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Aula - Dicotomias I (Direito Público e Direito Privado) - 11-01-2011

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sistema estático das normas: as grandes dicotomias
A dogmática jurídica é orientada para a construção de instrumentos que facilitem a decidibilidade das situações e controvérsias sociais. Para isto, estabelece aquilo que o autor chama de lugares comuns (topoi) que facilitam a sistematização da matéria jurídica.
Alguns desses argumentos tópicos são aqueles estudados na caracterização dos diversos tipos de normas jurídicas expostos (que são as distinções da semiótica jurídica). Mas apenas tais distinções não permitem um exame adequado da matéria, tendo em vista a necessidade de classificações mais amplas para ordenação dos elementos do direito. É aqui que entram as chamadas “grandes dicotomias”, referidas por Bobbio (apud FERRAZ, 2003, p. 132) como as distinções entre direito público x direito privado e direito objetivo x direito subjetivo.
Uma ressalva feita pelo autor é relevante: todas as construções desses lugares comuns não são logicamente rigorosas, mas se tratam de critérios amplamente aceitos que permitem “domínio mais abrangente e coerente possível dos problemas” (p. 132).
Antes de traçar a contemporânea distinção entre direito público e direito privado, o autor retoma a história da relação entre esfera pública e esfera privada. Com Arendt (apud FERRAZ, 2003, p. 133-137) vai ser afirmada a distinção entre os dois espaços na Antiguidade, refletindo os âmbitos de atuação do homem privado (submetido à necessidade da natureza, sobre a qual atua por meio do labor e no qual não há liberdade) e do homem político (representado apenas pelos poucos cidadãos, efetivamente livres, que tinham na ação sua atividade peculiar discursiva referente ao debate sobre os critérios do direito e do governo). Marcante, aqui, a concepção de liberdade refletida na possibilidade de participação nas decisões políticas (a liberdade dos antigos, no sentido descrito por Benjamin Constant). Adiciona-se à ação e ao labor um terceiro tipo de atividade, o trabalho, intermédio, mais próximo da esfera pública, caracterizado por ser uma ação orientada a um fim, uma transformação da natureza.
A distinção, para o autor, perdeu um pouco de seu vigor na Idade Média, com o conceito de social, que engloba as duas esferas. Na Modernidade, o social engloba a família e a política, de forma que a distinção entre público e privado é reinventada e amparada na oposição entre coletivo e indivíduo. Importante perceber o cunho marcantemente moderno desta distinção, tendo em vista, como dissemos aulas atrás, que a própria ideia de “indivíduo” – inexistente na Antiguidade e no Medievo – surge na Modernidade. Não se tem mais a distinção entre os seres da esfera pública (os livres) e os reclusos à esfera privada (escravos etc.), mas entre os âmbitos individual e social da vida humana.
O autor ainda mostra como a paulatina identificação entre ação e trabalho leva a uma completa transformação daquela, que passa a ser uma atividade volta à consecução de finalidades sociais (segurança, paz, bem-estar etc.).
A distinção coletivo x indivíduo vai encontrar no surgimento do Estado (outra figura tipicamente moderna) sua representação mais acabada. É, assim, a diferenciação entre as esferas de atuação do Estado e dos indivíduos e entre seus poderes de atuação que passa a marcar a distinção entre os espaços públicos e os espaços privados.
A atuação dos indivíduos, nesta fase, é ligada à acumulação de riquezas e a atuação do Estado à geração de bens de uso social. Seus interesses passam a ser vistos como contrapostos. Mas a nova identificação entre atividades (desta feita entre trabalho e labor) e a constante atuação do Estado nas esferas classicamente privadas (regulamentando o mundo do trabalho, a seguridade social, dirigindo e orientando a economia etc.) levam ao quadro contemporâneo de difícil separação entre estas esferas. Torna-se muito difícil, senão impossível, marcar com precisão os espaços do público e do privado.
Apesar de não tratado pelo autor, uma dificuldade adicional emerge no contexto do fim do século XX e do início do século XXI: trata-se do surgimento dos chamados espaços públicos não estatais, o Terceiro Setor, que busca a ressignificação do público e a sua não identificação com o Estado. A tradicional (moderna) ligação do público com o estatal é questionada pela afirmação de espaços da sociedade que concernem ao interesse de todos e que não contam com a preeminência do Estado.
Portanto, contemporaneamente, não é mais possível afirmar a existência de espaços públicos e privados demarcados. Nem a ausência do Estado é mais suficiente para não considerar público determinado setor. Ainda assim, como chave sistemática para o estudo dos ramos do direito, entendemos o privado como o locus de ordenação social que se refere basicamente às relações dos sujeitos estabelecidas com base na autonomia da vontade, e o público como a esfera das relações sociais (estatais ou não) em que a soberania e o interesse coletivo são os critérios predominantes.
Ao tratar da evolução do direito público e do direito privado, o autor vai fazer uma íntima ligação com a discussão das esferas acima realizada. Aborda algumas teorias que identificariam esses dois ramos do direito, seja a partir do destinatário das normas (Estado x indivíduos), seja a partir do interesse predominante (privado x público), seja, por fim, na existência de relações de subordinação ou de coordenação.
O autor prefere, para sua diferenciação, não condenar e nem eleger nenhum destes critérios. Vai buscar no princípio da soberania (direito público) e na autonomia da vontade (direito privado) as chaves conceituais de identificação destes ramos, destacando, ainda, as distintas feições que a legalidade assume nos dois campos e o aspecto da (des)igualdade dependendo do ramo jurídico tratado. Mostra a impossibilidade de definições absolutas ao expor, por exemplo, que nem todos os atos públicos revestem-se de soberania, entre outros. Mas, em linhas gerais, usa esse critério como um topoi para a distinção que, reconhece, possui utilidade dogmática no direito.

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