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Abril/ 2019 Professor: Dr. Jorge Henrique Barro Coordenadoria de Ensino a Distância: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida Projeto Gráfico e Capa: Departamento de desenvolvimento institucional Todos os direitos em língua portuguesa reservados por: Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR 86055-670 Tel.: (43) 3371.0200 3Teologia Bíblica da Missão | FTSA | SUMÁRIO Teologia Bíblica da Missão Unidade 1 - Defi nições e contextos da missão 1. O que é missão...................................................................................................05 2. Defi nição de termos relacionados a missão.....................................................13 3. Os contextos da missão......................................................................................18 Unidade 2 - Bíblia, teologia e missão - Parte I 1. A Bíblia como a base da missão......................................................................37 2. As dimensões da missão...................................................................................45 3. Missão centrípeta e centrífuga..........................................................................55 Unidade 3 - Bíblia, teologia e missão - Parte II 1. A missão no Antigo Testamento........................................................................64 2. A missão no Novo Testamento..........................................................................77 Unidade 4 - A prática da missão 1. A igreja misssional............................................................................................92 2. O Reino de Deus e a sua justiça.......................................................................102 Para assistir os vídeos, ouvir os podcasts e fazer os exercícios, acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) Atenção! Lembre-se que faz parte de suas obrigações: 1 - Participação na disciplina por meio da realização dos exercícios; 2 - Exercício integrativo - Resumo da disciplina, 1500 palavras; 3 - 2 Provas objetivas (5 questões cada); 4- Leitura de textos complementares (100 páginas); Consulte o “Programa de curso” e veja mais detalhes! | Teologia Bíblica da Missão | FTSA4 5Teologia Bíblica da Missão | FTSA | UNIDADE I - INTRODUÇÃO A MISSÃO INTRODUÇÕES E CONTEXTOS DA MISSÃO Introdução Nesta unidade refl etiremos sobre os desafi os e contextos da missão hoje. Podemos classifi car os desafi os em duas categorias: ad intra e ad extra. Ad intra são os desafios internos da própria igreja e, por ad extra, os desafi os externos que o mundo (país, cidade, sociedade, bairro, comunidade etc) lança sobre a igreja. Por mais incrível que possa parecer, o maior desafi o para a missão é a própria igreja. Assim como Israel, como povo eleito de Deus, não entendeu o projeto de Deus e teve difi culdades para ser um instrumento dele, a ponto de precisar ser levado ao cativeiro babilônico por um período de 70 anos, também as igrejas nem sempre entendem o que é a missão de Deus. Por isso, antes de falarmos dos desafi os externos e dos contextos da missão, olhemos esse desafi o interno (ad intra) para discernir o que não é missão. 1. O que não é missão Já são mais de dois mil anos de história do movimento cristão ou do cristianismo. Dois mil anos através dos quais compartilhou-se a mesma fé, no mesmo Cristo ressurreto, por meio de pessoas que fazem parte da mesma igreja, o grande Corpo de Cristo – visível e invisível – espalhado por toda a terra, mas que são diferentes, que vivem em épocas diferentes, que habitam em lugares diferentes, com formas de pensar, de sentir, de julgar que também são diferentes. Imagine todas essas pessoas pensando sobre temas bíblicos e extra bíblicos e com suas percepções culturais distintas. Por exemplo, o próprio Cristo, em quem todos nós, como cristãos, cremos, não é entendido sem controvérsias – a dupla natureza, humana e divina, é um dos exemplos. A Bíblia é muito clara ao falar das ações que ele fez e ensinou. A Bíblia pode até ser clara, mas nós, que a lemos com nossos | Teologia Bíblica da Missão | FTSA6 óculos culturais – cosmovisão – corremos o risco de não entender a total clareza com a qual ela fala. O que isso signifi ca? Signifi ca que nossa mente, mesmo sendo iluminada pelo Espirito, não é capaz de dar conta de modo integrativo de toda a revelação expressa na Palavra, isto é , não possuímos as chaves que nos conduzem à interpretação absoluta e única da Palavra de Deus. Assim, ainda que conheçamos a Cristo hoje, prosseguimos em conhecê -lo todos os dias. Isso pode ir um pouco contra o que você já aprendeu até hoje, mas não é , e vou tentar explicar o porquê . Pense comigo: se tudo passa, mas a Palavra de Deus nunca passará ; se ela é viva e efi caz e mais cortante que uma faca de dois gumes; se ela é lâmpada para nossos pés e luz para nossos caminhos; se é nosso prazer noite e dia, e tantas outras referências que sobre ela conhecemos por meio dela mesma, isso implica afi rmar que: 1) a Palavra de Deus é maior que as nossas palavras; 2) nossa capacidade de expressá –la está condicionada pelo nosso espaço e tempo, o que implica em dizer que temos nossos próprios condicionamentos culturais; 3) por isso, ela se renova permanentemente à medida que mudamos Isso é apenas para que você comece a pensar sobre a questão. O que importa, agora, é refl etir sobre esse desafi o ad intra: o que é , afi nal de contas, missão? Como defi nir uma prática que tem quase cinco mil anos de história – começando em Gênesis – e que está desgastada por tantas controvérsias, nomenclaturas, termos, e pior, os modismos? Como podemos dizer o que é e o que não é missão, quando tantos biblistas, teólogos, missiólogos, pastores, missionários e agências missionárias fazem afi rmações tão diferentes, e às vezes até opostas, sobre a compreensão da missão? Antes de prosseguir, é fundamental que você defi na o que compreende ser missão. Quando afi rmamos o que não é missão é nosso dever e responsabilidade fazer isso não em função do que achamos ou gostamos, mas sim à luz de referenciais que cremos e que estejam fi rmados na Palavra de Deus. Ou seja, se você afi rma que missão não é, signifi ca que você está convicto do que missão é. E qual é, então, sua defi nição de missão? 7Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Exercício de reflexão - 01 Defi na com suas palavras o que é missão. Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação! 1.1. Algumas percepções possíveis Defi nir é estabelecer limites e delimitar, que busca indicar o verdadeiro sentido, a signifi cação precisa de algum assunto e/ou objeto de estudo. Há um risco a correr quando a tarefa se refere ao ato de defi nir. Foi precisamente pensando nisso que David Bosch disse que “a missão permanece indefi nível; ela nunca deveria ser encarcerada nos limites estreitos de nossas próprias predileções” (Bosch, 2002, p. 26). Em outras palavras, na tentativa de defi nir missão, corremos o risco de deixar algumas itens de fora e estes podem ser essencias. Um exemplo disso foi o derramar do Espírito Santo sobre os gentios na casa de Cornélio: Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fi éis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram–se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus. Então, perguntou Pedro: Porventura, pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo? E ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que permanecesse com eles por alguns dias (At 10:44–48). Note a expressão “também sobre os gentios”, destacada no texto. Isso fi ca ainda mais evidente quando Pedro precisou dar explicações sobre tal fato, ou seja, de que já era do conhecimento dos apóstolos, e dos irmãos que estavam na Judéia, que também os gentios haviamrecebido a palavra de Deus, pois o próprio Pedro havia entrado na casa de homens incircuncisos e tinha comido com eles. O apóstolo fez uma longa | Teologia Bíblica da Missão | FTSA8 justifi cativa do que aconteceu e ao fi m disse: “Pois, se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 11:17,18). Parece que está dizendo: “Que culpa tenho eu?” É nítido o conceito de missão por detrás de tudo isso! Os gentios estavam excluídos do amor de Deus, e um novo paradigma missional se erguia: “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorifi caram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 10:18). É o paradigma da inclusividade – “também aos gentios”. Então perceba como é possível incluir ou excluir à luz das nossas defi nições. Cada vez que falamos o que a missão é, acabamos também falando uma série de frases sobre o que a missão não é. Excluir algum elemento essencial da missão pode produzir consequências trágicas na vida da igreja. É necessário mais do que cuidado; é necessário uma leitura missional de toda a Escritura. Saiba mais Você vai ouvir falar muito desse conceituado missiólogo chamado David Jacobus Bosch e, em particular, seu livro chamado Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. Sugerimos fortemente que você compre, pois lhe será muito útil em sua vida e ministério. Nasceu em 13 de dezembro de 1929 e morreu 15 de abril de 1992 em um trágico acidente automobilístico, uma perda irreparável. Ele foi membro da Igreja Reformada Holandesa na África do Sul (NGK). No Dia da Liberdade, 27 de abril de 2013, ele recebeu postumamente a Ordem do Baobá do Presidente da África do Sul por sua luta altruísta pela igualdade e dedicação ao desenvolvimento da sociedade, e viveu os valores do não–racismo diante de sua própria cultura e igreja que dava suporte ao apartheid, palavra do idioma africânder que signifi ca 9Teologia Bíblica da Missão | FTSA | separação. Esse foi o nome dado ao sistema político que esteve em vigor na África do Sul e que exigia a segregação racial da população negra, que vigorou entre 1948 e 1994, comandado pela minoria branca daquele país. Juntamente com seu vasto conhecimento no campo dos estudos bíblicos, teologia, história da igreja e missiologia, David Bosch tinha a rara capacidade de destilar o discernimento e a sabedoria para atender às demandas do dia. Sua ampla simpatia por todos os que constituem a família cristã e seu dom de comunicação fi zeram dele um amigo confi ável e respeitado onde quer que fosse. Foi um infl uente missiólogo, uma expressão contracultural, um profeta entre nós, e mesmo depois de sua morte, continua sendo um dos mais infl uentes e disseminadores da missiologia cristã Vamos tomar alguns exemplos. Se entendemos que missão é a pregação do Evangelho em terras onde nunca se ouviu falar de Jesus – as chamadas missões transculturais – deixamos de fora, entre outras coisas, nossa própria cultura – missões nacionais ou culturais –, como também todas as outras nações que já foram evangelizadas. Além disso, deixamos de fora todas as ações que não são obrigatoriamente verbais, bem como não defi nimos quem é o seu agente. Aqui é evidente que se defi ne a missão como missões, no plural. Você já deve ter percebido como muitas igrejas focam mais em missões, especialmente pela enormidade de conferências e congressos que possuem primazia sobre os demais temais. Por exemplo, não se ouve com tanta frequência sobre congressos de diaconia, de educação cristã, etc. Só que existe outro extremo nessa história. Se, por um lado, corremos o risco de fechar demais o nosso conceito de missão, também corremos o risco de exagerarmos em sua abertura. Daí, convém lembrar a conhecida frase do missiólogo Stephen Neil, que diz “quando tudo é missão, | Teologia Bíblica da Missão | FTSA10 nada é missão”. Ou seja, quando banalizamos o conceito de missão e entendemos que qualquer coisa feita pela igreja é cumprimento da obra missionária, essa falta de intencionalidade e consciência missional leva a uma tendência muito comum: a missão passa a ser manutenção, ou seja, a igreja passa a lutar apenas para manter suas conquistas, voltando-se para si e não para fora – mantenha o ad intra versus o ad extra sempre em perspectiva. E aqui vive-se uma inversão de foco: monumento (templo) versus movimento. Tendo essa consciência e advertência bem diante de nós, precisamos buscar uma defi nição de missão que leve em consideração toda a Escritura porque somente ela “é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fi m de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16-17). Mas antes disso, vamos discernir agora o que não é missão. Em primeiro lugar, a missão não é da igreja, ela é de Deus! É muito comum falarmos a missão da igreja. Mas o certo mesmo é falarmos da missio Dei, cuja expressão signifi ca missão de Deus em latim. Esse termo será usado várias vezes, porque este é o que melhor expressa o conceito de missão. Afi rmar que a missão é de Deus não signifi ca que devemos desprezar a igreja ou que Deus realizará sua missão no mundo sozinho, sem a nossa participação. O que signifi ca é colocar a igreja no seu devido lugar. E que lugar é este? O apóstolo Paulo responde: Deus, que criou todas as coisas, para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor, pelo qual temos ousadia e acesso com confi ança, mediante a fé nele (Ef 3:10-12). A igreja é um instrumento de Deus para a realização da sua missão no mundo. É pela igreja e não por causa da ou para a igreja. Note quão elucidadora é a preposição pela em grego: 11Teologia Bíblica da Missão | FTSA | δια (dia) é uma preposição primária que denota o canal de um ato: 1) através de 1a) de lugar 1b) de tempo 1c) de meios 1a1) com 1a2) em, para 1b1) por tudo, do começo ao fi m 1b2) durante 1c1) através, pelo 1c2) por meio de 2) por causa de 2a) o motivo ou razão pela qual algo é ou não é feito 2a1) por razão de 2a2) por causa de 2a3) por esta razão 2a4) portanto, consequentemente 2a5) por este motivo. A missão de Deus é instrumentalizada pela igreja. Ela é um canal, um meio pelo qual o próprio Deus usa para tornar conhecida sua multiforme sabedoria diante dos principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus. Vamos refl etir tudo isso mais à frente, especialmente esse fato de ela ser um instrumento, mas por hora é fundamental estabelecer a compreensão de que a missão não é da igreja, mas de Deus que por ela é servido. Em segundo lugar, o conteúdo da missão não é a doutrina da igreja ou da denominação, mas sim o Evangelho do reino de Deus. O conteúdo da missão é toda a Escritura centralizada no reino de Deus, personifi cada e modelada na pessoa de Jesus de Nazaré, em suas palavras (pregação) e obras (manifestação), e realizada no poder do Espírito Santo. É do reino que a missão trata, e este reino que Jesus veio inaugurar em nossa história. Nos ensinamentos de Jesus, o Reino de Deus compreende todos os anseios e os gritos de angústia do povo de Israel. Responde à mensagem fundamental do Antigo Testamento e revela o propósito, | Teologia Bíblica da Missão | FTSA12 o caráter e o poder do futuro domínio de Deus. Convida o povo a responder com obediência radical. A proclamação do Reino é sempre acompanhada por um chamado à decisão, para seguir Jesus, para participar da missão de Deus. Para Jesus, a vinda do Reino é o domínio transformador de um Deus compassivo” (Castro, 1986, p. 67). O próprio Jesus deixa claro queo Evangelho do reino de Deus é o conteúdo da missão: “Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. E pregava nas sinagogas da Judéia” (Lc 4:42-43). Em terceiro lugar, o lócus da missão não é a igreja, mas o mundo. O campo da missão é o mundo. Jesus disse: “Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa” (Jo 4:35). Os campos estão preparados para a colheita. É nesse mundo que a missão se realiza. E é por amor ao mundo que ela existe. Como a igreja é parte do mundo, pode-se também acrescentar, como afi rma Andrew Kirk, “que a missão de Deus é cumprida tanto no mundo quanto na igreja; num grau menor na história que não foi tocada pelo Evangelho, e num grau maior onde o Evangelho é crido e obedecido” (Kirk, 2006, p. 58). Jamais podemos esquecer que Jesus foi enviado “porque Deus amou o mundo” (Jo 3:16). O mundo é objeto do amor de Deus e a igreja, como um instrumento de Deus, existe por amor ao mundo. René Padilla disse: De acordo com o que foi dito, qual é o papel da igreja local em relação à missão? Lembrando as palavras de McLaren: ‘Equipar e mobilizar homens e mulheres para a missão de Deus no mundo’ – não exclusivamente no ‘templo’, que pode ou não existir, mas sim em todos os campos de ação humana: em casa, na empresa, no hospital, na universidade, no escritório, na ofi cina... Enfi m, em todo lugar, já que não há lugar que esteja fora da soberania de Jesus Cristo” (Padilla, 2009, p. 19). 13Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Resumindo: A missão é Deus e não da igreja; o conteúdo da missão é o Evangelho do reino de Deus e não a doutrina da igreja/denominação; e o lócus da missão é o mundo e não somente a igreja. Exercício de fi xação - 02 Qual é o risco em defi nir missão como “pregar o Evangelho aos povos não alcançados”? a) deixar de lado as nações que já foram evangelizadas e não dar atenção às ações não verbais da igreja. b) priorizar estudos bíblicos missionais. c) compreender que o conceito de missão e de missões são diferentes. Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! 2. Defi nição de termos relacionados à missão Para prosseguir, creio ser importante mencionar uma diferença que, às vezes, as pessoas não percebem na igreja: missão é diferente de missões. Estamos mais ou menos acostumados a falar sobre missões na igreja. Vemos e ouvimos os testemunhos de missionários, os dados estatísticos sobre a evangelização mundial, sobre os povos não alcançados, a chamada Janela 10/40, as campanhas fi nanceiras para missões, os departamentos de missões na igreja e assim por diante. Isso tudo diz respeito a missões, diante de uma imensa tarefa inacabada, cuja responsabilidade pesa sobre os ombros da igreja. Nada disso deve deixar de existir ou de ser incentivado na igreja. Todavia, a missão, no singular, da igreja, como ainda veremos na unidade seguinte, é maior e mais ampla. Também tem a ver com o testemunho e serviço do reino em nossa sociedade, com a edifi cação da nossa comunidade, com a celebração e adoração ao nosso Deus, que por sua vez é mais do que momentos íntimos ou comunitários de contemplação, com o ensino responsável de todo conselho de Deus expresso nas Escrituras, entre outros. | Teologia Bíblica da Missão | FTSA14 Missões, portanto, é uma parte importantíssima, mas não o todo, da missão da igreja. É muito esclarecedora a análise de Chris Wright (2014), na introdução de seu livro A Missão de Deus, sobre alguns termos que serão recorrentes nesta disciplina. a. Missão e Missões Missão não está relacionada apenas com missões, pois é mais do que a descrição de esforços e atividades missionárias de envio e sustento de pessoas que vão, para pregar transculturalmente o Evangelho aos pagãos, aos lugares não alcançados. David Bosch ilustra bem essa ideia quando observa que o signifi cado de missão, entre a maioria dos cristãos do ocidente até os anos 1950, foi parafraseado como: “a) propagação da fé; b) expansão do reinado de Deus; c) conversão dos pagãos; e d) fundação de novas igrejas”. Assim, segundo ele, “o termo ‘missão’ pressupõe alguém que envia, uma pessoa ou pessoas enviadas por quem envia, as pessoas para as quais alguém é enviado e uma incumbência” (Bosch, 2002, p. 17). Wright, por sua vez, demonstra certa insatisfação com abordagens sobre a missão que reduzem sua defi nição por meio da menção à raiz latina da palavra, mitto, que literalmente signifi ca envio. Com isso, ele não pretende negligenciar a importância desse sentido, mas chamar a atenção ao fato de que se defi nimos missão somente nesses termos, excluímos necessariamente de nosso inventário de recursos relevantes muitos outros aspectos do ensinamento bíblico que, direta ou indiretamente, afetam nossa compreensão da missão de Deus e de nossa participação nela. Assim, para esse autor, missão tem a ver com a nossa participação comprometida como povo de Deus, pelo chamado e comando de Deus, em sua missão (missio Dei) no meio da história do mundo em prol da redenção de sua criação (Wright, 2006, p. 23). Em suma, missão tem a ver com a natureza e identidade, sendo a razão da igreja existir; missões tem a ver com uma das responsabilidades da igreja que é a de levar – pregar, proclamar – o Evangelho a outras culturas do mundo, assim chamada de missão transcultural. 15Teologia Bíblica da Missão | FTSA | b. Missionário Esse termo designa a pessoa que se engaja em missões, normalmente em outra cultura que não a sua. É uma atividade que implica em cruzar barreiras. Missionários são tipicamente aqueles enviados por suas igrejas ou agências missionárias. Wright também alerta que esse conceito carrega consigo a ideia de missão como envio ou missões, como também evoca a imagem de cristãos, ocidentais e brancos, expatriados para países distantes. Além disso, evoca o risco de se entender que missionários são apenas os profi ssionais. No entanto, o povo de Deus, cada novo nascido, possui uma vocação comum sendo ele também um missionário. Wright prefere descrevê -los como parceiros de missão. Afi nal de contas, missionários são mais do que pessoas enviadas para uma tarefa específi ca fora de sua cultura; são pessoas que, por serem cristãs, são chamadas a viver o Evangelho de modo digno do intento divino de reconciliação do mundo consigo mesmo, inclusive onde estão. Amplia-se, portanto, a ideia de missionário e de campo missionário, uma vez que, como observa Brian McLaren (2007, p. 121), “todo cristão é um missionário e todo lugar é um campo missionário”. Isso não signifi ca afi rmar que não se deve ter missionários sustentados por igreja e agências missionárias para contextos e situações específi cas, que requer inclusive competências e habilidades específi cas. Por exemplo, pessoas que vão às outras culturas onde não existem bíblias traduzidas em suas línguas nativas. c. Missional Esse é um adjetivo relativamente recente que denota alguma coisa que está relacionada com ou é caracterizada pela missão. Indica algum substantivo que carrega qualidades, atributos ou dinâmicas da missão. Uma igreja missional, por exemplo, é uma igreja que explora em sua razão de ser, sua natureza, atributos ou qualidades que estão voltados para a missão de Deus, que entende que foi chamada para uma missão no mundo, e que Jesus não veio criar uma religião exclusivista apenas para salvos, mas que ama o mundo e deseja sua completa e total reconciliação, | Teologia Bíblica da Missão | FTSA16 restauração e redenção. Assim, exemplos de uma comunidade missional podem ser percebidos ou não na visão por ela expressa, como por exemplo: “ser uma igreja de Deus de modo autêntico e para o mundo”. Essa frase revela, nas palavras de McLaren, uma equação missional. d. Missiologia e Missiológico Missiologia é o estudoda intersecção entre o Evangelho, a cultura e a igreja. Tal estudo é multidisciplinar porque incorpora outras áreas do saber, tais como Teologia, Antropologia, Sociologia, História, Línguas, entre outras. Por causa dessa complexidade, a missiologia constitui sua própria disciplina ou área de saber. Sendo uma disciplina acadêmica, toda missiologia é teológica e toda teologia é missiológica e ambas possuem implicações pastorais. Por isso falamos de teologia bíblica da missão, singular e não plural. Muito provavelmente você já deve ter visto como título de palestra ou até mesmo um curso inteiro chamado de Bases Bíblicas da Missão. Podemos dizer, que existe alguma inconsistência nessa ideia, pois, a Bíblia toda é a base da missão. Elencar versículos isolados, como até mesmo os textos da chamada Grande Comissão e afirmar que estes, e também Atos 1:8, são as bases bíblicas da missão, é outro risco. Podemos estar fazendo uma colcha de retalhos da Bíblia e dar prioridade e preferências para determinados textos em função de outros. Uma das consequências é que não se sabe o que fazer com os textos poéticos como Provérbios, Cantares, Salmos, Jó. Qual o lugar, por exemplo, de Cantares na missão de Deus? Portanto, não devemos falar de bases bíblicas da missão, mas sim a Bíblia como a base da missão. Afi nal, “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fi m de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17). A Bíblia , “toda a Escritura”, é o tratado missional de Deus. Um missiólogo, ou missiologista, deve pensar a missão de uma maneira bíblica e integral, porque busca compreender os propósitos do Deus Criador visando uma perspectiva mais profunda dos anseios de 17Teologia Bíblica da Missão | FTSA | homens e mulheres como seres criados à sua imagem. A missiologia é a teologia prática. Sendo a missiologia o estudo bíblico teológico da missão, ela é uma disciplina que, em suas elaborações e rigores, procura, segundo Bosch (2002, p. 26), “olhar o mundo a partir da perspectiva do compromisso com a fé́ cristã ”, e por outro lado discernir como o mundo infl uencia a fé cristã. Este é um processo hermenêutico: a infl uência na comunidade de fé e, por sua vez, a comunidade de fé é chamada para infl uenciar o mundo por meio dos valores bíblicos. Para isso, cruza as barreiras entre o mundo da fé e não-fé. De acordo com Chris Wright (2006, p. 25), o termo missiológico deve ser usado toda vez que tal aspecto bíblico teológico ou refl exivo estiver implicado. Sobre isso, van Engen (2007, p. 3) diz que “a missiologia é um todo unifi cado; é uma disciplina em si, centrada em Jesus e em sua missão. Como a igreja participa da missão de Jesus Cristo, ela participa da missão de Deus no mundo de Deus, por meio do poder do Espírito Santo”. Esse breve aporte aos usos e designações desses conceitos será de extrema importância para o restante desse curso, pois, desde já, você tem ferramentas para identifi car o que efetivamente está se dizendo quando se aplica tais termos ao estudo da teologia bíblica de missão. Acesse o AVA para assistir o vídeo: Teologia Bíblica da Missão com o profº Antônio Carlos Barro. Exercício de aplicação - 03 A partir dos conceitos de missão, missões e missionário acima, pense na realidade da sua igreja. Qual é a importância de relacionar os conceitos com sua a realidade, no sentido missional? Cite exemplos. Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! | Teologia Bíblica da Missão | FTSA18 3. O contexto da missão: uma perspectiva urbana A missão de Deus, realizada por meio do seu povo, sempre será exercida e desenvolvida em contextos específi cos que possuem suas demandas e desafi os específi cos. Estudar tais contextos e desafi os é uma tarefa imprescindível que deve ser levada a sério visando a efi cácia da missão. É conhecida a frase, atribuída ao teólogo suíço Karl Barth (1886–1969), que disse: “É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal”. Com isso quis dizer que jamais devemos negligenciar o estudo das questões contextuais contemporâneas sempre em diálogo com a Palavra de Deus. Qual o risco de não se fazer isso? O risco é o de uma mensagem descontextualizada. Por isso a contextualização se tornou um tema indispensável no estudo da Missiologia. Isso se aplica à interpretação das Escrituras: um bom missiólogo não despreza o fato de que o texto tem seu contexto, tanto do autor original quanto em sua comunicação ao leitor atual. Muitos são os contextos da missão: urbano, rural, indígena, ribeirinhos, transculturais, ciganos, etc. Para o nosso exercício momentâneo de refl exão missiológica, focalizaremos aqui – não por preferência, mas urgência – o contexto urbano brasileiro. Quando falamos e refl etimos sobre a missão, seguramente temos que considerar o “onde” da mesma, e isso chamamos de contexto. Ignorar o contexto da missão é ignorar sua possibilidade de pertinência e relevância. Precisamos relembrar constantemente que Jesus era conhecido como “Jesus de Nazaré” (Lc 4:34; 18:37; 24:19) e que “Pilatos mandou preparar uma placa e pregá-la na cruz, com a seguinte inscrição: “Jesus Nazareno, o rei dos Judeus” (Jo 19:19). 19Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 3.1. O contexto urbano brasileiro O Brasil hoje é majoritariamente urbano. Os números demonstram que: Saiba mais No ano de 1900, 15% da população Brasileira vivia em cidades. No ano de 1950, passou para 28%. No ano de 1975, passou para 41%. A projeção para o ano 2000 era de 55% da população, e foi 83%. Esse gráfi co demonstra que 16% refere–se à população rural e 84% a urbana. É comum aceitar que o processo da aceleração da urbanização brasileira se deu a partir de 1950. “A urbanização brasileira, só começou a ocorrer no momento em que a indústria tornou-se o setor mais importante da economia nacional. Assim, representa um dos aspectos da passagem de uma economia agrário-exportadora para uma economia urbano- industrial, fato que só ocorreu no século XX e intensifi cou-se a partir de 1950”1. Surge assim o processo de metropolização, que trata da concentração demográfi ca nas principais áreas metropolitanas do país. A tabela a 1 Metropolização e problemas sociais urbanos. Extraído de <http://www.algosobre. com.br/geografi a/metropolizacao–e–problemas–sociais–urbanos.html>. Acessado em | Teologia Bíblica da Missão | FTSA20 seguir traz os dados da população brasileira colhidos nos Censos do IBGE de 2000 e 2010: Total Rural Urbana Masculino Feminino 2000 169.799.170 31.845.211 137.953.993 83.576.015 86.223.155 2010 190.732.694 29.852.986 160.879.708 93.390.532 97.342.162 +20.933.524 –1.999.225 +22.925.715 +9.814.517 +11.119.007 Comparando os números, destaca-se o aumento de mais de 20 milhões no total da população, cerca de 2 milhões por ano nesses últimos 10 anos. Vemos também a diminuição de quase 2 milhões de habitantes nas áreas rurais. Os dados do gráfi co abaixo demonstram a população urbana versus a rural em todos os Estados do Brasil. Perceba que o Brasil é 84% urbano2. Os três estados mais urbanos do Brasil são: Distrito Federal (96,62%), Rio 17 MAI 2011, 17h11. 2 IBGE – Censo 2010 – www.ibge.org.br 21Teologia Bíblica da Missão | FTSA | de Janeiro (96,71%) e São Paulo (95,88%). Os três estados mais rurais são: Maranhão (36,93%), Piauí (34,23%) e Pará (31,51%). A conclusão é clara: os mais urbanizados estão no eixo sul-sudeste e os mais rurais no eixo norte-nordeste. O fenômeno chamado urbanização tem trazido muitas consequências para as cidades e seus habitantes. Para muitos as cidades são símbolos negativos da vivência humana. 3.2. Cidade: símbolo de caos, desordem social e artifi cialidade Para a maioria das pessoas, a cidade não passa de um espaço geográfi co para se viver. Este espaço, muitas vezes hiperlotado, é sinônimo ou símbolo de anarquia,de caos, de desordem social e de vida artifi cial. Existem pelo menos quatro atitudes carregadas de sentimentos e ações como consequências desta visão negativa e situação: a) Despersonalização O sentimento de que na cidade as pessoas não passam de um número, de um dado estatístico. b) Medo com ansiedade Na cidade as pessoas morrem de medo e vivem apavoradas. Têm medo de roubos, assaltos, delinquências, trânsito, risco de desemprego, não conseguir uma vaga para o fi lho estudar, morrer na fi la do SUS, não ter comida, ser despejado da casa. As pessoas vivem debaixo de pressão o tempo todo. c) Intimidação São tantos os problemas e, na maioria das vezes, maiores do que a nossa capacidade de resolver que fi camos intimidados, acuados, e quase nada conseguimos fazer. Sentimos que não temos capacidade de resolver os problemas da violência urbana ou dos desafi os que existem em uma favela, etc. | Teologia Bíblica da Missão | FTSA22 d) Individualização Muitos dizem e praticam o “cada um por si e Deus por todos”. A individualização é uma proposta da secularização: a religião sem igreja. Quantas pessoas dizem: “eu não vou à igreja, mas leio a Bíblia, rezo, oro, sou muito ligado a Deus”. Pessoas que beiram o sincretismo religioso, que procuram mostrar que todas as religiões são boas são pessoas que vivem uma religião individual, ao estilo selfservice. e) Insensibilidade O volume dos problemas sociais, o aumento da pobreza urbana que vai encurralando as pessoas para os morros e periferias da cidade, a crescente população de mendigos, indigentes, usuários de drogas, pedintes, crianças nas ruas que vão se tornando parte da geografi a e do cotidiano das pessoas que já não mais sofrem ou têm compaixão. São tantas mazelas que provocam a perda de sensibilidade e de humanidade. f) Impotência A impotência é o sentimento ou a sensação de incapacidade diante da imensidão dos desafi os e problemas. As pessoas passam a se justifi car alegando não conseguirem cuidar de seus pórpios problemas quanto mais os dos outros. g) Indiferença A insensibilidade gera a indiferença. Indiferença é o estado de não se importar que leva a pessoa à apatia. Neste sentido, a parábola do Bom Samaritano é muito familiar para nós. Ninguém sai desses estados e sentimentos intrapsíquicos com pensamento positivo. Apenas a Palavra de Deus é poderosa, pela força do Espírito, de nos tirar dessa letargia e nos mover para ações concretas transformadoras. Quantos não foram as situações de pavor e medo que o povo de Deus se encontrava e receberam a palavra de encorajamento: não temam. 23Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Estamos refl etindo esse tema da questão urbana pelo fato de que o principal locus atual, mas não único, da missão é o contexto urbano. Muito me encanta a citação de João Batista Libânio, que disse: “Aí estão os dados estatísticos. O Brasil já caminha para uma população 79 por cento urbana. A igreja rural tende a desaparecer. É verdade que os arquétipos rurais, o imaginário agrário acompanham ainda muitas pessoas da primeira geração que migrou para as cidades. Pouco a pouco, os nascidos do mundo urbano criam novo horizonte de pensar e de agir. A teologia e a pastoral não podem desconhecer tais mudanças. Desafi a– nos construir uma matriz teológica urbana que responda a perguntas diferentes. O Cristianismo em seus primórdios proliferou antes em áreas urbanas. Tem uma conaturalidade com esse mundo. Sua ruralização veio depois. E impregnou–o de tal que hoje nos parece difícil pensa–lo fora desse paradigma. A teologia da cidade continua ainda mais um desejo que uma realidade, mais um programa que uma realização, mais uma proposta que um fato. Tem sido mais trabalhada pela pastoral e menos pela sistemática. Talvez porque não aparece claramente sua identidade. A cidade atual e a moderna confundem–se em muitos aspectos. Modernização – a modernidade tecnológica – e urbanização massiva caminham juntas” (Libânio, 2012, p. 13). A cidade se constitui um dos principais objetos de estudo hoje para a concretude e realização da missão e ministérios. Não basta colocar uma igreja em um bairro, abrir suas portas, e esperar que o povo venha. É necessário estudar profundamente a geografi a, onde a igreja e ministério estão inseridos. No desenvolvimento da Teologia Bíblica de Missão perceba que ela, teologia, é um ato segundo – uma perspectiva muito defendida pelo teólogo Gustavo Gutiérrez (FONTENELE, 2016). O ato primeiro é do próprio Deus que age e intervém na história da humanidade. É, portanto, a partir do agir de Deus – a misso Dei – no mundo que tudo o que fazemos se torna uma resposta a esse agir. Entendida desta forma, a teologia jamais será um fi m em si mesma, mas antes um instrumento. Não se estuda | Teologia Bíblica da Missão | FTSA24 teologia com a fi nalidade de se tornar um erudito ou obter um título. A educação teológica é um instrumento que visa capacitar as pessoas para a missio Dei. Só existe teologia porque existe a missão. Sem missão não há necessidade de teologia, como também, a necessidade da igreja. Exercício de aplicação - 04 Quais são as principais consequências da urbanização que você percebe em sua cidade (positivas e negativas)? Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! 3.3. Sem necessidade não há missão Isso fi ca muito claro na compreensão que o próprio Jesus tem sobre o motivo de ter sido enviado pelo Pai ao mundo. Jesus, como agente de Deus e de sua missão, tem plena consciência de que fora enviado. Foi enviado para suprir as necessidades das pessoas: “Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. Ele porém lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. E pregava...” (Lc 4:43-44). O dia nem quase havia rompido e um bando de gente já estava atrás de Jesus: “as multidões o procuravam” (Lc 4:42). E tendo-o achado, “insistiram que não as deixasse”. A resposta de Jesus a essa multidão é o texto de Lucas 4:43. O apelo da multidão pode ser um símbolo ou uma representação de um dos grandes desafi os que se percebe na igreja hoje ou que tem perpassado a sua história. O que notamos é a tendência 25Teologia Bíblica da Missão | FTSA | ad intra em sobreposição ao ad extra, ou seja, a tentação de privatizar aquele que é de todos. Essa mesma tentação é percebida no episódio do Monte da Transfi guração. Sabemos que a fé se alimenta no relacionamento particular com Jesus: “tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte” (Mt 17:1). Esse é o aspecto do secreto: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6:6). Pedro deseja que esse momento especial seja o centro da sua relação com o mestre: “Então, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias” (Mt 17:4). No enanto, o locus da sua manifestação está no público. Tão logo desceram do monte, no espaço público, surge uma situação de possessão demoníaca: “E, quando chegaram para junto da multidão, aproximou-se dele um homem, que se ajoelhou e disse: Senhor, compadece-te de meu fi lho, porque é lunático e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo e outras muitas, na água. Apresentei-o a teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo. Jesus exclamou: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. E Jesus repreendeu o demônio, e este saiu do menino; e, desde aquela hora, fi cou o menino curado” (Mt 17:14-18). De certa forma, podemos afi rmar que é no público que a missão acontece, mas é no privado que a fé é nutrida. A multidão queria reter Jesus para ela, queriaque Jesus fosse seu refém, de suas necessidades, sem perceber as necessidades das outras pessoas que ali não gozavam do mesmo privilégio. Assim, a resposta de Jesus está encharcada de teologia bíblica da missão. Olhemos com mais cuidado essa resposta de Jesus que revela os seguintes elementos da missão: | Teologia Bíblica da Missão | FTSA26 a) A importância: “é necessário” A principal visão que precisamos ter e desenvolver é esta: “Porque Deus amou a cidade”. A cidade é alvo do amor de Deus. Deus amou tanto as pessoas e suas cidades que enviou seu único Filho para que elas encontrassem esperança. E Jesus compreende esse amor do Pai e engaja-se em sua missão nos centros urbanos. Se a multidão vê Jesus como uma oportunidade para o isolamento, numa atitude de egoísmo e desprezo para com os que estão de fora, Jesus olha a necessidade dos outros de forma inclusiva. “O egoísmo não é amor por nós próprios, mas uma desvairada paixão por nós próprios” (Aristóteles). Jesus entende e vê a vida humana por meio da necessidade. A multidão não vê a necessidade do outro, apenas a dela. Jesus, além de ver, se percebe como o agente de Deus para a cidade. Da mesma forma que o apóstolo João nos informa: “E era-lhe necessário atravessar a província de Samaria” (Jo 4:4). Jesus ainda disse: “Estai vós de sobreaviso, porque vos entregarão aos tribunais e às sinagogas; sereis açoitados, e vos farão comparecer à presença de governadores e reis, por minha causa, para lhes servir de testemunho. Mas é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações” (Mc 13:9-10). “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9:4), disse Jesus em seu senso de que a necessidade está diante de nós, seus discípulos. O que justifi ca a missão? A necessidade. Entender isso é fundamental para justifi car a presença da igreja e dos cristãos em uma determinada cidade. Deixar de se envolver e de se perceber como um instrumento de Deus para suprir as necessidades das pessoas é deixar de realizar a missão de Deus. E, normalmente, as necessidades vêm carregadas de problemas, difi culdades, crises, dores, e tantas outras coisas. Jesus é a resposta de Deus para as necessidades do mundo. Se os discípulos de Jesus e sua igreja se recusarem a abençoar as pessoas em suas necessidades, nada mais resta, se não, ser “pisado pelos homens” (Mt 5:13). Devemos, portanto, por mais difícil que seja, ver as necessidades 27Teologia Bíblica da Missão | FTSA | das pessoas como oportunidades missionais. E nos dias de hoje, diante de tantas necessidades e problemas, a porta está escancarada para realizarmos a missão de Deus. Suprir as necessidades não é sinônimo de fazer os caprichos das pessoas e nem mesmo fazer por elas. Fazer por elas ou no lugar delas é gerar dependência e paternalismo. Nosso desafi o é fazer com elas. O que justifi ca a missão é a necessidade. Se não houver necessidade (espiritual, material, emocional etc), não há necessidade da missão. b) O agente: “que eu” Só existe missão porque existem necessidades. Missão é sempre resposta à necessidade. Quem age primeiro é Deus. Mas se há necessidade, alguém precisa supri-la. Jesus se coloca como o agente de Deus: “é necessário que eu”. Existem dois tipos de cristãos: os que não percebem a necessidade dos outros — neste caso aqui representados por essas multidões — e os que percebem a necessidade dos outros — representados por Jesus. Ou imitaremos as multidões ou imitaremos Jesus. A igreja só é missional quando todas as pessoas que dela participam se percebem como agentes da missão. Cada discípulo é um agente da missão de Deus no mundo, e isso, onde estiver. É esse eu missional, esse “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1:27). Se cada discípulo não tiver a consciência — “é necessário que eu” — a missão trunca, paralisa e se torna dependente dos pastores e missionários profi ssionais. Cada pastor tem a responsabilidade de conscientizar, educar e capacitar cada pessoa para que ela diga: “eu um missionário(a)”. E a missão acontece majoritariamente no ad extra, nessa geografi a da Parábola da Grande Ceia: “sai depressa para as ruas e becos da cidade” (Lc 14:21) e “sai pelos caminhos e atalhos” (Lc 14:23). Nenhuma geografi a pode escapar ou fi car de fora da esfera do agente missional: ruas, becos da cidade, caminhos e atalhos. A direção é que este agente missional saia e depressa, porque “ainda há lugar” e “para que fi que cheia a minha casa” (Lc 14:23). | Teologia Bíblica da Missão | FTSA28 c) O método: “anuncie” “É necessário que eu anuncie”. Esse “anuncie”, em algumas versões “pregue”, em grego, é ε�αγγελίσασθαί (euangelisasthai). Esse anúncio não pode ser interpretado como sendo apenas palavras. Ao estudar os relatos de Lucas sobre o ministério urbano de Jesus e da igreja primitiva fi camos perplexos ao vê-lo em ação: “Jesus começou a fazer e a ensinar” (At 1:1). Ele é “poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo” (Lc 24:19). Seu anúncio é integral: obra e palavras em Jesus são inseparáveis. A transformação da cidade acontece por meio da manifestação concreta do amor de Deus e poder transformador do Evangelho. O Evangelho é o próprio Jesus. Ele é a boa notícia manifestada em atitudes e em palavras. Quando agimos em nome de Jesus estamos pregando por meio do nosso testemunho de vida imitando-o. Quando anunciamos Jesus estamos pregando por meio de palavras de vida baseadas nele. É bem perceptível a força dessa bênção que o apóstolo Paulo deu à Igreja em Tessalônica. Em suas palavras, lemos: “Que o próprio Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e boa esperança pela graça, dê ânimo aos seus corações e os fortaleça para fazerem sempre o bem, tanto em atos como em palavras” (2 Ts 2:16-17). d) O conteúdo: “o Evangelho do r eino” É o Evangelho do reino que transforma, tanto as pessoas como as cidades. Jesus disse: “Quando entrarem numa cidade e forem bem recebidos, comam o que for posto diante de vocês. Curem os doentes que ali houver e digam-lhes: O reino de Deus está próximo de vocês” (Lc 10:8-9). O evangelho do reino não trata de distração, mas de atração. Somente ele tem o poder de atrair as pessoas para Deus. Só o evangelho do reino – βασιλεία tο� Θεο� (basileia tou Theou) – cujo centro é a cruz, tem o poder de transformar. Infelizmente, existem comunidades que já abriram mão da cruz na sua pregação do Evangelho. Pode até ser Evangelho, ou seja, 29Teologia Bíblica da Missão | FTSA | não deixa de ser uma notícia, que distrai as pessoas, mas certamente não é o Evangelho do reino que atrai as pessoas para Deus por meio da cruz. Jesus disse de forma muito enfática que este e não outro Evangelho é que deve ser pregado: “E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações” (Mt 24:14). Ninguém tem o direito de inventar conteúdos novos. Já nos foi indicado: é o Evangelho é este, do reino de Deus. As formas como esse Evangelho é anunciado e manifestado fi ca por conta da nossa criatividade, desde que não seja motivo e escândalo para o próprio Evangelho. e) A inclusividade: “também às outras cidades” O desejo e pedido das multidões é justamente o contrário: serem exclusivas. A exortação de Deus com as pessoas sempre foi essa: enquanto ele busca a humanidade, o ser humano busca a si mesmo. Dois exemplos de inclusividade nos são dados pelo próprio Jesus na sinagoga de Nazaré: a viúva de Sarepta e Naamã, o sírio. Jesus acabara de reafi rmar sua identidade missional, confi rmada na unção do Espírito, para servir especialmente aos excluídos e desfavorecidos do seu tempo. Os judeus, assim como as multidões, achavam que eles eram os destinatários exclusivos da missão. Estavam errados, e Jesus tratou logo de desenganá-los dessa ilusão. A missão de Deus é para todos. E a raiva tomou conta dos corações das pessoas(Lc 4:28-29). Mas Jesus em sua vocação missionária não desiste. Ele “passou por entre eles e retirou- se. Então ele desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e, no sábado, começou a ensinar o povo” (Lc 4:30-31). Ele não mudou o foco porque sabia exatamente seu propósito de vida. f) A fi nalidade: “pois para isso é que fui enviado” “Para isso” implica em vocação, propósito e senso de destino. Jesus se percebe enviado com esse propósito. A obra não é de Jesus, mas do Pai. E Jesus tem uma profunda compreensão da missio Dei. A missão é de Deus, que convoca seus agentes para realizá-la. Assim, Jesus é aquele “que andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando | Teologia Bíblica da Missão | FTSA30 e anunciando o Evangelho do reino de Deus” (Lc 8:1) e como resultado vinha “ter com ele gente de todas as cidades” (Lc 8:4). Jesus é nosso modelo de missão para e com a cidade. Seu ministério aconteceu nas cidades e regiões do seu tempo: Galiléia (Lc 4:41-9:50); Samaria-Judéia (Lc 9:51-19:27) e Jerusalém (Lc 19:28-24:53). E Ele nos convida para andar e visitar as cidades que tanto abençoou com o poder do Evangelho. Exercício de fi xação - 05 Considerando o conteúdo acima, quando falamos em missão, devemos considerar: a) As necessidade que eu quero atender; o que os outros podem fazer; o anúncio do Evangelho integral. b) O que eu percebo como necessidade; o que eu posso fazer; somente o anúncio da vida espiritual. c) O que a igreja percebe como necessidade; o que nós, como missionários, podemos fazer; o anúncio do Evangelho de modo integral. d) O que eu percebo como necessidade; o que os outros cristãos podem fazer; somente o anúncio da vida espiritual. Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! Conclusão Surge deste modo uma pergunta básica: para qual contexto a teologia responde? Obviamente que para todos porque o Evangelho do reino não faz acepção de pessoas e nem de geografi as e contextos. Contudo, deve fi car claro para nós que o contexto emergente que produz um volume enorme de desafi os são os contextos urbanos. E em particular, 31Teologia Bíblica da Missão | FTSA | as cidades, metrópoles e megalópoles do mundo ques estão nos dois- terços-do-mundo: Ásia, África e América Latina. Saiba mais A população mundial deve crescer em mais de 2,2 bilhões de pessoas até 2050, de acordo com estudo da ONU, e mais da metade deste crescimento (1,3 bilhão) deve acontecer na África subsaariana. A Índia, a China e a Nigéria vão impulsionar o reforço da urbanização, representando 35% do crescimento da população urbana entre 2018 e 2050. Cerca de 55% da população mundial vive atualmente em cidades. O estudo estima que nas próximas décadas esse número suba para 68%. A expressão “dois terços do mundo” passou a ser utilizada no lugar da expressão “terceiro mundo”. Terceiro mundo carregou conceitos pejorativos, como sendo países de categoria inferior por estarem em continentes subdesenvolvidos. Busca–se com essa mudança de nomenclatura colocar o peso não nos aspectos econômicos mas populacional, ou seja, dois terços da população do mundo estão na América Latina, África e Ásia. https://nacoesunidas.org/mundo–tera–22–bilhoes–de– pessoas–a–mais–ate–2050–indica–onu/ | Teologia Bíblica da Missão | FTSA32 [...] enquanto na Europa e América do Norte a urbanização levou séculos, estimulada pela industrialização e aumento constante da renda per capita, no mundo em desenvolvimento ocorrerá no espaço de duas ou três gerações. Em muitos países em desenvolvimento, o crescimento urbano está sendo impulsionado não pela oportunidade econômica, mas por altas taxas de nascimento e um afl uxo maciço de habitantes rurais que procuram escapar da fome, pobreza e insegurança. A maioria das cidades que mais crescem no mundo encontra–se nos países de baixa renda da Ásia e África com populações jovens. Nos próximos 10 anos, o número de habitantes urbanos na África Subsaariana deverá crescer quase 45%, de 320 milhões para 460 milhões. Kinshasa, capital de um dos países mais pobres do mundo, hoje é a megalópole futura que mais cresce no mundo. Em 2025, a população urbana dos países menos desenvolvidos da Ásia terá crescido de 90 milhões para cerca de 150 milhões, e Dhaka deverá ser a quinta maior cidade do mundo, com 21 milhões de habitantes (FAO, 2012, p. 1). Como não levar em consideração essas consequências e desafi os da urbanização? Esse fenômeno resultará ainda mais em altos níveis de pobreza, desemprego e insegurança alimentar. Estima–se que em todo o mundo um bilhão de pessoas vivam em favelas, sem acesso a serviços básicos de saúde, água e saneamento. Cerca de 30% da população urbana do mundo chamado em desenvolvimento, ou seja, 770 milhões de pessoas, está desempregada ou são trabalhadores pobres, com renda abaixo da linha de pobreza. Esses pobres urbanos gastam a maior parte de sua renda com alimentação. Porém, muitas vezes seus fi lhos apresentam níveis de desnutrição tão altos quanto os das áreas rurais. Para sobreviver, milhões de favelados cultivam seus próprios alimentos em cada pedaço de terra disponível: em seus quintais, ao longo dos rios, estradas e ferrovias e sob as linhas de transmissão de energia. 33Teologia Bíblica da Missão | FTSA | O crescimento das favelas ultrapassa o crescimento urbano por uma ampla margem. Em 2020, a proporção da população urbana pobre poderá chegar a 45%, ou 1,4 bilhão de pessoas. 85% dos pobres da América Latina, e quase metade dos pobres da África e Ásia, se concentrarão em áreas urbanas. Já sem tem nome para isso: a nova bomba demográfi ca. Esse é um desafi o ou pesadelo não apenas para os governos como também para a educação teológica e a missão da igreja: aglomerados urbanos degradados e empobrecidos, com grandes populações vulneráveis de pessoas socialmente excluídas, jovens e desempregadas e, claro, no entorno de tudo isso, a criminalidade e violência urbana. Quando percebo essas realidades percebo também o quanto temos sido egoístas como igreja. Enquanto o mundo está vivendo um processo de uma nova bomba demográfi ca muitas igrejas vivem e se preocupam, com elas mesmas, seus membros seus templos e suas denominações e instituições. Parafraseando, talvez de modo impróprio, o que disse Jesus: “Hoje haverá culto para refl etirmos o que a Palavra tem a nos dizer. Vocês sabem interpretar as escrituras, mas não sabem interpretar os sinais dos tempos” (Mt 16:3). Os sinais dos tempos estão dizendo que devemos levar em consideração os espaços urbanos. O Congresso de Lausanne III, em 2010, realizado na Cidade do Cabo, percebeu a importância de destacar as cidades como um dos maiores desafi os para a missão: “What Is God’s Global Urban Mission?” (https://www.lausanne.org/content/what-is-gods-global-urban-mission). | Teologia Bíblica da Missão | FTSA34 Glossário Dois terços do mundo Terminologia que passou a ser utilizada no lugar da expressão “Terceiro Mundo”. Terceiro mundo carregou conceitos pejorativos, como sendo países de categoria inferior por estarem em continentes subdesenvolvidos. Busca-se com essa mudança de nomenclatura colocar o peso não nos aspectos econômicos mas populacional, ou seja, dois terços da população do mundo estão na América Latina, África e Ásia. Missão A natureza/identidade e razão de existir, em nosso caso, da igreja. Missiologia, Missiológico Missiologia é o estudo da intersecção entre o evangelho, a cultura e a igreja. Tal estudo é multidisciplinar porque incorpora outras áreas do saber, tais como Teologia, Antropologia, Sociologia, História, Línguas, entre outras. Missional É um adjetivo que denota alguma coisa que está relacionada com ou é caracterizada pela missão. Indica algo que carrega qualidades, atributos ou dinâmicas da missão. Missionário No senso comum, são tipicamente aquelas pessoas enviadas por suas igrejas ou agências missionárias para lugares normalmente distante da igreja enviadora.Em nossa perspectiva missiológica, são todos os cristãos em resposta à missio Dei, agindo em seus contextos de vida. Missões Esforços e atividades missionárias de envio e sustento de pessoas que vão pregar o evangelho, implicando cruzar fronteiras geográfi cas e culturais. Também chamada de missão transcultural. Urbanizacão É o processo-fenômeno que está ligado ao crescimento populacional e territorial das cidades no qual as pessoas deixam as áreas rurais, agrícolas e indígenas em direção aos centros urbanos. 35Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Referências BOSCH, David. Missão transformadora.: mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: EST; Sinodal, 2002. CASTRO, Emílio. Servos livres: missão e unidade na perspectiva do reino. Rio de Janeiro: CEDI, 1986. FONTENELE, Regina. “Gustavo Gutiérrez avalia atualidade da Teologia da Libertação e o papado de Francisco”. In Missões: a missão no plural. Texto acessado em 14/03/2019 e disponível em http://www.revistamissoes. org.br/2016/02/gustavo-gutierrez-avalia-atualidade-da-teologia-da- libertacao-e-o-papado-de-francisco/ KIRK, Andrew. O que é missão: teologia bíblica de missão. Londrina: Descoberta, 2006. LIBÂNIO, João Batista. As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. 2.ed. São Paulo: Editora Loyola, 2012. MCLAREN, Brian. Uma ortodoxia generosa: a igreja em tempos de pós– modernidade. Brasília: Palavra, 2007. PADILLA, C. René. O que é missão integral? Viçosa: Ultimato, 2009. WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande narrativa da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 2014 FAO – Food and Agriculture Organization of United Nations. Criar cidades mais verdes. Roma: FAO, 2012. VAN ENGEN, Charles. Misión en el camino: refl exiones sobre la teologia de la misión. Grand Rapids: Baker Book House Company, 2007. | Teologia Bíblica da Missão | FTSA36 37Teologia Bíblica da Missão | FTSA | UNIDADE II - BÍBLIA, TEOLOGIA E MISSÃO – PARTE 1 Introdução Nesta unidade refl etiremos sobre missio Dei, Bíblia, teologia e missão. Temos alguns desafi os no Brasil relacionados à missão. O primeiro é justamente compreender o signifi cado de missão. Por isso refl etimos na Unidade I o que não é missão. O segundo desafi o é compreender o que é missio Dei. O terceiro é discernir o relacionamento entre Bíblia e missão, tanto no Antigo como no Novo Testamento. E, em quarto lugar, entender qual é a compreensão clássica da integralidade do Evangelho. Estes temas serão tratados nesta e na próxima unidade.(ou nessa e nas próximas unidades) Elas estarão se referindo ao processo hermenêutico- metodológico que tem por fi nalidade interpretar. Na Unidade I utilizamos o momento observar, ou seja, a partir do que vemos, em nossos contextos e realidades, somos convocados, à luz da Palavra de Deus, a interpretar, para que o próximo momento do círculo hermenêutica aconteça, o agir. Assim, toda ação é contextual e refl etida visando a transformação. Essa é a intencionalidade do método, ou seja, um processo de missão transformadora contextual à luz da Palavra de Deus. Nessa unidade, trataremos de aspectos mais amplos da missão, como a defi nição de Teologia da Missão, suas dimensões e uma maneira geral de caracterizarmos e diferenciarmos a missão do ponto de vista do Antigo e Novo Testamento. Na próxima unidade, ainda construindo a relação entre Bíblia, teologia e missão, observaremos alguns conteúdos textuais das Escrituras. Exercício de aplicação - 06 Esse exercício consiste em tentar encontrar a palavra missão — em Português — na Bíblia e entender o seu uso e signifi cado nas Escrituras. Como existem várias versões de traduções do texto, para que tenhamos um mesmo resultado, realize essa busca no seguinte site: http://biblia. com.br/joaoferreiraalmeidarevistaatualizada/. Indique em quais textos a palavra aparece e qual o signifi cado da mesma naquele texto. A seguir, sintetize o qual o conceito teológico da palavra missão em função daquilo que encontrou. | Teologia Bíblica da Missão | FTSA38 1. A Bíblia como a base da missão Podemos deizer que não existe uma base bíblica para missão e sim que a Bíblia toda é a base da missão. Em primeiro lugar, a Teologia Bíblica da Missão é teologia porque fundamentalmente envolve refl exão sobre Deus e as coisas de Deus. Procura compreender a sua missão, suas intenções e propósitos, seu uso dos instrumentos humanos e sua ação, por meio do seu povo, que atua no mundo por ele criado. Assim, a Teologia da Missão lida com todos os temas teológicos tradicionais da Teologia Doutrinária ou Sistemática. Por outro lado, difere no modo como os teólogos sistemáticos trabalharam classicamente através dos séculos. A diferença surge na orientação missiológica multidisciplinar de seu pensar e fazer teológico. 1.1. O aspecto teológico da missão A Teologia Sistemática é considerada a organizadora do pensamento teológico através dos séculos. Seu eixo teológico foi organizado em sete áreas clássicas — que dependendo da tradição teológica pode variar: (1) Teontologia, (2) Antropologia, (3) Cristologia, (4) Soteriologia, (5) Eclesiologia, (6) Pneumatologia e (7) Escatologia. A Teontologia é área da sistemática que estuda Deus, Deus Pai ou o Criador para alguns. A Antropologia ou Antropologia Teológica estuda a criação com especial atenção para o ser humano. A Cristologia se ocupa do estudo da pessoa de Jesus Cristo. A Soteriologia é o estudo da salvação promovida por Deus. A Eclesiologia estuda o fenômeno da igreja. A Pneumatologia é o estudo do Espírito Santo. E fi nalmente, Escatologia é o estudo das chamadas últimas coisas ou da esperança futura. De modo geral, a Teologia Sistemática desenvolvida na história da igreja não se preocupou em desenvolver uma perspectiva missiológica. Assim, a Missiologia surgiu, mais recentemente, como uma disciplina isolada. Minha intenção aqui é advogar a urgente necessidade de perceber um possível fl uxo missiológico por trás das áreas da Teologia Sistemática. Pensemos assim: o princípio de todas as coisas é Deus (Teontologia), que 39Teologia Bíblica da Missão | FTSA | apesar do pecado do ser humano, demostra sua graça e misericórdia para com a ser humano e humanidade (Antropologia). Por meio de Cristo, sua vida, obra, morte e ressurreição (Cristologia), a humanidade, junto com toda a criação, é redimida e salva (Soteriologia). Os salvos recebem o Espírito da promessa, passam a ser templos do Espírito, empoderados para cumprir os planos de Deus no e a favor do mundo (Pneumatologia), passando a ser membros do novo povo de Deus, a comunidade de fé, chamados a viver em comunhão, santidade e em comunidade missional (Eclesiologia). Finalmente, a marca distinta desta comunidade missional é a esperança do Reino que vem, vivendo na tensão do “já-ainda não” (Escatologia), até a consumação dos séculos. Esse é um resumo das setes áreas. No gráfi co, apresento esse fl uxo missiológico, demonstrando que a Teologia deve ser apta a seguir a ação misericordiosa de Deus em Cristo Jesus, o Verbo – transcendente - que se fez carne e habitou entre nós – imanente. Por isso, a Teologia é sempre um ato segundo, como discurso humano, pois o ato primeiro é o agir de Deus na história. Assim sendo, a Teologia é uma resposta ao agir de Deus, um meio, nunca um fi m. Fica claro que a Teologia é um serviço e está a serviço de Deus e seu reino. Este fl uxo missiológico indica a fi nalidade da Teologia; ela deve estar a serviço da missão de Deus (missio Dei). Este precisamente foi, e continua sendo, o equívoco hermenêutico de muitos teólogos sistemáticos: não perceber a teologia como um instrumento a serviço da missão. Qual é | Teologia Bíblica da Missão | FTSA40 o sentido da Teologia sem a Missiologia? Como, por exemplo, estudar a Cristologia e a Eclesiologia sem a perspectiva missiológica? Ou ainda, a quem serve esta Teologia? Teologia sem missão é refl exão estéril, sem relaçãocom a práxis de Jesus e da igreja. Por outro lado, uma Missiologia que não seja teológica será imatura, inconsequente e sem fundamento sólido. Assim, é urgente o repensar sobre elementos integrativos nas disciplinas missiológicas e teológicas. Devemos desenvolver uma teologia missiológica e uma missiologia teológica. A refl exão e práxis missiológica precisam de fundamentos teológicos, assim como os fundamentos teológicos precisam motivar, encorajar e impulsionar a missão. Este divórcio entre Teologia e Missiologia já causou muitas consequências negativas. Por exemplo, a refl exão teológica sem implicações missiológicas nada mais é do que domesticação e institucionalização doutrinária. Desde já é necessário que você vá aprendendo a fazer integrações e diálogos entre Teologia e Missiologia. Pensar a Teologia na perspectiva da Missiologia é imprescindível, porque você perceberá em sua caminhada que raramente algo foi escrito nas sistematizações a partir da perspectiva missiológica. Se a Teologia não está a serviço da missão da igreja, ela está a serviço de quem? Ouso dizer que estaria a serviço de teólogos, denominações e confi ssões e doutrinas. Chegou o momento de fazer teologia não para a tradição eclesiástica, pois isso é manutenção do status quo, mas essencialmente com a igreja, como servos submissos da missio Dei, de uma igreja a caminho nas sendas do reino. Se o desafi o é repensar a Teologia na perspectiva da Missiologia, propomos o seguinte fl uxo, utilizando aqui expressões em latim: 41Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Est e gráfi co nos mostra a centralidade da Trindade na tarefa missional. É a partir da Trindade que devemos desenvolver uma Missiologia Trinitária, ou seja, missio Dei (missão de Deus), missio Christi (missão de Cristo), e missio Spiritu Sancti (missão do Espírito Santo). Isto implica em concluir que a missão do povo de Deus (missio ecclesiarum) é consequência, um ato segundo, da missão Trinitária, que é o ato primeiro. A igreja, portanto, não vive para si mesma – ela é uma serva da Trindade em missão, vivendo e encarnando as boas novas do Evangelho, tanto em obras como em palavras, como peregrina e forasteira. Como nos exorta Pedro, a que sigamos em “santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus” (2 Pe 3:11-12) porque “segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pe 3:13), claramente uma referência a expectativa do reino que virá (missio adventus). Portanto, a refl exão da Teologia sem a perspectiva Missiológica é a morte da própria missão. É na práxis missiológica, a partir da refl exão bíblica e contextual, que a igreja diz para veio e existe. E, existindo assim, glorifi ca a Trindade em seu compromisso de encarnação missional. Exercício de fi xação - 07 É possível dizer que existe uma base bíblica para missão? ( ) Sim ( ) Não Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! Acesse o AVA para assistir ao vídeo: Teologia Sistemática e Missiologia - Profº Marcos Orison Acesse o AVA para assistir ao vídeo: Teologia Sistemática e Missiologia - Profº Marcos Orison | Teologia Bíblica da Missão | FTSA42 1.2. O aspecto bíblico da missão Em segundo lugar, a Teologia Bíblica da Missão é bíblica devido ao seu compromisso de permanecer fi el às intenções, perspectivas e propósitos da Palavra de Deus. A Teologia da Missão mostra uma preocupação fundamental sobre a relação da Bíblia com a missão, tentando permitir que as Escrituras não apenas forneçam as motivações fundamentais para a missão, mas, essencialmente, questione, molde, oriente e avalie os esforços missionais. Isso porque, paradoxalmente, existem motivações impuras na realização da missão. Por isso o renomado missiólogo holandês Johannes Verkuyl nos alerta de que nem tudo o que a igreja faz tem uma intenção missional. É possível realizar a obra de Deus com intenções impuras e com maus propósitos, seja de forma consciente ou inconsciente. Verkuyl indica quatro motivações impuras que a igreja pode assumir na pretensa realização da missão: - a motivação imperialista: é a tentativa de usar outra pessoa ou povo como um meio para alcançar o seu próprio objetivo. - o motivação cultural: frequentemente ao comunicar o evangelho a cultura do comunicador vem acoplada e já não se distingue entre o que é evangelho e o que é cultura. - o motivação comercial: é a relação entre comércio e fé, ou seja, ter uma igreja guiada por interesses comerciais e mercantilistas. - o motivação do colonialismo eclesiástico: é o processo de imposição do modelo da igreja mãe sobre as igrejas nativas, não dando a oportunidade para que essas igrejas tenham suas características respeitadas e encorajadas. Você provavelmente já encontrou algumas dessas motivações sendo expressas por igrejas em sua caminhada. E por que esses motivos impuros, entre outros, existem? Por causa do abandono da orientação bíblica e sua relação com a missão. A missão, para ser fi el a Deus, é aquela revelada nas Sagradas Escrituras e não conforme uma denominação ou eu e minha comunidade queremos. Fidelidade a Deus e sua Palavra não é apenas no púlpito por meio da pregação. Essa Palavra deve permear tudo o que somos, pensamos e fazemos. 43Teologia Bíblica da Missão | FTSA | Agora você pode entender porque começamos essa unidade com aquele exercício. Você percebeu que a palavra missão, por si só, não é encontrada na Bíblia. Por outro lado, há várias referências paulinas sobre envio, ou seja, ser enviado ao mundo para cumprir a missão de Deus. Uma das razões de não encontramos a palavra missão na Bíblia é porque sua origem é latina (mitto). Mas não por isso, o princípio do envio está presente. Aliás, toda a Sagrada Escritura é a revelação da história da missão de Deus. Novamente, toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamento, é a revelação da missão de Deus no mundo. Sempre enfatizaremos isso: a missão de Deus, não a missão da Igreja, ou a sua ou a minha missão. Pois, fi nalmente, é a missão de Deus que nosso Senhor Jesus veio para dar testemunho, e consequentemente, é a missão de Deus que a Igreja proclama no mundo hoje. É a missão de Deus que compartilhamos. 1.3. O aspecto da missão em si Em terceiro lugar a Teologia Bíblica da Missão é sobre a missão. Ou seja, ela é especialmente orientada para a missão. Nem a Teologia nem a Missiologia podem restringir-se apenas à refl exão. Como Johannes Verkuyl afi rmou, A missiologia nunca pode ser um substituto para a ação e participação. Deus chama participantes e voluntários em sua missão. Em parte, o objetivo da missiologia é se tornar uma “estação de serviço” ao longo do caminho. Se o estudo não leva à participação, seja em casa ou no exterior, a missiologia perdeu seu humilde chamado... Qualquer boa missiologia é também uma missiologia viatorum - “missiologia peregrina” (1978: p. 6,18). A Teologia da Missão, então, deve desembocar em uma ação missional biblicamente informada e contextualmente apropriada. A conexão íntima entre refl exão e ação é absolutamente essencial para a Missiologia. Ao mesmo tempo, se nossa ação missiológica não transforma nossa refl exão, podemos vir a ter grandes ideais, mas elas podem ser irrelevantes, ou inúteis, às vezes até mesmo destrutivas ou contraproducentes. Portanto, nossa orientação missional, que surge como fruto de nossa Teologia da | Teologia Bíblica da Missão | FTSA44 Missão deve se traduzir em ação. E a ação missional sempre ocorre em um contexto. Nossa peregrinação em missão é a caminho, que exige refl etir sobre uma hermenêutica do contexto, que por sua vez exige uma releitura das Escrituras que provoque novas ideias e ações missionais. Uma das formas mais úteis de interligar a refl exão à ação é através do processo conhecido como práxis. Embora tenha havido vários signifi cados diferentes descritos para esta ideia, parece que a formulação de Orlando Costas é umadas mais construtivas: [...] é fundamentalmente um fenômeno praxiológico. Trata-se de uma refl exão crítica que se realiza na práxis da missão [...] [Ocorre] na concreta situação missionária, como parte da obediência missionária e participação da Igreja na missão de Deus, e ela mesma se atualiza nessa situação [...] Seu objetivo é sempre o mundo... homens e mulheres em suas múltiplas situações de vida [...] Em referência a esta ação de testemunho saturada e conduzida pela soberana ação redentora do Espírito Santo [...] o conceito de práxis missionária é utilizado. A missiologia surge como parte de um compromisso de testemunho ao evangelho nas múltiplas situações da vida (1976: p. 8). O conceito de práxis nos ajuda a entender que não apenas a refl exão, mas profundamente a ação também fazer parte de uma Teologia Bíblica de Missão que busca descobrir como a igreja pode participar da missão de Deus no mundo. A ação deve ser em si mesma teológica e bíblica e serve para informar a refl exão, que por sua vez interpreta, avalia, critica e projeta um novo entendimento na ação transformadora. Resumindo, toda teologia é bíblica e a toda a narrativa bíblica é missional. Exe rcício de reflexão - 08 Ao fazer uma breve análise da práxis missional em sua igreja, o quanto você considera que ela está próxima ou afastada da visão bíblica de missão? Quanto ela aproxima a igreja do mundo ou se afasta dele? Acesse o AVA para fazer os exercícios e ver a reação do professor! 45Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 2. As dimensões da missão A missão possui grande aproximação com o tema da salvação. Contudo, precisamos atentar para o fato de que fruto da infl uência dualista e dicotômica, a salvação para muitos, hoje, signifi ca apenas salvar almas. Das muitas palavras hebraicas usadas para salvação, yasha — salvar, ajudar em afl ição, resgatar, livrar, libertar — é a que aparece mais frequentemente no Antigo Testamento. Comumente, o livramento ou libertação, no discurso do Antigo Testamento, é de natureza material, embora haja exceções importantes. Em contraste, o emprego de soter — raiz grega aplicada ao conceito de salvação — no Novo Testamento, embora possa incluir a preservação material, geralmente signifi ca uma libertação com um signifi cado especialmente espiritual. Além da noção de libertação, a Bíblia também usa a salvação para denotar saúde, bem-estar e cura. De acordo com o signifi cado mais amplo usado nas Escrituras, o termo salvação engloba a obra total de Deus pela qual ele busca resgatar o ser humano da ruína, destruição e poder do pecado, concedendo-lhe a riqueza de sua graça abrangendo a vida eterna, provisão por vida abundante agora e glória eterna (Ef 1:3-8; 2:4-10; 1 Pe 1:3-5; Jo 3:16, 36; 10:10). A palavra salvação comunica o pensamento de libertação, segurança, preservação, integridade, restauração e cura. Na Teologia, no entanto, seu principal uso é denotar uma obra de Deus em favor da humanidade, que inclui as pessoas e criação. Como tal, é uma doutrina importante da Bíblia que inclui os conceitos de redenção, reconciliação, propiciação, convicção, arrependimento, fé, regeneração, perdão, justifi cação, santifi cação, preservação e glorifi cação. Por um lado, a salvação é descrita como a obra de Deus que resgata o ser humano de seu estado perdido, que por si só, jamais conseguiria sair, sendo exclusivamente uma obra de Deus por meio do mediador Jesus Cristo. Também descreve o estado de uma pessoa que foi salva e que é vitalmente renovada, fazendo parte da herança dos santos. Não podemos esquecer e nem mesmo negligenciar | Teologia Bíblica da Missão | FTSA46 a salvação da criação, apontada pelo apóstolo Paulo em Romanos: “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos fi lhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos fi lhos de Deus” (Rm 8:19-21). Portanto, precisamos, ainda que de modo resumido e condensado, entender que a salvação engloba a obra total de Deus formulada, entendida e incentivada pelo Apóstolo Paulo: [...] o qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência, porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus (Cl 1:15-20). A palavra missão, no sentido que aqui será refl etido, não está na Bíblia. Quando a palavra aparece, e poucas vezes, é no sentido de uma tarefa particular, como por exemplo, a missão dos espias (Js 2:14, 20). Isso gera algumas difi culdades porque, uma vez que não existe uma defi nição explícita, a mesma se torna implícita e passível de interpretações. E é justamente aqui que muitos problemas surgem. Toda defi nição e interpretação implicam e resultam em práticas em função do que se defi niu e interpretou. Se, por exemplo, defi nimos a missão da igreja como salvar almas, isso defi nirá o método, as práticas e os resultados esperados. O método será pregar verbalmente, cuja ênfase recairá no 47Teologia Bíblica da Missão | FTSA | ir por todo o mundo — prática — para que as pessoas se convertam — resultado. Toda defi nição corre o risco de incluir e excluir elementos. Neste exemplo, a defi nição de missão está certa no que inclui, mas equivocada no que exclui. Como já afi rmado, é necessário compreender que a Bíblia, e não textos isolados, é a base da missão. Ela é a peça missional de Deus. Uma coletânea de 66 livros que formam uma única peça. A Palavra veio a existir para revelar o plano de Deus para a humanidade e sua criação. Ela revela os propósitos de Deus para mundo e a isso chamamos de missio Dei. É fundamental entender o que signifi ca a missão de Deus, porque é ela que determina a missão do povo de Deus no Antigo Testamento, e a de Jesus e da igreja no Novo. Consequentemente, isso determina a nossa missão hoje. Isso porque nem tudo o que é feito em nome da missão é de fato a missão de Deus. Assim, como podemos defi nir a missão de Deus? É necessário começar pelo princípio de tudo: a narrativa da criação no livro de Gênesis. Ali encontramos o projeto original, o ambiente harmônico em que tudo o que Deus fez era bom. Esse ambiente era marcado por quatro dimensões de relacionamentos que devem ser percebidas como alvo da missão-salvação: (1) o relacionamento de Deus com o ser humano; (2) do ser humano com o próximo; (3) do ser humano consigo mesmo e (4) do ser humano com a criação. As quatro dimensões da missão de Deus fi cam assim representadas: Desde já é fundamental perceber que a missão de Deus tem a ver com relacionamento. Para a maioria das igrejas, líderes eclesiais e pessoas, quando se pensa em missão pensa-se em atividades, projetos, programas, eventos. É claro que não há nada de errado em utilizar essas ferramentas. Porém, são ferramentas que devem visar os relacionamentos. Vejamos cada uma das dimensões de relacionamentos. | Teologia Bíblica da Missão | FTSA48 2.1. Dimensão pessoal: relacionamento de Deus com o ser humano Estou chamando a primeira dimensão de pessoal. Acredito que muitos teriam a tendência de chamar de espiritual, no entanto, nós ocidentais somos profundamente infl uenciados por uma visão dualista da vida e da teologia que contribuem para essa outra possível identifi cação. Exemplo: • pensamos que a salvação só trata da alma
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