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1 BASES NEUROPSICOLÓGICAS DA APRENDIZAGEM 1 Sumário Sumário ..................................................................................................................... 1 NOSSA HISTÓRIA .................................................................................................... 2 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 2. NEUROPSICOLOGIA E HISTÓRIA ................................................................. 4 2.1 Grécia Antiga ................................................................................................... 4 2.2 Medicina Romana ............................................................................................ 5 2.3 Homem x Máquina ........................................................................................... 5 2.4 Início das Neurociências “Modernas” .............................................................. 7 3. CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO MENTAL DO INDIVÍDUO 8 4. NEUROCIÊNCIA EM CORRELAÇÃO A APRENDIZAGEM .......................... 15 5. NEUROANATOMIA BÁSICA............................................................................... 16 5.1 A evolução do Cérebro .................................................................................. 22 5.2 Desenvolvimento do cérebro no homem ....................................................... 26 6. BASES NEUROPSICOLÓGICAS DA APRENDIZAGEM .............................. 27 6.1 Definição de inteligência e aprendizagem e comparações com os outros animais 27 6.2 As bases neuropsicológicas segundo Luria ................................................... 31 6.2 Pesquisas sobre a aprendizagem e suas funções ...................................... 34 7. CONCLUSÃO ................................................................................................ 37 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 38 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. INTRODUÇÃO O indivíduo sofre, durante toda a sua vida, a influência dos agentes externos de natureza física e social. Esses agentes atuam sobre o seu organismo e sobre o seu espírito, estimulando suas capacidades e aptidões e promovendo o seu desenvolvimento físico e mental. O processo para uma aprendizagem eficaz depende de inúmeros fatores, dentre os quais, os mais prementes são: o talento do professor, o tipo intelectual do aluno, as oportunidades oferecidas pelo ambiente imediato da escola, perspectivas futuras de vida do aluno. A escola não pode mais ser considerada como uma simples máquina de alfabetização. Sua função não se restringe mais, como antigamente, à modesta tarefa de ensinar, sua tarefa é mais ampla e profunda, ou seja, deve levar o nosso aluno a ser mais critico, mais compromissado e mais otimista em relação à aprendizagem. Suas responsabilidades atuais são bem maiores. Além de instrumento de formação física, intelectual e moral, cabelhe a missão de promover a integração harmoniosa do educando no seio da comunidade, fornecendo-lhe todos os elementos para que se possa tornar um fator de progresso individual e social. Assim, a aprendizagem é um processo de assimilação de determinados conhecimentos e modos de ação física e mental, organizados e orientados no processo ensino aprendizagem. 4 2. NEUROPSICOLOGIA E HISTÓRIA É de se imaginar que desde o primeiro momento no qual o ser humano passou a ter alguma “consciência”* sobre a vida e a morte, deve ter sacado que o sistema nervoso tinha lá alguma importância para manter a nossa condição de vida, a “paleoneurologia” encontrou muitos registros de lesões cranianas fatais, possivelmente, causadas por outro ser humano. 2.1 Grécia Antiga Lá na Grécia antiga existiu Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina ocidental, para ele o encéfalo além de estar envolvido na percepção nas sensações, também era a morada da inteligência. Já para Aristóteles (384-322 a.C.) o coração seria a fonte de origem da inteligência enquanto o encéfalo funcionaria apenas como um radiador, para onde o sangue fluía e era “resfriado” após sair “fervendo” do coração. Talvez daí que remonte aquela bem conhecida expressão: Não faça nada de cabeça quente! 5 2.2 Medicina Romana Vamos agora para uma fase “animada” da história, lá para a época dos gladiadores. O pensador mais importante nessa época foi o Galeno (130-200 d.C.), ele seguia a mesma linha de pensamento que Hipócrates em relação ao encéfalo. Galeno, porém, teve uma enorme vantagem “acadêmica”, foi médico dos gladiadores, imagine a “festa” de lesões que não era àquela época! Como era de se esperar, foi uma época “frutífera” para o início da compreensão de como funciona aquilo que fica dentro do nosso crânio. Época memorável, na qual foi possível questionar coisas do tipo: o que será que acontece com um gladiador, quando uma espada é atravessada na parte lateral esquerda da “caixola”? Ou ainda: será que aquela pisada de leão, que arrancou uma parte de trás da cabeça do coitado, tem alguma coisa a ver com a cegueira resultante? Galeno também adorava dissecar encéfalos de animais e tinha uma predileção pelas ovelhas. Com base em suas observações ele concluiu que o cérebro deve receber sensações e o cerebelo* deve comandar os músculos. Galeno acreditava que as sensações deveriam ser “escritas” no cérebro, uma vez que por ser mais mole, obviamente, facilitaria a “escrita”. É engraçado ver que por mais absurdo que tenha sido o raciocínio, ele não ficou tão longe do que futuramente foi se descobrindo em relação às sensações e controle motor. Numa dessas ocasiões, Galeno percebeu que o interior do encéfalo é oco e preenchido por um líquido, atualmente chamamos essas “câmaras” de ventrículos* , então para ele fazia todo sentido que essa fosse a origem dos movimentos. Galeno propôs que as sensações eram quem “comandavam” a dinâmica dos “fluídos vitais”. Esses por sua vez, fluíam dos ventrículos para os nervos e vice e versa. Naquela época ainda se imaginavam que os nervos fossem “canos ocos”, tais como os vasos sanguíneos. 2.3 Homem x Máquina No decorrer da história é interessante perceber que sempre existe alguma comparação entre o “funcionamento” do ser humano e a “máquina” predominante à época. Vejamos o contexto da França no século XVII, época em que o auge da tecnologia eram as máquinas hidráulicas. Nesse período as ideias de Galeno “caíram como uma luva”. Àquela época, seria óbvio que nós humanos fossemos “seres hidráulicos”, uma vez que, 6 as máquinas funcionavam dessa forma. Énessa época que surge o famoso no pedaço, René Descartes (1596- 1650). Para ele essa teoria é bacana para explicar a relação entre o encéfalo e o comportamento de outros animais, mas para o ser humano seria incompleta. Uma vez que as pessoas possuem “inteligência” e para ele, obviamente, isso só pode ser obra divina que nos dotou de Alma. Eis que surge o famoso modelo dualista! No qual as capacidades mentais, exclusivamente humanas, existiriam fora do encéfalo, na “mente”, uma entidade espiritual que recebia sensações e comandava os movimentos, comunicando-se com a maquinaria do encéfalo por meio da glândula pineal. 7 Em 1751, surge uma outra figura, Benjamin Franklin (1706-1790), que começa a trazer muitas novidades em relação aos fenômenos elétricos. Portanto, é de se esperar, que nosso modelo “Homem Máquina” receba seu devido upgrade. Pouco tempo depois, Luigi Galvani (1737-1798) e Emil du Bois-Reymond (1818-1896) demonstram que quando estimulamos eletricamente os nervos os músculos se movimentam. Demonstram também que o encéfalo gera eletricidade. Passamos então, a pensar em um “novo” modelo “Homem Máquina”. Dessa vez os nervos seriam, portanto, fios condutores. Em um salto para a época atual, não só é esperada como tentadora, uma comparação direta entre o modelo “Homem Máquina” e nossos computadores. Deixo, portanto, a seguinte questão para reflexão. Historicamente, os modelos “Homem Máquina” sempre se mostraram equivocados. Será que estamos no caminho certo dessa vez? Será “fértil” ainda insistir nessa abordagem? 2.4 Início das Neurociências “Modernas” Paul Broca (1824-1880) foi um neurologista francês e foi ele que começou a estudar a localização de algumas funções encefálicas. Broca teve um paciente com um caso curioso. Esse paciente compreendia tudo o que era dito a ele, mas não conseguia falar, mesmo não aparentando qualquer alteração no aparelho fonador. Quando esse paciente morreu, Broca pode então analisar seu encéfalo e encontrou uma lesão no lado esquerdo na parte da frente. Com o tempo e a observação recorrente em outros pacientes com o mesmo tipo de lesão e o mesmo problema na fala, ele conclui que aquela região específica deveria ser a responsável pela produção da fala. Esse é o encéfalo preservado de um paciente que perdeu a capacidade de falar antes de morrer, em 1861. A lesão que produziu esse déficit está indicada no círculo Em 1874, o neurologista alemão Karl Wernicke (1848- 1905) sacou que lesões numa região diferente do mesmo hemisfério também prejudicavam a fala normal. Apesar de também ser no hemisfério esquerdo, era uma região bastante distinta daquela encontrada por Broca, em uma região mais posterior. O problema na fala observado por Wernicke também era bastante diferente daquele relatado por Broca. 8 Wernicke percebeu que apesar da fala continuar fluente, não apresentando alteração na “emissão” das palavras, ela passava a não apresentar muita lógica e coerência e a compreensão do que era ouvido também ficava prejudicada. Foram definidas, então, duas regiões distintas que seriam responsáveis pela fala, ambas no lado esquerdo do cérebro* . Ainda dentro do repertório histórico de lesões, temos o icônico e famoso caso do Phineas Gage, onde “simplesmente” um bastão de ferro atravessou sua cabeça! O Dr. John Harlow relatou as consequências desse acidente no artigo intitulado “Passagem de um bastão de ferro através da cabeça”. Atualmente, as lesões ainda são potenciais fontes de estudos das neurociências, porém com a evolução tecnológica surgiu a possibilidade de também estudar o encéfalo saudável, através de técnicas de imageamento, dentre as quais, a imagem por ressonância magnética funcional (IRMf) é provavelmente a mais conhecida. Existem, também, técnicas eletrofisiológicas envolvendo o registro de sinais elétricos gerados pelo cérebro, o eletroencefalograma (EEG) é o mais famoso e usual deles. Uma técnica moderna e bastante interessante é a estimulação magnética transcraniana (TMS) . Técnica na qual uma bobina é colocada próxima à cabeça do paciente e uma pulsação de corrente magnética, muito breve, passa através dela. Isso produz um campo magnético de curta duração que, geralmente, inibe o processamento na área alvo do encéfalo. Como se causasse uma “lesão” instantânea e momentânea. Partindo dessa alteração “artificial” especula-se qual resposta esperar de uma lesão equivalente, porém, real. Utilizando da combinação das diversas técnicas: estimulação magnética transcraniana (TMS), técnicas de neuroimagem e eletrofisiológicas. Podem ser feitos progressos para elucidar a atividade encefálica e seus efeitos. 3. CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO MENTAL DO INDIVÍDUO A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre durante toda a vida do indivíduo, desde a mais tenra infância até a mais avançada velhice. Normalmente uma criança deve aprender a andar e a falar; depois a ler e escrever, aprendizagens básicas para atingir a cidadania e a participação ativa na sociedade. Já os adultos precisam aprender habilidades ligadas a algum tipo de trabalho que lhes forneça a satisfação das suas necessidades básicas, algo que lhes garanta o sustento. As pessoas idosas embora nossa sociedade 9 seja reticente quanto às suas capacidades de aprendizagem podem continuar aprendendo coisas complexas como um novo idioma ou ainda cursar uma faculdade e virem a exercer uma nova profissão. O desenvolvimento geral do individuo será resultado de suas potencialidades genéticas e, sobretudo, das habilidades aprendidas durante as várias fases da vida. A aprendizagem está diretamente relacionada com o desenvolvimento cognitivo. As passagens pelos estágios da vida são marcadas por constante aprendizagem. “Vivendo e aprendendo”, diz a sabedoria popular. Assim, os indivíduos tendem a melhorar suas realizações nas tarefas que a vida lhes impõe. A aprendizagem permite ao sujeito compreender melhor as coisas que estão à sua volta, seus companheiros, a natureza e a si mesmo, capacitando-o a ajustar-se ao seu ambiente físico e social. A teoria da instrução de Jerome Bruner (1991), um autêntico representante da adordagem cognitiva, traz contribuições significativas ao processo ensino-aprendizagem, principalmente à aprendizagem desenvolvida nas escolas. Sendo uma teoria cognitiva, apresenta a preocupação com os processos centrais do pensamento, como organização do conhecimento, processamento de informação, raciocínio e tomada de decisão. 10 Considera a aprendizagem como um processo interno, mediado cognitivamente, mais do que como um produto direto do ambiente, de fatores externos ao aprendiz. Apresenta-se como o principal defensor do método de aprendizagem por descoberta (insight). A teoria de Bruner apresenta muitos pontos semelhantes às teorias de Gestalt e de Piaget. Bruner considera a existência de estágios durante o desenvolvimento cognitivo e propõe explicações similares às de Piaget, quanto ao processo de aprendizagem. Atribui importância ao modo como o material a ser aprendido é disposto, assim como Gestalt, valorizando o conceito de estrutura e arranjos de idéias. “Aproveitar o potencial que o indivíduo traz e valorizar a curiosidade natural da criança são princípios que devem ser observados pelo educador” (BRUNER, 1991, p. 122). A escola não deve perder de vista que a aprendizagem de um novo conceito envolve a interação com o já aprendido. Portanto, as experiências e vivências que o aluno traz consigo favorecem novas aprendizagens. Bruner chama a atenção para o fato de que as matérias ou disciplinas tais como estão organizadas nos currículos, constituem-se muitas vezes divisões artificiais do saber. Por isso, várias disciplinas possuem princípios comuns sem que os alunos – e algumas vezesos próprios professores – analisem tal fato, tornando o ensino uma repetição sem sentido, em que apenas respondem a comandos arbitrários, 11 Bruner propõe o ensino pela descoberta. O método da descoberta não só ensina a criança a resolver problemas da vida prática, como também garante a ela uma compreensão da estrutura fundamental do conhecimento, possibilitando assim economia no uso da memória, e a transferência da aprendizagem no sentido mais amplo e total. Segundo Bock (2001), a preocupação de Bruner é que a criança aprenda a aprender corretamente, ainda que “corretamente” assuma, na prática, sentidos diferentes para as diferentes faixas etárias. Para que se garanta uma aprendizagem correta, o ensino deverá assegurar a aquisição e permanência do aprendido (memorização), de forma a facilitar a aprendizagem subseqüente (transferência). Este é um método não estruturado, portanto o professor deve estar preparado para lidar com perguntas e situações diversas. O professor deve conhecer a fundo os conteúdos a serem tratados. Deve estar apto a conhecer respostas corretas e reconhecer quando e porque as respostas alternativas estão erradas. Também necessita saber esperar que os alunos cheguem à descoberta, sem apressa-los, mas garantindo a execução de um programa mínimo. Deve também ter cuidado para não promover um clima competitivo que gere, ansiedade e impeça alguns alunos de aprender. O modelo de ensino e aprendizagem de David P. Ausubel (1980) 12 caracteriza-se como um modelo cognitivo que apresenta peculiaridades bastante interessantes para os professores, pois centraliza-se, primordialmente, no processo de aprendizagem tal como ocorre em sala de aula. Para Ausubel, aprendizagem significa organização e integração do material aprendido na estrutura cognitiva, estrutura esta na qual essa organização e integração se processam. Psicólogos e educadores têm demonstrado uma crescente preocupação com o modo como o indivíduo aprende e, desde Piaget, questões do tipo: “Como surge o conhecer no ser humano? Como o ser humano aprende? O conhecimento na escola é diferente do conhecimento da vida diária? O que é mais fácil esquecer?” atravessaram as investigações científicas. Assim, deve interessar à escola saber como criança, adolescentes e adultos elaboram seu conhecer, haja vista que a aquisição do conhecimento é a questão fundamental da educação formal. A psicologia cognitiva preocupa responder estas questões estudando o dinamismo da consciência. A aprendizagem é, portanto, a mudança que se preocupa com o eu interior ao passar de um estado inicial a um estado final. Implica normalmente uma interação do individuo com o meio, captando e processando os estímulos selecionados. O ato de ensinar envolve sempre uma compreensão bem mais 13 abrangente do que o espaço restrito do professor na sala de aula ou às atividades desenvolvidas pelos alunos. Tanto o professor quanto o aluno e a escola encontram-se em contextos mais globais que interferem no processo educativo e precisam ser levados em consideração na elaboração e execução do ensino. Ensinar algo a alguém requer, sempre, duas coisas: uma visão de mundo (incluídos aqui os conteúdos da aprendizagem) e planejamento das ações (entendido como um processo de racionalização do ensino). A prática de planejamento do ensino tem sido questionada quanto a sua validade como instrumento de melhoria qualitativa no processo de ensino como o trabalho do professor. De modo geral, no meio escolar, quando se faz referência a planejamento do ensino – aprendizagem, este se reduz ao processo através do qual são definidos os objetivos, o conteúdo programático, os procedimentos de ensino, os recursos didáticos, a sistemática de avaliação da aprendizagem, bem como a bibliografia básica a ser consultada no decorrer de um curso, série ou disciplina de estudo. Com efeito, este é o padrão de planejamento adotado pela maioria dos professores e que passou a ser valorizado apenas em sua dimensão técnica. Em nosso entendimento a escola faz parte de um contexto que engloba a sociedade, sua organização, sua estrutura, sua cultura e sua história. Desse modo, qualquer projeto de ensino – aprendizagem está ligado a este contexto e ao modo de cultura que orienta um modelo de homem e de mulher que pretendemos formar, para responder aos desafios desta sociedade. Por esta razão, pensamos que é de fundamental importância que os professores saibam que tipo de ser humano pretendem formar para esta sociedade, pois disto depende, em grande parte, as escolhas que fazemos pelos conteúdos que ensinamos, pela metodologia que optamos e pelas atitudes que assumimos diante dos alunos. De certo modo esta visão limitada ou potencializada o processo ensinoaprendizagem não depende das políticas públicas em curso, mas do projeto de formação cultural que possui o corpo docente e seu compromisso com objeto de estudo. Como o ato pedagógico de ensinoaprendizagem constitui-se, ao longo prazo, num projeto de formação humana, propomos que esta formação seja orientada por um processo de autonomia que ocorra pela produção autônoma do conhecimento, como forma de promover a democratização dos saberes e como modo de elaborar a crítica da realidade existente. Isto quer dizer que só há crítica se houver produção autônoma do conhecimento elaborado através de uma prática efetiva da pesquisa. Entendemos que é pela prática da pesquisa que exercitamos a reflexão 14 sobre a realidade como forma de sistematizar metodologicamente nosso olhar sobre o mundo para podermos agir sobre os problemas. Isto quer dizer que não pesquisamos por pesquisar e nem refletimos por refletir. Tanto a reflexão quanto à pesquisa são meios pelos quais podemos agir como sujeitos transformadores da realidade social. Isto indica que nosso trabalho, como professores, é o de ensinar a aprender para que o conhecimento construído pela aprendizagem seja um poderoso instrumento de combate às formas de injustiças que se reproduzem no interior da sociedade. Piaget (1969), foi quem mais contribuiu para compreendermos melhor o processo em que se vivencia a construção do conhecimento no indivíduo. Apresentamos as idéias básicas de Piaget (l969, p.14) sobre o desenvolvimento mental e sobre o processo de construção do conhecimento, que são adaptação, assimilação e acomodação. Piaget diz que o individuo está constantemente interagindo com o meio ambiente. Dessa interação resulta uma mudança contínua, que chamamos de adaptação. Com sentido análogo ao da Biologia, emprega a palavra adaptação para designar o processo que ocasiona uma mudança contínua no indivíduo, decorrente de sua constante interação com o meio. Esse ciclo adaptativo é constituído por dois subprocessos: assimilação e acomodação. A assimilação está relacionada à apropriação de conhecimentos e habilidade. O processo de assimilação é um dos conceitos fundamentais da teoria da instrução e do ensino. Permite- nos entender que o ato de aprender é um ato de conhecimento pelo qual assimilamos mentalmente os fatos, fenômenos e relações do mundo, da natureza e da sociedade, através do estudo das matérias de ensino. Nesse sentido, podemos dizer que a aprendizagem é uma relação cognitiva entre o sujeito e os objetos de conhecimento. A acomodação é que ajuda na reorganização e na modificação dos esquemas assimilatórios anteriores do indivíduo para ajustá-los a cada nova experiência, acomodando-as às estruturas mentais já existentes. Portanto, a adaptação é o equilíbrio entre assimilação e acomodação, e acarreta uma mudança no indivíduo. A inteligência desempenha uma função adaptativa, pois é através dela que o indivíduo coleta as informações do meio e as reorganiza, de forma a compreender melhor a realidade em que 15 vive, nela agi, transformando.Para Piaget (1969, p.38), a inteligência é adaptação na sua forma mais elevada, isto é, o desenvolvimento mental, em sua organização progressiva, é uma forma de adaptação sempre mais precisa à realidade. É preciso ter sempre em mente que Piaget usa a palavra adaptação no sentido em que é usado pela Biologia, ou seja, uma modificação que ocorre no indivíduo em decorrência de sua interação com o meio. Portanto, é no processo de construção do conhecimento e na aquisição de saberes que devemos fazer com que o aluno da EJA seja motivado a desenvolver sua aprendizagem e ao mesmo tempo superar as dificuldades que sentem em assimilar o conhecimento adquirido. 4. NEUROCIÊNCIA EM CORRELAÇÃO A APRENDIZAGEM A emoção interfere no processo de retenção de informação. É preciso motivação para aprender. A atenção é fundamental na aprendizagem. O cérebro se modifica em contato com o meio durante toda a vida. A formação da memória é mais efetiva quando a nova informação é associada a um conhecimento prévio. Para você, essas afirmações podem não ser inovadoras, seja por causa da sua experiência em sala, seja por ter estudado Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896- 1934), Henri Wallon (1879-1962) e David Ausubel (1918-2008), a maioria da área da Psicologia cognitiva. A novidade é que as conclusões são fruto de investigações neurológicas recentes sobre o funcionamento cerebral. "O que hoje a Neurociência defende sobre o processo de aprendizagem se assemelha ao que os teóricos mostravam por diferentes caminhos", diz a psicóloga Tania Beatriz Iwaszko Marques, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estudiosa de Piaget. O avanço das metodologias de pesquisa e da tecnologia permitiu que novos estudos se tornassem possíveis. "Até o século passado, apenas se intuía como o cérebro funcionava. Ganhamos precisão", diz Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), também piagetiano. Mas é preciso refletir antes de levar as ideias neurocientíficas para a sala. A Neurociência e a Psicologia Cognitiva se ocupam de entender a aprendizagem, mas têm diferentes focos. A primeira faz isso por meio de experimentos comportamentais e do uso de aparelhos como os de ressonância magnética e de tomografia, que permitem observar as alterações no 16 cérebro durante o seu funcionamento. "A Psicologia, sem desconsiderar o papel do cérebro, foca os significados, se pautando em evidências indiretas para explicar como os indivíduos percebem, interpretam e utilizam o conhecimento adquirido", explica Evelyse dos Santos Lemos, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e especialista em aprendizagem significativa, campo de estudo de Ausubel. As duas áreas permitem entender de forma abrangente o desenvolvimento da criança. "Ela é um ser em que esses fatores são indissociáveis. Por isso, não pode ser vista por um único viés", diz Claudia Lopes da Silva, psicóloga escolar da Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo e estudiosa de Vygotsky. Sabemos, por exemplo, com base em evidências neurocientíficas, que há uma correlação entre um ambiente rico e o aumento das sinapses (conexões entre as células cerebrais). Mas quem define o que é um meio estimulante para cada tipo de aprendizado? Quais devem ser as intervenções para intensificar o efeito do meio? Como o aluno irá reagir? "A Neurociência não fornece estratégias de ensino. Isso é trabalho da Pedagogia, por meio das didáticas", diz Hamilton Haddad, do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da USP. Como, então, o professor pode enriquecer o processo de ensino e aprendizagem usando as contribuições da Neurociência? Para o educador português António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, responder à questão é o grande desafio do século 21. "A estrutura educacional de hoje foi criada no fim do século 19. É preciso fazer um esforço para trazer ao campo pedagógico as inovações e conclusões mais importantes dos últimos 20 anos na área da ciência e da sociedade", diz. Ao professor, cabe se alimentar das informações que surgem, buscando fontes seguras, e não acreditar em fórmulas para a sala de aula criadas sem embasamento científico. "A Neurociência mostra que o desenvolvimento do cérebro decorre da integração entre o corpo e o meio social. O educador precisa potencializar essa interação por parte das crianças", afirma Laurinda Ramalho de Almeida, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e especialista em Wallon. 5. NEUROANATOMIA BÁSICA O Ser Humano tem seus sistemas totalmente integrados. Ou seja, sua estrutura é monista. Isto quer dizer que por mais distante que um membro inferior , como a perna, 17 possa estar da cintura ou da cabeça, interiormente eles estão ligados por redes de comunicação que podem se denominar, como exemplos, neurônios, plexos e nervos. De forma a contrariar esta informação atual, antigamente, a filosofia cartesiana emergiu com a idéia de dualismo. Esta idéia, basicamente, consistia em diferenciar uma instância específica ao corpóreo (Res extensa) e uma que versava sobre a mente (Res cogitans). O termo “penso, logo existo”, ponto chave da resposta aos questionamentos cartesianos, continua a ter sua validade social, mas com pesquisas posteriores na tentativa de refutar ou não tal pressuposto, os achados foram interessantes e a validade se tornou, praticamente, social e histórica . A partir dessa série de experimentos, os resultados, indiscutivelmente, ilustraram o seguinte: homem é integrado em totalidade. Desde membros superiores até a matéria pensante, que Descartes separou do resto do corpo, possuem uma relação. Existem vias que fazem ligações entre o comportamento e o pensamento e vice-versa. A área motora, que chegou a ser explicada como um boneco que imitaria fidedignamente uma pessoa caso saísse, de surpresa, no jardim da casa de alguma pessoa, com as descobertas das décadas recentes mostraram que se somos máquinas,somos as que possuem uma distância bastante significativa entre as “inanimadas” 68 , sem deixar, por isso, de respeitar a Biologia das espécies. Neste sentido, o Ser Humano possui o pensamento e este é diferente do que se pode chamar de pensamento animal ou pensamento comparado . A discussão sobre se o pensamento é um comportamento encoberto/privado, uma associação associativa, um fluxo constante de idéias ou, disposições bioquímicas em determinada região cerebral esta muito em pauta na Filosofia da Mente e nas ciências cognitivas, principalmente na Lingüística e na Psicologia Cognitiva, porém aqui não será o ambiente para tal confronto de idéias, apesar de todas serem bastante plausíveis e estudadas atualmente. Sendo assim, já tendo em vista a união que o corpo possui, dois pontos precisam ficar bastante claros antes de continuar a explicação. O primeiro é que união não diz nem significa simetria. Existem regiões que funcionam independentes de outras. Uma pessoa que está correndo, tem, no mínimo, seu sistema cardíaco, respiratório e psicomotor em atuação simultânea. Porém, estes não são dependentes diretamente uns dos outros. Segundo, o cerne dessa ligação se dá no Sistema Nervoso (SN) que também atua interligado em suas funções, mas com diferenciadas estruturas para cada função . Com 18 efeito, o SN possui algumas divisões. Aqui serão abordadas três divisões que, desde já, são didáticas. Assim, uma pessoa não é desprovida de ligações mas estas não respeitam exatamente o que os livros ensinam. Em todo caso, estes são instrumentos necessários para embasar trabalhos sobre o tema e para melhor delimitar a relação existente entre o comportamento geral do sujeito . Em uma divisão anatômica, o SN se divide em Central (SNC) e Periférico(SNP). O SNC apresenta estruturas tais como o encéfalo e a medula espinhal. O encéfalo contém o cérebro, o cerebelo e o tronco encefálico que, por sua vez, compõe-se do mesencéfalo, da ponte e do bulbo. O SNP se compõe de nervos, gânglios e terminações nervosas. Assim sendo, os nervos podem ser espinhais ou cranianos. A figura abaixo ajuda a entender de forma simplificada essa estrutura que textualmente pode se apresentar com certa dificuldade ao leitor. Um segundo modelo didático de dividir o SN é fazê-lo em sentido Embriológico. Assim, existe o Prosencéfalo, o Mesencéfalo e o Rombencéfalo. No primeiro, existem as estruturas do telencéfalo e do diencéfalo. No segundo há o mesencéfalo e no terceiro, há o metencéfalo e o mielencéfalo . A figura abaixo ajuda a entender de forma simplificada essa estrutura que textualmente pode se apresentar rebuscada e difícil ao leitor. Seguindo essa divisão inicial, é possível traçar os principais aspectos que se co- atuam na Neuroanatomia Funcional. Por esta dissertação tanger a área de Neuropsicologia, 19 será evitado o excesso de detalhes sobre cada um dos assuntos abordados a seguir. Neste sentido, o SN é interligado por Neurônios, que são células do SN que emitem ou recebem impulsos. Em relação à atuação, eles podem ser aferentes ou eferentes, e possuem algumas características básicas que permitem o desenvolvimento interacional do organismo com seu meio externo. Quanto sua classificação, eles podem ser: 1) unipolares, quando possuem um axônio saindo do corpo celular; 2) bipolares, quando possuem a saída de dois axônios do corpo celular; e 3) multipolar, quando apesar de várias extensões saírem do corpo celular, apenas uma delas é o axônio Os Neurônios, quando aferentes (ou chamados de sensitivos), levam informação da periferia até o centro (na maior parte das estimulações, esta vai até a medula para depois elevar-se ao córtex cerebral). Quando estes são eferentes (ou motores), a via é inversa. Logo, a informação sai do centro (por exemplo, córtex cerebral ou locais de reflexos, como o patelar) para a periferia . Quanto às propriedades citadas acima, na filogênese do SN e, com isso, do protoplasma, são a irritabilidade, a condutibilidade e a contratilidade. Logo, algum experimentador ao atuar sobre um organismo como uma ameba, ao tocá-la, verá que ela reagirá dessas três formas características a fim de preservar sua existência no meio. Apesar do exemplo da ameba parecer distante do Ser Humano, é importante não esquecer que a heterogeneidade independe da homogeneidade, mas é relacionada com a evolução. Logo, tanto a ameba, como uma borboleta ou uma pessoa possuem suas diferenças e suas semelhantes. A mudança é de grau, permanecendo, até certo ponto, a natureza. 20 Apesar dessa divisão inicial didática, é no encéfalo que ocorrem as relações primordiais que levam o sujeito à vida. Nesta região privilegiada do corpo, por ser a mais alta do mesmo e a mais bem protegida de acidentes e predadores, parte impulsos eferentes e chegam aferentes. Tudo o que fazemos tem encontro no encéfalo e ele regula questões relacionadas à manutenção da constância do meio interno, homeostase, (sistema nervoso visceral (SNV) ou vida vegetativa) e a interação do organismo com o meio (sistema nervoso somático (SNS). Assim, há os nervos cranianos e os raquidianos ou espinhais. Os primeiros partem do encéfalo e os segundos da medula. Eles são cordões esbranquiçados e se constituem por feixes de fibras nervosas reforçadas por tecido conjuntivo que desempenham a função de unir o SNC aos órgãos periféricos. São 12 os nervos cranianos e eles se agrupam em 3 exclusivamente sensoriais, 5 motores e 4 mistos. Quase todos se afixam no tronco encefálico. Este conjunto de nervos forma o SNP. Quanto aos nervos cranianos, eles se dividem em 12 pares . A saber: Olfatório, Óptico, Oculomotor, Troclear, Trigêmio, Abducente, Facial, Vestíbulo-Coclear, 21 Glossofaríngeo, Vago, Acessório e Hipoglosso. Como mencionado, 10 pares deles estão situados ao tronco encefálico. Um dado importante sobre a constituição do cérebro é que sua exigência básica para funcionamento se compõe de duas substâncias: oxigênio e glicose. Ambas são levadas para si a partir do fluxo sangüíneo, que deve manter-se intenso para que não se cesse esta transmissão. Caso falte alguma dessas substâncias por mais de 7 segundos, por exemplo, o sujeito perde a consciência e caso este tempo se eleve para 5 minutos, lesões irreversíveis são formadas no tecido encefálico, não passíveis, segundo a literatura utilizada, de regeneração. Com estas informações básicas e fundamentais de Neuroanatomia e, por conseqüente, de Neurologia, é possível ao leitor entrar na complexidade do SN e nas infinitas correlações que o mesmo possui com o comportamento e com aspectos como violência, fome, sede, sexo, sono, etc. Todos os dados aqui explicitados possuem relação direta ou indireta com comportamentos apresentados, porém não se faz possível, com a tecnologia presente, estudar o significado destes comportamentos a partir da anatomia encefálica. Isto quer dizer que há, sim, um correlato direto entre a Neuroanatomia com comportamentos cotidianos. Como exemplo, é possível citar estudos que comprovam que é no tronco encefálico que ocorre a regulação do ciclo sono x vigília. Para exemplificar de maneira simples: caso ocorra estimulação elétrica em áreas específicas da formação 22 reticular do bulbo e da ponte, o sujeito será levado ao estado de sono e para o mesmo entrar no sono paradoxal, ou REM, é necessário que haja integralidade dos neurônios do lócus ceruleus, núcleo situado na parte alta da ponte. Assim dizendo, o sonho necessita e depende da integralidade dos núcleos da região supracitada. Sem esta, é possível dizer que o sono seria, certamente, sem sonho. Porém, explicar como ocorre fisiologicamente o processo de dormir, acordar, comer, etc., não esclarece as interpretações variadas que cada sujeito pode dar na execução desta conduta. Utilizando o exemplo anterior, o sonhar pode ser explicado fisiologicamente, já o conteúdo do sonho, não. Esta área, então, passa a ter maior predominância dos psicólogos e neuropsicólogos, os últimos capacitados a integrar o conhecimento Neurológico com o Psicológico do sujeito e do comportamento em questão. 5.1 A evolução do Cérebro O nosso sistema nervoso é uma rede complexa que permite comunicar- -nos com o nosso ambiente. Esta rede inclui de componentes sensoriais (por exemplo, detectores de variações ambientais), componentes motores, tais como os geradores de movimentos, da contração dos músculos cardíaco e liso e de secreções glandulares e componentes interativos, que recebem, armazenam e processam as informações sensoriais e, em seguida, orquestram respostas motoras apropriadas (Costanzo, 1999). Todas as atividades de um animal dependem de um fluxo constante de informação das células sensoriais até as efetoras (Hoar, 1978). Em seres humanos, as conexões intermediárias entre um impulso recebido e uma resposta são grandes, são inúmeras, variáveis e flexíveis, refletindo a complexidade da estrutura de nosso sistema nervoso. Porém, as primeiras formas de sistema nervoso que surgiram na Terra, e que atualmente encontramos em muitos invertebrados, não tinham quase que nenhuma organização e concentração (Dethier e Stellar, 1988). Possivelmente, a evolução do sistema nervoso iniciou-se quando os organismos passaram a apresentar várias células, havendo a necessidade de um sistema organizador para que o conjunto destas funcionasse como um indivíduo único (Dethier e Stellar, 1970). Para isso, os organismos desenvolveram diferentes tipos de células, 23 responsáveis por diferentes funções, que se distribuíam em regiõesespecíficas do organismo, dando origem aos tecidos. O tecido responsável pela integração de todas estas células num organismo é chamado de tecido nervoso e é composto por células com características especiais de transmissão de impulso (responsáveis pela percepção dos estímulos ambientais, condução, análise e resposta), chamadas neurônios. O neurônio é resultado de um processo evolutivo envolvendo três linhas de especialização em uma mesma célula: uma região receptora ou de entrada; uma fibra condutora, ou região transmissora da membrana celular e uma região de relacionada com a liberação de uma secreção específica, ou substância neurotransmissora (Hoar, 1978). A possibilidade de um neurônio se comunicar com outro através de diferentes substâncias químicas (sinapse química) permitiu uma maior variação dos tipos de impulsos transmitidos (Junqueira e Carneiro, 1999). Sinapses elétricas, nas quais os neurônios têm contato físico com outro neurônio e o impulso é passado diretamente, não permitem esta variação. Os primeiros sistemas nervosos que surgiram durante a evolução animal encontravam-se distribuídos por todo corpo do animal (veja o sistema nervoso das Hidras — Barnes, 1996), sem nenhum tipo de concentração. Posteriormente, as células nervosas 24 formaram pequenos grupos pelo corpo, localizados em regiões estratégicas, o que permitiu que a recepção ao estímulo, sua interpretação e respostas fossem mais bem elaboradas e mais eficientes (Hoar, 1978). O grande marco da evolução do sistema nervoso foi a cefalização, ou seja, o desenvolvimento de um agrupamento de neurônios na região da cabeça (o encéfalo) que era responsável pela coordenação de todas as ações do corpo do animal (Sabbatini, 2002). O avanço da cefalização se deu com a aquisição de um plano corporal bilateral, com o corpo com uma região anterior e outra posterior bem definida, assumindo a extremidade anterior (a primeira parte do corpo a ter contato com novos ambientes) cada vez mais o controle de outros centros nervosos do corpo (Dethier e Stellar, 1988). A tendência do desenvolvimento de uma massa nervosa dominadora está relacionada com o aparecimento de comportamentos cada vez mais complexos e a crescente gama de órgãos sensoriais especializados (Hoar, 1978) Nos vertebrados, encontramos uma nova organização do sistema nervoso, pois esse é constituído apenas de um cordão nervoso dorsal (a medula – que tem função de integração de respostas dos movimentos reflexos e de condução de impulsos nervosos para o encéfalo) que termina em uma grande massa ganglionar, o encéfalo (Dethier e Stellar, 1988). Como consequência, houve um afastamento entre o tubo digestivo e o encéfalo (Rose, 1984). O encéfalo sofreu uma mudança na sua configuração, apresentando um alto desenvolvimento dos hemisférios cerebrais e do córtex que se situa sobre eles. Entre os vertebrados, o peso do encéfalo varia de algumas gramas em peixes até 1.400 g no homem e ainda mais em animais maiores como baleia e elefantes (Dethier e Stellar, 1988). As principais diferenciações evolutivas do encéfalo foram ocasionadas pelo aparecimento de receptores especiais, cujas fibras terminam em diferentes partes do encéfalo primitivo (Dethier e Stellar, 1988). Isto proporcionou que diferentes regiões do cérebro fossem responsáveis por diferentes funções. As regiões específicas para cada função se mostram mais desenvolvidas de acordo com a exigência do modo de vida do organismo. Por exemplo, à medida que os receptores para postura e equilíbrio tornaram-se mais importantes, uma área importante do encéfalo posterior ampliou-se, transformando-se em cerebelo. Animais que voam possuem o cerebelo relativamente mais desenvolvido que os que rastejam. Já animais predadores possuem as áreas de associação visuais e olfativas mais desenvolvidas (Romero, 1999). O córtex cerebral apareceu, a princípio, como uma região mediadora das funções olfativas e visuais (Dethier e Stellar, 1988). O córtex é um manto cinzento situado na margem externa do cérebro, formado por corpos celulares de neurônios. As regiões mais primitivas do córtex têm, em grande parte, função olfativa e visceral, as 25 regiões mais derivadas, chamadas de neocórtex, que surgiram nos répteis como uma área receptora de fibras sensoriais, estão relacionadas com análises mais sofisticadas do ambiente (Cândido, 2001). O desenvolvimento do neocórtex é tão intenso nos mamíferos superiores que ele dobra sobre si mesmo, desenvolvendo fissuras ou sulcos, e as expansões ou giros que caracterizam o cérebro convoluto. Essa região passa, com o tempo, a desenvolver, cada vez mais, a função de associação e integração de todos os estímulos recebidos. No homem, o aumento do cérebro associativo alcança o seu ápice e encontram- se poucas regiões do neocórtex que são dedicadas às funções motoras ou sensoriais (Dethier e Stellar, 1988). É interessante lembrar que juntamente com o desenvolvimento do encéfalo foi desenvolvido um sistema de inibição para que as atividades reflexas, comandadas pelas regiões mais inferiores do cérebro, fossem inibidas. O desenvolvimento do neocórtex não é, porém, a última etapa da evolução do cérebro. A última etapa foi a frontalização do neocórtex, que no macaco mais primitivo corresponde a 8% do cérebro e no homem 29% (cerca de um terço do tamanho total do cérebro) (Sabbatini, 2002). O homem de Neanderthal supostamente demonstrava menor lobo frontal comparado a um humano moderno atual do mesmo tamanho (Holloway 1985; Hayden 1993; Stringer e Gamble 1993; Mithen 1996; Noble e Davidson 1996). 26 5.2 Desenvolvimento do cérebro no homem O cérebro humano é constituído por 100 bilhões de neurônios associados a um número dez vezes maior de células gliais. Cada neurônio pode desenvolver por volta de 100.000 dendritos (ramificações), os quais permitem de 1 a 10.000 conexões sinápticas, o que possibilita um número teórico de 40 quatrilhões de padrões de conexões diferentes. Além disso, nas sinapses existem por volta de neurotransmissores 53 diferentes, que podem diferenciar um estímulo de outro (Ratey, 2001). A própria complexidade de nosso cérebro já basta para compreendermos o porquê é tão difícil prever o comportamento humano depois de algum estímulo. Muitos fatores relacionados com a nossa história evolutiva e de nossos ancestrais contribuíram para que nosso cérebro chegasse a este nível de complexidade. É necessário, porém, muito cuidado ao se falar na evolução do cérebro, pois corremos o risco de associar os desafios comportamentais pelos quais passamos (usar a linguagem, aprender a manipular competidores sociais etc.) à evolução do cérebro de 400 g do Australopithecus ao cérebro de nossos ancestrais. Possivelmente, ao contrário da função ditando a evolução da estrutura, foi uma estrutura adicional que permitiu o desenvolvimento das diversas funções no cérebro humano (Finlay et al. 2001). A evolução do cérebro humano é, provavelmente, resultado de uma “evolução em mosaico” (Mosaic Evolution), caracterizada por hipertrofias diferenciais de subsistemas físicos essenciais para a humanidade (Hayden, 1993; Stringer e Gamble 1993; Mithen 1996; Noble e Davidson 1996). Deste modo, a evolução do cérebro humano é resultado de uma seleção natural a favor de que diferentes seções do cérebro preexistentes expandissem e se especializassem de uma protuberância menos complexa situada na extremidade de um tubo neural dos vertebrados primitivos. Nos símios e nos primeiros humanos, a percepção de cores e de forma era necessária, mesmo na ausência de movimentos, o que impulsionou o desenvolvimento do córtex para desvendar esses complexos problemas visuais (Ratey, 2001). O interessante, em humanos, é o próprio desenvolvimento do cérebro do nascimento 27 até a idade adulta. A grande diferençade um cérebro de um recém-nascido (400 g) para um adulto (1.300 g) é que um imenso número de interconexões se desenvolve ao longo da vida, à medida que o encéfalo é estimulado e resultam numa rede complexa (Cardoso, 2000). 6. BASES NEUROPSICOLÓGICAS DA APRENDIZAGEM É sabido que a aprendizagem se refere à capacidade e à possibilidade que o indivíduo tem de selecionar e perceber informações, conhecer, experenciar, compreender, interpretar, associar, armazenar e utilizar essas informações oriundas do meio. Estas capacidades proporcionam a associação e integração dessas informações aos conhecimentos que o indivíduo possui, garantindo relacionamentos efetivos, e melhor qualidade de vida no meio em que vive. O indivíduo é autor do seu conhecimento quando vivencia experiências com intencionalidade, necessidade, motivação, funcionalidade e afeto, mediado por um sistema linguístico composto por símbolos gestuais, orais e gráficos para modificar seu conhecimento e, consequentemente, produzir uma resposta diferenciada e mais aprimorada ao meio. Esse interjogo entre as habilidades que o indivíduo possui e as novas potencialidades e conhecimentos que está adquirindo baseiam-se nas funções neuropsicológicos de atenção, percepção e memória que sustentam a aprendizagem, entre outros fatores. O ato de aprender se diferencia com o transcorrer da idade em: complexidade, qualidade, grau de abstração e individualidade, conforme referiu Ciasca (2000). 6.1 Definição de inteligência e aprendizagem e comparações com os outros animais Podemos dizer que há dois tipos fundamentais de comportamento. Um inato e estereotipado, executado de uma forma essencialmente igual em todos os membros de uma mesma espécie, que é produzido como resultado de um estado fisiológico interno (necessidade alimentícia, maturidade sexual, atividade rítmica dos centros nervosos) em 28 resposta a situações liberadoras do meio externo (presença de alimento, do parceiro sexual etc.) (Hoar, 1978). A evolução do sistema nervoso permitiu que os animais adquirissem versatilidade e grande capacidade de se ajustar a diferentes problemas da vida, podendo apresentar um leque comportamental bem maior que o permitido por comportamentos fixos e estereotipados. Este tipo comportamento flexível, que permite uma melhor adaptação às diferentes situações da vida, é considerado nato e entre eles podemos citar a aprendizagem. Num comportamento flexível, as interações entre a entrada e a saída de um impulso nervoso são modificadas regularmente mediante cada nova experiência, num processo dinâmico, permitindo assim a aprendizagem (Hoar, 1978). A aprendizagem leva a mudanças morfológicas no cérebro, desta forma, quanto maior a capacidade do cérebro em desenvolver essas mudanças, maior será a capacidade de aprendizagem do organismo. Esta flexibilidade de alteração cerebral a cada nova informação processada é chamada plasticidade cerebral (Ratey, 2001). Draganski et al. (2004) observaram que as pessoas demonstraram mudanças estruturais nas áreas cerebrais associadas ao armazenamento e estímulos visuais complexos, contradizendo o tradicional ponto de vista de que a plasticidade cortical está mais associada a mudanças funcionais, não anatômicas, difíceis de serem visualizadas. Muitos dos comportamentos tidos como fixos podem ser à base de comportamentos mais complexos. Ades (Zorzetto, 2003) comprovou por meio de experimentos que aranhas são capazes de aprender e aperfeiçoar seus instintos básicos, como os ligados à caça e à construção de teias (atividades tidas como inatas e inalteráveis). Quando se estuda inteligência e aprendizagem, geralmente utilizamos como indicador o comportamento. A definição mais usual de inteligência (do latim: intus, dentro, leggere, ler) em biologia é a capacidade de resolução de problemas, sejam estes os mais variáveis possíveis, tal como a maneira mais rápida, segura e eficiente de obter o melhor alimento, de acasalamento com o melhor parceiro sexual, melhor abrigo, melhor forma de enganar o predador, a melhor forma de comunicação quando se vive socialmente etc. (Krebs e Davies, 1996). No homem, reconhecemos uma capacidade de resolução de problemas mais complexos, tais como os abstratos, habilidade de desenvolver conceitos, de reunir experiências anteriores e analisá-las de maneira independente. Este processo muitas vezes é chamado de raciocínio. Porém, atualmente se têm resultados de comportamentos de animais que demonstram ser resultados de algum tipo de raciocínio. Os macacos, por exemplo, conseguem diferenciar em diferentes sequências de letras repetidas, as letras DDEEDDEE como a que corresponde ao compartimento de alimento. Apesar de este exemplo estar associado a processos simbólicos, eles ainda estão relacionados à resposta 29 a estímulos fisiológicos, no caso, o alimento. No ser humano e nos primatas superiores, o grande desenvolvimento do raciocínio, da capacidade abstrata e de processos simbólicos permitiu a estes organismos desenvolver um comportamento muitas vezes independente de estímulos sensoriais, instintos ou hábitos, o que possibilita realizar adaptações ao ambiente, avaliando-o com raciocínio, uso de símbolo e linguagem (Dethier e Stellar, 1988). A memória é a força centrípeta que congrega a aprendizagem (Ratey, 2001). A região do nosso cérebro responsável pela memória é o hipocampo. O armazenamento de informações está muito associado a alterações químicas nesta região. Príons normais (proteínas capazes de mudar a conformação de outras proteínas) associados à laminina (proteínas associadas à união de células), por exemplo, parecem ter um papel importante na formação da memória (Greco, 2003). A definição de aprendizagem em biologia é a mudança de comportamento devido a uma experiência anterior (seja esta positiva ou negativa). Portanto, somente há aprendizagem se houver mudança de comportamento. Assim como inteligência, observa-se também comportamento de aprendizagem na maioria dos filos de animais. A capacidade de aprender talvez seja uma característica própria do sistema nervoso, que por meio da experiência permite adaptação aos desafios ambientais (Zorzetto, 2003). Piaget emprega o termo adaptação biológica para a formação do pensamento humano. A formação do conhecimento é precedida pela relação (adaptação) entre o pensamento e o meio (Montangero e Maurice-Naville, 1988). Animais de vida curta apresentam a maior parte do comportamento determinada geneticamente (estereotipados), enquanto que animais de vida longa mudam o seu comportamento depois de passar por determinados tipos de experiências (Pianka, 1990). Este fato possivelmente está relacionado a adaptações a diferentes modos de vida. Possivelmente, um animal de vida curta não teria tempo de desenvolver aprendizagem, já que é um processo relativamente longo para o seu período de vida. Um animal de vida longa enfrentará, relativamente, mais mudanças ambientais com as quais seria difícil lidar com comportamentos apenas estereotipados e instintivos. Desta forma, a aprendizagem passa a ser uma das características mais notáveis do comportamento dos organismos vivos, permitindo que este ser adquira novas adaptações em relação ao seu meio. Compartilhamos com os animais diferentes tipos de aprendizagens, dos mais simples como a impressão, em que o recém- nascido segue a primeira imagem ou som (comum em aves) e habituação (em que exposições repetidas a um mesmo estímulo neutro, diminui a sua resposta natural, até que essa desaparece) à solução de problemas e raciocínios. Nesses últimos aspectos, as diferenças entre os animais são muito grandes (Dethier e Stellar, 1988). É importante 30 ressaltar que a complexidade da aprendizagem evoluiu simultaneamente com o desenvolvimento de áreas cerebrais relacionadas com a cognição e a associação (ou seja, inteligência)que, por sua vez, ocorreu simultaneamente com a evolução da linguagem (Sabbatini, 2002). Um grande número de fatores contribuiu para que a evolução do cérebro no homem entre eles: 1) a possibilidade de um grande aumento do tamanho do cérebro (em relação ao tamanho do corpo) e do desenvolvimento de sua alta complexidade; 2) do aparecimento de fatores que inibissem as atividades inatas, em razão de outras mais elaboradas (Sabbatini, 2000; Cândido, 2001); 3) a capacidade de viver em grupos; 4) cordas vocais que permitiram melhor articulação de sons; 5) desenvolvimento de áreas cerebrais responsáveis por funções descritivas e argumentativas da linguagem, e 6) o fato de o sentido do “eu” ocupar a posição central no que se refere à consciência do comportamento e planejamento (Cândido, 2001). 31 6.2 As bases neuropsicológicas segundo Luria Em 1984, Luria referiu em sua obra os processos mentais de atenção, percepção e memória relacionando-os ao processo de aprendizagem e à compreensão das suas dificuldades no contexto educacional. Tais processos mentais são tidos como as bases neuropsicológicas da aprendizagem, pois permitem a realização de funções como: seleção de elementos para atividade mental, manutenção do organismo sob estado de alerta e vigilância, distinção de aspectos essenciais de objetos, comparação de objetos, formulação e comparação de hipóteses e a fixação de informação, considerando a quantidade e a duração de seu armazenamento. Ressaltou, ainda, que estes processos mentais envolvem o funcionamento coordenado, em série e em paralelo, de diversas zonas cerebrais, tendo como aspecto mediador a linguagem. A aprendizagem é considerada uma função neural complexa, pois envolve o funcionamento de diversos processos mentais que correspondem à ativação e inibição de diversas áreas cerebrais concomitantemente. Luria (1984) também mencionou que a atenção, um processo mental básico, é responsável pela escolha dos elementos essenciais para a atividade mental e mantém uma severa vigilância sobre o curso organizado desta atividade. Possui um grau de direção e seletividade. Entre muitos estímulos, o homem só responde àqueles poucos que são fortes ou que parecem importantes, particularmente, e correspondem aos seus interesses, intenções ou tarefas imediatas para atingir um objetivo necessário. Desde os primeiros meses do desenvolvimento humano observam-se as características da atenção mais elementar, involuntária, do tipo da atração pelos estímulos mais poderosos ou biologicamente mais significativos com movimentos como o despertar, a volta dos olhos e depois da cabeça em direção a um estímulo com mudanças respiratórias, cardiovasculares e eletrofisiológicas do sistema nervoso central. A formação da atenção voluntária tem uma história longa e dramática: a criança só adquire uma atenção eficiente 32 e estável, socialmente organizada, pouco antes de começar a frequentar a escola. Por volta de 1,6 a 2,4 anos, uma instrução falada ainda não prepondera sobre a atenção involuntária. Aspectos distrativos suprimem com facilidade a forma superior e social de atenção que apenas começou a se desenvolver. Por volta de 4,6 a 5 anos, a capacidade de obedecer a uma instrução falada se torna suficientemente forte para evocar uma conexão dominante, de modo a permitir que a criança possa facilmente eliminar a influência de fatores irrelevantes, distrativos, embora possam continuar a aparecer, ainda, por um tempo considerável, sinais de instabilidade de formas superiores de atenção evocadas por uma instrução falada. Por fim, dos 12 aos 15 anos aparecem formas estáveis e precisas da atenção voluntária. Torna-se claro, então, que a atenção se torna mais efetiva quando o ato que a exige vier acompanhado de fala. Luria mencionou alguns indicadores fisiológicos que garantem a estabilidade da atenção, pois todo fenômeno de alerta é acompanhado por um grupo de sintomas que indica um aumento geral no nível de prontidão ou tono do organismo, como as alterações no batimento cardíaco, na respiração, constrição de vasos sanguíneos periféricos, o aparecimento de numerosos pontos corticais sincronicamente funcionais e mudanças no potencial do eletroencefalograma. O mecanismo do tronco cerebral superior e da formação reticular ativadora ascendente é responsável pela condição mais elementar de atenção, ou seja, o estado generalizado de vigília. No córtex límbico e na região frontal se processam formas mais complexas de atenção, seja voluntária ou involuntária, pois exige a possibilidade de reconhecimento seletivo de determinado estímulo e a inibição de respostas a estímulos irrelevantes para determinada situação. Os lobos frontais desempenham um papel importante no aumento do nível de vigilância de um indivíduo quando ele estiver realizando uma tarefa. Sendo assim, os lobos frontais participam decisivamente nas formas superiores de atenção. Luria (1984) referiu-se a outra base neuropsicológica da aprendizagem, a percepção, definindo-a como um processo mental complexo e ativo que envolve a procura das informações correspondentes, a distinção dos aspectos essenciais de um objeto, a comparação desses aspectos uns aos outros, a formulação de hipóteses apropriadas e a comparação desses com os dados originais. As informações percebidas são analisadas no sistema nervoso central e compõem um grande número de componentes ou pistas que são codificadas ou sintetizadas. Essas pistas são inseridas nos sistemas neurais correspondentes com o auxílio de códigos, como os linguísticos, conferindo um caráter categórico. Daí, ocorre um processo de comparação do efeito com a hipótese original. O autor citou que há diferenças na percepção de objetos familiares, um processo perceptivo contraído, e de objetos novos, 33 um processo completo. O mesmo modelo pode ser utilizado para objetos simples e complexos. A organização cerebral da percepção sugere a participação coordenada das zonas cerebrais primárias e secundárias visual, temporal, parietal e frontal, cada uma desempenhando o seu papel particular durante o processo perceptivo. Uma lesão ou disfunção em qualquer uma das zonas ocasionará um distúrbio no complexo sistema perceptivo. Quanto mais complexo o objeto percebido, e quanto menos familiar, mais detalhada será a atividade perceptiva. Tanto a direção quanto o caráter destas buscas perceptivas variam com a natureza da tarefa perceptiva, como os movimentos oculares registrados durante o exame de um objeto complexo. É este caráter ativo do processo que é dependente do papel dos lobos frontais na percepção. A atividade perceptiva não se limita aos processos de percepção visual, mas inclui necessariamente a formação ativa de imagens visuais correspondentes a um único significado verbal. A linguagem também desempenha papel fundamental no processo da percepção humana. Por fim, Luria (1984) complementou com a complexa função neuropsicológica da memória que consiste em uma série de estágios sucessivos que diferem em sua estrutura psicológica, no “volume” de traços passíveis de fixação e na duração de seu armazenamento, e que se estendem por um certo período. A memorização inicia-se com a estampagem de pistas sensoriais, como os sons da fala. Há o processo de “codificação de traços”, os estímulos percebidos são convertidos em imagens visuais, pressupondo a seleção de uma imagem apropriada entre muitas possíveis e a inclusão da imagem visual em um sistema de categorias. A recordação, ou seja, o processo de evocar e utilizar as informações armazenadas, constitui o elo principal na transição da memória de “curta duração” ou “trabalho” para a de “longa duração”. O processo de recordação é complexo e ativo. Para tanto, o indivíduo seleciona os sinais importantes e inibe os não importantes, dependendo doobjetivo da tarefa, dos componentes sensoriais ou lógicos do material estampado e os encaixa em sistemas neurais apropriados. A recordação aumenta o volume de material passível de ser recordado, aumenta o tempo durante o qual ele pode ser retido e, algumas vezes, abole a ação inibidora de agentes irrelevantes e interferentes. Quando esse processo é dirigido e seletivo, requer um tono cortical ótimo ou um estado de vigilância total. O esquecimento é um regulador de ações irrelevantes e interferentes, inibindo a lembrança normal de traços previamente estampados. Ocorre em decorrência da reprodução aumentada de traços, erro na recordação antes do decorrido tempo apropriado, a influência forte de qualquer atividade irrelevante que ocorra entre o momento da 34 estampagem e o da recordação. O esquecimento também pode ocorrer quando determinadas informações não são úteis ao indivíduo, ou seja, quando o mesmo deixa de evocar ou utilizar tais informações armazenadas anteriormente. Nesse momento, o sistema nervoso central se encarrega de descartar tais traços irrelevantes. A recordação ativa requer que o indivíduo tenha uma intenção estável e integridade das zonas corticais dos analisadores correspondentes, que deverão dividir as informações que chegam em pistas elementares, modalmente específicas (visuais, auditivas, ou táteis), selecionar as pistas relevantes e, por fim, reuni-las sem empecilhos em estruturas integrais e dinâmicas. Além disso, exige a integridade de zonas corticais secundárias e terciárias mais elevadas, num trabalho sucessivo e simultâneo com o auxílio da linguagem para organização das informações em imagem. Para a recordação voluntária há condições básicas como a preservação de uma tarefa mnêmica, ou seja, presença de motivos para recordar e a preservação de um sistema de procura ativa de métodos que ajudem na realização da tarefa e na comparação dos resultados com a intenção original. As regiões cerebrais que estão envolvidas no funcionamento da memória são o lobo frontal, a formação reticular, o sistema límbico, o lobo parietal e o lobo temporal. Entretanto, a organização cerebral das formas complexas da atividade mnêmica ainda continua sendo muito explorada pela ciência neuropsicológica. No homem, este processo altamente organizado de recordação se baseia em um sistema completo funcionando em concerto no córtex e em estruturas subjacentes, e cada um desses sistemas dá a sua contribuição específica para a organização dos processos mnêmicos. Estudos revelam que zonas profundas do cérebro, limítrofes com a formação reticular da porção superior do tronco cerebral e que incluem as estruturas límbicas, estão envolvidas diretamente não apenas com a manutenção do tono cortical ótimo, mas com a criação das condições necessárias à retenção dos traços da experiência direta. 6.2 Pesquisas sobre a aprendizagem e suas funções Papalia e Olds (2000) referiram que a aprendizagem aborda o processamento de informações e analisa os processos mentais subjacentes ao comportamento inteligente, como a percepção, atenção, memória e resolução de problemas. Esta abordagem estuda como os indivíduos adquirem, transformam e usam as informações sensoriais por meio da 35 manipulação de símbolos ou imagens mentais. Os indivíduos são agentes ativos que pensam sobre o mundo. Para Lent (2001), prestar atenção é focalizar a consciência, concentrando os processos mentais em uma única tarefa principal e colocando as demais em segundo plano, sensibilizando seletivamente um conjunto de regiões cerebrais que executam a tarefa principal, inibindo as demais. Contém dois aspectos principais: a criação de um estado de alerta e a focalização desse estado sobre certos processos mentais e neurobiológicos. O autor relatou que a atenção é um mecanismo seletivo destinado a separar os estímulos relevantes dos irrelevantes, criando melhores condições para perceber os relevantes. Uma das formas de se medir a atenção seria verificar o tempo de reação (tempo decorrido entre o aparecimento do estímulo e a resposta motora do indivíduo), denominado método de cronometria mental. Ressaltou, ainda, outras formas de avaliar a atenção como o EEG (eletroencefalograma), o PET (tomografia por emissão de pósitrons) e a RMF (ressonância magnética funcional). Lent (2001) referiu tipos de atenção voluntária, como a explícita quando o foco de atenção coincide com a fixação visual e tende a ser automática e a implícita quando o olhar está fixo num lugar e pode-se movimentar o foco atencional para regiões vizinhas do campo visual. O autor complementou que a percepção humana é a capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o comportamento humano. A percepção é dependente de outros processos mentais, é diferente dos sentidos. Um dos aspectos que diferencia a percepção das sensações é a constância perceptual, pois permite o reconhecimento do objeto mesmo que ele seja percebido de formas diferentes: posições, partes, entre outros. Para Lent, a percepção envolve a participação coordenada entre sistemas sensoriais que são responsáveis pela fase analítica de cada atributo ou característica das informações e sistemas corticais que são responsáveis pela fase sintética das características das informações, buscando um significado contextual. A literatura refere o uso de mais tempo para perceber um objeto quando se tem de analisar mais de um atributo do objeto, pelo fato de se fazer uso de mais canais perceptuais diferentes simultaneamente. Lent (2001) considerou a aprendizagem como o processo de aquisição das novas informações que serão retidas na memória, tornando o indivíduo capaz de orientar o comportamento e o pensamento. Sendo assim, memória seria a capacidade que têm os homens e os animais de armazenar de forma seletiva as informações que possam ser recuperadas e utilizadas posteriormente, consciente e inconscientemente. A memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem. Todos os indivíduos 36 são capazes de aprender, o que significa que todos têm algum tipo de memória. A memória pode ser classificada quanto à sua natureza e quanto ao tempo de retenção. Essa classificação é importante, pois verificou-se que os tipos de memória são operados por mecanismos e regiões cerebrais distintas. Quanto ao tempo de retenção ou duração de armazenamento das informações, a memória é classificada em ultrarrápida quando dura frações de segundos a alguns segundos referindo-se a uma memória sensorial; curta duração ou memória de trabalho quando dura minutos ou horas e garante o sentido de continuidade do presente, e memória de longa duração quando dura horas, dias ou anos e garante o registro do passado autobiográfico e dos conhecimentos do indivíduo, ou seja, o estabelecimento de engramas duradouros. Quanto à natureza, a memória pode ser classificada em três grandes grupos: a explícita ou declarativa quando as informações armazenadas podem ser descritas por meio de palavras; a implícita ou não declarativa quando não pode ser descrita por meio de palavras, e a operacional quando permite o raciocínio e o planejamento do comportamento. A memória explícita é subdividida em episódica quando refere-se ao armazenamento de fatos sequenciados com uma referência temporal e semântica quando envolve conceitos atemporais para fatos culturais. A implícita é subdividida em memória de representação perceptual quando representa imagens de um evento preliminar à compreensão do que ele significa; memória de procedimentos quando armazena hábitos, habilidades e regras em geral; memória associativa quando associa dois ou mais estímulos a uma resposta representando um comportamento condicionado, e memória não associativaquando se refere à atenuação ou habituação do indivíduo por meio da repetição de um mesmo estímulo. A memória operacional é útil para o raciocínio imediato e a resolução de problemas, ou para a elaboração de comportamentos, podendo ser esquecidos logo a seguir. Esse repertório de capacidades mnemônicas começa com a aquisição de informações, isto é, com a entrada dos dados selecionados para o sistema de armazenamento da memória, garantindo a aprendizagem. 37 7. CONCLUSÃO O conhecimento das bases neuropsicológicas do processo de aprendizagem torna- se importante para entendermos como o indivíduo modifica seu comportamento ao longo do desenvolvimento normal, compreendermos as dificuldades inerentes a esse processo, decorrente da influência direta de fatores internos e externos ao organismo, e delinearmos processos diagnósticos, terapêuticos e educacionais mais apropriados. Pesquisas recentes demonstram que os processos envolvidos na aprendizagem não são regidos apenas pelo organismo, mas também pelo contexto em que o indivíduo está inserido. Diante disso, o aprendiz deve desenvolver a capacidade de se adaptar a novos contextos, relacionamentos e situações realizando o interjogo com as informações retidas e experiências vividas. Enfim, a ciência vem aprofundando os estudos com relação à aprendizagem, pois se constatou que esta, não sendo uma função neural simples, envolve aspectos socioeconômico e culturais, comportamentais, emocionais, linguísticos, intelectuais e educacionais para sua efetividade. Os profissionais que atuam ou se interessam em atuar nesse âmbito devem ter consciência dessa complexidade e compreender a interdisciplinaridade que isso implica. Antunes (2002) ressaltou que tal preocupação interdisciplinar decorre da busca de ações para garantir a qualidade de vida, como também para compreender e encontrar soluções para as dificuldades que os indivíduos apresentam durante o processo de aprendizagem, aproveitando suas potencialidades. Equipamentos e exames avançados de tomografia cerebral, instrumentos de ponta sobre ressonâncias magnéticas, microcirurgias cerebrais projetam imagens sobre como a mente aprende. Desse modo, torna-se evidente que os saberes não se acumulam, não constituem um estoque que se agrega à mente, mas, sim, há a transformação das relações estabelecidas e da coordenação entre os esquemas neurais de conhecimento que o indivíduo possui, em novos vínculos, sinapses e relações a cada nova aprendizagem conquistada. A rapidez da evolução científica torna obsoletas descobertas recém-feitas, mas isso não parece ser relevante, afinal, os profissionais devem descobrir seus caminhos ao longo do próprio caminhar. Isso impulsiona o homem a buscar novas descobertas constantemente. 38 REFERÊNCIAS Alt K.W.; Jeunesse C.; Buitrago-Téllez C.H.; Wächter R.; Boës E.; Pichler S.L. Evidence for stone age cranial surgery. Nature 387:360. 1997 2 Antunes, C. Novas formas de aprender — novas formas de ensinar. Porto Alegre: Ed. Artmed. 170p, 2002. Ciasca, S. M. Avaliação neuropsicológica e neuroimagem nos distúrbios de aprendizagem — leitura e escrita. In Associação Brasileira de Dislexia. Dislexia — Cérebro, Cognição e Aprendizagem. 2000, São Paulo: Frôntis Editorial. p. 127-33. Lent, R. Cem bilhões de neurônios — Conceitos fundamentais de neurociência. Ed. Atheneu, São Paulo, 2001. 698p. Temas multidisciplinares de neuropsicologia & aprendizagem / Luiza Elena Leite Ribeiro doValle. -- 2. ed. -- Ribeirão Preto, SP : Novo Conceito Editora, 2011 Luria, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. EDUSP, São Paulo, 1984. 346p. Papalia, D. E. & Olds, S. W. Desenvolvimento humano. Ed. Artmed, Porto Alegre, 2000. 684p René Descartes(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Descartes_diagram.png), Descartes diagram“, marked as public domain, more details on Wikimedia Commons: https://commons.wikimedia.org/wiki/Template:PD-old.) OCDE. Compreendendo o cérebro. São Paulo. Senac Editora, 2003. Pennington, B. F. Diagnóstico de distúrbios de aprendizagem. Ed. brasileira coordenada por S. Pfromm Netto. São Paulo: Pioneira, 1997.