Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
História Geral da Arte 1. As definições de arte O conceito de arte é alterado de acordo com a época e a cultura. Pode ser separado ou não, como é entendido hoje na civilização ocidental, do artesanato, da ciência, da religião e da técnica no sentido tecnológico. Essa mutabilidade do conceito depende tanto daqueles que produzem os objetos que receberão a definição de obra de arte, quanto da sociedade na qual esses mesmos objetos são feitos. Assim, entre os povos ditos primitivos, a arte, a religião e o conhecimento acumulado não existiam de forma separada, tampouco havia o artista como figura autônoma dentro dessas sociedades. Naquele momento, arte era um conceito aplicado a certas habilidades que algumas pessoas possuíam para realizar uma tarefa. Para os gregos antigos do século V a.C., a palavra usada para definir arte, ou capacidade de realizar algo a partir de certas habilidades e conhecimentos, era tekné, que etimologicamente deu origem à palavra técnica que usamos hoje. Para aqueles gregos havia a arte, ou técnica, de se fazer esculturas, pinturas, sapatos ou navios. O termo arte, com o passar dos séculos, (e dependendo das sociedades nas quais se verificar a existência desse conceito), modificou-se bastante. Na Europa, durante um longo período, o termo servia para designar uma atividade relacionada à capacidade de criar objetos, pinturas, obras com muita qualidade, perícia e talento. Atualmente, arte é um termo relacionado à criação de imagens, sons, objetos, espaços (virtuais ou físicos), que contenham alguma qualidade plástica que se destaque a partir do ponto de vista da sociedade. O reconhecimento dessas qualidades, em geral, é feito por um crítico ou por alguém cuja opinião seja ouvida. É essa opinião, quando aceita pela sociedade dentro da qual ela foi emitida, que irá determinar o que é e o que não é arte, assim como o que é e o que não é obra-prima. “O significado de obra-prima vem do período medieval. Para um artífice, artesão, pintor, escultor, ourives – ou qualquer outra profissão que dependesse de um conhecimento específico – ser chamado de mestre, dependeria da sua capacidade de criar uma obra-prima, ou seja, algo resultante de seu trabalho, que fosse avaliada por seus pares, e nela reconhecessem um grande talento e qualidade.” 1.1. A importância do estudo da arte na arquitetura As teorias no campo da arquitetura alimentam-se direta ou indiretamente de diversos outros campos do saber humano, e entre eles está a esfera do conhecimento produzido pelas teorias artísticas. Estas, por sua vez, possuem uma dinâmica mais intensa do que a da arquitetura, por razões de sua própria materialidade e forma de produção. Por isso, é fundamental desenvolver um olhar atento sobre o objeto artístico, suas concepções e teorias, sua forma de produção e investigar como, em qualquer período da história, a arquitetura e a cidade (os edifícios e os espaços abertos) sofreram influências significativas da produção artística. Por exemplo, o tratadista renascentista Leon Battista Alberti escreveu os Tratados da pintura, da escultura e da arquitetura, que se chamam De re Aedificatoria. Nesse último trabalho, o conceito de belo na arquitetura está relacionado com a música. Outra forma de influência e relação entre arte e arquitetura acontece quando as formas plásticas de um determinado movimento ou teoria artística são aplicadas diretamente em um projeto arquitetônico. Segue um exemplo. O arquiteto franco-suíço Le Corbusier estava muito ligado ao Purismo, movimento artístico que transformou alguns princípios do Cubismo no início do século XX. A Vila Stein – também conhecida como Villa Garches, Villa de Monzie, e Villa Stein-de Monzie – é uma residência unifamiliar que foi projetada por Le Corbusier e construída em 1927, em Garches, na França. No seu desenvolvimento, o arquiteto utilizou um sistema construtivo (chamado de sistema independente) que permite que as paredes não façam parte da estrutura. Apesar desse sistema não ser exatamente uma novidade na época, a forma de utilização e de criação de espaços com ele era algo ainda a ser explorado. Nesse projeto, o arquiteto utilizou sua experiência pessoal em artes plásticas para criar uma arquitetura diferenciada, combinando esse tipo de estrutura com um conceito de arte. Um dos objetivos era o de criar espaços arquitetônicos fluidos e livres, em contraponto ao espaço rígido da arquitetura tradicional, explorando o sistema independente formado por pilares e lajes planas, necessário para a edificação. A partir do diagrama explicativo abaixo, é possível visualizar como o arquiteto utilizou uma obra de arte, feita por ele mesmo dentro dos princípios do Purismo, para criar ambientes arquitetônicos. A expressão plástica do quadro (1) foi utilizada para definir os espaços da residência por meio da inserção de suas formas livres sobre uma retícula construtiva (2). A estrutura, composta pelos pilares e lajes, é definida separadamente, e forma uma grade virtual (3). Nela, o arquiteto posiciona paredes, escadas, pisos e divisórias, da mesma maneira livre como ele se expressa na segunda etapa do processo, resultando em um conjunto arquitetônico regular e diferente ao mesmo tempo (4). 1 – Le Corbusier. Natureza morta com numerosos objetos, 1923. Óleo sobre tela, 114 x 146 cm. Fondation Le Corbusier 2 – Linhas principais de expressão do quadro anterior 3 – Malha reticulada com distribuição da estrutura (pilares) e organização de espaços com eixos virtuais da Villa Stein. 4 – Planta do primeiro andar da Villa Stein. Aqui está representado apenas este andar, mas os demais são semelhantes, em termos de conceito arquitetônico. 1.2. As transformações da arte ao longo do tempo Para melhor compreender a enorme quantidade de informações, momentos, tendências e movimentos artísticos, recorre-se geralmente às linhas do tempo (ou linhas cronológicas), para que assim se permita uma visualização sequencial dos diversos períodos que a arte percorreu na história humana. Porém, qualquer tentativa de estabelecer uma linha cronológica que organize temporalmente os diversos momentos pelos quais cada civilização construiu seus objetos artísticos (com seus valores socioculturais e técnicas específicas), esbarra na dificuldade de definição de datas e conceitos exatos. Além disso, ao longo do tempo, certas classificações que costumavam ser consideradas adequadas podem e vão sendo questionadas e alteradas. Um exemplo disso foi o Maneirismo, que tendo ocorrido no século XVI, recebeu sua definição teórica na última década do século XIX. Por isso, as linhas do tempo devem ser utilizadas dentro de um limite bastante claro: elas contribuem muito para compreender de maneira geral as transformações da arte ao longo da história, mas devem ser vistas com cautela quando o intuito é estudar mais detalhadamente uma obra de arte, a vida de um artista ou um movimento, com uma visão de estudioso, mais específica. É muito comum que certos movimentos artísticos ocorram contemporaneamente. Também é habitual encontrar opiniões de autores que divergem entre si sobre um determinado assunto, data ou conceito. É também importante destacar que existem períodos de indefinição (transição) sobre a arte, nos quais um momento e um conceito muito bem definidos estão sendo substituído por outros, ainda não muito claros. Assim, neste texto privilegiou-se abordar conceitos e definições mais cristalizadas e geralmente aceitas como corretas sobre a definição de arte e da importância real de alguns objetos artísticos. Mas, com o passar do tempo, certamente essas noções poderão ser alteradas. “A definição de arte é mutável, e depende muito do momento histórico. Além disso, a própria noção de arte, usada para descrever uma área de conhecimento autônoma (que é a maneira como a compreendemos atualmente), nem sempre existiu. Portanto, o conceito de arte usado hoje serve para descreveruma qualidade pertencente a algo criado para ser visto como uma obra de arte, mas que, para alcançar esse patamar, necessita ter algum valor reconhecido por um público. Um desses valores, que caracteriza intensamente a noção de arte, é a capacidade de um objeto, edifício, texto, imagem, som ou qualquer outro suporte físico, de estimular nossos sentidos, físicos e intelectuais, não dependendo de qualquer relação com uma finalidade prática, ou função. Isso significa que a arte, para ser vista como tal, não deve ter um fim específico. Mas lembre-se: esse conceito pode e certamente se modificará ao longo do tempo.” 2. O Classicismo em Grécia e Roma (séc. 5.A.C. a 6.D.C.) e a crise do classicismo (séc. 5 D.C. a séc.15) 2.1. A arte na Grécia antiga Foi a partir do século 5 a.C. que se deu o auge da arte grega. Nesse momento tem início a busca da representação do corpo humano de uma maneira mais fiel à realidade visível que o compõe. Os gregos, amplamente influenciados pelos egípcios, basearam suas representações escultóricas nas observações diretas do corpo a ser representado, e não na reprodução de um conhecimento pronto que dizia como deveria ser essa representação. Essa pesquisa constante pela representação mais fiel do corpo humano também se estendeu à pintura. A influência da arte egípcia, apesar de ser limitadora, pois se baseava em regras de representação rígidas, deu uma contribuição importante à arte grega no seu auge: no Egito a representação tentava ser a mais detalhada e completa possível, e estimulou o artista grego a continuar explorando a anatomia dos ossos e músculos, e a formar uma imagem convincente da figura humana, inclusive debaixo das roupagens das esculturas. A busca da representação do movimento do corpo humano, e não apenas da sua forma, também fez parte da arte grega. Os jogos e exibições esportivas requisitavam estátuas que representassem o mais fielmente possível os chamados “atletas” da época. “A composição nas artes plásticas Composição, nas artes plásticas, é a maneira pela qual o artista organiza espacialmente as cores, volumes, formas, linhas e quaisquer outros elementos que façam parte da obra. A composição é essencial quando a obra de arte possui um tema ou assunto, pois é ela que contribui para construir a narrativa a ser apreendida pelo espectador. Por outro lado, algumas obras de arte não possuem um tema, assunto, ou cena identificável. Nesse caso, o autor do trabalho preferiu privilegiar apenas a composição.” Apesar dessa intensa busca pela realidade, havia ainda na arte grega, principalmente na escultura, alguma idealização do corpo humano. Isso significa que, mesmo levando em consideração os aspectos físicos do corpo, as representações deste não eram exatamente fiéis. Certas deformações na anatomia eram feitas para tornar a estátua mais interessante à percepção do observador, ou para tornar o corpo representado em pedra com proporções mais equilibradas, buscando atingir um ideal de beleza. Discóbolo Autor: Míron Cerca de 460 a.C. Cópia feita no período de Roma antiga. Museu Nacional, Nápoles, Itália. Esta famosa estátua reúne as inquietações de Míron, escultor grego, em busca da representação da figura em movimento. O ângulo de visão mais satisfatório – de perfil, com o rosto de frente para o observador da escultura – permite que se possa observar a elaborada composição, baseada em uma linha de curvas acentuadas que percorrem a estátua de cima a baixo, combinada com a ampla curva descrita pelos braços e pela linha dos ombros, prolongando-se pela perna esquerda, que está retraída. A capacidade dessa escultura de transmitir um alto grau de realidade anatômica era uma das características da arte grega na época. 2.2. A arte na Roma antiga A arte do antigo Império Romano do ocidente, foi muito influenciada pela cultura da Grécia antiga e pelos etruscos, estendendo-se do século 8 a.C ao século 5 d.C., difundindo-se por diversas expressões artísticas desde a construção de edifícios públicos, até a pintura afresco, a escultura, entre outras formas de manifestação artística. Mas foi na arquitetura e na escultura que se pode visualizar com mais nitidez os avanços e influências da arte Romana clássica. A escultura da Roma antiga desenvolveu-se em toda a área de influência romana, com seu foco na metrópole, entre os séculos VI a.C. e V d.C. Em sua origem, derivou da escultura grega, primeiro por meio da herança etrusca, e logo diretamente com a própria Grécia, durante o período helenista. Apesar da reconhecida influência da escultura grega em toda a Roma antiga, hoje se pode afirmar que os artífices romanos não eram meros copiadores. Eles deram importantes contribuições para a escultura, principalmente na criação de obras feitas especificamente para grandes monumentos públicos, nas quais a capacidade de uma estátua de expressar significados vinculados ao poder de Roma era algo fundamental e conseguido com muita dedicação e talento dos escultores da época. A reprodução de bustos, rostos, e perfis em relevo era de grande qualidade. Augusto de Prima Porta Autor desconhecido. Mármore. Museu Vaticano, Itália. A estátua representa Augusto César, imperador romano, foi baseada no Doríforo de Policleto (escultor grego) do século 5 a.C, e foi talhada em mármore. Ainda contém alguns resquícios de tintas douradas, púrpuras, azuis e outras cores com as quais ela foi policromada. Classicismo greco-romano: • influenciou com intensidade a formação do mundo ocidental; • privilegiou a representação física com fidelidade ao mundo real; • criou um padrão de beleza ideal a partir de uma interpretação do mundo real. 3. A crise do Classicismo: a relação Oriente e Ocidente na Idade Média (476- 1453) A queda do Império Romano é assinalada pela conquista de Roma no ano de 476 pelos povos germânicos, combinada com a ascensão do cristianismo como religião oficial, a qual se impôs, paulatinamente, sobre as antigas crenças, tanto as romanas como as das tribos germânicas, que passaram a ser tratadas como pagãs. Esse processo teve lugar tanto no Ocidente como no Leste europeu. Em ambas as regiões, entretanto, permaneceu o desejo de retomar a pujança do antigo Império Romano. Assim, enquanto a parte Ocidental do continente assistiu, na Idade Média, à formação do Sacro Império Romano Germânico, na banda oriental conformou-se o denominado Império Romano do Oriente ou Império Bizantino, cuja capital era Bizâncio ou Constantinopla (atual Istambul, na Turquia). A queda do Império Bizantino, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, marca o fim do período medieval. Essa época caracterizou-se, no campo artístico, pelo predomínio dos temas da religião cristã, pela busca da representação do sagrado na pintura, na escultura e na arquitetura. Porém, a arte cristã medieval pode ser dividida em arte bizantina e arte medieval do Ocidente. 3.1. A arte cristã no Império Bizantino O Império Bizantino manteve-se distanciado das influências dos povos bárbaros germânicos. Em Bizâncio e nas áreas sob seu controle, desenvolveu-se uma arte cristã cujo auge ocorreu no século 6, no Império de Justiniano I, e que combinava influências da arte romana, da Grécia antiga e do Oriente Médio. A própria localização geográfica de Constantinopla (hoje Istambul na Turquia), na fronteira entre o Oriente e o Ocidente, era favorável a essa confluência artística. Há que se considerar ainda a constante ingerência do clero cristão do Oriente sobre a arte bizantina, o que contribuía para torná-la profundamente religiosa. Ademais, o próprio Imperador do Oriente devia o seu poder ao caráter teocrático do Império Bizantino, motivo pelo qual estimulava a produção de obras de arte, como mosaicos, nos quais era representado, com sua cabeça aureolada, geralmente ladeando a própria Virgem Maria e o Menino Jesus. Na arte bizantina, têm destaque a pinturaparietal (em paredes), a pintura mural, as iluminuras, a tapeçaria e os mosaicos. Basílica de San Vitale, Ravena, Itália. No período bizantino, o uso da cúpula apoiada sobre pendentes e os arcobotantes possibilitaram aumentar significativamente o tamanho das edificações e, consequentemente o seu espaço interno. Mas apesar disso, e do aumento da quantidade de aberturas nas fachadas das construções as paredes ainda eram grossas, lisas e amplas. Os mosaicos e afrescos bizantinos tinham como uma de suas finalidades ornamentar e enriquecer essas extensas superfícies, transmitindo, ao mesmo tempo, as imagens de reis, rainhas, santos, santas, clérigos e os personagens da religião cristã. 3.2. A arte cristã na Europa ocidental medieval No Ocidente medieval, caracterizado pelo feudalismo, a arte também foi predominantemente cristã. O próprio sistema feudal, marcado pela organização política fragmentada em feudos e pela divisão social em oratore (os que oram), belatore (os que guerreiam) e laboratore (os que trabalham, especialmente lavram a terra), era legitimado pela Igreja Cristã, pois essa forma de organização política e social era considerada a expressão da vontade de Deus na Terra, que somente podia ser interpretada e compreendida pelos clérigos. Neste sentido, a arte do Ocidente medieval voltava-se em especial para a representação dos desígnios divinos, com imagens do céu e do inferno, de modo a ensinar o caminho da salvação cristã à população, que em sua quase totalidade era analfabeta. Costuma-se dividir a trajetória da História da Arte do Ocidente Medieval em três momentos significativos: • Arte Românica: corresponde ao período do auge do feudalismo, sendo, portanto, a expressão artística da sociedade rural feudal acima descrita; • Renascimento Carolíngio: foi aquela arte produzida durante o império de Carlos Magno, a partir do ano de 800, em que se buscou a volta aos padrões clássicos, apesar do predomínio da orientação religiosa cristã; • Arte gótica: desenvolveu-se na crise do feudalismo, quando floresceram novamente a cultura urbana, as universidades e as ordens monásticas (cistercienses, franciscanos, dominicanos e beneditinos), que contribuíram para a primeira reforma da Igreja cristã, no sentido de sua reaproximação com os valores originais da fé. La Maestà. Duccio de Boninsegna. Pintura sobre madeira. 1308-1311. Museu da Catedral, Siena, Itália. La Maestà, conhecida como A Virgem com vinte anjos e dezenove santos, é um amplo conjunto de várias pinturas com frente e verso, feitas por Duccio di Boninsegna, em 1308, para a cidade de Siena, Itália. A face da obra mostrada a seguir representa a Virgem em majestade, flanqueada por anjos e santos. Essa pintura serviu como referência para uma importante mudança na arte italiana: o período bizantino teve como uma de suas características a representação do corpo humano de uma maneira simplificada, com alterações anatômicas que evitavam o reconhecimento do sexo das figuras, e outras modificações nas proporções de partes do corpo humano. A obra La Maestà estimulou outros artistas da época a modificarem essa forma de representação, buscando uma pintura mais realista do ponto de vista físico, mais próximo à anatomia e fisionomia das pessoas daquela região. Outra característica da pintura da época é a maneira utilizada pelo autor da obra para demonstrar a hierarquia na composição do quadro: a importância de cada personagem dentro da cena está diretamente relacionada ao tamanho da sua imagem, ou seja, quanto mais importante é a figura, maior é o seu tamanho. Não havia a preocupação em representar as imagens em escala real em relação ao conjunto, tampouco em criar profundidade através da redução de tamanho das figuras. Ou seja, cada figura é proporcional em si, mas não necessariamente em relação às outras imagens. Essa técnica somente surgiria séculos depois, no Renascimento. A composição é bastante nítida, feita com o propósito de valorizar a Virgem. Posicionada no centro, tem quase todos os olhares dos personagens que a cercam voltados para si. Para o observador, é inevitável ter o olhar dirigido fortemente para o rosto dela. A pintura bizantina criou formas humanas para representar apenas o ser, e não o aspecto físico das pessoas, e serviu com maestria para adornar as enormes e lisas paredes dos templos religiosos feitos com a estrutura maciça da época. A arte medieval muda os princípios adotados no período anterior e começa a valorizar mais a forma humana. Seu foco é a capacidade de criar narrativas sobre temas religiosos. A religião é o principal tema da época e aparece vinculada profundamente a quase toda manifestação artística de qualidade. 4. O retorno a valores clássicos: Renascimento, Maneirismo e Barroco 4.1. O Renascimento: a razão e a arte A palavra renascença significa nascer de novo ou ressurgir. Para os italianos, e principalmente os artistas florentinos do século 14, a arte que estava sendo produzida era considerada de qualidade porque recuperava aquela do período do Império Romano. E foi na cidade de Florença que esse sentimento se manifestou de modo mais intenso. Foi também nesse momento que um grupo de artistas se dispôs deliberadamente a criar uma nova arte e a romper com as ideias do passado recente, tendo como líder Filippo Brunelleschi, que ficou encarregado da conclusão da cúpula da catedral de Florença. Sua proposta era que as formas da arquitetura clássica (colunas, frontões, proporções etc.) fossem livremente usadas para criar novos modos de harmonia e beleza. Para os grandes mestres da Renascença, os novos recursos e descobertas da arte nunca foram um fim em si. Sempre os utilizaram com o propósito de aproximar ainda mais do nosso espírito o significado de seus temas. É desse período a invenção de uma forma de representação que dominou durante alguns séculos a criação de imagens que reproduzem o mundo real: a perspectiva. Atribui-se a Filippo Brunelleschi a sua invenção, e apesar do surgimento de outras formas de representação, a perspectiva é usada até hoje, inclusive no mundo virtual da informática. A perspectiva, com seu método de representação quase científico, e de certa forma, matemático, também se inseria na visão dos mestres florentinos do século 15 que se voltaram para o uso da racionalidade como forma de explicar o mundo. A perspectiva, associada aos conhecimentos que esses artistas possuíam sobre a anatomia humana, proveniente de seus estudos em cadáveres, geravam imagens com uma exatidão que impressionava a todos os observadores da época. A Santíssima Trindade Afresco, 1428 Santa Maria Novella, Florença, Itália Masaccio (Tommaso de San Giovanni Valdano ou Tommaso de San Giovanni di Simone Guidi), 1401-1428 Este quadro gerou grande espanto devido à ilusão, criada pela disposição e proporção dos corpos, a qual fazia com que os fiéis imaginassem ali a extensão de uma outra capela, tal a realidade criada pelo uso da perspectiva. Na imagem à direita as linhas que estruturam o afresco convergem para o ponto de fuga, que se encontra na altura dos olhos do observador, “convidando-o” a participar da composição. Enquanto na Itália, os florentinos buscavam a exatidão da representação através da perspectiva com ponto de fuga (perspectiva cônica) e com um profundo conhecimento da anatomia humana, no norte da Europa, Jan van Eyck, um artista flamenco, da região onde hoje se encontram os Países Baixos, buscava essa mesma exatidão, porém de outra maneira. A solução por ele adotada foi materializar a ilusão do mundo real através da cuidadosa e paciente composição de uma imagem pela somatória de detalhes precisos, reproduzindo, da maneira mais completa possível, o que os olhos viam no universo real. Apesar de van Eyck também se utilizar de uma característica da perspectiva, a de criar a ilusão de profundidade através da redução do tamanhodos objetos em um quadro à medida que se afastam do plano do observador, os detalhes é que convencem o espectador de que aquelas imagens são um espelho do mundo real. Para conseguir a exatidão da representação de imagens ele aperfeiçoou significativamente sua capacidade de pintar, inventando a pintura a óleo, que permite uma riqueza de detalhes muito rica. Uma das principais contribuições dos artistas, tanto na Itália (sul da Europa) quanto em Flandres (norte da Europa), foi a demonstração de que a arte pudesse ser usada não só para contar a história sagrada de uma forma comovente, e que era uma das principais preocupações da Igreja Católica, mas para refletir também um fragmento do mundo real. Giovanni Arnolfini era um negociante italiano, que se estabeleceu em Bruges com sua esposa. O casal foi representado por van Eyck no interior de uma residência, que reflete o seu cotidiano. Isso é possível de se perceber devido ao alto grau de detalhamento realista que foi utilizado para mostrar elementos domésticos como o cãozinho (na parte inferior do quadro), as frutas (na mesa) e o espelho, na parede ao fundo. Esse espelho se converte em um interessante elemento no quadro, pois em uma observação mais detalhada é possível perceber nele a presença de outros personagens na cena. Apesar da aparente naturalidade e simplicidade da cena, são vários os elementos simbólicos que remetem ao matrimônio, representado de forma discreta pelo autor da pintura, como era hábito entre os artistas da época. O casal Arnolfini Autor: Jan van Eyck 1434. National Gallery, Londres, Inglaterra. Nesse ambiente, os artistas passaram a organizar-se em corporações, bastante fechadas, e que correspondiam aos sindicatos de hoje. A transmissão do conhecimento também era restrita: não havia escolas, e os interessados em aprender algo tinham que começar bem cedo, como jovem aprendiz de algum mestre habilitado. É nesse ambiente, no século 16, que se formaram algumas gerações de artistas e arquitetos mais importantes da Itália e que se tornariam referência para o mundo ocidental nos séculos seguintes, criando algumas das obras mais significativas da arte na Europa. Mas, ao contrário de outros períodos na história da arte, os artistas que hoje reconhecemos como grandes mestres já eram reconhecidos como tal naquela época. Nesse período o artista era tratado como indivíduo criativo, autor único de talento incomparável, quando reconhecido como tal por seus pares. A ideia do artista, e do arquiteto, como ser criador, único ou principal, responsável pelas qualidades de sua obra, se consolida nessa época. É daí que provêm nomes da península itálica como Leonardo da Vinci, Rafael, Michelângelo, Fra Angelico e Ticiano, e do norte da Europa, Albrecht Dürer e Hans Holbein e de vários outros mestres famosos. Não é por acaso que durante a Renascença o artista consolida-se como mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do universo. Para isso os artistas, principalmente depois de Alberti, deveriam ser completos: intelectuais, músicos, estudiosos da natureza em seus vários aspectos, letrados, filósofos. Essa situação é muito diferente do que acontecia antes, como já foi dito na apresentação deste texto. Até então o artista se confundia com o artesão, profissional que produzia desde objetos do cotidiano, como sapatos e roupas até pinturas e grandes esculturas, mediante encomendas específicas. A ascensão dos grandes mestres, em face de um preconceito que existia contra pintores e escultores, se deve em parte à necessidade que os nobres e ricos mercadores, desejosos de ascender socialmente, tinham de construir belos edifícios, fazer túmulos suntuosos, ou oferecer uma pintura para o altar-mor de alguma igreja famosa. Foi na arquitetura que essa mudança ocorreu de forma mais acentuada. Os mestres eruditos do século XV, conhecedores do passado clássico por meio dos escritos de Vitrúvio (construtor e escritor que viveu no império romano), desejavam realizar obras usando como referência a arquitetura de Roma e Grécia antigas. O arquiteto renascentista buscava projetar e construir um edifício no qual pudesse aplicar todo o seu conhecimento de proporção, simetria e regularidade, características daquela arquitetura. Donato Bramante teve essa oportunidade e realizou o Tempietto (pequeno templo), no início do século XVI. Essa escolha também estava carregada do desejo de utilizar a razão, incrustada na matemática e na geometria, para criar formas perfeitas, segundo aqueles construtores. Leonardo da Vinci (1452-1519) foi aprendiz em uma importante oficina de Florença, e destacou-se como uma das mais capazes e ricas personalidades de todos os tempos. Estudou, ampliou os conhecimentos, criou e imaginou artefatos que somente viriam a se tornar realidade séculos depois. Atuou nas áreas de medicina, anatomia, engenharia militar, ótica, arquitetura, pintura, geometria, entre outros campos. Em uma das suas mais conhecidas obras, a Mona Lisa, Leonardo consegue superar os mestres anteriores, usando uma técnica de pintura denominada sfumato, que possibilitou criar uma ilusão de vivacidade nunca antes conseguida na pintura de uma figura humana. Mona Lisa, ou La Gioconda Leonardo da Vinci 1503-1507, óleo sobre madeira Museu do Louvre, Paris, França Neste detalhe do rosto da Mona Lisa se pode perceber o uso da técnica do sfumato: as pinceladas aparentes de uma pintura são retiradas usando verniz de madeira, que corrói a tinta, deixando um gradiente perfeito no local. Como consequência da técnica, é quase impossível perceber pinceladas nesta e em outras obras de Leonardo da Vinci. Sfumato é uma palavra italiana, usada por Leonardo da Vinci para descrever uma técnica que resultava em uma pintura sem linhas ou limites, semelhante à fumaça. Para obter esse efeito, a transição entre uma cor e outra é feita por meio de um gradiente, ou seja, a sobreposição de vários níveis intermediários de tonalidades ou matizes, indo suavemente de uma cor para outra. O objetivo é reduzir o contraste, ou seja, suavizar a diferença abrupta de uma área da pintura para outra. Leonardo foi um dos artistas que mais contribuiu para o aprimoramento dessa técnica, a qual alguns pesquisadores consideram que foi ele, o próprio criador dela. Hoje, o sfumato faz parte do conhecimento básico transmitido a todos os estudantes de artes em geral, consequência de sua popularização, iniciada no Renascimento. Certamente, o mais famoso exemplo da aplicação dessa técnica seja o rosto de Mona Lisa, principalmente seu sorriso, adjetivado popularmente de “enigmático”. Principais características do Renascimento: • os artistas e intelectuais se voltam para o estudo do passado clássico, e utilizam esse conhecimento para produzirem e criarem arquitetura e arte; • o uso da razão como forma de explicar e de intervir no mundo, contrapondo-se ao teocentrismo (a religião no centro do universo); • o uso da matemática e da geometria para elaborar formas arquitetônicas e representações pictóricas, inclusive por meio da perspectiva; • a busca da representação mais semelhante à realidade visível. 4.2. O Maneirismo: clássico e anticlássico Outro grande florentino cuja obra tornou tão famosa a arte italiana do século XVI, foi Michelangelo Buonarrotti (1475-1564). Em sua longa vida, foi testemunha de uma completa mudança na posição do artista dentro da sociedade. A sua capacidade de representar o corpo humano em qualquer posição ficou logo conhecida, e nisso superou todos os antigos mestres. Essa habilidade foi desenvolvida a partir do estudo da anatomia humana feita diretamente em cadáveres, como Leonardo da Vinci e outros artistas já haviam feito. Em uma de suas obras, a pintura do teto da Capela Sistina, pode-se admirar toda a habilidade e imaginação de Michelangelo em manipular a anatomia do corpohumano. Até hoje, aquelas imagens nos seduzem e são reproduzidas pelo mundo inteiro, resultado de um árduo trabalho de quatro anos de extrema dedicação. Porém, Michelangelo não pode ser considerado um artista exclusivamente renascentista. Apesar de seu trabalho estar carregado de premissas semelhantes às de outros artistas da época, que acreditavam na razão como meio de intervir, conhecer o mundo e criar obras perfeitas, Michelangelo não se limitou a esse ideal. A partir de suas obras arquitetônicas (o vestíbulo com a escada da Biblioteca Laurenciana), urbanas (Piazza del Campidoglio, ou Praça do Capitólio, Roma, Itália, feita entre 1536 e 1546) e até mesmo de pintura (o teto da Capela Sistina), ele começou a criar uma posição anticlássica, que iniciava uma contraposição a certa rigidez clássica característica de obras mais antigas de outros artistas. Essa situação anticlássica pode ser percebida nas suas obras por meio de um elo em comum entre elas: a utilização de formas clássicas de uma forma diferente, sem uma organização exclusivamente lógica e geométrica, buscando elaborar composições plásticas inovadoras por meio de novas maneiras de criar espaços, esculturas, pinturas, representações humanas, e até mesmo espaços urbanos. Essa posição de Michelangelo deu origem ao período chamado de Maneirismo, que significa à maneira de, ou seja, de acordo com a vontade do artista. Tem início um momento na história da arte europeia – que se contraporia ao Renascimento – que privilegiou os desejos pessoais e o talento individual dos artistas e arquitetos em criarem arte segundo seus princípios individuais, ao contrário de perseguir regras matemáticas, geométricas, ou, como já foi dito, clássicas. O momento anticlássico então se inicia e se manifesta de forma mais intensa no período seguinte, o Barroco, ficando este a serviço dos interesses de uma das mais fortes instituições que havia na Europa naquele momento, a Igreja católica. Vista geral do interior do teto da Capela Sistina Michelangelo Buonarroti Maria e Jesus, detalhe do Juízo Final. Autor: Michelangelo Buonarroti 1534–1541 Quando Michelangelo foi contratado para realizar o teto da Capela Sistina, ele já era um escultor e artista consagrado. Suas esculturas, com uma anatomia manipulada de forma magistral graças aos seus conhecimentos do corpo humano, já o definiam como um dos grandes artistas da transição entre o Renascimento e o Barroco. Ao ser chamado para realizar um grande trabalho de afresco, Michelangelo já havia realizado trabalhos de pintura, mas não desse porte. A escolha do artista foi inovadora: a sua pintura não seguiu os cânones renascentistas, optando por realizar a transposição de formas escultóricas e tridimensionais para um trabalho bidimensional. Daí a percepção de que as imagens no famoso teto da capela são representações de esculturas de caráter masculino, o que realça a plasticidade do conjunto que consumiu parte da vida e da saúde de Michelangelo. Gradiente: É a transição de uma área de uma pintura com uma determinada cor, matiz, luz ou sombra para outra. Essa transição pode ser feita de maneira suave, com pouco ou nenhum contraste (como o sfumato renascentista), ou realizada de maneira mais intensa, com mais contraste entre as diversas cores utilizadas para fazer o salto entre uma área e outra da pintura. Principais características do Maneirismo: • período de transição entre o Barroco e o Renascimento; • o desejo e a capacidade pessoal do artista se sobrepõem às regras clássicas; • manipulação de formas antigas de uma nova maneira; • invenção de novas formas plásticas, mas com alguma influência ainda das artes greco- romanas. 4.3. O Barroco: a invenção do movimento Na história da arte, o momento que sucede ao Renascimento e Maneirismo, é chamado de Barroco. Originalmente, esse nome fora dado a algumas obras como um meio de caracterizá- las como grosseiras e absurdas, ou seja, dando um sentido pejorativo. Essa denominação foi atribuída à arquitetura e às obras de arte produzidas durante o século XVII, por homens que insistiam em que as formas das construções clássicas jamais deveriam ser usadas ou combinadas senão da maneira adotada na Antiguidade por gregos e romanos. Êxtase de Santa Teresa. Gian Lorenzo Bernini. 1645 – 1652. Santa Maria della Vittoria, Roma, Itália. Este conjunto de estátuas (grupo) feito em mármore forma o centro da capela Cornaro, na qual a estrutura arquitetônica, as estátuas e os elementos decorativos formam um todo unitário, ou seja, um cenário completo. A representação do drama se materializa de maneira cenográfica no centro da capela. Em ambos os lados do local onde se encontram as estátuas abrem-se duas cavidades, como se fossem palcos, nas quais debruçam-se estátuas que representam a família Cornaro. A santa, arrebatada de amor divino, junta-se a seu esposo místico. A materialização desse ato espiritual tem uma explicação formal, em que estão presentes aspectos puramente carnais e eróticos. Essa ambiguidade, marcada pela convivência, na mesma obra, de referenciais do cristianismo e do paganismo constitui uma característica do período barroco, intencionalmente utilizada pelo autor da escultura. Arquitetura, arte e religião: Desde a formação da Igreja católica até meados do século XX, era muito comum que igrejas e capelas fossem utilizadas como túmulos. Muitas delas eram construídas especificamente para serem utilizadas como jazigos de famílias inteiras ou de personalidades poderosas, como reis e papas. Para esse serviço, contratavam-se grandes artistas, que nelas realizavam obras que, muitas vezes, extrapolavam sua mera utilização como sepulcro. Michelangelo Buonarroti e Lorenzo Bernini são alguns desses artistas. Em muitas dessas construções, encontram-se algumas das mais belas obras de arte do mundo ocidental. Esse rigor na utilização e na reprodução de formas provenientes da Grécia e da Roma antigas foi o critério utilizado pelos críticos para denominar as obras de arte que não seguiam os cânones clássicos de barroco (esse era um termo comumente usado para denominar uma pérola imperfeita, com deformações). O que os arquitetos e artistas barrocos faziam era, aos olhos de seus críticos, modificar as regras clássicas e organizar suas obras segundo uma lógica e um raciocínio próprios, reinventando a maneira de usar as formas tradicionais e até mesmo criando outras. Já no Maneirismo, na Igreja Il Gesù, de Giacomo della Porta (1538? – 1602), o uso das formas clássicas (frontões, colunas, capitéis) foi feito de uma maneira inovadora. Além disso, della Porta empregou formas como a voluta (posicionada na parte superior da fachada), que sequer existia no passado clássico. No entanto é preciso ressaltar que, essas composições aparentemente anticlássicas, não são meros caprichos, e estão, na verdade, a serviço da composição formal do edifício, e de uma melhor organização da estrutura da edificação. Isso significa que aqueles artistas e arquitetos do período não faziam essas invenções e modificações arbitrariamente. Eles reconheceram e exploraram a capacidade de invenção que se transformaria mais tarde, com as devidas diferenças conceituais, em uma das buscas mais intensas nas artes plásticas e na arquitetura a partir do início do século XX: a obsessão pela novidade. Fachada da Igreja Il Gesù em Roma, Itália (cerca de 1564). Autor: Giacomo della Porta A fachada da Igreja Il Gesù (cerca de 1564), feita por Giacomo della Porta é representativa da utilização dos elementos clássicos de maneira anticlássica, característica maneirista. Nota-se o frontão e o entablamento com reentrâncias e saliências e as pilastras duplas na parte superior. Na parte inferior, percebem-se os plintos e pilastras duplas, com portal com colunas e pilastras e frontão sob um arco. A maneira de compor todos esses elementos abre as possibilidadesde busca do movimento desenvolvido e aprimorado no Barroco. As volutas e as imagens em nichos quebram a bidimensionalidade do plano da fachada. Mas, o mais importante, é que a planta da igreja passa a ter nova forma, isto é, planta em nave única, que será adotada em todo o período Barroco. Por isso, Il Gesù, obra maneirista, é a precursora das inovações barrocas. Na pintura, assim como na arquitetura, os artistas também tiveram que recorrer a novos métodos de trabalho que se aprofundaram no século XVII: a ênfase sobre a luz e a cor; o desprezo pelo equilíbrio simples e a preferência por composições mais complicadas. Começa, também no século XVI, um costume na sociedade, que até então não havia anteriormente. Iniciava-se a prática do debate sobre a arte e os seus movimentos, inclusive com questões sobre hierarquia (qual obra era a melhor dentre outras). Crucifixão de São Pedro Autor: Michelangelo Merisi, conhecido como Il Caravaggio 1601. Igreja de Santa Maria Del Poppolo, Roma, Itália. A representação naturalista escolhida por Caravaggio, adota como modelo a realidade mais fiel possível à cena, e utiliza uma luz artificial, que ilumina de forma conceitual o espaço da composição de maior importância para o tema do quadro. Por isso, a luz incide de fora do quadro sobre a figura de São Pedro, captando com nitidez sua atitude diante do martírio de ser crucificado. A luz, dessa forma, auxilia Caravaggio a transmitir sua mensagem com veracidade. O santo tem uma expressão, entre temerosa e surpresa, que está muito distante da exaltação mística dos santos barrocos. Neste quadro, o personagem foi introduzido no seu drama, e sua instabilidade emocional é a melhor prova de que se trata de um homem real. É possível apreciar as qualidades de uma composição de uma obra de arte mesmo que não se conheça a história ou tema representado. Basta observar como os elementos que compõem a pintura, escultura, alto ou baixo relevo, desenho, ou qualquer outro suporte, estão organizados e direcionam o olhar do observador. Principais características do Barroco: • na pintura, há uma valorização dos contrastes intensos, para aumentar a dramaticidade das cenas; • na arquitetura, a manipulação das formas clássicas não utiliza referências rígidas, havendo até mesmo a criação de novas formas, que não existiam no passado clássico. A composição plástica do edifício é mais importante do que o uso de regras antigas; • a Igreja católica, para se recuperar do enfrentamento com o Protestantismo, utiliza a arte e a arquitetura para difundir suas ideias. 5. A arte na era das revoluções O período compreendido entre os anos de 1776 e 1848 foi marcado, tanto na Europa como na América, por importantes movimentos que conduziram à transformação da sociedade ocidental. Esses movimentos foram: a Primeira Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra a partir de 1750, e que modificou o modo de produção econômico e as próprias relações sociais na Europa; a Revolução Americana (1776), da qual resultaram a independência dos Estados Unidos e o início da derrocada do antigo sistema colonial no continente americano; a Revolução Francesa (1789), que pôs fim ao sistema feudal na França; e as diversas revoluções que eclodiram em diferentes regiões da Europa no ano 1848, com base em ideais como o liberalismo, o socialismo e o nacionalismo, princípios novos que conduziram à derrubada das relações políticas, econômicas e sociais que predominavam no continente desde a Idade Média. A produção artística desse período de intensas transformações também sofreu modificações importantes, como será observado a seguir. 5.1. A laicização da arte e a Revolução Francesa A Revolução Francesa constituiu um dos mais importantes momentos da história da civilização ocidental, sendo responsável pelo estabelecimento dos princípios humanistas da igualdade, da liberdade e da fraternidade, que se contrapunham ao sistema de privilégios do Antigo Regime. Fundada nos ideais da racionalidade iluminista, a Revolução Francesa abriu as portas para uma nova forma de arte, que não mais expressaria a vontade divina, mas os anseios, dramas e práticas cotidianas dos próprios seres humanos. Foi neste sentido que a arte ocidental caminhou, a partir de então, na direção de sua constante laicização: os temas bíblicos foram substituídos, na pintura e na escultura, por temas mitológicos e do cotidiano burguês. Ademais, os artistas passaram a servir não mais à Igreja, doravante decadente como centro de irradiação do poder político, mas aos novos líderes políticos, em especial Napoleão Bonaparte, tornado imperador francês em 1799, e que pretendeu estender a toda a Europa os ideais da Revolução Francesa e suplantar a sua principal rival, a Inglaterra, no campo econômico, como principal fornecedora de produtos industrializados para o velho continente e para o Novo Mundo. Em diferentes obras, a representação de temas da mitologia greco-romana servia ao propósito de simbolização do caráter eterno do poder, encarnado na figura de Napoleão. Particularmente, no que se refere à pintura, predominava o denominado academicismo, pois os artistas seguiam modelos e regras que eram aprendidas nas escolas de Belas Artes. Entre os pintores do período, cabe destacar a atuação de Jacques Louis David, artista oficial do Império napoleônico, cujas obras representam momentos históricos, cenas mitológicas, paisagens, além de retratos e nus, em geral carregados de realismo e emoção. Jacques-Louis David A morte de Marat/Marat assassinado (Marat assassiné) (1793) A morte de Marat ou Marat assassinado, retrata o revolucionário francês Jean-Paul Marat em sua casa, após ter sido assassinado por Charlotte Corday em 13 de julho. Note que, na caixa de madeira cuja forma se assemelha à uma pedra tumular, há uma inscrição, tratando-se de uma homenagem a Marat, quem o pintor conhecia em vida e supostamente teria visto um dia antes de sua morte. 5.2. A arte e Revolução Industrial 5.2.1. Realismo A pintura Realista desenvolveu-se principalmente na França, na segunda metade do século XIX, paralelamente ao contínuo processo de transformação promovido, sobretudo nas cidades, pela Revolução Industrial. O Realismo consistiu numa nova estética, a qual se fundava no propósito de aplicar, no campo artístico, o mesmo rigor de interpretação e domínio da natureza conquistado no campo científico. Neste sentido, a arte preconizava o abandono da subjetividade e da emoção, caracterizando-se pela busca da objetividade, de modo racional. Principais características da arte realista: • a pintura apresenta cunho cientificista, pois visa representar o real com o mesmo grau de objetividade com que os cientistas analisam fenômenos naturais. A pintura realista apresentava, portanto, caráter documental; • os artistas realistas não idealizam a natureza, nem buscam melhorá-la ao representá-la em suas obras. O belo está na própria realidade do modo como ela é, cumprindo apenas ao artista reproduzi-la em sua verdade; • as pinturas são marcadas pela sua sobriedade e pela minuciosidade da representação, revelando os aspectos próprios da realidade; • em decorrência da ênfase na objetividade e na minúcia, as obras de arte realistas caracterizam-se por expressarem o mais fielmente possível a realidade em detalhes, adquirindo um caráter descritivo; • a obra de arte constitui veículo de denúncia das injustiças sociais, protestando, de forma politizada, em favor dos oprimidos e desfavorecidos, revelando a desigualdade existente entre a pobreza do proletariado e a riqueza dos burgueses. Alçados a heróis da sociedade industrial, os operários e miseráveis constituem temas privilegiados das pinturas realistas, em substituição aos heróis idealizados da pintura da época do Romantismo. O principal representante do Realismo, na pintura, é Gustave Courbet (1819-1877), que retratouem suas obras, principalmente, cenas da vida cotidiana das classes trabalhadoras. Courbet era declaradamente socialista. Outro artista importante ligado ao Realismo é Jean- François Millet, homem muito religioso, amante da natureza e que trabalhara desde jovem no campo. Sua pintura representa, sobretudo, os vínculos entre o homem e a terra. Gustave Courbet Moças Peneirando o Trigo (1854) Auguste Rodin O Beijo (Le Baiser) (década de 1890) Além da obra pictórica de Courbet e Millet, cabe fazer referência, no Realismo, à produção do escultor Auguste Rodin, que se afastou dos princípios idealistas e procurou criar estátuas que representavam a realidade no modo como ela é, dando preferência a temáticas contemporâneas e à busca de registrar o momento específico de uma atitude, como na sua obra O Beijo. Na escultura O Beijo, de Rodin, é possível observar as principais características da obra deste que foi o mais importante escultor realista. Sua importância reside, entre outros fatores, na sua ruptura com os padrões clássicos das esculturas, buscando novas proporções e ensaiando torções e movimentos com forte inspiração em Michelangelo. 5.2.2. Naturalismo A partir de 1830, surge uma nova forma de representação da realidade com as inovações que a máquina permitia: a fotografia. Os artistas perceberam o limite das possibilidades da arte na mimese do real. Abandonando um pouco as questões ideológicas (crítica social) do Realismo, os artistas naturalistas empreenderam uma caminhada em busca da reprodução fiel das paisagens urbanas ou não, sem o caráter idealizado do Realismo. Sua prática ocorria ao ar livre, característica adotada posteriormente também pelos impressionistas para garantir o contato direto com o real. Entre os principais artistas naturalistas estão Theodore Rousseau (1812-1867) e Camille Corot (1796-1875). Jean Baptiste Camille Corot Forum visto do Jardim Farnese (1826) Em sua fase italiana, Corot, no início do século XIX, privilegiava as paisagens elaboradas com volumes, cuja luz construía as formas a partir do contraste com as sombras. As tonalidades das cores complementam a construção minuciosa da paisagem. 5.2.3. Romantismo No Romantismo, os artistas afastaram-se da representação do real. O interesse era o de representar valores sociais simbolizados nas próprias pinturas por figuras humanas, seus trajes, seus gestos e mesmo os objetos que portavam. A pintura adquire um caráter eminentemente retórico, tornando-se um discurso sobre o real, representando as mudanças sociais e políticas decorrentes da ascensão da burguesia ao poder. Por esse motivo, as cenas do cotidiano, do povo e seus costumes são os preferidos pelos artistas. Um dos artistas mais representativos desse período foi Eugène Delacroix (1798-1863), autor do primeiro quadro político da História da Arte, A Liberdade guiando o povo (1830). A ideia de liberdade estava impregnada de valores nacionalistas e de independência da pátria. Delacroix sintetiza nesta obra os principais elementos da pintura romântica: a sua forte carga emocional e o apelo a símbolos da nacionalidade e liberdade, que representavam a ideia de mobilização das camadas populares no caminho da libertação dos grilhões do Antigo Regime. Eugène Delacroix A Liberdade guiando o povo (28 de julho 1830) Óleo sobre tela (260 x 325 cm). Museu do Louvre, Paris, França. 6. As novas formas de representação na segunda metade do século XIX 6.1. A síntese da forma na obra pictórica de Paul Cézanne Um dos mais importantes artistas do Ocidente, e que influenciou muitas gerações de pintores, nas quais se incluem Pablo Picasso e Georges Braque, foi o francês Paul Cézanne (1839-1906). Ele não considerava que a arte tivesse como papel a fiel representação da realidade, nem o mero registro das impressões decorrentes dos sentidos, mas antes, a busca da interpretação do real. Noutros termos, segundo Cézanne, o artista não reproduz, mas interpreta a realidade. Tendo iniciado a sua carreira com obras de cunho sensual, como A Orgia, Cézanne destacou-se sobretudo, na História da Arte, pelo rigor técnico com que buscou a geometrização em suas pinturas, empregando com maior constância formas cilíndricas, esféricas e cônicas, tornando-se um precursor do Cubismo. A Montanha Sainte-Victoire foi pintada por Cézanne em diversas ocasiões, como se estivesse à procura da descoberta da estrutura fundamental do espaço tridimensional representado no plano. Para Cézanne, a natureza deveria ser retratada pelos volumes puros, o cone, o cilindro, o cubo e a esfera. Essa perspectiva prenuncia o Cubismo. Paul Cézanne Monte Sainte-Victoire, visto de Bellevue 6.2. A busca da ruptura com os padrões clássicos: pintura, design e arquitetura A introdução da máquina como elemento fundamental do ciclo produtivo propiciou, em meados do século XIX, um debate exaustivo sobre a relação entre artesanato versus indústria e, por conseguinte, entre arte versus artesanato. Na Primeira Exposição Universal de 1851, realizada no Palácio de Cristal em Londres, ficara patente a necessidade de adequar as formas dos objetos produzidos artesanalmente pelo homem aos novos tempos, agora, os da máquina. Formou-se então na Inglaterra um movimento denominado Arts and Crafts liderado por artistas como William Morris (1834-1896) e John Ruskin (1819-1900), que rejeitavam a forma de produção industrial. Defendiam o artesanato e buscavam nas corporações e guildas da Idade Média, uma saída plausível para a organização da produção nos novos tempos. Mais ao final do século XIX, no entanto, surge na Europa um movimento antagônico ao Arts and Crafts nos seus objetivos. Com diversas denominações, a Arte Nova, ou Art Nouveau pretendia avançar a questão da produção em série a partir dos novos materiais: o ferro e o vidro. Por isso, era necessário buscar novas formas, que rompessem com o clássico, já que produzir nesses padrões implicava no artesanato. No entanto, as formas e as referências utilizadas pela Arte Nova para romper com o clássico tinham forte influência da pintura oriental, com utilização de formas da natureza, portanto linhas curvas e temas florais. Nesse sentido, a tentativa viu-se frustrada para alcançar rapidamente uma solução para a produção em série dos objetos, acessórios da construção e da própria edificação. Rapidamente, os arquitetos e artistas perceberam que as formas da Arte Nova não implementariam a produção racional e industrial. O trabalho manual continuava a ser necessário para obter os resultados formais pretendidos. Já na primeira década do século XX, mais precisamente em 1907, na Alemanha é fundada a Werkbund, uma sociedade de artesãos e artistas com o objetivo de relacionar a arte e a indústria por meio do ensino e da propaganda. Diferentemente do movimento inglês Arts and Crafts, a Werkbund concilia a máquina na produção artística, de forma a abrir terreno seguro para que Walter Gropius (1883-1969), em 1919 fundasse em Weimar, também na Alemanha, a primeira e mais importante escola de arte, design, arquitetura e urbanismo, a Bauhaus (1919-1933). 6.3. Pontilhismo O Pontilhismo foi uma iniciativa tomada por alguns artistas europeus no final do século XIX que se baseava em uma propriedade do olho e do cérebro humano de reunir certos elementos visuais – neste caso um conjunto de milhares de pontos coloridos – e, a partir deles, construir imagens. Um dos principais artistas desse tipo de representação foi Georges Seurat, que influenciou muito os artistas chamados de impressionistas. Até hoje, a obra de Seurat é uma referência e chama a atenção do observador. No quadro abaixo, o artista escolheu não apenas representar as cores e formas dos elementos que compõem o quadro por meio do pontilhismo, mas também com outras escolhas plásticas: tanto as pessoas quanto a vegetação e os animais estão representadasde uma maneira simplificada e geometrizada, quase como bonecos. Não há uma preocupação em retratar fielmente, do ponto de vista visual, a cena de lazer e de descanso do quadro. Georges Seurat Tarde de domingo na ilha de Grande Jatte (Un dimanche aprèsmidi à l’Île de la Grande Jatte) (1884-1886) 6.4. Impressionismo A pintura denominada impressionista desenvolveu-se na Europa no século XIX. Essa denominação tem a sua origem em uma famosa tela, de autoria de Claude Monet, intitulada Impressão, nascer do Sol, de 1872. Os artistas vinculados a esse movimento desprenderam-se da preferência por temas da mitologia greco-romana e puseram de lado a preocupação com a reprodução fiel (mimese) da realidade. Conferiam maior relevância aos próprios quadros, considerados importantes em si mesmos como obras de arte. O seu interesse central era a exploração dos efeitos de movimento e de luminosidade, obtidos a partir de pinceladas soltas, sem traço de desenho. Em geral, os impressionistas pintavam em meio à natureza e nos espaços abertos das cidades, visando observar melhor as variações decorrentes das mudanças da luz incidindo sobre pessoas e objetos durante o dia e à noite. A imagem reproduz o quadro intitulado Impressão, nascer do sol, de Monet. Exibida em exposição ocorrida no ano de 1874, foi a partir dessa obra que se nomeou o movimento impressionista. Claude Monet Impressão, nascer do sol (1872) Características gerais da pintura impressionista: • considerando que a luz solar é a fonte de todas as cores, os artistas buscam mostrar as variações de tonalidade decorrentes das mudanças no modo como objetos e pessoas são iluminados ao longo do dia; • os artistas procuram capturar o instante em que observam a realidade, e, para tanto, empregam, inclusive, a fotografia; • o traço do desenho que conferia nitidez de contorno às imagens não é empregado, mas apenas largas pinceladas, que geram manchas, as quais criam a impressão de retratarem objetos e pessoas; • os artistas também representam sombras, porém estas são coloridas e plenas de luminosidade, visando reproduzir o efeito que as mesmas causam às vezes, quando vistas a olho nu; • ruptura com o academicismo, por exemplo, no abandono do claro-escuro, substituído pelo uso de cores complementares para a obtenção do efeito de luz e sombra; • os artistas não misturam tintas em suas paletas, utilizam apenas cores puras, sendo o próprio observador quem, por meio do olhar, realiza a combinação delas. 6.5. Fauvismo O Fauvismo (também chamado de Fovismo) nasceu em 1905, em Paris, a partir da exposição no Salão de Outono. Naquela ocasião, certos artistas expuseram obras em que empregavam as cores puras de forma muito intensa, e, por esse motivo, passaram a ser denominados fauves (feras, em português). Os mais importantes representantes do Fauvismo foram os franceses Maurice de Vlaminck (1876-1958), André Derain (1880-1954), Raoul Dufy (1877-1953) e Henri Matisse (1869-1954). Este último, ao contrário dos demais, transitou gradativamente em sua obra, para uma composição equilibrada entre colorido e desenho, em pinturas nas quais a profundidade está ausente. Principais características do Fauvismo: • a obra de arte não é um produto intelectual, nem um produto da sensibilidade, pois, no ato de criação, o pintor deve seguir os impulsos instintivos, os seus sentimentos primários; • na pintura, devem-se exaltar as cores puras e tanto as linhas do desenho como o colorido das tintas devem surgir de modo impulsivo, expressando em sua maior pureza, as sensações do artista; • a obra de arte deve ser marcada por pinceladas abruptas, arrematadas em um colorido intenso de grandes manchas de cores puras; • na pintura fauvista não há preocupação com o realismo da representação nem interessam formas ou figuras e técnicas de desenho, já que a própria perspectiva é abandonada em favor do tratamento exclusivo da cor. 7. A era das máquinas e vanguardas artísticas 7.1. Os movimentos transformadores da arte: os ismos Entre as principais mudanças ocorridas no campo das artes no início do século XX estão as denominadas vanguardas artísticas: a denominação de vanguarda deve-se ao caráter ideológico e político do período pré-guerra e entreguerras, ao longo dos quais as mudanças sociais foram bastante acentuadas (como a Revolução Bolchevique na Rússia em 1917, por exemplo), não ficando as artes alheias a isso. Os artistas pretendiam e entendiam que as transformações sociais seriam possíveis a partir da arte, que, neste sentido, deteria função civilizatória. O caráter urbano e industrial da vida cotidiana alimentou as temáticas predominantes no qual a máquina tem papel fundamental: a velocidade, a energia, o tema da reprodução em série e a própria guerra constituíram assuntos recorrentes nas obras dos artistas. A natureza, entendida agora como artificial, é o novo mundo com o qual a arte presta contas em seu caminho rumo à abstração. Vanguarda: Este termo da História da Arte do século XX foi tomado de empréstimo do vocabulário militar, no qual designava as tropas de infantaria que iam à frente dos batalhões para verificar a situação do inimigo e eventualmente fazer pequenas ações subversivas (avant- garde). No campo da arte, passou a significar a luta contra estilos do passado que representavam os valores burgueses. 7.1.1. Expressionismo O Expressionismo desenvolveu-se na Europa entre o final do século XIX e o início do século XX. Os artistas que tomaram parte nesse movimento privilegiavam os aspectos internos do processo de produção artística, em detrimento de suas manifestações exteriores. Por esse motivo, conferiam às suas obras uma forte carga de subjetividade, tornando-as expressão direta dos seus universos interiores. Embora tenha se manifestado em diferentes campos das artes, foi na pintura que se inaugurou o movimento expressionista, tendo constituído, ao lado do Fauvismo, o início das vanguardas históricas. Ademais, devido às suas próprias características que conduziam a uma supervalorização da individualidade artística, o Expressionismo figurou-se por certa heterogeneidade de estilos, tendo sido, por isso mesmo, sobretudo, uma postura diante da arte que congregou diferentes artistas, de características intelectuais diversas. Há ainda que observar que o Expressionismo se originou em contraposição ao Impressionismo, em particular contra as suas tendências naturalistas e positivistas. Por essa razão, conforme indicado anteriormente, os expressionistas privilegiavam a intuição e o personalismo, enfatizando a interioridade de cada artista. Noutros termos, o Expressionismo deforma o real a fim de explicitar a subjetividade do artista e da própria natureza, privilegiando a manifestação dos sentimentos e não a descrição objetiva da realidade. A imagem reproduz a tela intitulada O Grito, de autoria do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944). Constitui uma das mais significativas obras do Expressionismo. Nela, um ser cujo sexo não é facilmente discernível, aparece atormentado nas docas de Oslofjord, na cidade de Oslo, ao anoitecer, e, como sugerido pelo título do quadro, solta um grito. O caráter subjetivo da cena – característico do Expressionismo - é bastante explícito, sobretudo por não ser demonstrado com exatidão o que o quadro efetivamente representa. Com efeito, a sua interpretação depende do envolvimento do espectador, a quem cumpre buscar compreender o que o artista quis expressar. Angústia, dor e desespero, são alguns dos sentimentos que se podem entrever nesta tela, que bem poderia querer representar o desejo do artista de gritar, ainda que solitariamente, com a sensação de não poder ser ouvido – nem mesmo por nós - diante das profundas mudanças que a nova sociedade europeia, burguesa e industrial, estava provocando. Edvard Munch O grito (1893) 7.1.2.CubismoA arte cubista teve início em 1907 e influenciou diferentes gerações de artistas no transcorrer das primeiras décadas do século XX. Inspirados, entre outros fatores, pela obra de Paul Cézanne, os iniciadores do Cubismo, Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882- 1963) contribuíram de forma decisiva para uma das mudanças mais significativas ocorridas na arte ocidental. Efetivamente, o Cubismo rompeu com os padrões de representação artística do real ao empregar, predominantemente, figuras geométricas que representavam seres e objetos em todas as suas partes em um único plano, sem preocupação com perspectiva ou tridimensionalidade. Assim, nas obras cubistas, representar o mundo não mais significava apresentá-lo de acordo com sua aparência real, conforme vista a olho nu. A realidade se via simplificada às formas geométricas: triângulos, losangos, trapézios, cubos etc. A imagem representa a obra Les demoiselles d’Avignon (1907), da autoria de Picasso. Essa pintura é considerada como aquela que deu início ao Cubismo. Nela, podem-se observar influências da arte tribal africana, bem como de Paul Cézanne. Obra-prima das artes plásticas do Ocidente, é perceptível nela a ruptura com todas as convenções e tradições da arte ocidental. As cinco mulheres do quadro são apresentadas à maneira cubista, com seus corpos reduzidos a formas geométricas. Observe ainda a mulher sentada no canto direito, e que é vista por nós ao mesmo tempo pela frente e pelas costas. Pablo Picasso Les demoiselles d’Avignon (1907) 7.1.3.Futurismo Contrários a toda tendência moralista e passadista, os futuristas foram artistas que enalteceram, em suas obras, as conquistas tecnológicas do início do século XX e as mudanças velozes que estas imprimiam na sociedade europeia da época, tendo também exaltado, no início do movimento, a própria guerra e a violência. Em decorrência de seu apreço pela novidade, propunham inclusive a destruição dos museus e das antigas cidades. Presente nas artes plásticas e na literatura, o Futurismo foi inaugurado com a redação do Manifesto Futurista, de autoria do poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944). O texto foi publicado pelo jornal francês Le Figaro em sua edição do dia 20 de fevereiro de 1909. Devido ao seu caráter agressivo, o Futurismo repercutiu internacionalmente, tendo influenciado artistas modernistas de outros continentes. Na imagem encontra-se a reprodução da obra intitulada Velocità astrata + rumore, de autoria do pintor italiano Giacomo Balla (1871-1958). Nela acham-se explicitados alguns dos principais elementos definidores da pintura futurista: a tendência ao cubismo e à abstração, o emprego de cores fortes, a simulação de ação, de movimento, a demonstração de que os diferentes aspectos dos objetos se interpenetram simultânea e permanentemente. A obra de Balla sugere figuras movimentando-se velozmente num determinado espaço, sem a preocupação com a representação figurativa bem definida em seus contornos. Giacomo Balla Velocità astrata + rumore (1913-1914) Principais características do Futurismo: • enaltecimento da indústria e das novas tecnologias; • aceitação da propaganda como mais importante meio de comunicação; • emprego de onomatopéias (palavras que expressam ruídos, barulhos, sons diversos) nos poemas; • utilização de frases fragmentadas na poesia, visando significar velocidade; • na pintura, adoção de cores fortes, vivazes, com intensos contrastes, além da sobreposição de imagens e algumas distorções, a fim de representar o dinamismo do movimento; • busca por não representar objetos (um carro, por exemplo), mas significar, em suas obras, a forma plástica das direções e da velocidade dos movimentos descritos por eles no espaço. 7.1.4.Dadaísmo Constituiu o Dadaísmo (ou simplesmente Dadá) um movimento artístico de vanguarda que se iniciou no Cabaret Voltaire, localizado na cidade de Zurique, capital da Suíça, no ano de 1916. A liderança do mesmo coube ao escritor alemão Hugo Ball (1886-1927) – autor do Manifesto Dada, publicado em 1916 -, ao poeta romeno Tristan Tzara (1896- 1963) e ao pintor e poeta alemão Hans Arp (1886-1966). O emprego da palavra dada para representar o movimento visa indicar tanto o caráter antirracionalista do mesmo (uma vez que o termo parece não ter um significado, pois se trata de uma palavra que lembra o balbuciar de um bebê humano), quanto evidenciar que a linguagem pode não fazer sentido ou mesmo remeter a múltiplos sentidos. Devia-se essa característica à oposição que os dadaístas faziam à Primeira Grande Guerra e a outras vanguardas artísticas do período, notadamente o Futurismo, que valorizava o conflito e as inovações tecnológicas, tidas pelos dadaístas como demonstrações de irracionalidade. Ao enfatizarem o non-sense, o não lógico e o não racional, os dadaístas empregavam a ironia em suas obras e eram radicais na valorização daquilo que era considerado absurdo. Por esse motivo, recorreram ao poema aleatório e aos ready-mades, e, embora tenham encerrado suas atividades no início do decênio de 1920, suas propostas influenciaram diversos movimentos de vanguarda que lhe sucederam, como o Expressionismo Abstrato, o Surrealismo, a Pop Art e a Arte Conceitual. A figura reproduz a obra Roda de Bicicleta, produzida no ano de 1912, e que constituiu o primeiro ready-made de autoria de Marcel Duchamp, um dos mais importantes artistas dadaístas. A peça é formada por uma roda de bicicleta equilibrada sobre o tampo de um banco. Com esta obra, Duchamp pretendeu discutir o próprio conceito de arte, demonstrando que esta não é definida pelo objeto, pelos materiais ou pelo tipo de suporte empregado, mas pela atitude do artista, que modifica a própria natureza do objeto, ao dispô-lo não mais como produto industrial utilitário, mas como obra artística. Marcel Duchamp Roda de bicicleta. (1912) Ready-made: Significa literalmente já pronto, já produzido. Esse termo foi adotado originalmente no ano de 1913 pelo artista plástico francês Marcel Duchamp (1887-1968), com o qual buscou denominar objetos manufaturados que são alçados ao status de objetos artísticos. 7.1.5.Construtivismo Russo Constituiu o Construtivismo Russo um movimento artístico de forte conotação político- ideológica e que teve origem na extinta União Soviética, em 1919. Contrariamente à noção de pureza artística, o Construtivismo Russo enfatizava as vinculações entre a produção artística e a realidade cotidiana. Desse modo, preconizava-se que as obras de arte deveriam refletir as conquistas sociais da Revolução Bolchevique de 1917, e representar o mundo do trabalho e do operariado na era da máquina e da industrialização. Portanto, a arte serviria aos propósitos ideológicos, de apoio à construção da sociedade socialista. A denominação de arte construtivista foi elaborada pelo artista plástico russo Kazimir Malevich (1878-1935), referindo-se à obra do seu compatriota, o pintor e fotógrafo Alexander Rodchenko (1891-1956). Estendendo-se até meados da década de 1930, o Construtivismo Russo, caracterizado sobretudo pelo recurso à abstração geométrica, influenciou importantes movimentos das artes plásticas e do design moderno, como o De Stijl, a Bauhaus e o Suprematismo. Na figura observa-se reprodução do quadro intitulado Pintura Suprematista, de Kazimir Malevich, um dos principais expoentes do Construtivismo Russo. Esse quadro é representante do extremo abstracionismo a que chegaram os construtivistas, denominado suprematismo, caracterizado pelo uso de figuras geométricas e cores primárias. Kazimir Malevitch Pintura suprematista (1916) 7.1.6.De Stijl: o Neoplasticismo holandês O movimento denominado De Stijl ou Neoplasticismo teve origem na Holanda e contou, entre os seus mais importantes expoentes, com o artista plástico, designer, poeta e arquiteto Theo Van Doesburg(1883-1931), o pintor Piet Mondrian (1872- 1944) e o designer de produtos e arquiteto Gerrit Rietveld (1888-1964). O movimento teve sua origem na revista intitulada De Stijl (em português, O Estilo), fundada no ano de 1917 por Doesburg e outros artistas, incusive Mondrian e Rietveld, que nela publicavam textos em favor de uma nova estética para a poesia, a arquitetura e as artes plásticas, tendo como epicentro a supervalorização das cores primárias e das formas geométricas, conduzindo ao abandono de toda representação figurativa, por meio da adoção do completo abstracionismo. Ressalte-se ainda que a simbiose entre os integrantes do movimento foi tamanha que as obras de design e arquitetura de Rietveld (como a cadeira Red and Blue (1917) e as residências por ele projetadas) praticamente reproduziam os quadros de Mondrian. A total abstração da pintura de Mondrian foi obtida por meio de um longo trabalho de pesquisa plástica que começa ainda com o figurativismo em seus primeiros quadros. Posteriormente, o autor foi criando uma forma de representação que se volta para si mesma, sem buscar referências externas, baseando-se na composição das cores básicas, reveladas pela ciência da ótica e da física. Esse tipo de plasticidade também se estendeu à arquitetura, tanto de edifícios quanto de interiores. Piet Mondrian Composição em vermelho, preto, azul, amarelo e cinza (1920) 7.1.7.Surrealismo O movimento surrealista abrangeu a literatura, as artes plásticas, o teatro e o cinema e teve sua origem em Paris na década de 1920, a partir da publicação, em 1924, do Manifesto Surrealista, da autoria do poeta André Breton (1896-1966). Essa vanguarda artística foi bastante influenciada pelas teorias do pai da Psicanálise moderna, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Decorre daí a ênfase conferida pelos artistas surrealistas ao papel do inconsciente na representação da realidade, o que valia por uma crítica ao extremado racionalismo vigente na condução da política e das relações socioeconômicas, à época. Por esse motivo, os surrealistas buscavam apresentar em suas obras o real de maneira não racionalista, ao qual se podia captar, principalmente, nos sonhos, quando o inconsciente se encontra liberado da repressão racionalista do consciente. Na imagem encontra-se reproduzido o quadro Aparição de rosto e fruteira numa praia (1938), de autoria de Salvador Dalí (1904-1989), um dos principais expoentes da pintura surrealista, ao lado de René Magritte (1898-1967). Essa obra de Dalí apresenta a mais importante característica da arte surrealista: o mundo é aí percebido como se estivéssemos em meio a um sonho, cercados por imagens de seres e objetos transfiguradas pela ação do inconsciente quando este se acha liberado do rígido controle da racionalidade. Salvador Dali Aparição de rosto e fruteira numa praia (1938) 7.2. A arte abstrata e a Bauhaus A Bauhaus (1919-1933) foi a mais conhecida escola alemã de formação de arquitetos, técnicos e artífices especializados da primeira metade do século XX. Ela começou com uma definição utópica: a construção do futuro deveria combinar todas as artes em um ideal único. Isto requeria um novo tipo de artista, além da especialização acadêmica, para quem a Bauhaus poderia oferecer educação adequada. Para atingir este objetivo, o fundador, Walter Gropius (1883-1969), sentiu a necessidade de desenvolver novos métodos de ensino e estava convencido de que a base para qualquer arte estava no artesanato: “a escola se transformara gradualmente em um workshop”. Assim, artistas e artesãos dirigiram aulas e produção juntas na Bauhaus em Weimar, Alemanha. Isto pretendia remover qualquer distinção entre artes puras e artes aplicadas. Ou seja, o conceito de novo tipo de artista estava vinculado à ideia de que, somente unindo todas as artes, seria possível formar um novo profissional, voltado para o futuro. A realidade da civilização tecnicista no início do século XX gerou solicitações para a Bauhaus que não poderiam ser preenchidas apenas pela revalorização do artesanato, que era a ideia inicial. Em 1923, a escola reagiu com um programa modificado, o qual marcaria sua futura imagem sob um novo mote: arte e tecnologia – uma nova unidade. O potencial da indústria seria aplicado para satisfazer padrões de design, abrangendo tanto aspectos funcionais quanto estéticos. As oficinas da Bauhaus produziram protótipos para produção em massa: desde uma simples lâmpada até uma habitação completa. Cadeira Cesca, de 1928, da autoria do arquiteto alemão Marcel Breuer (1902-1981). Esse projeto é característico da visão da escola Bauhaus, que buscava aliar tecnologia a estética. Principais características da Bauhaus: • a união entre arte e indústria foi necessária para a escola enfrentar as novas necessidades da sociedade; • a relação entre funcionalidade e estética nos objetos desenvolvidos seria resolvida pela aplicação de princípios industriais; • o novo objetivo era produzir objetos que abrangessem todos os aspectos da vida contemporânea; • uma das consequências do novo programa era criar um design específico para os novos meios de produção em massa. 8. As realizações da arte pós-vanguardas 8.1. O papel do artista e a crise da modernidade O denominado Expressionismo Abstrato ou Action Painting constituiu um movimento artístico de grande originalidade e forte repercussão que modificou a cena artística norte americana no final dos anos 40. Sua principal característica era o emprego de largas massas coloridas, com o predomínio de manchas, não de traços. Ao contrário do Expressionismo europeu, diretamente envolvido em debates ideológicos, os expressionistas norte-americanos excluíam totalmente os temas políticos e sociais de suas obras, privilegiando questões existencialistas como a miséria humana por exemplo, buscando expressar emoções de forma intensa e espontânea. Para tanto, destruíram os meios tradicionais de pintura, pintando diretamente no chão, na parede, por vezes sem uso de pincéis. Efetivamente, Jackson Pollock (1912-1956), maior nome do Action Painting, empregava verdadeiros jatos de tinta sobre a superfície de telas deitadas no chão, sem emprego de cavalete. Por meio dessa ação, Pollock cobria totalmente a tela e eliminava qualquer possibilidade de percepção figurativa ou de perspectiva por parte do espectador. Desse modo, criava obras de arte cheias de instintividade e emoção. Diferentemente de Pollock, Willem De Kooning (1904- 1997), igualmente representante do Expressionismo abstrato norte americano, não se distanciou totalmente do figurativismo. Adepto do abstracionismo, empregava pinceladas fortes, violentas, frenéticas em seus quadros, produzindo composições diferenciadas e muito coloridas, mas nas quais se reconhecem objetos e seres. Privilegiou em seus trabalhos as figuras femininas, sendo que a sua obra mais famosa é a série Mulheres, produzida no início da década de 1950. A imagem representa a tela intitulada Nº 5, de Jackson Pollock. Nela, podem-se notar as principais características desse artista e do movimento do qual fez parte: a ruptura plena com o figurativismo, gerada pelo uso de respingos de tinta lançados contra a tela. A técnica de gotejamento, por meio de latas de tinta perfuradas, foi introduzida por Pollock, que chegava a produzir as suas telas na frente do próprio público. Jackson Pollock N° 5 (1948) 8.2. A Pop Art A Pop Art constituiu um movimento artístico que ocorreu predominantemente nos Estados Unidos e na Inglaterra, entre a segunda metade dos anos 50 e 60. Bebendo em fontes como o Dadaísmo, a Pop Art contribuiu também para revolucionar o próprio conceito de obra de arte, uma vez que incluía em seus temas objetos tipicamente comerciais e de consumo de massa, contrariando a máxima de que a arte é alheia aos interesses do mercado. Sobretudo, os artistas
Compartilhar