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1 Louyse Jerônimo de Morais Tema principal: hematologia – leucemias e linfomas. Introdução A quimioterapia (QT) antineoplásica vai atuar em células de alto turnover, sejam elas as células malignas do clone neoplásico sejam as naturais do corpo. A QT vai ter um efeito terapêutico pela toxicidade tumoral, mas ela vai afetar, principalmente, as células do sistema hematopoiético e as células epiteliais das superfícies mucosas (mucosite) – digestiva, respiratória etc. Quando afeta o tumor, temos o que queremos, mas quando afeta a medula óssea, causa uma queda na produção das células sanguíneas. Isso vai nos interessar com relação à queda dos neutrófilos polimorfonucleares, responsáveis pela imunidade inata. Portanto, há redução de imunidade inata durante o tempo de pico de efeito da quimioterapia. Com relação ao comprometimento de mucosas, chamamos de “mucosite”, pois é comum haver um certo grau de eritema e edema na região. Isso ocorre porque se afeta as células tronco que regeneram continuamente a superfície das mucosas, gerando soluções de continuidade, que expõem diretamente a superfície externa ao tecido subepitelial, o que favorece a passagem de bactérias para ganhar acesso à corrente circulatória, por exemplo. Em alguns pacientes, surgem ulcerações, porque as soluções de continuidade são mais intensas. Trata-se, portanto, de uma importante quebra de barreira. Isso tudo vai favorecer a presença de infecções oportunistas. São germes da própria microbiota do indivíduo, que encontram naquele momento de efeito da QT, uma conjuntura que favorece a invasão do corpo – TGI, trato respiratório alto e pele (pp. Se cateter profundo). Manifestações clínicas A febre pode ser o único sinal de infecção. Outras manifestações flogísticas estarão atenuadas pela própria neutropenia. Assim, a febre se torna uma emergência médica, porque se o paciente não for tratado a tempo, ele pode morrer em até 24h. Dessa forma, a abordagem vai se fundamentar no início imediato empírico de uma antibioticoterapia de amplo espectro após coleta de 2 sets de hemocultura. Deve-se cobrir gram-positivos e gram- negativos, bem como Pseudomonas aeruginosa, pois esta é uma importante causa de morte nos pacientes. Sempre temos que tentar isolar o patógeno. As infecções nesses casos são de infecção sanguínea. • Set: coletar 10 a 20 ml de sangue e distribuir em duas garrafinhas, sendo uma para aeróbio e outra para anaeróbio. Deve-se coletar com um intervalo de 5 a 10 minutos entre os sets. Se cateter venoso profundo, coletar um deles a partir dele. Se o cateter tiver mais de um lúmen, coleta um de cada um. Definições • Neutropenia o Neutrófilos < 500 µL o Neutrófilos < 1000/µL com previsão de queda para < 500 em 48h. Existe uma curva de toxicidade da QT, em que o pico ocorre entre 10 e 14 dias. o “Neutropenia profunda”: < 100/µL Lembrando que neutrófilos = polimorfonucleares + bastões. • Febre o Temperatura oral ≥ 38.3°C medida única o Temperatura oral ≥ 38°C por 1h o Temperatura axilar > 37.8°C medida única. Nunca medir temperatura retal, porque favorece translocação bacteriana. A febre até pode não ocorrer, como nos pacientes com neutropenia muito profunda e/ou no paciente idoso, principalmente se houver corticoterapia em altas doses no esquema quimioterápico. Nesses casos, só se vai identificar a infecção quando o paciente estiver séptico (dispneia, hipotermia, hipotensão arterial etc.). Estratificação de risco Alto risco - pelo menos um dos critérios abaixo: • Expectativa de neutropenia > 7 dias • Disfunção orgânica crônica • Disfunção orgânica aguda • Mucosite GI intensa: dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia. • Sinais de infecção de cateter venoso profundo. Baixo risco 2 Louyse Jerônimo de Morais • Ausência de todos os critérios de alto risco: mais frequente nas quimioterapias de tumores sólidos. Avaliação clínica global • Alto risco de germe resistente o Colonização ou infecção documentada prévia, internação recente. • Identificação clínica do sítio de infecção o Buscar dor e/ou eritema • NÃO FAZER toque retal o Nem colonoscopia nem retossigmoidos- copia o EDA e BFC pode • Coleta de: hemocultura, hemograma, hepatograma, função renal e eletrólitos e outros exames e culturas de acordo com a indicação clínica. Tratamento • Alto risco: ATB IV internado. • Baixo risco: ATB IV ou VO ambulatorial após 6 a 24h de observação no hospital. Esquema empírico inicial Tem que ser feito um esquema em monoterapia com betalactâmico anti-Pseudomonas. Tal droga acaba cobrindo também outros germes, como cocos gram- positivos e germes da cavidade oral (Streptococcus viridans e anaeróbios gram positivos). O único verme não contemplado é o S. aureus coagulase negativo. Se o paciente estiver estável, não tem problema, porque não aumenta morbimortalidade quando se demora 24 a 48h para iniciar antibioticoterapia específica (tempo que levaria para a hemocultura positivar). • Drogas: cefepime (cefalosporina de 4ª geração, mais usado), ceftazidime (cefalosporina de 3ª geração), piperacilina-tazobactam, ticarcilina- clavulanato, aztreonam, mero e imipenem (erta NÃO cobre). o Se alergia: cipro + clinda. • Associar vancomicina se: hipotensão, infecção de cateter venoso profundo, pele, pneumonia, colonização MRSA. o Se alergia: linezolida, daptomicina. Em pacientes de baixo risco, faz ciprofloxacina + amoxicilina clavulanato. • Modificam o esquema empírico: infecção ou colonização MDR prévia documentada, infecção recente em hospital com ↑ MDR. o MRSA: vancomicina, linezolida ou daptomicina. o VRE: linezolida ou daptomicina. o ESBL: carbapenêmicos o KPC: polimixina/colistina ou tigeciclina. • Suspeita de C. difficile: suspeitar se diarreia importante – QT também pode afetar microbiota intestinal. o Associar metronidazol EV ou vancomicina ORAL. Conduta subsequente • Germe isolado em hemocultura: adequação do ATB. • Nenhum germe é isolado: manter esquema empírico. • Se fez vanco, pode suspender caso a hemocultura tenha dado negativa após 48h. • Duração do tratamento: até neutrófilos > 500/µL ou, caso sítio infeccioso identificado, até completar a duração recomendada para aquele sítio de infecção identificado. E se a febre não melhorar? • Baixo risco: febre > 2 dias, olhar hemocultura. Se negativa, internar + ATB IV anti- Pseudomonas. • Alto risco: febre > 2-4 dias. o Paciente estável: só muda ATB se indicado por cultura; se não, manter ATB + protocolo de reavaliação diagnóstica. o Paciente instável: amplia espectro ATB (condulta CCIH) + antifúngico empírico + PROTOCOLO. o Úlceras orais/odinofagia: aciclovir para cobrir Herpes simplex, antifúngico para cobrir Candida. Protocolo • Em todos: novo set de hemocultura, TC de tórax e seios da face (possível investigar sinais incipientes de infecção fúngica invasiva), galactomanana e beta-glucana (dosagem de antígenos da parede fúngica). Característico de infecção pelo fungo Aspergillus 3 Louyse Jerônimo de Morais • Se indícios de infecção específica: exames apropriados ao quadro clínico. o Ex: disúria → urocultura; pneumonia → LBA; diarreia → toxina C. difficile + TC de abdome. Como alterar o tratamento? • Febre persistente + evidências de infecção fúngica invasiva (“tratamento preemptivo”): anfo B, voriconazol (escolha para Aspergilllus) ou caspofungina. • Bacilo gram negativo isolado + febre persistente: associar aminoglicosídeo para fazer sinergismo. • Mucosite grave, gengivite necrosante e/ou dor perianal: associar antianaeróbio, como clindamicina ou metronidazol. Fatores estimuladores de colônia (G-CSF, GM-CSF) Na vigência de neutropenia febril, não tem benefício. Antes da quimioterapia, se for de alto risco (≥20%)reduz mortalidade. Precauções ambientais • Internação: enfermaria comum. o Se TMO → quadro individual com pressão positiva e filtro HEPA. Plantas animais e pessoas doentes PROIBIDOS. • Dieta: “sem crus”, alimentos de boa qualidade e higienizados. • Pele e mucosa: banho diário (atenção ao períneo → limpar após evacuação), mulheres → após micção, secar períneo (anteroposterior), menstruação → tampões intra-vaginais proibidos. Escovar dentes 2x/dia, enxaguar 4 a 6x dia (solução de bicarbonato). Infecção associada ao cateter venoso profundo Formas de aquisição da infecção • Túnel subcutâneo: manifesta-se através do surgimento de sinais flogísticos – flogose local. Vai ter dor, eritema, edema, pus etc. No neutropênico, isso pode estar ausente. • Lúmen do cateter: sangue coletado pelo cateter positiva > 120 minutos antes do que o periférico. Hoje em dia, isso é visto como uma iatrogenia 100% prevenível. Conduta • Retirada do cateter é obrigatória quando a causa são germes que formam biofilmes: S. aureus, P. aeruginosa, Candida, micobactérias de rápido crescimento, infecção do túnel. • Retirada opcional (fazer “antibiotic-lock” – salinizar cateter com solução rica em ATB): Staphylococcus coagulase-negativo. Lembrar que obrigatoriamente, nesse caso, o esquema terapêutico tem que incluir a vancomicina. Prevenção • Assepsia e antissepsia durante inserção • Higienização das mãos antes e após manipulação • Preferência de limpeza do cateter com clorexidine. • Uso de cateter impregnado com antibiótico: custo elevado.
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