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Paula Perin Vicentini Rita de Cassia Gallego Vivian Batista da Silva 1APRESENTAÇÃO: A DIDÁTICA E OS ENSEJOS DE COMO ENSINAR Licenciatura em ciências · USP/ Univesp 1.1 Introdução 1.2 O professor e a didática 1.3 As construções de modelos de ensino 1.4. Mas, afinal, o que vem a ser Didática? 1.5 Conclusão Referências Bibliográficas Di dá tic a O material desta disciplina foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) para o projeto Licenciatura em Ciências (USP/Univesp). Créditos Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Design Instrucional: Juliana Moraes Marques Giordano, Melissa Gabarrone, Michelle Carvalho e Vani Kenski. Projeto Gráfico: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira, Priscila Pesce Lopes de Oliveira e Rafael de Queiroz Oliveira. Diagramação: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira. Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Benson Chin, Camila Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Mauricio Rheinlander Klein e Thiago A. M. S. 3Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Didática 1.1 Introdução Gostaríamos de começar a apresentação desta disciplina perguntando sobre as expecta- tivas que temos em relação a ela. • O que você espera da Didática? Essa primeira interrogação pode nos conduzir a indagar também: • Para que serve a Didática? • O que se imagina estudar quando se fala em Didática? • Quais temas? • Quais questões ela pode ajudar a responder? • De que maneira ela colabora com o trabalho docente? Nesta primeira semana de aula, iremos apresentar a disciplina, assinalando suas contribuições para a formação docente e o modo como as aulas estão organizadas. Além disso, vamos iden- tificar as questões tratadas pela Didática, examinando a complexidade dos modos de ensinar e aprender, e identificar o que comumente se espera da Didática, discutindo as implicações das diferentes expectativas em relação à disciplina. 1.2 O professor e a didática Essas perguntas nos conduzem a uma ideia muito comum em nosso cotidiano, segundo a qual o bom professor é aquele que tem didática. Educadores, pais, alunos e outros profissio- nais são praticamente unânimes nessa afirmação. Em nossas memórias de estudantes, podemos lembrar-nos de professores que nos marcaram pelas explicações claras, pela atenção que nos deu, por exporem as lições, mesmo aquelas mais difíceis, de modo tão apaixonado e apaixonante. Quem não diria que esse professor é o que tem didática? Essas impressões do senso comum não se distanciam daquilo que é nuclear da área de Didática, como um campo de conhecimento específico da Educação – os esforços de compre- ender e dar subsídios para potencializar os processos de ensino-aprendizagem. 4 1 Apresentação: a Didática e os ensejos de como ensinar Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Por isso, são discutidos na disciplina temas como avaliação da aprendizagem, relações interpes- soais, saberes docentes, métodos de ensino, currículo, indisciplina/disciplina etc. Quando estudamos Didática, esperamos dar conta daquilo que é nuclear no trabalho docente: ensinar e aprender. É justamente essa tarefa que distingue o ofício do professor das atividades de outros profis- sionais. Claro, o biólogo e o professor de Biologia têm formações e saberes próximos, porque se dedicam a uma mesma área de conhecimento. Ao mesmo tempo, entre ambos, há uma dife- rença fundamental. Ao professor de Biologia interessa que o seu aluno aprenda. Todos os seus esforços na seleção dos conteúdos, na organização das aulas, na distribuição dos temas que serão estudados em tempos e espaços específicos, na escolha dos materiais a serem usados na aula, na definição do tipo de explicação, dos exercícios e das formas de avaliação, enfim, em todas essas estratégias, o professor orienta-se pelo objetivo de fazer com que os seus alunos aprendam. Um professor que apenas domina o conteúdo, ainda que seja brilhante nisso, não é consi- derado bom. Os bons professores são aqueles que, entre outras coisas, tornam o conteúdo inte- ligível. Quando organizam suas aulas, eles interagem com seus estudantes, criando saberes que resultam dessas relações. Toda aula é um texto único e dinâmico, que depende dessa capacidade do professor de tornar o saber compreensível, atraente. É a essa capacidade que comumente damos o nome de Didática. Querer ensinar bem é mais do que legítimo. Neste curso de Licenciatura em Ciências, o exemplo do professor de Biologia é ilustrativo e muito sugestivo. A ideia de licenciatura configurou-se em diversas partes do mundo, justamente para marcar uma espécie de “licença para ensinar” (Vicentini e LugLi, 2009). Se hoje sabemos que, para lecionar Biologia, não basta apenas saber Biologia – e isso vale para qualquer outro ramo do conhecimento – é porque, historicamente, foram constituídas as qualidades e condições que autorizam o professor a exercer o magistério, ou seja, é preciso ser escolhido, formado, contratado e pago para tal função. Daí afirmar que o professor é um profissional e isso está intimamente ligado à história da escola. Ao explicar esse processo, reconstituindo a história da profissão docente em Portugal, António Nóvoa (1987) privilegia o grupo cuja profissionalização ocorreu mais cedo – o professorado Assim, o objeto da Didática, como área do conhecimento e disciplina de formação docente, é o ensinar, mas também o aprender, além dos fatores que são essenciais para favorecer esses processos. 5Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Didática primário (1º ao 5º ano atualmente) – compreendendo-a no âmbito do processo de produção do modelo escolar de educação. 1.3 As construções de modelos de ensino Na Europa, o modelo escolar de educação começou a ser definido no século XVI sob o domínio da Igreja e, a partir das últimas décadas do século XVIII, tornou-se gradativamente objeto de controle do Estado. No decorrer desse processo, marcado por transformações profundas e por inúmeros embates, a instituição escolar passou a ser considerada, na sociedade ocidental, a forma mais adequada de educar as futuras gerações, em detrimento das outras maneiras criadas até então para tal finalidade. A despeito das especificidades decorrentes dos diversos contextos nacionais, pode-se dizer que, com isso, a defesa da escolarização de todas as crianças foi ganhando força e fez com que o Estado passasse a ser visto como o responsável por essa atividade devendo, portanto, regula- mentá-la e fiscalizá-la e, sobretudo, desenvolver ações com vistas a concretizar essa pretensão. Começaram a ser construídos, assim, os fundamentos para a organização gradativa de sistemas educacionais que, em sua base, tinham a instrução popular e que contavam, ainda, com outros níveis de ensino, voltados para públicos diferenciados e com finalidades específicas, cuja estruturação nem sempre se deu de forma articulada e dos quais podiam fazer parte tanto a rede oficial quanto a iniciativa particular. Evidentemente, as configurações desses sistemas educacionais e os significados dos diferentes níveis que o constituíam foram se alterando à medida que ocorria a sua disseminação e expansão que, a partir de meados do século XX, foi notável, sobretudo, em relação ao secundário (corres- pondente, atualmente, à segunda fase do Ensino Fundamental). Com isso, houve não só a ampliação do acesso à educação formal, mas também o prolongamento constante do período de escolaridade obrigatória em diversos países, constituindo, assim, as principais evidências do êxito da instituição. É somente no âmbito do processo de consolidação e difusão da escola moderna que é possível entender o desenvolvimento da categoria dos professores – que se foi tornando cada vez mais diversificada e complexa – e as transformações pelas quais ela tem passado desdea sua origem no que concerne à sua composição, às exigências de formação, às condições de trabalho, às formas de organização profissional e às representações do próprio trabalho. 6 1 Apresentação: a Didática e os ensejos de como ensinar Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Em síntese, os professores são os profissionais responsáveis por ensinar as crianças nas escolas, sendo, para isso, formados, recrutados, pagos e organizados para exercerem essa função. Ao mesmo tempo que dependem da consolidação da escola como um importante espaço educativo na sociedade, os professores também colaboram para construir essa imagem e as exigências postas à docência e ao seu estatuto socioprofissional (nóVoa, 1987). Essa breve retomada histórica, que situa o processo de profissionalização do professorado, ajuda a marcar a especificidade do nosso ofício e o lugar que a Didática tem nesse trabalho. Estudaremos com mais cuidado o sentido dessa palavra nas páginas que se seguem, mas convém agora assinalar a sua origem. 1.4. Mas, afinal, o que vem a ser Didática? Uma das definições mais clássicas da Didática é aquela dada por Comenius na obra mais antiga que se conhece na área, a famosa Didática Magna ou Tratado de Ensinar tudo a todos, de 1657. Segundo o autor, a Didática dedica-se aos “preceitos científicos que orientam a atividade educativa de modo eficiente”. Essa definição de alguma forma está presente naquilo que hoje, comumente, se entende por Didática. O professor que tem Didática, em outras palavras, domina os princípios, saberes e técnicas do ofício. Mas ensinar não é apenas aplicar um método ou modelo. Embora possamos ser erroneamente conduzidos a essa ideia, não basta listar regras ou passos para serem seguidos durante a aula. Mesmo o professor mais experiente, que planeja suas ativida- des, disponibiliza aos alunos todos os materiais necessários, dispõe de um espaço físico organizado e conta com a participação de Você sabia que... Didática vem do verbo grego didasko, cujo significado é ensinar ou instruir. Ela pode ser entendida como uma arte de transmitir conhecimentos e remete ainda às técnicas usadas para ensinar. E, além de um saber fazer, a Didática assume os contornos científicos de uma disciplina autônoma ou de parte de outra disciplina mais ampla - a Pedagogia (cordeiro, 2007). Figura 1.1: Jan Amos Komenský (em latim, Comenius; em português, Comênio). 7Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Didática todos da turma, ainda assim esse professor – como qualquer outro – está sujeito a imprevistos de várias ordens. Ele pode ter inúmeras regras em mente, mas a situação de ensino é relacional, depende de um jogo de interações (Lessard & Lahaye, 1991) que, por sua dinamicidade e complexidade, não pode ser reduzida a uma mera aplicação de técnicas. As ilusões dessa ordem são perigosas. O que podemos esperar dos métodos pedagógicos e das teorias de ensino são algumas orientações, questionamentos, compreensões. E isso não é pouco. Nesse sentido, o autor José Mario Pires Azanha, no texto Uma reflexão sobre a Didática (1987), fruto de sua apresentação no evento Didática em Questão, traz contribuições muito pertinentes para auxiliar a pensar na relação entre o ensino e o apoio das regras/métodos, bem como em suas expectativas sobre a didática sobre as quais você foi indagado no início desta apresentação: acreditamos ter fornecido nesta exposição, pelo menos, indicações de que o sonho de Comenius e também suas variantes históricas e atuais, repousam numa ilusão. A de que a atividade de ensinar, no seu sentido amplo, possa ser exausti- vamente regulada. O reconhecimento desse fato deve ter um efeito moderador no entusiasmo com que, às vezes, aderimos a esta ou aquela novidade no campo da Didática. Por outro lado, esta é uma conclusão muito positiva porque revela que o professor, na sua atividade criativa de ensinar, é um solitário, que por isso mesmo não deve esperar socorro definitivo de nenhum modelo ou método de ensino por mais avançadas e sofisticadas que sejam as teorias que supostamente os fundamentam (azanha, 1987, p. 76-77). De nada adianta uma receita supostamente milagrosa se perdermos de vista um princípio relativamente simples e facilmente reconhecível na tarefa de ensinar. Ora, o professor ensina algo para os seus alunos. O ensino se dá, portanto, nas relações entre 1) quem ensina, 2) o que se ensina e 3) para quem se ensina, numa espécie de tríade (houssaye, 1988). Por isso, ensinar Nenhum método pedagógico, por mais atraente e inovador que possa parecer, oferece todas as respostas para todos os desafios que os professores podem vir a enfrentar quando ensinam. 8 1 Apresentação: a Didática e os ensejos de como ensinar Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 com sucesso não depende apenas de uma técnica ou de um método. Eles são úteis, mas seus usos dependem das articulações entre diferentes atores e ações. Assim, no que concerne à alusão à “atividade criativa de ensinar”, trata-se da necessidade de lidar com situações e demandas inusitadas a cada turma, instituição onde passamos, devendo-se recorrer ao repertório teórico e prático que se tem para dar conta dessas situações. Ser solitário nesse sentido não significa que os professores não podem compor, planejar e trabalhar coleti- vamente - aliás isso é até recomendado -, mas ao estarmos diante de nossos alunos, em meio a uma aula e situação pedagógica, por mais inspiração que tenhamos, somos nós que temos de dar conta dos acontecimentos rotineiros e das propostas que fazemos aos alunos, assim como ante as ocasiões de indisciplina, dúvidas, avaliações e suas devolutivas etc. 1.5 Conclusão É nesse sentido que a Didática se apresenta aqui. Esta disciplina está composta por 10 aulas, incluindo esta aula de apresentação e a última, de revisão dos principais aspectos estudados. Elas procuram discutir algumas questões nucleares da Didática, examinando a complexidade dos modos de ensinar e aprender. O intuito é marcar a especificidade do trabalho docente na escola, pensando sobre o magistério nessa instituição, sobre as práticas de planejamento, de organização das classes, sobre o uso de materiais, sobre a avaliação e sobre as relações entre as diferentes personagens que compõem o cenário escolar, notadamente os professores e os alunos. É no conjunto dessas interações e condições que se colocam nossos ensejos de ensinar, construindo uma arquitetura de tempos e espaços nos quais se estrutura o magistério para, no final das contas, favorecer a aprendizagem. Agora é a sua vez... Acesse o Ambiente Virtual de Aprendizagem e realize a(s) atividade(s) proposta(s). 9Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5 Didática Referências Bibliográficas azanha J.M.P. Uma reflexão sobre a Didática. 3º Seminário A Didática em questão. Atas, v. I, 1987, p. 24-32. cordeiro, J. Didática. São Paulo: Editora Contexto, 2007. houssaye, J. Le triangle pedagogique. Berne, New York, Paris: Peter Lang, 1988. nóVoa, a. Les temps des professeurs. Lisboa: INC, 1987. tardif, M. Lessard, c., Lahaye, L. Os professores face ao saber – esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação. Porto Alegre, 1991, n. 4, p. 215-233. Vicentini, P.P. & LugLi, r. História da profissão docente no Brasil: representações em disputa. São Paulo: Cortez, 2009.
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