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ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO PARA O CUIDADO Lina Sant Anna Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer proteínas e aminoácidos. � Diferenciar os aminoácidos essenciais e os não essenciais. � Identificar as principais diferenças entre as proteínas de alto e baixo valor biológico. Introdução A palavra proteína em grego significa em primeiro lugar, ou seja, ela é essencial na estrutura e na manutenção de todos os seres vivos, portanto, sem elas a vida não existiria. As proteínas têm várias funções no corpo. Elas podem desempenhar sua função como enzimas, hormônios ou na coagulação sanguínea, enquanto outras têm papel na imunidade, no transporte de substâncias e também na regulação hídrica. Existem milhões de proteínas diferentes e elas estão presentes nas plantas e nos animais, sendo que todas são construídas a partir dos ami- noácidos. É a sequência e o número de aminoácidos contidos em uma proteína que irá determinar a sua natureza, havendo mais de 3 milhões de maneiras de organizar os aminoácidos, ou seja, a variedade de proteínas que existe é muito maior do que a de carboidratos e gorduras. As proteínas estão presentes em vários alimentos de origem animal ou vegetal. Sua necessidade, de acordo com a Food and Nutrition Board (2005), é de 0,8 g/kg/dia para adultos saudáveis. Nos países desenvolvidos, o consumo de proteína é mais do que necessário para manter a saúde, e a sua ingestão é proveniente, principalmente, de alimentos de origem ani- mal. Já nos países em desenvolvimento, a dieta pode carecer de proteínas e causar uma condição chamada de desnutrição energético-proteica. Neste capítulo, você vai reconhecer proteínas e os aminoácidos, di- ferenciar os aminoácidos essenciais dos não essenciais e identificar as principais diferenças entre as proteínas de alto e baixo valor biológico. Proteínas e aminoácidos As proteínas são macromoléculas orgânicas formadas pelo encadeamento de aminoácidos por intermédio das ligações peptídicas. Elas contêm carbono, hidro- gênio e oxigênio em sua composição, assim como os carboidratos e os lipídeos, porém, as proteínas são os únicos macronutrientes que também contêm nitrogênio. Milhares de substâncias no corpo são feitas de proteínas. Com exceção da água, as proteínas formam a maior parte do tecido corporal magro, totalizando cerca de 17% do peso corporal. De acordo com o número de aminoácidos, as proteínas podem ser clas- sificadas em: � dipeptídeo: formado por dois aminoácidos; � tripeptídeo: formado por três aminoácidos; � oligopeptídeo: uma molécula formada por pouca quantidade de aminoácidos; � polipeptídeo: uma molécula formada por muitos aminoácidos. As proteínas podem ser classificadas em exógenas, quando são provenien- tes da dieta, e endógenas, quando são provenientes do próprio metabolismo, conforme descrição a seguir: � Proteínas exógenas: após a ingestão, essas proteínas servem como fontes de aminoácidos e são fontes primárias de nitrogênio. Elas são provenientes de alimentos de origem animal (carne, aves, peixes e laticínios, com exceção da manteiga e da nata) e dos alimentos de origem vegetal (leguminosas, cereais, oleaginosas, vegetais e frutas). � Proteínas endógenas: essas proteínas representam outra fonte de aminoáci- dos e nitrogênio e se misturam às fontes exógenas de nitrogênio. As proteínas endógenas incluem as células da mucosa descamadas (geram cerca de 50 g de proteínas por dia), as enzimas digestivas e as glicoproteínas (geram cerca de 17 g de proteínas por dia). A maioria dessas proteínas endógenas, que perfaz um total de 70 g ou mais por dia, é digerida e fornece aminoácidos disponíveis para absorção (GROPPER; SMITH; GROFF, 2012). Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos2 Conheça um pouco mais das proteínas exógenas nos alimentos no Quadro 1. Fonte: Adaptado de Damodaran, Parkin e Fennema (2010). Alimento Proteína Carnes (boi, peixe, porco, aves, etc.) Actina, miosina, colágeno Leite e derivados Caseína, lactoalbumina, lactoglobulina Ovo Ovoalbumina, conalbumina, ovomucina, avidina Trigo Gliadina, glutelina Quadro 1. Alimentos e suas respectivas proteínas Os aminoácidos são compostos originados da ligação peptídica do carbono central entre um grupo funcional, um grupo amino e um grupo carboxílico, por isso o nome de aminoácido. A proteína corporal é composta por 20 aminoáci- dos, cada um com destinos metabólicos diferentes. Quando os aminoácidos são liberados depois da digestão das proteínas, o corpo irá decidir entre oxidá-los para formar energia, incorporá-los a outras proteínas ou usá-los na formação de outros compostos que contêm nitrogênio. Na Figura 1, está apresentada a estrutura de um aminoácido. Figura 1. Estrutura geral dos aminoácidos. O aminoácido é uma molécula ligada ao mesmo átomo de carbono (denominado carbono a), um átomo de hidrogênio, um grupo amina, um grupo carboxílico e uma cadeia lateral R característica para cada aminoácido. Fonte: Francisco Júnior e Francisco (2006, documento on-line). H C C OH H2N O Rcarbono α 3Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Funções das proteínas As proteínas estão envolvidas em várias funções para garantir que o corpo cresça e se desenvolva por intermédio do reparo e da troca de tecidos. Às vezes, a função das proteínas é de facilitar ou regular, como no caso da função enzimática ou como reguladora hídrica, outras vezes é de se tornar parte de uma estrutura, como no caso dos hormônios, portanto, podemos dizer que a versatilidade é uma das principais características das proteínas. As proteínas formam os blocos de construção dos músculos, do sangue e da pele e isso ocorre desde o momento da concepção. As enzimas também são necessárias para a substituição. A expectativa de vida de uma célula da pele é de cerca de 30 dias apenas. Conforme as células velhas da pele são liberadas, células novas feitas, principalmente, de proteínas crescem por baixo delas para compensar a perda. As células presentes nas camadas mais profundas da pele sintetizam novas proteínas para os cabelos e as unhas. Em resposta a exercícios físicos, as células musculares produzem novas proteínas, crescendo mais fortes e maiores. Células do trato gastrintestinal são substituídas a cada três dias. Tanto dentro quanto fora, o corpo continuamente deposita proteína em células novas, que substituem aquelas que foram perdidas (WHITNEY; ROLFES, 2008). Estrutural A proteína é um componente-chave da estrutura do corpo. Cada célula con- tém proteínas como parte da membrana celular. Músculos, ossos, tecidos conjuntivos, células sanguíneas, glândulas e órgãos contêm proteínas. As proteínas são sintetizadas durante o crescimento, sendo reparadas, mantidas e substituídas durante a vida. A proteína mais abundante do corpo é o colágeno, que corresponde a 60% do peso total do corpo. Essa proteína faz parte do tecido ósseo e dos tendões, dos ligamentos, da cartilagem, da pele e dos músculos. Outra proteína estrutural é a queratina, que está presente no cabelo, na pele e nas unhas. A ação da contração muscular ocorre pelas proteínas actina e miosina. Enzimática Quase todas as enzimas são proteínas e, portanto, facilitam a maioria das reações químicas que ocorrem no organismo, incluindo a quebra dos nutrientes Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos4 e a regulação da produção de energia nas células. Elas não apenas quebram as substâncias, mas também as constroem (p.ex., ossos) e transformam uma substância em outra (aminoácidos em glicose, p.ex.). As enzimas são essenciais para a vida normal, pois catalisam as reações com mais rapidez e eficácia, além de serem específicas e utilizadas apenas para o substrato que precisa ser quebrado, como se fosse um sistema de chave e fechadura, sendo que o substrato é a chave e a enzima é a fechadura. Na Figura2, está um exemplo de sistema chave-fechadura. Figura 2. Exemplo de sistema chave-fechadura. Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com. Substratos (sacarose) Enzima Enzima Complexo enzima-substrato frutose Produtos glicose Na intolerância à lactose, o corpo não produz, em quantidade suficiente, a enzima lactase, o que faz com que esse açúcar não seja quebrado, causando inchaço abdominal, flatulência e diarreia. Não há outra enzima que possa fazer o papel da lactase, portanto, é necessário ingeri-la na forma de cápsulas. 5Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Hormonal Alguns hormônios são compostos de aminoácidos. Os hormônios são produzidos nas glândulas endócrinas. Quando a glândula é estimulada, ocorre a liberação do hormônio. O hormônio então é transportado pelo sangue até a célula-alvo, que manda a mensagem para iniciar uma reação específica ou o processo celular. Os hormônios desempenham um papel fundamental na química do orga- nismo, transportando mensagens entre células e órgãos. Devido a isso, eles afetam as funções corporais, como a digestão e a absorção dos nutrientes, o crescimento dos órgãos e tecidos, o sono, o estresse e o humor, além de outras atividades do corpo. Quando estão em equilíbrio, os hormônios ajudam o corpo a se desen- volver, apesar disso, às vezes, os níveis hormonais são muito altos ou muito baixos. Os desequilíbrios hormonais podem ocorrer a qualquer momento, independentemente da idade, causando sérios problemas de saúde que exigem o controle frequente por parte do paciente. Como exemplo das funções hormonais, podemos citar os hormônios tireoidianos, que regulam a taxa metabólica, a insulina e o glucagon, que regulam os níveis de glicose no sangue, o paratormônio e a calcitonina, que controlam os níveis de cálcio no sangue, a secretina e a colecistocinina, que atuam no processo de digestão, e, por fim, a adrenalina que está relacionada ao estresse. Reguladora do equilíbrio hídrico e transporte Devido ao seu tamanho e à sua incapacidade de vazar através das paredes dos vasos sanguíneos, as proteínas no plasma sanguíneo exercem um efeito osmótico que detém os líquidos dentro da circulação. Isso evita o excesso de agregação de fluidos corporais nos espaços dos tecidos. Uma redução nos níveis das proteínas albumina e globulina causa edema como resultado da perda de fluido na circulação nos espaços teciduais. Algumas proteínas se movem nos líquidos corporais, carregando nutrientes e outras moléculas. A proteína hemoglobina carrega oxigênio dos pulmões Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos6 para as células e as lipoproteínas transportam lipídeos pelo corpo. Proteínas especiais de transporte carregam vitaminas e minerais (WHITNEY; ROLFES, 2008). Reguladora ácido-base As proteínas que têm cargas negativas em suas superfícies atraem íons hi- drogênio que têm cargas positivas. Ao aceitar e liberar os íons hidrogênio, as proteínas mantêm o equilíbrio ácido-base do sangue e dos líquidos corporais (WHITNEY; ROLFES, 2008). Defesa As proteínas também defendem o corpo contra as doenças. O sistema imunoló- gico, que é dependente de enzimas e anticorpos — proteínas de defesa — ataca e destrói os agentes agressores. O anticorpo se combina, quimicamente, com o antígeno para neutralizar seu efeito. A reação antígeno-anticorpo é altamente específica, o que significa que um determinado anticorpo neutraliza apenas o antígeno responsável pela sua formação. Outra função de defesa é das fibras de colágeno da pele, que agem como uma barreira contra substâncias perigosas. Energética As proteínas são utilizadas como fonte de energia, sendo que cada grama de proteína fornece 4 kcal. Se o consumo de carboidratos e gorduras é insuficiente, o corpo utilizará mais aminoácidos para produzir energia, o que irá compro- meter a síntese de novas proteínas, utilizando também a proteína do músculo. No entanto, se o consumo de proteína for maior do que a pessoa necessita, os aminoácidos serão transformados em gordura e estocados no tecido adiposo. Cicatrização As proteínas estão envolvidas em muitos aspectos de coagulação e cicatrização. Quando a pessoa se corta, por exemplo, o sangue escorre e o fibrinogênio e as globulinas ajudam a manter as plaquetas que irão coagular o sangue. Após a coagulação do sangue, as fibras de colágeno ajudam a cicatrizar a ferida, formando uma cicatriz. 7Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Aminoácidos essenciais e não essenciais As proteínas são constituídas por aproximadamente 20 aminoácidos comuns. Os aminoácidos essenciais para os seres humanos são aqueles que o corpo não consegue produzir — que devem ser obtidos na dieta — e os aminoácidos não essenciais (alguns deles), em casos especiais, podem se tornar condicio- nalmente essenciais. Em um recém-nascido, por exemplo, somente cinco aminoácidos são ver- dadeiramente não essenciais, enquanto os demais aminoácidos não essenciais são condicionalmente essenciais até que sejam desenvolvidas vias metabólicas suficientes para produzi-los em quantidades adequadas (WHITNEY; ROLFES, 2008). Aminoácidos essenciais Precisam ser fornecidos por dieta, visto que não são sintetizados em quanti- dades suficientes por um organismo saudável. Aminoácidos não essenciais Podem ser sintetizados pelo organismo em quantidades adequadas para uma função normal, no entanto, se houver deficiência na ingestão de um deles, poderá ser sintetizado em nível celular a partir de aminoácidos essenciais ou de precursores contendo carbono e nitrogênio. No Quadro 2 estão apresentados os aminoácidos essenciais e os não essenciais. Aminoácidos essenciais Aminoácidos não essenciais Isoleucina Alanina Lisina Arginina Leucina Ácido aspártico Triptofano Asparagina Treonina Cisteína Quadro 2. Aminoácidos essenciais e não essenciais (Continua) Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos8 Fonte: Adaptado de Damodaran, Parkin e Fennema (2010). Quadro 2. Aminoácidos essenciais e não essenciais Aminoácidos essenciais Aminoácidos não essenciais Metionina Ácido glutâmico Fenilalanina Glutamina Valina Glicina Histidina* Prolina Serina Tirosina *A histidina também é geralmente aceita como essencial, especialmente para crianças e durante os períodos de crescimento rápido. (Continuação) Aminoácidos condicionalmente essenciais Às vezes, um aminoácido não essencial se torna essencial sob circunstâncias especiais. O corpo, por exemplo, em geral utiliza o aminoácido essencial fenilalanina para produzir tirosina (um aminoácido não essencial). No entanto, se a dieta não fornecer fenilalanina suficiente ou se, por algum motivo, o corpo não conseguir realizar a conversão (como acontece na doença hereditária fenil- cetonúria), então a tirosina se torna condicionalmente essencial (WHITNEY; ROLFES, 2008). Proteínas completas e proteínas incompletas As proteínas estão presentes em uma grande variedade de alimentos, mas diferem na sua qualidade. O perfil de aminoácidos em diferentes alimentos é um dos componentes da qualidade da proteína e esse perfil classifica as proteínas em completas ou incompletas. As proteínas completas contêm todos os aminoácidos essenciais suficien- tes para preencher as necessidades do organismo. Nessa classificação, estão presentes os alimentos de origem animal, como leite, ovos, peixe, frango, porco, boi e alguns alimentos, como soja. 9Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos As proteínas incompletas não têm todos os aminoácidos essenciais. Nessa classificação, estão presentes os alimentos de origem vegetal, como grãos, leguminosas, frutas e hortaliças. O consumo de uma dieta balanceada consegue fornecer todos os aminoá- cidos essenciais e não essenciais. Se não houver a ingestão suficiente de ami- noácidos essenciais, o organismo lutará para conservá-los e progressivamente irá diminuir a produção de novas proteínas até que, em certo momento, será necessáriodecompor as proteínas mais rapidamente do que o organismo con- segue. Quando isso ocorre, a saúde se deteriora (WARDLAW; SMITH, 2013). O aminoácido essencial em menor suprimento em um alimento ou na dieta em relação às necessidades do corpo se torna um aminoácido limitante, visto que limita a quantidade de proteína que o corpo consegue sintetizar. Podemos citar como exemplo o aminoácido limitante do arroz, que é a lisina, e o aminoácido limitante do feijão, que é a metionina. Os aminoácidos limitantes são os aminoácidos essenciais em menor concentração em um alimento ou na dieta em relação às necessidades nutricionais. Complementaridade dos aminoácidos Quando duas ou mais proteínas se combinam para compensar deficiências no conteúdo de aminoácidos essenciais em cada uma, elas são chamadas de proteínas complementares (WARDLAW; SMITH, 2013). Como já citado anteriormente, o escore químico de uma proteína vegetal é, com frequência, muito diferente das necessidades de um ser humano. A maioria dos alimentos vegetais tem aminoácidos considerados limitantes, portanto, as dietas com base em um único produto alimentar de origem vegetal não promovem o crescimento ótimo (MAHAN; ESCOTT-STUMP; RAYMOND, 2013). No Brasil, o prato tradicional que contém uma mistura de proteínas vegetais que compensa a falta dos aminoácidos essenciais é o arroz com feijão. Os aminoácidos deficientes no feijão são justamente os que estão presentes no arroz. A lisina é o aminoácido limitante no arroz, mas que está presente no feijão. Este, por sua vez, apresenta como aminoácido limitante a metionina, Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos10 que é abundante no arroz, daí a importância nutricional na formação proteica dessa combinação tipicamente brasileira. No entanto, para que essa mistura seja bem absorvida pelo organismo, deve-se ficar atento às quantidades dos alimentos, utilizando duas partes de arroz para uma parte de feijão, ou seja, duas colheres de sopa de arroz para uma colher de sopa de feijão para garantir a ingestão de todos os aminoácidos. Apesar dos benefícios desse prato tão tradicional no país, várias pesquisas revelam que a população brasileira está deixando de lado o hábito de consu- mir leguminosas e cereais nos últimos anos. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) para os anos de 2008 e 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL, 2011), o consumo médio diário desses alimentos, por pessoa, passou de 120 g (em 1996) para 107 g (em 2009). Apesar de não ser necessário consumir aminoácidos complementares na mesma refei- ção, eles devem ser consumidos dentro de 3 a 4 horas para garantir a melhor absorção. A maioria dos indivíduos, mesmo aqueles em rígida dieta vegetariana, não precisa de complementos em todas as refeições (MAHAN; ESCOTT-STUMP; RAYMOND, 2013). Digestão e absorção das proteínas Para serem utilizados, os aminoácidos provenientes das proteínas precisam ser digeridos e absorvidos. A digestão começa com o cozimento dos alimentos, o que desdobra (desnatura) as proteínas. Nas carnes, o cozimento também amacia o tecido conectivo firme e facilita a mastigação e a deglutição. O processo de digestão e absorção das proteínas ocorre da seguinte forma: � Estômago — A digestão enzimática das proteínas começa nesse órgão, pela ação da enzima pepsina. Essa enzima decompõe o polipeptídeo em cadeias menores de aminoácido e é liberada pelo hormônio gastrina. � Intestino delgado — As proteínas parcialmente digeridas e provenientes do estômago seguem ao intestino delgado, onde as enzimas tripsina pancreática e quimotripsina pancreática degradam as proteínas e os polipeptídeos em tripeptídeos e dipeptídeos. Já a enzima carboxipep- 11Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos tidase faz a degradação dos polipeptídeos em peptídeos mais simples e aminoácidos. A aminopeptidase degrada os polipeptídeos em peptídeos, dipeptídeos e aminoácidos. Por fim, a dipeptidase faz a degradação dos dipeptídeos em aminoácidos. As cadeias curtas de aminoácidos são levadas por transporte ativo para as células absortivas que revestem o intestino delgado. Os aminoácidos então se deslocam para o fígado, onde sofrerão diversas modificações, dependendo das necessidades do organismo, ou seja, os aminoácidos individuais podem ser usados como fonte de energia, liberados na circulação sanguínea ou conver- tidos em aminoácidos não essenciais, glicose ou gordura. Porém, se houver ingestão excessiva de proteínas, os aminoácidos serão convertidos em gordura (WARDLAW; SMITH, 2013). Proteínas de alto e baixo valor biológico Proteínas animais e vegetais podem diferir muito em termos de proporção de aminoácidos essenciais e não essenciais. As proteínas animais contêm grandes quantidades de todos os nove aminoácidos essenciais. Com exceção da proteína de soja, as proteínas vegetais não atendem às necessidades de aminoácidos essenciais tão precisamente quanto as proteínas animais. Muitas proteínas vegetais, especialmente as encontradas nos grãos, são pobres em um ou mais dos nove aminoácidos essenciais (WARDLAW; SMITH, 2013). Quando certas ligações peptídicas não são hidrolisadas no processo di- gestivo, parte da proteína é excretada nas fezes ou transformada em produtos do metabolismo pelos microrganismos do intestino grosso, portanto, além de terem aminoácidos essenciais, as proteínas também precisam ser bem absor- vidas pelo organismo. Esse conceito gera outra classificação de qualidade e se refere ao valor biológico das proteínas, que podem ser classificadas como de alto ou baixo valor biológico. As proteínas de alto valor biológico são aquelas que apresentam boa digestibilidade e quantidades adequadas de aminoácidos essenciais e de ni- trogênio total, as quais são representadas pelos alimentos de origem animal. Já as proteínas de baixo valor biológico são as que não são bem absorvidas pelo organismo e são representadas pelos alimentos de origem vegetal. Um dos motivos para a baixa absorção é a presença de fatores antinutricionais, como os inibidores de proteases (tripsina e quimotripsina), ácido fítico e taninos, os quais impedem a absorção eficaz dos aminoácidos. Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos12 Fontes animais de proteína, exceto a gelatina, são consideradas proteínas de alta qualidade (também denominadas completas), por conterem os nove aminoácidos essenciais de que precisamos e em quantidades suficientes. As fontes vegetais de proteína, com exceção da soja, são consideradas proteínas de baixo valor (também denominadas incompletas), pois têm aminoácidos limitantes em sua composição (WARDLAW; SMITH, 2013). A gelatina — feita de colágeno de proteína animal — é uma exceção dos aminoácidos essenciais, já que ela perde um aminoácido essencial durante o seu processamento e é pobre de outros (WARDLAW; SMITH, 2013). No Quadro 3 pode ser vista a quantidade de proteína em alguns alimentos. Fonte: Adaptado de Wardlaw (2013). Alimento Quantidade de proteína (g) 100 g de atum em lata 21,6 100 g de frango grelhado 21,3 100 g de bife bovino 16,3 1 copo de iogurte natural 10,6 ½ xícara de feijão 8,1 1 copo de leite semidesnatado 8,0 1 ovo 5,5 1 fatia de pão 7 grãos 2,6 1 banana 1,2 Quadro 3. Quantidade de proteína em alguns alimentos 13Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Balanço nitrogenado O termo balanço nitrogenado se refere à relação geral entre nitrogênio re- movido do ambiente pelo organismo e o nitrogênio devolvido ao ambiente. A ingestão consiste quase inteiramente em proteínas dietéticas, mas também fazem parte outros compostos nitrogenados, como ácidos nucleicos e creatina da carne. O nitrogênio pode ser eliminado do organismo por algumas vias: � Urina — excreção de 85 a 90% do nitrogênio na forma de ureia, amônia, creatinina e ácido úrico. � Fezes — excreção de 5 a 10% do nitrogênio. � Pele ou pelos e outras perdas — constituem o restanteda excreção de nitrogênio. Em condições patológicas, também pode haver perdas maciças de nitrogênio por vias incomuns (como a pele, por causa de queimaduras ou por hemorragias ou fístulas) (MANN; TRUSWELL, 2011). B = I – (U + F + outras) g de nitrogênio/dia Onde (MANN; TRUSWELL, 2011): B = balanço nitrogenado I = ingestão de nitrogênio U = nitrogênio urinário F = nitrogênio fecal Quando um indivíduo está em processo de crescimento ou em ganho de massa muscular e ingere uma quantidade suficiente de proteínas, diz-se que o corpo está em balanço nitrogenado positivo, ou seja, ele ingere mais pro- teínas do que excreta. Isso ocorre durante a lactância, a infância, a gravidez e o período de lactação, na recuperação de uma lesão ou doença e em uma pessoa que pratica musculação. O consumo de menor quantidade de proteína do que o necessário leva ao balanço nitrogenado negativo, ou seja, a pessoa excreta mais proteína do Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos14 que consome. Isso ocorre durante a velhice, em certas doenças, como febre, infecções e queimaduras, ou então quando a pessoa realiza uma dieta ou não consegue absorver as proteínas de modo adequado. O balanço nitrogenado equilibrado ocorre quando a quantidade de pro- teína necessária se iguala às perdas, ou seja, em um adulto saudável que consome calorias e proteínas de modo suficiente. Necessidades proteicas Os valores necessários de consumo de proteína são calculados com base em estudos de balanço nitrogenados que estimam a quantidade necessária para atingir o equilíbrio. A recomendação da quantidade de proteína, segundo a ingestão dietética de referência (DRI, do inglês dietary reference intake), é de 0,8 g/kg peso corporal/dia para adultos, devendo fornecer aproximadamente 15% das calorias totais para homens e mulheres. Alguns incrementos são incluídos para o crescimento em lactentes, crian- ças, gestante e nutrizes e adolescentes. As recomendações de proteína para os demais estágios de vida estão apresentadas no Quadro 4. Estágio de vida RDA* de proteína (g/kg peso corporal/dia) RDA de proteína (g/dia) 7 a 12 meses 1,20 11 1 a 3 anos 1,05 13 4 a 8 anos 0,95 19 9 a 13 anos 0,95 34 Adolescentes � Meninos de 14 a 18 anos � Meninas de 14 a 18 anos � 0,85 � 0,85 � 52 � 46 Adultos � Homem de 19 a 50 anos � Mulher de 19 a 50 anos � 0,80 � 0,80 � 56 � 46 *RDA, ingestão diária recomendada, do inglês recommended dietary allowances. Quadro 4. Recomendação de consumo de proteínas para diversas faixas etárias (Continua) 15Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Fonte: Adaptado de Food and Nutrition Board (2005). Quadro 4. Recomendação de consumo de proteínas para diversas faixas etárias Estágio de vida RDA* de proteína (g/kg peso corporal/dia) RDA de proteína (g/dia) Idosos � Homem > 51 anos � Mulheres > 51 anos � 0,80 � 0,80 � 56 � 46 Gravidez única 1,1 ou adicional de 25 g/dia Lactação 1,3 ou adicional de 25 g/dia *RDA, ingestão diária recomendada, do inglês recommended dietary allowances. (Continuação) Qual a necessidade de proteínas de um adulto que pesa 70 kg? Recomendação: 0,8 g/kg/dia 0,8 g x 70 kg = 56 g de proteínas por dia Cada grama de proteína fornece 4 kcal = 56 g x 4 kcal = 224 kcal Deficiência de proteínas A ingestão insuficiente de proteínas é um problema para muitas pessoas, especialmente para a população de países em desenvolvimento, visto que essas pessoas geralmente apresentam dietas pobres, tanto em energia quanto em proteínas. As crianças são mais propensas a sofrer desnutrição energético-proteica, um quadro complexo de desnutrição que possui tem características. Em geral, as duas formas principais são o kwashiorkor e o marasmo (descritas a seguir) (BARASI, 2003; WARDLAW; SMITH, 2013). Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos16 � Kwashiorkor: É um déficit proteico grave com déficit moderado de energia, sendo acompanhado por infecções e outras doenças. As carac- terísticas incluem edema, perda de peso leve à moderada, manutenção de parte de gordura subcutânea e pouco músculo, prejuízo de cresci- mento e fígado gorduroso. Essa desnutrição se desenvolve rapidamente. A palavra kwashiorkor significa doença que acomete o primogênito quando nasce o segundo filho. � Marasmo: Déficit energético-proteico grave. As características são perda de peso grave, perda de massa muscular e de gordura corporal (aparência de pele e osso) e grave prejuízo do crescimento. O marasmo se desenvolve de modo gradativo. A deficiência de proteínas pode afetar qualquer pessoa e em qualquer idade devido a doenças ou dietas pobres em proteínas, sendo frequentemente exa- cerbada com a inadequação do consumo energético. Como exemplo, podemos citar os idosos que não recebem dietas apropriadas nas instituições asilares, os pacientes com câncer, que excretam muita quantidade de proteína devido ao aumento do metabolismo causado pela própria doença, e a falta de consumo de alimentos pelo tratamento. Pessoas que realizam dietas restritivas para perda de peso também podem correr o risco de desenvolver uma deficiência. A deficiência de proteínas pode causar: � déficit de crescimento; � disfunção cardiovascular; � aumento de infecções; � perda de cabelo e descamação da pele; � anemia; � perda de massa magra. Uma descrição detalhada dos sintomas causados pela deficiência no con- sumo de proteína pode ser vista no Quadro 5. 17Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Fonte: Adaptado de Wu (2016). Função Sintomas Estrutural � Redução da síntese proteica e aumento da proteólise no músculo esquelético e outros tecidos � Falta de crescimento � Baixo desenvolvimento cognitivo � Perda de cabelo, unhas fracas, descamação da pele Transporte Redução da concentração de aminoácidos no plasma Hormonal Redução dos níveis de insulina, hormônio do crescimento e da tireoide Antioxidante Aumento do estresse oxidativo e envelhecimento precoce Imunológica Risco aumentado de infecções Absorção � Inadequação de absorção, transporte e armazenamento de nutrientes � Anemia � Perda de massa muscular � Fadiga Cardiovascular Hipertensão Balanço hídrico Retenção de líquido, edema periférico Neurotransmissores Transtornos emocionais, depressão, ansiedade, insônia *RDA, ingestão diária recomendada, do inglês recommended dietary allowances. Quadro 5. Sintomas da deficiência de proteínas em relação à sua função BARASI, M. E. Human nutrition: a health perspective. 2. ed. London: Hodder Arnold, 2003. 384 p. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Ge- ografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. 150 p. Disponível em: <https:// biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf>. Acesso em: 16 set. 2018. DAMODARAN, S.; PARKIN, K. L.; FENNEMA, O. R. Química de alimentos de Fennema. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. 900 p. Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos18 FOOD AND NUTRITION BOARD. Dietary references intakes: for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, protein and amino acids. Washington: Academy Press, 2005. 1331 p. Disponível em: <https://www.nal.usda.gov/sites/default/files/fnic_uploads/ energy_full_report.pdf>. Acesso em: 16 set. 2018. FRANCISCO JÚNIOR, W. E.; FRANCISCO, W. Proteínas: Hidrólise, Precipitação e um Tema para o Ensino de Química. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 24, nov. 2006. Dispo- nível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc24/ccd1.pdf>. Acesso em: 30 set. 2018. GROPPER, S. S.; SMITH, J. L.; GROFF, J. L. Nutrição avançada e metabolismo humano: tradução da 5. edição americana. São Paulo: Cengage Learning, 2012. 640 p. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dieto- terapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. 1228 p. MANN, J.; TRUSWELL, S. Nutrição humana. 3. ed. Riode Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 2 v. WARDLAW, G. M.; SMITH, A. M. Nutrição contemporânea. 8 ed. Porto Alegre: AMGH; Artmed, 2013. 768 p. WHITNEY, E., ROLFES, S. R. Nutrição: tradução da 10. edição norte-americana. São Paulo: Cengage Learning, 2008. 2 v. WU, G. Dietary protein intake and human health. Food & Function, London, v. 7, n. 3, p.1251-1265, Jul. 2016. Disponível em: <http://pubs.rsc.org/en/content/articlepdf/2016/ fo/c5fo01530h>. Acesso em: 30 set. 2018. Leitura recomendada DOVERA, T. M. D. S. Nutrição aplicada ao curso de enfermagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 232 p. 19Macro e micronutrientes: proteínas e aminoácidos Conteúdo: