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UNIDADE 2 – PSICOLOGIA ENTREVISTAS E TESTES PROJETIVOS O DESENHO INFANTIL E A ENTREVISTA DE DEVOLUÇÃO Nesta unidade você verá: // fundamentação teórica sobre o desenho infantil // fundamentação para a entrevista devolutiva OBJETIVOS DA UNIDADE • Conhecer a importância do desenho infantil para o processo psicodiagnóstico; • Apresentar o teste projetivo HTP (House-Tree-Person); • Entender a importância da entrevista de devolução em Psicodiagnóstico. TÓPICOS DE ESTUDO Fundamentação teórica sobre o desenho infantil // O desenho infantil como ferramenta psicoterapêutica: // HTP: fundamentação teórica Fundamentação para a entrevista devolutiva // Etapas da entrevista devolutiva // A entrevista devolutiva e as suas especificidades VER VIDEO NO AVA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE O DESENHO INFANTIL VER VIDEO NO AVA Desde a Antiguidade, o desenho é utilizado para representar pensamentos, sentimentos e/ou para registrar acontecimentos vivenciados pelas pessoas. Por essa razão, os historiadores se debruçam na interpretação das imagens encontradas em cavernas para entender como era a realidade do homem primitivo. A partir de tais desenhos, tornou-se possível compreender um pouco como se dava a comunicação e a expressão simbólica naquela época, uma vez que eles são carregados de simbolismos e sua expressão apresenta características psicológicas, sociais e estéticas. Mais detalhadamente, pode-se dizer que possuem características psicológicas por projetarem de forma singular toda a subjetividade da pessoa. Já com relação às características sociais, nota- se que carregam as percepções e influências da cultura e da sociedade na qual a pessoa se insere. Por fim, as características estéticas aparecem em suas formas, cores, objetivos e finalidades de produção. Por representarem situações cotidianas, pensamentos e emoções, os desenhos traçam um recorte momentâneo da sociedade e mostram o próprio mundo subjetivo, bem como a maneira que o indivíduo enxerga o mundo e si mesmo. Apesar de não devermos limitá-los apenas a representações gráficas e estéticas, é necessário ciência de que constituem uma representação daquilo que somos e muitas vezes não percebemos. // A FUNÇÃO DO DESENHO INFANTIL Por muito tempo, o desenho infantil possuiu uma função estritamente motora, relacionada à capacidade da criança desenvolver coordenação, noções de espaço, profundidade, entre outros aspectos da motricidade. Contudo, o uso do desenho para o desenvolvimento motor também era importante no processo de alfabetização, pois influenciava diretamente em sua capacidade de escrita. Sua expressão simbólica, na verdade, surge muito antes do desenvolvimento da linguagem escrita e da leitura, podendo ser vista como de grande importância para o desenvolvimento infantil, por permitir a expressão dos sentimentos e fantasias da criança. Winnicott (1984) define o desenho infantil como um meio de se conectar com a criança, em seu próprio mundo, funcionando como o objeto mediador da relação a ser estabelecida com a criança. Tal relação se dá a partir dos símbolos e seus significados subjetivos, os quais representam a sua realidade (e fantasia), e isso permite a compreensão do universo singular da criança e de seus sentimentos e emoções. Por essa razão, o desenho, em muitos casos, acaba substituindo a comunicação oral ou sendo um complemento do discurso durante os atendimentos com o(a) psicólogo(a). // A LINGUAGEM POR TRÁS DO DESENHO Os desenhos possuem uma linguagem gráfica que representa a expressão simbólica da própria criança. Para Saussure, a criança utiliza uma imensa variedade de signos gráficos (MEREDIEU, 1974), os quais podem ser interpretados como uma representação da realidade da própria criança, e, a partir deles, podemos entender mais sobre sua interpretação e vivência de mundo. No entanto, conforme a criança amadurece, os desenhos ganham mais forma e seus símbolos se tornam mais evidentes. Inicialmente, as formas são abstratas e com figuras geométricas formando a imagem gráfica, porém, aos poucos, passa a ganhar a forma de figuras de pessoas, objetos etc. Figura 1. Desenho com formas de figuras. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 16/09/2021 As cores, o posicionamento, a estrutura do desenho, tudo representa a forma como a criança enxerga a própria realidade. // ORIGEM DA TÉCNICA DO DESENHO INFANTIL Quando Freud desenvolveu e revolucionou a ciência com o seu modelo psicanalítico, acabou por esbarrar em uma dificuldade quase que insuperável (como aplicar o método psicanalítico na clínica com crianças?), pois a técnica da associação livre não era possível de se realizar com as crianças, devido à pouca capacidade de elas se comunicarem verbalmente e de maneira estruturada. O relato mais famoso da clínica com crianças em Freud é o caso do pequeno Hans, mas a utilização do desenho não apresentou métodos nem despertou o interesse de Freud naquele momento. CURIOSIDADE: O pequeno Hans era um menino de três anos de idade, cujos sintomas fóbicos apresentados e relatados por Freud são estudados até hoje pela riqueza dos detalhes e da complexidade do caso. Considera-se um marco que inicia o estudo da clínica psicanalítica com crianças. Para Freud, a psicanálise infantil ainda era uma barreira a ser vencida e haviam muitas resistências ao tratamento psicanalítico para esse público, como bem destaca Florence de Mèredieu: São conhecidas, aliás, as resistências de Freud no que diz respeito à aplicação do tratamento analítico às crianças. Será preciso esperar os trabalhos de Melanie Klein para que a psicanalise infantil adquira estatutos, métodos, fundamentos psicológicos (MÈREDIEU, 1974, p. 73). Segundo Mèredieu (1974), Melanie Klein, com a sua teoria do jogo, permitiu avaliar o lugar do desenho no tratamento, e as dificuldades de comunicação que criavam as resistências ao método freudiano foram substituídos pelos jogos após ela observar as semelhanças com a associação livre aplicada aos adultos. Do mesmo modo, o desenho poderia ser utilizado com essa finalidade. Por outro lado, Anna Freud foi por um caminho oposto e acreditava que as crianças não possuíam uma consciência de doença, mas que estavam aprisionadas aos pais. Por essa razão, não era possível estabelecer uma neurose de transferência, afirmando que o psicoterapeuta deveria apenas reforçar o vínculo em um nível educativo e descartando a relação entre o brincar da criança e a associação livre dos adultos (CUNHA, 2003). A psicanalista Sophie de Morgenstern foi uma das primeiras teóricas a buscar o conteúdo latente oculto sob o conteúdo dos desenhos infantis e observou, ao tratar de um menino de dez anos, que a criança expressava nitidamente em seus desenhos a sua ansiedade aguda. A partir da interpretação, Sophie de Morgenstern percebeu como os temas repetiam-se e simbolizavam a sua relação com o pai, expressando a sua angústia de castração. Desde então, a psicanalista passou a utilizar a técnica do desenho com todos os seus pacientes infantis, em substituição à da associação livre criada por Freud e oferecida aos pacientes adultos (ABERASTURY, 1982). O DESENHO INFANTIL COMO FERRAMENTA PSICOTERAPÊUTICA O desenho infantil pode ser considerado uma das principais ferramentas do(a) psicólogo(a) para o atendimento com crianças a partir dos dois anos de idade, quando ela expressará no papel aquilo que não consegue dizer com palavras. Mesmo não produzindo um desenho com formas e imagens concretas, a criança já expressará elementos simbólicos. Saber utilizar essa ferramenta e interpretá-la dentro do manejo terapêutico possibilitará ao profissional da Psicologia compreender melhor a psicodinâmica da criança. Para tanto, o desenho não deve ser visto e interpretado de maneira objetiva, mas deverá buscar o que está além, ou seja, a projeção da subjetividade daquela criança. Figura2. Desenho com elementos simbólicos. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 16/09/2021. Pode-se observar uma representação simbólica da realidade psíquica da criança, considerando sua posição em relação às outras pessoas representadas no desenho, os seus tamanhos e as suas características. A forma como cada elemento aparece na imagem possui um significado encoberto e que deve ser analisado. Assim, quando uma criança faz um desenho, a primeira motivação é o brincar e a diversão que aquela atividade irá produzir. A motivação que leva a criança ao ato de desenhar é o prazer por trás da brincadeira. No entanto, apesar desse interesse no brincar, todo desenho possui uma intenção por trás, isto é, a imagem produzida pela criança foi escolhida e desenhada daquele jeito por uma razão específica. Mesmo de forma inconsciente, a criança está manifestando algo pertencente à sua realidade, e, para Luquet (1969), a intenção em produzir um determinado desenho trata-se da manifestação e prolongamento da representação mental da criança. O autor ainda pontua que o desenho infantil apresenta quatro estágios de evolução, sendo eles: o realismo fortuito, o falhado (fracassado), o intelectual e o visual (LUQUET, 1969). Quadro 1. Os quatro estágios de evolução. Fonte: MEREDIEU, 1974, p. 20-22. (Adaptado). Quanto mais “puro” for o desenho, ou seja, quanto menos o desenho representar de forma fidedigna o objeto real, mais fácil será identificar as representações simbólicas que ele possui. As formas irregulares e aparentemente sem nexo encobrem os elementos inconscientes projetados no papel e que representam a subjetividade da criança. // O USO DO DESENHO PARA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA A técnica do desenho infantil é muito utilizada nos processos de psicodiagnóstico e avaliação psicológica, principalmente na clínica infantil, podendo ser divididos entre testes de inteligência e testes de personalidade, conforme destaca Meredieu (1974). Quadro 2. Diferenças entre os testes de inteligência e de personalidade. Fonte: MEREDIEU, 1974, p. 67-68. (Adaptado) Segundo Cunha (2003), a primeira escala com critérios de análise do desenho foi desenvolvida por Florence Goodenough, em 1926. Denominada como análise da figura humana (DFH), essa escala era utilizada para medir o desenvolvimento intelectual das crianças. Anos mais tarde, Karen Machover publicou uma série de resultados obtidos da observação clínica das representações gráficas de figuras humanas, produzidas tanto por crianças quanto por adultos, que apresentavam em caráter projetivo diversos problemas psicológicos. Considerada uma técnica de boa abrangência e de baixo custo, por utilizar apenas lápis e papel, além de ter uma boa aceitação das crianças, até hoje o DHF é uma ferramenta utilizada frequentemente por profissionais da Psicologia na clínica com crianças e principalmente nos processos de avaliação psicológica infantil (CUNHA, 2003). EXPLICANDO: Florence Goodenough foi uma psicóloga e professora estadunidense que estudava o desenvolvimento infantil e intelectual por meio do uso de desenhos, quando constatou que o desenho da criança evoluía conforme ela se desenvolvia. Tal constatação deu origem à criação do seu próprio teste que, posteriormente, foi revisado e atualizado por Harris. // O DESENHO COMO A REPRESENTAÇÃO DE SI Já vimos que o desenho da criança em suas formas e expressões sintetiza, muitas vezes, uma representação de si mesma e de como ela se coloca perante a própria realidade. Isso pode ser melhor descrito analisando o tamanho do corpo, da cabeça e dos membros, as vestimentas, as expressões faciais e o cenário, que mostram seu mundo vivencial. O desenho da criança também pode ser visto como uma representação narrativa e figurativa, que traduz o real por meio de elementos simbólicos e, nesse sentido, a criança produzirá objetos concretos em vez de abstrações. Assim, com efeito narrativo, a criança procura transmitir uma mensagem por meio do desenho (MEREDIEU, 1974). Após o término, a criança irá atribuir um significado por meio de um nome ou uma história que simbolize aquela imagem representada no papel. Para Luquet (1969), a criança frequentemente atribui ao desenho uma interpretação diferente da sua intenção originária. Em outras palavras, a criança inconscientemente projeta no desenho características singulares e que não faziam parte da intenção inicial da produção daquela figura, mas, ao interpretá-la, identifica os elementos que compõem a sua realidade psíquica. Assim, o desenho da figura humana, conforme Cunha (2003), pode ser considerado como a expressão da autoimagem e, na teoria, projetaria as próprias identificações e conflitos internos. Figura 3. Desenho de figura humana. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 16/09/2021 A criança inicialmente pode ter como intenção produzir um objeto e, ao fazê-lo, inconscientemente atribui a ele características que representam uma visão da própria imagem e que posteriormente será por ela interpretada. // O DESENHO DA FAMÍLIA O desenho da família também é de grande valia para o trabalho do(a) psicólogo(a) infantil para buscar compreender a psicodinâmica das relações no núcleo familiar. Contudo, não há a existência de um roteiro padronizado que delimite a interpretação dessa técnica (CUNHA, 2003). Normalmente, o psicólogo utiliza-se do desenho da família para buscar entender os sentimentos da criança e o lugar de cada membro da família a partir de seu ponto de vista. É comum que o psicólogo solicite à criança que conte uma história sobre o desenho produzido e nomeie cada personagem desenhado. Tal técnica contribui para as projeções da criança, possibilitando que o profissional investigue as possíveis questões presentes em sua fala. Figura 4. Desenho da família. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 16/09/2021. O desenho da família expõe de forma lúdica as relações familiares observe; o lugar de cada membro (se estão próximos ou afastados), os gestos, o tamanho, as expressões (se estão felizes, tristes, com medo, raiva etc.). Investigue os sentimentos encobertos e o que eles podem representar para a criança. Ocampo, Arzeno e Piccolo (2009), ao abordarem o grafismo, pontuam o tema da identificação projetiva (mecanismo de defesa em que aspectos relacionados ao indivíduo são negados em si e transferidos para outros) e afirmam que é possível surgirem características de despersonalização do ego e do objeto, quando as identificações projetivas ocorrerem em excesso. Tais características se manifestam conforme o Quadro 3. Quadro 3. Manifestação de características de despersonalização. Fonte: OCAMPO; ARZENO; PICCOLO, 2009, p. 266-267. (Adaptado). HTP: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O Home-Tree-Person (HTP) ou teste da casa-árvore-pessoa é um instrumento desenvolvido por John Buck no ano de 1949 após alguns estudos sobre o desenho da figura humana. Seu objetivo com as pesquisas era o de identificar aspectos relacionados à personalidade do indivíduo que produzia os desenhos. Nesse teste é solicitado ao indivíduo que reproduza o desenho de uma casa, de uma árvore e de uma pessoa, respectivamente, em folhas separadas que serão disponibilizadas pelo psicólogo. John Buck definiu esses três objetos por acreditar que eles facilitam a projeção de algumas características específicas. EXPLICANDO: John Buck foi um psicólogo altamente reconhecido pelo desenvolvimento de testes psicológicos utilizados até os dias de hoje. Seu material mais famoso é o HTP e foi desenvolvido com base no trabalho de Florence Goodenough. A obra de John Buck contribuiu tanto com medidas qualitativas quanto com medidas quantitativas nos diversos inventários que desenvolveu ao longo de suas pesquisas. Quadro 4. Definições do teste HTP. Por se tratar de um teste projetivo, o HTP constitui um instrumento que possibilita várias respostas diferentes, carregadas de conflitos queemergem dos desenhos produzidos, caracterizando os objetos de interesse do(a) psicólogo(a). // OBJETIVO HTP Com o teste da casa-árvore-pessoa, busca-se a obtenção de informações sobre a personalidade de um indivíduo, a partir da investigação de como a pessoa experiencia a sua individualidade e singularidades em relação ao ambiente e com outros indivíduos. O HTP estimula a projeção de elementos que representam áreas de conflito interno relacionando com o ambiente para que, a partir dessas projeções, o(a) psicólogo(a) possa fazer as suas intervenções psicoterapêuticas. // PÚBLICO-ALVO Esse é um teste recomendado para indivíduos a partir dos oito anos de idade e, por se tratar de uma atividade lúdica, acaba por ter a aceitação do público infantil com maior facilidade. O HTP é recomendado em casos em que a comunicação verbal encontra-se com dificuldades, seja por barreiras emocionais, recusa e dificuldade em articular as palavras, entre outros impedimentos. // CRITÉRIOS DO HTP O HTP considera diversos critérios e avalia desde o tipo de tracejado quanto ao tamanho do desenho, elementos detalhados, entre outros. Como ferramenta complementar aos desenhos, John Buck criou um inquérito que deve ser usado juntamente com a produção dos desenhos. A fase do inquérito é necessária para que o(a) psicólogo(a) consiga investigar e obter mais informações sobre os desenhos. Esse é um momento no qual a criança avaliada pode refletir sobre o que representou, dando nome, idade, características e, desse modo, verbalizar seus sentimentos, pensamentos, memórias etc. // REGULAMENTAÇÃO DO HTP O Conselho Federal de Psicologia (CFP) regulamenta o uso e a comercialização do teste projetivo HTP por meio da Resolução CFP n. 002/2003, com aprovação pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI) no ano de 2004. A Resolução n. 002/2003 restringe o material do teste ao uso exclusivo dos profissionais de Psicologia, estabelecendo em seu art. 1º que os testes psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas e, por isso, são privativos do(a) psicólogo(a) (CFP, 2003). O art. 5º da Resolução n. 002/2003 estipula os requisitos mínimos e obrigatórios para os testes classificados como testes projetivos. Quadro 5. Art. 5º da Resolução n. 002/2003. Fonte: CFP, 2003, p. 3-4. (Adaptado). // CARACTERÍSTICAS DO HTP O teste projetivo HTP possui todos os requisitos obrigatórios estipulados pelo Conselho Federal de Psicologia e caracteriza-se por ser o único teste gráfico projetivo pertencente à gama de testes autorizados pelo CFP. Tal teste é constituído por um manual com as informações de aplicação e de registros de respostas do inquérito um protocolo com a listagem conceituação para a interpretação de cada desenho e as possíveis características da personalidade. VER VIDEO NO AVA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ENTREVISTA DEVOLUTIVA A entrevista de devolução constitui-se de uma das etapas mais importantes do processo psicodiagnóstico. Após a realização das entrevistas iniciais e de coleta de informação, da aplicação e correção dos testes psicológicos, da análise, interpretação e elaboração do laudo, o(a) psicólogo(a) deverá realizar uma entrevista devolutiva com a(s) parte(s) de interesse. Tal entrevista servirá para fazer a entrega dos resultados obtidos durante o processo de avaliação psicológica, tirar as dúvidas que possam surgir e fazer os devidos encaminhamentos caso seja necessário. Durante esse momento, o indivíduo poderá refletir sobre si mesmo e sobre como alguns de seus comportamentos podem ser prejudiciais ou benéficos, adequados ou inadequados. A entrevista devolutiva permitirá que o indivíduo tenha a oportunidade de construir novas formas de agir ao considerar as orientações do psicólogo em decorrência dos resultados do psicodiagnóstico. Essa é a etapa de encerramento de um processo altamente complexo e delicado e que produzirá efeitos na vida do indivíduo que vivenciou a experiência do processo psicodiagnóstico. Porém, antes de realizar a entrevista de devolução dos resultados, o(a) psicólogo(a) deverá atentar-se para alguns pontos importantes para o desenvolvimento do processo, como podemos observar no Quadro 6. Quadro 6. Questões importantes para o psicólogo. Fonte: CFP, 2010, p. 66-67. (Adaptado). Para o(a) psicólogo(a), a realização de uma entrevista de devolução também pode ser interpretada como “um passo além” no caso investigado. Isso se dá no sentido em que novas lembranças reprimidas e/ou atitudes não confirmadas até o momento da entrevista se manifestem e, com isso, mudem o plano de ação delineado para o caso (OCAMPO; ARZENO; PICCOLO, 2009). // QUESTÕES ÉTICAS Cabe ao psicólogo atentar-se para as questões éticas que regem a avaliação psicológica, sendo um dever conhecer e aplicar, o que determina o seu Código de Ética Profissional. Com base nisso, a informação dos resultados decorrentes de um processo de avaliação psicológica constitui um dever fundamental do profissional de Psicologia. O Quadro 7 traz as informações que constam nas alíneas “f”, “g” e “h” do art. 1º do Código de Ética. Quadro 7. Informações do Código de Ética. Fonte: CFP, 2005. (Adaptado). Conforme o Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo, a entrevista devolutiva pode ser entendida como: um processo de avaliação psicológica sendo esta entendida como um processo técnico- científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas: métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados dessas avaliações, ou devolutivas, devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo, segundo a resolução 07/2003 do CFP CRP-SP, s.d. As questões éticas que envolvem um processo de avaliação psicológica devem ser respeitadas incondicionalmente, podendo o(a) psicólogo(a) ser responsabilizado(a) pelas possíveis irregularidades nas esferas disciplinar e criminal, conforme a lei vigente. Por essa razão, cabe ao profissional atentar-se ao seu manejo durante todo o processo, desde o recebimento da demanda até a entrega dos resultados a quem for de direito. ETAPAS DA ENTREVISTA DEVOLUTIVA Ocampo, Arzeno e Piccolo (2009) consideram que a entrevista de devolução possui dois objetivos básicos: o primeiro será o de transmitir as informações resultantes do psicodiagnóstico, e o segundo será o de observar as respostas verbais e pré-verbais dos pacientes e/ou dos responsáveis perante o recebimento da fala do(a) psicólogo(a). Assim, o profissional que for realizar uma entrevista devolutiva precisará seguir algumas etapas para que a condução ocorra da maneira mais adequada. Dessa forma, seguir essas etapas é importante para que, durante o desenvolvimento da entrevista, o(a) psicólogo(a) assegure-se de que estará contemplando todos os pontos relevantes do atendimento. Na sequência, temos as etapas da entrevista devolutiva: RAPPORT Ao realizar uma entrevista de devolução, é importante que o(a) psicólogo(a) atenha-se ao rapport, porque a boa relação e a criação de vínculo com o paciente também constituem uma parte do processo; DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Identificar o paciente e/ou o solicitante da avaliação psicológica é importante para o andamento da entrevista, e o psicólogo precisará atentar-se a isso durante esse processo; RETOMADA DOS OBJETIVOS INICIAIS O(a) psicólogo(a) deverá relembrar na entrevista todos os passos do processo de avaliação psicológica, esclarecendo ao paciente os motivos do atendimento, asetapas do processo e outras informações pertinentes; RELAÇÃO OBJETIVO-EXPECTATIVA O(a) psicólogo(a) deverá relacionar os objetivos do processo de avaliação psicológica com as expectativas do paciente. Essa etapa é importante, pois os resultados do processo nem sempre vão atender os interesses ou motivações do solicitante; VALIDADE DO PROCESSO O(a) psicólogo(a) deve informar ao paciente que a avaliação psicológica não consiste de uma verdade absoluta, mas sim de um recorte momentâneo da psicodinâmica do indivíduo; TROCA DE INFORMAÇÕES O(a) psicólogo(a) deverá utilizar o momento da entrevista para a troca de informações relacionadas ao processo de avaliação psicológica, respondendo possíveis dúvidas e dando as orientações necessárias; ENTREGA DOS RESULTADOS O(a) psicólogo(a), durante a entrega dos resultados, deverá enfatizar os aspectos positivos da psicodinâmica do paciente antes de abordar os possíveis aspectos psicopatológicos ou desajustes encontrados; RECOMENDAÇÕES O(a) psicólogo(a), ao final da entrevista, verificará se todas as informações foram dadas e se todas as dúvidas foram sanadas. Além disso, ele fará as recomendações psicoterapêuticas e os encaminhamentos se assim forem necessários; FEEDBACK Solicitar que o paciente expresse as suas opiniões e percepções do processo de avaliação psicológica, assim como criar um espaço para que expresse os seus sentimentos também constitui um momento importante da entrevista devolutiva. O profissional também poderá recomendar a realização de entrevistas complementares, conforme a necessidade de cada paciente; FINALIZAÇÃO Após a realização de todas as etapas da entrevista de devolução, o(a) psicólogo(a) encerrará o processo e fará a guarda dos documentos, respeitando as normativas éticas da profissão. A ENTREVISTA DEVOLUTIVA E AS SUAS ESPECIFICIDADES As entrevistas psicológicas são consideradas técnicas de manejo clínico, mas, antes de tudo, como destaca Cunha (2003, p. 52), será “um contato social entre duas ou mais pessoas”. Nesse sentido, para realizar uma boa entrevista não basta apenas dominar as técnicas de manejo; é necessário que o(a) psicólogo(a) saiba interagir com outras pessoas. As habilidades interpessoais precisam ser integradas às técnicas de manejo, de forma que se torne impossível de separar uma da outra (CUNHA, 2003). Cunha ainda destaca o que é necessário para que uma entrevista devolutiva possa ser realizada de modo adequado (Quadro 8). Quadro 8. Itens necessários para entrevista devolutiva. Fonte: CUNHA, 2003, p. 52. (Adaptado). Percebe-se que a entrevista devolutiva é marcada por um momento complexo, no qual serão relembrados todos os momentos da avaliação psicológica, a entrega de resultados e as orientações para o futuro pós-avaliativo. Contudo, além das etapas que o psicólogo precisará cumprir para realizar a entrevista de devolução, esse profissional também precisará considerar algumas especificidades durante o seu manejo clínico, sendo elas: • Observar se está utilizando uma linguagem adequada e de fácil compreensão; • Observar se o seu enfoque está direcionado para os temas pertinentes ao processo; • Observar se o paciente está compreendendo as informações dadas, solicitando exemplos de situações cotidianas, em que os aspectos apresentados podem ter acontecido; • Apresentar os pontos positivos de ajustamento e potencialidades do paciente que foram identificados durante o processo de avaliação psicológica; • Incentivar que o paciente faça questionamentos e expresse os seus sentimentos por este constituir o último momento do processo de avaliação psicológica; • Observar as reações do paciente a cada informação apresentada, mantendo a postura ética que rege a profissão; • Atentar-se ao tempo reservado para a realização da entrevista devolutiva por esta constituir-se de um momento que pode ter uma duração maior, em alguns casos, sendo necessário estender para outra sessão; • Abordar os temas com naturalidade, por mais delicados que sejam, cuidando para evitar a criação de tabus relacionados a orientação sexual, gênero, crenças religiosas, riscos à integridade física e suicídio, patologias graves, entre outros. DICA: Quando for realizar uma devolução para colegas psicólogos(as), recomenda-se a utilização de termos técnicos e a referenciação dos recursos utilizados no processo, assim como a realização de uma análise aprofundada da psicodinâmica do paciente. Contudo, quando a devolução ocorrer para profissionais não psicólogos(as), recomenda-se que se atenha às informações relevantes ao processo psicodiagnóstico, fazendo a preservação do sigilo e das informações confidenciais, conforme determina o Código de Ética Profissional do Psicólogo. O(a) psicólogo(a) deve se preparar para enfrentar uma gama de sentimentos que podem surgir ao decorrer da entrevista de devolução, como a culpa, a inveja e o remorso, provocados pelo conhecimento exposto pelo psicodiagnóstico. Além disso, destaca-se a necessidade do(a) profissional estar atento(a) a novas questões conflituosas que possam surgir durante a entrevista e que ainda não haviam sido verbalizadas (OCAMPO; ARZENO; PICCOLO, 2009). // ENTREVISTA DEVOLUTIVA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Ao realizar um processo psicodiagnóstico com crianças, recomenda-se que, além da entrevista de entrega de resultados realizada com os responsáveis, também seja realizado um último encontro com a própria criança, de forma separada, para informar o encerramento dos atendimentos e passar algumas orientações a ela. No atendimento, os aspectos não verbais prevalecerão sobre os aspectos verbais na comunicação com crianças menores, mas poderá acontecer de forma verbal em crianças maiores. No caso da entrevista de devolução com adolescentes, recomenda-se o mesmo manejo realizado com crianças. Contudo, também poderá ocorrer um encontro em conjunto com os responsáveis. Cabe ao psicólogo saber identificar os aspectos infantis e os aspectos mais adultos da personalidade do jovem durante o manejo da entrevista, para não prejudicar a comunicação. SINTETIZANDO O uso do desenho para representar elementos próprios do ser humano existe desde a Antiguidade, sendo produções carregadas de simbolismo cuja expressão apresenta características psicológicas, sociais e estéticas. Por outro lado, o desenho infantil, pautado como uma atividade recreativa e de lazer, possuía uma função motora que se relacionava à capacidade da criança desenvolver coordenação, noção de espaço e profundidade, sendo importante também para o processo de alfabetização. A expressão simbólica, contudo, já se manifesta nos desenhos muito antes do desenvolvimento da linguagem, em que as crianças representam em seus desenhos um recorte da própria realidade (fantasia), e será a partir dessa projeção nos desenhos infantis que se permitirá ter a compreensão do universo singular da criança. Assim, o desenho infantil deixa de ser visto apenas como uma importante ferramenta motora e passa a ser utilizado como um substituto da associação livre freudiana. Sua técnica é muito utilizada em avaliações psicológicas e processos psicodiagnósticos, dividindo-se em testes de inteligência e testes de personalidade. Vimos que Florence Goodenough desenvolveu a técnica do desenho da figura humana (DFH), utilizada para medir o desenvolvimento intelectual das crianças e trabalhar a representação do seu universo como um todo. Posteriormente, surge a técnica criada por John Buck, House-Tree- Person (HTP), com o objetivo de investigar como a pessoa experiencia as suas individualidades e singularidades em relação ao ambiente e com outros indivíduos. Regulamentado pelo Conselho Federal de Psicologia, ele aparece como o único teste gráfico projetivo autorizado, e é indicado para crianças a partir de oito anos de idade e recomendado para casos em que não exista a comunicação verbal. Por fim, vimos sobrea entrevista devolutiva, que se trata de uma etapa muito importante do atendimento. Nesse momento, é revisado todo o processo psicodiagnóstico, realiza-se a entrega dos resultados, tiram-se as dúvidas, orienta-se o paciente e também é quando se recebe feedback para que os devidos encaminhamentos possam ser feitos. VER VIDEO NO AVA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERASTURY, A. Psicanálise da criança – teoria e técnica. Porto Alegre: Artmed, 1982. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA – CFP. Resolução CFP n. 002/2003, Brasília, 24 mar. 2003. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2012/05/resoluxo022003.pdf>. Acesso em: 17 set. 2021. CFP – CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Avaliação Psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão. Brasília, DF: CFP, 2010. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/05/resoluxo022003.pdf https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/05/resoluxo022003.pdf <https://site.cfp.org.br/publicacao/avaliacao-psicologica-diretrizes-na-regulamentacao-da- profissao/>. Acesso em: 28 set. 2021. CFP – CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília, DF: CFP, 2005. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>. Acesso: 28 set. 2021. CRP-SP – CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA SP. Questões éticas – Devolutiva: direito do cliente, dever do psicólogo. Jornal PSI, São Paulo, ed. 147, [s.d.]. Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/147/frames/fr_questoes_eticas.aspx>. Acesso em: 20 set. 2021. CUNHA, J. A. (Org.). Psicodiagnóstico-V. 5. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Artmed, 2003. LUQUET, G. H. O desenho infantil. Lisboa: Companhia Editora do Minho, 1969. MÈREDIEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Editora Cultrix, 1974. OCAMPO, M. L. S.; ARZENO, M. E. G.; PICCOLO, E. G. (Orgs.). O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. WINNICOTT, D. W. Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. 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Contudo, o uso do desenho para o desenvolvim... // A linguagem por trás do desenho // Origem da técnica do desenho infantil O DESENHO INFANTIL COMO FERRAMENTA PSICOTERAPÊUTICA // O uso do desenho para avaliação psicológica A técnica do desenho infantil é muito utilizada nos processos de psicodiagnóstico e avaliação psicológica, principalmente na clínica infantil, podendo ser divididos entre testes de inteligência e testes de personalidade, conforme destaca Meredieu (1974). // O desenho como a representação de si Já vimos que o desenho da criança em suas formas e expressões sintetiza, muitas vezes, uma representação de si mesma e de como ela se coloca perante a própria realidade. Isso pode ser melhor descrito analisando o tamanho do corpo, da cabeça e dos mem... // O desenho da família HTP: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA // Objetivo HTP // Público-alvo // Critérios do HTP // Regulamentação do HTP // Características do HTP Fundamentação para a entrevista devolutiva // Questões éticas ETAPAS DA ENTREVISTA DEVOLUTIVA A ENTREVISTA DEVOLUTIVA E AS SUAS ESPECIFICIDADES // Entrevista devolutiva com crianças e adolescentes SINTETIZANDO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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