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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências Humanas e Sociais – CCH Licenciatura em História - EAD UNIRIO/CEDERJ DISCIPLINA: COORDENAÇÃO: AP1 2023.1 GABARITO AP1 2023.1 1) Preencha a tabela abaixo indicando ao menos três das características da historiografia metódica e três características da historiografia dos Annales. Informe os nomes de ao menos dois historiadores vinculados a cada vertente (2,5 pontos) A resposta a esta questão está baseada no artigo de Tânia Regina de Luca, indicado como obrigatório na disciplina. Isso não exclui outras respostas pertinentes, fundamentadas em textos lidos. As respostas não precisam contemplar todos os itens aqui listados, mas devem demonstrar a leitura e compreensão do artigo indicado. Historiografia metódica Historiografia dos Annales • Relação com o contexto de fortalecimento dos Estados nacionais no século XIX; • Historiografia relacionada ao processo de construção e difusão do patriotismo e de formação do cidadão patriótico; • Historiografia relacionada à constituição de um passado comum, utilizado como síntese das tradições nacionais; • Preocupação com levantamento exaustivo de documentos, submetidos à crítica interna e externa; • Definição da história como ciência, sob a inspiração das ciências naturais; • Narrativa com pretensão de objetividade e cientificidade; • Esforço para afastar a história da intervenção de forças sobrenaturais, opiniões filosóficas, aportes da imaginação e recursos retóricos, em prol da objetividade; • Cuidadoso arrolamento de fontes, submetidas à análise crítica rigorosa; • Dependência dos testemunhos direitos, considerados como fontes mais autênticas ou fontes primárias; • Busca da precisão vocabular; • Predileção pelo político; • História aberta a questionamentos e problematicações; • Abandono do político, da cronologia, dos fatos e dados tomados em si mesmo, da glorificação dos grandes homens e seus feitos, da noção estreita de documento e do tempo curto do evento; • Interesse por fenômenos coletivos, multidões e o povo; • Interesse em explorar a complexidade temporal, com seus diferentes ritmos e durações; • Abandono da superfície dos acontecimentos em favor das estruturas mais profundas; • Interesse em analisar o imaginário e as mentalidades; • Trabalho com grandes séries documentais visando construir curvas e gráficos; • Apropriação de múltiplos vestígios do passado; • Busca de uma história econômica e social, com vocação totalizante (história total); • Crítica da fixação dos metódicos nos documentos escritos; • Ampliação conceitual; • Crítica à história-narrativa, sinônimo de história événementielle; • Confiança em uma história capaz de manipular instrumentos próprios, alargar o campo de • Apego aos documentos • Crença na possibilidade de um conhecimento objetivo, do qual o sujeito guardaria distância e autonomia em relação ao que pretende compreender; • História autoproclamada neutra e objetiva; • Crença de que a tarefa do historiador se encerra quando todos os documentos forem descobertos, depurados e colocados em ordem; • Crença de que a história dispõe de um estoque limitado de documentos e os progressos da ciência histórica são limitados; • Historiadores relacionados (citados no artigo indicado): Hippolyte Taine, Fustel de Coulanges, Gabriel Monod, Gustave Fagniez, Charles-Victor Langlois, Charles Seignobos, Leopold von Ranke; Ernest Lavisse. pesquisa e elaborar um saber seguro, controlado por modelos de inteligibilidade; • Descoberta de novas fontes • Estudos sobre as camadas populares e os excluídos (a chamada história vida de baixo); • discussões sobre gênero; • mudanças de escala de observação; • problemáticas centradas no conceito de cultura; • renovado interesse pela biografia e pelos registros dos indivíduos comuns, pelas escritas de si, pela história oral, pelas possibilidades de estudo das imagens; • historiadores relacionados: Marc Bloch e Lucien Febvre. 2) O que é fonte histórica? Cite ao menos dois exemplos de fontes históricas conhecidas pelos historiadores. (2,0) Fonte histórica é todo tipo de vestígio das ações humanas que pode ser utilizado pelos historiadores no estudo da história. Esses vestígios são transformados em fontes históricas mediante a análise crítica, o questionamento e a problematização feitos pelo historiador, o que permite extrair informações necessárias para atender os objetivos da pesquisa histórica. A resposta pode variar, mas deve demonstrar a compreensão de que é o trabalho do historiador que transforma vestígios em fontes e que essas fontes podem ser muito variadas. A fonte pode ser definida como sinônimo de documento, desde que o entendimento do termo documento não seja restrito a um certo tipo. 3) No artigo Venus em dois atos (2020), Saidyia Hartman afirma que escolheu não contar uma história sobre Vênus, porque isso implicaria em ultrapassar as fronteiras do arquivo. Ao mesmo tempo, a autora diz preferir escrever um romance capaz de exceder as ficções da história. Explique quais são os limites, as fronteiras do arquivo, no caso analisado por Hartman, e quais são as ficções da história autorizadas por esse arquivo. (3,0) Saidya Hartman optou por não contar uma história sobre Vênus, porque isso implicaria em ultrapassar as fronteiras do arquivo. Os limites do arquivo são dados pelo tipo de documentos guardados. Documentos que expressam a ação do poder sobre os corpos dos escravizados. Suas vozes não são ouvidas nesses documentos, o que, por conseguinte, apenas reproduz a violência da escravidão. Por isso a autora se refere à violência do arquivo e seus limites. O objetivo do ensaio de Hartman é tentar descrever as condições que determinam a aparição e o silêncio de uma personagem no arquivo, que é a mulher escravizada designada pelo nome de Vênus. Essa personagem aparece no arquivo da escravidão como uma garota morta em um processo judicial. A autora observa que outras mulheres escravizadas também aparecem nos arquivos em documentos como um livro de contabilidade de um navio, um registro de débitos, o diário de um feitor, uma narrativa de soldado, um relato de viajante, um romance pornográfico. Vários tipos de fontes encontradas nos arquivos são listadas e permitem identificar um certo padrão de representação das mulheres negras escravizadas. Esse padrão estabelece um limite para a compreensão da história dessas personagens. O arquivo não registra seus nomes ou suas palavras e pensamentos, não diz nada sobre sua vida anterior ao encontro com o poder daquele que produziu o registro. A história é contada por testemunhas falhas e extemporâneas, que fornecem um breve registro de seu encontro com o poder. Algo que Hartman considera insuficiente para que possamos compreender sua existência. A autora aponta a dificuldade de recuperar as vidas escravizadas, uma vez que os arquivos estão repletos de escândalo e de excesso que configuram aquilo que ela define como “investimento libidinal na violência”, aparente em vários tipos de documentos que fornecem as informações para o nosso conhecimento do passado. Em suas palavras, “o que foi dito e o que pode ser dito sobre Vênus tem como certo o tráfego entre fato, fantasia, desejo e violência” (p. 20). Essa mistura de fato, fantasia, desejo e violência que pode ser encontrada na documentação dos arquivos permite à autora argumentar que a historiografia também produz ficções, não apenas quando preenche as lacunas da documentação, mas quando não questiona os limites da documentação existente. A resposta deve ser capaz de indicar a compreensão dos limites das fontes localizadas nos arquivos. Ao mesmo tempo, deve procurar explicar quais são as ficçõesda história autorizadas por esse tipo de arquivo. Essas ficções, segundo Hartman, estão presentes na própria historiografia que utiliza as fontes dos arquivos. A autora propõe uma alternativa a isso que ela identifica como ficções, mas a questão aqui proposta não indaga sobre isso. O que se espera que os(as) alunos(as) respondam é quais são os limites dos arquivos e que ficções são produzidas a partir desses mesmos arquivos. A autora critica a historiografia que se limita a reproduzir a violência da escravidão a partir de fontes que somente expressam essa violência, sem tentar questionar os limites das fontes guardadas nesses arquivos, nem questionar os próprios limites da representação historiográfica e indagar sobre a ética dessa representação. 4) Segundo a historiadora Silvia Hunold Lara, no artigo Os documentos textuais e as fontes do conhecimento histórico (2008), o processo de transformação dos textos em fontes depende do que os historiadores querem saber sobre o passado. De acordo com as perguntas feitas, os documentos podem se mostrar mais ou menos úteis. Elabore um passo a passo, uma lista numerada de ações a serem adotadas no trabalho com fontes escritas. Você pode utilizar como exemplo o mesmo caso analisado por Lara ou outro caso qualquer. Esse passo a passo deve ter, no mínimo, três etapas. (2,5 pontos) A resposta deve demonstrar a compreensão de que um texto pode ser transformado em fonte e isso depende do que os historiadores querem saber sobre o passado. Um passo a passo é um roteiro para transformar um texto em fonte. A autora utiliza vários textos em seu artigo, mas fornece instruções básicas sobre como retirar dados e obter respostas para as nossas perguntas, o que Lara define como um processo de inventar fontes. Um exemplo de passo a passo a partir das indicações e fontes usadas por Lara é o seguinte: 1- Coletar textos produzidos na época estudada e que falem sobre o fato focalizado. No caso de Lara, ela busca textos sobre os mocambos instalados nas serras de Pernambuco no século XVII, observando que, geralmente, esses textos foram produzidos por militares encarregados de expedições punitivas ou governadores que lutaram contra esses mocambos. 2- Cruzamento de informações fornecidas por vários textos da época, de modo a formar um quadro das características daqueles mocambos e dos eventos a eles relacionados. 3- Levar em conta a perspectiva, o ponto de vista de quem escreveu os relatos, no caso, portugueses e holandeses, incapazes de compreender a cultura dos fugitivos. Sendo assim, é importante fazer a crítica do etnocentrismo presente nas fontes, verificando como as palavras são usadas para traduzir costumes, nomes e cargos centro-africanos. Deve-se ainda prestar atenção nas diferenças de ortografia e transcrição que ocorrem na transmissão de um manuscrito para outro ao longo do tempo. 4- Aprofundar o conhecimento dos autores dos textos e conhecer o contexto em que foram produzidos, visando superar a “falsificação ideológica” presente nesses textos. Não se deve tomar o que está escrito ao pé-da-letra, pois pode haver exageros, mentiras e invenções em função dos interesses pessoais e pessoais de seus autores. A leitura desses textos não deve buscar apenas o que foi escrito, mas como foi escrito e como o texto circulou e foi guardado. O importante é que a resposta demonstre a compreensão de que o trabalho do historiador não se resume a repetir o que as fontes dizem, mas a analisar essas fontes de forma crítica, contextualizando e comparando diversos tipos de fontes.
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