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Programa de Educação Continuada a Distância Curso de Farmacologia de antibióticos, antifúngicos e antivirais Aluno: EAD - Educação a Distância Parceria entre Portal Educação e Sites Associados 2 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Curso de Farmacologia de Antibióticos, Antifúngicos e Antivirais MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. 3 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores SUMÁRIO MÓDULO I Introdução Bactérias: definição e princípios gerais Antibioticoterapia Resistência bacteriana aos antibióticos MÓDULO II Farmacologia dos antibióticos Agentes que interferem na síntese ou na ação do folato Agentes que interferem na síntese de peptidoglicano Agentes que afetam a síntese de proteínas bacterianas Agentes inibidores da função do DNA Agentes que alteram a permeabilidade da membrana celular MÓDULO III Fungos e infecções fúngicas Agentes antifúngicos sistêmicos Agentes antifúngicos sistêmicos para infecções mucocutâneas Agentes antifúngicos tópicos Novas terapias antifúngicas potenciais MÓDULO IV Vírus e princípios gerais da virologia Farmacologia dos agentes antivirais Agentes anti-herpesvírus e anticitomegalovírus Agentes anti-influenza 4 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores MÓDULO V Visão geral da infecção pelo HIV Ciclo de vida do HIV Princípios da terapia com antirretrovirais Fármacos antirretrovirais Inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa (INTR) Inibidores não-nucleosídicos da transcriptase reversa (INNTR) Inibidores de protease Perspectivas na terapia Anti-HIV 5 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores MÓDULO I Introdução Neste curso de Farmacologia dos Antibióticos, Antifúngicos e Antivirais abordaremos o mecanismo de ação, as propriedades farmacocinéticas, os efeitos colaterais e as contraindicações dos fármacos utilizados no tratamento das infecções ocasionadas por micro-organismos. Para tanto, iniciaremos este curso com uma breve introdução sobre as principais particularidades destes agentes. Também conhecidos como micróbios ou germes, são as formas de vida que originalmente só poderiam ser vistas com auxílio de um microscópio óptico e/ou eletrônico. Elas incluem as bactérias, fungos, vírus, protozoários e algas unicelulares. Embora microscópios e associados às doenças causadas por eles nas plantas e nos animais, os micro-organismos são de extrema importância para a vida do planeta. Na verdade uma parcela muito restrita corresponde aos causadores das doenças humanas, animais e vegetais. A tabela a seguir mostra alguns dos benefícios que os micro-organismos trazem para o homem e para o planeta: GRUPO IMPORTÂNCIA Bactérias - Produtores de antibióticos e antifúngicos - Fixadoras de nitrogênio - Controle biológico - Produtores de alimentos: iogurte - Produtores de ácidos e vitaminas - Sintetizadores de hormônios por engenharia genética Algas - Fotossintetizantes Vírus - Controle biológico - Engenharia genética (vetores de terapia genética) Micro- organismos marinhos - Base da cadeia alimentar Fungos - Produtores de alimentos: queijos, cerveja, pão, vinho, rum, uísque. - Produtores de antibióticos e antifúngicos - Maiores decompositores do planeta - Controle biológico 6 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Microbiologia Os micro-organismos são objetos de estudo da Microbiologia (do grego mikrós, que significa pequeno + bíos, vida + lógos, estudo). A expansão desta ciência se deu pela descoberta do químico francês Louis Pasteur. Por volta de 1850, o cientista foi procurado para ajudar a solucionar um problema relacionado à qualidade dos vinhos. Analisando amostras de vinhos de alta e baixa qualidade, observou que havia micro-organismos diferentes nos lotes. Pasteur acreditava que estes eram responsáveis por essas características. Buscou, então, eliminar os micro-organismos existentes no suco de uva, que seria usado para a produção do vinho através do aquecimento. Posteriormente introduziu uma amostra de vinho de boa qualidade e consequentemente os micro-organismos nele existentes. O processo de aquecimento e imediato resfriamento do suco resultaram na eliminação dos micro- organismos preexistentes sem perder as características da bebida. Pasteur inoculou o suco com o vinho de alta qualidade buscando provê-lo dos micro-organismos que transformariam o açúcar em álcool, processo conhecido como fermentação, obtendo então um vinho com a mesma qualidade. O método de aquecimento e resfriamento ficou conhecido como pasteurização e é amplamente empregado na indústria alimentícia até hoje. Pasteur, na mesma época trabalhou com uma doença que dizimava os gados na Europa, conhecida como antraz. Para muitos cientistas da época era inaceitável a ideia de que as doenças fossem causadas por seres invisíveis. Além de Pasteur, o médico alemão Robert Koch acredita que os micro-organismos eram causadores de diversas patologias. Koch descobriu que o agente causador do antraz era uma bactéria em forma de bastão. O médico também é reconhecido pela descoberta do micro-organismo responsável pela tuberculose, doença devastadora do século XIX. Utilizando-se das melhorias da microscopia e de técnicas de coloração, visto que muitos micro-organismos são incolores, juntamente com suas técnicas de inoculações e cultivo em meio de cultura, Koch conseguiu isolar a bactéria causadora da doença, vindo a receber o Prêmio Nobel, em 1905, por sua 7 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores descoberta. O século XIX e início do século seguinte foram extremamente importantes para o avanço da microbiologia. Muitos outros cientistas posteriormente contribuíram para a compreensão do universo dos micro-organismos e as consequentes aplicações destas descobertas na pesquisa, indústria e medicina. Um nome não menos importante foi o do microbiologista escocês Alexander Fleming, que pela sua descoberta quase acidental deu início à produção de drogas que combatessem os micro-organismos. A contaminação por bolor em algumas placas de Petri, nas quais ele cultivava bactérias, chamou sua atenção – nelas, ao redor do fungo, as colônias de bactérias não cresciam. Este estranho fenômeno levou a descobrir que o fungo ali instalado, o Penicillium notatum, liberava uma substância que inibia o crescimento dos outros micro-organismos. Surgia, então, a penicilina. Outros cientistas haviam anteriormente identificado e produzido substâncias com ação antibiótica, porém a descoberta de Fleming era um grande avanço, pois a produção da penicilina tornou-se rapidamente viável a partir de um organismo simples como um tipo de bolor. Muitas doençasde origem bacteriana puderam ser combatidas eficientemente com a nova substância. Micro-organismos e a Saúde Humana A primeira ideia que temos em relação aos micro-organismos e a nossa saúde são as doenças acarretadas por estes. Porém, é importante saber que nossa relação com esses seres é mais do que isso. Em nossa pele, cavidade oral, vias aéreas superiores, órgãos genitais e principalmente no aparelho digestivo apresentamos uma população ampla e diversificada de micro-organismos. Estima-se que na cavidade oral haja pelo menos 800 espécies. Nos intestinos as bactérias predominantemente do gênero Staphylococccus e Streptococcus formam a chamada flora intestinal, onde se aproveitam do local em que se encontram obtendo proteção e nutrientes e nos proporcionam alguns benefícios, como: a síntese de vitaminas K e do complexo B e auxílio no metabolismo de fibras e açucares que não somos capazes de metabolizar. Além disso, a competição com outros micro-organismos danosos ao nosso organismo garante a não proliferação nos protegendo de possíveis infecções. 8 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Quando, por alguma razão, os micro-organismos que se encontram harmonicamente em determinada região do nosso corpo pare em outra região, podem nos trazer problemas sérios. Assim como aqueles provenientes do ambiente externo, trazidos pela ingestão de água e alimentos contaminados, pelo ar, pelo contato com fluidos corporais de um indivíduo infectado, pela mordida e insetos ou animais. Há inúmeras doenças de origem microbiana, como abordaremos no decorrer deste curso. Cada grupo possui características e formas de ação diferentes importantes de se conhecer para iniciar uma terapia farmacológica eficaz. GRUPO PRINCIPAIS PATOLOGIAS Bactérias Cólera (Vibrio cholerae) Coqueluche (Bordetella pertussis) Escarlatina (Streptococcus pyogenes) Febre tifoide (Salmonella typhi) Gonorreia ou blenorragia (gonococo de Neisseria gonorrhoeae) Hanseníase ou Lepra (bacilo Mycobacterium lepra) Leptospirose (Leptospira interrogans) Meningite meningocócica (Neisseria meningitidis) Pneumonia bacteriana (Streptococcus pneumoniae) Sífilis (Treponema pallidum) Tétano (bacilo Clostridium tetani) Tracoma (Chlamydia trachomatis) Tuberculose (bacilo Mycobacterium tuberculosis) Fungos Candidíase vulvogenital, urogenital, oral (Candida sp.) Pitiríase versicolor (Malassezia spp) Vírus Hepatite B e C (Hepatitis B e C) Varicela (Herpes-zóster) Influenza (Influenza vírus) Herpes (Herpes simplex) AIDS (Vírus da Imunodeficiência Humana) Citomegalovírus (Herpes) 9 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Bactérias: Definição e Princípios Gerais A Bacteriologia é a ciência que estuda a morfologia, ecologia, genética e bioquímica das bactérias. As bactérias consistem em micro-organismos procariontes unicelulares de dimensões microscópicas de diâmetro de 0,2 a 1,5 µm e comprimentos de 1-6 µm. Podem ser divididas de acordo com a sua morfologia em formas esféricas (cocos), bastonetes (bacilos) e espiriladas (espirilos). Figura 1 – Morfologia das bactérias. (A) cocos; (B) bacilos e (C) espirilos. As bactérias podem estar dispostas entre si como: - cocos isolados; - diplococos = cocos aos pares, - estreptococos = cocos em cadeia - estafilococos = grupos de cocos irregulares A figura abaixo mostra de forma esquemática simplificada as principais estruturas de uma célula bacteriana. Figura 2 – Ilustração de uma célula bacteriana. (A) (B) (C) 10 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A célula bacteriana é circundada pela parede celular, que é essencial para o seu crescimento e desenvolvimento normais. O peptidoglicano é um componente heteropolimérico da parede celular, que proporciona estabilidade mecânica rígida em virtude da sua estrutura entrelaçada com alto índice de ligação cruzada. Esse componente é constituído de cadeias de glicano, que consistem em filamentos lineares de dois aminoácidos alternados (N-acetilglicosamina e ácido N- acetilmurâmico) com ligações cruzadas estabelecidas por cadeias peptídicas. A biossíntese do peptidoglicano implica cerca de 30 enzimas bacterianas e pode ser dividida em três etapas. A biossíntese do peptidoglicano implica cerca de trinta enzimas bacterianas e pode ser dividida em três estágios. Na primeira etapa, ocorre a formação do precursor difosfato de uridina (UDP)-acetilmuramil-pentapeptídeo, no citoplasma. Para completar a formação deste precursor é necessário o acréscimo de um dipeptídeo, D-alanil-D-alanina. A síntese deste dipeptídeo implica a recemização prévia da L-alanina e condensação catalisada pela D-alanil-D-alanina sintetase. Durante as reações da segunda etapa ocorre ligação do UDP-acetilmuramil- pentapeptídeo e da UDP-acetilglicosamina, com liberação dos nucleotídeos de uridina, formando um longo polímero. A terceira e última etapa consiste no término da ligação cruzada. Essa etapa é efetuada através de uma reação de transpeptidação que ocorre fora da membrana. A enzima transpeptidase está ligada à membrana celular. O resíduo de glicina terminal da fonte pentapeptídica liga-se ao quarto resíduo do pentapeptídico (D-alanina) de outro arcabouço, liberando o quinto resíduo (também D-alanina). 11 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Figura 3 – Reação de transpeptidase no Staphylococcus aureus. O peptidoglicano é exclusivo das células procarióticas e não tem nenhum correspondente nos eucariontes, conferindo à parede celular uma rigidez e proteção à célula bacteriana quando em meio hipotônico. Nos micro-organismos Gram- positivos a parede celular tem uma espessura constituída de 50-100 moléculas, ao passo que nas bactérias Gram-negativas é constituída de apenas uma ou duas moléculas. A figura a seguir ilustra a estrutura e a composição da parede celular das bactérias. 12 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Figura 4 – Comparação da estrutura e da composição das paredes celulares dos micro-organismos gram-positivo e gram-negativo. No interior da parede celular encontra-se a membrana plasmática, que se assemelha à da célula eucariótica, consistindo numa dupla camada de fosfolipídios e proteínas. Todavia, nas bactérias a membrana plasmática não contém qualquer esterol, podendo permitir a penetração diferencial de substâncias químicas. Funciona como uma membrana seletivamente permeável, dotada de mecanismos de transporte específicos para diversos tipos de nutrientes. A membrana plasmática e a parede celular formam, juntas, o envoltório. O citoplasma encontra-se no interior da membrana plasmática. Contém todas as proteínas solúveis, a maioria com funções enzimáticas, os ribossomos envolvidos na síntese de proteínas, todos os pequenos intermediários moleculares contidos no metabolismo e os íons inorgânicos. Ao contrário das células eucariontes, as bactérias não possuem núcleo; em vez disso há material genético na forma de um único cromossoma que encerra toda a informação genética da célula. Além da ausência de núcleo, as bactérias não apresentam mitocôndria e toda a energia produzida provém da membrana plasmática. 13 Este material deve ser utilizado apenascomo parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Além dessas estruturas essenciais algumas bactérias apresentam outros componentes, como uma cápsula e/ou um ou mais flagelos, porém uma estrutura adicional importante na terapia com antibióticos consiste na membrana externa, fora da parede celular, que é encontrada nas bactérias gram-negativas e que pode impedir a penetração de alguns agentes antibióticos. A membrana externa é composta por uma dupla camada lipoproteica formada por lipopolissacarídeos, lipoproteínas e porinas. A porção lipídica do lipopolissacarídeo está inserida na face externa da dupla camada e a porção polissacarídica exposta na superfície da célula bacteriana. As lipoproteínas contribuem para a fixação da membrana externa ao peptidoglicano através de uma ligação covalentemente. As porinas são moléculas de proteínas que formam poros de passagem através da membrana externa, envolvidos no transporte de moléculas. As reações bioquímicas que ocorrem na célula bacteriana envolvidas na sua formação e crescimento constituem alvos potenciais para ataque pelos antibióticos. Existem três classes principais de reações: - Classe I = utilização de glicose ou de alguma fonte de carbono alternativa para a produção de energia (ATP) e de compostos de carbono simples (como os intermediários do ciclo dos ácidos tricarboxílicos), que são utilizados como precursores na classe seguintes; - Classe II = a utilização da energia e dos precursores para produzir todas as pequenas moléculas necessárias: aminoácidos, nucleotídeos, fosfolipídios, aminoaçúcares e fatores de crescimento; - Classe III = organização das pequenas moléculas em macromoléculas: proteínas, RNA, DNA, polissacarídeos e peptidoglicano. As reações de classe I não representam alvos promissores devido não existir diferença significativa entre as bactérias e as células humanas quanto à obtenção de energia a partir da glicose, e mesmo que tal via fosse bloqueada, as bactérias poderiam utilizar uma grande variedade de outros compostos (aminoácidos, lactato, etc) como alternativa. Entretanto, as reações de classe II e III 14 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores constituem alvos melhores, visto que algumas vias das reações II não ocorrem nas células humanas e das reações III são alvos de toxicidade seletiva, já que cada célula deve produzir suas próprias macromoléculas, que não podem ser obtidas no meio ambiente e que as vias são exclusivas destes micro-organismos. Ao longo deste curso veremos que muitos dos mecanismos de ação dos antibióticos consistem nestas reações essenciais à célula bacteriana. Antibioticoterapia Seleção do antibiótico A seleção ideal e criteriosa dos antimicrobianos na terapia das doenças infecciosas exige discernimento clínico e um conhecimento detalhado dos fatores farmacológicos e microbiológicos. Infelizmente, a escolha de um antibiótico é feita de forma sem considerar o possível micro-organismo infectante ou as características farmacológicas do fármaco. Em geral, os antibióticos são utilizados de três maneiras gerais – como terapia empírica, como terapia definitiva e como terapia profilática ou preventiva. Quando usado como terapia “empírica” ou inicial, o antibiótico deve oferecer “cobertura” contra todos os patógenos prováveis, visto que o micro-organismo ou os micro-organismos infectantes ainda não foram identificados. Esse tipo de escolha é potencialmente perigoso tendo em vista que o diagnóstico pode ser mascarado se não forem obtidas culturas apropriadas antes do início da antibioticoterapia. Várias técnicas laboratoriais simples e rápidas para o exame dos tecidos infectados para a identificação imediata de bactérias consistem na análise da secreção infectada ou do líquido corporal por coloração pelo método de Gram1. Os testes deste tipo auxiliam a reduzir a lista de patógenos potenciais e permitem uma seleção mais racional da antibioticoterapia inicial. Uma vez identificado o micro- organismo infectante deve-se instituir a terapia antimicrobiana definitiva com 15 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores esquema de espectro estreito e baixa toxicidade para completar o tratamento. A indicação de um antibiótico deve preconizar a seletividade contra o agente infectante com menor grau de toxicidade ou reações alérgicas no indivíduo a ser tratado. 1 Técnica de difusão em disco = efetuado aplicando-se discos de papel de filtro comercialmente disponíveis, impregnados com uma quantidade específica do fármaco, a uma superfície de ágar sobre a qual foi espalhada uma cultura do micro- organismo. Após 18-24 h de incubação determina-se o tamanho da zona clara de inibição ao redor do disco. O diâmetro da zona depende da zona da atividade do fármaco contra a cepa do teste. O teste fornece informações qualitativas ou semiquantitativas sobre a sensibilidade de determinado micro-organismo a um antibiótico específico. Método de Gram = método de coloração de bactérias desenvolvido pelo médico dinamarquês Hans Christian Joachim Gram, em 1884, e que consiste no tratamento sucessivo de um esfregaço bacteriano, fixado pelo calor, com os reagentes cristal violeta, iodo, etanol-acetona e fucsina básica. Essa técnica permite a separação de amostras bacterianas em gram-positivas e gram-negativas e a determinação da morfologia e do tamanho das amostras analisadas. Esse método é baseado na capacidade das paredes celulares de bactérias gram-positivas de reterem o corante cristal violeta durante um tratamento com etanol-acetona enquanto que as paredes celulares de bactérias gram- negativas não o fazem. É um dos mais importantes métodos de coloração utilizados em laboratórios de microbiologia, sendo quase sempre o primeiro passo para a caracterização de amostras de bactérias. Para efetuar uma escolha apropriada do fármaco é essencial obter informações sobre o padrão de sensibilidade do micro-organismo infectante. Haja vista a ocorrência ampla de variações na sensibilidade de diferentes cepas da mesma espécie bacteriana aos antibióticos. Os testes mais comumente utilizados são os testes de difusão em disco, os testes de diluição em ágar ou caldo e os sistemas de testes automatizados. 16 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Figura 5 – Teste de difusão em disco utilizando discos de ampicilina e de vancomicina. Técnica de diluição = emprega antibióticos em diluições com concentrações seriadas em meios de ágar sólido ou caldo contendo uma cultura do micro- organismo que está sendo testado. A menor concentração do agente capaz de inibir um crescimento visível depois de 18-24 h de incubação é conhecida como concentração inibitória mínima (CIM). Sistemas automáticos = utilizam método de diluição em caldo. A densidade óptica de uma cultura do micro-organismo isolado em caldo, com incubação na presença de fármaco, é medida por densitometria de absorbância. A CIM é a concentração em que a densidade óptica permanece abaixo do limiar predeterminado de crescimento bacteriano. Figura 6 – Materiais utilizados nas técnicas de diluição (esquerda) e sistemas automáticos (direita). Profilaxia da infecção com antibióticos 17 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A grande maioria dosantibióticos é administrada mais para prevenir a ocorrência de infecção que para tratar alguma doença estabelecida. Essa prática é responsável por alguns dos erros mais flagrantes no emprego desses fármacos. A antibioticoprofilaxia é altamente eficaz em algumas situações clínicas, ao passo que, em outras, é totalmente desprovida de valor e pode, na verdade, ser deletéria. A profilaxia pode ser utilizada para proteger indivíduos sadios contra a aquisição ou a invasão de micro-organismos específicos aos quais estão expostos. Como exemplos têm o uso da rifampicina para evitar a meningite meningocócica em pessoas que têm estreito contato com um caso ou a prevenção da gonorreia ou sífilis após contato com uma pessoa infectada. Outro exemplo comum é a profilaxia utilizada para evitar uma variedade de infecções em pacientes submetidos a transplante de órgãos ou a quimioterapia para o câncer. Existem critérios estabelecidos para a seleção de fármacos específicos, bem como dos pacientes que devem receber profilaxia com antibióticos para vários procedimentos, como inserção de próteses, cirurgias cardíacas e neurocirurgias. O uso mais extenso e mais estudado deste tipo de prática consiste em prevenir as infecções da ferida após procedimento cirúrgico. As cefalosporinas são comumente empregadas nessa forma de profilaxia. Fatores farmacocinéticos considerados na antibioticoterapia Para se atingir a eficácia terapêutica com a utilização dos antibióticos é necessário avaliar diversos fatores farmacocinéticos e do hospedeiro. A antibioticoterapia deve ter por objetivo produzir concentrações antibacterianas do fármaco no local da infecção durante o intervalo entre as doses, objetivo alcançado com os princípios da farmacocinética2 e farmacodinâmica3 A localização da infecção pode, em grande parte, determinar a escolha do fármaco e a via de administração. A concentração mínima do fármaco atingida no local da infectado deve ser aproximadamente igual à CIM para o micro-organismo infectante, embora, na maioria dos casos, seja aconselhável atingir múltiplos dessa . 18 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores concentração, quando possível. O acesso dos antibióticos aos locais de infecção depende de múltiplos fatores. Um exemplo é quando a infecção está localizada no líquido cefalorraquidiano (LCR), o fármaco deve atravessar a barreira hematoencefálica, e muitos antimicrobianos, que são polares em pH fisiológico, o fazem precariamente; sendo necessário a escolha de um fármaco capaz de atravessar a barreira para que a infecção seja combatida. Tradicionalmente, a dose e a frequência de administração dos antibióticos têm sido selecionadas para obter uma atividade antibacteriana no local da infecção durante a maior parte do intervalo entre as doses. Essa atividade pode variar entre as diferentes classes de antibióticos. Por exemplo, a atividade antibacteriana dos β- lactâmicos depende primariamente do tempo, enquanto a dos aminoglicosídeos depende da concentração. A atividade pode depender também do micro-organismo específico e do local da infecção. 2 Farmacocinética = estuda o movimento dos fármacos no organismo. São consideradas as vias de administração, os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção. 3 Apesar de a administração oral ser preferida sempre que possível, recomenda-se habitualmente a administração parenteral de antibióticos a pacientes em estado grave, nos quais é preciso atingir concentrações previsíveis do fármaco. Os fatores inatos do hospedeiro podem constituir os principais determinantes não só para a escolha do fármaco, como também para a via de administração, posologia, Farmacodinâmica = estuda a ação do fármaco e o mecanismo desta ação no organismo. O conhecimento do mecanismo de eliminação dos fármacos em cada paciente também é essencial. Os agentes antimicrobianos e seus metabólitos são, na sua maioria, eliminados principalmente pelos rins. É preciso ter muito cuidado ao utilizar aminoglicosídeos em pacientes com função renal comprometida, visto que esses antibióticos são eliminados exclusivamente por mecanismos renais e sua toxicidade está relacionada com as concentrações elevadas no plasma e no tecido. Quanto aos fármacos que são metabolizados ou excretados pelo fígado (eritromicina, cloranfenicol, clindamicina), pode ser necessário reduzir as doses em pacientes portadores de insuficiência hepática. 19 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores risco e natureza dos efeitos adversos e da eficácia terapêutica. O estado funcional dos mecanismos de defesa do hospedeiro é de suma importância para a eficácia terapêutica dos antimicrobianos. A infecção em um hospedeiro imunocompetente pode ser simplesmente curada ao interromper a multiplicação dos micro-organismos (efeito bacteriostático). Quando as defesas do hospedeiro estão comprometidas, a atividade bacteriostática pode ser inadequada, sendo necessário um agente de efeito bactericida para se obter a cura. Os exemplos incluem a meningite bacteriana, em que as células fagocíticas são ineficazes e pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) apresentam respostas imunes celulares diminuídas, e a terapia para várias infecções oportunistas nesses pacientes é frequentemente supressiva, mas não curativa. A idade do paciente representa um importante determinante das propriedades farmacocinéticas dos antimicrobianos. Os mecanismos de eliminação, especialmente a excreção renal e a biotransformação hepática, estão pouco desenvolvidos no recém-nascido, sobretudo no prematuro. Os pacientes idosos também podem apresentar uma depuração menos adequada dos fármacos eliminados por excreção renal, devido à depuração reduzida de creatinina. Além disso, metabolizam os fármacos com menos rapidez, predispondo as concentrações elevadas e potencialmente tóxicas dos fármacos. Com frequência, os pacientes idosos têm mais tendência a sofrer toxicidade com concentrações de fármacos que normalmente seriam seguras, como no caso da ototoxicidade dos aminoglicosídeos. Os fatores de crescimento podem determinar um tipo de resposta ao fármaco. As tetraciclinas ligam-se avidamente por dentes e ossos em crescimento, acarretando em atraso do crescimento e pigmentação do esmalte dentário. É importante considerar certas anormalidades genéticas ou metabólicas quando se prescreve um antibiótico. Diversos fármacos (sulfonamidas, cloranfenicol) podem induzir hemólise aguda em pacientes com deficiência da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase. A gravidez pode impor um risco maior de reação a determinados antibióticos tanto para a mãe quanto para o feto. Assim, a perda da audição na criança tem sido 20 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores associada à administração de estreptomicina à gestante. Além disso, a gravidez pode comprometer a farmacocinética de vários antibióticos. A mulher em fase de lactação pode transferir os antimicroabianos ao lactente. As sulfonamidas, mesmo em pequenas quantidades presentes no leite materno, podem predispor o lactente ao desenvolvimento de kernicterus4. Os antibióticos, sobretudo os β-lactâmicos, são notórios por provocarem reações alérgicas. Pacientes com histórico de alergia tópica parecem ser particularmente suscetíveis ao desenvolvimento dessas reações. As sulfonamidas, o trimetoprima e a eritromicina estão associadas a reações de hipersensibilidade, sobretudo exantema. Uma história de anafilaxia (reação imediata) ou de urticáriae edema de laringe (reação acelerada) impedem o uso do fármaco, a não ser em situações extremas e potencialmente fatais. Pacientes com predisposição a convulsões correm os riscos de apresentar convulsões motoras graves ou localizadas enquanto estão recebendo altas doses de penicilina G. Casos de neurotoxicidade são relatados com o uso de penicilina e outros antibióticos β-lactâmicos em altas concentrações no líquido cefalorraquidiano. 4 kernicterus = termo usado patologicamente para descrever aumento de bilirrubina no gânglios da base, tronco cerebral e cerebelo; e clinicamente para descrever uma síndrome associada com hiperbilirrubina. Os sinais clínicos incluem: espasticidade muscular, olhar fixo na vertical, surdez e deficiência. A bilirrubina não-conjugada entra no cérebro e age como uma neurotoxina, geralmente em associação com condições que prejudicam a barreira hematoencefálica. Uso incorreto dos antibióticos A introdução de uma terapia com antibiótico deve ter como objetivo a utilização destes agentes com eficácia máxima. Entretanto, devido várias razões abaixo comentadas leva ao uso incorreto e excessivo desses fármacos: - Prescrições de antibióticos para tratamento de infecções não tratáveis, em que o estado patológico não responde à terapia com esses agentes. Exemplo: terapia antimicrobiana do sarampo e da caxumba, infecções de origem viral que não respondem a qualquer agente antibiótico disponível; 21 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores - Terapia da febre de origem determinada. O estado febril de duração curta (alguns dias a uma semana) na ausência de sinais localizados está geralmente associado a infecções virais em que a terapia antimicrobiana é desnecessária. A febre que persiste por uma a duas semanas, de origem não determinada, tem uma variedade de causas, das quais apenas cerca de 25% consistem em infecções. Algumas destas infecções, como a tuberculose, podem exigir tratamento com antibióticos que não são utilizados comumente na clínica. Como visto, em vez de prescrever uma terapia antimicrobiana empírica para a febre de causa desconhecida deve-se investigar a sua causa; - Erros de posologia são comuns e podem persistir com a administração incorreta ou no uso de uma dose excessiva ou subterapêutica. A administração excessiva de antibióticos pode resultar em toxicidade significativa. O uso de uma dose muito pequena pode levar em falha do tratamento e na probabilidade de ocorrer seleção de micro-organismos resistentes; - Falta de informação bacteriológica adequada. Metade da terapia antimicrobiana iniciada a pacientes hospitalizados é realizada sem dados microbiológicos, obtidos por meio de culturas bacterianas e coloração do material infectado pelo método de Gram. Tais resultados deveriam ser considerados na seleção e na aplicação da terapia farmacológica. Muitos dos agentes antimicrobianos prescritos são selecionados mais provavelmente por hábito que para indicações específicas, e as posologias utilizadas são rotineiras, e não individualizadas com base na situação clínica, na informação microbiológica e nas considerações farmacológicas como veremos neste curso. Resistência Bacteriana aos Antibióticos O desenvolvimento de fármacos eficazes e seguros para tratamento de infecções bacterianas resultou na redução da morbidade e mortalidade das doenças microbianas. Infelizmente, esse avanço dos agentes antimicrobianos tem sido acompanhado do aparecimento de micro-organismos resistentes a fármacos. Esse fato reflete o princípio evolutivo de que os organismos adaptam-se geneticamente a 22 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores mudanças no seu meio ambiente. Como o tempo de duplicação das bactérias pode ser de apenas 20 minutos, podem ser produzidas muitas gerações em apenas algumas horas, proporcionando uma ampla oportunidade para a ocorrência de adaptação evolutiva. O fenômeno da resistência impõe sérias restrições às opções disponíveis para o tratamento de muitas infecções bacterianas. A compreensão dos mecanismos envolvidos na resistência a antibióticos é importante tanto para o uso criterioso desses fármacos na prática clínica quanto para o desenvolvimento de novos agentes antibacterianos para vencer a resistência. A resistência a antibióticos nas bactérias dissemina-se em três níveis: - por transferência de bactérias entre pessoas; - transferência de genes de resistência entre bactérias (geralmente em plasmídeos); - por transferência de genes de resistência entre elementos genéticos no interior das bactérias. A mutação ocorre com a transmissão do caráter verticalmente às células- filhas. Para que a mutação seja bem sucedida na produção de resistência, não pode ser letal e não deve alterar significativamente o potencial infeccioso. Para que seja propagado, o mutante original ou a sua progênie devem ser transmitidos diretamente. Qualquer população grande de bactérias sensíveis a antibióticos provavelmente contém alguns mutantes relativamente resistentes ao fármaco. As mutações não constituem o resultado da exposição ao fármaco específico; na verdade, são eventos aleatórios que conferem uma vantagem seletiva à célula em caso de nova exposição ao fármaco. Em alguns casos, a ocorrência de mutação de uma única etapa resulta em elevado grau de resistência. Em outros, o desenvolvimento de mutantes resistentes pode exigir várias etapas, em que cada uma delas produz alterações apenas ligeiras na sensibilidade. Mais comumente, a resistência resulta por transferência horizontal determinantes de resistência de outra espécie bacteriana, por transferência de DNA através dos fenômenos de transdução, transformação ou conjugação. Essa transferência pode ser disseminada de forma rápida e ampla por propagação clonal 23 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores da própria cepa resistente ou por transferências genéticas adicionais da cepa resistente para outras cepas sensíveis. A transdução refere-se à aquisição de DNA bacteriano de um bacteriófago (um vírus que se propaga em bactérias), que incorporou o DNA de uma bactéria hospedeira anterior em seu revestimento proteico externo. Se o DNA bacteriano tiver um gene que confere resistência a fármacos, a célula bacteriana recém-infectada pode tornar-se resistente ao agente e capaz de transmitir o caráter à sua progênie. O método de transferência da informação genético denominado transformação envolve a captação e a incorporação do DNA que se encontra livre no ambiente para o hospedeiro por meio de recombinação. Os pneumococos resistentes à penicilina produzem proteínas de ligação às penicilinas (PLP) alteradas, que exibem baixa afinidade pela penicilina. A análise da sequência de nucleotídeos dos genes que codificam essa proteína alterada indica a presença de blocos de DNA “estranho” provenientes de uma espécie estreitamente relacionada de estreptococo que foram incorporados no gene residente das PLP. A passagem de genes de uma célula para outra por contato direto através de um pelo ou ponte sexual é denominada conjugação. Trata-se de um mecanismo extremamente importante para a disseminação da resistência aos antibióticos, uma vez que o DNA que codifica a resistência a múltiplos fármacos pode ser transferido dessa maneira. Esse mecanismo é comum entre bacilos gram-negativos e a resistência é conferida a uma célula sensível como evento único. Para que um antibiótico seja eficaz, ele deve atingir o alvo, ligar-se a ele e interferir nasua função. Entretanto, a instalação de resistência bacteriana compromete essa eficácia. A resistência a um antibiótico pode resultar em eventos divididos em três categorias gerais: O fármaco não atinge seu alvo. A ausência, mutações ou perda dos canais proteicos - porinas podem reduzir a taxa de penetração do fármaco na célula ou impedir por completo a sua entrada, reduzindo a concentração efetiva do fármaco no local-alvo. Se o alvo for intracelular e o fármaco exigir transporte ativo através da membrana plasmática, a ocorrência de mutação ou uma condição ambiental capaz 24 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores de anular esse mecanismo de transporte podem conferir resistência. A gentamicina é ativamente transportada pela membrana plasmática através da energia gerada pelas enzimas respiratórias que acoplam o transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa; a ocorrência de mutações numa enzima dessa via reduz a quantidade do fármaco que penetra na célula, resultando em resistência. As bactérias também possuem bombas de efluxo que podem transportar fármacos para fora da célula. A resistência à tetraciclina e aos antibióticos β-lactâmicos fornece um exemplo do mecanismo de bomba de efluxo. Inativação do fármaco. Com frequência, a resistência bacteriana aos aminoglicosídeos e aos antibióticos β-lactâmicos se deve à produção de enzimas modificadoras de aminoglicosídeos e de β-lactamase, respectivamente. Uma variedade desse mecanismo consiste na incapacidade da célula bacteriana de converter um fármaco inativo em seu metabólito ativo, mecanismo que constitui a base do tipo mais comum de resistência do Mycobacterium tuberculosis à isoniazida. Alteração do alvo farmacológico pode ser causada por mutação do alvo natural (resistência às fluoroquinolonas), modificação do alvo (proteção ribossômica na resistência aos macrolídios e às tetraciclinas) ou substituição do alvo nativo por um alternativo resistente (resistência à meticilina por estafilococos). Esse mecanismo de resistência se deve à ligação reduzida do fármaco ao alvo crítico ou à substituição do alvo nativo por um novo alvo que não se liga ao fármaco. ------------------FIM DO MÓDULO I----------------- Curso de Farmacologia de antibióticos, antifúngicos e antivirais MÓDULO II - A Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. 26 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores MÓDULO II-A Farmacologia dos Antibióticos Os antibióticos podem ser definidos como substâncias produzidas por diversas espécies de micro-organismos (bactérias, fungos, actinomicetos), que suprimem o crescimento de outros micro-organismos. O termo antibiótico inclui os agentes antimicrobianos sintéticos. Esses fármacos diferem acentuadamente nas suas propriedades físicas, químicas e farmacológicas, no espectro antibacteriano e nos mecanismos de ação. Os agentes antibacterianos podem atuar sobre os micro- organismos da seguinte maneira: inibindo a síntese da parede celular bacteriana; atuando diretamente sobre a membrana celular bacteriana; afetando a síntese de proteínas e o metabolismo de ácidos nucleicos e como antimetabólitos. Neste curso, a fim de facilitar a compreensão do conteúdo, iremos agrupar os diferentes fármacos desta classe de acordo com sua ação. I) Agentes que Interferem na Síntese ou na Ação do Folato Sulfonamidas As sulfonamidas foram os primeiros agentes antimicrobianos eficazes a serem utilizados por via sistêmica na prevenção e na cura de infecções bacterianas em seres humanos. Surgiram a partir da década de 30, quando o pesquisador Domagk demonstrou que um agente quimioterápico era capaz de influenciar a evolução de uma infecção bacteriana. A substância utilizada era o prontosil, um corante que demonstrou ser um pró- fármaco inativo in vitro, exigindo o seu metabolismo in vivo para produzir o produto ativo – a sulfanilamida. Desde então foram desenvolvidas numerosas sulfonamidas, que continuam sendo úteis. O termo sulfonamida refere-se ao grupo de substâncias derivadas da para-aminobenzenossulfonamida. A figura a seguir mostra as fórmulas estruturais de algumas substâncias dessa classe. 27 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Figura 7 – Fórmulas estruturais de sulfonamidas selecionadas e do ácido para-aminobenzoico. As sulfonamidas possuem ampla faixa de atividade antimicrobiana contra bactérias gram-positivas e gram-negativas. Entretanto, nos últimos anos, tornou-se comum o desenvolvimento de cepas resistentes, de modo que a utilidade desses fármacos declinou correspondentemente. Em geral, as sulfonamidas só exercem efeito bacteriostático. Os micro-organismos que podem ser sensíveis in vitro às sulfonamidas incluem Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Haemophylus influenzae, Haemophylus ducreyi e Chlamydia trachomatis. Embora as sulfonamidas tenham sido utlizadas com sucesso no tratamento de infecções meningocócicas durante muitos anos, a maioria das cepas isoladas de Neisseria meningitidis existentes atualmente tornaram-se resistentes. Esses antibióticos foram por muito tempo fármacos de primeira escolha para a terapia das infecções no trato urinário, principalmente por Escherichia coli. As sulfonamidas são análogos estruturais e antagonistas competitivos do ácido para-aminobenzoico (PABA), impedindo assim a formação do ácido di-idrofólico necessário para posterior síntese de purinas e ácidos nucleicos pelos micro-organismos. Mais especificamente, as sulfonamidas competem com o PABA pela enzima bacteriana, di-idropteroato-sintase – responsável pela incorporação do PABA no ácido di-idropteroico, 28 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores precursor imediato do ácido fólico. Dessa forma, as sulfonamidas apenas inibem o crescimento bacteriano, e não as mata, tratando-se de um efeito bacteriostático, que pode ser anulado competitivamente pela adição de PABA em excesso. Esses fármacos não afetam as células dos mamíferos por esse mecanismo, visto que obtêm o ácido fólico em sua dieta, enquanto que as bactérias precisam sintetizá-lo. A ação bacteriostática das sulfonamidas pode ser cancelada pela presença de pus e produtos de degradação tecidual, por conter timidina e purinas, que são utilizadas pelas bactérias para escapar da necessidade de ácido fólico. Figura 8 – Ação das sulfonamidas e da trimetoprima sobre a síntese bacteriana de folato. As sulfonamidas são bem absorvidas, cerca de 70-100% de uma dose oral. O intestino delgado constitui o principal local de absorção. Os níveis plasmáticos máximos são alcançados em 2-6 h após administração oral, dependendo do fármaco. Todas as sulfonamidas ligam-se em graus variáveis às proteínas plasmáticas, sobretudo à 29 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores albumina. Distribuem-se por todos os tecidos do corpo. As sulfonamidaspenetram facilmente nos líquidos pleural, peritoneal, sinovial, ocular e outros líquidos corporais semelhantes. Atravessam rapidamente a placenta e alcançam a circulação fetal. As concentrações obtidas nos tecidos fetais são suficientes para causar efeitos antibacterianos e tóxicos. As alterações metabólicas in vivo das sulfonamidas ocorrem no fígado. O principal metabólito formado pela acetilação é a sulfonamida-N4-acetilada. A biotransformação não é vantajosa, tendo em vista que os metabólitos da sulfonamida carecem de atividade antimicrobiana, mas retém as potencialidades tóxicas da substância original. A eliminação das sulfonamidas do organismo se dá parte na sua forma inalterada e em parte como produtos do metabolismo. A maior fração é excretada na urina, de forma que a meia-vida do fármaco depende da função renal. Pequenas quantidades são eliminadas nas fezes e na bile, bem como no leite e em outras secreções. Na urina ácida, algumas sulfonamidas são insolúveis e podem precipitar, produzindo depósitos cristalinos passíveis de causar obstrução urinária. A seguir são descritas as principais propriedades farmacocinéticas e uso clínico de alguns fármacos desta classe: Sulfissoxazol: rápida absorção e excreção; tempo de meia-vida de 5-6 h; excelente atividade antibacteriana, menor toxicidade renal devido à sua alta solubilidade; cerca de 95% de uma dose única são excretados pelos rins em 24 h. Sulfissoxazol diolamina está disponível para uso ocular tópico; sulfissoxazol + fenazopiridina combinação utilizada como antisséptico e analgésico das vias urinárias. Sulfametoxazol: absorção entérica e excreção urinária mais lenta; tempo de meia-vida de 11 h; administração oral para o tratamento de infecções sistêmicas e do trato urinário; alto risco de provocar cristalúria. Encontra-se disponível em combinações com fenazopiridina, como antisséptico e analgésico e trimetropima (ver adiante). Sulfadiazina: rápida absorção pelo trato gastrintestinal por via oral; tempo de meia-vida de 10 h; facilmente excretada pelos rins. 30 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Sulfassalazina: baixa absorção pelo trato gastrintestinal, sendo utilizada para tratamento da colite ulcerativa e da enterite regional; o fármaco é degradado pelas bactérias intestinais em sulfapiridina, uma sulfonamida ativa absorvida e posteriormente excretada na urina, e 5-aminossalicilato, que atinge altas concentrações nas fezes. Este último é responsável pela ação anti-inflamatória, sendo a sulfapiridina o componente tóxico. As reações tóxicas incluem anemia, náuseas, febre, artralgia e erupções cutâneas. A sulfassalazina ainda pode causar infertilidade aos homens, por alterar a morfologia e o número de espermatozoides. Sulfacetamida: derivado acetilado da sulfanilamida; uso tópico na forma de soluções de sais de sódio em infecções oftálmicas. Penetra nos líquidos e tecidos oculares em altas concentrações. Sulfadiazina de prata: utilizada topicamente para reduzir a colonização microbiana e a incidência de infecções de feridas decorrentes de queimaduras. Inibe o crescimento in vitro de quase todas as bactérias e fungos patogênicos, incluindo algumas espécies resistentes à sulfonamidas. A prata é liberada da preparação lentamente, em concentrações que se mostram seletivamente tóxicas para os micro-organismos. As reações adversas são raras e incluem queimadura, erupção cutânea e prurido. A sulfadiazina de prata é considerada um fármaco de escolha na prevenção de infecções decorrentes de queimaduras. Mafenida: comercializada na forma de acetato de mafenida é utilizada topicamente para a prevenção da colonização de queimaduras por uma variedade de bactérias Gram- negativas e Gram-positivas. É rapidamente absorvida pela circulação sistêmica sendo convertida em para-carboxibenzenossulfonamida. Os efeitos adversos consistem em dor intensa nos locais de aplicação, reações alérgicas e perda de líquido por evaporação da superfície queimada. 31 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Sulfadoxina: apresenta longa ação; tempo de meia-vida de 7-9 dias; disponível comercialmente em combinação com pirimetamina para profilaxia e tratamento da malária causada por cepas de Plasmodium falciparum resistentes à mefloquina. Devido à ocorrência de reações graves e até fatais, o fármaco só deve ser utilizado para a profilaxia quando o risco de malária resistente for elevado. Os efeitos adversos leves a moderados das sulfonamidas são decorrentes da toxicidade do fármaco ativo e seus metabólitos. Consistem em anorexia, náuseas e vômitos, cefaleia e depressão mental. Pode ocorrer raramente cianose em decorrência da metehemoglobinemia. Além de outros distúrbios hematopoéticos, como anemia hemolítica, granulocitopenia e trombocitopenia. Os efeitos graves que exigem a interrupção do tratamento incluem hepatite, reações de hipersensibilidade (exantemas, febre, reações anafiláticas), depressão da medula óssea e cristalúria. As interações medicamentosas mais importantes das sulfonamidas incluem as observadas com o uso concomitante com os anticoagulantes orais, hipoglicemiantes da sulfonilureia e os anticonvulsivantes do tipo hidantoína. Em cada caso, as sulfonamidas podem potencializar os efeitos dos outros fármacos por mecanismos que parecem envolver primariamente a inibição do metabolismo, e possivelmente, o deslocamento do fármaco da albumina. Pode ser necessário rever a posologia quando se administra concomitantemente uma sulfonamida. A resistência às sulfonamidas representa, provavelmente, a consequência de uma constituição enzimática alterada da célula bacteriana. A alteração pode ser caracterizar-se por (a) menor afinidade da enzima que utiliza PABA, a di-idropteroato sintase, pelas sulfonamidas; (b) diminuição da permeabilidade bacteriana ou do efluxo ativo do fármaco; (c) via metabólica alternativa para a síntese de um metabólito essencial; ou (d) produção aumentada de um metabólito essencial ou de um antagonista do fármaco. Presume-se que tal resistência tenha se originado por mutação ou por transferência da resistência através de plasmídio. 32 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Sulfametoxazol-Trimetoprima A introdução da trimetoprima em combinação com o sulfametoxazol constitui um importante avanço no desenvolvimento de antimicrobianos eficazes clinicamente e representa a aplicação prática de um princípio teórico, quando dois fármacos atuam sobre etapas sequenciais na via de determinada reação enzimática obrigatória nas bactérias, o resultado de sua combinação é sinérgico. Essa combinação bactericida é conhecida como co-trimoxazol. A trimetoprima também está disponível na forma de preparação isolada. A trimetoprima, uma diaminopirimidina, assemelha-se, na sua estrutura, ao componente pteridina do folato. A semelhança é estreita o bastante para confundir a enzima bacteriana – di-idrofolato redutase. Figura 9 – Efeito da combinação cotrimoxazol versus fármacos isolados sobre o crescimento bacteriano. A trimetoprima, administrada por via oral, sofre absorção completa pelo trato gastrintestinal e distribui-se amplamente em todos os tecidos e líquidos corporais. Alcança altas concentrações nos pulmões e nos rins e concentrações bastante elevadas no líquido cefalorraquidiano. Os perfis farmacocinéticos do sulfametoxazol e trimetoprima diferem em alguns pontos. Após uma dose única oral desta combinação, a trimetoprima é absorvida mais rapidamenteque o sulfametoxazol. A administração concomitante parece retardar a absorção do sulfametoxazol. Em geral, são obtidas concentrações sanguíneas 33 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores máximas de trimetoprima em 2 h na maioria dos pacientes, enquanto as concentrações máximas de sulfametoxazol são alcançadas 4 h após uma dose única por via oral. As meias-vidas do trimetoprima e sulfametoxazol são de cerca de 11 e 10 h, respectivamente. Geralmente são administrados na relação convencional de 5:1 (800: 160 mg ou 400: 80 mg de sulfametoxazol:trimetoprima). Essa combinação é utilizada terapeuticamente na infecção do trato urinário por bactérias da família Enterobacteriaceae; na prostatite bacteriana, pelo fato da trimetoprima também ser encontrada na secreção prostática em concentrações terapêuticas; nas infecções bacterianas do trato respiratório (otite, sinusite) acometidas por H. influenzae e S. pneumoniae; nas infecções gastrintestinais por Shigella, E. coli enteropatogênicas e Samonella typhi e infecções por Pneumocystis carinii em pacientes com AIDS e profilaticamente em pacientes neutropênicos. A tabela abaixo mostra resumidamente o uso clínico desta combinação: 34 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Não há evidências de que o sulfametoxazol-trimetoprima, quando administrado nas doses terapêuticas, possa induzir o desenvolvimento de deficiência de folato em indivíduos normais. Entretanto, pacientes com deficiência de folato podem apresentar megaloblastose, leucopenia ou trombocitopenia. Na rotina clínica, a combinação parece exercer pouca toxicidade. A maior parte dos efeitos adversos afeta a pele. Efeitos típicos das sulfonamidas, como dermatite esfoliativa e erupções cutâneas. Náuseas e vômitos constituem as principais reações gastrintestinais. Os distúrbios hematopoéticos incluem anemias, problemas de coagulação, granulocitopenia e agranulocitose. A resistência bacteriana à combinação sulfametoxazol-trimetoprima representa um problema cada vez maior, embora seja menor do que a observada com cada um desses agentes isoladamente. Com frequência, a resistência se deve à aquisição de um plasmídio que codifica uma di-idrofolato redutase alterada. O desenvolvimento de resistência constitui um problema para o tratamento de muitas infecções bacterianas diferentes. II) Agentes que Interferem na Síntese de Peptidoglicano Penicilinas As penicilinas constituem um dos grupos mais importantes entre os antibióticos. Apesar da produção de numerosos outros agentes antimicrobianos desde a introdução da primeira penicilina, elas continuam sendo antibióticos importantes e amplamente utilizados, e novos derivados ainda estão sendo produzidos. Em 1928, Alexandre Fleming em sua pesquisa com variantes de Staphylococcus observou que um bolor que contaminara uma de suas culturas havia causado lise das bactérias presentes na vizinhança. O caldo no qual o fungo havia crescido inibia acentuadamente muitos micro- organismos. Como o bolor pertencia ao gênero Penicillium, Fleming deu o nome de penicilina à substância bacteriana. Uma década depois, a penicilina foi desenvolvida como agente terapêutico sistêmico em decorrência de uma grande pesquisa coordenada. Em 1940, constatou-se que a substância extraída provocava efeitos terapêuticos impressionantes quando 35 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores administrados por via parenteral a camundongos com infecções estreptocócicas induzidas experimentalmente. Durante o ano de 1942, um amplo programa de pesquisa coordenado por Florey e Chain foi iniciado nos EUA onde foram produzidos 122 milhões de unidades de penicilina, e os primeiros estudos clínicos foram conduzidos com resultados notáveis. O procedimento de fermentação profunda para a biossíntese da penicilina representou um avanço decisivo na produção do antibiótico em larga escala. De uma produção total inicial de algumas centenas de milhões de unidades por mês, a quantidade fabricada atingiu mais de 200 trilhões de unidades em 1950. Em 1945, Fleming, Florey e Chain receberam o Prêmio Nobel de Medicina por este trabalho. A penicilina salvou milhares de vidas de soldados na Segunda Guerra Mundial. A estrutura básica da penicilina consiste em um anel de tiazolidina (A) ligado a um anel -lactâmico (B) ao qual se fixa uma cadeia lateral (R). O próprio núcleo da penicilina constitui um requisito para a atividade biológica; a transformação metabólica ou a ocorrência de uma alteração química nessa porção da molécula levam à perda de toda a atividade bacteriana significativa. A cadeia lateral determina as características antibacterianas e farmacológicas de um tipo particular de penicilina. Podem ser produzidas várias penicilinas naturais, dependendo da composição química do meio de fermentação utilizado na cultura do Penicillium. A penicilina G (benzilpenicilina) é, entre essas penicilinas, a que tem maior atividade antimicrobiana, sendo a única penicilina natural utilizada clinicamente. Figura 10 – Estrutura das penicilinas e produtos de sua hidrólise enzimática. 36 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A descoberta de que era possível obter o ácido 6-aminopenicilânico a partir de culturas de Penicillium chrysogenum com depleção dos precursores das cadeias laterais levou ao desenvolvimento das penicilinas semissintéticas. Podem-se acrescentar cadeias laterais que alteram a sensibilidade dos compostos resultantes às enzimas de inativação (-lactamases) e que modificam tanto a atividade bacteriana quanto as propriedades farmacológicas do fármaco. Atualmente, o ácido 6-aminopenicilânico é produzido em grandes quantidades com o auxílio de uma amidase do fungo P. chrysogenum. Essa enzima cliva a ligação peptídica através da qual a cadeia lateral da penicilina está ligada ao ácido penicilânico. As penicilinas e as cefalosporinas compartilham uma estrutura química (presença do anel -lactâmico) e um mecanismo de ação comum (inibição da síntese do peptidoglicano da parede celular), sendo denominados antibióticos -lactâmicos. Esses agentes possuem a capacidade de matar as bactérias sensíveis. Esse efeito se dá pela inibição da etapa de transpeptidação. Além da transpeptidase, os antibióticos - lactâmicos apresentam um alvo adicional, as proteínas de ligação da penicilina (PBP). Todas as bactérias têm várias entidades desse tipo; as afinidades com os diferentes antibióticos -lactâmicos variam. A inibição das transpeptidases leva à rápida ocorrência de lise. Entretanto, a inibição das atividades das outras PBP pode causar lise tardia ou a produção de longas formas filamentosas de bactéria. A ação letal da penicilina sobre as bactérias parece implicar mecanismos líticos e não-líticos. 37 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Figura 11 – Diagrama esquemático de uma camada única de peptidoglicano de uma célula bacteriana, mostrando o local de ação dos antibióticos -lactâmicos. As primeiras penicilinas foram as benzilpenicilinas de ocorrência natural e seus congêneres. A benzilpenicilina mostra-se ativa contra uma variedade de micro- organismos e constitui o fármaco de escolha para muitas infecções. Devido à sua baixa absorção pelo trato gastintestinal, implicando na necessidade por administraçãopor injeção, e na sua suscetibilidade às -lactamases bacterianas foram preparadas diversas penicilinas semissintéticas a partir da adição de diferentes cadeias laterais ao núcleo - lactâmico. Dessa maneira foram produzidas as penicilinas resistentes à -lactamases e as penicilinas de amplo espectro. Foram ainda desenvolvidas penicilinas de espectro ampliado com atividade antipseudomonas, que propiciaram algum avanço no tratamento das infecções causadas por P. aeruginosa. A seguir veremos as principais penicilinas utilizadas na prática clínica e suas características farmacocinéticas e farmacológicas. 38 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores a) Penicilinas naturais Penicilina G (Benzilpenicilina): derivado benzílico do ácido 6-aminopenicilânico apresentado na forma de sal alcalino sódico ou potássico. Os sais apresentam-se como um pó cristalino, branco e inodoro, sendo também conhecida como penicilina cristalina. Em solução aquosa é instável devido o anel -lactâmico e em meio acentuadamente ácido ou alcalino sofre rápida inativação. Entretanto, é estável e aumenta sua atividade em meios ligeiramente ácidos, como os encontrados nos processos inflamatórios. Cerca de 1/3 da dose administrada por via oral é absorvida ao nível do duodeno, os 2/3 restantes sendo inativados pelas bactérias intestinais e secreções digestivas. A absorção é rápida e são obtidas concentrações máximas no sangue dentro de 30-60 minutos. Tendo em vista a pequena e irregular absorção por via oral, a penicilina G praticamente não é utilizada por esta via, sendo administrada por via parenteral. Por via intramuscular, a penicilina G cristalina é rapidamente absorvida, atingindo níveis sanguíneos máximos em cerca de meia hora. Esse valor declina rapidamente, visto que o tempo de meia-vida da penicilina G é de 30 minutos. O fármaco é amplamente distribuído por todo o corpo, mas as concentrações observadas em vários líquidos e tecidos diferem bastante. Cerca de 60% da penicilina G ligam-se reversivelmente à albumina. Aparecem quantidades significativas do antibiótico no fígado, na bile, nos rins, no sêmen, no líquido articular, na linfa e no intestino. A penicilina não penetra facilmente no líquido cefalorraquidiano quando as meninges estão normais. Entretanto, quando ocorre inflamação aguda das meninges, a penicilina G penetra com mais facilidade. Em condições normais é rapidamente eliminada do corpo, pelos rins. Cerca de 60-90% de penicilina G de uma dose intramuscular são extintas pela urina. Muitos meios de prolongar a permanência do antibiótico no corpo foram explorados, com maior frequência são utilizadas preparações de depósito de penicilina G. Os dois compostos atualmente preferíveis são a penicilina G procaína e a penicilina G benzatina. Esses 39 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores agentes liberam lentamente a penicilina G da área na qual foram injetados e produzem concentrações sanguíneas do antibiótico relativamente baixo, porém persistentes. Ao se administrar grandes doses de penicilina G procaína deve-se ter cuidado em não alcançar níveis tóxicos de procaína. A ação anestésica da procaína é responsável pelo fato das injeções serem praticamente indolores. A suspensão de penicilina G benzatina apresenta persistência prolongada no sangue após administração IM reduzindo assim o custo, a necessidade de injeções repetidas e o traumatismo local. A sua duração média da atividade antimicrobiana é de 26 dias. A penicilina G benzatina e procaína podem ser encontradas comercialmente em suspensão para uso injetável nas concentrações de 150.000- 1.200.000 Ul/frasco. Figura 12 – Comparação das propriedades farmacocinéticas das diferentes apresentações de penicilina G. Penicilina V (Fenoximetilpenicilina): é o derivado biossintético do ácido 6- amino-penicilânico, resultante da adição de fenoxiacetamida aos meios de cultura de P. chrysogenum. Apresenta maior estabilidade em meio ácido do que a penicilina G e, por tanto, é mais bem absorvida pelo trato gastrintestinal. É utilizada somente por via oral. O nível sérico mais elevado é alcançado em 3-60 minutos. Em doses orais equivalentes, a 40 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores penicilina V provoca concentrações plasmáticas 2-5 vezes maiores que as obtidas com a penicilina G. Uma vez absorvida, a penicilina V distribui-se pelo organismo e é excretada pelos rins de modo semelhante à penicilina G. Pode ser encontrada comercialmente nas apresentações farmacêuticas: oral 500.000 UI/comprimido e suspensão 400.000 UI/5 mL. b) Penicilinas resistentes à -lactamases Isoxazolilpenicilinas (Oxacilina, Cloxacilina, Dicloxacilina, Flucloxacilina): constituem o grupo de penicilinas resistentes à ação das -lactamases produzidas por estafilococos e outros agentes microbianos. Caracterizam-se pela presença de uma cadeia lateral isoxazolil no núcleo 6-aminopenicilânico, com um radical fenil preso à estrutura isoxazolil. A presença do radical fenilisoxazolil é responsável pela resistência destas penicilinas à ação das -lactamases, provavelmente através do bloqueio no ponto de ligação destas enzimas com a penicilina. Embora não tenham ação contra os micro-organismos gram-negativos, mostram- se resistentes à inativação por -lactamases produzidas por alguns destes. A oxacilina foi a primeira isoxazolilpenicilina a ser sintetizada, pela ligação do ácido metilfenilisoxazolilcarboxílico. Em seguida surgiu o derivado clorado da oxacilina, a cloxacilina. A dicloxacilina é o derivado da oxacilina contendo dois átomos de cloro. Enquanto que a flucloxacilina consiste no derivado contendo um átomo de cloro e um de flúor. A oxacilina e seus derivados apresentam propriedades físicas e químicas semelhantes, da mesma maneira que a atividade antimicrobiana, variando apenas em aspectos farmacocinéticos. São apresentadas em formulações para uso oral e parenteral sob a forma de sal sódico. As apresentações injetáveis devem ser utilizadas até 12 horas após a reconstituição das soluções. Esses agentes por via oral sofrem absorção variável, sendo a dicloxicilina com absorção mais regular com. A dicloxicilina é a que produz níveis sanguíneos mais elevados, atingindo concentração duas vezes maior que a cloxacilina e quatro vezes maiores que a oxacilina, com a mesma dose por via oral. Este fármaco é a penicilina isoxazólica que mantêm níveis séricos mais prolongados tanto por via oral quanto parenteral. 41 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A meia-vida da oxacilina e da cloxacilina é de 30 minutos, enquanto que a da dicloxicilina é de cerca de 45 minutos. Esses agentes ligam-se em alto percentual às proteínas plasmáticas, o que é uma desvantagem. A oxacilina e seus derivados distribuem-se amplamente pelos tecidos e líquidos orgânicos, atingindo concentrações terapêuticas nos pulmões, rins, fígado, intestinos, ossos, líquidos pleural, pericárdio, ascítico e articular. As isoxazolilpenicilinas são excretadas rapidamente pelos rins. Normalmente ocorre excreção da metade da dose de qualquer um destes fármacos na urina durante as primeiras horas após a dose oral convencional. Esses fármacos não sofrem acúmulo em pacientes com insuficiência renal devido os mecanismos extrarrenais de eliminação e metabolização. A oxacilina é metabolizada em maior grau que os seus derivados; a flucloxacilina é a menosmetabolizada do grupo. A oxacilina está disponível comercialmente em frasco contendo 500 mg para reconstituição em água estéril ou cloreto de sódio 0,9% para administração parenteral. Nafcilina: é o antibiótico mais ativo dentre as penicilinas resistentes às - lactamases, porém não mais potente do que a penicilina G. Apresenta-se inativada em meio ácido, sendo sua absorção após administração oral irregular. A concentração plasmática máxima é atingida 60 minutos após administração intramuscular. Cerca de 90% da nafcilina ligam-se às proteínas plasmáticas. As concentrações máximas do fármaco na bile são bem superiores às encontradas no plasma. c) Penicilinas de amplo espectro Ampicilina: primeira penicilina semissintética que mostrou atividade sobre micro- organismos gram-negativos, abrindo o campo para as penicilinas de amplo espectro. Após sua introdução, surgiram vários análogos que se comportam como pró-fármaco, isto é, sofrem biotransformação no organismo liberando a ampicilina, que é o princípio ativo. A ampicilina é o isômero dextrógiro da -aminobenzilpenicilina, estável em meio ácido por longo tempo. É encontrada sob a forma ampicilina-benzatina (combinação de duas moléculas de ampicilina com uma de diacetato de N-N-dibenzildiacetildiamina), tri- hidratada e sódica. 42 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores As diferentes formas não apresentam vantagens terapêuticas significativas de uma forma para outra. A absorção por via oral é semelhante nas três apresentações. Para uso parenteral utiliza-se apenas a ampicilina sódica. As formas tri-hidratada e ampicilina- benzatina são usadas somente por via intramuscular. A concentração plasmática máxima é atingida 2 horas após administração oral. Uma vez absorvida, a ampicilina é amplamente distribuída pelos tecidos e líquidos orgânico. Apresenta baixa ligação às proteínas plasmáticas, entre 10-30%. Atravessa a barreira hematoencefálica em pacientes com meningoencefalite, dando concentrações terapêuticas contra bactérias Gram-positivas e cocos Gram-negativos. A eliminação se dá por via urinária e biliar. A via urinária é a principal, eliminando o fármaco por secreção tubular; cerca de 70% da dose administrada por via parenteral é eliminada em 6 horas e, em 12 horas, cerca de 30% da dose administrada por via oral. Indivíduos com comprometimento renal apresentam prolongamento da permanência de ampicilina no plasma. Encontra-se disponível comercialmente nas apresentações de 500- 1000 mg/ cápsulas, 250 mg/5 ml suspensão oral e 250-1000 mg/ ampola. Amoxicilina: obtida pela hidroxilação da cadeia fenólica lateral da ampicilina, formando a amino-hidroxibenzilpenicilina. Está estreitamente relacionada com a ampicilina do ponto de vista químico e farmacológico, diferindo apenas pela sua melhor e mais rápida absorção por via oral. É utilizada sob a forma anidro e tri-hidratada por via oral e sob a forma de sal sódico por via parenteral. Apresentam-se na forma de pós- cristalinos brancos ou ligeiramente amarelados, estáveis à temperatura ambiente. As concentrações plasmáticas máximas de amoxicilina são 2-2,5 vezes maiores que as da ampicilina após administração oral de uma dose idêntica. As concentrações máximas são atingidas dentro de 2 horas. Cerca de 20% da amoxicilina ligam-se às proteínas plasmáticas. Por via intramuscular, a amoxicilina atinge os níveis plasmáticos mais elevados em 30 minutos. A maior parte de uma dose deste antibiótico é excretada por secreção tubular sob a forma ativa na urina. A amoxicilina é encontrada em nosso país nas doses de 250 e 500 mg/cápsulas e de 125, 250 mg/5 mL suspensão oral, isolada ou associada ao ácido clavulânico. 43 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores d) Penicilinas de espectro ampliado Carbenicilina: resultante de uma intensa investigação a agentes capazes de agir contra Pseudomonas aeruginosa, que se mostrava resistente à ampicilinas e análogos. A carbenicilina (1--carboxibenzilpenicilina) resultante da reação do ácido carboxílico com o ácido 6-aminopenicilânico sensível à penicilinase. Foi o primeiro antibiótico penicilínico ativo contra Pseudomonas e certas espécies de Proteus indol-positivas. É apresentada sob a forma de sal dissódico. Devido à sua instabilidade em meio ácido, não é absorvida por via oral. A carbenicilina só é bem absorvida por via parenteral. Após a injeção de 1 g via intravenosa são atingidos níveis sanguíneos máximos em 15 minutos. O fármaco liga-se às proteínas plasmáticas em cerca de 50%. Atinge elevadas concentrações no líquido pleural, bile e rins. A eliminação se faz principalmente pela via renal, por filtração glomerular e secreção tubular, eliminando-se em 95% e 85%, respectivamente, como fármaco ativo. Os congêneres disponíveis para a administração oral consistem na indanil carbenicilina e carfecilina. Ambos os ésteres são estáveis em meio ácido e são pró-fármaco da carbenicilina, liberando o ativo após absorção por via oral através da hidrólise da ligação éster. Ticarcilina: derivado da carbenicilina constitui quimicamente a carboxitienilmetilpenicilina. Apresenta propriedades antimicrobianas e farmacocinéticas semelhantes à carbenicilina, diferindo-se desta por sua potência antimicrobiana contra Pseudomonas aeruginosa, duas vezes maior. É também apresentada sob a forma de sal dissódico. Piperacilina: pertence à classe de ureidopenicilinas, antibióticos semissintéticos originados da ampicilina pela ligação à cadeia lateral de radicais acila derivados de uma molécula de ureia. São conhecidas como “penicilinas da quarta geração”. Apresenta espectro de ação amplo, mostrando potência antimicrobiana 4 a 16 vezes maior que a carbenicilina sobre as enterobactérias e 16 a 32 vezes maior contra Pseudomonas aeruginosa. É inativada por -lactamases produzidas por micro-organismos Gram- 44 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores negativos. Disponível na forma de sal monossódico. São absorvíveis apenas por via parenteral. Após a injeção intramuscular de 1 g destes antibióticos são obtidos níveis séricos máximos em 30-60 minutos. Difundem-se pelo organismo de maneira semelhante à penicilina G. Possui baixa ligação a proteínas plasmáticas, em torno de 20 a 40%. A eliminação ocorre principalmente por via renal, através de secreção tubular e filtração glomerular, em sua maior parte como produto ativo. Apresenta elevada concentração na bile, devido à parte da eliminação ocorrer por via biliar. A respeito do uso clínico as penicilinas na maior parte dos casos são utilizadas empiricamente quando se acredita ser possível o micro-organismo causador ser sensível ao fármaco. Nas infecções graves são administradas por via intravenosa, frequentemente combinada com outros antibióticos. Os principais usos clínicos são: - Meningite bacteriana (por exemplo, causada por Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae): benzilpenicilina; - Infecções ósseas e articulares (por exempplo, por Staphylococcus aureus): flucloxacilina; - infecções cutâneas e dos tecidos moles (por exemplo, causadas por Streptococcus pyogenes ou S. aureus): benzilpenicilina, flucloxacilina; - faringite (por S. pyogenes): fenoximetilpenicilina; - otite média (por exemplo, causadas por Streptococcus pyogenes, Haemophylus influenzae): amoxicilina; - bronquite (infecções mistas comuns): amoxicilina; - pneumonia: amoxicilina; - infecções do trato urinário (por exemplo, por E. coli): amoxicilina; - gonorreia: amoxicilina (mais
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