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ANÁLISE DO FILME A MAÇÃ: PRIVAÇÃO SOCIAL E OS SEUS IMPACTOS NO DESEVOLVILMENTO INFANTIL. RESUMO: O presente trabalho foi elaborado com a análise do filme “A Maçã” (1998), reúne teorias relacionadas ao tema de privação social, trazendo em conjunto os seus efeitos no desenvolvimento infantil. O objetivo é determinar uma relação entre a problemática exibida pelo filme e as teorias pesquisadas, analisando principalmente as protagonistas Zahra e Massoumeh. Nesse contexto é ressaltado o processo de ensino – aprendizagem desenvolvido mediante as interações sociais sofridas ao longo da vida. Através da aprendizagem continua a criança aprende a se adaptar à realidade e o ambiente em que está inserida, é muito importante que haja estímulos que propiciam o aumento da plasticidade, expandindo assim as habilidades físicas, motoras, cognitivas e sociais. PALAVRAS CHAVE: Privação social; Psicologia de Desenvolvimento; Análise de filme; Desenvolvimento Infantil. Revisão de literatura Vários autores através de teorias e pesquisas buscam apresentar a importância da família, da escola e das interações sociais no desenvolvimento humano. De acordo com Dessen e Polonia (2007), a família e a escola podem atuar como propulsoras ou inibidoras do conhecimento físico, intelectual, emocional e social da criança, sendo instituições essenciais para os processos de evolução das pessoas em sociedade. “Ela tem, portanto, um impacto significativo e uma forte influência no comportamento dos indivíduos, especialmente das crianças, que aprendem as diferentes formas de existir, de ver o mundo e construir as suas relações sociais.” (DESSEN; POLONIA, 2007, p.22). Segundo Andrade (2005), a família desempenha o papel de mediadora entre a criança e a sociedade, possibilitando a sua socialização elemento o qual é essencial para o seu desenvolvimento cognitivo durante a infância. “Qualquer que seja sua estrutura, a família mantém-se como o meio relacional básico para as relações da criança com o mundo.” (ANDRADE, 2005, p.607) Assim como Galvão (2001) que afirma que a interação social e a aprendizagem são indissociáveis para o desenvolvimento da criança. “A aprendizagem de hábitos, valores e conceitos depende da inserção do sujeito numa determinada cultura e é, ao mesmo tempo, condição para sua inserção nessa cultura.” (GALVÃO,2001, p.15). Conforme Lordelo (2000), as variações do ambiente e a socialização são fundamentais no desenvolvimento infantil, o responsável pelo estabelecimento das interações da criança com o âmbito externo é o adulto. Dessen e Polonia (2007) afirmam que as experiências familiares propiciam a formação de repertórios comportamentais de ações e resoluções de problemas. “Essas vivências integram a experiência coletiva e individual que organiza, interfere e a torna uma unidade dinâmica, estruturando formas de subjetivação e interação social.” (DESSEN; POLONIA, 2007, P.22). Segundo Siqueira e Dell’Aglio (2006), a família é o primeiro microssistema no qual o indivíduo em desenvolvimento interage. “A família é considerada um sistema dinâmico e em interação, compreendida em um ambiente, próximo e imediato, da pessoa em desenvolvimento, que envolve atividades, papéis e um complexo de relações interpessoais.” (SIQUEIRA; DELL’AGLIO, 2006, p.72). De acordo com Gomes e Pereira (2004), nem todas as famílias trazem proteção e estímulos no processo de socialização, pois depende de fatores psicossociais e socioeconômicos familiares que podem apresentar fatores de risco. “Para a família pobre, marcada pela fome e pela miséria, a casa representa um espaço de privação, de instabilidade e de esgarçamento dos laços afetivos e de solidariedade.” (GOMES; PEREIRA, 2004, p.354). Metodologia Personagens Para a realização deste trabalho foi analisado o filme “A maçã” (1998, Irã/França) dirigido pela iraniana Samira Makhmalbaf, classificado no gênero drama. O filme foi assistido coletivamente no dia 05 de outubro de 2019. As personagens observadas foram as gêmeas Zahra e Massoumeh Naderi encontradas sob condição de privação social, apresentando problemas motores, físicos, cognitivos e sociais após serem mantidas presas dentro de casa durante anos. O pai das meninas estava desempregado, seguia fortemente preceitos religiosos e sempre estava fora de casa. Enquanto isso as crianças ficavam na responsabilidade da mãe cega, por conta disso os pais ressaltavam a necessidade de manter as meninas trancadas, sem contato algum com o ambiente externo. Após um abaixo-assinado feito pelos vizinhos a assistente social entra para resgatar as meninas e inseri-las na sociedade. Contexto de enredo/ambientação O cenário apresentado é um lugar desfavorecido economicamente, o bairro em que as meninas viviam continha casas parecidas, ruas estreitas onde não passavam carros e uma única passagem de esgoto para a rua. Materiais e instrumentos O presente trabalho foi realizado por meio da observação sistemática (descritivo-observacional), utilizando o material de abordagem o filme intitulado “A maçã” (1998), fazendo uma análise comparativa com as pesquisas sobre o tema de privação social. Procedimentos O filme foi assistido e analisado realizando anotações dos principais aspectos encontrados sobre a temática. Utilizando as consultas nos materiais bibliográficos pesquisados com teorias pertinentes ao tema escolhido. Algumas cenas e os diálogos foram escritos minuciosamente para contribuir com a discussão. Resultados Na primeira cena do filme mostra a mão de uma das meninas que despeja com muita dificuldade um copo de água num vaso de planta. Posteriormente o pai das gêmeas surge em um outro lugar, caminhando com e gelo e pedaços de pão nas mãos, gritando: “Salgado! Pão!”. Enquanto Massoumeh está debruçada sobra as grades do portão de sua casa. A próxima cena mostra alguém escrevendo em um abaixo-assinado: “Para o diretor do departamento de bem-estar. Nós informamos por meio desta, que em Valiasr, Teerã, na estrada para Saveh, a não... 10ª avenida de Sajadi, vive - ou sobrevive- uma família composta de um homem, uma mulher cega e duas meninas de 12 anos. As duas meninas nunca estiveram fora de casa. Até mesmo a porta lá de fora fica fechada. Elas não podem falar. Elas não tomam banho a nãos. Todos os vizinhos estão se queixando da situação, mas ninguém intervém. Assim, nós, como o abaixo-assinado, lh pedimos qu entre em ação urgente.” Após a finalização do escrito é feita com assinaturas e registros dos polegares, colocando uma maça sob o papel. Em seguida o pai das meninas e a assistente social estão caminhando na rua em direção a casa das gêmeas. Nesse momento a assistente questiona o pai: - Você tem muito para se manter vivo. Mas você tranca as suas crianças e sai! Aquilo não é certo, não? Se você quer ver seus filhos, eu o levarei. Suas pobres meninas são inocentes! - Senhora, faça o que puder para deixar a mãe delas a ver. – responde o pai. - Certo, primeiro me deixe ver a mãe delas. - Ela diz que machucarão seus filhos. - Eu farei o que eu puder. Nós não machucaremos as crianças. Abra a porta. Os vizinhos fizeram uma reclamação com o Departamento de Bem-Estar, assim entramos em ação. A assistente abre o portão da residência e prossegue: - Você não deixava os vizinhos leva-las aos banheiros públicos. Elas não foram lavadas há anos. Após a entrada do pai, o mesmo chama pelas meninas: - Zahra, Massoumeh, vêm aqui. - Nós podemos entrar? Vai você primeiro – afirma a assistente – essas crianças não têm nenhum contato com o mundo externo. Logo após as crianças aparecem do lado de fora, sentadas em um banco, com várias pessoas ao seu redor procurando uma maneira de entrevista-las com um gravador. Zahra faz alguns gestos com as mãos que pronuncia somente alguns resmungos. Também perguntam a Massoumeh o seu nome, que apresenta ter muita dificuldade para articular palavras. Depois, Zahra resmunga: “Mãe... mo...”. A assistente questiona: - Você quer ver sua mãe? O que você acha Massoumeh? Vocêquer ver sua mãe? - Pelo amor de Deus... – Refere-se o pai a assistente. - É por isso que nós fizemos isso! Elas têm um futuro, um papel na sociedade. Elas deveriam se casar. -Eu cuidarei delas em casa. Posteriormente mostra uma das vizinhas da família, dizendo ao entrevistador: - O fato é, elas são prisioneiras. Durante anos, elas têm vivido como prisioneiras. Mas aos prisioneiros são permitidos ar fresco. Mas a elas não são! O pai delas as tranca o dia todo. Há uma tentativa de conversar com uma das meninas: - Você quer ir para a escola? Perguntou o entrevistador a Zahra, que não responde. Num outro cenário, o pai ouve aos assistentes sociais: - Muitas crianças com pais cegos vão à escola. Até mesmo órfãos vão à escola. Como eles fizeram? - É o destino, é o destino. Responde o pai. - Você está cansado. Eu trarei um pouco de água para você. - Se o sol matutino não o esquenta, O Sol da noite não vem. -Resmunga o pai. Aparece então, Zahra, sem a burca, acompanhada de uma assistente que faz desenhos de formas geométricas num papel, para que Zahra faça da mesma forma, porém, a menina não consegue copiar as formas. Enquanto isso o pai continua: - Claro que, se elas tivessem estudado como as outras crianças, eu e a sociedade se beneficiariam. Mas isso é como é. - Você não as deixou estudarem. - É minha culpa, não estou dizendo que não é. Em uma outra cena, a mãe das gêmeas aparece acompanhada de um assistente, que lhe diz: - Nós iremos para casa, vamos ver as crianças primeiro. Você quer vê-las? A mãe então é acompanhada de dois assistentes sociais, um deles pergunta a ela: - Você quer levá-las para casa ou ficar com elas? Não se preocupe. Nos cuidaremos bem delas. A mãe entra numa sala, onde as meninas estão sob supervisão de duas assistentes. E pergunta a Zahra, passando as mãos cm seus cabelos e rosto: - Por que você não vem em casa? Onde está seu lenço de cabelo? - Nós tiramos para lavar o cabelo dela e limpá-la. Nós trocamos as roupas delas. Respondeu a assistente. - Eu não estou insultando ninguém. Traga um lenço e assim poderemos ir para casa. Me de minhas crianças! Eu prometo que as lavarei. - Diz a mãe, fazendo questão de vestir os lenços nas meninas. - Você promete? Então eu a deixarei levá-las. - Por que você tirou os lenços delas? - Para lavar e cortar o cabelo delas. - Venha. Vamos. Não chore... Venha, marido, vamos. Zahra, querida... vamos para casa. O pai dá um beijo no rosto de Zahra e Massoumeh, e diz: - Eles disseram para não fechar mais a porta, que temos que permitir saírem. Nesse momento, a mãe está de mãos dadas com as filhas, e Zahra está segurando uma maçã em uma de suas mãos. O pai acrescenta: - Você pode levar as crianças para casa, mas você não pode fechar a porta mais. Nós colocaremos um refrigerador, assim nós poderemos beber água fria. Nós ficaremos bem. Eu as levarei aos banheiros públicos. Eu pagarei para as ter limpas. Se nós fizermos isso tudo, nós poderemos mantê-las. Nós temos que mantê-las limpas, ou eles as tirarão novamente de nós. Todos os integrantes da família voltam para casa. Chegando lá, o pai as deixa trancadas mais uma vez, e sai em busca de água. Enquanto isso, as meninas correm para o portão, onde ficam escoradas nas grades, ouvindo o choro de um bebê na vizinhança. Depois de um tempo, Massoumeh e Zahra procuram, no fundo da sala, um recipiente com tinta preta e olham pela grade: "Flores". E em seguida, fazem desenhos parede usando as mãos como carimbo, fazendo uma mão em cima da outra. Ele coloca a água numa espécie de fogão, para fazer o arroz, enquanto a filha Zahra o observa. - Está vendo, minha menina, eu pus a caçarola no fogão. Me perdoe... se eu estou lhe ensino isto... tem quatro de nós. Para mim, você põe um copo cheio de arroz. Você despeja ele. Entendeu? Para a sua mãe, você não deve encher totalmente. Para você, deve encher até a metade, e para Massoumeh, a mesma coisa. Aqui tem um copo cheio. Isso é para mim. - Diz o pai, despejando um copo de arroz numa panela enquanto Zahra olha atentamente. - Veja agora. Quando você se casar, você terá que saber cozinhar. Então as pessoas não dirão que por causa da mãe cega, você nunca aprenderá nada. Então, me veja fazendo! Deus fez a mulher para ela se casar. Zahra faz alguns resmungos. Ele a pergunta: -O que é isso? -E continua: Deus fez a mulher para ela se casar, ela não deve ficar só. Eu não quero que as pessoas digam: "A mãe dela é cega, então ela nunca aprenderá nada". Está certo, não está, Zahra? A campainha toca, ele abre a porta. É uma das vizinhas que denunciaram os pais das meninas para o Bem-Estar. - Eu não quero vê-la. - Por quê? - Perguntou ela. -Porque você me caluniou. Isso é muito sério. Eu não a perdoarei. E nem Deus. O que você disse eram mentiras... que eu não deixava as minhas filhas saírem, que eu as trancava aqui dentro! Isso é difamação, a pessoa que disse isso está errada. - Mas todos sabem que durante onze anos, você prendeu suas crianças e não as alimentou corretamente. Todo mundo diz que você não cuidou delas. - Eu fui caluniado. No país todo, TV, na imprensa, é tudo o que eles falam. - Não é bom que o Bem-Estar veja como suas filhas estão? E bom para todos vocês. Eu não era a única para entrar em ação. - Todos estão me mostrando. - Mas você as trancou durante onze anos, não? - Eu persisti que ficassem em casa. Eu não estou dizendo que eu não fiz. Eu não as mandei a escola. Mas eu não trancava elas. É difamação. Por que eu estou sendo desonrado? - Ser trancado em casa e ser mantido em casa é a mesma coisa! - As pessoas dizem: "Ele estava na TV e nos jornais. Ele trancava as crianças casa!". - Mas elas foram trancadas. O resto não importa. - Não, é importante! Você me desonrou! Eu não trancava minhas crianças, e tudo mentira. - Não há diferença alguma entre trancar em casa e não ver o sol durante onze anos! Eu o pagarei para cuidar das crianças. - Não, até mesmo se você me desse um milhão, eu não faria isso. Eu não quero seu dinheiro. Eu não aceitarei isso por causa de todas as mentiras. - Reze para as minhas crianças - Eu quero dizer... os jornais escreveram que eu trancava minhas crianças...dizia o pai, chorando. - Não chore. -Por que eu teria feito isso? A mãe delas é cega. Ela fechava a porta, assim elas não saiam para fora. Mas por que você me caluniou? Eu não a perdoarei, e nem Deus. Estou humilhado. Eu estou muito bravo. Neste calor, todos estão bebendo água, tem um ventilador, ou um ar condicionado. Mas eu não. Estou muito preocupado. Não precisam disso. Nem Deus nem o Profeta a perdoará. - Eu deixarei o dinheiro com você. Adeus. - Disse a vizinha, se retirando enquanto deixava o homem falando sozinho. Ele entra, se dirige até a porta, e fala com as meninas: - Massoumeh, minha querida, Zahra, minha querida.... Uma de vocês poderia lavar as roupas, a outra poderia pegar a vassoura e varrer o quintal. Caso contrário, o assistente social dirá que vocês não aprenderam nada, que você não lavou, que você está suja. Ela as levarão de volta e as manterão. Vão meninas, uma de vocês lava as roupas, a outra o quintal, eu vou fazer a refeição. Façam direito, meninas, cuidem das roupas. Zahra, lave as roupas. – Ordenou. A cena a seguir demonstra Zahra esfregando as roupas numa bacia com água e sabão enquanto Massoumeh varre o chão. Na sequência seu pai chama as meninas para a refeição. O pai serve as meninas, sentados numa toalha estendida no chão, e ele então começar a rezar: - "O Deus, eu estou cansado, cansado desta vida. Eu tive muito nesta vida terrestre. Me guie aos portões da morte, ó Deus, me livra de todas as minhas prisões. Na prisão do infortúnio eu fui enterrado. Ai, eu nunca entendi o que eu prejudiquei. Meu Deus, eu nunca reclamei sobre minha solidão. Pois isso sempre foi meu destino...". Na próxima cena, o pai sai de casa e deixa as meninas trancadas mais uma vez, e em seguida, as gêmeas vão até a grade e começam a fazer barulho com colheres. Apareceentão, a assistente social, que toca a campainha, mas não é atendida. Então ela procura uma escada na vizinhança para poder ver as meninas. - Oi, crianças. Como você está, Zahra? Disse a assistente da escada, em cima do muro. Então se dirige à outra vizinha que está observando as meninas por uma janela. - Olá senhora, como você está? - Por que você as deixou voltar? - Questionou a vizinha. - Elas devem ser educadas fora e pela família delas, também. O vizinho então desce pelo lado de dentro da casa, e abre o portão principal. A assistente entra. - Oi meninas. Como vocês estão? O que é isso? - Pergunta a assistente, pegando a colher da mão de Massoumeh. - Uma colher. Nesse momento, o pai das gêmeas retorna, com pão e o gelo. -Oi, como você está? - Cumprimentou a assistente. - Bem, obrigado. - Onde você estava? - Eu fui fazer compras. - Você prometeu não fechar as crianças mais. - Eu tive que fechar. - Você teve! - Bem, sim, senhora. - Não, você não tinha. - Eu cuido da casa e eu tenho que fazer as compras. A mãe delas não pode ir a lugar algum. Eu não posso deixar a minha família passar fome. Eu tenho que comprar pão e gelo. Eu comprei um pouco de gelo. Eu tenho pão quente em uma mão e gelo na outra. Que mais eu poderia fazer? - Deixe as crianças no quintal. -Peça ao vizinho para ficar de olho nelas. - Nós já falamos sobre isto, você prometeu. Suas meninas estão em casa. Você deveria tratá-las melhor. O pai responde: - Se eu não fecho a porta, os meninos pulam o muro. A bola deles cai no nosso quintal, e eles vêm atrás, assim, eles pulam o muro. Eu não posso deixar as meninas brincarem no quintal. Se qualquer um as tocasse, eu seria desonrado. - Você poderia fechar o portão da frente e pedir ao vizinho para dar uma olhada nelas. -Oh, a vizinha! Ela não se preocupa! Ela sabe que meu refrigerador está quebrado. -Ninguém traz gelo para mim, por meu refrigerador não funcionar. Eu tive... você vê... - Eu levarei chave. Você deveria entender como é ser privado das pessoas. Você verá como se sente. Interrompe a assistente, tirando a chave do bolso dele e se dirigindo ao portão onde as meninas estão trancadas. Nós discutimos isso, mas não foi nada bom. Saiam meninas, andem. Vão brincar na rua com as outras crianças. Vá brincar lá fora com eles. Isso foi o bastante, vocês deveriam sair por si só! O pai então entra na casa, e a assistente a tranca. - Então... nós veremos como você fica estando fechado aí dentro! - Soghra! Venha aqui. Ele chama pela sua esposa- Cuide das crianças antes que sejam atropeladas. - Me deixe ir vê-las. Diz a mãe para a assistente. - Filha de uma cadela! Elas passarão dificuldade. - Sem insultos agora. Indagou a assistente. - Por que você as deixou lá fora? - Se vocês não mudarem suas atitudes, eu não as deixarei ficarem. Eu as levarei embora. -Você as deixou lá fora. Enquanto isso, as meninas correm pela calçada da rua. Até que elas alcançam uma torneira, e começam a molhar o espelho que ganharam, enquanto se olham nele. - Zahra, Massoumeh, venham aqui. Diz a mãe, no portão de casa. A assistente responde a ela: - Elas não voltarão, eu não deixarei elas voltarem. Elas foram libertadas. - Ela disse que você não as deixará ficarem livres. Que você as tranca. - Diz o pai. - Soghra, eu já lhe falei. Eu quis levá-la em um médico. Você deveria sair e conversar com seus vizinhos! Esta não é uma vida! O pai então interfere novamente:- Peça a chave, assim então você pode pegar as meninas. Você não é boba, peça. - Não. A assistente recusou o pedido. - Eu não darei a você até que você prometa não tranca-las. Eu não abrirei esta porta. Você ficará aí. Se qualquer coisa acontecer será ruim! Mas melhor que a vida delas aqui. Nesse momento, as meninas retornam para casa, e seu pai diz a elas: - Eu não as tranquei, e eles voltaram. Até mesmo quando eu abro a porta para elas tomarem um pouco de ar, eles se prendem. - Você as ensinou. -Respondeu a assistente. - Não, são elas... - Você as ensinou a fazer isso. - A mãe delas é cega, não pode ir a nenhum lugar. - Isso é só uma desculpa. Voltem para fora crianças. Eu tenho muito tempo. Saiam e façam alguns amigos. - Disse a assistente às meninas, levando-as para fora novamente. Na cena seguinte, as meninas estão brincando na rua, quando a vista o menino que vende sorvete e vão de encontro com ele, Massoumeh pega o sorvete da caixa e começa a correr, para escapar do garoto. Zahra faz o mesmo, e depois começa a brincar com um animal que ela encontra na rua, e divide o sorvete com crianças que passam na rua. Massoumeh se depara com o garoto correndo atrás dela, pois ela não pagou pelo sorvete. A cena retoma na casa das meninas em que o pai está trancado, enquanto a assistente o observa pelo lado de fora, quando uma bola cai no quintal. - Eu não lhe falei? Eu tenho que fechar a porta, porque a bola dos meninos pula o muro. Eles tocam a campainha, ninguém responde, assim eles pulam o muro. Eu tenho que fechar a porta por causa das minhas meninas. Eu não sei o que eu faria se alguma coisa acontecesse a elas. Afirmava o pai. Nesse exato momento, tocou-se a campainha, os meninos escalaram o portão e pediram a bola, a assistente devolve a bola e volta para perto do pai. - O problema é que elas são meninas. Se fossem meninos, eles sairiam com você. Eles jogariam futebol lá fora. Eles até mesmo pulariam muro. - Você conhece o "Conselho a Pais"? - Não. - Sabe o que diz sobre as meninas? -Dizia ele, tirando um livro do bolso e entregando para a assistente - Aqui, leia o que ele diz sobre as meninas. Diz "Uma menina é como uma flor. Se o sol bater nela, ela enfraquecerá. " O olhar de um homem é como o sol e uma menina é como uma flor. E como pôr algodão próximo a um fogo: será consumido. - Você foi para a escola? - Era um método antigo. Eu estudei durante quatro invernos. - Em qual escola? - Foi na casa de um amigo... Era o método antigo. Não havia escola naquele tempo. - Qual é o seu trabalho? - Eu não tenho trabalho. As pessoas me dão dinheiro, amigos, e outros me dão arroz e óleo... Em retorno, eu rezo para Deus perdoar os pecados deles. Na cena seguinte, as meninas estão na rua, andando atrás de um brinquedo deparam com uma maça amarrada por uma sendo arrastado por um menino, até que se linha que fica pendurada num cabo de madeira, segurado por um menino sentado numa janela, desafiando-as a conseguirem alcançar a maça. Depois o menino sai da janela e ai para a rua. Dizendo para as meninas: -Se vocês quiserem uma maçã, me sigam. Então Zahra e Massoumeh o seguem. Na cena seguinte, na casa das meninas, a assistente sai na vizinhança à procura de um serrote. A assistente então retorna para a casa e se dirige ao pai: - Onde você está? - Eu estou aqui. Respondendo ele, aparecendo no portão - Venha aqui um minuto... olhe, eu tenho que ir. Eu tenho outras crianças para ver. Eu te darei esta segueta. Você pode precisar sair. Está trancado, então aqui está a serra. Ou você serra as barras, ou você quebra a fechadura. - Serrar as barras? Mas... Senhora! - Você tem que fazer isso. Vai vir alguém do Bem-Estar. Se a porta não estiver aberta, eles levarão as crianças. - Eu realmente tenho que fazer? - Sim. Se você não serrar as barras, nós levaremos suas crianças. O pai então começa a serrar as barras da grade, enquanto sua esposa reclama, pedindo para que ele parasse. As meninas retornam e pedem dinheiro ao pai para comprar maças e vão brincar no parque com algumas meninas da mesma idade, tendo bastante dificuldade de comunicação com as outras crianças. Massoumeh acerta a menina com uma maçã. A menina disse:- Você me bateu? Sara, eu não quero mais jogar com elas. - Desculpe. -Disse Massoumeh. - Eu a perdoo. Tudo bem, vamos jogar. As meninas voltam a brincar e Massoumeh acerta a cabeça da menina com a maça denovo. - Sara, não vamos jogar com elas. Massoumeh tenta dar a maçã para a menina, e ela diz a Massoumeh: - Você me bateu, e quer me dar uma maçã? Eu quiste ensinar a jogar. - Coma. - Diz Massoumeh colocando a maça na mão da menina. - Obrigada. -Agradeceu a menina, dando um beijo no rosto de Massoumeh. Nas cenas que se sucedem, as meninas brincam com as gêmeas, comem maças juntas e vão aos brinquedos do parque (balanço, escalador). Depois, meninas começam a manter uma longa conversa com Zahra e Massoumeh apesar delas não corresponderem da mesma forma. Logo após as meninas procuram relógios para comprar, o vendedor pede que retornem com os pais. As meninas voltam para casa para buscar seu pai que até então não tinha serrado o portão, a assistente entrega a chave para Zahra pergunta se a menina consegue abrir a porta. Zahra e Masoumeh tentam abrir o portão. Após várias tentativas, elas conseguem abrir. Uma delas diz ao seu pai: -Venha e nos compre um relógio. - Soghra! Nós estamos saindo. Eu e as meninas. Cuide da casa. A porta está aberta. Todos se retiram da casa, enquanto a mãe permanece em casa chamando pelas meninas e pelo marido: - Zahra! Venha... venha, vamos. Zahra... venha comer. Zahra, querida, vamos. Zahra, querida. Onde você foi? Zahra querida, Massoumeh, querida? A mulher se dirige ao portão, ainda procurando pelas filhas. - Zahra, não vá. Zahra, fique aqui. Onde você foi? Meu marido, me ajude, ela disse que levaria as crianças de mim. Eu estou assustada, marido. Me ajude a ter minhas meninas. Pegue-as pelo braço e as tragam de volta. Soghra sai de casa, e caminha até se encontrar com uma maça pendurada em uma linha, que toca em seu chador: -Deixe meu chador em paz. Me deixe só. -Ela então permanece ali, resmungando e chamando por Zahra e Massoumeh. A cena final do filme é marcada com a mãe pegando a maçã. Análise e discussão dos dados O ambiente é um fator necessário para o desenvolvimento do indivíduo, define muitos pontos cognitivos, intelectuais, motores e sociais. É muito importante que exista estímulos capazes de proporcionar o aprendizado e adaptação dos comportamentos dentro da sociedade. A interação nula com o âmbito externo resultou na falta de estímulos para o desenvolvimento das meninas, fazendo com que elas apresentassem atitudes não condizentes com a sua idade. As meninas agiam de forma instintiva e possuíam uma comunicação limitada, apenas balbuciavam e eram analfabetas. Zahra e Massoumeh possuíam dificuldades para andar e pronunciar palavras, ao observar as cenas do filme é possível notar os movimentos desajeitados, lentos, pesados e rígidos. A movimentação do corpo acontece como se estivesse bloqueado devido a clara rigidez muscular, apresentando atrasos na motricidade e problemas com o equilíbrio. Também é possível notar lapsos na organização espaço-temporal devido aos anos trancafiadas dentro de um ambiente fechado, pequeno e pouco iluminado. Nesse contexto é importante ressaltar que embora os pais não estivessem mal intencionados, eles estavam fortemente embasados num conjunto de dogmas religiosos e passavam também por uma grande dificuldade financeira, nesses onze a família representou um fator de risco no amadurecimento das irmãs pois as privaram da interação com a sociedade e de condições necessárias para um crescimento saudável. Na primeira infância os principais vínculos, bem como os cuidados e estímulos necessários ao crescimento e desenvolvimento, são fornecidos pela família. A qualidade do cuidado, nos aspectos físico e afetivo-social, decorre de condições estáveis de vida, tanto socioeconômicas quanto psicossociais. (ANDRADE, 2005, p.607) As irmãs foram deixadas em más condições de higiene, é possível notar na cena em que a assistente social menciona o fato de que elas não frequentavam banheiros públicos a anos e não recebiam alimentação adequada. A falta de incentivo fez com que as meninas não tivessem condições de desenvolver suas habilidades físicas e de linguagem, tendo muita dificuldade para correr, pular, fazer atividades como desenhar, pintar e praticar tarefas cotidianas. No início do filme nota-se um dos prejuízos provocados pela privação enfrentada pelas meninas no seu desenvolvimento motor, quando uma das gêmeas apresenta dificuldade para regar uma planta. A mão pende para vários lados e chacoalha bastante, na cena é perceptível que a água cai boa parte para fora do pote. O departamento de bem-estar é comunicado para tomar as devidas providencias para possibilitar o contato das meninas com o ambiente externo que lhe fora negado. Porém quando tentam uma interação com outras meninas da mesma faixa etária, Zahra e Massoumeh apresentam grandes dificuldades na linguagem, brincadeiras e execução de exercícios. A família pode ser apontada como principal responsável pelo processo de socialização na infância, através dela a criança adquire comportamentos, habilidades e valores adequados e esperados pela própria cultura. Nesse contexto é importante ressaltar que quando a assistente social conversa com o pai das gêmeas, ele utiliza uma passagem de um texto religioso para justificar a prisão domiciliar das filhas. Nessa passagem, as jovens são como pétalas que secam ao serem expostas ao sol, apoiando-se nesse "método antigo" e no fato da mãe não poder enxergar. Os pais mantiveram as meninas sob grades fechadas impedindo que elas tivessem acesso à sociedade, sendo totalmente privadas do ambiente externo pelo medo do pai em ser desonrado. As meninas aprendiam apenas atividades como lavar as roupas, cozinha e varrer o quintal pois segundo sua família somente isso seria o essencial para sua vida matrimonial. A assistente social tranca o pai das meninas para que ele sinta como é estar preso, a mesma liberta as meninas para desenvolver suas primeiras interações com o mundo externo. Elas começam a aprender o valor de troca que o dinheiro possui na sociedade, as irmãs não entendem por que não podem ter o picolé e decidem pegar e sair correndo. Da mesma forma, quando as duas seguem um menino até um mercado para comprar maças, inicialmente não sabem que precisam pagar por elas, depois voltam com o dinheiro dado pelo seu pai e compram as maças sozinhas. Ao decorrer do filme o pai das personagens abandona alguns de seus preceitos religiosos, devido às pressões da assistente social e começa a estabelecer novas interações com as filhas, inclusive, levando-as ao vendedor ambulante para comprar um relógio. Já Soghra, a mãe das meninas aparenta não mudar de atitude, embora apareça poucas vezes no filme. Na última cena a mãe aparece saindo de casa para procurar por seu marido e suas filhas, sendo alvo da brincadeira de um menino que balança uma maça por uma corda. O filme termina no exato momento em que ela consegue pegar a maça que simbolicamente poderia representar a liberdade de suas filhas. COMPORTAMENTOS: ANÁLISES: Regar as plantas Apresentam dificuldade para manusear o caneco, a mão chacoalha bastante e só um pouco de água cai no vaso. Reação a entrevista A comunicação é restrita e bastante dificultosa, as meninas não conseguem formular frases para responderem os questionamentos e fazem alguns gestos juntamente com resmungos. Tentativa de fazer fórmulas geométricas Não conseguem desenhar o triângulo da mesma forma que a assistente, falta habilidade com a coordenação motora fina. Reconhecem as flores Conseguem identificar as flores, fazem desenhos com as mãos como carimbos tentando simbolizar as plantas. Olhar-se no espelho Uma possível distorção da própria imagem corporal. Pegar o picolé Ainda não entendem o contexto do valor de troca presente na sociedade, tentam conseguir o picolé e sair correndo sem pagar. Apresentam inaptidão para compreender as convenções sociais, como compra, venda e dinheiro. Comprar maçãs O menino ensina a maneira adequada de se obter as frutas, as gêmeas retornam ao lar e pedem dinheiro ao seu pai. Posteriormente voltam a loja e compram as maças, aprendem a maneira correta de adquirir o produto e podem compra-lo. Brincar com outras crianças As irmãs apresentam embaraço para interagircom as outras crianças da mesma idade, possuindo muita dificuldade em comunicar-se e participar das brincadeiras. Os outros personagens tentam interagir e conversar com Zahra e Massoumeh embora elas não consigam responder da mesma forma. Bater em uma menina com uma maça Devido à falta de estímulos e limitação com o ambiente externo, as gêmeas não conseguiam se comportar de maneira apropriada. Massoumeh acerta a maçã na cabeça da menina com intenção de fazer com que ela coma a fruta. Zahra e Massoumeh tentam abrir o portão A assistente social pede para as meninas abrirem o portão após trancar o pai delas dentro de casa. É necessário muito empenho e somente com muita dificuldade a fechadura é aberta, as gêmeas não possuem habilidades com as mãos e sofrem de problemas motores. Comprar o relógio Mais uma vez as meninas retornam para conseguir dinheiro com o pai. Elas não tentam pegar o objeto que desejam e sair correndo, é possível identificar que aprenderam a adquirir os produtos da maneira adequada, ou seja, comprando. Conclusão Com os materiais analisados, conclui-se que as gêmeas Zahra e Massoumeh devido aos onze anos de privação social sem contato algum com o âmbito externo, pessoas, escola, tiveram inúmeros prejuízos e atrasos em vários aspectos de seu desenvolvimento social, físico, cognitivo e motor. As meninas foram mantidas trancadas durante toda a vida e não tiveram contato com outras crianças para que pudessem trocar experiências que contribuíssem com o aprendizado, dessa forma cresceram com dificuldades. A situação vivenciada pela família estava atrelada a preceitos religiosos e culturais por parte dos pais e as condições socioeconômicas que se encontravam. Apesar dos graves prejuízos já ocorridos e as dificuldades apresentadas, é possível notar que com o auxílio necessário do Departamento do Bem Estar, das pessoas e dos pais as meninas puderam iniciar o processo de socialização. Referências A MAÇA, (Doc.). Direção: Samira Makhmalbaf. Roteiro: Mohsen Makhmalbaf. Coleção Cult Filmes. Iră: 1998. 86 minutos. ANDRADE, Susanne Anjos et al. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Revista de saúde Pública, v. 39, n. 4, p. 606-611, 2005. DESSEN, Maria Auxiliadora; POLONIA, A. da C. 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