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1 Louyse Jerônimo de Morais Tema principal: hematologia Classificação • Policitemia vera • Mielofibrose primária ou idiopática: fibrose precoce e acentuada da medula, acompanhada do fenômeno de hematopoiese extramedular. É uma neoplasia indolente. • Trombocitemia essencial Definição Hoje em dia, já está claro que as síndromes mieloproliferativas são neoplasias. São doenças clonais, que surgem a partir da transformação neoplásica de uma determinada célula. O termo mais apropriado, na realidade, é “neoplasia”. Elas surgem a partir de uma célula progenitora hematopoiética multipotente – célula tronco com algum grau de comprometimento com determinada linhagem hematopoiética, que pode dar origem a alguns elementos figurados do sangue. Não é exatamente a célula mais primitiva de todas, mas também não é uma célula madura. • Característica que diferencia das leucemias: apesar de a transformação neoplásica ocorrer numa célula precoce, não ocorre bloqueio à maturação celular. Portanto, esse clone neoplásico consegue dar origem a um ou mais elementos do sangue “normais” (sem displasia). Além disso, todas elas têm em comum a tendência, ao longo de tempo, de evoluir com mielofibrose (inicialmente, depósito de fibras de reticulina, em fases mais avançadas, colágeno denso, “secando” a medula e fazendo com que os progenitores hematopoiéticos sejam expulsos da região, sendo a hematopoiese feita a nível de baço, fígado e linfonodos, bem como em tecidos não linforeticulares). Todas as síndromes têm a tendência à hematopoiese extramedular e se transformar em leucemia aguda (geralmente mieloide). Qualquer uma, em fase avançada, pode ser indistinguível das demais, tendo o mesmo fenótipo clínico. Portanto, uma síndrome pode “se transformar na outra”, porque todas evoluem para mielofibrose, hematopoiese extramedular e transformação em leucemia aguda. Classificação da OMS As quatro primeiras a seguir têm predileção para uma proliferação mieloide – granulócitos. As três últimas têm como marca a proliferação eritroide e megacariocítica. • Leucemia mieloide crônica: t (9;22) presente na maioria dos casos. • Leucemia neutrofílica crônica: t (15;19) • Leucemia eosinofílica crônica: del (PDGFR-α) Nas três últimas, não há alteração citogenética recorrente. Porém, existe uma mutação genética pontual muito frequente nelas, principalmente na policitemia vera, que é a mutação no JAK-2 (V617F). O JAK-2 é um segundo mensageiro intracelular, associado ao receptor de eritropoetina e de trombopoetina. Essa tradução de sinal consiste numa fosforilação de proteínas intracelulares, o que vai ativar determinados genes no núcleo da célula. Em precursores hematopoiéticos, vai fazer a célula se diferenciar em linhagem eritroide ou megacariocítica. Quando tem essa mutação V617F, o JAK-2 fica constitutivamente ativado. Então, mesmo na ausência de trombopoetina e eritropoetina, vai haver uma estimulação dos progenitores hematopoiéticos para células da linguagem eritrocítica e megacariocítica. Por conta de um feedback negativo, o fígado para de produzir eritropoietina. Prognóstico As primeiras são relativamente indolentes – as de cima tem sobrevida contada em anos, as de baixo, sobrevida de décadas, mesmo na ausência de tratamento. Trombocitose essencial Consiste no aumento acentuado de plaquetas, na ausência de estímulo fisiológico. O paciente tem trombocitemia persistente na ausência de fatores como deficiência de ferro, hemorragias entre outros. 2 Louyse Jerônimo de Morais • Doença rara: 1 a 2 casos / 100 mil pessoas (predomínio em mulheres). A prevalência tende a aumentar com a idade, • JAK-2 (V617F) ~50% (resto: mutações CALR). O grande marco é a trombocitose > 450mil (pode ter macroplaquetas no esfregaço de sangue periférico, com índice de anisocitose plaquetária aumentada). Na maioria das vezes, é assintomática. Bioquímica sanguínea • Hipercalemia espúria = colocar o tubo no gelo, porque ele vai diminuir a liberação de potássio de dentro das plaquetas. Apesar disso, não tem repercussão eletrocardiográfica. Isso acontece porque quando colhe o sangue para a bioquímica, analisa-se o soro. Quando forma coágulo e as plaquetas entram em ação, elas degranulam e liberam potássio de dentro do seu interior. Se a quantidade de plaquetas for normal, não tem importância, mas se a pessoa tiver > 1 milhão de plaquetas, por exemplo, vai ter uma carga muito alta de potássio no soro. • Hipoxemia espúria = o paciente não tem clínica. A explicação é a mesma, porque o monte de plaquetas, ao coagular, ou na sua própria atividade metabólica basal na seringa, sua atividade consome o oxigênio presente na amostra. Se demorar para medir O2 na amostra, vai encontrar uma pO2 falsamente baixa. • Esplenomegalia: é pouco importante. Não há mielofibrose importante, então não tem muita hematopoiese extramedular. O baço tende a aumentar no decorrer da doença, mas dificilmente vai chamar muita atenção. • Diagnóstico diferencial: Policitemia Vera (PV), porque também pode ter produção aumentada de hemácias. Plaquetas muito altas (ex.: > 1 milhão/mm³) preveem trombose? Não. • Risco de trombose na TE: idade > 60 anos (mais aterosclerose), tabagismo. A trombocitopenia essencial aumenta o risco de hemorragia, porque pode levar a uma forma de doença de von Willebrand (DvW) adquirida – plaquetas com alto turnover adsorvem multímeros de alto peso molecular do fator de von Willebrand (VWF), fazendo ele ser mais rapidamente degradado. O VWF é degradado de forma acelerada, gerando uma deficiência dele se plaquetas muito elevadas. Tratamento • Redução de plaquetas (> 60 anos, leucócitos > 11 mil, trombose prévia): hidroxiureia, anagrelida (inibidor de fosfodiesterase), INF-α. • Se sangramento, documentar com teste da ristocetina (ATB que estimula a atividade do VWF). • Evitar AAS, ácido épsilon caproico (AEAC) terapêutico (também na profilaxia perioperatória). – antifibrinolítico que pode ser suficiente para evitar sangramento, sem precisar dar o VWF. Policitemia vera (PV) É a neoplasia mieloproliferativa mais comum, com predomínio em mulheres e prevalência aumentando com a idade (pode aparecer também no adulto jovem). Ocorre elevação de hemácias, plaquetas e granulócitos na ausência de um estímulo fisiológico para tal. O grande marco hematológico da PV é a eritrocitose. • Etiologia: desconhecida o Alteração citogenética recorrente não existe, então o exame de cariótipo não é informativo nesses pacientes. o A mutação V617F no gene JAK-2 está presente em mais de 95% dos pacientes. Quadro clínico • Aumento de hemoblobina e hematócrito, podendo ter, também, trombocitose, leucocitose e esplenomegalia. Esta última ocorre quando há mielofibrose, em fases mais avançadas da doença. • Aumento da viscosidade sanguínea (>60% no hematócrito): causa alterações neurológicas, como zumbido, alterações visuais por hipóxia de células retinianas e ataque isquêmico transitório (principalmente se o paciente ficar desidratado); além disso, HAS sistólica, isquemia de extremidades e HDA. O volume circulante efetivo fica aumentado, o que sobrecarrega rins, pulmão e coração. • Pletora facial: vermelhão pelo excesso de hemácias. • Risco aumentado de HDA: aumento de basófilos, que secretam histamina, importante mediador que estimula a secreção ácida do estômago. • Trombofilia: síndrome de Budd-Chiari (mulher jovem). Antigamente, acreditava-se que era só 3 Louyse Jerônimo de Morais com trombocitose elevada. Hoje em dia, sabe- se que a trombofilia está diretamente relacionada ao aumento da massa eritrocitária – a eritrocitose, ao tornar o sangue mais viscoso, predispõe trombose. o Pode ter trombose de órgãos abdominais, cérebro,retina, coronariana, mas a maioria que mata são tromboses venosas e de órgãos intrabdominais. o Síndrome de Budd-Chiari: trombose das veias supra-hepáticas. Um bloqueio à drenagem venosa do fígado causa hepatomegalia aguda, dolorosa, congestiva, ascite por hipertensão porta aguda, encefalopatia, icterícia, pode causar HDA por rotura de varizes. Mulheres na menacme que tenham Policitemia vera têm grandes chances de desenvolver Síndrome de Budd-Chiari. A PVERA é uma das principais etiologias dessa síndrome. Outras manifestações • Prurido “aquagênico”: manifestação exclusiva da PVERA, na vigência de eritrocitose. O paciente refere que começa a se coçar quando toma banho quente. É explicado pelo aumento da histamina produzida por basófilos, que é comum no contexto da PVERA. A água quente estimula degranulação aguda dos basófilos, que promove pico de histaminemia. • Eritromelagia: síndrome relacionada provavelmente ao aumento das plaquetas. Não se sabe exatamente a fisiopatologia, mas consiste de uma hiperativação do excesso de plaquetas em um contexto de aumento da viscosidade sanguínea. Caracteriza-se por surtos de eritema doloroso por vasodilatação periférica nas extremidades de mãos e pés. Mãos e pés vermelhos de repente, queimação associada por conta da vasodilatação acentuada, isquemia por estase sanguínea que gera hipóxia – paciente tem muita dor por causa disso. Alguns, inclusive, desenvolvem infartos digitais. Esse mesmo fenômeno pode acontecer na circulação retiniana, causando a chamada migrânea ou enxaqueca ocular. O paciente tem alterações visuais súbitas e pode ter cefaleia associada. • “Hipermetabolismo”: síndrome hipercatabólica, paciente pode desenvolver caquexia e gota (hiperuricemia). Eritromelagia: trata com salicilatos. Pode evoluir para cegueira, por infarto retiniano ou cerebral. Diagnóstico Elevação de hemoglobina e hematócrito • 1º passo: eritrocitose absoluta? o Hemácias marcadas com 51Cr ▪ Normal: síndrome de Gaisbock (hemoconcentração) ▪ Aumentado: seguir adiante. • 2º passo: dosar eritropoietina o Baixa: P. vera. ▪ Nesse momento, deve-se documentar a presença de alguma mutação do JAK2. O mais comum é a V617F. Isso já fecha diagnóstico. o Aumentada: avaliar SaO2 ▪ Baixa: resposta fisiológica a uma hipoxemia crônica. Nessa situação, investigar cardio e pneumopatia. ▪ Normal: hemoglobinopatia, TC “total” (EPO paraneoplásica – tumores em diferentes órgãos podem justificar isso). • Sítios de produção ectópica de EPO: carcinomas/cistos renais, hemangioma cerebelar, leiomioma uterino, hepatoma. 4 Louyse Jerônimo de Morais Caminho alternativo (hemácias 51Cr indisponível): SaO2 normal (≥ 92%) + JAK-2 (V617F) É obrigatório fazer aspirado/biópsia de medula óssea para fechar o diagnóstico? Não. Até pode fazer, para ter avaliação mais completa do paciente, principalmente se suspeitar de transformação blástica (pancitose se transformando de citopenia – falência medular). Na grande maioria dos casos, não existem alterações citogenéticas características e o exame é normal ou idêntico a qualquer outra síndrome mieloproliferativa. Tratamento • Flebotomias: objetivo de diminuir quantidade de células vermelhas circulantes e causar leve deficiência de ferro, porque isso vai lentificar a eritropoiese. Isso melhora hiperviscosidade sanguínea. o Homem: Hb ≤ 14 g/dl, Ht < 45%. o Mulher: Hb ≤ 12 g/dl, Ht < 42%. • P. VERA sintomática sem tratamento = 2 anos de sobrevida. Com tratamento = ultrapassa 10 anos. E a trombocitose? A flebotomia não interfere no clone neoplásico e pode até estimular mais a produção de plaquetas. A trombocitose, no entanto, não é fator de risco para eventos trombóticos, a não ser que o paciente tenha um risco cardiovascular muito grande. Só trata se sangramento (DVWB adquirida). • Grande contagem plaquetária = alta taxa de degradação dos multímeros de VWF, sendo que a produção dele é normal. O paciente pode ter DVW adquirida, portanto. A pessoa pode sangrar por esse mecanismo. • Drogas: hidroxiureia (mielotóxica, ter cuidado), anagrelida (inibidor de fosfodiesterase), PEG- IFN-α. • Terapia de estudo: ruxolitinib (inibidor JAK-2). A droga inibe a mutação do JAK-2, podendo ser usado em qualquer síndrome mieloproliferativa. Alguns estudos preliminares mostraram bons resultados, mas ainda não é o tratamento de escolha, porque ainda não foi adequadamente estudado. • Anticoagulação: somente de história de trombose ou fibrilação atrial. • Agentes alquilantes ou radioisótopos: aceleram transformação blástica da doença, causando leucemização. Não são mais usados. Mielofibrose primária • Antiga “metaplasia mieloide agnogênica” • Predomínio em homens idosos • Fibrose medular, esplenomegalia, hematopoiese extramedular O que sobressai, de maneira precoce inclusive, é o fenômeno de fibrose medular. Essa fibrose medular resultar em uma expulsão dos progenitores hematopoiéticos do microambiente da medula óssea. Então, a hematopoiese vai ser feita em outro local, o que explica a esplenomegalia dos pacientes. O baço torna-se o principal sítio de hematopoiese extramedular. Também ocorre no fígado, em linfonodos e em órgãos a distância. • Etiologia: desconhecida. • Alteração citogenética recorrente? Não. Nenhuma delas é característica da doença. Então, o cariótipo não ajuda a dar diagnóstico. o JAK-2 (V617F) ~50%, Mpl (gene do receptor de trombopoietina) ~5%, restante = CALR (gene da calreticulina). A JAK-2 não é determinante da P. Vera, porque também aparece na mielofibrose primária e em outras neoplasias mieloproliferativas. Quadro clínico • Esplenomegalia: grande marca da doença; o baço é onde ocorre a hematopoiese extramedular. Geralmente, esplenomegalia maciça (ponta do baço palpada na fossa ilíaca esquerda ou ultrapassa a linha média). • Assintomático ou junto com sudorese noturna, fadiga e/ou perda ponderal. São sintomas que refletem o estado hipercatabólicos. É frequente ocorrer fenômenos autoimunes. Alguns antígenos expressos por células hematopoiéticas ficam escondidos do sistema imune maduro. Quando a hematopoiese torna-se extramedular, começa a sensibilizar o sistema imune para os autoantígenos. Assim, marcadores sorológicos autoimunes aparecem no sangue dos pacientes. Isso faz síndrome autoinflamatória e de caquexia. • Anemia + leucócitos/plaquetas normais ou aumentados. A pancitopenia é mais frequente em fases avançadas da mielofibrose, quando a hematopoiese extramedular não dá mais conta. A anemia é explicada pelo hiperesplenismo, pois o baço grande sequestra muitas hemácias. 5 Louyse Jerônimo de Morais • Achado típico: leucoeritroblastose com dacriocitose – formas jovens de leucócitos e hemácias (hemácias nucleadas) são encontradas em sangue periférico. Não existe controle de qualidade das células produzidas a nível de baço. Podem ter até blastos de leucócitos no sangue do paciente. Dacriocitose são hemácias em lágrima, por lesão na membrana da hemácia, porque elas ficam muito tempo retidas no baço e também sofrem alterações quando passam por ele. Hematopoiese extramedular intensa!!! • Aspirado de medula óssea “seco”: quando coloca a agulha na medula óssea e tenta puxar o êmbolo, não vem material. Isso ocorre por conta da fibrose a nível da medula. • Radiografia do osso: osteoesclerose – densificação das trabéculas ósseas, por conta do processo fibroso cicatricial a nível da medula, que é acompanhada de inibição dos osteoclastos. • Biópsia de MO: aumento de fibras de reticulina e colágeno + hipercelularidade das três linhagens hematológicas. Essas células ficam restritas e em ilhas circundadas de muita fibrose. • Doença identificável na MO = mieloftise (mielofibrosesecundária). É um diagnóstico de exclusão. Então, sempre afastar outras doenças. Podem ocorrer fenômenos autoimunes, como: FAN positivo, fator reumatoide positivo, teste de coombs positivo (pode justificar anemia hemolítica autoimune nesses doentes), imunocomplexos circulantes. Prognóstico • Falência medular progressiva (transfusão- dependente) A hematopoiese extramedular não é muito eficiente. Se anemia autoimune sobreposta, a quantidade de hemácias produzidas não ocorre de forma suficiente para compensar. Organomegalia crescente traz vários transtornos: saciedade precoce (caquexia), hipertensão porta (varizes de esôfago, ascite), hipertensão pulmonar, hipertensão intracraniana, tamponamento cardíaco, obstrução intestinal e ureteral, compressão da medula espinhal, nódulos cutâneos. Existe 10% de chance de evoluir para crise blástica, geralmente mieloide (LMA refratária). Por definição, é uma doença incurável. Tratamento • Prednisona + talidomida: imunossupressor + imunomodulador. • Focos de hematopoiese extramedular com sintoma de compressão: faz irradiação. • Ruxolitinib (inibidor JAK-2): não funciona em todo mundo, porque nem todos tem mutação do JAK-2. • Esplenectomia: paradoxalmente, totalmente proibida. Pode causar trombose mesentérica, hemorragia e transformação blástica. Alguns pacientes submetidos ao transplante alogênico em fases iniciais da doença = curativo. Não é rotina, pois a maioria é idosa e não tem tantos estudos. Em fases avançadas, a pessoa tem muitas doenças e não tem chance. • Transplante autólogo em pacientes mais velhos está sendo estudado.
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