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CAPÍTULO II ORIGEM DAS LESÕES INDUZIDAS NO DNA LESÕES ENDÓGENAS O DNA reage continuamente com oxigênio e água, o que acarreta o aparecimento de muitas lesões “espontâneas”, que podem ocorrer em qualquer dos componentes da molécula. Alterações espontâneas nas bases Desaminação Quatro das cinco bases normalmente presentes no DNA (citosina, adenina, guanina e 5- metilcitosina) contêm grupamentos amina (NH2) exocíclicos e a desaminação ocorre espontaneamente resultando na conversão das bases alteradas em uracil (U), hipoxantina (HX), xantina (X) e timina, respectivamente. (Figura II-1) Figura II-1 – Desaminação das bases nitrogenadas A perda do grupamento amina modifica as propriedades de pareamento das bases acarretando mutações durante a duplicação do DNA (U e HX pareiam como T e G, gerando transições C:G → T:A e A:T→ G:C), como pode ser visto na Figura II-2. A desaminação de 5 metil citosina gera timina que passa a parear com adenina, portanto transforma 5MeC:G em T:A. Uracil no DNA a) Desaminação da citosina Em algum tempo durante a evolução, o DNA substituiu o RNA como repositório da informação genética, refletindo a maior estabilidade da cadeia açúcar fosfato do DNA e acarretando a substituição do uracil por timina (5-metil uracil). Células que não conseguem retirar o uracil do DNA têm aumento da mutagênese espontânea (G:C A:T) e isto ocorre desde bactérias até células humanas. II-2 Normalmente o mecanismo para a desaminação da citosina consiste no ataque direto na posição 4 da pirimidina por um íon hidroxil. O tratamento com ácido nitroso provoca a desaminação não só da citosina, mas também da adenina e da guanina no DNA. Figura II-2 – Mutagênese devida à desaminação b) Incorporação durante a replicação A incorporação de uracil no DNA, em principio não é mutagênica, pois não há alteração das propriedades codificantes, entretanto, a ligação de proteínas reguladoras ao DNA fica prejudicada pela troca de T por U. A DNA polimerase incorpora uracil ao DNA numa proporção de 1 em cada 2000 a 3000 nucleotídeos, dependendo da concentração de UTP na célula. Entretanto, em células selvagens não se detecta uracil no DNA, já que ele é rapidamente removido pela uracil-DNA glicosilase. Nos mutantes ung o uracil é detectado e mais ainda nos mutantes ung dut (nos mutantes dut não há degradação de dUTP a dUMP, aumentando o pool de dUTP), nos quais o uracil pode atingir 0,5% de todas as bases. Curiosamente alguns bacteriófagos, como PBS1 e PBS2 de B. subtilis, contêm uracil no lugar de timina no DNA. Outra maneira de aparecer uracil no DNA é o crescimento celular em presença de 5-bromo uracil (análogo de timina). A irradiação das células com radiação UV-B de 313 nm em presença de cisteamina provoca a debrominação. O uracil também pode se acumular no DNA através da inibição da uracil-DNA glicosilase por uracil livre. Desaminação de 5-metilcitosina A citosina metilada na posição 5 ocorre na maioria da células. A desaminação da 5-metil citosina resulta na formação de timina, gerando o par G:T. Este erro de emparelhamento é difícil de reparar uma vez que o sistema tem que ser bem específico para tirar a timina errada e não a guanina. Em células de mamíferos a 5-metil citosina ocorre preferencialmente nas sequências 5’-CG-3’ e muitas das mutações que ocorrem naturalmente nas células somáticas humanas são transições G:C A:T. Aparentemente a desaminação da citosina é a maior causa de mutações em cânceres humanos, por exemplo, no gene supressor de tumores p53. C → U=A ﹥T:A A → HX=C ﹥G:C G → X = não pareia 5-MeC → T=A ﹥T:A II-3 Outras desaminações Adenina e guanina também sofrem desaminação espontânea, porém em níveis muito menores que a citosina. No caso do tratamento com ácido nitroso o nível das desaminações das adeninaa é idêntico ao das citosinas. A hipoxantina no DNA é um potencial mutagênico, já que pareia com a citosina gerando transições A:T GC. A xantina que ocorre no DNA devido à desaminação da guanina é incapaz de parear com timina ou citosina, conduzindo, portanto, à parada da síntese do DNA. Perda de Bases As bases podem ser perdidas pelo DNA pela clivagem da ligação glicosídica conduzindo ao aparecimento de sítios abásicos, ou sítios AP (apurínico ou apirimidínico). A depurinação é mais frequente que depirimidinação e em pH neutro e ácido a guanina é perdida 1,5 vezes mais rápido que a adenina o inverso ocorrendo em pH alcalino. A perda de bases fragiliza as ligações acarretando a quebra da cadeia por beta (β) eliminação. A depurinação ocorre normalmente por protonação da base, seguida da quebra da ponte glicosídica e, estimativas recentes indicam que cerca de 20.000 depurinações ocorrem por dia por célula humana. A perda de citosina e timina é cerca de 20 vezes menor. LESÕES OXIDATIVAS Células, tecidos, órgãos e organismos utilizam diversos mecanismos de defesa e sistemas de remoção para eliminar as lesões induzidas pelas Espécies Reativas de Oxigênio (ERO). O estresse oxidativo em humanos tem sido implicado na patogênese de uma série de doenças, tais como desordens neurodegenerativas, ateroescrerose, câncer, lesões no fígado induzidas por álcool, lesões de isquemia/reperfusão, além de ser possivelamente o grande responsável pelo processo de envelhecimento. Entretanto, as células também usam ERO para se defenderem. A maquinaria bactericida dos leucócitos fagocitários inclui o uso de ERO no fagossoma como parte do sistema imune inato contra as bactérias patogênicas. As plantas usam “bursts” de superóxido e peróxido de hidrogênio como defesa contra o ataque de patógenos e usam ERO como segundos mensageiros para adquirir imunidade sistêmica contra patógenos. O peróxido de hidrogênio é um importante segundo mensageiro durante a transdução de sinal em células de mamíferos, regulando fatores de sinalização, pela alteração do estado redox. ESPÉCIES REATIVAS DE OXIGÊNIO (ERO) No estado fundamental, como mostrado na Figura II-3, a molécula de oxigênio possui dois elétrons com números quânticos de spin de mesmo sinal (não emparelhados), cada um deles situado em um orbital. Portanto ele é um radical livre e encontra-se em um estado tripleto. O estado tripleto do oxigênio molecular constitui uma barreira cinética que o torna não reativo com as moléculas biológicas que na maioria estão no estado singleto. Assim, o oxigênio tende a oxidar outros átomos ou moléculas, capturando dois elétrons, mas estes também devem possuir spins de mesmo sinal de forma a ocupar os lugares vagos; uma vez que configurações deste tipo só ocorrem raramente (em outros radicais livres), a captura eletrônica processa-se, quase sempre em duas etapas. Dada esta característica, denominada restrição de spin, reações oxidativas dificilmente ocorrem no ar. Moléculas de oxigênio podem encontrar-se, também, no estado singleto, gerado a partir do estado tripleto pela inversão de spin de um elétron; existem duas configurações eletrônicas para o singleto, designadas como O2 1g e O2 1g+, a segunda das quais normalmente decai para a primeira. A espécie O2 1g forma-se, por exemplo, em consequência da iluminação em atmosferas oxigenadas, de II-4 diversos pigmentos, tais como clorofila, flavinas, porfirinas e retinal, podendo ser encontrada em cloroplastos, na retina, no cristalino, etc. O oxigênio no estado singleto também surge como consequência da interação de radiações ionizantes com a matéria e ele pode acarretar lesões em macromoléculas. Figura II-3 - Configuração eletrônica do orbital mais externo da molécula de oxigênio e das espécies reativas Os organismos aeróbicos utilizam oxigênio para, mediante a transformação da glicose, produzir energia:C6H12O6 + 6 O2 6 H2O + 6 CO2 Já os organismos anaeróbicos transformam a glicose em álcool e dióxido de carbono, sem utilizar o oxigênio: C6H12O6 2 C2H5OH + 2 CO2 O rendimento energético é cerca de 12 vezes maior em aerobiose, razão pela qual os processos de evolução favoreceram a seleção de espécies que consumissem oxigênio para a utilização de carboidratos. As reações bioquímicas, especialmente aquelas catalisadas pela citocromo C oxidase, responsável pela grande parte das oxidações intracelulares, levam à redução de quase 95% das moléculas de oxigênio, mediante a captura de 4 elétrons e interação com átomos de hidrogênio, dando origem a moléculas de água. Mas, existe nos organismos aeróbicos, outra via de redução (5%), que consiste na transferência progressiva de elétrons (monoeletrônica), gerando, sucessivamente, radical superóxido, peróxido de hidrogênio e radical hidroxila. Quando a molécula de oxigênio captura um único elétron, dá origem ao radical ionte superóxido, que reúne as características de um íon e de um radical livre e, por esta razão, costuma ser representado como •O2- e é formado em quase todas as células em aerobiose. O radical •O2- pode receber um segundo elétron dando origem ao íon O2--. Este íon captura dois prótons gerando peróxido de hidrogênio (H2O2). A captura de mais um elétron e um próton conduz à produção do radical hidroxil, que capturando mais um elétron e um próton conduz a água, como mostrado na reação abaixo. (e - ) (e - , 2H) (e - , H) (e - , H) O2 → •O2- → H2O2 → •OH → H2O A ligação química O-O do peróxido de hidrogênio pode se romper, o que acarreta a formação de dois radicais hidroxil; este fenômeno ocorre, por exemplo, mediante aquecimento ou absorção de II-5 radiações ionizantes. No interior das células o peróxido de hidrogênio pode reagir com íons metálicos gerando o ionte OH- e o radical •OH, através da reação de Fenton: H2O2 + Fe++ Fe+++ + OH- + •OH A reação de Fenton normalmente envolve Fe 2+ , mas pode ser catalisada por outros metais de transição como o cobre. Mesmo concentrações mínimas de ferro são sufiicentes se um agente redutor estiver presente para reciclar o Fe 3+ para Fe 2+ , como, por exemplo, NADH, ascorbato ou superóxido. Nos últimos anos, grande atenção tem sido dada ao papel biológico das ERO, uma vez que elas são também formadas durante o metabolismo celular, desempenhando ações importantes em fenômenos como a resposta imunitária, a reação inflamatória, a peroxidação de lipídeos e a produção de quebras ou alterações estruturais em cromossomos, além de estarem implicadas em processos como a mutagênese, o envelhecimento e a cancerização. A reatividade do •OH é tão alta que ele não difunde e, portanto, para oxidar o DNA ele deve ser gerado imediatamente adjacente à molécula. Em verdade o H2O2 serve como a espécie inerte, difusível, que reage com íons metálicos na vizinhança do DNA para gerar •OH através da reação de Fenton. O radical superóxido não é muito reativo com o DNA, entretanto ele dismuta espontaneamente ou através de reação enzimática catalisada pela superóxido dismutase (SOD) produzindo H2O2. (SOD) •O2- + •O2- + 2H + → O2 + H2O2 O superóxido pode também se reduzir e liberar Fe 3+ da ferritina ou liberar Fe 2+ dos “clusters” ferro-enxofre, os quais facilitarão a formação do •OH, pela reação de Fenton. Outras espécies reativas podem ser geradas por óxido nítrico (NO) em ausência de metais. O radical superoxido pode reagir com NO formando o anion peroxinitrito, que ao se protonar (ácido peroxinitroso) é um oxidante extremamente reativo e, em contraste com o •OH o ONOO- é capaz de difundir. NO• + •O2- → ONOO- O risco de desenvolvimento de neoplasias malignas é proporcional à quinta potência da idade; assim, cerca de 30% dos ratos as apresentam ao fim de 2 a 3 anos de vida e os seres humanos, após os 60 anos. Muitos autores admitem que a cancerização seja devida ao acúmulo de lesões provocadas por agentes genotóxicos, especialmente pelas substâncias capazes de produzir oxidações, alquilações, desaminações e depurinações, sendo as primeiras mais frequentes. Embora quase sempre existam mecanismos de reparação funcionantes contra estas lesões, eles não conseguem eliminar todos os danos produzidos, o que leva ao acúmulo progressivo de lesões. Os efeitos letais e mutagênicos das radiações ionizantes podem ser bloqueados pela SOD, o que confirma o papel dos radicais superóxido na gênese das radiolesões. Analogamente, as ERO estão também implicadas em alguns dos efeitos biológicos do UV longo. Diversos compostos químicos parecem ter seus efeitos biológicos explicados pela geração de ERO, como ocorre, por exemplo, com a bleomicina, o benzo(a)pireno, a 4-nitroquinoleína, etc; a ação tóxica destes compostos sobre as células é bloqueada pela catalase, o que sugere a participação do peróxido de hidrogênio na gênese do efeito observado. Dadas as analogias entre as lesões produzidas por tais produtos e as provocadas pelas radiações ionizantes, eles costumam ser denominados radiomiméticos. Outras fontes de ERO intracelulares são as oxidases catabólicas como a xantina oxidase, processos anabólicos como a redução de nucleosídeos e a síntese enzimática de óxido nítrico além de processos de defesa como a fagocitose e o metabolismo de peroxissomas. A maioria dos efeitos das radiações ionizantes é devida a produtos de radiólise da água. Um simples fóton de radiação gama do 60 Co produz cerca de 36.000 radicais hidroxil. Além disto, ERO II-6 também são geradas pela irradiação de células com UV-A (320 – 400 nm) pela reação com cromóforos celulares e liberação de ferro. O radical hidroxil pode ligar-se a bases do DNA ou eliminar hidrogênio para produzir a maioria das lesões detectadas no genoma. LESÔES DO DNA Um grande número de lesões é produzido por •OH. O ataque à desoxirribose leva à fragmentação, perda de base e quebras de hélice com um terminal com um fragmento do açúcar. Normalmente as quebras são simples, já que é difícil um ataque duplo em condições fisiológicas. Já a ação das radiações ionizantes gera muitos radicais que podem causar quebras duplas. São conhecidos mais de 80 produtos de lesões em bases, produzidas por ERO. Um exemplo é o ataque do •OH à dupla ligação C5 = C6 da timina. O radical intermediário 6-hidroxitimina pode reagir com O2 gerando glicol de timina. O •OH pode ligar-se diretamente ao carbono 8 da guanina, gerando 7,8-dihidro-8-oxoguanina (8oxoG). O tratamento de DNA com peróxido de hidrogênio ou outro gerador de radicais pode resultar na abetura do anel imidazol da guanina gerando o 2,6-diamino-4-hidroxi-5-formamidopirimidina (FaPyGua). No caso da adenina forma-se o 4,6-diamino-5-formamidopirimidina (FaPyAde). As reações acima descritas encontram-se representadas na Figura II-4 abaixo. H CH3 H H O N NO OH. H CH3 H H O N NO OH OO .N O CH3 HH H O Timina Timina glicol H O H CH3 H O N N OH OH OH+ . O2 H N N N N H NH2 H OH. 4,6-Diamino-5- formamidopirimidina (FapyAde) OH+ . +H. H O H N HC N N NH2 NH2 H N N N N H NH2 H Adenina N N N N HH2N OH H H .O OH+ . +H. 2,6-Diamino-4-hidroxi-5- formamidopirimidina (FapyGua) H2N O H N N NH2 OH N HC HN N N N HH2N O H Guanina OH+ .HN N N N HH2N O H Guanina HN N N N HH2N O OH H N N N N HH2N O O H 7,8-dihidro-8-oxoguanina (8oxoG) (Forma enólica) (Forma cetônica) Figura II-4 – Exemplosde bases oxidadas LESÕES DO DNA PRODUZIDAS PELO MEIO AMBIENTE RADIAÇÕES IONIZANTES As principais fontes de exposição externa são as radiações cósmicas e radionuclídeos que ocorrem naturalmente no planeta. Já a exposição interna provém do decaimento de radionuclídeos, principalmente potássio 40 ( 40 K) depositado naturalmente nos tecidos. II-7 Estas duas fontes correspondem, nos EUA a 1 a 2 mSv por ano. (1 Sv = energia absorvida de 1J/kg). Uma dose adicional para o público de 0,5 mSv é obtida de fontes artificiais, tais como raios X para diagnóstico (cerca de 0,4 mSv/ano) e radiofármacos usados na medicina nuclear (0,14 mSv/ano). Evidentemente a exposição individual varia e individuos que moram em grandes altitudes recebem cerca de 0,5 mSv/ano a mais do que aqueles ao nível do mar. Por exemplo um vôo transatlântico USA – Europa envolve uma dose de cerca de 0,05 mSv, portanto, a tripulação de tais rotas podem acumular mais do que 5 mSv/ano desta fonte. Outro exemplo é o de populações francesas que habitam em zonas em que as rochas são principalmente granito e recebem 1,8 a 3,5 mSv/ano somente desta fonte. Evidentemente, pacientes tratados com radioterapia contra câncer recebem doses muito maiores que a população em geral. As doses de radiação ionizante em moléculas são geralmente dadas em Gray (Gy), sendo que 1 Gy corresponde a 1 J/kg de energia absorvida. EFEITOS DIRETOS E INDIRETOS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES A energia de uma radiação pode ser transferida para o DNA, modificando sua estrutura, o que caracteriza o efeito direto. Em muitas situações, entretanto, esta energia é transferida para uma molécula intermediária (água, por exemplo) cuja radiólise acarreta a formação de produtos altamente reativos, capazes de lesar o DNA; este é o efeito indireto das radiações. Na Figura II-5 estão representados esquematicamente os dois tipos de efeitos. Figura II-5 - Representação esquemática dos efeitos diretos e indiretos Assim, o efeito global de um feixe de radiações em um organismo (ou em uma preparação enzimática) é a soma dos efeitos diretos e indiretos, cujas importâncias relativas variam em função de diversos fatores, tais como temperatura, teor em água, presença de outras moléculas que possam "capturar" os produtos de radiólise da água, etc. A variação das condições experimentais pode permitir a redução da amplitude de um dos efeitos, mas dificilmente chega a eliminá-lo. Logo, na maior parte das situações os dois efeitos coexistem. Mas, admitindo situações nas quais somente um dos efeitos exista, pode ser realizado o chamado teste de diluição, proposto para distinguir efeitos diretos de indiretos. Este teste consiste em irradiar, com a mesma dose D de radiações ionizantes, soluções aquosas de uma enzima ou de outra molécula em diferentes concentrações. Após a irradiação de cada preparação, determina-se o número de moléculas que foram inativadas, ou sua percentagem, como mostrado na Figura II-6. Na hipótese de só existirem efeitos diretos, o número de moléculas inativadas pela dose D aumenta com a concentração da preparação, mas a percentagem de inativação permanece constante. Caso só existam efeitos indiretos, a dose D é suficiente para gerar certa quantidade de produtos de radiólise e estes só podem inativar uma determinada quantidade de moléculas da enzima; logo, o número de moléculas inativadas deve ser constante, independentemente da concentração da preparação, assim, a percentagem de moléculas inativadas diminui à medida que aumenta a concentração. Neste tipo de experimento II-8 deve-se considerar que tanto o número de fótons como o de moléculas de água é muito maior que o número de moléculas da enzima. Outra forma de diferenciar efeitos diretos e indiretos consiste em irradiar preparações congeladas e comparar os resultados com os obtidos a 37°C. O congelamento reduz a mobilidade dos produtos de radiólise da água e, consequentemente os efeitos indiretos, sem alterar os efeitos diretos. Os efeitos indiretos podem também ser diminuídos pela adição à preparação de uma ou mais substâncias que sejam capazes de interagir com os produtos de radiólise da água, capturando-os, como, por exemplo, o extrato de levedura. Figura II-6 - Representação esquemática dos resultados do teste de diluição para preparações de uma enzima, em diferentes concentrações, cada preparação sendo exposta a uma dose D de radiações ionizantes A - relação entre o número de moléculas inativadas e a concentração da enzima nas diversas preparações; B - relação entre a percentagem de moléculas inativadas e a concentração das preparações irradiadas Em experimentos com células, os efeitos indiretos podem ser reduzidos pela realização da irradiação em baixa temperatura e em presença de elevadas concentrações de extrato de levedura. Devido à predominância de água nos sistemas biológicos, as espécies formadas pela radiólise da água são a maior fonte de efeitos indiretos no DNA. RADIÓLISE DA ÁGUA E RADICAIS LIVRES No início do século passado foi verificada a produção de hidrogênio e de oxigênio em soluções aquosas de sais de rádio, fenômeno que posteriormente foi explicado como uma consequência da interação das partículas com as moléculas de água. Pouco depois, foi detectada a formação de peróxidos em soluções aquosas irradiadas e caracterizada a formação de radicais livres. Um radical livre é um átomo, ou uma molécula, que possui um ou mais elétrons não emparelhados, o que lhe assegura enorme reatividade química. Este conceito inclui o átomo de hidrogênio (que só tem um elétron), diversos metais de transição e a molécula de oxigênio. Um radical livre pode possuir ou não carga elétrica e não deve ser confundido com os íons provenientes da dissociação eletrolítica. Como já foi visto, é usual representar um radical livre acrescentando um ponto à sua fórmula química (exemplo: •OH). Na Figura II-7 podem ser vistas as distribuições eletrônicas do íon hidroxila (OH-) e do radical hidroxil (•OH). Figura II-7 - Distribuição de elétrons do ionte hidroxila e do radical livre hidroxil II-9 O evento primário para a formação de radicais livres na radiólise da água é a ejeção de um elétron pela radiação ionizante. O elétron arrancado, não possuindo grande energia cinética, pode ser capturado por outra molécula de água, que fica com carga negativa. Os dois iontes radicais que podem ser assim formados (H2O- e H2O+) interagem com outras moléculas da vizinhança, gerando radicais livres H• e •OH, como esquematizado nas reações abaixo, que mostram a radiólise da água em ausência de oxigênio. H2O hf H2O+ + e- e- + H2O H2O- H2O+ + H2O H+ + H2O + •OH H2O- + H2O OH- + H2O + H• ------------------------------------------ H2O + hf H• + •OH Os produtos de radiólise podem interagir entre si; dois radicais •OH, por exemplo, podem gerar uma molécula de peróxido de hidrogênio (H2O2); algumas destas reações secundárias estão mostradas a seguir. •OH + •OH H2O2 H• + H• H2 H• + H2O •OH + H2 H• + •OH H2O Em meios oxigenados, o elétron ejetado pode ser capturado pelo oxigênio, acarretando a formação de O2- que, por sua vez, interagindo com uma molécula de água, conduz à formação de radicais peroxil (HO2•), que também podem ser produzidos pelas reações do radical H• com o oxigênio ou do peróxido de hidrogênio com o radical •OH; estas reações estão representadas a seguir. e- + O2 O2- O2- + H2O OH- + HO2• H• + O2 HO2• •OH + H2O2 H2O + HO2• É importante ressaltar que os radicais formados em presença de oxigênio são cerca de três vezes mais oxidantes que os radicais •OH. O radical HO2• pode interagir com uma macromoléculae modificar sua extremidade livre, peroxidando-a e, consequentemente, impedindo sua posterior regeneração; processos desta natureza costumam justificar o aumento da inativação quando a irradiação é feita em meio oxigenado (efeito oxigênio). Na Tabela II-1 estão representadas as espécies químicas observadas na água irradiada II-10 Tabela II-1 – Espécies químicas na água irradiada Lesões nas bases do DNA Muitas lesões foram caracterizadas em timina. Os radicais •OH atacam tipicamente a dupla ligação C5=C6 das pirimidinas. É postulado que a ação direta da radiação ionizante pode levar à ejeção de um elétron do C5 ou C6 e o cátion radical resultante pode reagir com um íon hidroxil. Para o efeito indireto os intermediários seriam os mesmos. Em presença de oxigênio pode ser formado o glicol de timina. Além disto, o anel pode fragmentar-se dando origem a diversos produtos como: metiltartronil uréia, 5-hidroxihidantoina, N- formamido-uréia e uréia. Em ausência de oxigênio forma-se 5-hidroxitimina e 6-hidroxi-5,6- dihidroxitimina. Produtos de citosina são também formados, além de ocorrer desaminação, conduzindo a muitas lesões. As purinas também são atacadas, gerando os mesmos produtos que o tratamento com H2O2. A radiação também pode formar outras lesões como um produto dimérico de timina, assim como ligações cruzadas DNA – proteína, sendo o produto timina-tirosina a espécie predominante após irradiação em presença de oxigênio ou tratamento com H2O2 em presença de Fe (III) ou Cu (II). As radiações ionizantes frequentemente induzem regiões de fitas localmente não pareadas que podem ser detectadas pela digestão com uma endonuclease (S1 de Aspergillus) que reconhece tais sítios. Quebras de cadeias por lesões no açúcar Cerca de 20% dos radicais hidroxil que reagem com o DNA atacam o açúcar. 1 Gy de X ou γ pode resultar em 600 a 1000 quebras simples e 16 a 40 quebras duplas, comparadas com 250 lesões de timinas, produzias de modo direto e indireto. Uma quebra simples pode surgir por abstração de um átomo de hidrogênio da desoxirribose, formando um radical. A abstração de H do C4 é provavelmente o mecanismo mais importante. Em soluções aeradas isto é seguido pela adição de oxigênio e formação de radicais peroxi nos açúcares. Os efeitos letais da radiação ionizante são na maioria das vezes devidos quebras duplas. Como um simples fóton de radiação pode produzir muitos radicais a indução de quebras duplas pode resultar II-11 do ataque localizado de dois ou mais radicais. Alternativamente a quebra dupla pode surgir de uma quebra simples e ataque de radical a cerca de 10 pares de bases depois. Adicionalmente, a quebra dupla pode ser causada por um único radical •OH, com o radical transferido para a hélice oposta após causar a quebra da primeira. Uma carga eletrônica causada pela ionização ou oxidação do DNA pode migrar através da hélice por longas distâncias. Quando um radical se combina com oxigênio o resultado é um peróxido orgânico que não pode ser revertido à sua forma original e provoca outras reações. Em verdade, o aumento da radiossensibilidade de células na presença de concentrações crescentes de oxigênio “Efeito Oxigênio” normalmente reflete diferenças de lesões no DNA e frequência. Agentes redutores celulares, como a glutationa, podem proteger o DNA capturando os radicais livres e impedindo as lesões no DNA, gerando uma redução do radical livre em oposição à fixação do radical. Recentemente a diminuição celular dos níveis de tióis (que capturam radicais livres) tornou-se uma estratégia na radiosensibilização de tumores. Outros efeitos Quando culturas confluentes de células de mamíferos são expostas a doses muito baixas de radiação α, de tal maneira que somente 2 a 3 % das células são atingidas pelas partículas α, são observadas trocas de cromátides irmãs e mutagênese nas células não irradiadas. Este efeito “bystander” indica que ocorreram lesões nas células não irradiadas. Este efeito é mediado por junções celulares formadas entre células adjacentes, mas o mecanismo preciso ainda não é conhecido. Parece envolver sinalização de membrana após estresse oxidativo. È possível que um radical livre orgânico, muito estável, seja induzido pela radiação e transferido entre as células. A maioria dos estudos envolvendo os efeitos das radiações foi feita com altas doses e a extrapolação para as baixas doses comumente recebidas pela população é muito controversa. Com o desenvolvimento de metodologias mais sensíveis (HPLC, anticorpos específicos, eletroforese de pulso, gradientes de sacarose, etc), torna-se mais fácil o estudo dos efeitos de baixas doses. DEFESAS CONTRA AS ERO Aspectos gerais A primeira defesa contra a toxicidade do oxigênio é o gradiente da tensão de O2 observado em todos os mamíferos, do nível ambiental de 20% para a concentração tecidual de 3 a 4 %. A maior parte do oxigênio nas células eucarióticas vai para as mitocôndrias, portanto o núcleo é praticamente anóxico em circunstâncias normais. As células de vertebrados em cultura são incubadas com 20% de oxigênio e suportam uma tensão de oxigênio muito maior que nos tecidos do corpo, consequentemente, os experimentos são feitos em condições de estresse oxidativo. Outro mecanismo de proteção é o sequestro de metais de transição, como, por exemplo, o ferro que fica ligado a transferrina e ferritina. Aditivos da alimentação como a vitamina C podem ajudar a reciclar o ferro e propiciar a reação de Fenton, mas não há evidência que a sua entrada no organismo aumente o número de lesões no DNA. O peróxido de hidrogênio está presente em muitos alimentos, tais como chá, café e mesmo na água da torneira e nas nuvens de poluição. O fato de que o DNA está envolvido por histonas e poliaminas e organizado em estruturas de cromatina confere uma proteção adicional contra as lesões oxidativas (lesões nas bases e quebras simples e duplas). Os radicais livres podem interagir com diferentes tipos de moléculas, por isto, a amplitude dos efeitos indiretos é reduzida pela adição, antes da irradiação, de uma ou mais substâncias capazes de funcionar como aceptores de radicais livres. II-12 Alguns aceptores são inespecíficos, isto é, interagem com os diversos tipos de radicais livres, competindo com as macromoléculas (ou células) da preparação irradiada, protegendo-as. Proteínas diversas, extratos de células e enzimas inativadas pelo calor constituem exemplos de agentes dotados desta propriedade; uma concentração elevada destes agentes assegura a existência de numerosos sítios para interação com os radicais livres, reduzindo a inativação produzida pelos efeitos indiretos. Muitos aceptores são específicos, interagindo somente com determinadas espécies de radicais livres. O peróxido de hidrogênio pode ter sua ação bloqueada pela catalase ou pelas peroxidases, enquanto o radical superóxido é destruído pela SOD. O efeito letal do oxigênio ativado no estado singleto pode ser bloqueado pela histidina, pelo glicerol, pelas azidas ou pelo 1,4-diazobiciclo (2.2.2) octano (DABCO). Poucas substâncias possuem especificidade para a captura de radicais H•, mas o próprio oxigênio pode participar de sua remoção do meio irradiado, dando origem a um radical peroxil (HO2•) Os radicais hidroxil (•OH), provavelmente os mais importantes na inativação devida aos efeitos indiretos, podem ser capturados por diversos compostos, tais como o ácido para-aminobenzóico (PABA), o benzoato de sódio, o manitol, o dimetilsulfóxido, os alcoóis (como o glicerol), os aminotióis (como a cisteína e a cisteamina) e a tiouréia. É provável que não exista um mecanismo único para a interação destes compostos com os radicais •OH; assim, por exemplo, os aminotióis parecem atuar por meio de seus grupamentos S-H, enquanto a tiouréia não devefazê-lo, pois alguns de seus análogos estruturais, que não possuem tais grupamentos, conseguem capturar radicais •OH com eficiências equivalentes à da própria tiouréia. Vitaminas a) Vitamina A Os carotenóides são compostos sintetizados pelas plantas para se protegerem contra a ação nociva dos radicais livres. Existem mais de 500 carotenóides sintetizados pelos vegetais e o -caroteno, por decomposição gera duas moléculas de vitamina A. Esta vitamina é um potente captador de radicais livres, reagindo diretamente com radicais peróxidos. b) Vitamina C A vitamina C está disponível na maior parte dos órgãos e participa nas reações de óxido- redução. Atua diretamente sobre os radicais superóxido e hidroxil, podendo também neutralizar alguns oxidantes presentes no sangue. Por outro lado, quando a vitamina C se oxida é gerado o peróxido de hidrogênio, que através da reação de Fenton forma o radical hidroxil. c) Vitamina E A vitamina E protege principalmente as membranas celulares. Ao introduzir-se entre os lipídeos da camada mais externa da epiderme constitui uma barreira protetora contra as ERO. Sua ação reforça o tecido conjuntivo, favorece a vascularização e propicia a regeneração cutânea, prevenindo a formação de rugas e manchas senís. Enzimas antioxidantes Os organismos possuem um sistema enzimático antioxidante que compete com o aumento do estresse oxidativo e compreende as seguintes enzimas: a) Catalase II-13 A catalase é uma hemoproteína que se localiza no interior dos peroxissomas onde existem muitas enzimas geradoras de peróxido de hidrogênio. Sua função é catalisar a reação de dismutação do peróxido de hidrogênio em água e oxigênio molecular: 2 H2O2 2 H2O + O2 Sua ação é limitada devido à sua localização exclusiva nos peroxissomas. b) Superóxido dismutase (SOD) As SODs são enzimas que aceleram a dismutação do radical superóxido em peróxido de hidrogênio e oxigênio. No homem existem três superóxido dismutases, uma no citoplasma (SOD1), cujo sítio ativo contêm cobre e zinco; outra é mitocondrial e contém manganês (SOD2) e a terceira é extracelular (SOD3), contendo também cobre a zinco no seu sítio ativo. Em condições de excesso de ferro, a SOD aumenta a formação de radicais hidroxil, por gerar peróxido de hidrogênio. Em condições normais a catalase ou as peroxidases reduzem o peróxido de hidrogênio gerado pela SOD e esta elimina o radical superóxido que poderia reduzir o Fe+++ a Fe++ e promover assim a formação de radicais hidroxil. Durante o ciclo catalítico o Cu++ é alternativamente reduzido a Cu+ e reoxidado pelo radical superóxido: SOD ZnCu++ + •O2- SOD Cu+ + O2 SOD ZnCu+ + •O2- + 2H + SOD Cu++ + H2O2 O zinco não tem função catalítica, mas ajuda a estabilizar a enzima e a MnSOD mitocondrial funciona de maneira idêntica à ZnCuSOD. A SOD3 é uma ZnCuSOD extracelular que está mais envolvida na minimização da interação do radical superóxido com o radical óxido nítrico para formar o ânion peroxinitrito, especialmente em situações de hipertensão, quando a produção vascular de radical superóxido é aumentada podendo provocar risco de isquemia cardíaca. c) Glutationa peroxidase A glutationa peroxidase, a exemplo da SOD é uma enzima citosólica e intramitocondrial, que degrada a maior parte do peróxido de hidrogênio e o transforma, em presença de glutationa reduzida, em água e glutationa oxidada: H2O2 + GPX (2 GSH GSSG) 2H2O O ciclo óxido redutivo da glutationa é o maior sistema de proteção endógena contra as substâncias oxidantes. A glutationa encontra-se em altas concentrações na maioria das células de mamíferos sob a forma reduzida (GSH), junto a quantidades menores da forma oxidada (GSSG). A glutationa peroxidase complementa a ação da catalase, agindo também sobre os hidroperóxidos que não tenham sido destruídos por ela, assim como sobre os peróxidos lipídicos e sobre produtos de reações catalisadas pela lipoxigenase. A regeneração da GSH necessita NADPH (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato reduzida) que é fornecida através da atividade da G6PD (glicose-6 fosfato desidrogenase). A GSH é sintetizada no fígado a partir de - glutamilcisteína e glicina, pela GSH sintetase. II-14 d)Peroxiredoixinas São importantes defesas antioxidantes tanto em bactérias (Ahp é o principal sequestrador de H2O2 endógeno em bactérias) como em mamíferos [camundongos defectivos no gene da peroxiredoxina (Prdx1) desenvolvem anemia hemolítica severa e diversos tipos de cânceres malignos a partir de 9 meses de idade]. Câncer, envelhecimento e lesões oxidativas no DNA É amplamente aceito que o acumulo de lesões oxidativas e estresse das macromoléculas é uma das causas de envelhecimento e senescência celular. Por exemplo, o acúmulo de proteínas carboniladas é observado em estados doentios associados com o aumento do estresse oxidativo. Proteínas oxidadas são normalmente degradadas pelo proteossoma, mas, proteínas agregadas ou formando ligações cruzadas podem se acumular em células envelhecidas e foi sugerido que contribuem para o envelhecimento por efeitos tóxicos, incluindo a inibição da ação do proteossoma. A restrição calórica é um meio de aumentar o tempo de vida de muitos organismos, através da minimização do estresse oxidativo gerado durante o metabolismo normal. Alterações em genes que protegem as células contra as ERO por aumento dos níveis de enzimas detoxificadoras podem aumentar o tempo de vida de camundongos, o nematódeo C. elegans, a mosca da fruta, mosca doméstica e também fungos. Na Figura II-8, estão representados os resultados de experimentos com mutantes Indy (I am not dead yet) de Drosófila, destacando o aumento do tempo de vida destes organismos pela mutação. Na Figura II-9 estão representados os resultados obtidos com moscas domésticas em condições de alteração do metabolismo, caracterizando o grande aumento do tempo de vida e implicando a lesão 8- oxo-Guanina no processo de envelhecimento destes organismos. Figura II-8 – Tempo de vida de mutantes Indy em relação ao controle Foi proposto que o ataque de radicais de oxigênio ao genoma mitocondrial leva à sua perda gradual de função e associação ao envelhecimento celular e senescência. Há evidências de que o DNA mitocondrial é mais susceptível às lesões devido à sua proximidade com a maior fonte de ERO. Diversas doenças neurodegenerativas estão ligadas a mutações e rearranjos no DNA mitocondrial. Por outro lado as lesões na membrana mitocondrial podem ser mais importantes, pois tais lesões levariam à redução das funções mitocondriais assim como à liberação de ERO na célula. II-15 Figura II-9 – Tempo de vida de moscas em condições de baixa de metabolismo e papel das lesões oxidativas Há uma série de doenças e síndromes progeróides associadas a enzimas de processamento do DNA tais como as síndromes de Werner, Rothmund-Thompson, Cockayne além de tricotiodistrofia e ataxia telangiectasia. A acumulação de lesões também está associada ao aparecimento de mutações e incidência de alguns tipos de cânceres. Outra consequência seria o acumulo de lesões não reparáveis de DNA com a idade, como os compostos I que se acumulas em tecidos de roedores. Diversos compostos I foram identificados como modificações de bases 8,5-ciclo-2’-deoxiadenosina. Estas ciclopurinas são pobremente reparadas e, portanto, acumulam com o tempo e são capazes de bloquear a progressão da replicação assim como a expressa gênica. EXEMPLOS DE EFEITOS BIOLÓGICOS E DE PATOLOGIAS ATRIBUÍDAS ÀS ERO Inativação de bactérias invasoras As células fagocitárias, ao encontrarem bactérias invasoras no organismo, sofrem um estímulo na membrana, gerando o íon O2-, através de oxidases. Formam-se então H2O2 e •OH,que inativam as bactérias, tornando possível que elas sejam englobadas, por fagocitose, e digeridas. Radioterapia O efeito indireto das radiações, mediado por ERO, desempenha papel extremamente importante na destruição dos tumores. Quimioterapia Diversas drogas, como a bleomicina e adriamicina, formam complexos com o DNA e com íons Fe++. Em presença de O2 formam-se as ERO que atacam o DNA. Como as células tumorais têm reprodução mais rápida, são mais sensíveis a este efeito que as dos tecidos normais. Granulomatose crônica Em certas doenças, como a granulomatose crônica, as células fagocitárias não produzem ERO, o que agrava os processos inflamatórios. Artrite II-16 Nas artrites, as células fagocitárias, por produzirem grande quantidade de ERO, causam a inativação celular, no sítio da inflamação, do que resulta a liberação de certas enzimas, capazes de, em conjunto com os radicais livres de oxigênio, atacar e lesar, cartilagens e ossos. Cataratas Como resultado de reações induzidas pela luz, há formação de ERO no globo ocular. Estas EAO atacam as proteínas do cristalino, tornando-o opaco. Doença de Parkinson A retirada de um grupamento amina das catecolaminas, por via oxidativa, produz ERO que vão aos poucos destruindo os neurônios. O fenômeno pode ser acelerado por acúmulo anormal de catecolaminas em neurônios do cérebro. Diabete aloxânica Quando administrada em animais, a aloxana é reduzida e posteriormente reoxidada. Produzem- se assim ERO que destroem as células pancreáticas produtoras de insulina. Porfiria aguda intermitente Uma deficiência genética na produção do grupamento heme provoca acúmulo de ácido aminolevulinico, capaz de provocar a oxidação de oxihemoglobina, transformando-a em metahemoglobina e gerando ERO. Ao atacarem os neurônios, as EAO provocam os distúrbios neurológicos associados à doença. Enfisema Na formação do enfisema pulmonar induzido pelo tabagismo, a fumaça do cigarro provoca a proliferação das células fagocitárias, que produzem ERO; a reação destas com o monóxido de nitrogênio (NO) proveniente do fumo leva à produção do radical •OH, que lesa as células pulmonares. Isquemia Na lesão isquêmica, a ausência de O2 conduz ao acúmulo de substâncias redutoras, principalmente hipoxantina. O restabelecimento da irrigação provoca oxidação intensa da hipoxantina, com grande produção de ERO levando à necrose tissular. Envelhecimento Recentemente, foi determinado que o homem excreta, por dia, através da urina, cerca de 100 nmol de produtos de oxidação de timina, sob a forma de timina glicol, timidina glicol e hidroximetiluracil, o que corresponde a cerca de 6x10 16 moléculas destes produtos por dia. Como o número de células do corpo humano é cerca de 6xl0 13 , são excretados, por dia, por célula, cerca de 1.000 moléculas de timina lesadas. Mas outros produtos também aparecem, o que permite supor que, alguns milhares de produtos de oxidação são excretados, diariamente, por cada célula. Em ratos, a excreção destes produtos de oxidação é 10 a 15 vezes maior que no homem. Admite-se, atualmente, que a taxa de metabolismo seja inversamente proporcional à longevidade, uma vez que as oxidações produzidas no DNA (stress oxidativo) causam lesões que provocam o envelhecimento. Logo, é possível II-17 estabelecer uma correlação entre alto metabolismo, alta taxa de radicais do oxigênio e alta taxa de formação de glicóis. Estes dados talvez possam explicar as diferenças de duração de vida entre os mamíferos. RADIAÇÃO UV A radiação UV é biologicamente altamente relevante uma vez que os organismos estão constantemente expostos à radiação solar, desde o início da evolução da vida. É sugerido que durante o inicio da terra (entre 3,5 até 0,5 bilhões de anos atrás) a vida não foi possível até que a camada de ozônio fosse formada na atmosfera. A radiação UV é dividida em UV-A (400-32 nm), UV-B (320-290 nm) e UV-C (290-200 nm). A maioria dos estudos foi feita com radiação de UV-C de 254 nm (germicida), que é muito absorvida pelos ácidos nucleicos e pouco absorvida pelas proteínas. Dímeros de pirimidinas O fotoproduto mais frequente das radiação UV-C é o dímero de pirimidinas formado pelo anel ciclobutano (saturação da dupla ligação 5=6 das pirimidinas) entre pirimidinas adjacentes. Entretanto em DNA em hélice simples é possível a formação de dímeros entre pirimidinas não adjacentes. Como o dímero produz uma distorção na hélice (dobra de aproximadamente 30 o ) e é não codificante ele causa uma parada obrigatória na duplicação. Os dímeros são muito estáveis em pH extremo e altas temperaturas. Eles resistem à hidrólise do DNA e podem ser separados da timina por métodos cromatográficos. A formação de dímeros é influenciada pelo contexto sequência e TT é mais frequente enquanto CC é menos. As proporções são de 68 TT, 13 CT, 16 TC e 3 CC em qualquer DNA, desde plasmídeos a células humanas. Existem enzimas especificas para dímeros (UV-endonucleases) que podem ser usadas tanto para determinar a quantidade de dímeros assim como sua localização. O produto (6-4) PP Este produto resulta da ligação do C6 de uma pirimidina ao C4 da adjacente. Devido à grande distorção produzida pela lesão o DNA fica frágil a soluções alcalinas e altas temperaturas (80-100 o C). O aduto 6-4 se forma em TC e CC e menos em TT e menos ainda em CT, sendo que no DNA irradiado com UV-C a razão é de 3 para 1 entre dímeros e 6-4. Na Figura II-10 estão representados os dímeros de pirimidinas e os adutos 6-4 pirimidina pirimidona. Outros Fotoprodutos Além dos dímeros de pirimidinas a radiação UV também é capaz de formar hidratos de pirimidinas, pirimidinas oxidadas, ligações cruzadas entre DNA e proteínas, porém em proporções muito menores que dímeros e adutos. A radiação UV também pode gerar lesões normalmente associadas ao oxigênio tais como 8 oxo- G, formamidipirimidinas e 5 hidroxi,5,6 dihidrotimina. Um possível mecanismo seria via ação da timina como um fotossensibilizador. Timina excitada no estado tripleto pelo UV pode transferir sua energia para o O2, gerando oxigênio singleto que pode reagir com uma guanina do lado. II-18 Figura II-10 – Dimero de timina e fotoproduto 6-4 timina-timina Radiação solar Quebras simples e sítios alkali lábeis são detectados comumente no DNA irradiado com UV-A ou simuladores solares. UV-A também induz 8-oxoG através da geração de oxigênio singleto ou fotossensitização. Dímeros também são formados. Muitos dímeros TT são formados por UV-A sugerindo a participação de sensibilizadores tripleto. Formação de 6-4 e seu isômero Dewar também são detectados em células humanas irradiadas com luz solar. AGENTES QUÍMICOS QUE LESAM O DNA A maioria dos agentes químicos usados em quimioterapia anticâncer são substâncias que lesam o DNA e são utilizados para matar as células e inibir a proliferação tumoral. Agentes alquilantes Os agentes alquilantes são compostos eletrofílicos com afinidade por centros nucleofílicos nas macromoléculas orgânicas. Agentes metilantes simples como metilnitrosouréia (MNU), N-metil-N’-nitro-nitrosoguanidina (MNNG) e metil metanosulfonato (MMS) e etilantes como etilnitrosouréia (ENU) e etil metanosulfonato (EMS), são frequentemente usados em laboratórios para o estudo das lesões produzidas no DNA e dos sistemas de reparação envolvidos na correção das lesões. Os agentes alquilantes podem ser mofofuncionais e bifuncionais. Os monofuncionais podem alquilar diferentes posições nas moléculas sendo as mais frequentes o N7 da guanina e o N3 da adenina. A alquilação dos fosfodiésteres resulta na formação de fosfotriésteres. Alquilantes ambientais O cloreto de metila é o maisabundante mutagênico e carcinógeno ambiental. Cerca de 5 milhões de toneladas de MeCl são emitidos por ano, devido à queima de biomassa e síntese bioquímica por II-19 microorganismos e algas marinhas. Estes organismos têm metil transferases que catalisam a metilação. MeCl, MeBr e MeI podem alquilar o DNA e são mutagênicos e carcinogênicos. Alquilantes endógenos também existem e o S-adenosilmetionina (SAM) é um agente que metila principalmente N7G e N3A. É estimado que cerca de 600 3MeA são formados por geração de célula humana proliferativa, o que corresponderia às alterações produzidas por 20 mM de MMS Alquilantes bifuncionais – Ligações cruzadas Agentes bifuncionais podem reagir com dois sítios nucleofílicos no DNA, podemdo gerar ligações intercadeias ou intracadeias. Os agentes que fazem ligações cruzadas podem bloquear completamente a replicação e por isso, alguns destes agentes (ácido nitroso, mitomicina C, mostarda nitrogenada, cisplatina e certos psoralenos fotoativados) são muito usados na quimioterapia de câncer. Na Figura II-11 está representada a interação da mostarda nitrogenada com o DNA. Figura II-11 – Interação da mostarda nitrogenada com guaninas do DNA Endogenamente o ácido nitroso pode ser formado no estômago pelos nitritos da alimentação. O ácido nitroso forma ligações entre os N 2 dos grupamentos amina das guaninas nas sequências CG. O acetaldeído, produto da glicólise celular também pode causar ligações cruzadas. Devido à ligação covalente entre as hélices, que impedem a separação das hélices mesmo em condições desnaturantes, as ligações cruzadas podem ser detectadas por diversas técnicas incluindo mobilidade eletroforética, eluição alcalina e gradientes de densidade. Estas ligações também aumentam a renaturação dos fragmentos com ligações cruzadas, o que pode ser detectado pela hipocromicidade ou pela ligação diferencial a hidroxiapatita entre DNA em hélice simples e dupla. A cisplatina, outro agente que provoca a formação de ligações cruzadas é muito utilizada no tratamento de câncer de testículos. A atividade deste composto foi descoberta acidentalmente quando estudando o efeito de correntes elétricas no crescimento de bactérias foi detectado um efeito inibitório provocado por compostos formados pelos eletródios de platina e o cloreto de amônia do meio de cultura. Ultimamente a cisplatina vem sendo substituída por um derivado, a carboplatina, com menos efeitos colaterais. Na Figura II-12 estaão representadas as diversas interações da cisplatina. Acroleina e aldeídos relacionados são componentes cancerígenos encontrados nos gases de exaustão de automóveis, na fumaça do cigarro e formados endogenamente pela degradação oxidativa de lipídeos insaturados. Estes produtos podem formar tanto ligações inter hélices do DNA assim como ligações entre DNA e proteínas. Estas ligações cruzadas são feitas entre o aldeído e o N terminal α– amino do peptídeo. II-20 Figura II-12 – Interações da cisplatina com DNA e proteínas PSORALENOS Psoralenos são furocumarinas com configurações planares tricíclicas. Eles podem intercalar-se e por subsequente fotoativação pela radiação UV-A podem formar adutos covalentes com as pirimidinas, principalmente adição na dupla ligação 5,6 da timina. Psoralenos com organização totalmente planar, como o 8–metoxipsoraleno são capazes de reagir com pirimidinas em uma ou nas duas hélices, em sequências TA, sendo que para a formação da ligação cruzada é necessária a absorção de dois fótons de UV-A. De qualquer maneira normalmente são formados 3 vezes mais monoadutos que ligações cruzadas. Este tipo de moléculas ainda é muito usado no tratamento (PUVA) de psoríase, uma doença caracterizada por proliferação exagerada de células epiteliais da pele e de vitiligo, caracterizada pela ausência de formação de melanina. Na Figura II-13 estão representadas as interações do psoraleno com o DNA. SUBSTÂNCIAS QUE NECESSITAM METABOLIZAÇÃO Algumas substâncias necessitam ser metabolizadas para se tornarem mutagênicas e cancerígenas. Algumas aminas aromáticas produzem tumores em locais diferentes do local de administração normalmente na bexiga (carcinogênese remota), sugerindo a necessidade de metabolização do composto, transformação em substância solúvel em água e excreção pela urina. Outro exemplo é o N- N-dimetil-4-aminoazobenzeno (BUTTER YELLOW) um potente cancerígeno para o fígado de ratos, mas que não se liga às proteínas do fígado, o que ocorre com seus metabolitos. Esta metabolização é normalmente feita por um complexo enzimático com grande absorbância em 450 nm e em combinação com uma ou mais flavoproteínas redutases de membrana é conhecido como sistema citocromo P-450. Diversas substâncias cancerígenas necessitam de metabolização para exercerem sua ação. Entre elas podemos citar: II-21 Figura II-13 – Monoadutos e biadutos (croos-linhks) produzidos pelo psoraleno Aminas aromáticas como o N-2-acetil-2-aminofluoreno (AAF) (originalmente usado como inseticida) e que metabolizado forma um N-hidroxi derivativo que se transforma no cancerígeno N- acetoxi-N-2-acetilaminofluoreno que se liga no C8 e N2 da guanina. Hidrocarbonetos como o benzo[a]pireno (descoberto no estudo epidemiológico de alta incidência de câncer no escroto em limpadores de chaminés na Inglaterra). Estes estudos epidemiológicos prosseguiram e foi detectada uma substância do alcatrão de carvão, o benzopireno. Posteriormente foram detectadas muito mais substâncias, mas o benzo[a]pireno, que também é encontrado na exaustão de automóveis, carnes queimadas e queima incompleta de combustíveis fósseis é ainda um dos mais potentes cancerígenos. A metabolização do benzo[a]pireno gera o cancerígeno 7β,8α–diol-9α, 10α–epoxi-7,8,9,10- tetrahidrobenzeno[a]pireno (BPDE), que interge randomicamente com o DNA principalmente em regiões ricas em guanina. Aflatoxinas Os mais potentes cancerígenos para o fígado são as aflatoxinas (micotoxinas produzidas pelos fungos Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus), que quando contaminam grãos de cereais (arroz, amendoin e milho) podem ser consumidos pelos humanos. Em regiões onde a hepatite B é endêmica o perigo é maior, pois o vírus age sinergisticamente com a aflatoxina como hepatocancerígeno. A mais potente é a aflatoxina B1, que é metabolizada a aflatoxina B1-8,9-epoxi pelo sistema P-450. A reação é majoritariamente a ligação com o N7 da guanina. II-22 N-Metil-N’-Nitro-N-Nitrosoguanidina (MNNG) e Nitrosaminas do Tabaco A glutationa (-glutamil cisteinil glicina) é o maior componente sulfidrílico intracelular, sendo portanto um ótimo captador de radicais livres. Na sua forma reduzida é altamente nucleofílico e a sua conjugação conduz à detoxificação (aflatoxina B1 por exemplo) facilitando a excreção de xenobióticos após a oxidação pelo citocromo P- 450. Entretanto, a reação de MNNG com o resíduo cisteína da glutationa conduz à formação de um poderoso agente metilante. N-nitrosaminas são abundantes no tabaco, gerados pela nitrosação da nicotina e outros alcalóides na planta. A metabolização dessas nitrosaminas gera produtos capazes de produzir cânceres no pulmão, esôfago, pâncreas e cavidade oral. 4-Nitroquinolina 1-Oxide (4-NQO) As lesões no DNA causada pela 4-NQO são geralmente adutos. A metabolização da 4-NQO ainda não é bem conhecida. O aduto no N 2 parece ser a lesão mais frequente (50 a 80%). O tratamento com 4-NQO também pode resultar na formação de 8-hidroxiguanina e grande quantidade de quebras, sugerindo formação de adutos instáveis. Na Figura II-14 estão representados alguns adutos formados pelo 4NQO. Figura II-14 – Principais adutos formados no DNA pela 4NQOMetabólitos Hormonais Excesso de estrogênio pode induzir tumores em animais de laboratório e foram associados com câncer de mama e útero em humanos. Possivelmente os metabolitos do estrogênio podem causar adutos. Nas células os catecóis são oxidados a semiquinonas e então a quinonas que reagem com o DNA. As quinonas reagem com o N3 e N7 das purinas criando adutos instáveis. Os metabolitos podem também gerar ERO e, consequentemente, provocar oxidação de bases, quebras e adutos formados por produtos reativos de hidroperóxidos lipídicos. II-23 AGENTES QUÍMICOS E ENZIMÁTICOS QUE CAUSAM QUEBRAS Bleomicina Bleomicina é um antibiótico antitumoral que age quebrando o DNA. Bleomicina é um quelante de ferro e é ativada a uma forma contendo Fe(III) em uma posição contendo o anion peróxido. A bleomicina ativada induz a abstração de um hidrogênio do DNA predominantemente em C4’. Isto conduz a uma mistura de quebras (10% duplas) e sítios abásicos. Uma mistura de bleomicinas é usada no tratamento de câncer de células escamosas, linfomas malignos e outros. Um grupo de antibióticos relacionados à bleomicina e que também quebram o DNA incluem a neocarzinostatina e caliceamicina, que quebram o DNA em locais diversos do da bleomicina.
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