amplas discussões acerca dos conceitos de ética e cidadania. Sobretudo, as questões que envolvem os estudos de robótica, as investigações científicas sobre células-tronco, a própria possibilidade de instituição do poder de certos grupos e pessoas poderem deter o porte de arma. Assim, para Singer (2002), uma pessoa vive dentro de uma esfera do ético quando se preocupa com a justificativa de sua ação, já que só o fato da pessoa querer justificar, podendo estar certa ou errada, demonstra que há uma pauta ética. Valls (2000) mostra que a moral está diretamente ligada às ações práticas dos seres humanos. Ele chama a atenção para o fenômeno da massificação e do autoritarismo dos meios de comunicação e das políticas, pois, segundo ele, os homens, mesmo cientes de seu papel fundamental como executores da moral, conseguem agir eticamente. Ele traz o questionamento de que até que ponto é possível o homem escolher entre o bem e o mal. Ética e Cidadania https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2019/05/16/pelo-menos-tres-mulheres-sao-assassinadasvitimas-de-feminicidio-todos-os-dias-no-brasil.ghtml 22 Figura 6 - Ética na atualidade Fonte: Pixabay. Em tempos atuais, a educação ocupa um lugar importante para a formação do cidadão participativo e solidário, consciente de seus deveres e direitos e sem falar em propostas de educação com direitos humanos. Dessa forma, pode-se construir a base para uma amplitude maior do que vem a ser uma educação democrática, apontando o caminho para a democracia como o regime da soberania popular, com pleno respeito aos direitos humanos. No que se refere ao mundo do trabalho, por exemplo, Solomon (2006) destaca que o estudo da ética se faz primordial pelas infrações que aparecem em jornais no mundo dos negócios. Tal proposta deveria ocorrer a partir da compreensão profunda das experiências práticas. Bauman (2011) também colabora com as reflexões entre a “Era da Ética”, típica da modernidade, e a “Era da Moral”, peculiar da pós- modernidade. Ele apresenta a ideia de “ser junto com o outro”. A ética e a moral da pós-modernidade, para ele, relacionam-se com a responsabilidade moral incondicional que cada pessoa pode desenvolver por meio de suas atitudes ao “estar junto com o outro” na vida pregressa. Ética e Cidadania 23 Segundo o autor, diferentes sujeitos devem ser capazes de decisões próprias sem serem coagidos por um sistema normativo. Eles constroem o senso de responsabilidade que os auxilia para lidar com situações que exigem consenso, instituindo a questão ética. A moral, no olhar de Bauman (2011), consiste em categoria contingente e incontível. Para ele, a relação com o desconhecido traz a possibilidade de reconhecimento de uma humanidade. Vejamos algumas situações em que a ética e a cidadania aparecem, e os sujeitos devem usar esse senso de racionalidade. Ética e Política Um problema que tem incomodado muito a realidade social brasileira está relacionado com a questão da corrupção na política. Será que aqueles que são eleitos democraticamente, com o voto direto, com a perspectiva de representar a vontade geral e que governam voltados para seus interesses pessoais estão agindo de forma ética? Há uma falta de ética no exercício da política no meio social? Como fica a questão da cidadania relacionada à questão ética em tempos atuais? “O Analfabeto Político. O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende das decisões políticas. O analfabeto...” (Bertolt Brecht) Para Bittar (2010), a questão ética presente no mundo das atividades políticas pode ser traduzida como a saúde político-institucional se traduz na saúde social, deve-se aceitar que a estrutura da éthos de uma sociedade fica, em grande parte, na dependência de ocorrências e atitudes políticas. Farah (2000) adverte que um agente público (o eleitor, mas sobretudo os eleitos) recebe esse impacto de corrupção do corruptor, torna-se um forte elo de captação de recursos pessoais para suas vaidades e fantasias próprias e de sua família, deixando de lado sua funçãopública. Ética e Cidadania 24 Morin (2001) destaca que o ensino da ética é um dos saberes necessários à educação. Para ele, a reflexão no campo da ação do homem, em nível das decisões da ação moral dos indivíduos, deve ganhar espaço em diferentes níveis da educação. A corrupção pode ser compreendida como um fenômeno social, ela consiste em um reflexo da cultura formada sem princípios éticos e valores morais. Trata-se de um fenômeno ético cultural. No Brasil, vemos que a raiz da corrupção é histórica e cultural. Ética na Saúde O comportamento ético em atividades de saúde deve considerar um enfoque de responsabilidade social e também a expansão dos direitos da cidadania, pois sem cidadania, não há saúde. A ética da responsabilidade e a bioética envolvem o cuidado do outro, portanto, compete ter consciência em desenvolver essa postura. Dessa forma, vemos que a ética deve reconhecer o valor de todos os seres vivos e encarar os humanos como um dos pontos que formam a base da vida. Clotet (2003) aponta que a bioética é uma ética aplicada que está preocupada com o uso adequado das novas tecnologias na área das ciências médicas e das soluções pertinentes aos dilemas morais que sejam apresentados. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura do texto: Princípios da bioética e o cuidado na enfermagem. Disponível aqui. Ética e Cidadania http://cifmp.ufpel.edu.br/anais/1/cdrom/mesas/mesa4/02.pdf 25 Figura 7 - Bioética Fonte: Pixabay. RESUMINDO: Neste capítulo, vimos como os direitos humanos são importantes, bem como seus princípios para a sua participação democrática na sociedade e que essas ações estão presentes em todos os âmbitos. Vimos que a questão da violência ocorre nas relações e em diferentes situações de desrespeito ao ser humano, por isso, é necessário ter amparo legal às vítimas. Assim, destacamos o quanto é possível que os homens se apropriem da ética e da cidadania para ter uma boa convivência na sociedade, pois, neste universo, a moral está relacionada com a racionalidade. Você percebeu o quanto a legislação dos direitos humanos é importante? Ética e Cidadania 26 Ética nas Redes Sociais OBJETIVO: As redes sociais também têm se mostrado como um importante canal de informação e trocas comunicacionais. Ao mesmo tempo que informam, também desinformam. Relacionando com a questão ética, temos a grande dor de cabeça do momento, as chamadas fake news. Estas provocam desequilíbrio, afetações emocionais e transtornos, principalmente naqueles que são os alvos dessas notícias falsas. As fake news reforçam preconceitos, ódio contra indivíduos ou grupos sociais. Imaginem o impacto que a sociedade teve sobre a falsa notícia da existência de um “Kit Gay” imposto nas escolas. Essa ideia partiu de um projeto verdadeiro que fazia parte de um dos programas do Governo Federal, mas foi manipulada e disseminada totalmente desvirtuada, com a perspectiva de dizer que haveria uma suposta ideologia de gênero e sexualidade firmada para as escolas. A questão ética aparece fortemente no fato de que antes de compartilhar essas notícias que causam impacto, bem como todas as outras que compartilhamos ou postamos, é sempre preciso checar a veracidade da informação. Schudson (2017) afirma que a notícia falsa pode interferir no cotidiano do cidadão e das redações jornalísticas. Segundo ele, no jornalismo, por exemplo, é preciso ter responsabilidade com a questão da reprodução de notícias falsas, exageradas ou até mesmo corrompidas. Kunczik (2001) aplica o termo disfunção quando ocorre as notícias servirem de ameaça à estabilidade social. Pois, conforme Wolf (1987), a circulação de notícias falsas destrói a cidadania de forma severa. Ainda, em seu olhar, os meios de comunicação têm a função de trazer a possibilidade de alertar o cidadão e apresentar instrumentos para definição de ações diárias. Ética e Cidadania 27 Como detectar notícias falsas, segundo Kieky e Robertson (2017): • Considere a fonte — veja se tem credibilidade. • Considere o autor — faça uma breve pesquisa sobre ele. • Confirme a data. • Fontes de apoio — encontre bases de informações; as fontes que se relacionam ou tratam do assunto — é preciso identificá-las. • Considere todos os lados — ser contra uma ideologia não quer dizer que a notícia é falsa. • Verifique se é piada — há sites que fazem piadinhas com determinados temas. • Leia mais — é preciso ler sobre o assunto. Quando você pesquisa e lê mais sobre um assunto, percebe se a informação a ser compartilhada tem ou não veracidade. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Vamos ler mais um pouco? Recomendamos a leitura do texto: O impacto das fake news e o fomento dos discursos de ódio na sociedade em rede: a contribuição da liberdade de expressão na consolidação democrática. Disponível aqui. Ética e Cidadania http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2017/1-12.pdf 28 Figura 8 - Fake news Fonte: Freepik. Enfim, a discussão sobre ética e cidadania, levando em consideração o que estamos vivendo em uma sociedade que precisa da convivência harmônica, é preciso haver compatibilidade entre o ideal da sociedade almejada e o estilo de vida construída, sem isso, não é possível pensar em uma sociedade ética como realidade. Na atualidade, o sujeito que possui a cidadania é aquele detentor de direitos, mas também de deveres. Deve ter ciência de sua participação na sociedade e que precisa contribuir coletivamente. A cidadania deve perpassar interesse e participação, precisa haver interesse pelo bem comum. Ética e Cidadania 29 Uma outra perspectiva tem a ver com a sociedade de risco que estamos vivendo. Isso significa que, pensando sobre o crescimento da civilização tecnológica, vemos um número muito grande de difusão e proliferação dos riscos, que afetam as sociedades em conjunto, revelando a crise da sociedade industrial. Para Giddens (1991), a sociedade moderna organiza-se levando em conta o distanciamento tempo–espaço, diferentemente das sociedades pré-modernas, nas quais as relações entre os indivíduos estavam construídas nas referências locais. Nesse caso, a explicação para situações e fenômenos que ali se processavam, eram situadas na lógica do conhecimento e interação cotidianos que, por sua vez, promoviam a organização social com base nas redes de confiança, depositada nos laços de parentesco e alianças. Caso qualquer coisa perturbasse o equilíbrio daquela ordem social, o grupo encontraria resolução para aquele problema, valorizando a confiança localizada. Já nas sociedades atuais, conforme deriva do pensamento de Giddens, estas constroem seu esquema de funcionamento e racionalização social fundamentadas em uma relação de confiança dos indivíduos em sistemas abstratos, fichas simbólicas, que podem ser entendidos como o progresso do conhecimento técnico e científico. Portanto, vivemos riscos de acreditar nos sistemas simbólicos, no virtual e, a partir dessas crenças, também construímos nossas posições éticas e cidadãs. Ética e Cidadania 30 Figura 9 - Sociedade e crenças nos sistemas simbólicos Fonte: Freepik. RESUMINDO: Neste tópico, vimos como os direitos humanos são importantes e estão relacionados, também, com as redes sociais. Com o avanço da tecnologia, surgiram informações que não são verdadeiras e podem atingir as pessoas. Vimos que a sociedade moderna, apesar do distanciamento tempo–espaço, o crescimento da tecnologia pode trazer riscos. Assim, destacamos o quanto é importante desenvolver uma convivência harmônica, para viver em uma sociedade ética como realidade. Você percebeu o quanto é importante o sujeito ser o detentor de direitos? Ética e Cidadania 31 Educação, Ética e Cidadania Hoje OBJETIVO: Compreender a criação de novos desenhos de sujeito pensante e participativo, em uma sociedade em que as tecnologiasda informação e das comunicações são cada vez mais reais e oferecem um mapa cognitivo das relações e saberes sociais que indicam o progresso da humanidade é fundamental para se estabelecer um diálogo entre indivíduo, cultura e educação. No texto que segue, temos algumas reflexões importantes sobre ensinar a pensar para a vida. Tal reflexão traz em si a própria valorização da educação para o bem coletivo. Para refletir: Ensinar a pensar Immanuel Kant Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida. Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado. A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Mas ao mesmo tempo foi corrompida num grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. É por esta razão que não é infrequente deparar- se-nos homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco entendimento. É por esta razão, também, que as academias enviam para Ética e Cidadania 32 o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública. [...]Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos, mas a pensar. Deve ser conduzido, se assim nós quisermos exprimir, mas não levado em ombros, de maneira a que no futuro seja capaz de caminhar por si, e sem tropeçar. A natureza peculiar da própria filosofia exige um método de ensino assim. Mas visto que a filosofia é, estritamente falando, uma ocupação apenas para aqueles que já atingiram a maturidade, não é de espantar que se levantem dificuldades quando se tenta adaptá-la às capacidades menos exercitadas dos jovens. O jovem que completou a sua instrução escolar habituou-se a aprender. Agora pensa que vai aprender filosofia. Mas isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar. [...] Para que pudesse aprender filosofia teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: «Veja-se, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê- lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos». Até me mostrarem tal livro de filosofia, um livro a que eu possa apelar, [...] permito-me fazer o seguinte comentário: estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. Tal pretensão criaria a ilusão de ciência. Essa ilusão só em certos lugares e entre certas pessoas é aceite como moeda legítima. Contudo, em todos os outros lugares é rejeitada como moeda falsa. O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como o disseram alguns filósofos da antiguidade (de zhtein). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que este método se torna dogmático, isto é, decisivo. Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve ser considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, Ética e Cidadania 33 contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil. Quanto ao conhecimento positivo que ele poderá talvez vir a adquirir ao mesmo tempo — isso terá de ser considerado uma consequência acidental. Para que a colheita de tal conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes deste método. Immanuel Kant (Tradução de Desidério Murcho). Figura 10 - Educação, ética e sociedade Fonte: Pixabay. SAIBA MAIS: Estes conhecimentos são importantes, pois trazem reflexões sobre educação, ética e cidadania na atualidade. Para aprofundamento, recomendamos assistir aos vídeos a seguir: A Fraude – o caso Bahrings (com Ewan Mc Gregor) Ameaça virtual (Com Tim Robbins e Ryan Philiphe) Com o dinheiro dos outros (Com Danny de Vito e Gregory Peck) Erin Brockovich (Julia Roberts e Albert Finney) Minority Report: a nova lei (Com Tom Cruise) O Náufrago (Com Tom Hanks e Helen Hunt) Ética e Cidadania 34 RESUMINDO: Neste capítulo, vimos que existem situações e questões na atualidade que precisam estar pautadas pelo olhar da ética e da cidadania, afinal, ser cidadão é colaborar para a garantia de que o respeito e a preservação das relações sejam fundamentais. Vimos, ainda, que tanto na política quanto na saúde e nas trocas via redes sociais, é preciso ter compromisso com a moralidade das participações e atuações. Por fim, destacamos o papel que a educação tem na formação de indivíduos pensantes e responsáveis por suas ações no seio da sociedade. Ética e Cidadania 35 REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. A vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Tradução de Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. CLOTET, J. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003 FARAH, E. Ética do Advogado: I e II Seminários de Ética Profissional da OAB/SP. São Paulo: LTR, 2000. FRANZOI, J. G. A. Dos direitos humanos: breve abordagem sobre seu conceito, sua história, e sua proteção segundo a constituição brasileira de 1988 e a nível internacional. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 3, n. 1, p. 373-390, 2003. FREIRE, P. A Educação na Cidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995. p. 144. GADOTTI, M. A Autonomia como Estratégia da Qualidade de Ensino e a Nova Organização do Trabalho na Escola. Petrópolis: Vozes, 1995. GIDDENS, A. As Consequências da Modernidade. São Paulo. Ed. Unesp, 1991. KUNCZIK, M. 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Ainda, você fará algumas correlações entre eles e o mercado profissional atual. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o significado de ética ao longo da História do Ocidente.• Relacionar o pensamento dos principais pensadores com questões do âmbito profissional.• Diferenciar os principais conceitos de ética construídos dentro do pensamento ocidental.• Infográfico No Infográfico a seguir, você verá algumas informações sobre as diversas etapas da História da Filosofia, que se confunde com a da ética, pois os valores e modelos mudavam conforme as teorias filosóficas, sociais e econômicas. Com a descrição sucinta e acompanhada de momentos históricos, pode-se ter uma ideia de como pensavam os filósofos da época e como eles interferiam nas sociedades. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/5cabe110-c461-4959-b718-ba0f7641ffcb/58346012-336a-4c51-9b20-190afb0cac51.jpg Conteúdo do livro É imprescindível reconhecer os conceitos de ética no entremeio da História do Ocidente, a fim de construir uma linearidade de seus principais pensadores, na tentativa de fazer algumas correlações entre eles e o mercado profissional da atualidade. No capítulo História da Ética, do livro Ética, você verá os principais tópicos sobre as sociedades ocidentais e como elas foram adaptando seus costumes e valores, elaborando um conjunto de regras a serem seguidas. Boa leitura. ÉTICA Gisele Varani Revisão técnica: Wilian Junior Bonete Graduado em História Mestre em História Social Marcia Paul Waquil Assistente Social Mestre e Doutora em Educação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 E83 Ética [recurso eletrônico ] / Alessandro Lombardi Crisostomo... et al.; [revisão técnica: Wilian Bonete, Marcia Paul Waquil]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-455-7 1. Serviço social. 2. Ética. I. Crisostomo, Alessandro Lombardi. CDU 177 História da ética Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer um conceito do que significou a ética no entremeio da história do Ocidente. � Relacionar o pensamento dos principais pensadores com questões relevantes, no âmbito profissional. � Diferenciar os principais conceitos de ética construídos dentro do pensamento ocidental. Introdução É imprescindível reconhecer o conceito do que significou a ética no entremeio da história do Ocidente, a fim de construir uma linearidade de seus principais pensadores, na tentativa de fazer algumas correlações entre eles e o mercado profissional da atualidade. Neste capítulo, você conhecerá os principais tópicos sobre a história das sociedades ocidentais e como elas foram adaptando seus costumes e valores, fazendo com que elaborassem um conjunto de regras, sua ética. As sociedades e a ética ao longo do tempo Conhecer a história do pensamento humano, deslocada do tempo histórico, não dá a verdadeira extensão de todo o processo acontecido ao longo dos tempos. Na Grécia não foi diferente, pois os acontecimentos históricos burilaram as fases da construção da racionalização e serviram de base para todo o pensamento lógico a respeito da civilização humana ocidental. Atenas foi palco de muitas cenas relativas à introdução da ética e estudo das formas de vida em uma sociedade mais racional, humana e comprometida com o outro. Sobre o conceito de ética, diversos autores trazem o contexto de uma “[...] ciência normativa do comportamento humano com a tarefa de levar o indivíduo a fazer escolhas, traçar caminhos tendo em vista o bem, seja ele individual ou coletivo” (KARLA, 2011), o tão desejado bem comum, equilíbrio de uma comunidade. Essa construção de valores em relação à forma de agir e tomar decisões em sociedade, numa tentativa de evitar conflitos morais tendo como consequência a manutenção da ordem social e dignidade do comportamento humano, foi sendo realizada pelos moradores da comunidade ocidental e fez parte de um complexo movimento evolutivo, sendo retratado por pensadores na época e a aquiescência dos moradores ao longo dos tempos. Esse processo ocorrido com a sociedade ocidental foi uma construção, porém você pode ter a curiosidade de imaginar quando começou, quem ori- ginou as teorias, em que momento o homem parou para se preocupar ou debater questões conflitantes na busca de uma boa conduta, seja nas relações familiares ou comunitárias. Os diferentes sistemas ou doutrinas morais oferecem uma orientação imediata e concreta para a vida moral das pessoas. As teorias éticas não pretendem res- ponder à pergunta “o que devemos fazer?” ou “de que modo deveria organizar- -se a sociedade“, mas refletem sobre “por que existe moral?” “Quais motivos justificam o uso de determinada concepção moral para orientar a vida?”. As teorias éticas querem dar conta do fenômeno moral. Existem diferentes leituras do fenômeno moral (CORTINA; MARTINEZ, 2005. p. 07). A ética nasceu quando o homem começou a viver em sociedade, pois o seu comportamento (modus operandi), suas atitudes para com os outros, refletem ações baseadas numa ética do coletivo. Quando se compara o homem pré- -histórico com o da atualidade, verifica-se todo um percurso de milhares de anos em que foi evoluindo de uma época em que a sobrevivência da espécie era a preocupação mais premente, ou seja, nossos ancestrais pré-históricos se detinham em técnicas como o fabrico de ferramentas, domínio do fogo e os ritos mágicos, tudo para se defender da temível natureza. Nessa época, agir eticamente de forma correta era a manutenção coletiva da vida, não dispunham de regras sobre como viver em comunidade. As ações eram construídas e praticadas conforme os desafios vinham surgindo (FERRÃO, 2015). A humanidade foi numa crescente busca por uma ética social. A reflexão filosófica sobre a ciência da moral, comportamentos éticos, eram constantes em todas as sociedades e culturas. Os valores morais foram se organizando História da ética38 com bases e princípios com sua própria personalidade (um ethos próprio). O Estado, os grupos sociais ou religiosos eram orientados por uma conduta ética, advinda da moral da sociedade vigente, sempre na busca da legitimação de um melhor convívio entre os pares (SILVA, 2009, p. 1). A civilização grega inicia a era clássica do pensamento em todas as esferas: filosófica, matemática, política, dramatúrgica, artística e poética. O teatro surge como palco de interrogações em que as reflexões do cotidiano e o amor pela sabedoria começam e surgem pensamentos mais elaborados, os pensadores iniciam suas teorizações acerca da vida e suas escolhas de felicidade. Para entender melhor o tema sobre a história da ética, leia a obra Convite à filosofia, de Marilena Chauí, que apresenta os pensamentos dos autores da antiguidade até a atualidade, em um texto linguagem coloquial. A tragédia grega: ética na Idade Antiga e os detentores da sabedoria Na era pré-socrática (século V a.C.) surge um movimento intelectual de um grupo de pensadores gregos que se consideravam mestres/sábios. Eles detinham o conhecimento, cobravam para ensinar a arte de convencer, expor, argumentar ou discutir velhas tradições/verdades e normas universalmente válidas. A tragédia grega foi o primeirogênero teatral que surgiu na Grécia. [...] na tragédia os personagens não eram pessoas comuns, como apareceriam nas comédias [...]. As tragédias eram textos teatrais que apresentavam histórias trágicas e dramáticas derivadas das paixões humanas as quais envolveriam personagens nobres e heroicas: deuses, semideuses e heróis mitológicos. Todas elas possuíam uma característica comum: tensão permanente e o final infeliz e trágico. Segundo o filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) a tragédia era um gênero maior capaz de transmitir nas pessoas as sensações vividas pelas personagens. Esse processo, definido por ele como “catarse”, acontecia com o público que assistia à peça como forma de purificação e/ou purgação dos sentimentos. Em outras palavras, a catarse representava uma descarga de sentimentos e emoções provocados pela tragédia (TODA MATÉRIA, 2018, documento on-line). 39História da ética Para compreender melhor a construção das teorias a respeito da ética no período da Antiguidade na Grécia, cabe trazer a contextualização histórica, pois nessa época a população grega tinha uma ligação muito próxima com a arte literária. O teatro, principalmente após o surgimento do gênero tragédia, serviu a interesses políticos dos governantes para doutrinar, educar, entreter e até mesmo formar o homem grego. Os setores dominantes se aproveitaram dessa forma de teatro, que originalmente foi dedicada ao deus Dionísio, e assim foi sendo formado um novo povo grego, menos religioso e mais politizado. A nova Atenas começando a democracia precisava de um novo grego, esse preparado para administrar a estrutura social vigente, e assim a tragédia servia ao seu expediente pedagógico (SOUZA; MELO, 2011). O trio de ouro da filosofia: a ética da era do ser Surge na Idade Antiga a fundamentação teórica com o objetivo de melhorar a convivência das pessoas e melhorar seu modo de vida. Essas teorias foram influenciadas pelos fatos históricos acontecidos e com o passar dos anos precisaram ser reformuladas. Nesse tempo acontece o questionamento por parte de pensadores gregos sobre as relações do homem com o mundo e a concretude da linguagem e pensamento ocidental (PENASSO, 2016). Vários filósofos fizeram parte desse estudo, dentre eles, destacaram-se: � Sócrates: “Uma vida sem busca não merece ser vivida” (REALE; ANTISERI, 2003). É considerado por muitos autores como o pioneiro na reflexão sistematizada, crítica sobre a ação humana e suas atitudes perante a si e ao próximo. Embora não tenha escrito nenhum livro, sua obra foi perpetuada por questionamentos acerca do que seria a virtude (areté), e a definia como a ação correta, meritória. Era o filósofo grego que se baseava no conhecimento, que concebia a virtude como modo de atingir a felicidade da alma. Para ele “a excelência humana se revela pela atitude de busca da verdade”, ou seja, as virtudes podem ser transmitidas e os vícios eram vistos como formas de ignorância. O diálogo e a introspecção – o conhecimento – seriam bases para a busca da verdade e quem agisse mal seria um ignorante. A busca da perfeição do bem seria o propósito de vida do homem. O filósofo acreditava numa perfeição nata no humano, não necessitando de nenhum aprimoramento, somente deixando-a florescer. � Platão: “Quem é capaz de ver o todo é filosofo; quem não, não” (REALE; ANTISERI, 2003). Discípulo de Sócrates, reelabora as teorias do mestre História da ética40 por meio do método da dialética, que consiste num diálogo e pautado pela busca da verdade, com a visão política do que entende por felici- dade e convívio harmônico da sociedade. Iniciador do formato de uma nova educação para a Grécia, monta a Academia, local de estudos de matemática, filosofia, botânica, medicina e filosofia, e aceita mulheres também, o que era raro para a época. Para descrever o que acreditava, o pensador escreve o livro A República. Para ele o Estado perfeito é constituído por três funções determinadas, sendo os governantes os responsáveis pela administração, controle e organização da cidade; os militares seriam os defensores, os guardiões da cidade e por último os responsáveis pela produção, desenvolvimento das atividades econômicas seriam os camponeses e artesãos. Ao categorizar cada um dos respon- sáveis por cada etapa da pólis (cidade grega), todos teriam uma ou mais virtudes acompanhando o trabalho, ou seja, a prudência e a sabedoria seriam virtudes dos governantes; os guardiões seriam regidos pela fortaleza ou coragem e os produtores pela moderação ou temperança. Era associado a cada um dos responsáveis dimensionar a capacidade de raciocinar com decisão e coragem mesmo quando em conflito entre os instintos e razão por meio da justiça. Platão acreditava na teoria de que o homem bom é um cidadão, ou seja, a vida moral está inserida na coletividade e a ética está ligada à organização política. � Aristóteles: foi discípulo de Platão, porém rompe com esses ensinamen- tos e desenvolve o seu próprio sistema, rejeitando a teoria das ideias de Platão e o dualismo mais racional. Ele valorizava o saber empírico e a ciência natural, acreditava que exercitar a virtude seria uma forma de alcançar a felicidade, pois ela representava a razão e a verdade interliga- das. Foi o primeiro filósofo que elaborou tratados falando basicamente em ética no livro A ética a Nicômaco, uma carta ao seu filho em que ele questiona o viver, sendo a felicidade uma autorrealização. Com isso, ele o significado de felicidade como um bem perfeito, sempre atrelada à compreensão dos conhecimentos, pois Aristóteles acreditava que a ética não poderia ser desvinculada da vida social, política e para isso as paixões seriam dominadas em detrimento dessa relação amável e satisfatória com o mundo natural. O filósofo acreditava que a virtude precisava ser desenvolvida, cultivada e com isso ele teria o poder da escolha de praticar boas ações. O hábito da escolha racional pelo bem traria a autonomia das atitudes positivas para a sociedade toda. Mar- condes (2001, p. 40) relata que a visão do processo de conhecimento é mais linear do que a de Platão, pois ele entendeu o mesmo como uma 41História da ética progressão em que a análise fazia parte e, assim, a cada etapa vencida se chegaria à teoria, à ciência propriamente dita. Ele traçou uma sequên- cia em que primeiramente teria uma sensação (aisthesis), memória (mnemósine), depois a experiência (empeiria), arte (técnica - téchne), resultando em teoria/ciência (episteme). Atenas em decadência política: a ética no período helenista Todo o construto de abundância econômica, regime político e evolução da sociedade durante os séculos de grande império fez do homem grego um amante da liberdade, quando perguntava o conceito de felicidade a resposta era ser livre. A noção de autarcia (autárkheia = capacidade de bastar-se a si mesmo, de não depender dos outros) do cidadão grego, em que ele desfruta de liberdades de escolha no âmbito político, religioso e pode deslocar-se a qualquer parte do mundo conhecido, um cosmopolita. Surge então o conceito de helenismo (os gregos se autodenominavam helenos), em que a cultura é disseminada pelo mundo ocidental e se torna modelo para os romanos e demais povos. Porém, com as guerras entre Atenas e Esparta foi enfraquecendo o império e a Macedônia foi fortalecida. A cultura clássica grega foi sofrendo considerável modificação a partir do século IV a. C. até o século V d. C. e com isso o grego precisou se reinventar. Observe a seguir a trajetória histó- rica do helenismo e seus representantes mais expressivos, além de algumas particularidades. Nesse período, quatro visões diferentes sobre a forma de viver o mundo grego foram criadas: o cinismo, o ceticismo, o hedonismo e o estoicismo (MARCONDES, 2001). Surgiram diversas teorias helenísticas e todas chegaram a um consenso de que a felicidade dependia da tranquilidade interior (AQUINO, 2012). � O cinismo: linha de pensamento lideradapelo filósofo Diógenes, demonstra que a natureza coloca à disposição tudo o que realmente seria necessário para a felicidade humana. Eles defendiam a abolição de todas as normas, como a liberdade sexual, e acreditavam que o Estado, as leis, o dinheiro, propriedade, o casamento, afastariam o homem da felicidade. � O ceticismo: Marcondes (2001, p.108) descreve como uma doutrina com vistas à busca da tranquilidade da alma, pois a principal tese é a de que para alcançar a tranquilidade é preciso controlar o desejo de ter certezas absolutas. Há a ideia de que o homem não possui a capacidade História da ética42 de alcançar certezas. Eles acreditavam em três princípios fundamentais para a tranquilidade, ou seja, havia uma busca do meio termo para a obtenção da imperturbabilidade (ataraxia) e posterior felicidade (eudaimonia): a apraxia (inação), a aphasia (ausência de discurso) e a apathia (insensibilidade frente ao prazer e à dor). � Epicurismo: escola fundada em Atenas por Epicuro (306 a.C.), valorizava a inteligência prática, considerava não existir conflito entre razão e paixão. O prazer (hedoné) era valorizado como natural, porém com moderação e austeridade. A ética epicurista é baseada na ideia de que o prazer é um bem a ser buscado pela ação virtuosa. Epicurismo é uma ética hedonista, isto é, uma explicação da moral como busca de felicidade entendida como prazer, como satisfação de caráter sensível. Para Epicuro, o sábio é aquele capaz de calcular corretamente quais atividades proporcionam maior prazer e me- nor sofrimento. Trata-se de calcular a intensidade e a duração dos prazeres. Portanto, as duas condições para saber ser sábio e feliz são o prazer e o entendimento reflexivo para ponderar os prazeres (CORTINA; MARTINEZ, 2005). � Estoicismo: considerada a mais universalista das escolas helenísticas e, ao contrário dos epicuristas, não concorda com a tese de que não se deve sentir dor, pois consideram essencial a compreensão de que há situações em que sentir dor é inevitável e nada controlável, pois não dependeria do sujeito e sim de algo maior, uma lei universal previdente. A filosofia estoica está embasada em duas hipóteses, uma em que tudo no universo seria dotado de razão e e outra em que não há nada no uni- verso que não seja de matéria. O universo seria um grande organismo, com alma racional, ou seja, teria um sopro vital, uma razão cósmica, cuja ordem serviria de orientação para o comportamento humano. Foi baseada no Determinismo, que promove a aceitação de que todos os acontecimentos seriam guiados por um plano e uma razão superior. Esses estudos não ficaram só no plano filosófico, na área das ciências eles também influenciaram ao dizer que a matéria viva seria comandada por algo além de seu conjunto de células. A ética estoica considera sábio aquele que possui liberdade interior e tranquilidade em sociedade, pois acreditam que há uma razão universal para que tudo aconteça e deve se manter imperturbável. Para eles “[...] o bem supremo é viver de acordo com a natureza, sem se deixar levar por paixões ou afetos” (LAISSONE; AUGUSTO; MATIMBIRI, 2017, p. 15). 43História da ética A Idade Média: Deus, Igreja e Bíblia no comando A partir do século IV, a expansão do Império Romano, que anteriormente havia acolhido o modelo grego de governança, vai se modificando pelo surgimento do cristianismo e sua institucionalização como religião oficial do Estado. O ceticismo foi se exaurindo tomando lugar a religiosidade cristã na Idade Média. A civilização grega estava vivendo uma ruína econômica e política, resultando na hegemonia dos romanos e então a religião cristã se cristaliza como sustentáculo da sociedade da época. Os valores morais do cristianismo serão a base e parâmetro para a regulação da sociedade. Diferentemente do período grego, em que a referência de moral era a pólis (Aristóteles) ou o universo (estoicos e epicuristas), agora Deus assume a primazia e tudo é orientado para ele. Os processos da ética filosófica de Platão e Aristóteles sofrem um processo de cristianização pelos teólogos Agostinho e Tomás de Aquino. A partir de então, a plena realização assume outra forma de ser da vida cotidiana e assume outra ordem. Uma nova conceituação surge então por meio de três expoentes: estrutura do agir ético, estrutura da vida ética e a realização da vida ética (SILVA, 2009, p. 03). “Ninguém pode atravessar o mar deste século se não for carregado pela cruz de Cristo.” Agostinho (REALE; ANTISERI, 2003, p, 84). A filosofia medieval levou aproximadamente dez séculos, pois iniciou no final do período helênico (entre os séculos IV e V) até o Renascimento e o início do pensamento moderno (final do século XV). Nesse período, as relações do homem são relacionadas às coisas de Deus, a salvação da humanidade é para o outro mundo, o Divino, e o todo poderoso é agora um ser mais próximo, onisciente e bom. Os mandamentos são retomados com mais rigor, neces- sitando obediência e sujeição, tornando-se imperativos na ordem humana das sociedades. A essência da felicidade se torna a contemplação a Deus, o amor humano se subordina ao divino e o sobrenatural alcança a primazia sobre a ordem natural humana. A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval (CHAUÍ, 2010, p. 54). História da ética44 Laissone, Augusto e Matimbiri (2017) relata que nesses conflitos históricos acontecidos, com a religião se entremeando na política, o cristianismo se faz filosofia na Idade Média, a fé e o dogma são utilizados para esclarecer e justificar as questões que derivam do conhecimento humano e suas relações com o outro. A teologia assume um papel preponderante na época e a ética fica limitada à religião e seus dogmas cristãos. Os principais representantes desse período são Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1226-1274). Chauí (2010) infere que um dos temas mais constantes na ética da idade Média é prova da existência de Deus e da alma, ou seja, demonstrações racionais da existência do divino, do sobrenatural. � Agostinho de Hipona: bispo africano e filho de um soldado romano, acredita que a elevação até Deus que culminaria no êxtase místico que ele chama felicidade não pode ser adquirido neste mundo. Ele traz a o processo de contemplação como o mais adequado para uma vida plena e valoriza a experiência pessoal da interioridade, do subjetivo. Filósofo que revisita e se apropria dos conceitos neoplatônicos (uma releitura de Platão feita por Plotino e Porfírio, século VI) para ratificar a ideia do Deus único, sua fé e a subordinação do Estado e política pela autoridade da Igreja. Na verdade, Agostinho escreve sobre a supremacia da fé, revelada por Deus e que considera o ideal ético o da vida espiritual, uma vida de amor e fraternidade. Ele defendia que a filosofia antiga era uma preparação para esta que seria perfeita, pois a antiga preparava para a alma, mas de forma limitada pois não englobava a vida sobrenatural, do divino. Ele também reafirma que a moral deve ajudar uma pessoa a conseguir vida feliz, mas faltava aos filósofos anteriores o “encontro amoroso com o pai” (CORTINA; MARTINEZ, 2005). O catolicismo alterou profundamente o que se entendia por ética até então, há a divisão da felicidade conhecida anteriormente pela racionalização do mundo trazendo para a que só pode ser alcançada pela vontade de Deus. A máxima grega anterior ao cristianismo que era fazer ao outro o que queres para ti foi modificada e mesmo assim utilizada pelos cristãos, tendoo cuidado de escrever algumas novas práticas, tais como renunciar ao prazer e satisfação de qualquer espécie. O que antes fazia parte do comportamento moral e trazia o bem-estar tanto pessoal como coletivo na busca da perfeição, agora é tido como pecado da vaidade e o martírio (valorização da dor em nome da fé) era uma ferramenta utilizada para terminar com essa vida mundana (RAMOS, 2012). 45História da ética � Tomás de Aquino: assim como Agostinho, ele também fez uma releitura do pensamento grego (Aristotélico) e reafirmou a subordinação da razão pela fé, em que haveria um justo equilíbrio divino. Porém, diferente- mente de Agostinho, ele acreditava que “[...] os princípios comuns da lei natural não podem ser aplicados do mesmo modo indiscriminadamente a todos os homens, devido à grande variedade de raças, costumes e assuntos humanos; por isto, existe a diversidade das leis positivas nos diversos povos” (RAMOS, 2012, p. 7). Tomás de Aquino foi considerado um gênio metafísico e um dos maiores pensadores de todas as épocas e acreditava que o “[...] homem é formado por uma natureza racional, uma natureza que tem a capacidade de conhecer e de escolher livremente e é nessa capacidade de escolha que está a raiz do mal, que é a ausência do bem” (MARCONATTO, 2018a, documento on-line). Ética moderna: ruptura com a Igreja Católica e retomada da autonomia moral do indivíduo Nos séculos XVI a XVIII a sociedade europeia ocidental sofre uma série de transformações, os feudos foram se organizando em Estados Nacionais (Ho- landa, França, Inglaterra), ocorre a Revolução Francesa, Industrial, além do início do processo de ruptura entre Estado e Igreja Católica, enfraquecimento esse surgido pelo movimento protestante e a Reforma com Lutero. Com todas essas mudanças, o mundo ocidental já não tem as mesmas características, pois surgem novas relações capitalistas de produção e forças produtivas na ordem econômica, a ciência vai se constituindo com mais efetividade por meio de descobertas por cientistas como Copérnico, Galileu e Isaac Newton, por exemplo, e uma nova classe social, a burguesia, surge entre a realeza e a plebe. Todas essas alterações socioeconômicas vão produzindo uma nova ética para essa comunidade emergente. A busca da felicidade coletiva retoma o sentido grego de realização plena do cidadão vinculando-o à política, o Estado entra como um fomentador e garantidor de condições providenciando educação, direitos individuais, justiça e subsistência. A ética é novamente pensada para que o sujeito se aprimore por meios legítimos e os preceitos religiosos que na Idade Média pautavam toda a consciência moral perdem força no retorno da teoria da ética “universalizando e discutindo princípios de convivência em sociedade” (LAISSONE; AUGUSTO; MATIMBIRI, 2017, p. 17). Góes (2014) relata que as teorias sobre a sociedade laica em que ser moral e ser religioso não são excludentes foram estudadas pelo jurista Marcílio de História da ética46 Pádua. Essa tese corroborou com o movimento Iluminista, que tinha em sua base a exaltação da natureza humana, o conhecer e o agir à luz da razão e, por isso, traz três justificativas para as normas morais da época que se baseariam em leis naturais, de interesse (teses empiristas que explicam a ação humana) e na própria razão (Kantiniana). Já Borges Filho (2011, p. 12), em sua resenha em Filosofia moderna, de Marilena Chauí, infere que Os modernos, especialmente após Descartes, admitem que há apenas três substâncias: a extensão (que é a matéria dos corpos, regida pelo movimento e pelo repouso), o pensamento (que é a essência das ideias e constitui as almas) e o infinito (isto é, a substância divina). Essa alteração significa apenas o seguinte: uma substância se define pelo seu atributo principal que constitui sua essência (a extensão, isto é, a matéria como figura, grandeza, movimento e repouso; o pensamento, isto é, a ideia como inteligência e vontade; o infinito, isto é, Deus como causa infinita e incriada). Mesmo que novas ideias tenham sido agregadas na sociedade moderna (nesse caso eurocentrista), o fato de aceitar que uma pessoa mesmo sem crer em Deus possa ter ética foi um avanço muito grande para os valores da Idade Média. O racionalismo cartesiano de Descartes e criticismo de Hume foram representações do reconhecimento dos princípios e valores da capacidade humana (FRITZEN, 2013). Para conhecer alguns pontos do pensamento des- ses autores, vamos aos que, de alguma forma (mesmo não sendo da ética/ filosofia), pensaram sobre o comportamento humano da época. Foi um mo- mento de retomada das atividades culturais, artísticas e sociais voltadas para o humano, principalmente na Europa pós Idade Média (Iluminismo) e com isso, as mudanças nos padrões de comportamento foram sentidas e trazidas à luz da filosofia. As ciências foram descortinando novos rumos ao homem e o individualismo foi se exacerbando. � Descartes: embora ele não tenha concebido seus estudos para a ética, remete ao conceito de uma ética racionalista, uma dúvida sobre a na- tureza humana, Deus e o universo. Ele entendia que o cidadão estava vinculado ao direito e às necessidades do Estado numa perspectiva de refletir e tomar decisões sob pena de entregar-se ao azar (RAMOS, 2012). O chamado racionalismo cartesiano caracteriza-se pela razão como caminho para a verdade com método para distinguir e comparar com discernimento, é o início do método do saber científico. 47História da ética � David Hume: esse filósofo escocês é conhecido por rejeitar todo sistema ético que não se baseie em fatos ou observações, um cético. Foi consi- derado o fiel da balança entre as ideias dos pensadores da Antiguidade/ Idade Média e dos contemporâneos, porque dava ênfase da ética e a justiça serem úteis socialmente para adequação comportamental do homem. Ele introduziu a crítica nas discussões sobre o determinismo nas decisões humanas e a aplicação do bem à coletividade, pois para ele a única base para as ideias gerais seria a crença. Ele não acreditava em verdades absolutas, para ele “[...] recorrer à razão significa recusar a imposição religiosa” (FRITZEN, 2013). Já Cortina e Martínez (2005, p. 10), relatam que Hume delegava as funções morais a faculdades menos importantes do que a razão, pois para ele juízos morais não eram tão importantes como a razão. As ações morais eram orientadas pelos sentimentos, pelas paixões orientadas para atingir finalidades propostas pela racionalidade. � Baruch (Benedito) Espinosa: “Tudo aquilo que existe, existe em Deus, e nada pode existir ou ser concebido sem Deus” (GIOVANNI; ANTISERI, 2005, p. 20). Foi um filósofo holandês que discordou de algumas afirmações de Descartes e escreveu o livro Ética: demonstrada pelo método geométrico. Mesmo sendo comportamental a teoria, já no subtítulo traz à tona a preocupação com a racionalidade e o rigor, a necessidade da clareza com o poder argumentativo para o conhecimento humano. Marcondes (2012) infere que ele traz o conceito de Deus como um representante máximo da natureza em si, ou seja, só Deus pode satisfazer o humano perfeitamente, mas não numa ótica religiosa e sim metafísica, de maneira transcendental. Ele inicia uma reflexão que mais tarde virá a ser concebida como teísmo, ou seja, concepção filosófica e não religiosa de Deus. A razão continua como base para a concepção do modus operandi do homem, mas ela é demonstrada de maneira rigorosa, geométrica em que o bom e o mau seriam analisados conforme juízos racionais. � Thomas Hobbes: inglês, morreu em 1679, foi matemático, filósofo e teórico político (MENDES, 2018). Autor do livro Leviatã, em que expõe seus pensamentos sobre a necessidade de governos e sociedades e a natureza humana. Ele explana que embora os homens sejam diferentes, uns mais fortes e/ou inteligentes, nenhum se aventura a ficar muito acima dos outros por medo da exposição, de que lhe façam mal. � Immanuel Kant: foi umfilósofo muito contundente na questão do tra- tamento dos seres humanos, pois ele acreditava que o homem era o fim História da ética48 de tudo e nunca meio para satisfação de interesses. O dever era premissa básica para o homem chegar ao bem comum, pois ele dizia que: não existe bondade natural. Por natureza somos egoístas, ambiciosos, des- trutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais (CHAUÍ, 2010, p. 345). � Já Ferreira (2015) diz que o filósofo foi o maior expoente do iluminismo, informando ser autônoma a ação moral, pois segundo Kant o ser humano seria o único capaz de determinar sua conduta a partir de leis que o pró- prio cidadão estabelece. Mesmo que eles contestem as leis, as atitudes, buscam valores comuns à humanidade, pois admitem as diferentes etnias, costumes dos povos. Ele traz três premissas e as chama de imperativo categórico, em que nós teríamos o dever de nos atermos a essas máximas para a correção de nossas ações e seguirmos a lei moral da sociedade. A passagem da Idade Moderna para a contemporânea, sua cronologia, não é unanimidade entre os historiadores, porém, fica a certeza de uma época em que floresceu a forma de ciência que conhecemos atualmente e também houve a hegemonia europeia em que ela conheceu seus dias de glória, principalmente a França com arte e cultura. A partir de então ocorre uma modificação no poder e entra em cena o continente americano, princi- palmente o norte-americano. A ética na contemporaneidade: ela existe ou resiste? Como a filosofia não tem a pretensão de seguir a cronicidade do tempo atual, muitos de seus pensadores retomaram antigas teorias e as reestudaram à luz dos novos tempos e surgiram muitas divisões. Assim, cada uma delas com seu grupo de filósofos unidos por afinidades refletindo essa gama da chamada “crise do homem contemporâneo”, pois essa crise se baseia nos contextos e acontecimentos da sociedade. Muitas revoluções aconteceram, tanto na área das ciências biológicas (origem das espécies de Darwin, física com Copérnico ou Einstein e sua teoria da relatividade, por exemplo), psicanalítica (a fundação da psicanálise por Sigmund Freud) e nas contradições desses novos tempos. O homem está mudando com todas essas transformações em sociedade e os teóricos das humanas se perguntam: será que é bom para o coletivo? (TODA MATÉRIA, 2018). 49História da ética A partir do século XIX, após significativas transformações na sociedade ocidental, os pensadores começaram a formular novas teorias acerca da razão humana, destoando de Kant com sua moral formalista do dever e abstraindo mais para uma universalização, um sujeito transcendental (FRITZEN, 2013). Esses filósofos contemporâneos, iriam na direção contrária do que os gregos e os da Idade Média, que acreditavam que havia um senso moral inato que geraria uma decisão de foro íntimo e espiritual. Estes novos modelos de pensamento trazem em seu bojo a crença de que a formação do caráter e personalidade dependeriam de diversos determinantes e de suas tendências culturais, ou seja, os aspectos socioculturais seriam fatores importantes na construção das relações humanas (SANTOS; TEIXEIRA; SOUZA, 2017). O entusiasmo dos pensadores nesse finalzinho de século XIX, com as ciências e técnicas descobertas, em crer que o saber científico e a tecnologia poderiam controlar a sociedade, os indivíduos e a natureza sofre um esfriamento no século XX, após as sucessivas ocorrências destruidoras e desumanas. O otimismo anterior, de pensar na vida pelo lado melhor, de que havia uma lei que condicionava para o bem e não para o mal, tudo foi sendo arrefecido. El Aouar (2013, documento on-line), em seu artigo “Aspecto da filosofia contemporânea”, exemplifica o ocorrido: As duas guerras mundiais, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração nazistas, as guerras da Coréia, Vietnã, Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras sangrentas da América Latina, a devastação de mares, florestas e terras, a poluição do ar, os perigos cancerígenos de alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e sofrimentos mentais, entre outros acontecimentos. A partir de então os filósofos começam a repensar o comportamento humano em sociedade e a “[...] acreditar que as ciências e as técnicas descobertas pelos homens já não eram mais para o seu próprio bem, e sim para destruição dele” (EL AOUAR, 2013, documento on-line). O sistema filosófico de Hegel é o último grande sistema da tradição moderna. Hegel coloca a história no centro de seu sistema, mostrando que o modo de compreensão filosófico é necessariamente histórico. Critica a filosofia de Kant por não se perguntar nem pela origem nem pelo processo de formação da consciência subjetiva, considerada de um ponto de vista formal e abstrato. Questiona a dicotomia kantiana entre razão teórica e razão prática, defen- dendo a unidade da razão. Em sua interpretação do processo de formação da consciência e da marcha do espírito até o saber absoluto, adota um método dialético (MARCONDES, 2005, p. 256). História da ética50 Para tentar entender a diversidade, vamos conhecer alguns representantes da filosofia contemporânea � Friedich Hegel: Herrero (2004) relata que o filósofo alemão, em plena Revolução Francesa, explana sobre a realização política e a liberdade plena do homem; ele traz o conceito universal de que o homem tem direitos políticos e de liberdade simplesmente pelo fato de ser humano, sem a necessidade de criar rótulo ou classificação (vale pelo que é e não por de onde veio ou a que etnia pertence, traz o conceito de economia política). Ele aprofunda a relação homem- -cultura-história, trazendo a ética para o centro das relações sociais. Ele acreditava que a harmonia entre os povos dependia da vontade subjetiva individual e a objetiva cultural, sempre a coletividade como reprodutora do conceito, ou seja, o homem sendo um sujeito histórico e social não poderia ser analisado individualmente, tendo à frente sua vontade política (“uma ação eticamente boa é politicamente boa”), o que contribuiria para o aumento da justiça social. O ideal ético dele estava em viver num Estado livre no qual a consciência moral e as leis de direito não estivessem separadas ou em contradição (SANTOS; TEIXEIRA; SOUZA, 2017). Afinal, na ‘Gaia Ciência’, o ‘louco’ de Nietzsche fica perplexo menos com a morte de Deus do que com a ignorância dos que o mataram. Gott ist tot, ‘Deus morreu’, e com que ligeireza e com que dar de ombros nós recebemos a terrível notícia e com que alívio nós nos desfazemos do jugo daquela antiga transcendência, daquele incomodo Absoluto: ‘agora poderemos fazer o que quisermos’, é o que nos insinua a nossa leviandade ‘pós-moderna’, pouco propensa a suportar a dor daquela nova verdade. Entramos, assim, na região sombria, mas não necessariamente tormentosa do niilismo ético (DRAWIN, 1991, p. 2). O niilismo é a crença de que todos os valores são sem fundamento e que nada pode ser conhecido ou comunicado. Muitas vezes é associado ao pessimismo extremo e a um ceticismo radical que condena a existência. Um verdadeiro niilista não acredita em nada, não tem lealdades, e sem nenhum outro propósito além de, talvez, um impulso para destruir (PRATT, 2018). 51História da ética � Nietzsche: filólogo formado pela Universidade de Bohn, na Alemanha, foi enorme influenciador da filosofia ocidental e da história intelectual. Ensaísta e crítico cultural, escrevia sobre moral, linguagem, estética, história, niilismo, poder, consciência e o real significado do homem na existência. Wilkerson escreve que para ser um humano exemplar é preciso elaborar sua própria identidade por meio da autorrealização sem depender de algo transcendental como Deus ou outra forma de crença que não a si mesmo.
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