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Sob o ponto de vista do mecanismo do parto, o feto é o móvel ou objeto que percorre o trajeto (bacia), impulsionado por um motor (contração uterina). O primeiro tempo é a insinuação, que é a passagem do maior diâmetro da parte apresentada, perpendicular à linha de orientação fetal, pelo estreito superior da bacia materna. Nas apresentações cefálicas fletidas, o diâmetro de insinuação corresponde ao biparietal (9,5 cm), o ponto de reparo é a fontanela lambdoide, a linha de orientação é a sutura sagital e o ponto de referência é o occipício. No início da insinuação, o polo cefálico se mostra em atitude indiferente ou semifletida, oferecendo o diâmetro occipitofrontal (12 cm). Com as contrações e a progressão, a flexão da cabeça torna-se pronunciada, modificando os diâmetros de apresentação para suboccipitofrontal (10,5 cm) e suboccipitobregmático (9,5 cm) menores que o primeiro. Quando a parte fetal está insinuada, significa que o ponto de referência ósseo está no nível das espinhas isquiáticas maternas (plano 0 de DeLee ou terceiro plano de Hodge). A ocorrência de insinuação indica que o estreito superior é adequado para a passagem do feto, mas não informa as características dos estreitos médio e inferior. Tem como tempo preliminar a redução dos diâmetros, o que, nas apresentações cefálicas, é alcançado pela flexão (na apresentação de vértice) ou deflexão (na apresentação de face). Na apresentação pélvica, a redução dos diâmetros é obtida aconchegando-se os membros inferiores sobre o tronco ou desdobrando-se os mesmos, para baixo ou para cima. Nas apresentações córmicas, a insinuação não ocorre com feto de tamanho normal, em decorrência da grande dimensão dos diâmetros. Por isso, o parto pela via vaginal é impossível. No início dessa fase, a cabeça fetal encontra-se acima do estreito superior da bacia, em flexão moderada, com a sutura sagital orientada no sentido do diâmetro oblíquo esquerdo ou do transverso e com a pequena fontanela (fontanela lambdoide) voltada para esquerda. A variedade de posição mais frequente é a occípito- esquerda-anterior (OEA), seguida pela occípito-direita- posterior (ODP) e pela occípito-esquerda-posterior (OEP). O encaixamento vai depender da morfologia da pelve. Nas de tipo ginecoide, ele se dá, preferencialmente, pelo diâmetro transverso; nas antropoides é menor a frequência do encaixamento pelo diâmetro transverso e nas androides, as posições transversas são mais comuns que as duas anteriores reunidas. Nas bacias platipeloides, a cabeça deve ser encaixada quase obrigatoriamente através dos diâmetros transversos. A atitude de moderada flexão (atitude indiferente), em que se encontra a cabeça no início do mecanismo do parto, apresenta ao estreito superior da bacia o diâmetro occipitofrontal, maior do que o suboccipitobregmático, o qual mede 9,5 cm. Para apresentar esse último diâmetro, mais favorável, a cabeça sofre um 1º movimento de flexão, tomando, o eixo maior do ovoide cefálico, a direção do eixo do canal. Reduzindo os seus diâmetros, pelos movimentos apontados, a cabeça fetal transpõe o estreito superior da bacia. Na insinuação, o polo cefálico realiza movimentos anteroposteriores e de flexão lateral. O assinclitismo é quando um dos ossos parietais atravessa o estreito superior da pelve antes do outro, aproximando a sutura sagital de um dos parâmetros ósseos do eixo anteroposterior da bacia materna (púbis ou sacro). O assinclitismo pode ser anterior (obliquidade de Näegele) ou posterior (obliquidade de Litzmann). O anterior é dito quando a linha sagital se aproxima do sacro e o osso parietal anterior é o que mais desce (mais baixo). O assinclitismo posterior à linha sagital se aproxima do púbis e o parietal posterior desce até ultrapassar o pro- montório materno (Figura 30). No trabalho de parto, o parietal já insinuado ultrapassa o ponto de referência Mecanismo do parto Insinuação da bacia óssea e, com o aumento da área abaixo do estreito superior, é possível o polo cefálico mover-se lateralmente. Isso traz a sutura sagital à mesma distância entre o púbis e o promontório, chamando-se de sinclitismo No trabalho de parto, o parietal já insinuado ultrapassa o ponto de referência da bacia óssea e, com o aumento da área abaixo do estreito superior, é possível o polo cefálico mover-se lateralmente. Isso traz a sutura sagital à mesma distância entre o púbis e o promontório, chamando-se de sinclitismo A insinuação ocorre por dois processos diferentes: •Insinuação estática, processada na gravidez, em mais de 50% das primigestas. Flexão por aconchego no segmento inferior e na descida, conjuntamente com o útero, por tração dos ligamentos sustentadores do órgão e pressão das paredes abdominais •Insinuação dinâmica, que surge no fim da dilatação cervical ou no início do período expulsivo nas multíparas. Flexão por contato com o estreito superior da bacia e descida à custa das contrações expulsivas. A insinuação estática é considerada prognóstico favorável para o parto, desde que proporcione boa proporção cefalopélvica. A recíproca, porém, não é correta. O simples fato de não se ter verificado não autoriza concluir pela existência de desproporção cefalopélvica ou de qualquer outra razão de mau prognóstico. No início dessa fase, a cabeça fetal encontra-se acima do estreito superior da bacia, em flexão moderada, com a sutura sagital orientada no sentido do diâmetro oblíquo esquerdo ou do transverso e com a pequena fontanela (fontanela lambdoide) voltada para esquerda A descida ou progressão é considerada o segundo tempo do mecanismo de parto, que é definido como a passagem do polo cefálico (ou da apresentação fetal) do estreito superior para o estreito inferior da pelve materna. Ocorre de maneira sincrônica com a insinuação e a rotação interna (terceiro tempo). A descida pode estar ocorrendo junto da insinuação ou até mesmo antes de completada a insinuação. O canal de parto possui uma curvatura em sua porção mais inferior em forma de “J”. O feto faz movimentos de flexão (anteroposterior e lateral) para reduzir os diâmetros e realizar rotação e cavalgamento ósseo. A descida é diferente nas primíparas e multíparas: em primíparas, a insinuação pode ocorrer antes do desencadeamento do trabalho de parto e a descida, apenas com a cervicodilatação completa; e em multíparas, a descida usualmente começa com a insinuação A descida, na realidade, ocorre desde o início do trabalho de parto e só termina com a expulsão total do feto. Seu estudo, como tempo autônomo, tem apenas propósito didático, facilitando a descrição. Durante esse mecanismo do parto, o movimento da cabeça é turbinal: à medida que o polo cefálico roda, vai progredindo no seu trajeto descendente São fatores favoráveis à descida: a contração uterina, a contração dos músculos abdominais e a pressão do líquido amniótico e do ovoide fetal. Na progressão da cabeça fetal, mudanças no assinclitismo anterior e posterior facilitam a descida. Diante de desproporção cefalopélvica, o assinclitismo acentuado é mantido durante todo o período da descida, o que pode impedir a descida, a rotação interna e, assim, acarretar a distocia de rotação. A avaliação clínica da insinuação e da descida é feita pelos planos de DeLee, planos de Hodge e método de Farabeuf. Descida Os planos de Hodge são quatro, levando-se em consideração a bacia com forma irregular de cilindro. O primeiro plano passa pelo estreito superior; o segundo, pela borda inferior da sínfise púbica e no meio da segunda vértebra sacra; o terceiro, pelas espinhas isquiáticas; e o quarto, pela ponta do cóccix. Nos partos laboriosos, a cabeça fetal estaciona no terceiro plano. O interesse prático desses planos consiste em servir de referência para especificaro grau de descida do feto a ser expulso. Por exemplo, quando a cabeça estiver no primeiro plano, estará alta; quando no quarto plano, estará baixa ou prestes a ser expulsa. Com a mesma finalidade, outros se referem aos planos de DeLee. Assim, são utilizados, –1, –2, –3, –4, quando 1 cm, 2 cm, 3 cm ou 4 cm acima do plano 0, e, por outro lado, +1, +2, +3, +4, quando abaixo. Na avaliação pelo método de Farabeuf, interpõem-se três dedos, dois ou um, entre o plano sacrocóccico e a cabeça: no primeiro caso (três dedos), a cabeça, embora insinuada, está alta; no segundo (dois dedos), ela desceu e está em sinclitismo, tocando a sutura sagital a igual distância do sacro e púbis; e, quando apenas um dedo, a cabeça se encontra em assinclitismo anterior, com a sutura sagital mais próxima do sacro ▶ Rotação interna da cabeça. Uma vez que a extremidade cefálica distenda e dilate, o conjunto musculoaponeurótico que compõe o diafragma pélvico sofre movimento de rotação, que levará a sutura sagital a se orientar no sentido anteroposterior da saída do canal. A interpretação desse tempo do mecanismo do parto tem sido motivo de grandes discussões. Por ser insubsistente, a ideia de que a mudança de orientação da cabeça pudesse advir da forma e das dimensões dos estreitos médio e inferior da bacia está praticamente abandonada. A explicação a seguir torna o procedimento mais compreensível: o assoalho pélvico, principalmente depois de distendido pela cabeça fetal, é côncavo para cima e para diante, escavado em forma de goteira. Apresenta planos inclinados laterais por onde o feto desliza ao nascer. A fenda vulvar, limitada em cima pelo arco inferior do púbis e para os lados e para baixo pelo diafragma pélvico, apresenta forma ovalar, com o eixo maior no sentido anteroposterior, quando totalmente distendida. Ao forçar a distensão do assoalho pélvico, a cabeça fetal desliza nas paredes laterais (planos inclinados) e roda para acomodar seus maiores diâmetros aos mais amplos da fenda vulvar. ▶ Insinuação das espáduas Simultaneamente à rotação interna da cabeça e à sua progressão no canal, verifica-se penetração das espáduas através do estreito superior da bacia. O diâmetro biacromial, que mede 12 cm, é incompatível com os diâmetros do estreito superior; porém, no período expulsivo, sofre redução apreciável porque os ombros se aconchegam, forçados pela constrição do canal, e se orienta no sentido de um dos diâmetros oblíquos ou do transverso daquele estreito. À medida que a cabeça progride, as espáduas descem até o assoalho pélvico. Terminado o movimento de rotação, o suboccipital coloca-se sob a arcada púbica; a sutura sagital orienta- se em sentido anteroposterior Dada a curvatura inferior do canal do parto, o desprendimento ocorre por movimento de deflexão. A nuca do feto apoia-se na arcada púbica; e a cabeça oscila em torno desse ponto, em um movimento de bisagra. Com o maior diâmetro do ovoide cefálico (occipitomentoniano) continuando orientado no sentido do eixo do canal, a passagem da cabeça através do anel vulvar deve ser feita pelos diâmetros anteroposteriores, de menores dimensões, originados do suboccipital. Essa região acomoda-se, assim, à Desprendimento arcada inferior da sínfise, em redor da qual a cabeça vai bascular para o desprendimento. Com o movimento de deflexão, estando o suboccipital colocado sob a arcada púbica, liberta-se o diâmetro suboccipitobregmático, seguido pelo suboccipitofrontal, suboccipitonasal e assim por diante, até o completo desprendimento. ▶ Rotação externa da cabeça Imediatamente após desvencilhar-se, livre agora no exterior, a cabeça sofre novo e ligeiro movimento de flexão pelo seu próprio peso e executa rotação de 1/4 a 1/8 de circunferência, voltando o occipital para o lado onde se encontrava na bacia É um movimento simultâneo à rotação interna das espáduas, por ela causado, e conhecido como restituição (faz restituir o occipital à orientação primitiva). ▶ Rotação interna das espáduas Desde sua passagem pelo estreito superior da bacia, as espáduas estão com o biacromial orientado no sentido do oblíquo direito ou do transverso da bacia. Ao chegarem ao assoalho pélvico, e por motivos idênticos aos que causaram a rotação interna da cabeça, as espáduas também sofrem movimento de rotação, até orientarem o biacromial na direção anteroposterior da saída do canal. O ombro anterior coloca-se sobre a arcada púbica; o posterior, em relação com o assoalho pélvico, impelindo para trás o cóccix materno. ▶ Desprendimento das espáduas Nessa altura, tendo o feto os braços cruzados para diante do tórax, a espádua anterior transpõe a arcada púbica e aparece através do orifício vulvar, onde ainda se encontra parcialmente recoberta pelas partes moles Insinuação cefálica pelos diâmetros transversos da bacia A incidência de insinuação pelos diâmetros transversos da bacia e por movimentos de assinclitismo foi estimada em 60 a 70%. Antes de iniciar os mecanismos de parto, a cabeça é observada em posição transversa, com o parietal posterior apresentando-se em região anterior da pelve. Pelo mecanismo de alavanca (flexão lateral da cabeça) ocorre a insinuação, a sutura sagital fica então no diâmetro transverso da cabeça, sinclitismo. Logo começa a descida e a apresentação do parietal, agora é anterior, na escavação. A descida posterior, até o plano sacrococcígeo, ocorre ao longo de uma linha dirigida para baixo e para trás, e mais ou menos paralela à superfície anterior do sacro. A descida dá-se durante a rotação, a cabeça continua fletida. Por fim, a extensão occipital começa abaixo das espinhas isquiáticas e é logo após ocorre o movimento de expulsão. Oblíquas posteriores Em números menores, a cabeça tem a possibilidade de se encaixar nas posições posteriores, direita ou esquerda. Toda conjuntura sinaliza que a principal causa do encaixamento, em variedade de posição posterior, é a exiguidade do sacro. O parto, geralmente, é mais lento, pois a rotação cefálica ocorre em arco de círculo de 135°, em vez de 45° como nas anteriores, e 90°, nas transversas.