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HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA Caroline Silveira Bauer Portugal no contexto das grandes navegações Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar a Revolução de Avis com o desenvolvimento mercantil de Portugal. Analisar a posição geográfica portuguesa e sua relação com o co- mércio marítimo. Descrever as principais expedições náuticas lideradas pelo governo português. Introdução Por sua indelével importância histórica e cultural, as relações intrínsecas entre Portugal, o mar Mediterrâneo, o Oceano Atlântico e além foram cantadas em verso e prosa por luminares como Camões e Fernando Pessoa. A busca por novas rotas comerciais e novos mercados foram os aspectos que motivaram a exploração marítima portuguesa desde o início da Era Moderna. Entretanto, muitos outros fatores estiveram envolvidos nas grandes navegações portuguesas. Neste capítulo, você vai estudar a Revolução de Avis e sua importância para o desenvolvimento mercantil de Portugal. Também verá de que forma a posição geográfica de Portugal contribuiu para um direciona- mento ao comércio marítimo. Por fim, conhecerá as navegações e as rotas traçadas pelos portugueses para África, Ásia e América. 1 A Revolução de Avis A história de Portugal como reino independente está diretamente relacio- nada às empreitadas de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica durante as Guerras de Reconquista. O primeiro rei português, Afonso I, assume em 1139, inaugurando a dinastia do Borgonha, que permanecerá no poder até a Revolução de Avis. Chamamos de Revolução de Avis (1383–1385) os confrontos resultantes da crise sucessória ocorrida em Portugal a partir de 1383. A morte de D. Fernando I, o último monarca da dinastia dos Borgonha, ocasionou um problema na sucessão, porque aquela que deveria assumir o cargo, além de não ser bem quista pela população, representava uma ameaça pela proximidade com a coroa de Castela. O casamento de Fernando I provocou descontentamento de parte do reino, pois escolheu como esposa Leonor Teles, em detrimento de vantajosos acordos de casamento com herdeiras dos reinos vizinhos. O casal não teve filhos homens; sua única filha, Beatriz, foi entregue em acordo de casamento ao rei D. João de Castela. Essa situação criou então a possibilidade do rei de Castela vir a se tornar rei de Portugal. Assim, D. Fernando procurou evitar essa possibilidade mediante certas determinações no acordo de casa- mento (COSER, 2015) Além disso, seu governo enfrentou grandes pressões, já que a “mudança na correlação de forças internas, os anseios dos homens bons das cidades, a insatisfação dos filhos segundos da nobreza, o peso das guerras e das pilhagens geravam conturbações sociais que se agravaram no reinado de D. Fernando, o último rei da dinastia de Borgonha” (COSER, 2015, p. 703). Assim, o problema sucessório da coroa transformou-se em uma revolta, que envolveu diferentes estratos da sociedade: A oposição à rainha intensificou-se em Portugal, em especial em Lisboa, onde iniciou-se o movimento que seria chamado de Revolução de Avis, quando, em dezembro de 1383 o conde Andeiro foi assassinado pelo grupo de D. João, o Mestre de Avis, filho bastardo do rei D. Pedro e meio-irmão de D. Fernando. O movimento iniciado em Lisboa contra a regente alastrou-se por várias regiões do reino e o Mestre de Avis assumiu a regência do reino. Neste meio tempo, o rei de Castela marchava para Portugal para reclamar seus direitos sobre o trono, que culminaria no cerco da cidade de Lisboa, no ano seguinte. A cidade resistiu à invasão e em 1385 D. João, o Mestre de Avis, foi escolhido o novo rei de Portugal nas Cortes de Coimbra. No mesmo ano, o rei de Castela invadiu mais uma vez Portugal e foi vencido em Aljubarrota, numa batalha que foi tida como milagre pelos portugueses (COSER, 2015, p. 705). O encerramento da crise se deu com a coroação de João, Mestre de Avis, como rei de Portugal, passando a se chamar D. João I, inaugurando a dinastia de Avis. D. João I (1357–1433) era filho bastardo do rei D. Pedro I, da dinastia de Borgonha, e sua aclamação como rei foi favorecida pelo “medo da ameaça Portugal no contexto das grandes navegações2 estrangeira do rei D. João de Castela, casado com D. Beatriz, filha do rei D. Fernando I e D. Leonor e a antipatia do povo português para com a viúva D. Leonor, casada com o rei D. Fernando I, irmão do Mestre de Avis” (BLANCO, 2016, p. 18). D. João I possuía apoio popular, suporte de grande parte do clero e de alguns nobres que almejavam maior prestígio. A Revolução de Avis teve consequências políticas e econômicas. Quanto ao primeiro aspecto, o evento marca a efetiva independência de Portugal em relação ao reino de Castela. “O discurso desenvolvido pela nova dinastia, para além da afirmação de sua legitimidade, objetivava promover o rei a um soberano de fato no reino português. E o rei como verdadeiro soberano seria o rei capaz de unir todos os segmentos sociais, justamente por sobrepor-se a eles, formando uma unidade reconhecível por todos, que viria a constituir a nação portuguesa” (COSER, 2015, p. 708). E qual a relação da Revolução de Avis com o mercantilismo português? Antes de respondermos essa pergunta, é importante destacarmos que Por- tugal estava inserida em importantes rotas comerciais dos países da Europa setentrional, que faziam escala nos portos de Lisboa e do Porto. A inserção desses portos nas rotas de navegação dos mercadores flamencos e italianos levou ao desenvolvimento da burguesia marítimo-comercial portuguesa, que encontrou na Revolução de Avis uma oportunidade de associar-se com a coroa para o desenvolvimento das grandes navegações. Parece haver um consenso na historiografia de que, com a dinastia dos Avis, temos o início da expansão marítima portuguesa (CONFORTO, 2003). Lembremos que esses acontecimentos ocorreram em meio às crises que atin- giram a Europa no século XIV, como a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos, que causaram prejuízos à agricultura em função da indisponibilidade de mão-de-obra. Ainda com esses reveses, Portugal foi capaz de desenvolver suas práticas comerciais, área com bastante proeminência desde a Idade Média, com o surgimento de uma burguesia comercial marítima. Esse estrato social surgiu em função da posição geográfica portuguesa, pois seus portos eram utilizados como escala para os mercadores do norte da Europa, quando viajavam para comerciar no Mar Mediterrâneo. De acordo com Conforto (2003, p. 250), “a entrada dos portos marítimos portugueses nas rotas de navegação levou [...] judeus, genoveses, marselheses, flamengos e outros a se estabelecerem definitivamente em terras portuguesas”. Esse grupo comercial mercantil viu-se ameaçado com a crise sucessória em Portugal e uma possível submissão do reino de Portugal a Castela, o que ocorreria caso a herdeira, Beatriz, assumisse a coroa. Essa ameaça levou a burguesia mercantil portuguesa a apoiar João, Mestre de Avis. 3Portugal no contexto das grandes navegações Conforme Conforto (2003, p. 250): A revolução de Avis entronizou um monarca sensível a interesses da burguesia comercial. [...] Foi sob o comando de D. João I que Portugal entrou na fase mer- cantilista e na epopeia das grandes navegações. A insuficiência portuguesa em metal circulante, em produtos agrícolas e em mão-de-obra, sua posição geográ- fica privilegiada, a tradição da escola de Sagres e os desejos de expansão da fé cristã são causas apontadas para o expansionismo português. A principal causa foi a existência de condições políticas e institucionais favoráveis à expansão. D. João I (1385–1433), o monarca que deu início a conquistas e descobrimentos sistemáticos além-mar intitulou-se “senhor de Ceuta”. Posteriormente, o rei Duarte (1433–1438) usou mesmo título. Em seguida, Afonso V (1438–1481) adotou o título de “rei de Portugal e dos Algarves daquém e dalém-mar em África”. João II (1477–1495)intitulou-se pela primeira vez “senhor de Guiné”. Por sua vez, D. Manuel (1495–1521) aumentou em muito as fardagens dos títulos: “Rei de Portugal e dos Algarves daquém e dalém-mar em África, senhor da Guiné, da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia” (COELHO, 1994, p. 12). Estudaremos, mais adiante, as principais rotas comerciais estabelecidas pelo expansionismo marítimo português. De momento, assinalamos que a conquista de Ceuta (1415) foi o marco inicial da expansão comercial pelos mares por Portugal, possibilitando o comércio de africanos escravizados, seda e outros produtos (CONFORTO, 2003). “Aparentemente o impulso é ainda o da Reconquista, mas as diferenças estão à vista. A conquista de Ceuta envolve a mobilização de uma frota europeia e, para lá do exército dos nobres, o entusiasmo de um exército dos concelhos, em particular do de Lisboa e do Porto e a participação, à sua custa, de alguns mercadores italianos e ingleses” (COELHO, 2000, p. 66). Assim, podemos afirmar que a Revolução de Avis impulsionou Portugal para o comércio marítimo, com benefícios para os diferentes extratos sociais, como veremos na próxima seção. 2 Portugal e o mar Achamento, conquista, descobrimento, colonialismo, evangelização, império... Diferentes termos foram utilizados para se referir ao processo de expansão Portugal no contexto das grandes navegações4 marítimo-comercial na África e na Ásia e à chegada de Portugal na América, além da exploração econômica dessas rotas e regiões. Independentemente das palavras utilizadas, algumas com maior precisão conceitual, outras empregadas pelos contemporâneos dos eventos, mares e oceanos tiveram fundamental importância na constituição do Império Português. Os registros da utilização marítima com finalidade econômica e de subsis- tência em Portugal são muito antigos. Lembremos da localização geográfica de Portugal, com seu litoral no Mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico. Os portos portugueses eram utilizados como parada para as embarcações provenientes do norte da Europa e que comerciavam com as cidades italianas, via Mar Mediterrâneo. Em relação ao contexto que estamos estudando, cabe destacar a data de 1340 como um marco, pois foi nesse ano que ocorreu a primeira empreitada dos portugueses no Oceano Atlântico. Juntamente com a coroa de Castela e principados italianos, aventuraram-se em direção ao sul, encontrando as Ilhas Canárias (COELHO, 2000). Após a Revolução de Avis, houve um aumento nas expansões marítimas e, paralelamente a esse processo, um incremento tecnológico, permitindo a conquista de territórios e o estabelecimento de rotas comerciais muito importantes. De acordo com Fausto (1995, p. 22), “embora alguns historiadores considerem a revolução de 1383 uma revolução burguesa, o fato importante está em que ela reforçou e centralizou o poder monárquico, a partir da política posta em prática pelo Mestre de Avis. Em torno dele, foram se reagrupando os vários setores sociais influentes da sociedade portuguesa: a nobreza, os comerciantes, a burocracia nascente”. Vejamos alguns dos aspectos do desenvolvimento tecnológico do período. Primeiramente, é preciso fazer referência ao aperfeiçoamento da arte de navegar, por meio da Escola de Sagres. De acordo com João (2005, p. 418): Apesar de todas as dúvidas dos especialistas, a ideia mais aceita e divulgada continua a apontar Sagres e o seu imponente Promontório como um local privilegiado para o controle da navegação entre o Mediterrâneo e o Atlântico, cuja importância tinha sido claramente percebida pelo Infante D. Henrique. Por isso, ali quis edificar a sua Vila para apoiar os navios que cruzavam a região. [...] Sagres se foi transformando num lugar mítico da memória. A sua ligação ao Infante D. Henrique e ao início dos descobrimentos portugueses tem muito de lendário. Mas a sua força impôs-se no imaginário e tornou-se um símbolo de uma época e de um povo. Sagres seria uma evidência da mudança de mentalidade, com a valorização da ciência e da experimentação, sem necessariamente o abandono da religião: “essa paixão naturalista da Renascença nos seus primeiros tempos, essa tenaz 5Portugal no contexto das grandes navegações curiosidade científica, diferia essencialmente do misticismo religioso da Idade Média, eivado de fantasias cabalísticas e da ingenuidade das mitogenias primitivas. O homem já preferia a ciência à imaginação: rejeitava as fábulas, e confiava tudo aos processos e aos meios positivos” (BLANCO, 2016, p. 22). Para desbravar o Oceano Atlântico, foram utilizadas as caravelas, que serviam para realizar a exploração, levar e trazer informações e até mesmo como navio de guerra. Coelho (2000, p. 62) afirma que “enquanto uma nau da carreira da Índia demorava cerca de 6 meses na viagem de ida, em 1516 a caravela de Diogo de Unhos gastou menos de 6 meses na ida e no regresso”. Além do revolucionário desenvolvimento da chamada caravela latina, em Sagres também foram aperfeiçoados instrumentos de navegação como o astrolábio, a balestilha, a bússola, o quadrante e o sextante. Dessa forma, deu-se nessa época e local uma série de aprimoramentos na cartografia e nos cálculos de distâncias e grandezas, como a medida da circunferência da Terra em léguas. Com a caravela latina e com esses melhoramentos tecnológicos, Portugal se transformou no primeiro país europeu a maximizar o potencial do sistema de ventos e correntes marítimas equatoriais (RUSSEL-WOOD, 2001). A partir dessa vocação marítima, Portugal estabeleceu seu Império Atlân- tico, que englobava possessões na África continental e arquipélagos atlânticos. Foram desenvolvidas não somente rotas entre Portugal e África e Portugal e América, mas também um comércio triangular (Europa–África–América) e, posteriormente, bilateral, envolvendo diretamente comerciantes da América Portuguesa com comerciantes de Angola, São Tomé, Príncipe, Cabo Verde, Açores e Madeira (RUSSEL-WOOD, 2001). Esse fato ocasionou um forta- lecimento dos portos de Salvador e do Rio de Janeiro, que, segundo Russel- -Wood (2001, p. 12), tiveram “uma próspera área portuária, testemunho da sua importância como empórios, tanto para a cabotagem como para o comércio oceânico, e cada uma podia contar com a presença de fortes fortins, baluartes e redutos em volta das respectivas baías e áreas contíguas”. Podemos afirmar, dessa forma, que a expansão marítimo-comercial por- tuguesa correspondia aos vários interesses das diferentes classes sociais e instituições. Para os comerciantes, significava uma possibilidade de bons Portugal no contexto das grandes navegações6 negócios; para o rei, novas receitas e aumento dos rendimentos da coroa; para os nobres e membros da Igreja, novos convertidos e recompensas com cargos mediante a prática das mercês; e para o povo, uma possibilidade de vida nova. 3 As navegações portuguesas As navegações portuguesas, portanto, inserem-se em uma conjuntura não somente de busca por novas rotas marítimas a novos mercados e busca de solução para os problemas enfrentados por Portugal no século XV (crise econômica, declínio populacional), mas também de mudança de mentalidade, com maior disposição para a aventura e para o novo. Portugal procura, dessa forma, incrementar o comércio com a África, fornecedora de escravizados e metais preciosos, e com a Ásia, que fornecia especiarias, pedrarias e seda. Para o financiamento da expansão ultramarina, Portugal utilizou recursos provenientes da cobrança de impostos, de empréstimos e de fundos acumula- dos pela Ordem de Cristo. “Estado Pobre, desde o início Portugal recorreu a investidores estrangeiros, entre os quais estavam incluídos muitos florentinos, e aos empréstimos internos obtidos junto a judeus portugueses, que eram pagos pela Coroa quase sempre em espécie” (RAMOS, 1997, p. 75). Você pode encontrar mais informações sobre as navegações portuguesas visitando a página disponível no link a seguir, preparada peloInstituto Camões, de Portugal. https://qrgo.page.link/68dXw Como dito anteriormente, a expansão marítima e comercial portuguesa teve como marco inaugural a conquista de Ceuta em 1415. Vejamos os principais marcos do expansionismo português: 1419 — chegada à Ilha da Madeira; 1427 — reconhecimento do Arquipélago dos Açores; 1434 — ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes; 7Portugal no contexto das grandes navegações 1488 — ultrapassagem do extremo-sul da África, o Cabo das Tormentas, chamado posteriormente de Cabo da Boa Esperança; 1498 — chegada em Calicute, nas Índias, por Vasco da Gama; 1500 — chegada de Pedro Álvares Cabral no território americano. Agora vejamos no mapa ilustrado na Figura 1 como os diferentes continentes foram sendo paulatinamente alcançados por Portugal. Figura 1. A expansão portuguesa pela África, Ásia e América. Fonte: Wikimedia Commons contributors (2014, documento on-line). A partir desses dados, podemos afirmar que em menos de um século Por- tugal dominou as rotas comerciais do Atlântico Sul, incluindo África, América e Ásia. Na África, os portugueses estabeleceram feitorias (postos fortificados de comércio) para negociação de escravizados, especiarias, marfim e ouro. Na América Portuguesa, as primeiras práticas comerciais foram extrativistas, vinculadas à exploração do pau-brasil. Com a chegada de Cristóvão Colombo à América, financiado pelo governo espanhol, as disputas entre Portugal e Espanha pelo domínio do Atlântico tornaram-se mais acirradas, levando os dois países a assinarem tratados de partilhas. Bula Intercoetera: tratado assinado pelo papa Alexandre VI, em 1493, que dividiu o Oceano Atlântico entre Espanha e Portugal, privilegiando o primeiro. Portugal no contexto das grandes navegações8 Tratado de Tordesilhas: assinado em 1494, novamente com o intermé- dio papal, estipulava um novo limite para as possessões espanholas e portuguesas, permitindo que Portugal mantivesse suas rotas marítimas no Atlântico Sul. Os conflitos com a Espanha e com outros países não foram as únicas difi- culdades enfrentadas por Portugal, já que as navegações de longa distância em si impunham árduos desafios de logística. Ramos (1997, p 76) afirma que um dos principais obstáculos enfrentados nessas façanhas relacionava-se à alimen- tação. “A escassez de alimentos em Portugal terminava refletindo-se a bordo das embarcações portuguesas, geralmente abastecidas para enfrentarem cinco meses de viagem em alto mar, quando na verdade a viagem levava no mínimo sete meses. Além do que, os alimentos acabavam se deteriorando ao longo da viagem devido ao tempo e às condições de armazenamento precárias, sendo a fome companheira constante e inseparável dos navegantes portugueses. Em casos extremos, muitas embarcações foram obrigadas a recorrerem aos muitos ratos que infestavam o navio como única forma de sobreviver”. Além das privações alimentares, o autor faz referência às acomodações a bordo, bastante insalubres, que geravam constrangimentos e desconforto. Esse ambiente hostil teria feito com que Portugal destinasse cada vez mais degradados para participarem dessas carreiras, já que os voluntários se direcionaram à carreira do Brasil. Como se não bastasse, havia ainda incontáveis doenças, motins e naufrágios (RAMOS, 1997). Há muitas informações disponibilizadas na Enciclopédia Virtual da Expansão Portu- guesa, um projeto vinculado à Universidade Nova de Lisboa. Você pode acessar o projeto pelo link a seguir. https://qrgo.page.link/dHo1B A chegada dos portugueses na América Seja chamada de achamento, conquista, descobrimento ou invasão, a chegada dos portugueses na América, no território que posteriormente seria chamado 9Portugal no contexto das grandes navegações de Brasil, sempre foi uma polêmica historiográfi ca, didática e política, tanto na forma de se referir ao evento e quanto nas conotações do emprego de dife- rentes conceitos. Do ponto de vista historiográfi co, desde a segunda metade do século XIX havia uma discussão sobre a intencionalidade dos portugueses quanto à chegada na América (VAINFAS, 2000). “Importava saber se foram mesmo os portugueses os primeiros a chegarem ao litoral do atual Brasil ou se outros europeus os haviam precedido. Importavam saber, em segundo lugar, se teria ocorrido intencionalidade lusitana na descoberta ou se, pelo contrário, havia sido ela casual, resultado de um desvio de rota na viagem da armada de Cabral para a Índia causado por uma tempestade no Atlântico, na altura da costa ocidental africana” (VAINFAS, 2000, p. 182). De acordo com Vainfas (2000), há quatro conjuntos documentais sobre a viagem de Cabral e o descobrimento do Brasil: os textos oficiais de preparo da viagem à Índia; os textos dos participantes da viagem; os textos enviados pela coroa portuguesa ao exterior, relatando a descoberta; a documentação cartográfica. A análise desses documentos, juntamente com as interpretações historio- gráficas, permite “ao menos presumir que Portugal suspeitava da existência de terras no Atlântico sul, a oeste da África, muito antes de 1500. Talvez por isso tenha D. João II insistido, depois da viagem de Colombo em 1492, para que se estendesse de 100 para 370 léguas o meridiano traçado a oeste de Cabo Verde [...] a fim de que parte das terras por descobrir no Atlântico fossem portuguesas” (VAINFAS, 2000, p. 183). A expedição de Pedro Alvares Cabral foi organizada após o retorno de Vasco da Gama de sua viagem às Índias. Nascido entre 1468 e 1469, Cabral era fidalgo da casa real, chegando posteriormente, por volta de 1494, a cavaleiro da Ordem de Cristo, a mais importante ordem de cavalaria de Portugal, supondo-se que “alguma coisa tivera feito para merecê-la” (MAGALHÃES, 2013, p. 10). Cabral saiu de Lisboa no dia 9 de março de 1500 com destino a Calicute, na Índia, com o objetivo de estabelecer uma feitoria e celebrar acordos para garantir o monopólio comercial português. Sua armada era composta de dez naus e três caravelas, totalizando 1.500 homens, incluindo representantes da nobreza, artesãos, comerciais, religiosos, soldados e degredados (MAGA- LHÃES, 2013). Em 22 de abril de 1500, chegaram na América. No dia 26 de abril, frei Henrique de Coimbra, capelão da esquadra, celebrou a primeira missa Portugal no contexto das grandes navegações10 na nova terra, no local hoje conhecido como Coroa Vermelha, na Bahia. Cabral tomou posse formal do novo território em nome da casa real portuguesa em 1º de maio. No dia seguinte, a esquadra partiu rumo às Índias. Uma nau voltou a Portugal com as cartas dos pilotos, inclusive a de Caminha, que relatavam a descoberta ao rei. Ficaram em terra dois desertores e dois marinheiros com a missão de aprender a língua dos nativos (MAGALHÃES, 2013). Os portugueses, ao chegarem na América, não conheciam a dimensão do território, e pensaram se tratar de uma ilha que, inicialmente, chamou-se Vera Cruz. Após as navegações exploratórias, mudou-se a compreensão sobre o espaço e a territorialidade, e as terras conquistadas por Portugal também foram mudando de nome: Terra de Santa Cruz, Terra dos Papagaios, Terra dos Brasis. Esses diferentes nomes aparecem nos mapas elaborados à época (SOUZA, 2013). Nos anos seguintes, foram enviados ao território uma série de expedições de reconhecimento, e nessas viagens, muitos homens se estabeleceram na América. Além de degredados expulsos de Portugal, havia aqueles que se sentiam atraídos pela possibilidade de enriquecer, comerciantes, nobres em- pobrecidos em busca de ouro, aventureiros, oficiais reais, soldados, náufragos, desertores, religiosos e cristão novos (COSTA, 1956). BLANCO, A. L. Possíveis representações da sociedade portuguesa dos séculos XIV e XV nas crônicas de Fernão Lopes e Gomes Eannes de Zurara: a produção de memória da Dinastia de Avis. 2016. 110 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2016. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. JOÃO, M. I. Sagres, lugar mítico da memória. In: CARVALHO, D. (Ed.). Des(a)fiando discur- sos: homenagem a Maria Emília Ricardo Marques. Lisboa: Universidade Aberta, 2005. MAGALHÃES, J. R. Quem descobriu o Brasil? In: FIGUEIREDO, L. (Org.). História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. RAMOS, F. P. Os problemas enfrentados no cotidiano das navegações portuguesas da carreira da Índia: fator de abandono gradual da rota das especiarias. Revista de História, n. 137, p. 75–94, 1997. RUSSEL-WOOD, A. J. R. A dinâmica da presença brasileira no Índico e no Oriente. Séculos XVI-XIX. Topoi (Rio de Janeiro), v. 2, n. 3, p. 9–40, 2001. SOUZA, L. M. O nome Brasil. In: FIGUEIREDO, L. (Org.). História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. VAINFAS, R. Dicionário do Brasil colonial, 1500–1808. 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